UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ENFERMAGEM Danielle de Araújo Moreira PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: VISÃO DE PROFISSIONAIS, USUÁRIOS E GESTORES BELO HORIZONTE 2014 Danielle de Araújo Moreira PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE: VISÃO DE PROFISSIONAIS, USUÁRIOS E GESTORES Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Área de concentração: Saúde e Enfermagem Linha de pesquisa: Organização e Gestão de Serviços de Saúde e de Enfermagem Orientadora: Prof. a Dr. a Maria José Menezes Brito BELO HORIZONTE 2014 Dedico este trabalho, àqueles que dedicam suas vidas a uma arte, a arte de cuidar. AGRADECIMENTOS A Deus, por iluminar meus pensamentos e colocar em meu caminho pessoas especiais. Aos meus pais, verdadeiros mestres da minha vida, por terem me ensinado o que é amor incondicional e por não medirem esforços para a concretização deste sonho. Aos meus irmãos Leomar, Fabrício e Giselle, por participarem intensamente desta trajetória. Este trabalho tem um pouquinho de cada um de vocês. À Maria Luiza e Ana Beatriz, por darem mais significado a minha vida. Aos amigos que Deus me enviou, pelo apoio e companheirismo infindáveis. À querida Maria José, por ter o dom de “falar a língua dos anjos” e por me ensinar que o sucesso depende dos sentimentos cultivados nas relações e nas ações cotidianas. À professora Marília Alves pela disponibilidade, carinho e atenção, e pelo exemplo de competência e profissionalismo. Às queridas amigas do NUPAE, por serem verdadeiras “Anjas” e tornarem esta caminhada cada dia mais prazerosa. À professora Natália Horta, por ter me ensinado a dar os primeiros passos na pesquisa. Aos professores e colegas do REUNI, pela convivência e pela troca de saberes. Aos professores da PUC Minas, pelas oportunidades riquíssimas de aprendizado. Aos funcionários e professores da Escola de Enfermagem da UFMG, pelo acolhimento e pelos momentos de convívio. À CAPES, por propiciar subsídios para a realização desta conquista. RESUMO MOREIRA, D. A. Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde: visão de profissionais, usuários e gestores. 2014. 115 f. Dissertação [Mestrado em Enfermagem] – Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. O presente estudo teve como objetivo compreender a visão de profissionais, usuários e gestores sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde, no município de Sarzedo, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte-MG. Constituíram o estudo sete enfermeiros, onze técnicos de enfermagem, quatro médicos e dezessete usuários, perfazendo 39 participantes. Os participantes foram divididos em dois grupos: os primários – enfermeiros; e os secundários – técnicos de enfermagem, médicos e usuários. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (Parecer: 535.523) e pela secretaria de saúde do município de Sarzedo por meio de carta de anuência. Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, na qual a coleta de dados foi realizada no período de março a maio de 2014, sendo utilizada a entrevista com roteiro semiestruturado e observação, após a aquiescência dos sujeitos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para a análise dos dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo proposta por Bardin (2009). Os resultados foram organizados em três categorias, a saber: Compreendendo a utilização e implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde; Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde e nos Serviços de urgência – “pra urgência, é perfeito, mas na Atenção Básica não rola”; Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde na visão do ser cuidado. A análise dos dados permitiu identificar desafios e potencialidades que permeiam a utilização do Protocolo de Manchester na APS. Os participantes salientaram a importância de se instituir critérios para a classificação de risco de usuários que buscam atendimento no primeiro nível de assistência, no entanto, criticaram e consideraram insuficiente utilizar um sistema de triagem desenvolvido para os serviços de urgência e emergência. Na visão dos profissionais, é inviável adotar uma conduta de classificação que não pode ser efetivada, afinal, diferente dos serviços para os quais o Protocolo de Manchester foi criado, os profissionais da APS lidam com horário de trabalho limite, que não condiz com o tempo de espera instituído para a triagem. Além disso, um aspecto importante destacado pelos enfermeiros é que a implementação da classificação de risco pelo Protocolo de Manchester afeta ações preconizadas para o primeiro nível de atenção. Os enfermeiros afirmam que a implantação do Protocolo de Manchester afetou o vínculo com o paciente, a escuta qualificada e a resolução de demandas que ultrapassam as questões diagnósticas e os discriminadores elencados pelo TRIUS. Apesar de entenderem que a classificação de risco rompe com um sistema de filas e atendimento por ordem de chegada, os profissionais sinalizam também que o cerne da APS, pautado no acolhimento, está sendo negligenciado. As potencialidades citadas pelos participantes consistiram no respaldo propiciado pelo PM, por conter documentos eletrônicos que comprovam as condutas realizadas; na possibilidade de classificar os usuários de acordo com a condição clínica, para estabelecer prioridades e organizar o atendimento; e no rompimento com o atendimento por ordem de chegada/filas. No que tange a visão dos usuários, estes declararam que a triagem consiste em uma ferramenta útil para priorizar casos mais graves que demandam atendimento com mais urgência, no entanto, à demora em receber atendimento e o agendamento de consultas foram críticas que emergiram dos depoimentos. O estudo possibilitou a compreensão de que a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde acarreta lacunas que precisam ser rompidas para garantir a continuidade dos princípios que regem a prática profissional neste nível de atenção. Os enfermeiros que atuam na APS devem estar atentos para as necessidades de cada individuo e compreenderem que o adoecer pode ser expresso e entendido de maneiras distintas entre os usuários. O importante é que a classificação de risco seja pautada no acolhimento, na escuta, no estar com “o outro”, sendo um momento de encontro, de vínculo e de cuidado. Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde; Enfermagem; Triagem ABSTRACT MOREIRA, D. A. Manchester Triage System in Primary Health Care: a view from professionals, users and managers. Dissertation [Master's in Nursing] – 115 p. School of Nursing, University of Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. The present study is aimed at understanding the point of view from professionals, users and managers of the Manchester Triage System in Primary Health Care in the city of Sarzedo, located in the metropolitan area of Belo Horizonte, Minas Gerais. The study consisted of seven nurses, eleven nursing technicians, four doctors and seventeen users; bringing the total of 39 participants. The participants were divided into two groups: the primary one - nurses; and the secondary one – nursing technicians, doctors and users. This research was approved by the Ethics Committee of UFMG (protocol number: 535.523) and by the Health Secretariat of Sarzedo, made through concession letter. It is a qualitative approach research, in which data collection was carried out within the months of March and May in 2014. Observation and a semi-structured survey questionnaire were used in the interview only after its participants’ consent and their signature on the Informed Consent Form (ICF). In order to do the data analysis, it was used the content analysis technique proposed by Bardin (2009). The results were organized into three categories: Understanding the use and the implantation of the Manchester Triage System in Primary Health Care; Manchester Triage System in Primary Health Care and in Emergency Services- “It works perfectly for the Emergency Care, but in Primary Care it doesn’t work at all”; Manchester Triage System in Primary Health Care the view from the one who is being assisted. The data analysis allowed us to identify the challenges and potentialities that permeate the use of the Manchester Triage System in Primary Health Care. The participants stressed the importance of establishing criteria when it comes to the users’ risk classification for the ones who look for assistance in a Primary Care level. However, they also criticized the system and regarded it as insufficient, once it was developed to meet the Urgency and Emergency needs. According to the professionals’ outlook, it is impracticable to adopt a classification conduct that cannot be effectuated, after all, unlike the services which the Manchester Triage System was created, the MTS professionals deal with a working schedule that does not match the waiting time standard established for the triage. Moreover, the nurses pointed out another important aspect- the implementation of the risk classification by the Manchester Triage System affects the recommended actions for a primary level of assistance. The nurses stated that the implantation of the MST affected not only the bonds between professionals and patients, but also the qualified listening, the resolution of demands that exceed the diagnosis questions and the discriminators listed by TRIUS. Despite understanding that the risk classification disrupts the queuing system and the first-come first-served basis, the professionals also emphasized that the core of Primary Health Care, presented in the patient’s embracement, is being neglected. The potentialities mentioned by the participants consisted in the support provided by the MTS, for it has electronic documents that prove the conducts which were held. Then, it may bring the possibility of classifying the users by their medical conditions so as to establish priorities, organize patient’s assistance and disrupt the first-come first-served attendance/lines. In the users’ point of view, the triage consists of a useful tool to prioritize the most serious cases that demand a more urgent care. On the other hand, they also criticized the delays on receiving assistance and the scheduling of medical appointments. The study enabled the understanding that the use of the Manchester Triage System in Primary Health Care leads to gaps that need to be broken in order to ensure the continuity of the principles that conduct professional practice in this level of assistance. The Primary Health Care nurses should be attentive to each individual’s need and comprehend that the act of getting sick can be expressed and understood in many different ways by the users. The important thing is that the risk classification should be guided in the patient’s embracement, in being with each other and in a moment of encounters, bonds and care. Key words : Primary Health Care, Nursing, Triage LISTA DE FIGURAS E QUADROS Figura 1- Fluxograma orientador da Classificação de Risco na Emergency Severity Index (ESI©) .................................................................................................................. 24 Quadro 1 - Níveis de classificação, descrição do nível e tempo alvo para avaliação médica estabelecidos pela Australasian Triage Scale (ATS) ......................................... 27 Quadro 2 - Níveis de classificação, descrição clínica e tempo alvo para atendimento estabelecido pela Canadian Triage and Acuity Scale (CTAS) ....................................... 27 Quadro 3 - Nível, classificação, cor e tempo estabelecidos para o Sistema de Triagem de Manchester...................................................................................................................... 29 Figura 2 - Marcos legais: da criação do Sistema Único de Saúde ao Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde ...................................................................... 38 Figura 3 - Organograma: estrutura organizacional da saúde .......................................... 42 LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACS – Agente Comunitário de Saúde AIS – Ações Integradas de Saúde APS – Atenção Primária à Saúde ATS – Australasian Triage Scale COEP – Comitê de Ética em Pesquisa CTAS – Canadian Triage and Acuity Scale ESF – Estratégia de Saúde da Família ESI – Emergency Severity Index GBCR – Grupo Brasileiro de Acolhimento com Classificação de Risco INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social MTG – Manchester Triage Group NUPAE – Núcleo de Pesquisa Administração em Enfermagem PNH – Política Nacional de Humanização PM – Protocolo de Manchester PSF – Programa Saúde da Família SES-MG – Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais STM – Sistema de Triagem de Manchester SUS – Sistema Único de Saúde TCLE – Termo de Consentimento Livre Esclarecido UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais UAI – Unidade de Atendimento Imediato UPA – Unidade de Pronto Atendimento SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 16 1.1 Nota preliminar ................................................................................................................. 16 1.2 Gênese do estudo ............................................................................................................... 17 1.3 Objetivo ............................................................................................................................. 22 1.3.1 Objetivo geral ............................................................................................................. 22 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA EM ESTUDO ............................................................. 24 2.1 Protocolo de Manchester: resgate histórico e descritivo ................................................... 24 2.2 Atenção Primária à Saúde: a política do acolhimento e o Protocolo de Manchester ........ 31 3 PERCURSO METODOLÓGICO ............................................................................................ 41 3.1 Tipo de estudo ................................................................................................................... 41 3.2 Cenário .............................................................................................................................. 42 3.3 Participantes ...................................................................................................................... 44 3.4 Coleta de dados - Métodos e técnicas ............................................................................... 46 3.5 Análise dos dados .............................................................................................................. 49 3.6 Preceitos éticos .................................................................................................................. 50 3.7 A inserção e a vivência no campo ..................................................................................... 51 4 RESULTADOS ........................................................................................................................ 53 4.1 Perfil dos participantes .......................................................................................................... 53 5 COMPREENDENDO A UTILIZAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE ........................................................ 55 5.1 O Protocolo de Manchester e os princípios da Atenção Primária à Saúde - “eu não tenho mais esse tempo pra escutar” ................................................................................................. 70 5.2 Sentimentos sobre a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde – “uma faca de dois gumes” .................................................................................................... 78 6 PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E NOS SERVIÇOS DE URGÊNCIA – “pra urgência, é perfeito, mas na atenção básica não rola” ... 83 7 PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NA VISÃO DO SER CUIDADO .......................................................................................................................... 93 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 101 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................ 105 APÊNDICES ............................................................................................................................. 113 ANEXOS................................................................................................................................... 119 15 “A pesquisa é como a arte... Ela entra em nossas vidas... E nos escolhe... e nos encanta...” (Danielle Moreira) 16 1 INTRODUÇÃO 1.1 Nota preliminar O maior artefato de um pesquisador é atentar para as experiências cotidianas que permeiam o objeto de estudo ao qual se dedica. Por conseguinte, opto por iniciar este trabalho com um texto reflexivo, que apresenta a vivência de um médico com o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. “Trabalhar como médico em uma Unidade de Saúde não é tarefa fácil. Tudo se torna ainda mais difícil quando este médico procura conhecer o funcionamento dessa imensa rede “descentralizada”. Recentemente estava em meu posto de saúde quando fui surpreendido com a chegada de um computador modernóide, equipado com um medidor de saturação de oxigênio e um termômetro auricular. Um técnico prontamente instalava em um bairro miserável de uma região mineradora/metalúrgica o que seria, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, os meios para aplicação de um protocolo que “facilitará a estruturação da rede e o encaminhamento do usuário. A nossa meta é que todo o atendimento realizado seja baseado na necessidade real do usuário, e não mais na ordem de chegada”. Minas Gerais é o primeiro estado brasileiro a implantar, na atenção básica, o Protocolo de Manchester. Bom, mas aí vem a pergunta: Por que implantar na atenção básica um modelo que foi criado para a urgência e emergência? Ouso dizer que se o paciente grave chegou a um Posto de Saúde ele já está no local errado para seu atendimento! À unidade básica de saúde cabem os casos de atenção primária, prevenção e promoção de saúde. Qual o interesse em protocolizar o meu afluxo de pacientes numa lógica criada para o paciente que necessita de atendimento emergencial? A lógica, meus amigos, é a mesma que rege nossas vidas como um Grande Irmão (falo do livro de George Orwell). É a lógica que joga às mãos dos incapazes de 17 receber com afeto seus pacientes no posto de saúde um computador frio que, em formato de extrato de banco, lhe dirá qual é o tempo que sua doença pode esperar. Fizemos o caminho inverso! Que se comprem equipamentos para implantar o software já adquirido. Mas e a necessidade do software, quando foi discutida? Se a justificativa é “reduzir o tempo de espera” devo salientar que isso passa muito mais por uma política local de acolhimento que pela aquisição de máquinas! O tempo de espera, bem como a forma e a condição que este paciente deverá esperar, é trabalhado pela equipe sob a égide de preceitos éticos e de acordo com a capacidade de operacionalização do serviço local. Num posto onde não tenho carro para fazer visitas domiciliares um oxímetro é perfeitamente dispensável. Onde não há disponibilidade de D.I.U. (dispositivo intra-uterino) e freqüentemente falta captopril (medicamento básico para o tratamento de Hipertensão Arterial) não é necessário um termômetro auricular! Num estado desigual como o nosso 73 milhões de reais jogados fora com aparato tecnológico soam como deboche aos moradores de um bairro que não tem nem mesmo local para se fazer caminhadas. Um bairro que não tem praças, que convive com esgoto a céu aberto, onde falta água potável e sobram bares e bocas de fumo! Agora poderei dizer aos meus pacientes analfabetos que “segundo o protocolo de Manchester a senhora deve aguardar 2 horas”! Grande evolução na minha relação com meus pacientes...” Nota: Fragmentos do texto “Da Política das Pulgas (e dos investimentos no Protocolo de Manchester)”. Texto utilizado após aquiescência do autor. 1.2 Gênese do estudo O interesse pela temática que delineou esta pesquisa emergiu de indagações, anseios e inquietações referentes à perspectiva histórica e política da Atenção Primária à Saúde (APS) no Brasil. Com o intuito de compreender o contexto que antecede a utilização do Protocolo de Manchester (PM) no nível de atenção à saúde pré-citado, e 18 para dar subsídio à discussão aqui proposta, torna-se pertinente o resgate de aspectos relacionados ao Sistema Único de Saúde (SUS), a APS e a origem do Protocolo de Manchester. O sistema de saúde vigente no Brasil foi criado com a Constituição Federal de 1988, que determinou o acesso às ações de saúde como direito de todos os brasileiros, sendo dever do Estado subsidiar a qualidade e a integralidade do cuidado. Mais do que descentralizar as tomadas de decisões, as definições legais preconizam que os serviços desenvolvam ações de promoção, proteção e recuperação da saúde (BRASIL, 1988). A regulamentação e consolidação do Sistema Único de Saúde ocorreram por meio das Leis Orgânicas da Saúde nº 8080/90 e nº 8.142/90 que estabeleceram os objetivos, princípios e diretrizes do SUS. É por meio destas leis que ficam determinados critérios de organização, funcionamento e financiamento, responsabilizando todas as esferas de governo pelas ações de saúde (BRASIL, 1990a; BRASIL, 1990b; PAIM, 2009; SOUZA; COSTA, 2010). Com o surgimento do SUS e das determinações apontadas, tornou-se imprescindível modificar e ampliar a assistência prestada nos municípios. O modelo hegemônico médico centrado, tecnicista, com ênfase no indivíduo doente, já não atendia às necessidades de saúde da população (TEIXEIRA; SILVA; MONTEIRO, 2013). Um novo paradigma assistencial, organizado pela Atenção Primária à Saúde, passou então, a integrar as políticas e ações governamentais. A APS é um espaço de contato direto entre a população e os profissionais, e proporciona assistência continuada e preventiva (STARFIELD, 2002). Neste nível de atenção, é primordial a oferta de ações de cuidado longitudinal que visem à melhoria da situação de saúde e amplie o acesso do usuário aos diversos serviços (BRASIL, 2010). É principalmente por meio da atenção primária que o trabalho nos demais níveis deve ser planejado e ordenado. Um serviço prestado com qualidade na Atenção Primária à Saúde pode evitar agravos e aumento da demanda nos diferentes pontos da rede de atenção. Na rede, é fundamental que os serviços rompam com a hierarquia e se responsabilizem de forma igualitária na resolução dos problemas, com missão única e objetivos comuns (MENDES, 2010). 19 A especificidade da APS encontra-se na possibilidade de relacionar a demanda com o contexto em que a população está inserida, para que possam ser pactuados metas e acordos governamentais que influenciem positivamente nos problemas de saúde (STARFIELD, 2002). Na busca por um padrão de atenção que reorganizasse a assistência, objetivasse a atenção à família e aos indivíduos, tendo o usuário como corresponsável no processo saúde-doença-cuidado e avançasse do controle das doenças à promoção da saúde, mediante assistência humanizada, o Ministério da Saúde criou, em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF), com a finalidade de regularizar a Atenção Primária à Saúde no Brasil (OPAS, 2004; SOUZA; MANDU, ELIAS, 2013). Este programa, por questões relacionadas aos seus princípios, passou, a partir de 2006, a ser denominado Estratégia Saúde da Família (ESF). A mudança na nomenclatura sucedeu, principalmente, por se tratar de um projeto em permanente construção. As práticas na ESF são desenvolvidas por meio do trabalho em equipe, do estabelecimento de vínculo com a população da área de abrangência e de corresponsabilidades que devem ser estabelecidas entre o profissional e o usuário no processo de cuidado (BRASIL, 2010). Os profissionais que atuam na ESF precisam ter uma visão holística, para planejar, programar e possibilitar ações de vigilância, intervindo nos problemas de saúde que requerem um acompanhamento permanente e efetivo. Ademais, é preciso estimular a autonomia dos usuários inseridos em contextos sócio-culturais singulares (CORTEZ; TOCANTINS, 2006; KAWATA; et al, 2013). Dado que a APS visa legitimar a manutenção, recuperação e promoção da saúde, além de solucionar problemas de acordo com a realidade de cada sujeito, e que dentre estes se inclui o primeiro atendimento a casos agudos e de urgência e emergência, tornou-se necessário implantar um processo de organização da demanda espontânea, como uma forma de “contribuir na construção de uma linguagem comum entre os profissionais dos diferentes pontos da rede de atenção” (BELO HORIZONTE, 2014, p. 6). Historicamente, a APS organizava o fluxo de atendimento por meio do acolhimento. Todavia, esta avaliação profissional pode ser pautada por critérios de subjetividade (NEVES; HECKERT, 2010) capazes de minimizar ou maximizar as 20 demandas dos usuários. Com o intuito de utilizar um instrumento baseado em evidências para organizar a demanda espontânea, a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) optou por implantar a triagem classificatória de risco por meio do protocolo de Manchester em todas as unidades de atenção a saúde para padronizar os critérios de avaliação e propiciar atendimento da demanda espontânea em menor tempo, além de integrar os serviços de saúde, reduzindo a fragmentação da rede assistencial (MINAS GERAIS, 2012). Segundo a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (2010) a classificação de risco possibilita a organização do fluxo de pacientes que procuram os serviços de urgência/emergência e pode garantir um atendimento resolutivo e humanizado aos que se encontram em situação aguda ou crônica agudizada de qualquer natureza. É atribuído a todas as portas de entrada do SUS o compromisso de prestar atendimento resolutivo ou encaminhar responsavelmente todos os usuários portadores de quadros agudos, de natureza clínica, traumática ou psiquiátrica (BELO HORIZONTE, 2010). A Portaria 2048 de 2002 do Ministério da Saúde estabelece que o processo da triagem classificatória de risco deve ser realizado por profissional de saúde, de nível superior, mediante treinamento específico e utilização de protocolos. O objetivo é estabelecer prioridades de acordo com o grau de urgência dos pacientes (BRASIL, 2002). Shiroma e Pires (2011) afirmam que a classificação de risco sistematizada pelo Protocolo de Manchester determina padrões para o atendimento de emergências e substitui o modelo tradicional de organização das demandas. No entanto, para que a APS ofereça assistência aos casos de urgência/emergência, torna-se essencial que os profissionais tenham competência técnica, recursos materiais, estrutura física adequada, sistema de regulação de transporte e dos leitos de observação, além de recursos tecnológicos mínimos que possam subsidiar o cuidado qualificado e garantir a referência e contra-referência (LUMER; RODRIGUES, 2011). O compromisso da atenção primária ao atendimento de usuários com casos urgentes/emergentes, é apresentado na Portaria nº 1.600 de 2011, a qual “reformula a 21 Política Nacional de Atenção as Urgências e institui a Rede de Atenção às Urgências no Sistema Único de Saúde”. De acordo com esta portaria, a APS “tem por objetivo a ampliação do acesso, fortalecimento do vínculo e responsabilização e o primeiro cuidado às urgências e emergências, em ambiente adequado, até a transferência/encaminhamento a outros pontos de atenção” (BRASIL, 2011a). No Brasil, embora exista ampla utilização do Sistema de Triagem de Manchester nos serviços públicos de saúde, ainda são escassas pesquisas com o propósito de avaliá- lo (PINTO JÚNIOR, 2011). Estudos analisados pelo Grupo Brasileiro de Classificação de Risco (GBCR) comprovam que a utilização do Protocolo de Manchester tem atendido o objetivo de estabelecer tempo de espera e romper com o atendimento por ordem de chegada, organizando a rede de atenção com racionalização, resolutividade, equidade do acesso, e humanização dos serviços de saúde. Todavia, o grupo afirma que os dados apontados até o momento contemplam apenas a realidade hospitalar, requerendo uma correlação com dados da APS (GBCR, 2010). De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde a utilização do Protocolo de machester na Atenção Primária “busca garantir que todos os cidadãos que necessitam dos serviços de urgência e emergência sejam atendidos de acordo com a gravidade, aumentando assim, a resolutividade e o vínculo entre a população e a equipe” (MINAS GERAIS, 2012). É pautado nestes termos que a discussão proposta se torna ainda mais relevante, pois se tem como pressuposto que a implantação do protocolo de Manchester na APS pode ir contra os princípios instituídos para este nível assistencial. O estabelecimento, por lei, de que o atendimento a casos agudos, de urgência e emergência, deva ser prestado por todas as “portas de entrada” do SUS, consolidou a implantação do protocolo de Manchester na APS. No entanto, ao se considerar os princípios da atenção primária citados anteriormente, a problemática de pesquisa que aqui se apresenta diz respeito à visão de profissionais, usuários e gestores em relação à implantação do protocolo de Manchester na APS, haja vista a recente definição apresentada pela Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais em relação a esta nova perspectiva de classificação de risco do usuário. 22 Assim, pretende-se responder à seguinte pergunta de pesquisa: Qual a visão de profissionais, usuários e gestores sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde? 1.3 Objetivo 1.3.1 Objetivo geral Compreender a visão de profissionais, usuários e gestores sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. 23 Há algo nos seres humanos que não se encontra nas máquinas, surgido há milhões de anos no processo evolutivo quando emergiram os mamíferos, dentro de cuja espécie nos inscrevemos: o sentimento, a capacidade de emocionar-se, de envolver-se, de afetar e de sentir-se afetado. (Leonardo Boff) 24 2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA EM ESTUDO 2.1 Protocolo de Manchester: resgate histórico e descritivo A triagem ou classificação de risco consiste em um mecanismo de manejo clínico, que auxilia o profissional a estabelecer um diagnóstico, uma exclusão diagnóstica ou uma prioridade. O método é utilizado nos serviços de urgência por todo o mundo, com o propósito de regular o fluxo de pacientes, quando a demanda excede a oferta (GBCR, 2010). O processo de triagem garante que os pacientes recebam atendimento conforme a urgência clínica apresentada, sendo que esta urgência não é referida como sinônimo de complexidade ou gravidade. Por meio da triagem é possível alocar o paciente para avaliação e tratamento adequados (AUSTRALASIAN COLLEGE FOR EMERGENCY MEDICINE, 2013). De acordo com Coutinho, Cecílio e Mota (2012) entre os sistemas de triagem mais utilizados no mundo, destacam-se quatro: Emergency Severity Index (ESI) (norte- americano), Australasian Triage Scale (ATS) (australiano), Canadian Triage and Acuity Scale (CTAS) (canadense) e Sistema de Triagem de Manchester (inglês), o qual é tópico central de análise para este estudo. O objetivo de todos os protocolos de classificação de risco é realizar uma avaliação primária do usuário para prestar atendimento aos que precisam de assistência imediata (BRASIL, 2009). O “Emergency Severity Index” foi criado em 1998, nos Estados unidos e em 1999 foi implementado em dois hospitais norte americanos. O sistema foi revisto no ano 2000 por dois médicos que incluíram critérios de triagem pediátrica e em 2001 criou-se a terceira versão. A versão atual foi criada em 2005. O ESI consiste numa escala de cinco níveis de triagem que avalia inicialmente a urgência do paciente e considera os recursos necessários para admissão, alta ou transferência. O ESI não define intervalos de tempo esperado para avaliação médica e utiliza apenas um fluxograma para chegar a classificação de risco (FIGURA1) (WUERZ et al, 2001; GILBOY et al., 2011; PINTO JÚNIOR, 2011). 25 Fonte: GILBOY et al., 2005; PINTO JÚNIOR, 2011 A escala australiana “Australasian Triage Scale” foi implantada em 1994 nos serviços de urgência do país. A ATS classifica o paciente em cinco níveis de acordo com a gravidade e estipula tempo máximo para que o profissional realize a avaliação do paciente (QUADRO 1). Figura 1 - Fluxograma orientador da Classificação de Risco na Emergency Severity Index (ESI©) 26 Quadro 1 - Níveis de classificação, descrição do nível e tempo alvo para avaliação médica estabelecidos pela Australasian Triage Scale (ATS) Fonte: AUSTRALASIAN COLLEGE FOR EMERGENCY MEDICINE, 2013; PINTO JÚNIOR, 2011 Na “Australasian Triage Scale” os registros devem incluir: data e horário da avaliação; nome do responsável pela triagem; queixa/problema principal; história (aspectos importantes); achados clínicos relevantes; categoria inicial da triagem; categoria após re-triagem (descrevendo tempo e motivo); local onde foi realizado a avaliação e o tratamento; diagnóstico; e primeiros cuidados ou medidas que foram iniciadas (PIRES, 2003). Já o sistema de triagem canadense “Canadian Triage and Acuity Scale” tem por objetivo classificar os pacientes de acordo com seus sinais e sintomas para que casos mais graves recebam atendimento imediato. “A experiência profissional e a percepção do enfermeiro são muito importantes na avaliação e devem ser usadas sempre que NÍVEL DESCRIÇÃO DO NÍVEL AVALIAÇÃO MÉDICA NÍVEL 1 Risco imediato à vida Imediata NÍVEL 2 Risco iminente à vida ou exigência de tratamento imediato Menos de 10 minutos NÍVEL 3 Potencial ameaça à vida/Urgência 30 minutos NÍVEL 4 Situação de potencial urgência ou de complicações/gravidade importante 60 minutos NÍVEL 5 Menos urgente ou problema clínico-administrativo 120 minutos 27 necessário” (PIRES, 2003, p. 31). É recomendado que o profissional considere, no momento da triagem, aspectos subjetivos relatados pelo paciente. Quadro 2 - Níveis de classificação, descrição clínica e tempo alvo para atendimento estabelecidos pela Canadian Triage and Acuity Scale (CTAS) Fonte: BULLARD et al (2008); PINTO JÚNIOR (20111); PIRES (2003) O Sistema de Triagem de Manchester (STM) foi desenvolvido pelo Manchester Triage Group (MTG), criado em novembro de 1994, na cidade de Manchester, Inglaterra. De acordo com Souza (2009) o MTG era composto por médicos e enfermeiros do serviço de urgência e teve como objetivo a elaboração de normas CATEGORIA DESCRIÇÃO DA CATEGORIA TEMPO ALVO NÍVEL 1 RESSUSCITAÇÃO Risco iminente de deterioração das funções vitais. IMEDIATA NÍVEL 2 EMERGÊNCIA Condições que ameaçam a vida e requerem intervenção rápida Até 15 minutos NÍVEL 3 URGENTE Condições potenciais de evolução para sérias complicações Até 30 minutos NÍVEL 4 POUCO URGENTE Condições potenciais de evolução para complicações ou relacionadas à idade do paciente Até 60 minutos NÍVEL 5 NÃO URGENTE Condições agudas ou crônicas que não apresentam risco para deterioração das funções vitais Até 120 minutos 28 “visando o desenvolvimento de nomenclaturas e definições comuns, além de uma sólida metodologia de triagem, de um programa de formação, e de um guia de auditoria para a triagem”. Ressalta-se que as primeiras triagens nos serviços de urgência assumiam uma característica mais intuitiva, por conseguinte, não podiam ser replicáveis e auditáveis (GBCR, 2010). O MTG optou por criar uma metodologia de classificação de risco programada para delimitar uma prioridade clínica (GBCR, 2010). Foram três os princípios que fundamentaram esta determinação: (1) O foco da realização de classificação de risco em um serviço de urgência é tanto facilitar a gestão da clínica de cada paciente como a gestão de todo o serviço, e isto é melhor alcançado por meio da alocação exata de uma prioridade clínica; (2) o tempo de realização da classificação de risco é tal que qualquer tentativa de se fazer um diagnóstico do paciente nesse momento está fadado ao fracasso; (3) é evidente que o diagnóstico clínico não está precisamente associado à prioridade clínica; a prioridade reflete aspectos de uma apresentação/queixa particular do paciente (GBCR, 2010, p. 26). Na triagem realizada por meio do Protocolo de Manchester existem cinco níveis para classificação do usuário. Cada nível possui um número, cor, nome e tempo máximo aceitável para aguardar o primeiro atendimento médico (COUTINHO, CECÍLIO; MOTA, 2012). De acordo com Souza (2009) os níveis de prioridade clínica são compostos por um grupo de sinais e sintomas chamados de discriminadores, que podem ser gerais (risco de vida, dor, hemorragia, grau de estado de consciência, temperatura e agravamento da condição apresentada) ou específicos (estão diretamente relacionados com características inerentes à queixa principal do paciente). Os primeiros discriminadores que o profissional deve procurar referem a níveis mais altos de prioridade, caso não seja localizado um discriminador que corresponde à demanda apresentada, o paciente pode ser classificado como não urgente (GBCR, 2010). Na triagem pelo Protocolo de Manchester o profissional deve ter experiência em cuidados de urgência e seguir alguns passos para chegar a uma conclusão sobre o caso do paciente: identificação do problema (identifica a queixa apresentada); coleta e análise das informações relacionadas com a solução (sinais e sintomas); avaliação de todas as alternativas e seleção de uma delas para implementação; implementação da 29 alternativa escolhida e monitorização da implementação e avaliação dos resultados. Este último passo é de suma importância, uma vez que o paciente pode apresentar piora ou melhora clínica, o que acarreta em alteração no nível de prioridade (GBCR, 2010). Quadro 3 - Nível, classificação, cor e tempo estabelecidos para o Sistema de Triagem de Manchester Fonte: elaborado para fins deste estudo A cor branca foi proposta pelo Grupo Português de Triagem para categorizar demandas administrativas, casos não urgentes e os procedimentos eletivos, tais como, retorno, realização de exames e cirurgias. O emprego desta cor objetivou auxiliar no planejamento de ações para utilizar de forma correta os recursos disponíveis. Este critério de classificação também foi adotado pelo Brasil (COUTINHO, CECÍLIO E MOTA, 2012). Coutinho, Cecílio e Mota (2012) apontam que na classificação de risco de Manchester, a prioridade é estabelecida por critérios específicos e deixa de ser realizada por parâmetros subjetivos, aleatórios, e pela ordem de chegada, por filas ou fichas. Cabe ressaltar que a triagem, quando realizada pelo STM, é centrada principalmente na queixa apresentada pelo usuário, por parâmetros clínicos e pela percepção visual de sinais de gravidade. A classificação de risco se configura também como uma NÍVEL CLASSIFICAÇÃO COR TEMPO DE ATENDIMENTO NÍVEL 1 EMERGENTE VERMELHO IMEDIATO NÍVEL 2 MUITO URGENTE LARANJA 10 MINUTOS NÍVEL 3 URGENTE AMARELO 60 MINUTOS NÍVEL 4 POUCO URGENTE VERDE 120 MINUTOS NÍVEL 5 NÃO URGENTE AZUL 240 MINUTOS 30 oportunidade do profissional elaborar planos de cuidado ao paciente, e para isso, é preciso estar atento aos agravamentos que podem ocorrer no estado clínico. Os sinais de alerta presentes em alguns fluxogramas auxiliam nesta tomada decisão (GBCR, 2010). A classificação de risco para ser realizada corretamente, exige treinamento e experiência do profissional na aplicação do Sistema de Triagem de Manchester (COUTINHO, CECÍLIO; MOTA, 2012). Em estudo descrito por estes autores, foi comprovado que o enfermeiro realiza a classificação de risco com mais propriedade, pois a forma como os médicos conduzem a triagem, acaba por transformá-la em um momento de consulta e estabelecimento de diagnóstico. O Sistema de Triagem de Manchester começou a ser utilizado nos serviços de emergência do Reino Unido a partir de 1996 e no Brasil, o STM foi adotado como política pública, desde julho de 2008, sendo o estado de Minas Gerais pioneiro em sua implantação. O Hospital João XXIII e o Hospital das Clínicas foram as primeiras instituições a instalar a classificação de risco pelo Protocolo de Manchester, a qual a partir de 2011 passou a ser aplicada na Atenção Primária à Saúde (COUTINHO; CECÍLIO; MOTA, 2012). Segundo o Grupo Brasileiro de Classificação de Risco (2010) o uso do Protocolo de Manchester na APS auxilia na identificação da real necessidade do usuário que chega a unidade com relato de quadro agudo. A pretensão é que o protocolo facilite a estruturação da rede e o encaminhamento do usuário (GBCR, 2010). No Brasil, o Protocolo de Manchester é representado pelo Grupo Brasileiro de Classificação de Risco (GBACR), autorizado pelo Manchester Triage Group, British Medical Journal e o Grupo Portugues de Triagem (GPT), licenciado para tradução em língua portuguesa (COUTINHO; CECÍLIO; MOTA, 2012). As instituições que optam por implantar o Protocolo de Manchester precisam consentir com as regras e cumprir com um código de conduta que visa garantir a confiabilidade e reprodutibilidade do sistema (GBCR, 2010). De acordo com Souza (2009) o governo de Minas Gerais, após decidir fazer uso do Protocolo de Manchester, comprou um software comercializado pela multinacional portuguesa ALERT®, que apresenta a classificação de risco deste protocolo de maneira informatizada. A ALERT® inaugurou seu primeiro escritório no Brasil em Belo 31 Horizonte no ano de 2007. Compete à multinacional instalar o software nos hospitais de urgência e emergência da rede pública e informatizar o protocolo de Manchester para a classificação de risco em toda a rede de saúde do estado. A empresa fornece sistemas de informatização de gestão clínica para hospitais e instituições de saúde que permitem a eliminação de papéis no ambiente hospitalar. A capital mineira foi escolhida por ser no estado que a empresa fechou o seu primeiro contrato no País com a SES-MG, no valor de R$ 48 milhões (SOUZA, 2009, p.15). O STM já é considerado um sistema válido e confiável, que pode ser usado com segurança em serviços de urgência (COUTINHO, CECÍLIO E MOTA, 2012). Corroborando com este dado, o Ministério da Saúde (2009) e o Grupo Brasileiro de Classificação de risco (2010) destacam que o protocolo é eficaz e adaptável para situações que permeiam a atenção secundária. Em contrapartida, essa constatação ainda não foi instituída no que tange a implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária a Saúde. 2.2 Atenção Primária à Saúde: a política do acolhimento e o Protocolo de Manchester A concepção de atenção primária, como organizadora dos sistemas de saúde, surgiu pela primeira vez, em 1920, por meio de um documento que contestava o modelo flexneriano, curativo, biologicista e individualista, denominado Relatório Dawson. O objetivo era organizar o modelo de atenção inglês que gerava muitos gastos, tinha uma crescente complexidade da atenção médica e baixa resolutividade (KUSCHINIR; CHORNY, 2010). No relatório, o paradigma assistencial era estruturado de forma hierarquizada, contendo centros de saúde primários e secundários, serviços domiciliares, serviços suplementares e hospitais de ensino. Era responsabilidade dos centros de saúde primários e dos serviços domiciliares, responder a maior parte das demandas, por meio do atendimento do clínico geral. Os casos que não fossem passíveis de resolução e 32 necessitassem de maior aporte tecnológico deveriam ser direcionados aos centros de atenção secundária ou para os hospitais (MATTA; MAROSINI, 2009). Kuschinir e Chorny (2010) ressaltam que o conteúdo apresentado no relatório ainda hoje surpreende. Foi por meio dele que importantes terminologias vieram à tona: territorialização, níveis de atenção, porta de entrada, vínculo, referência e coordenação pela atenção primária. As informações e inovações do documento fundamentaram a criação do sistema de saúde britânico que serviu de exemplo para reorganização dos sistemas de saúde em vários países (LAVRAS, 2011). Segundo Matta e Morosini (2009) em 1978 foi organizada no Cazaquistão a primeira Conferência Internacional sobre cuidados Primários de Saúde em Alma-Ata. Este acontecimento propiciou a formação de metas entre os 134 países membros, com intuito de alcançar o maior nível de saúde possível até o ano 2000. A declaração de Alma-Ata definiu Atenção Primária (cuidados primários de saúde) como: Os cuidados primários de saúde são cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas ao alcance universal de indivíduos e famílias da comunidade, mediante sua plena participação e a um custo que a comunidade e o país possam manter em cada fase de seu desenvolvimento, no espírito de autoconfiança e automedicação. Fazem parte integrante tanto do sistema de saúde do país, do qual constituem a função central e o foco principal, quanto do desenvolvimento social e econômico global da comunidade. Representam o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde, pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde (Opas/OMS, 1978). O movimento sanitário aderiu às concepções da APS, visando um novo modelo de atenção que desse fim a perspectiva médico privatista. O sistema médico- previdenciário representado pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) entrou em crise e foram criadas as Ações Integradas de Saúde (AIS). As AIS tinham por pretensão a consolidação de um sistema unificado e 33 descentralizado de saúde, com cerne na atenção universal e integral (MATTA; MAROSINI, 2009).. Os acontecimentos referidos e a constituição de 1988, a qual culminou com a criação e posterior consolidação do SUS, propiciaram a reorientação do modelo assistencial por meio da Atenção Primária à Saúde, reconhecida como porta de entrada preferencial da população na rede de atenção (MATTA, MOROSINI, 2009). Segundo Oliveira e Pereira (2013) a denominação de Atenção Primária adotada no Brasil, conserva a universalidade instituída na Declaração de Alma-Ata, com ênfase em “um sistema universal e integrado de atenção a saúde, que engloba diferentes setores, públicos e privados, com e sem fins lucrativos” (OLIVEIRA; PEREIRA, 2013, p. 159). A Atenção Primária tem se configurado internacionalmente como um dispositivo para organizar a atenção à saúde tendo como alicerce a assistência regionalizada, contínua e sistematizada. No Brasil, a APS é compreendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, que visa conceber um sistema universal e integrado (MATTA, MOROSINI, 2009). O advento da Atenção Primária à Saúde visa reverter um quadro de assistência à saúde médico centrado, curativista, individual e hospitalocêntrico. O enfoque passa a ocorrer então na perspectiva da coletividade e do cuidado prestado ao usuário. O objetivo é estabelecer uma relação de vínculo com a população adscrita e constituir metas condizentes com a realidade de cada local, sempre priorizando a promoção e reabilitação da saúde e a prevenção dos agravos (STARFIELD, 2002). Para alcançar as metas estabelecidas e reorganizar o modelo assistencial foi criado em 1994 o Programa de Saúde da Família, hoje designado Estratégia de Saúde da Família. De acordo com Matta e Morosini (2009) a saúde da família é composta basicamente por médico generalista, enfermeiro, auxiliares de enfermagem e agentes comunitários de saúde, sendo as equipes referência para a população assistida em determinada área de abrangência. É função da equipe possibilitar a criação de vínculo com os usuários, corresponsabilizá-los no processo saúde-doença-cuidado, realizar ações coletivas individuais e familiares, além de dar subsídios para a garantia da assistência nas outras modalidades de serviços, e assim, atender integralmente as 34 necessidades de saúde. A ESF deve dar respostas às demandas trazidas pelos usuários, indo muito além da referência pontual para os outros serviços. O objetivo central é garantir a continuidade do cuidado, aliviar o sofrimento, melhorar e prolongar a vida, evitar ou reduzir danos (BRASIL, 2011b). Universalidade, integralidade, equidade, participação social e continuidade, são os preceitos que regem a Estratégia de Saúde da Família. As ações precisam ser descentralizadas e o controle social assegurado. É direito da população participar, definir e acompanhar a execução e fiscalização das políticas de saúde (SOUZA; MANDU; ELIAS, 2013; BRASIL, 2001). O processo de trabalho na ESF inclui a programação e implementação das atividades de atenção, planejamento e organização da agenda de trabalho, desenvolvimento de ações que priorizem grupos de riscos, promoção de atenção integral e realização do acolhimento com escuta qualificada, classificação de risco, avaliação de necessidade de saúde e análise de vulnerabilidade tendo em vista a responsabilidade da assistência resolutiva à demanda espontânea e o primeiro atendimento às urgências (BRASIL, 2011b). Para Melo e Silva (2011) o objetivo da classificação de risco é estabelecer uma prioridade clínica no atendimento de urgências e emergências, portanto, não deve ser entendida como um instrumento de diagnóstico de doença. As autoras ressaltam que os critérios de classificação adotados devem ser os mesmos em todos os serviços da rede de atenção, inclusive na atenção primária, pois só assim é possível ter uma linguagem comum e uma interlocução adequada. Uma questão a ser ponderada é que para a atenção primária realizar a triagem dos casos de urgência e emergência é primordial que a equipe tenha auxílios tecnológicos e equipamentos adequados para prestar o primeiro atendimento aos usuários. Segundo o Ministério da Saúde (2012) ao se instituir que a APS precisa prestar atendimento às urgências, é fundamental pensar nas peculiaridades deste nível de atenção, que deve ir além de uma resolução dos moldes da queixa-conduta. Na atenção primária o cuidado deve ser alicerçado no acolhimento e na escuta qualificada, tendo como premissas o atendimento humanizado e resolutivo à população. 35 No que concerne à atenção primária, é preciso ter uma visão holística sobre a queixa dos usuários, pois, suas necessidades podem estar relacionadas a fatores sociais, familiares e pessoais, que não são passíveis de classificação rígida, momentânea e sistematizada. O risco não pode ser considerado apenas no âmbito biológico, existem circunstâncias que expõem o sujeito a maior vulnerabilidade e o acolhimento “representa grande oportunidade de incluí-las, de inseri-las em planos de cuidado – pois é um momento em que o usuário está buscando ajuda e, em geral, está mais aberto e com a intenção de criar algum diálogo com a equipe de saúde” (BRASIL, 2012, p. 17). Neste contexto, ênfase merece ser dada ao trabalho do enfermeiro, que no cotidiano do serviço investe no estabelecimento de elos profissionais/institucionais para conceder respostas satisfatórias às necessidades dos usuários. O essencial é que as práticas não sejam projetadas meramente em fins preventivos e ações estratégicas, o caminho está na construção político-ética e compartilhada de intervenções em conformidade com o princípio da integralidade em saúde (SOUZA; MANDU; ELIAS, 2013). Em 2003, com a intenção de aproximar os princípios estabelecidos pelo SUS à prática de trabalhadores e gestores e de resultar em ações efetivas, no que se refere ao cuidado prestado ao usuário em todos os níveis de atenção, foi implantada, no Brasil, a Política Nacional de Humanização (PNH). A precisão de se estabelecer uma política com direcionamento de práticas e condutas decorreu da necessidade de vincular o modelo de atenção ao modelo de gestão do SUS, para deste modo, efetivar pactuações e gerar benefícios para todas as instâncias envolvidas (BRASIL, 2004). O conceito de humanização faz referência “a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde” (BRASIL, 2004). Neste sentido, a autonomia, o protagonismo, a corresponsabilidade, os vínculos e a participação coletiva, são palavras-chave que norteiam e direcionam a Política de Humanização (BRASIL, 2004). Dentre os objetivos traçados pela PNH, destaca-se, a “redução das filas e do tempo de espera com ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco.” Para atingir o objetivo proposto, instituiu-se que sejam 36 utilizados critérios de classificação de risco nos serviços de urgência e na atenção primária, a fim de propiciar a integralidade da assistência (BRASIL, 2004). A integralidade apresenta entre seus pilares a necessidade da “interação democrática entre os atores no cotidiano de suas práticas, na oferta do cuidado de saúde, nos diferentes níveis de atenção do sistema” (PINHEIRO, 2009). Ao pensar na integralidade como princípio doutrinário do SUS, torna-se imprescindível que a assistência às demandas dos usuários aconteça em todos os níveis de atenção. Dentre as ações a serem ofertadas pelos serviços, destaca-se, o atendimento as urgências e emergências na Atenção Primária à Saúde. O Protocolo de Manchester no primeiro nível de atenção pode oferecer subsídios para condutas a serem tomadas com responsabilização. Entretanto, o Ministério da Saúde (2012) destaca que “os protocolos podem ser uma referência, mas necessariamente precisam ser ressignificados e ajustados quando se trata da Atenção Básica”, esta necessidade advém das características pensadas no que tange as ações e condutas a serem desenvolvidas e alcançadas neste nível assistencial. Algumas questões inerentes a APS diferenciam o uso de protocolos de classificação de risco do seu âmbito para os demais serviços, destaca-se: a presença de condições geradoras de grande vulnerabilidade (riscos sociais ou subjetivos) que podem requerer intervenções no mesmo dia, agendamento para data próxima ou construção de projeto terapêutico singular em curto prazo, mesmo com risco biológico baixo; pode haver necessidade de mais de um tipo de intervenção (oferta de cuidado) no mesmo dia ou de programar outras intervenções; ainda, há situações não previstas, como um dia em que a quantidade de atendimentos está abaixo do esperado e os profissionais podem preferir atender pessoas que, em outros momentos de maior demanda, seriam agendadas para atendimento posterior (BRASIL, 2012). Esta dinamicidade e flexibilização na tomada de decisões, entendidas como particularidades da APS, propiciam respostas mais resolutivas às necessidades da população e fortalecem o vínculo que deve ser sustentado. Os profissionais que atuam na atenção primária devem estar atentos para as necessidades de cada individuo e compreenderem que o adoecer pode ser expresso e 37 entendido de maneiras distintas entre os usuários. Cada sujeito vive num contexto específico e singular, e cada um tem aspectos subjetivos que interferem de maneira positiva ou negativa no processo saúde-doença. O acolher envolve a captação dessas especificidades, o olhar aos sinais não verbais, “acolher é o início de um projeto terapêutico, mas também o início (ou continuidade) de uma relação de vínculo” (BRASIL, 2012, p.18). No cotidiano de trabalho, o conceito de acolhimento perpassa tanto por atitudes pontuais, no que se refere a forma de tratar e recepcionar os usuários, quanto por uma técnica de triagem, para estabelecer critérios de atendimento. A triagem se constitui como ação momentânea e objetiva, em contrapartida, o alicerce do acolhimento são os encontros, o vínculo, a responsabilização e a resolutividade, que não devem ter hora e nem lugar para acontecer, sendo inerente ao cuidar em saúde. Neste sentido, o Ministério da Saúde (2009) afirma que o acolhimento não pode ser visto apenas como uma solução para a demanda espontânea. O acolhimento é intrínseco ao processo de produção de saúde, ele qualifica as relações e precisa estar presente em todos os encontros entre profissional e usuário. O acolhimento se dá nas relações diárias e deve ser reconhecido como uma prática que permeia as relações de cuidado (BRASIL, 2011c). Enquanto diretriz, ele acontece nas condutas diárias, no “estar com o outro”, entretanto, acolher e escutar de forma qualificada, não no sentido de qualidade, mas de compromisso com a demanda trazida pelo usuário, tem sido visto como um desafio na prática dos serviços de saúde (BRASIL, 2009). O protocolo de classificação de risco é uma ferramenta útil e necessária, porém não suficiente, uma vez que não pretende capturar os aspectos subjetivos, afetivos, sociais, culturais, cuja compreensão é fundamental para uma efetiva avaliação do risco e da vulnerabilidade de cada pessoa que procura o serviço de urgência. O protocolo não substitui a interação, o diálogo, a escuta, o respeito, enfim, o acolhimento do cidadão e de sua queixa para a avaliação do seu potencial de agravamento (BRASIL, 2009). É possível afirmar então, que o acolhimento está no campo das tecnologias leves, nas relações, na escuta, na forma de lidar com o não previsto, na construção de 38 vínculos, na sensibilidade do profissional, no posicionamento ético. A preocupação é não burocratizar o acolhimento e ampliar a resolutividade e o cuidado ofertado pela equipe. Assim sendo, torna-se fundamental que o usuário encontre “portas abertas” e que possa ser acolhido pelo serviço, deste modo as ofertas se otimizam e o vínculo se fortalece (BRASIL, 2011c). A Classificação de risco pelo Protocolo de Manchester consiste em uma estratégia de priorização do atendimento, mas é preciso estar atento para o não “engessamento” perante as máquinas. Elas precisam ser apenas ferramentas para auxiliar o profissional no estabelecimento de critérios e na organização do serviço, com o objetivo principal de eliminar as filas e reduzir o tempo de espera. O importante é que a classificação de risco tenha como alicerce o acolhimento, a escuta, propiciando um momento de encontro, de vínculo, de cuidado. É fundamental que além de classificar clinicamente o usuário, o profissional considere que este trás consigo uma subjetividade, uma história de vida e de significações. Com a finalidade de organizar cronologicamente a temática a ser analisada, estruturou-se uma figura (FIGURA 2) que abrange marcos legais desde a criação do SUS até a implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. 39 Fonte: elaborado para fins deste estudo Figura 2 - Marcos legais: da criação do Sistema Único de Saúde ao Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde 40 Não devemos enxergar apenas com os olhos da face, que só captam a luz exterior, as ondas eletromagnéticas. Precisamos também enxergar com os olhos do coração que captam os pensamentos e as emoções das pessoas. (Augusto Cury) 41 3 PERCURSO METODOLÓGICO “Fazer pesquisa é um trabalho duro. Também é divertido e excitante. Na verdade, nada se compara ao prazer da descoberta.” (Anselm Strauss, Juliet Corbin) 3.1 Tipo de estudo Trata-se de um estudo de natureza qualitativa caracterizado pela empiria e pela sistematização progressiva do conhecimento, consistindo no estudo da história, das relações, das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produtos das interpretações do comportamento humano (MINAYO, 2008). A opção pela abordagem qualitativa demonstra que o pesquisador deseja estudar seu objeto in situ, com o intuito de compreender não apenas o fenômeno, mas também os significados que as pessoas a ele atribuem (CHIZZOTTI, 2003; POPE e MAYS, 2009). A essência da pesquisa qualitativa consiste na interação entre o pesquisador e os dados. A necessidade de ir a campo para descobrir especificidades de um determinado contexto é intrínseca a este tipo de pesquisa. Pesquisadores qualitativos acreditam que os sujeitos são capazes de dar respostas a questões identificadas como situações problemas. Ao contrário de outros métodos de pesquisa, o método qualitativo permite desvendar com mais facilidade fenômenos ligados aos sentimentos, processos de pensamento e emoções (STRAUSS; CORBIN, 2008). A utilização deste método possibilita mostrar projetos sociais ainda pouco conhecidos referentes a grupos particulares e a construção de novas abordagens. Na pesquisa qualitativa o cerne se encontra mais no processo do que no produto, o pesquisador busca sempre compreender no lugar de explicar. À vista disso, a escolha do método qualitativo para o desenvolvimento desta pesquisa possui relação com o problema de pesquisa delineado, afinal, “os métodos qualitativos têm muito a oferecer aos que estudam a atenção à saúde e os serviços de saúde (POPE; MAYS, 2009, p. 11).” 42 A inserção direta no cenário do estudo e a observação do fenômeno permitiram a pesquisadora explorar o contexto e compreender com perspicácia a visão dos participantes a respeito do objeto de estudo. Pope e Mays (2009) apontam o crescente número de estudos qualitativos no âmbito dos serviços de saúde e na avaliação de tecnologias em saúde. Considerando que o Protocolo de Manchester é empregado por meio de um aparato tecnológico, desenvolvido a priori, para serviços de urgência e emergência, sua utilização na ESF perpassa por princípios previamente instituídos para este nível de atenção. Face da necessidade de conhecer a visão dos participantes sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária, somente a opção pelo método qualitativo admitiria apreender dados não quantificáveis e comportamentos empregados na utilização deste novo modo de acolher os usuários em um nível assistencial responsável pela criação de vínculo e compreensão da realidade social. 3.2 Cenário Para a realização deste estudo delimitou-se como cenário o município de Sarzedo, localizado na região metropolitana de Belo Horizonte-MG. É de suma importância destacar que a seleção se deu intencionalmente por ser uma das cidades mais próximas da capital a implantar o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. O município em foco possui 62, 4 Km 2 (e faz limites com as cidades de Brumadinho, Mário Campos, Ibirité e Betim) (SARZEDO, 2012-2013). Segundo dados do IBGE a população estimada no ano de 2013 era de 28.625. De acordo com o Plano Municipal de Saúde (2012-2013) a cidade é composta por 39 bairros, todos localizados em área urbana. A área rural ocupa aproximadamente 2/3 do território com 250 propriedades de pequeno e médio porte que desenvolvem a agricultura familiar. Em relação à estrutura organizacional da saúde, a cidade está inserida na região de saúde de Contagem e conta com 290 profissionais para o desenvolvimento das ações 43 e serviços, sendo que aproximadamente 70% tem vínculo empregatício na condição de estatutários (SARZEDO, 2012-2013). Em Sarzedo, sete centros de saúde compõem a APS e utilizam a classificação de risco por meio do Protocolo de Manchester. Cabe destacar que as unidades são denominadas PSF, sendo que cada uma conta com uma equipe de saúde da família, com cobertura de 100% da população. O organograma a seguir indica os núcleos de atenção à saúde disponíveis na Secretaria Municipal de Saúde do município e seus respectivos setores. Fonte: Plano Municipal de Saúde de Sarzedo, 2012-2013 Destaca-se que os critérios estabelecidos para definição do cenário de pesquisa propiciam apenas a primeira aproximação do pesquisador com o local. Após esta etapa é fundamental uma apresentação prévia aos participantes que supostamente irão integrar o Figura 3 - Organograma: estrutura organizacional da saúde 44 estudo. Nesta perspectiva foram traçadas duas trajetórias: em primeiro plano, foi agendada uma reunião com o secretário de saúde do município, na qual aconteceu descrição detalhada e aprovação do projeto. A posteriori foi realizada uma visita aos sete centros de saúde para apresentação da pesquisadora, exposição dos objetivos do estudo e agendamento de datas para iniciar a coleta de dados. O agendamento foi necessário, pois, alguns profissionais estavam participando de cursos e não estavam comparecendo as unidades todos os dias da semana. Considerando o exposto, a coleta de dados ocorreu nos meses de março, abril e maio de 2014. 3.3 Participantes Na pesquisa qualitativa os participantes que integram o cenário de estudo são considerados peças-chave por trazerem consigo vivências capazes de agregar informações essenciais e singulares à investigação. Conforme Duarte (2002) é de primordial importância que o pesquisador determine critérios para seleção dos participantes que irão contemplar o universo de investigação. Nesse estudo, o critério de inclusão utilizado para os profissionais foi atuar nos centros de saúde, que compõem a APS do município de Sarzedo. Portanto, foram convidados a participar da pesquisa todos os médicos, técnicos de enfermagem, enfermeiros e gestores. Ressalta-se que o município possui sete centros de saúde, cada um com uma equipe de saúde da família, sendo que os gerentes das unidades são os enfermeiros. Portanto, a priori, compunham o estudo 07 médicos, 07 enfermeiros e 14 auxiliares de enfermagem. Segundo a coordenadora da APS do município, a implantação do Protocolo de Manchester não influenciou no processo de trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS), já que os mesmos não realizam assistência direta ao usuário dentro da unidade. Assim, os ACS não foram incluídos na pesquisa. Os participantes foram caracterizados como primários e secundários. Os participantes primários se referem aos enfermeiros, haja vista que no município pesquisado, a classificação de risco por meio do Protocolo de Manchester é realizada 45 exclusivamente por esses profissionais. Os demais profissionais e os usuários foram identificados como participantes secundários. Os dados foram coletados visando abranger todos os profissionais citados anteriormente, no entanto, algumas intercorrências impossibilitaram que isso acontecesse. Além de uma equipe estar sem médico no momento da pesquisa, a exclusão de dois profissionais da mesma categoria ocorreu devido à rotatividade. Outra intercorrência encontra-se relacionada às técnicas de enfermagem. Duas técnicas deixaram de integrar o estudo, uma por recusar a participar e outra por não ter sido encontrada na unidade após três tentativas. Assim, constituíram o estudo sete enfermeiros, quatro médicos e onze técnicos de enfermagem, perfazendo vinte e dois profissionais. É importante destacar que em um dos centros de saúde o TRIUS não estava sendo utilizado, pois, o aparelho havia sido cedido temporariamente para a policlínica. Assim, nesta unidade só foi possível realizar a entrevista semiestruturada com os profissionais, não sendo feita a observação. No que se refere aos usuários, o critério de seleção utilizado para composição da amostra se deu pela saturação dos dados. De acordo com Fontanella, Ricas e Turato (2008) a amostragem por saturação é uma ferramenta bastante utilizada em pesquisas desenvolvidas no campo da saúde. No critério de saturação dos dados, a coleta é interrompida quando o pesquisador percebe que está ocorrendo a repetição dos mesmos, sendo, portanto, desnecessária a inclusão de novos participantes. Assim, foram realizadas dezessete entrevistas, nas quais se considerou separadamente os usuários que haviam sido atendidos nas unidades antes e após a implantação do Protocolo de Manchester (totalizando dez usuários) e aqueles que só foram atendidos após a implantação (o que corresponde a sete usuários). É importante mencionar que uma entrevista precisou ser interrompida, uma vez que se tratava de um usuário de noventa e cinco anos que não conseguiu compreender as perguntas a ele direcionadas. 46 3.4 Coleta de dados - Métodos e técnicas A estratégia de pesquisa adotada consistiu no estudo de caso, o qual, segundo Yin (2005, p. 20) “contribui com os conhecimentos que temos dos fenômenos individuais, organizacionais, sociais, políticos e de grupo, além de outros fenômenos relacionados”. O estudo de caso tem como objetivo descrever uma realidade de maneira detalhada e profunda, para revelar a multiplicidade de dimensões de uma situação ou problema (LUDKE; ANDRÉ, 1986). Este método é utilizado quando o fenômeno e o contexto não estão claramente definidos. Considerando o objeto de estudo, a escolha do método se justifica por se tratar de um fenômeno contemporâneo inserido em um determinado contexto de vida real. Por conseguinte, a pesquisa aqui apresentada, é caracterizada como estudo de caso único e representativo por apreender circunstâncias e condições de uma situação ou do dia-a-dia (YIN, 2005). No estudo de caso, a triangulação dos dados é um fundamento lógico, aplicado para o desenvolvimento de linhas convergentes de investigação, por se ater a diferentes fontes de evidências. Ademais, a triangulação de dados propicia maior fidedignidade ao estudo justamente pela variação de fontes de informação (YIN, 2005). Conforme proposto pelo método, optou-se por fazer uso de três fontes de evidências, sendo estas: entrevista com roteiro semiestruturado, observação e técnica do GIBI. Considerando as especificidades dos participantes e o objetivo do estudo, foram elaborados dois roteiros distintos, sendo um para profissionais/gestores (APÊNDICE A) e outro para usuários (APÊNDICE B). A técnica do GIBI (APÊNDICE C) foi aplicada apenas com enfermeiros, haja vista a especificidade do tema e questões operacionais de aplicação. Os instrumentos de coleta de dados foram previamente testados com intuito de realizar adaptações necessárias. As entrevistas foram realizadas pela pesquisadora, gravadas em dois aparelhos e aconteceram de forma individual, em locais restritos, com intuito de garantir o sigilo das declarações dos participantes. No estudo de caso, a entrevista semi-estruturada merece atenção especial, sendo descrita como “uma das mais importantes fontes de informações (YIN, 2005, p. 116)”. Esta estratégia de coleta propicia contato direto do pesquisador 47 com os participantes do estudo e é neste momento que as expectativas são superadas, devido ao alcance de informações que extrapolam as questões previamente elaboradas. As entrevistas semiestruturadas são conduzidas com base em uma estrutura flexível, consistindo em questões abertas que definem a área a ser explorada, pelo menos inicialmente, e a partir da qual o entrevistador ou a pessoa entrevistada podem divergir a fim de prosseguir com uma idéia ou resposta em maiores detalhes (BRITTEN, 2009, p. 24). No que diz respeito a observação, optou-se por realizar apenas com os enfermeiros. Esta determinação foi aplicada pelo fato de que a triagem por meio do Protocolo de Manchester, no município, é realizada exclusivamente por este profissional. Portanto, interessava a pesquisadora acompanhar em profundidade sua rotina na classificação de risco. O período de observação estabelecido foi de três dias para cada unidade. A pretensão era realizar as observações nos centro de saúde em dias consecutivos. No entanto, a dinâmica do serviço e as intercorrências impossibilitaram que isso acontecesse, haja vista que, durante a coleta de dados, alguns profissionais precisaram se ausentar em decorrência da realização de cursos, licença maternidade e licença paternidade, e ainda, por adoecimento. A observação possibilita analisar “como as organizações funcionam, os papéis desempenhados por diferentes equipes e a interação entre equipe e cliente” (POPE; MAYS, 2009, p. 45). Observar o cenário de estudo e as relações ali instituídas compõem um momento singular da pesquisa. Nesta etapa, o pesquisador tem a função de registrar todas as informações que vão além do que pode ser dito na entrevista ou em qualquer outra fonte de coleta. O pesquisador passa então, a vivenciar diretamente o objeto de estudo e a apreender como o fenômeno incide no contexto real. O registro da observação foi executado em diário de campo e as informações elencadas integram a análise de dados deste estudo. A terceira fonte de evidência refere-se à técnica do GIBI, a qual foi utilizada somente com os enfermeiros, por serem estes profissionais que lidam diretamente com o Protocolo de Manchester. A técnica do GIBI tem sido amplamente utilizada por membros do Núcleo de Pesquisa Administração em Enfermagem (NUPAE) da Escola 48 de Enfermagem da UFMG, como por exemplo, nas pesquisas de Brito (2004), Von Randow (2012) e Caram (2013). Esta fonte de coleta de dados consiste em uma estratégia lúdica de resgatar as experiências do participante acerca do fenômeno em estudo, na qual são expressas representações por meio de quadrinhos de revistas do tipo gibi (BRITO; et al, 2014). A utilização do GIBI como possibilidade metodológica inovadora de coleta de dados na pesquisa qualitativa, permite contemplar a complexidade dos fenômenos e das singularidades que caracterizam o setor saúde (FLICK, 2007). De acordo com Luyten (2001) essas revistas são consideradas na atualidade, como um importante gênero literário que articula imagem e palavra, símbolos e signos utilizando de uma linguagem que pertence às esferas da cultura e da arte. Brito et al (2014, p. 165) apontam que “a história em quadrinho é considerada um tipo de expressão artística que a humanidade tem usado para expressar sua subjetividade”. Ademais, a utilização da Técnica do Gibi é justificada por considerar que essas revistas no Brasil são representações do cotidiano das pessoas na forma de quadrinhos (VON RANDOW, 2012). Em pesquisa desenvolvida por Von Randow (2012), cujo objetivo foi analisar as práticas gerenciais de gerentes das UPAs no contexto de estruturação da Rede de Atenção à Saúde do município de Belo Horizonte, esta técnica foi aplicada com êxito por propiciar aos sujeitos da pesquisa a reflexão sobre seu cotidiano de trabalho, o que contribuiu para um recorte da realidade por eles vivenciada. O critério utilizado para escolha do GIBI foi adquirir a última edição do almanaque da Turma da Mônica disponível na banca (BRITO, 2004; VON RANDOW, 2012). Após os entrevistados serem orientados sobre a técnica, a pesquisadora apresentava a seguinte questão: Expresse por meio de uma figura sua experiência com o Protocolo de Manchester nesta unidade. Feito isso, o GIBI era entregue ao participante, para que o mesmo foliasse e escolhesse a figura que melhor expressasse sua resposta. Cabe ressaltar que a análise dos dados na técnica do GIBI considera apenas o depoimento do entrevistado, ou seja, a relação que ele estabelece entre a escolha da figura e a questão norteadora. A técnica foi realizada logo após a entrevista semiestruturada e as repostas foram gravadas e transcritas na íntegra. 49 3.5 Análise dos dados O tratamento e análise dos dados são presumíveis de acontecer somente se a técnica escolhida for capaz de sustentar e responder aos objetivos do estudo. Dentro desta concepção, a análise dos dados conjugou a observação, as entrevistas e a técnica do GIBI. As categorias analíticas foram construídas a partir de ideias cuja presença e frequência tivessem relação com os objetivos deste estudo (MINAYO, 2008). Sendo assim, a consolidação dos dados foi realizada por meio da análise de conteúdo, na modalidade de análise temática. A análise de conteúdo proposta por Bardin (2009) considera o emissor e o contexto no qual ele está inserido. Segundo a autora a especificidade deste tipo de análise encontra-se na associação entre a superfície dos textos e os fatores que determinam essas características, deduzidos logicamente. Laurence Bardin (2009) compara o trabalho do analista com afazer do arqueólogo, ambos lidam com vestígios e no caso do analista estes vestígios consistem em manifestações de estados, de dados e de fenômenos. A análise de conteúdo é então definida como, um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 2009, p.44). O objetivo do pesquisador que se dedica a análise de conteúdo é apreender significados de natureza psicológica, sociológica, política, histórica, dentre outros. “A análise de conteúdo procura conhecer aquilo que está por trás das palavras sobre as quais se debruça” (BARDIN, 2009, p. 45). O emprego desta análise se aplica a uma gama diversificada de conteúdos, para que o pesquisador possa correlacionar e atribuir significados entre as estruturas semânticas ou lingüísticas e as estruturas psicológicas ou sociológicas. Esta análise permite compreender o pensamento do entrevistado, sem nele intervir, possibilitando a obtenção de ideias coerentes e rigorosas (BARDIN, 2009). No que concerne a organização da análise de conteúdo, Bardin (2009) designa três pólos cronológicos, a pré-análise, a exploração do material, o tratamento dos 50 resultados, a inferência e a interpretação. A fase de pré-análise fundamentou-se na organização e leitura flutuante do material. Após transcrição, as entrevistas dos participantes primários e secundários foram ordenadas de acordo com as questões do roteiro semi-estruturado. A prática da leitura exaustiva permitiu demarcar temas centrais e unidades comparáveis que favoreceram a elaboração das categorias analíticas. Nas fases seguintes, empreendeu-se a exploração do material com mais perspicácia e o tratamento dos resultados de maneira a serem significativos e válidos. Concluídas estas etapas, tornou-se possível realizar inferências e interpretações dos dados, correlacionando-os com os objetivos previstos (BARDIN, 2009). A discussão e análise dos temas categorizados foram concebidas por impressões da pesquisadora e por meio de aporte teórico. 3.6 Preceitos éticos O projeto de pesquisa foi encaminhado para apreciação e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer: 535.523). A provação da pesquisa pelo município cenário do estudo ocorreu por meio de carta de anuência concedida pelo secretário de saúde. Os participantes que concordaram em integrar o estudo assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), de acordo com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Foram redigidos dois Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (APÊNDICES D, E) com o objetivo de adaptar à linguagem para os usuários. Os participantes tiveram ciência de que poderiam abandonar o estudo sem prejuízo ou penalidade em qualquer etapa do processo. Com a intenção de garantir anonimato e sigilo dos dados obtidos, os entrevistados foram designados por códigos (enfermeiros-E; técnicos de enfermagem- TE; médicos-M) e numerados por categoria profissional. Os usuários foram identificados pela letra ‘U’ e numerados de acordo com a ordem das entrevistas em cada centro de saúde. O material deste estudo será utilizado para fins científicos, arquivado por um período mínimo de cinco anos, e após este tempo será destruído. 51 3.7 A inserção e a vivência no campo Após aprovação dos Comitês de Ética em Pesquisa e de reunião com o secretário de Saúde do município, a inserção no campo se deu por meio de visita a cada centro de saúde para apresentação da proposta aos enfermeiros, os quais são responsáveis pelo gerenciamento das unidades. Neste primeiro momento, foi exposto o objetivo da pesquisa, a realização da coleta de dados e agendamento, de acordo com a disponibilidade de cada profissional, de datas para início da fase de observação. A receptividade foi boa por todos os participantes. Foi possível o acompanhamento dos enfermeiros em inúmeras atividades, mesmo quando estas não faziam referência ao objeto de estudo, o que proporcionou experiências e aprendizados que extrapolaram e ampliaram as expectativas. É interessante relatar que os enfermeiros se colocaram a disposição para qualquer demanda que surgisse após o período de trabalho de campo. Além disso, ficou evidente o quanto a temática instigou os participantes, considerando que a maioria deles solicitou retorno da pesquisadora ao município para apresentação dos resultados finais. 52 O que as pessoas mais desejam é alguém que as escute de maneira calma e tranqüila. Em silêncio. Sem dar conselhos. Sem que digam: "Se eu fosse você". A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina. Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. (Rubem Alves) 53 4 RESULTADOS 4.1 Perfil dos participantes Os participantes primários que compuseram este estudo foram sete enfermeiros da Atenção Primária à Saúde, por ser estes profissionais que realizam a triagem por meio do Protocolo de Manchester no município em questão. O perfil foi delineado por meio de oito questões que introduziram a entrevista com roteiro semiestruturado, sendo elas: sexo, idade, estado civil, profissão, tempo de formado, local de formação, tempo de atuação no centro de saúde e experiências anteriores (profissionais) na saúde. Os dados pessoais coletados revelaram que 71,4% dos participantes são do sexo feminino. Este achado reforça o predomínio da força de trabalho feminina na enfermagem, marcado pela relação histórica estabelecida entre a mulher e a prática do cuidado (CAÇADOR, 2012). A média de idade dos participantes foi de 32,8 anos, tendo 28 anos o enfermeiro mais jovem e 36 o mais velho. No que se refere ao estado civil, 57,1% são casados e 42,9 solteiros. Todos os profissionais trabalham exclusivamente como enfermeiros. Em relação ao local de formação, 57,2% estudaram em universidades públicas e 42,8% em privadas. A média de tempo de formado correspondeu a 5,4 anos. As experiências profissionais anteriores, relatadas pelos participantes incluíram: atuação como técnico de enfermagem na urgência e emergência; atuação em centros de saúde e ESF de outros municípios; e atuação em hospitais e unidades de pronto atendimento. Apenas um participante não possuía experiência profissional anterior. A média de tempo de atuação no centro de saúde foi de 18 meses. O grupo de participantes secundários foi composto por técnicos de enfermagem, médicos e usuários. Neste tópico, apresentar-se-á o perfil dos profissionais, uma vez que a descrição dos usuários está presente em capítulo específico, por razões de cunho analítico. 54 Foram considerados, separadamente, os dados dos técnicos de enfermagem e dos médicos. No que diz respeito aos técnicos de enfermagem todos os participantes são do sexo feminino e a média de idade é de 37,8 anos, tendo 26 anos o profissional mais jovem e 57 o mais velho. A análise do estado civil apontou que 63,6% são casados, 18,18% solteiros e 18,18% divorciados. A média de tempo de formado corresponde a 8,5 anos e de tempo de atuação no centro de saúde a 2,4 anos. As experiências anteriores das técnicas de enfermagem compreenderam: atuação em hospital; maternidade; unidade de pronto atendimento; clínica cirúrgica; hemodiálise; programa de atendimento domiciliar; saúde mental (Centro de Atenção Psicossocial); instituições de longa permanência; outros centros de saúde e ESF. Uma técnica de enfermagem não possui experiência anterior na saúde e apenas uma possui jornada dupla de trabalho (ESF e hospital). Em relação aos médicos, 75% dos participantes são do sexo masculino e a média de idade é de 31,5 anos, tendo 28 anos o médico mais jovem e 37 o mais velho. A proporção de casados e solteiros foi a mesma, 50%. No que tange o local de formação, 50% estudou em universidade privada e 50% em universidade pública. A média de tempo de formado equivale a 3 anos e quatro meses. O tempo de permanência no centro de saúde variou de 5 dias a 2 anos, com uma média de sete meses. Esta realidade sinaliza a rotatividade de profissionais médicos na Atenção Primária à Saúde. A esse respeito, estudo realizado por Lima (2012) evidenciou que a mudança de profissionais na APS interfere de forma negativa no estabelecimento de vínculo com a população e afeta a continuidade do cuidado. Além disto, os programas e projetos são prejudicados, precisando ser recomeçados e adaptados a cada alteração no quadro de funcionários. As experiências anteriores dos médicos abrangem: outros centros de saúde, ESF e unidades de pronto atendimento. 55 5 COMPREENDENDO A UTILIZAÇÃO E IMPLANTAÇÃO DO PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE A presente categoria foi elaborada com intuito de expor enfoques relevantes a respeito do contexto do Protocolo de Manchester no cenário estudado. Para atingir este propósito, são discutidos aspectos extraídos da observação, entrevista com roteiro semiestruturada e técnica do GIBI, concernentes a implantação e utilização, no cotidiano desta nova configuração de triagem dos usuários. A implantação do Protocolo de Manchester na APS no município de Sarzedo teve início em primeiro de abril de 2013. As entrevistas apontaram que quando o PM foi implantado, alguns profissionais não tinham conhecimento prévio sobre sua utilização. Os profissionais que conheciam o protocolo fizeram referência a vivências em outros serviços, principalmente aos que são direcionados ao atendimento de urgência e emergência, como Unidade de Pronto Atendimento (UPA), policlínica, Unidade de Atendimento Imediato (UAI), Hospital João XXIII, Hospital das Clínicas. Os participantes que mencionaram experiências antecedentes com o PM em centros de saúde, trabalharam no município de Belo Horizonte, cidade na qual, o processo de implantação teve início anteriormente aos demais municípios. De acordo com os profissionais, o protocolo começou a ser utilizado na policlínica e logo após, sem que fossem realizadas adaptações, foi instituído seu uso para a Atenção Primária à Saúde. Os relatos indicam que a implantação foi imposta e verticalizada, sendo a obrigatoriedade do seu uso fator desencadeador de insatisfação e angústia. Não, eles deram uma data, a partir do dia tal vai ser implantado, [...] parece que o governo, na questão de cumprir metas estipulou uma data, até dia tal tinha que ser implantado (E1). [...] ele foi uma implantação vertical, não foi horizontal não, que foi a ordem de cima pra baixo (E2). Não se fala nesse assunto, fala-se que é pra usar e pronto. A impressão que me dá é que as pessoas não trabalham em 56 unidade básica, quem está a frente sabe, então eles dizem que é para implantar e implanta e pronto (M2). Foi bem assim da noite pro dia sabe? A gente fez o curso, chegaram os computadores e foi imposto pela gerência que seria implantado o Manchester (E4). [...] foi todo mundo obrigado a fazer o curso, quem não tinha, a gente não teve direito de opção [...] e ele [PM] chegou...a partir de hoje, você usa ele [PM] (E6). A situação de imposição do Protocolo de Manchester emergiu também na técnica do GIBI utilizada com os enfermeiros. A figura descrita a seguir, foi selecionada por E1. Por meio da imagem, a enfermeira expressou seu posicionamento a respeito da maneira como a implantação foi conduzida. Descrição: neste quadrinho a Mônica aparece sentada numa pedra, o rosto apoiado nas mãos, demonstrando fácies de tristeza. Ao seu lado está seu coelhinho que a olha fixamente. Discurso: “Porque as vezes a gente se sente um pouco perdido com o Manchester, por mais que ele nos resguarde, tem todo o conflito que ele gera também, dentro da unidade, com os usuários, na verdade assim, o Manchester ele é imposto, ele é imposto, você tem que fazer, isso gera metas, gera custos, pro município, independente se naquele momento, naquela área se é viável ou não, é imposto, então a gente se sente um pouco, um pouco meio perdida, isolada, as vezes eu me sinto assim (E1).” Ênfase merece ser dada ao depoimento de E1 ao apontar a verticalização nas tomadas de decisões por parte dos gestores, sem que as ações sejam pactuadas com os 57 profissionais. Esta circunstância ocasiona desapontamento e sensação de abandono por parte dos atores que são responsáveis pelo cuidado em ato (MERHY; FRANCO, 2003). Em relação ao preparo para utilizar o PM foi observado que todos os enfermeiros participaram de reunião, treinamento e oficina oferecidos no próprio município. Os profissionais que ainda não tinham o curso para utilização do Protocolo de Manchester precisaram fazê-lo. A esse respeito, destaca-se que todos os enfermeiros pesquisados se consideraram aptos a classificar os usuários no PM. Entretanto, apesar de afirmarem ter segurança na utilização do PM, os profissionais trazem consigo inquietações referentes à sua utilização na Atenção Primária à Saúde. Apesar de eu achar que não combina, eu acho que eu considero porque diante do que a gente tem pra oferecer, eu acho que eu ainda consigo classificar e ser aquilo (E3). [...] o Protocolo em si eu aprendi bem, agora eu acho que ele não adapta muito a nossa realidade [APS] (E4). [...] então eu acho que eu sou apta sim, mesmo não concordando (E6). A análise dos depoimentos dos técnicos de enfermagem (TE) permitiu identificar aspectos do PM que revelam um rompimento com o trabalho em equipe, com as premissas do acolhimento e com a resolutividade da assistência. Conforme apresentado por TE5, TE2 E TE4, a adoção do PM burocratizou o trabalho, diminuiu a autonomia dos técnicos de enfermagem na resolução das demandas e acarretou maior sobrecarga de trabalho para o enfermeiro. [...] as vezes é uma queixa que você pode resolver, pedido de exame, eu posso resolver, a outra técnica, mesmo na recepção, a recepcionista, não é uma demanda agendada, podia agendar aquilo ali... não aí tem que passar pelo enfermeiro, pro enfermeiro marcar uma classificação azul, pra depois voltar, pra agendar (TE5). 58 a gente fica vendo o paciente lá, sabendo que poderia ter uma resolução rápida e ele ta lá aguardando por causa desse Manchester (TE2). Porque assim, muitas coisas que as vezes, como técnicos de enfermagem nós poderíamos fazer, a gente não consegue, porque tudo tem que passar pela triagem com o enfermeiro[..], até as vezes, um agendamento de consulta, que o paciente vem tem que passar no pobre do enfermeiro para o enfermeiro resolver, ou seja, sobrecarregou demais para o enfermeiro, (TE4). Outro aspecto relevante é que, apesar de os enfermeiros terem repassado para a equipe informações e instruções sobre o uso do PM, existe uma falta de compreensão, por parte dos técnicos de enfermagem, a respeito da real função e aplicação deste protocolo. [...] tiveram treinamento só os médicos e os enfermeiros e eles foram passando pra gente aos poucos, portanto até hoje a gente tem algumas dúvidas ne, tem coisa que você tria dependendo de uma palavra que você mudar, você vê que muda totalmente o quadro (TE5). na realidade eu queria até aprender sim, porque eu acho bacana, assim, eu não vou usar, mas pelo menos pra mim saber né, como que ele funciona, ninguém nunca sentou comigo e explicou (TE 11). A mudança repentina no acolhimento prestado nas unidades gerou repercussões também para os usuários. As informações sobre o funcionamento do PM foram repassadas a população por meio de panfletos e pelos agentes comunitários de saúde, os quais foram orientados a esclarecer as dúvidas durante as visitas domiciliares. Os enfermeiros, quando questionados pelos usuários, também explicam como funciona a máquina descrita pela população como “máquina interessante”. No entanto, segundo os profissionais estas condutas não estão sendo suficientes para amenizar o sentimento de indignação gerado, pois, em sua grande maioria, os usuários não compreenderam o 59 motivo desta nova forma de acolhimento, e, além disso, não concordaram com a modificação ocorrida. [...] distribuíram panfletos e teve assim muito conflito no início, a população não aceitava [...] eles não aceitam que tem que agendar consulta, que nem sempre eles tem prioridade pra uma coisa simples, que a urgência tem prioridade, então no início foi bem conflituoso [E1]. Foi difícil adaptar no começo né, porque no começo os pacientes não entendiam, não sabiam, eram totalmente leigos, até a gente mesmo, a única que tinha treinamento era a enfermeira (TE5). No que concerne a utilização do PM, observou-se que o mesmo é empregado de maneiras distintas na Atenção Primária à Saúde do município. Este fato revela aspectos importantes sobre a ausência de padronização, que pode comprometer a qualidade do trabalho dos enfermeiros e a resolutividade das demandas dos usuários pelas variações na utilização. A esse respeito, cabe esclarecer que os enfermeiros foram orientados a triar todos os usuários que buscassem atendimento nas unidades. Todavia, observou-se que alguns profissionais não agem desta forma. A realidade da APS faz com que se torne inviável a classificação de cada usuário com os discriminadores estabelecidos pelo PM. Vivenciar o cotidiano das equipes permitiu perceber que parte significativa das demandas não condiz com um atendimento direcionado exclusivamente por uma máquina. Diferentemente dos serviços de urgência e emergência, na maioria das vezes, o usuário que recorre à APS precisa de orientações psicossociais que extrapolam a tecnologia dura disponível (MARIN; MARCHIOLI; MORACVICK, 2013). Os depoimentos abaixo evidenciam esta situação: Olha, ele não nos ajuda muito não, porque é um sistema que eu acho que é mais voltado pra urgência e não se enquadra muito pra Atenção Básica, então ele fica um pouco aquém, do que a gente precisa pra triar os nossos pacientes (E4). 60 então na Atenção Primária eu acho ele meio falho, meio metódico demais, muito engessado, entendeu? (E7). A respeito dos discriminadores preenchidos no TRIUS, E2 declarou durante a realização da técnica do GIBI, que as informações são lançadas e o profissional precisa ter conhecimentos prévios para conseguir efetuar a classificação de risco. Descrição: a figura mostra um homem em pé, segurando uma caixa de cabeça para baixo, sob a qual está o Penadinho. Na frente deste personagem, há um menino sorrindo, com olhar de crueldade. Discurso: “Pra mim relacionando essa figura com o protocolo, você tem uma caixa de informações que são jogadas e aí a partir dessa caixa de informações que você vai estabelecer, eh, como vai estabelecer o diagnóstico, a prioridade, pra mim é isso. São informações que são jogadas e a partir dos seus conhecimentos, tanto de experiência de vida, conhecimento científico, você vai utilizar essas informações (E2).” Outra característica que explicita diferenças no uso do PM nas unidades são os critérios para classificar os usuários. Durante o período de observação foi possível presenciar um enfermeiro utilizando o carimbo do Protocolo de Manchester no prontuário dos usuários sem que estes fossem triados, ou seja, as cores eram preenchidas como se a classificação de risco tivesse ocorrido no TRIUS. Entretanto, ela era pautada em parâmetros subjetivos, de acordo com os conhecimentos do profissional. Este achado aponta para questões éticas importantes, que perpassam pelo descumprimento de deveres profissionais e de direitos dos usuários. Retrata também uma tentativa de “burlar” um sistema imposto e que nem sempre condiz com a realidade. 61 Observou-se, também, que apesar do PM direcionar o atendimento por meio dos discriminadores selecionados, os profissionais alteram, ou deixam de preencher informações, para que o usuário não seja classificado como muito urgente (laranja) ou urgente (amarelo). Um exemplo de preenchimento incorreto na triagem é o nível da dor do usuário, que pode variar de 0 a 10. Esta pergunta geralmente não é feita e o profissional preenche subjetivamente. Até nas situações em que a pergunta é direcionada ao usuário, foi percebido que, algumas vezes, o profissional altera o número indicado para evitar classificações descritas por eles como “impróprias para o caso”. Segundo os participantes primários, esta conduta é necessária porque se todos os usuários classificados como muito urgente ou urgente forem referenciados para a policlínica, a maioria vai retornar ao centro de saúde por orientação dos profissionais da urgência. A principal justificativa para este fato é que os profissionais da policlínica consideram que grande parte destas demandas são caracterizadas como passíveis de serem resolvidas e acompanhadas pela APS. Esta conduta deve ser avaliada, tendo em vista que pacientes classificados em categorias de maior risco, podem evoluir de forma satisfatória e os classificados com categorias menores, como por exemplo, o verde, podem evoluir para internação prolongada, piora no estado geral e óbito (PINTO JÚNIOR, 2011). Desta situação emerge outra questão, pois, se por um lado a APS deve evitar encaminhar usuários para o serviço de urgência, por outro, os profissionais da APS são orientados a reservar no mínimo, quatro vagas diárias para usuários não urgentes, advindos da policlínica. Isto ocorre com o objetivo de que pacientes classificados na policlínica com categorias menores sejam encaminhados no mesmo dia ao centro de saúde de sua área de abrangência. Considerando, ainda, a classificação dos usuários por cores, outra indagação trazida a tona pelos profissionais faz referência ao tempo de espera determinado para cada cor. Foi observado que em diversas situações os profissionais não sabem como agir. Ora, se a maioria dos usuários são classificados como azul e verde e o tempo máximo de espera preconizado para estas cores é de, respectivamente, duas e quatro horas, é inexeqüível atender a todos os usuários dentro da margem de tempo correta, já 62 que o centro de saúde possui horário fixo de funcionamento. O dilema identificado é que ao triar um usuário com as cores supracitadas e não direcioná-lo ao atendimento em decorrência da indisponibilidade de tempo, o profissional está sendo incoerente com as regras do PM, colocando em risco a vida do usuário cuidado, além de contrariar os princípios éticos e legais que regem a profissão. [...] como gera ali um tempo de atendimento, a gente acaba tendo que passar no dia né, por exemplo, se o paciente é classificado como azul, acaba que você tem que atendê-lo em quatro horas, que é o que rege a questão do Manchester e já tem o tem determinado que a pessoa tem que ser atendida e aí vem o conflito com a ética da profissão (E3). [...] às vezes tem que agendar consulta pra ele, ele deveria ser atendido em pouca horas, em quatro horas e as vezes ele tem que esperar um dia, dois dias pra consulta dele, então está um pouco bagunçado ainda, está um pouco fora, mas acho que vai funcionar com o tempo (M4). [...] toda pessoa que eu for triar pelo Manchester ela tem que ser atendida em no máximo quatro horas e na unidade de saúde isso é inviável (E7). [...] porque na verdade ele me fala que eu tenho que atender em quatro horas e isso não é minha realidade, então na verdade ele não me respaldou em nada, muito pelo contrário, e ainda, atrasou meu atendimento (E6). Em contrapartida aos pontos que assinalam impasses na utilização do PM pelos profissionais, existem características favoráveis que emergem dos discursos. A principal característica positiva é que ao preencher, salvar e enviar a triagem realizada para a secretaria estadual de saúde, o profissional se respalda legalmente, por ter documentos eletrônicos que comprovam as condutas realizadas. [...] o Manchester, ao meu ver ficou meio que perdido, da sim uma certa garantia, porque se algum usuários depois vier reclamar, então você já tem a classificação dele, aí olha, o 63 Manchester classificou o que seja, azul, ou verde, ou laranja, só isso que te da, essa garantia (TE1). [...] porque muito paciente gosta de sair daqui e reclamar na secretaria de saúde, aí assim que ele reclama lá, vai ta tudo escrito e registrado no Protocolo (E5). Oh, tem ponto positivo e negativo, ponto positivo é que respalda o profissional [...] porque você tem todos os dados e tem como provar, caso venha a dar algum problema futuro na saúde do paciente [...] mas que eu acho que é 100% válido na unidade de saúde não (E5). [...] a gente tem o respaldo pra falar pro paciente que outra pessoa vai passar na frente dele [...] Então assim, em alguns casos ele veio pra ajudar mesmo o enfermeiro, mas ele não adéqua 100% a nossa realidade da Atenção Básica (E4). Além de manifestar sua opinião no momento da entrevista, E4 também salientou o respaldo garantido pela utilização do Protocolo de Manchester por meio de uma figura do GIBI. Descrição: a imagem mostra a Mônica alegre, erguendo a Magali e lhe dando um forte abraço. Depoimento: “Bom, eu vou escolher essa figurinha aqui, de um abraço. Porque eu penso no abraço como uma forma assim, de um conforto pro profissional, então eu acho que o Protocolo nos dá um certo conforto, nos traz um respaldo e nos conforta em poder fazer essa classificação baseada numa teoria (E4).” Outra característica positiva do PM relatado por alguns profissionais é a possibilidade de classificar os usuários de acordo com a condição clínica para 64 estabelecer prioridades e organizar o atendimento. Os depoimentos de E2, M3 e E3 expõem estas perspectivas. O Protocolo de Manchester no Centro de Saúde ele vem organizar o fluxo de atendimento, a prioridade dele é essa, e fazer com que esse serviço seja mais racional, né, estabelecendo esse fluxo de atendimento você tem uma qualidade melhor do serviço (E2). Ah eu acho que é essencial, porque a demanda é muito grande, apesar de ser posto de saúde, ser consulta que não é de urgência teoricamente (M3). o Manchester veio para nortear e organizar a ordem de atendimento dos pacientes e não para excluir paciente de ser atendido, então se você vê dessa forma, teria que atender todo mundo, mas as vezes não é a alternativa (E3). Apesar deste aspecto facilitador, E1 destaca que para ser satisfatório na APS, o sistema precisa ser adaptado com questões peculiares à realidade deste nível assistencial. No primeiro momento quando eles falaram que iriam colocar eu não achei que seria viável, realmente ele foi feito pra urgência mesmo, e assim ele tem que ser adaptado [...] ele precisa ser adaptado a realidade da unidade básica [...] eu acho que tem muita coisa pra melhorar, eu acho que ele não ta pronto pra unidade básica de saúde não (E1). Um ponto fundamental identificado nas entrevistas é a evidência de que dos quatro profissionais médicos que participaram do estudo, apenas um fez referência ao acolhimento como alternativa de classificação de risco na APS. Eh, o acolhimento tem muita coisa a ser questionado sobre ele, tem muita coisa para mudar também, não da para afirmar que ele, da maneira como tem sido feito é a melhor forma, né? Mas pensar que simplesmente colocar a classificação de risco, que é adequada para a urgência, dentro da unidade básica, também é um equívoco muito grande, sabe? (M2). 65 Os demais médicos, M1, M3 e M4, consideraram o PM adequado e essencial no primeiro nível de atenção. Eu acho que é uma boa, é um meio de descriminação para tempo de atendimento (M1). Pra mim assim, tinha que funcionar muito bem, em todos os centros de saúde, independente (M3). Acho ótimo, é, muito bom, acho muito bom sim [...] as vezes o paciente mesmo não sabe nem onde procurar o atendimento, as vezes está com uma dor de garganta vai direto num hospital querendo atendimento, então isso aí é bom principalmente pra orientar o pessoal mesmo (M4). O resultado que se espera com a implantação de um protocolo perpassa pela orientação, conforme mencionado pelo profissional M4. Todavia, é importante que os instrumentos desenvolvidos e utilizados levem em consideração e se adequem a realidade de cada serviço. Nesta perspectiva, destaca-se que dentre as funções da APS está o direcionamento do usuário na rede de atenção, a qual para Andrade et al (2013) é reconhecida como estratégia de proporcionar saúde irrestrita aos usuários. Os profissionais que atuam na APS precisam contribuir para que os usuários tenham acesso a todos os níveis de atenção e para que isto ocorra, sem prejudicar a assistência, é imprescindível fazer uso de ferramentas que visem a organização da demanda e a garantia da assistência. Por meio de relatos dos profissionais, que emergiram não só nas entrevistas, mas também durante a observação, ficou evidente que estes reconhecem a necessidade de um protocolo padrão para auxiliar o atendimento. O importante é que o instrumento seja estruturado exclusivamente para a APS, considerando o vínculo, a escuta, bem como a atenção integral no processo saúde-doença-cuidado. Ao serem questionados sobre as mudanças que o PM gerou no cotidiano de trabalho, foi feita menção a agenda de serviços e ao tempo de espera preconizado pelo referido protocolo. Tanto a observação quanto as entrevistas possibilitaram identificar 66 que a obrigatoriedade de classificação dos usuários durante o dia de trabalho, rompeu com a agenda pré-estruturada principalmente pelos enfermeiros. Se antes da implantação do PM o enfermeiro podia destinar um horário para “acolhimento” (entendido neste contexto como uma forma de classificação de risco), puericultura, preventivo, pré-natal, visita domiciliar, dentre outras atividades, após esta implantação, não é mais possível que isto aconteça. Acaba ficando a par sim [agenda], por exemplo de manhã que o fluxo é maior eu não posso marcar nada, minha agenda sempre tem que ficar pra tarde, então as vezes a demanda é maior, fica bem complicado (E1). Hoje em dia é muito difícil eu conseguir sair para fazer visita, e isso me deixa muito triste, porque eu fico presa atendendo dor de cabeça, dor na perna, dor no ouvido, dor na garganta, eu não consigo sair pra fazer visita [...] porque as vezes eu estava fazendo pré-natal, eu sabia que era só aquilo, eu ia demorar, ia orientar, agora não, eu já tenho que pensar que eu não posso demorar mais de quarenta minutos, porque de repente eu saio tem um tanto de acolhimento, isso pra mim não existe (E3). Pra nós técnicos até que não, mas para enfermeiro, ficou mais tumultuado né, deu mais número de pacientes que ela tem que triar, antes ela tinha o horário certo para triar, os pacientes já tinham sido educados né? De segunda a sexta, de 7 as 9, vinha, ele triava, só no caso de urgência que não tinha como, urgência qualquer hora a gente atende, só que agora não, o Manchester é o dia todo, enquanto tiver paciente tem que ta ali, então as vezes ela deixa de fazer um preventivo, ela deixa de fazer uma visita, que as visitas dela cairam muito, tudo isso por causa do Manchester (TE5). [...] eu acho que unidade de saúde não é só acolhimento, eu tenho pré-natal pra fazer, posso fazer a tarde? Posso, mas só que também chega paciente a tarde e eu tenho que triar (E5). [...] eu tive que diminuir a minha agenda para atendimento dos grupos. Eu sempre agendei quatro citologias de manhã, agora eu não posso mais, eu só posso agendar duas, porque eu demoro mais tempo fazendo a triagem (E6). 67 Percebe-se que o PM, no cenário deste estudo, está interferindo no atendimento prestado pela Atenção primária à Saúde. Neste contexto, destaca-se que ao fazer uso de tecnologias duras, torna-se crucial que o profissional empregue outros dispositivos. Segundo Merhy (2002) o trabalho vivo em ato, que caracteriza as práticas em saúde, se corporifica nas tecnologias leves, constituída nas relações, nas subjetividades. Assim, este trabalho não pode ser substituído por máquinas, pelo saber estritamente tecnológico, designado pelo autor como “trabalho morto”. São as tecnologias leves que proporcionam a aproximação com o usuário e possibilitam ir além da condição clínica apresentada e de parâmetros relacionados apenas a doença (ABRAHÃO; MERHY, 2014). A relação que sustenta o trabalho dos profissionais na APS está sendo substituída por uma tecnologia utilizada num nível de assistência que não tem como premissa a escuta, o cuidado longitudinal e principalmente a prevenção de agravos e a promoção da saúde. De acordo com o Grupo Brasileiro de Classificação de Risco (2010), o enfermeiro pode realizar ações de promoção da saúde no momento da triagem, desde que haja tempo hábil para esta ação. No entanto, uma contradição é encontrada no momento em que se institui que a conversa com o paciente precisa ser rápida e objetiva. A inquietação dos profissionais, no que diz respeito à utilização deste protocolo, reflete a necessidade de rever esta conduta, para que o sistema de saúde não comprometa a história que a Atenção Primária vem construindo no Brasil. Ainda nesta perspectiva, conforme depoimentos de E1, E3 e E5, o fato de apenas os enfermeiros realizarem a triagem também foi um aspecto que prejudicou a assistência prestada. Apesar de os médicos serem autorizados a triar os usuários, isto não acontece, o que prejudica a realização de atribuições específicas do enfermeiro. Esta conduta dos médicos remete ao modelo hegemônico e reforça a fragmentação do cuidado. [...] a agenda do enfermeiro teve que ficar aberta por um certo tempo, porque se tem urgência você tem que classificar, médico não classifica em unidade básica, por mais que tenha o treinamento, não adianta, ele não aceitam o Manchester né? Eles 68 classificarem o Manchester, então na verdade só sobra pro enfermeiro, então acaba sobrecarregando (E1). [...] porque o TRIUS, ou o Manchester, só o enfermeiro ou o médico que pode operar, o médico vai triar, ele atende logo, eu vejo assim, médico nunca vai ter paciência pra triar, eu nunca vi um médico se quer saber como que faz, sei um que fez o curso, fez o curso, mas médico falar, ah, como que tria aqui? Não tem interesse, e eu penso assim, se ele vai lá, ah, vai atender a paciente (E3). [...] na verdade quem tinha que tinha que fazer, tanto eu e o médico, mas os médicos não fazem, até hoje eu não vi nenhum médico fazer um Protocolo de Manchester (E5). Em referência ao tempo de espera preconizado pelo PM, apontado como fator gerador de mudança no cotidiano de trabalho, foram enfatizadas duas vertentes. A primeira está associada aos profissionais, os quais precisam se organizar de acordo com o tempo de espera estabelecido para cada triagem. A segunda aos usuários, que precisam esperar mais tempo para serem atendidos. [...]esse programa ele pode ter auditoria de tudo que você atende, um dos itens é controlar quanto tempo você está demorando pra atender o paciente, na urgência beleza, tem que ter mesmo, porque é um minuto né, se chega um paciente com dor no peito, tem que chegar e olhar, de repente é uma dor no peito que tem três dias é um verde, aí você já fica tranqüila, agora aqui (E3). Fica confuso pra gente lidar com aquela questão do tempo de espera, sabe? Não existe isso na unidade básica né? [...] A classificação ela tem uma tendência de ou super valoriza, ou minimiza os problemas [...]. Então por vezes vinha pacientes pra mim que na classificação ele era amarelo né? E na minha avaliação aquilo não justificava. De outras vezes até pacientes que precisariam ter passado por mim mais rápido estavam com verde sabe? (M2) Tempo, assim ocupa muito tempo meu, de paciente, sabe, porque a demanda é grande, o tempo é curto devido a demanda, que devido a esse tanto de pergunta que você tem que fazer pro paciente (E5). 69 [...] eu demoro mais tempo pra atender o paciente, porque não diminui nada que eu tinha que fazer antes, então só acrescentou mais uma coisa a fazer [...] então meu tempo de permanência com o paciente aumentou, consequentemente o tempo de espera dele aumentou e a irritabilidade dele né (E6). A figura de GIBI a seguir, foi escolhida por E5 e retrata a irritabilidade do usuário mencionada no depoimento antecedente. Descrição: a Mônica aparece nervosa e a abertura de sua boca demonstra que ela está gritando com o homem a sua frente, o qual tem expressão de tristeza. Discurso: “Oh, esse rapaz de azul eu vou imaginar que sou eu, como funcionário enfermeiro aqui, atendendo um paciente, a Mônica, e eu atendendo aqui com essa cara e o paciente já meio que nervoso comigo (E5).” A proposta de utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde é para mudar o paradigma de organização do fluxo dos usuários (BELO HORIZONTE, 2010). Como já mencionado, a espera por atendimento médico se dá de acordo com a cor obtida na classificação de risco e não por ordem de chegada no centro de saúde (GBCR, 2010). Merece destacar que o excesso de demanda espontânea integra a realidade da APS, e que os gestores locais e regionais precisam planejar estratégias que permitam o atendimento às demandas de todos os usuários. No entanto, para que os profissionais da APS possam fazer uso do PM, conforme sua atual apresentação, seria preciso que apenas os casos agudos passassem pela triagem, para correto direcionamento do usuário na unidade e na rede de atenção. Todavia, no cenário em estudo, todos os usuários precisam ser triados e classificados independente da queixa apresentada, a qual pode ser aguda, crônica ou até mesmo multifacetada. 70 De acordo com Santos e Penna (2013) as demandas cotidianas dos usuários na APS ultrapassam as queixas verbalizadas. É preciso considerar aspectos subjetivos, relacionados a fatores sociais que não são sanados com a utilização de tratamentos medicamentosos e pontuais. As necessidades que os usuários trazem para a APS englobam uma diversidade de problemas. As doenças manifestadas são muitas vezes causadas por influência de mazelas sociais, como por exemplo, desemprego, ausência de lazer e solidão. Cabe enfatizar que uma das soluções para esta realidade está na intersetorialidade, exigindo pactuações e soluções extramuros. 5.1 O Protocolo de Manchester e os princípios da Atenção Primária à Saúde - “eu não tenho mais esse tempo pra escutar” Para proceder a análise da visão dos profissionais quanto à utilização do Protocolo de Manchester pela Atenção Primária à Saúde, faz-se necessário discutir os princípios que orientam as práticas neste modelo assistencial. A criação da APS no Brasil ocorreu com o intuito de superar uma assistência voltada para o cuidado individual, com características curativistas. Assim, torna-se imprescindível que a cada dia, os profissionais, usuários e gestores reconheçam e reafirmem os propósitos da Atenção Primária à Saúde A Política Nacional de Atenção Básica aprovada pela Portaria 2.488 (2011b) estabelece a “revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia de Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)”. Dentre os tópicos apresentados nesta política, dar-se-á ênfase aos princípios (universalidade, acessibilidade, vínculo, continuidade do cuidado, integralidade da atenção, responsabilização, humanização, equidade e participação social) e as diretrizes gerais da Atenção Básica, correlacionando com os achados desta pesquisa. É importante frisar que neste estudo os termos Atenção Básica e Atenção Primária são aplicados como sinônimos. A Atenção Primária é considerada a porta de entrada que preferencialmente deve ser utilizada pelo usuário. Neste sentido, apesar dos serviços da atenção secundária, 71 como por exemplo, a policlínica e a Unidade de Proto Atendimento, possuírem maior aporte tecnológico (BARROS; SÁ, 2010), espera-se que usuários com quadros agudos também busquem atendimento no centro de saúde da sua área de abrangência. Assim, após avaliação prévia, estes serão direcionados a consulta médica ou referenciados para outro ponto da rede de atenção. No entanto, foi observado que nos centros de saúde, cenários deste estudo, os profissionais não possuem todos os subsídios necessários para prestar a primeira assistência aos casos de urgência. Em uma das unidades presenciou-se o episódio de dois usuários precisarem de oxigênio e apenas um cilindro estar funcionando. Esta situação gerou estresse para a enfermeira, pois um usuário ficou sem a assistência necessária e foi preciso solicitar um carro da prefeitura para deslocamento do mesmo até a policlínica. [...] então ele vai ta classificando as pessoas de alto risco, ta mandando pra policlínica, porque aqui a gente não tem suporte pra essas coisas, é mais pra casos mais tranqüilos né, então é importante em relação a isso (TE6). O transporte é identificado aqui como um agravante. O ideal seria o município disponibilizar pelo menos uma ambulância exclusivamente para deslocamento dos usuários de uma unidade para outra. Como isso ainda não acontece, é preciso que os centros de saúde estejam preparados para receber as demandas de urgência e emergência. Caso contrário, acolher e triar usuários com queixas agudas na APS configurará permanentemente numa negligência e acarretará problemas constantes aos profissionais. A falta de infraestrutura na APS revela uma fragilidade política e organizacional que interfere na efetividade do serviço e na promoção do cuidado (RODRIGUES; LIMA; RONCALLI, 2008). Estudo realizado por Shimizu e Reis (2011) com cinco equipes de saúde da família do Distrito Federal evidenciou problemas de infraestrutura que comprometem o processo de trabalho e a assistência prestada. Foi percebida a ausência de materiais e equipamentos para o desenvolvimento das atividades, com destaque para a falta de veículos destinados ao transporte dos usuários dentro do 72 município. Segundo os autores, é preciso investir mais na Atenção Primária, visando o conhecimento das necessidades reais dos usuários, a resolutividade das ações e o desenvolvimento de atividades intersetoriais. Um princípio norteador da APS que merece destaque neste contexto é a equidade da assistência, a qual considera que as pessoas são diferentes, têm necessidades diversas e devem receber atendimentos específicos (MATTA; MOROSINI 2009). Para respeitar este princípio, ao optar por utilizar o PM para todos os usuários, os profissionais e gestores precisam refletir sobre a afirmação do Grupo de Triagem de Manchester, de que “as entrevistas com os doentes não podem ser longas” (GBCR, 2010, p. 64). Não há como cronometrar tempo de atendimento a usuários e concomitantemente traçar planos de cuidado específicos e condizentes com fatores sociais e individuais. Afinal, nem todas as queixas são de patologias físicas; muitas vezes o problema abrange esferas psicológicas, e só pode ser solucionado no longo prazo. A esse respeito Caçador (2012) afirma que o emprego do PM na APS oculta as reais necessidades dos usuários, colocando-as constantemente na linguagem das doenças. Para que o enfermeiro possa escutar, identificar e responder de forma equânime às necessidades dos usuários, ao fazer uso do PM e selecionar os discriminadores é necessário atentar e registrar queixas particulares que ultrapassam aspectos clínicos. Em estudo realizado por Kawata et al (2013) foi evidenciado que durante o acolhimento com classificação de risco o profissional esteve centrado no indivíduo doente, comprovando a precisão de se repensar sobre as ações desenvolvidas. Toda a equipe deve conhecer o contexto histórico e social do usuário e prestar assistência diferenciada para pessoas que são únicas e que apresentam vivências singulares. Em contrapartida, foi percebido que o PM está afetando a escuta qualificada dos profissionais, o que torna ainda mais urgente utilizar esta triagem com mais flexibilidade e de acordo com os princípios da APS. O depoimento de E3 retrata esta questão. E também porque como tem uma auditoria do atendimento, se eu to demorando muito a atender, as vezes a gente fica presa a 73 esse tempo, porque você quer fazer rápido, sendo que as vezes você poderia ta orientando um monte de coisa. A pessoa chega para mostrar um resultado de exame, não é agudo, aí classifica lá que esses outros tipos de demanda que poderia ser o branco, mas aí você já ta preocupado que tem que atender logo, aí não da tempo de orientar dos resultados porque já tem uma fila de gente esperando [...] Aí eu já to apreensiva pra colher logo a queixa porque tem uma fila me esperando, aí vai contar do filho, do neto e eu não tenho mais esse tempo pra escutar, as vezes, aquele dia você viu a senhora que chegou de uma demanda que a sogra não para dentro de casa, que sai sem avisar, que vai pra rua, que não quer tomar o remédio e fala que ela que não quer da, daí a pouco, aí você começa a conversar e esquece de Manchester nessa hora [...] então é isso que é Atenção Básica, não ficar presa a Manchester, a hora, a tempo me controlando (E3). De acordo com o Grupo Brasileiro de Classificação de Risco, na triagem o profissional deve estar preparado para realizar uma abordagem rápida e focada, o que pode prejudicar a escuta qualificada (GBCR, 2010). Na medida em que a escuta passa a ser afetada pela pelo PM, emerge a discussão permeada pelo vínculo. O vínculo está diretamente relacionado à integralidade da assistência e a continuidade do cuidado, sendo construído nas relações cotidianas entre profissional e usuário, por meio do cuidado, da afetividade e da confiança (BRASIL, 2011c). É com o estabelecimento do vínculo que o usuário passa a ser corresponsável no seu processo saúde-doença-cuidado. Porém, para que o vínculo ocorra com efetividade o profissional precisa conhecer a história de vida do usuário, precisa escutar uma demanda que não é clínica, que advém de fatores sociais, familiares, econômicos, que auxiliarão na tomada de decisões e na conduta adequada a ser aplicada para cada caso, para cada sujeito. Resgata-se, neste momento, as palavras de Ayres (2004, p. 23) “não é a escuta, exatamente, o que faz a diferença, mas a qualidade da escuta. E não qualidade no sentido de boa ou ruim, mas da natureza mesma da escuta, daquilo que se quer escutar”. Um protocolo não pode “engessar” essa possibilidade de aproximação com a história de vida do usuário. Contrariamente, todas as ferramentas que integram a APS devem ser 74 pensadas e estruturadas em conformidade com os objetivos a serem alcançados no tratamento de cada usuário. Só é possível responder às necessidades quando o vínculo é consolidado entre as partes envolvidas. Então eu acho que assim, você pode até usar o Manchester, mas você tem que usar o seu bom senso também, porque senão você vai mandar embora um paciente que vai dar problema pra gente na unidade, tem paciente da unida básica que é mais bom senso do que Manchester (TE8). [...] na atenção básica ele perde um pouco no contato, ele vai ficar mais mecanizado, se a pessoa que tiver atrás da máquina ela não conseguir extrapolar além da máquina [...] uma pessoa que não souber usar o protocolo, ela vai ficar restrita naquilo, e vai perder coisas, a parte social da atenção básica [...] aí você não cria nosso objetivo final que o vínculo (E2). O depoimento de TE10, além de expressar peculiaridades da APS, remete a outra discussão. É possível perceber que o profissional faz referência ao Programa de Saúde da Família/ Estratégia de Saúde da Família como sinônimo de Atenção Primária à Saúde, o que aponta para uma utilização equivocada e talvez um desconhecimento conceitual de cada termo. Olha, a meu ver foi uma novidade, sabe por que? Porque pra mim o Programa de Saúde da Família é um programa que tem que ter muita interação dos pacientes com os funcionários do PSF, porque...é uma prevenção a saúde, não é só pra fins de curativo, é pra prevenir a saúde o programa saúde da família (TE10). Retomando aos princípios da APS, pesquisa realizada em Cuiabá, com onze enfermeiros revelou que os profissionais delineiam humanização, sensibilidade, acolhimento, conversa, escuta e vínculo como possibilidades de mudanças e inovações nas práticas profissionais (SOUZA; MANDU; ELIAS, 2013). Mediante o exposto, a classificação de risco pelo PM na APS representa um retrocesso histórico por ir contra estes princípios. 75 [...] atender agudo, agudo e a questão mesmo de cuidado continuado fica a desejar (E3). [...] a gente trabalha com prevenção né, mas não é o que ocorre atualmente, o nosso objetivo era trabalhar com prevenção, mas a gente sabe que a gente não trabalha, a gente só apaga incêndio né? Quando chega passando mal, a gente tem que atender, só que aqui a nossa demanda, a gente atende todos os agudos entendeu? (TE11). [...] o Protocolo de Manchester pra mim ele dificultou muito a vinda dos pacientes, o tratamento dos paciente, o paciente do PSF é pra prevenir ali os riscos de contaminação de doença, não é pra fins de curativo e o Manchester a meu ver ta pra fins de curativos (TE10). [...] o Manchester, ele é um sistema que você não precisa de conhecer muito a história do paciente, você lança os dados, a queixa do paciente, é tanto que ele nem pede histórico de paciente, ele pede a queixa do paciente no momento, então pela queixa do paciente ele faz a classificação, e já na Atenção Primária a gente não trabalha só com a queixa, a gente tem que trabalhar com histórico, a história do paciente, por isso que a gente tem prontuário, tem a história do paciente [...]ele é um sistema pra atendimento de urgência (E7). Os depoimentos apresentados remetem a um modelo assistencial curativista que ainda precisa ser superado e substituído por uma visão ampliada do sujeito e do conceito de saúde. A APS possui ações capazes de propiciar atendimento integral ao usuário e de intervir em seus hábitos de vida mediante ações individuais e coletivas (STARFIELD, 2002). Um exemplo são os grupos operativos, que quando realizados de maneira efetiva, pautados na promoção da saúde, podem despertar o auto-cuidado, a autonomia e a coparticipação. No momento em que estas atividades são colocadas em segundo plano, a essência da APS começa a se perder, o acesso ao serviço volta a ser influenciado pela presença da doença, por queixas agudas, e neste sentido, a ideia de cuidado integral e continuado se fragiliza. O trabalho em equipe, que garante o atendimento ao usuário em 76 todas as fases de vida e que vai além dos portões do centro de saúde novamente cede lugar à figura do médico e a seu protagonismo. As análises alusivas as influências do Protocolo de Manchester na APS para os princípios de vínculo, continuidade do cuidado, integralidade da assistência e equidade, nos fazem repensar sobre o acesso do usuário ao serviço. Barbosa, Elizeu e Penna (2013) afirmam que a adesão ao tratamento e utilização do acesso são facilitados por meio da relação profissional usuário, que conforme apresentado anteriormente, deve ter como cerne a família, a comunidade, “esta relação deve estar assentada no processo de mudança do paradigma orientado pelo modelo cartesiano de atenção a saúde” (BARBOSA, ELIZEU E PENNA, 2013, p. 2349). O depoimento de TE8 aponta para esta discussão. [...] você tem que ouvir na verdade mais a queixa, é mais o lado da queixa do que ele está sentindo, mas tem paciente que infelizmente o lado emocional dele influência mais do que a queixa tem dia, como que você faz? Aí tem hora que o paciente não tem muito as queixas que se enquadra com o atendimento de hoje, mas o estado emocional dele, se você não avaliar ele, ele vai embora e vai voltar no outro dia, pior do que ele tava naquele dia, né, no dia da consulta, então assim, eu acho que funciona [Protocolo de Manchester] em parte, mas se o enfermeiro for humano ele vai olhar também, outro lado do paciente, como é que você faz? (TE8) A declaração desta técnica de enfermagem exprime sua inquietação sobre o atendimento oferecido aos usuários do centro de saúde. A profissional demonstra ter conhecimento dos objetivos traçados para a APS, compreender a necessidade de ter uma visão holística sobre as queixas apresentadas, mas se encontra de “mão atadas” com esta nova forma de abordar o usuário, a qual não condiz com esses ideais. A promoção da saúde, a prevenção de agravos e a reabilitação, instituídas como ações primordiais a serem aplicadas da Atenção Primária, estão cedendo lugar a práticas pontuais que dificultam ou até mesmo impossibilitam a continuidade do cuidado. É função da APS prestar o primeiro atendimento aos usuários que se encontram em quadro de urgência e emergência. Afinal, se fala de um modelo “porta aberta”, porém o 77 que não pode acontecer é que esses atendimentos ocorram em detrimento dos casos crônicos ou de cunho social, que precisam de acompanhamento longitudinal por todos os profissionais que atuam na APS. Ao utilizar o PM o profissional precisa estar atento a estas questões e ter autonomia para não apenas registrar e classificar o usuário por meio de discriminadores, mas também, fazer do momento de triagem uma oportunidade de encontro humanizado e de levantamento de informações que irão subsidiar uma atenção integral e contínua. Os dados apresentados até o momento permitiram elencar os principais desafios e potencialidades que permeiam a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. Dentre os desafios pode-se citar: implantação imposta e verticalizada, sem adaptações para a Atenção Primária à Saúde; rompimento com o trabalho em equipe, com as premissas do acolhimento e com a resolutividade da assistência; burocratização do trabalho, diminuição da autonomia dos técnicos de enfermagem na resolução das demandas, e consequentemente, maior sobrecarga de trabalho para o enfermeiro; todos os usuários precisam ser triados e classificados independente da queixa apresentada; o vínculo e a escuta qualificada estão sendo prejudicados (engessa o atendimento); preenchimento inadequado das informações mencionadas pelos usuários; incompatibilidade entre o tempo preconizado para cada classificação e o horário de funcionamento das unidades; ausência de padronização.redução de ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, visitas domiciliares e de consultas como: pré-natal, puericultura e preventivo; As potencialidades identificadas consistem em: respaldo para o profissional, por ter documentos eletrônicos que comprovam as condutas realizadas; possibilidade de classificar os usuários de acordo com a condição clínica, para estabelecer prioridades e organizar o atendimento; rompimento com o atendimento por ordem de chegada/filas. 78 5.2 Sentimentos sobre a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde – “uma faca de dois gumes” A respeito dos sentimentos ao utilizar o Protocolo de Manchester no Centro de Saúde, os participantes primários do estudo, declararam que o PM propicia a sensação de segurança, pois ele vai além de critérios baseados em parâmetros subjetivos, que não são passíveis de comprovações e registros. [...] não faz muita diferença não, porque de todo jeito a gente manteve a priorização que a gente já tinha, a diferença que agora a gente tem, tem um protocolo, tem alguma coisa pra nos resguardar, porque antes era só papel, palavras que não resguardam, a questão acho que seria segurança o sentimento (E1). [...] não é mais da minha cabeça [...] E pode vim aqui, pode ir lá no outro posto que se chegar com aquela queixa vai entrar e vai dar na mesma coisa. Então fica uniforme né, não é mais o que um enfermeiro acha, o que o outro acha, fica uniforme essa questão do acolhimento e da classificação e acho bacana nesse sentido (E3). Contudo, algumas contradições são apontadas, como por exemplo, quando E3 descreve o Protocolo de Manchester como uma “faca de dois gumes”, pois, ao mesmo tempo em que passa segurança, pode criar uma prova contra o profissional, por impossibilitar a garantia de atendimento médico a todos que procuram a unidade. [...] mas ao mesmo tempo, você ta usando, já que não tem como atender, ao mesmo tempo que te da respaldo pode te incriminar também, é uma faca de dois gumes. Já ta falando que é quatro horas, então eu to produzindo uma prova contra mim mesmo (E3). Outro sentimento citado pelos participantes foi a insatisfação referente ao atraso que o PM gera no cotidiano de trabalho. O excesso da demanda espontânea exige um olhar mais direcionado e resolutivo, por parte do profissional, com intuito de evitar 79 prejuízo na qualidade da atenção (GUERRERO; et al, 2013). Ao estabelecer que todos os usuários precisam ser triados, a utilização do PM faz com que a classificação de risco ultrapasse o tempo previsto pelos enfermeiros. [...] a gente acha que ele atrasa a nossa vida [...] atrasa bastante o acolhimento [...] as vezes assim, a gente pega um paciente que você vê que a queixa dele é bem focada, por exemplo uma tosse, alguma coisa assim, e o Manchester te obriga a olhar outros dados vitais, que sem ele você não avaliaria, então isso acaba você perdendo um tempo, que a gente julga desnecessário pelo tamanho da fila, então em geral, eu acho que a gente acha ele chato e atrasador (E4). [...] como a demanda em posto de saúde ultimamente ta ficando, como fala, além do normal, por isso que eu não concordo muito de protocolar todos os pacientes (E5). Além dos sentimentos que emergiram das entrevistas, foi interessante o fato de uma enfermeira descrever suas angústias em relação ao Protocolo de Manchester no momento da realização da técnica do GIBI. Descrição: a Mônica está de pé, segurando seu coelhinho com a mão esquerda. Sua face é de profunda tristeza. Discurso: “Na verdade quando o Manchester chegou a gente ficou cheia de esperança né, achando que a coisa ia funcionar; Porque ela ta com a carinha triste e é assim que eu me sinto, porque na verdade a gente veio cheio de esperança, achando que ia ser um instrumento que ia validar o que eu to fazendo, na verdade ele funciona de uma forma diferente, então a gente se sente triste, sente frustrada, que a gente empolgou com aquilo e trabalhou para que aquilo desse certo, pra que a população aceitasse ele, porque a população quando isso chega, as novidades, e ele, quando ele realmente vem a funcionar, você 80 percebe que você foi enganada na verdade, a verdade é essa, você percebe que você foi enganada, colocaram não...vão ser só para os agudos, paciente que não tem vaga e aí você vai passar ali, aí você vai conseguir respaldo para o médico atender, a própria unidade, alguém né? Ai você percebe que não é isso, então ele não me ajudou, é isso mesmo, é frustração, é tristeza, de você ter acreditado numa coisa, ter brigado para que aquilo acontecesse né? Ter perdido tempo explicando e debatendo e quando vem, vem sendo utilizado de forma errada, e aí é por isso, por causa dessa... tadinha, ah, é isso aqui mesmo que eu sinto, essa carinha triste, toda vez que eu tenho que...hoje eu liguei e desliguei ele sete vezes, eu contei, porque ele simplesmente não funcionava, sete vezes tive que ligar e desligar ele sete vezes para conseguir, eu consegui ligar ele nove horas da manhã (E6).” Outra questão direcionada aos participantes primários e secundários foi: Se você pudesse decidir sobre a implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária qual seria sua decisão? Alguns participantes disseram que optariam por implantar, com a justificativa de que o PM classifica e direciona para atendimento somente casos necessários e facilita a vida do profissional. Lá onde eu trabalhava não tinha e tipo assim, não tinha esse critério de classificação, passava muita coisa desnecessária (M1). Ah, eu acho que por classificação né? [...] porque eu acho a maioria sim precisa e a outra maioria não tem nem necessidade de vim, eu acho que poderia ser agendado, ou sei lá, ser mais pesquisado antes de vim no PSF, porque eu acho que tem mais coisas mais sérias né (TE9). [...] pensando justamente nisso, nessa organização, isso é pra todo mundo ne, pro técnico de enfermagem, pra enfermeira, ficou muito mais fácil o trabalho, acho que é por aí (M4). Por causa da visão do acolhimento, da prioridade. Ele facilita totalmente a vida da pessoa, de quem ta atendendo. porque você vai ter um respaldo legal (E2). 81 Outro motivo que leva os profissionais a optarem por implantar o PM é a ausência de um protocolo direcionado ou adaptado para a APS atender aos casos agudos. Eu gostaria de implantar um Manchester adaptado a Atenção Básica, porque ele é bem voltado pra urgência né, a gente é, tem dificuldade em achar é, os fluxogramas da nossa realidade, então o Manchester ele é bom né, que é um protocolo, a gente sempre trabalha melhor baseada num protocolo, do que empiricamente, mas, ele não é voltado pra Atenção Básica, então já que não tem outro eu optaria em implantá-lo sim (E4). A decisão por não implantar o PM foi manifestada por determinados participantes, segundo os quais, o Protocolo aumenta o tempo de espera do usuário, dificulta a tomada de decisão e é desnecessário e inadequado para a APS. [...] o usuário reclama muito, eu acho que esse protocolo, na unidade básica ele deixa muito a desejar, por causa do tempo que o paciente vai ficar lá fora esperando e eles não aceitam isso, então na minha opinião não, pelo tempo que eles vão ficar lá na recepção aguardando, talvez o que poderia ser resolvido em questão de segundos, eles ficariam aqui horas (TE2). [...] uma coisa que possa ser resolvida só ali na comunicação, ter que triar, uma informação, um acolhimento que chega ali de momento, ah eu quero só saber se eu preciso fazer um curativo, ou quero saber só agendar uma consulta, pra pegar um pedido de receita, um pedido de exame, uma coisa que você pode resolver, ter que triar primeiro, passar pelo Manchester, pra depois...eu acho que pra PSF não, pra PSF eu não adotaria (TE5). Ele não serve para atenção primária, ele não foi feito para atenção primária, [...] ele foi feito pra atendimento de urgência, né? As próprias características dele, quando você estabelece aquelas urgências, estabelece tempo de atendimento né? Se a minha unidade fecha as 4 horas, eu atendi um paciente as três e meia, o protocolo me fala que ele pode esperar tantas horas, como assim ele pode esperar tanta horas se o posto ta sendo fechado sabe? E, agora, é necessário sim pra atenção primária melhorias, o acolhimento tem que ser repensado, mudanças 82 precisam ser feitas, mas a solução mágica do Manchester, de qualquer outro, eu não consigo entender (M2). Alguns profissionais preferiram não expor sua opinião por desconhecer o funcionamento do Protocolo de Manchester. Já outros relataram que a implantação apresenta aspectos positivos e negativos que precisam ser ponderados e avaliados. Oh, complicado, as vezes eu prefiro ele, questão da educação da população, questão da gente priorizar realmente quem precisa. Mas em contrapartida tem essa questão da demanda, eu acho que se a unidade básica tivesse a quantidade de usuário necessária, tivesse uma equipe completa, acho que poderia sim dar certo. Eu acho que se tivesse realmente uma equipe adequada, a estrutura fosse adequada, poderia dar certo sim. Tendo equipe, tendo o acolhimento técnico e for só classificação mesmo de risco, tem como você intercalar a agenda, o problema é quando você fica por conta de tudo, você perde totalmente sua agenda, não tem como você cumprir (E1). Se eu fosse um secretário de saúde, e eu fosse implantar um sistema desses na unidade primária, eu agiria de outra forma, eu usaria a base do Manchester, os discriminadores, o treinamento e tudo, mas usaria um protocolo interno que pedisse também o histórico do paciente, não só a queixa [...] pra Atenção Primária eu teria um outro protocolo junto, que desse mais liberdade pra quem tivesse triando (E7). Por meio do depoimento de E7 fica evidente que o Protocolo de Manchester tem características que podem ser aplicadas na classificação de risco da Atenção Primária à Saúde. Contudo, os profissionais e gestores locais precisam ter conhecimento e clareza das peculiaridades e ações executadas nos diversos pontos da rede de atenção, para assim utilizar outros mecanismos que contemplem aspectos intrínsecos ao processo de trabalho na APS. O trecho a seguir foi extraído da entrevista de um médico conforme apresentado. [...] a gente fica assustado de tantos profissionais que são capacitados, pensam sobre esse assunto, terem essa idéia, e não 83 questionarem isso sabe, as pessoas pensam em soluções mágicas para as coisas (M2). O desenvolvimento desta categoria possibilitou identificar que o Protocolo de Manchester na APS se caracteriza como uma “faca de dois gumes”, sendo permeado por desafios e potencialidades. Mesmo apontando vários problemas em sua utilização, alguns profissionais optam pela implantação. Este achado exprime uma ambigüidade de sentimentos, que caracteriza esta fase de recente utilização do protocolo, a qual dificulta a construção de opiniões claras e conclusivas. 6 PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE E NOS SERVIÇOS DE URGÊNCIA – “pra urgência, é perfeito, mas na atenção básica não rola” Esta categoria foi elaborada tomando como base os depoimentos espontâneos dos profissionais que integraram a pesquisa. A despeito de nenhuma questão norteadora fazer alusão à utilização do Protocolo de Manchester nos serviços de urgência, o tema, bem como a comparação entre os níveis assistenciais emergiram na observação, na entrevista com roteiro semiestruturado e na técnica do GIBI A maioria dos profissionais reconhece a importância, efetividade e eficácia do PM nos serviços de urgência e enfatiza que ele foi feito justamente para ser utilizado neste nível assistencial. Em contrapartida, a aplicabilidade no Protocolo na APS foi questionada e criticada, conforme exemplificado. [...] eu acho que não é o objetivo do PSF, pra urgência, é perfeito [...] mas na Atenção Básica não rola (E3). Olha, eu acho que no pronto atendimento, urgência e emergência, ele funciona bem, dentro do PSF eu acho que a utilização dele não é tão adequada não, não é tão eficiente como deveria ser não (TE4). Na verdade não é a ferramenta que ajudou a Atenção Básica, eu acho que ele ajuda em urgência e emergência acho que funciona 84 muito bem, já trabalhei com ele em urgência e emergência, na Atenção Básica não é funcional (E6). [...] na minha opinião ele não é um programa ideal pra unidade de saúde não, sabe, ele é muito bom pra triagem na unidade de urgência, igual eu trabalho na unidade de urgência com ele lá, funciona muito bem, mas na unidade de saúde eu não vejo muita utilidade pra ele não (E7). É relevante destacar que os enfermeiros com experiência em serviços de urgência e emergência reforçam a não utilidade e funcionalidade do PM no centro de saúde. Esta constatação é interessante, por revelar que os profissionais conseguem diferenciar o objetivo das ações prestadas em cada ponto da rede de atenção à saúde e identificar que devem atuar de acordo com as especificidades dos serviços. No serviço de urgência o profissional que tria, raramente terá contato posterior com o usuário. Todavia, na APS, a dinâmica é diferente, uma vez que os profissionais devem se comprometer com o acompanhamento contínuo da população de sua área de abrangência. Agora, eu não consigo entender a aplicação no Manchester na unidade básica, porque ele é direcionado pra urgência e isso nunca conseguiu ser explicado pra gente, não foi convincente a explicação que é dada sabe? Eu tenho uma dificuldade de entendimento disso [...] a experiência que a gente tem é que não tem sentido classificação de risco na unidade básica, a classificação ela é usada pra urgência, na unidade básica o funcionamento é diferente, sabe? (M2). Lá [urgência] da tempo porque lá eu não tenho vínculo com o paciente, ele chegou, porque que você veio aqui hoje? Por isso e isso e já vou digitando, e já vou colhendo dados e tchau, aqui não, eles chegam, oi Mônica, tudo bem? Você começa a conversar a paciente (E3). [...] na urgência você não conhece o cliente que ta atrás da máquina, aqui eu conheço (E2). 85 Em consonância com estes discursos, a figura de GIBI escolhida por E3 reafirma peculiaridades da APS que transcendem os sinais e sintomas estabelecidos pelo Protocolo de Manchester. Descrição: neste quadrinho a Suzaninha aparece com expressão de sarcasmo. A Mônica está a sua frente com o braço esquerdo erguido e o dedo indicador apontando para ela. O olhar da Mônica expressa nervosismo e ela parece estar gritando. Discurso: “Porque eu não gosto do Manchester aqui no posto de saúde, ainda mais que eu vejo os dois lados e eu sei que lá na UPA é pra lá. Eu não gosto, me irrita quando eu, chega um paciente, e eu vi que a manhã toda, eu fiquei presa dentro de um consultório, com um paciente, dor de cabeça, dor na perna, dor na coluna, não dou conta de ficar atendendo só queixa, as vezes eu quero, quero ir lá, orientar a mulher a amamentar, por o neném pra mamar sem hora de ter que voltar, ta com dificuldade, eu fazia isso, eu ficava uma hora na casa, não conseguia mamar, eu não saia e vinha tranqüila. Hoje em dia não, hoje em dia eu não consigo, eu tenho que falar não, to indo, deixo tudo pra lá, e vou, e as meninas, técnicas de enfermagem seguram as pontas aí, vai acolhendo o que chega, vê o que é e passa pro médico, então isso me irrita muito, deixar de fazer o que é promoção, prevenção, pra ficar atendendo queixa aguda o dia inteiro (E3).” Segundo Silva e Mascarenhas (2005) na Estratégia de Saúde da Família a assistência deve ser orientada pelo acolhimento, entendido em três sentidos que se integram: como postura (que deve ser assumida por todos profissionais da equipe, com atendimento humanizado); como técnica (para direcionar o planejamento de ações); e como reorientação do trabalho (para nortear o trabalho desenvolvido). O acolhimento é 86 reconhecido como um momento de escuta do usuário, de direcionamento (BRASIL, 2004). Esta forma de orientação do trabalho propicia o atendimento de casos agudos e não prejudica a estruturação da agenda para o atendimento a demanda programada. Todos, todos, todos passavam por mim eu acolhia todos [...] eu ia classificando, avaliando a urgência de acordo com a queixa clínica [...] era um agudo, passava pelo médico no mesmo dia, se fosse coisa já mais crônica, que dava pra esperar, renovação de receita por exemplo era agendado (E1). Antes de implantar eles vinham pra agendar consulta segunda terça e quarta de sete as nove, quem tava com queixa vinha já olhava, ta passando mal vinha cedo, sete horas tava aqui pra ser atendido, eu terminava dez horas o acolhimento eu já começava com meu agendado, a tarde era só agendado, deixava duas vagas de agudo e era o que dava, uma infecção de garganta, uma febre que chegava E3). [...] funcionava dia de terça, quarta e quinta de sete as nove, ela fazia esse agendamento de consulta, se chegasse por exemplo alguma pessoa passando mal, depois desse horário, que ela tivesse ocupada, fazendo por exemplo pré-natal, preventivo, a gente mesmo acolhia [...] se fosse realmente necessário, ter avaliação do médico, a gente já passava direto pro médico [...] independente do horário que ela chegasse, de forma alguma, nunca deixou de ser atendido [agudo] (TE4). Tesser, Neto e Campos afirmam que o acolhimento envolve uma postura ética e de cuidado, com sentidos individuais e coletivos (STARFIELD, 2002). O acolhimento deve ser utilizado como uma ferramenta para a organização do trabalho e reorientação da prática profissional. Portanto, é preciso construir espaços para uma relação empática, pautada no respeito às demandas singulares dos usuários. Mediante o exposto e considerando a observação em campo, pode-se afirmar que o Protocolo de Manchester na APS dificultou o atendimento prestado às urgências e emergências. As queixas agudas chegam a todo tempo no serviço, mas existe um horário de funcionamento fixo, diferente do serviço de urgência que está aberto vinte e quadro horas. Quando os profissionais realizavam o “acolhimento” todos os casos agudos recebiam atendimento médico, só eram agendados alguns usuários com queixa 87 crônica ou que estivessem na unidade para realizar troca de receita. Com o advento do PM e com a orientação de triar todos os usuários, isto deixou de acontecer. Aí você passava pela enfermeira, falava as queixas dela, aí se fosse uma queixa assim, com mais urgência, um mal estar, uma febre, marcava pro mesmo dia, e quando não tinha que era só alguma cólica assim, algum teste de gravidez, a enfermeira mesmo, já fazia, ou então agendava pra um dia depois (TE7). O acolhimento do usuário era mais empírico assim, né? A gente ia pelo bom senso mesmo, olha fulano ta mais grave do que o ciclano, vamos passar ele na frente, era bem assim (E4). você já imaginou se chegarem 100 pessoas agudas aqui num dia, se você for triar 100 pessoas agudas no Manchester ele vai mandar você atender todo mundo [...] se ele tiver um evento recente, qualquer coisa, ele tomou um tropeção e sentiu uma dor no dedo, aquela dor pode ser mínima, mas se for um evento recente, você classifica ele como verde, o verde é atendido em quatro horas, você ta entendendo? Então eu não vejo muita função na Atenção Primária pro Manchester não, eu acho que...então na Atenção Primária eu acho ele meio falho, meio metódico demais, muito engessado, entendeu? (E7). Pesquisa desenvolvida por Gomes (2013) em uma Unidade Básica de Saúde de Belo Horizonte aborda esta temática enfatizando a situação mencionada. O autor afirma que o atendimento a demanda espontânea pautado no acolhimento, como estratégia de organização do serviço, garante que todos os usuários que compareçam a unidade no horário do acolhimento sejam atendidos independente da queixa apresentada, a qual pode ser aguda ou crônica. O fato de classificar um usuário por meio do Protocolo de Manchester na APS não é garantia de que ele será atendido pelo médico. A realidade observada foi de que apesar de contrariar as regras estabelecidas pelo protocolo, usuários classificados como azul e verde estão sendo agendados. Ao realizarem este agendamento, os enfermeiros estão descumprindo o regimento, contrariando os princípios profissionais e colocando em risco a vida do usuário, já que este ao ser agendado pode ter um agravamento diagnóstico ou até mesmo evoluir para óbito. 88 [...] porque não tinha isso, era acolhimento, chegava, fazia o acolhimento, a enfermeira ou a gente triava e passava pro médico, agora não né, tem a classificação, dependendo da classificação pode ser agendada, tem a urgência, tem classificação de risco, então ficou um pouquinho mais trabalhoso, ficou um pouquinho mais difícil. [...] (TE5). [...] e a gente não tem uma cópia que fala que o azul pode ser agendado, então as vezes a gente acaba agendando porque não tem como atender todo mundo, mas é uma coisa que a gente ta pondo em risco a nossa profissão, porque diante do que o COREN prega é só pra organizar a ordem de atendimento, não é para excluir ninguém, então se é azul tem que atender em quatro horas, e aí, como que implanta um programa que sabe que não tem médico pra atender, e quem que fica como o pepino é a enfermagem (E3). [...] eu fiz um curso falando que eu ia seguir aquilo e eu não tenho como seguir aquilo [...] como é que eu vou fazer uma triagem de 60 pacientes e falar que eu vou atender todos eles se o meu médico tem hora para ir embora, então na verdade eu acho que ele me dificulta quando ele me faz assinar uma coisa e fazer outra [...] é uma assinatura eletrônica, mas eu to lá assinando, porque eu não tenho essa possibilidade de falar assim, olha, paciente agendado para o dia tal, não, ou eu mando ele para o consultório, ou eu mando ele pra triagem, ou mando ele para atendimento, eu não tenho essa possibilidade de agendamento ali, então na verdade eu to falando ali uma coisa, mais eu to fazendo outra, por mais que eu coloque no prontuário dele que eu to encaminhando ele pra marcação, to marcando ele pro dia tal, mas ali, no eletrônico eu to fazendo outra (E6). Outra diferença entre o processo de classificação de risco na APS e no serviço de urgência é que os médicos na APS instituem um número fixo de usuários que eles conseguem atender diariamente. Quando a quantidade de usuários triados ultrapassa este número o enfermeiro é obrigado a agendar a consulta. Este achado assinala que o problema de organização da demanda espontânea não foi solucionado. Os profissionais ainda trabalham com vagas limitadas que apenas substituíram as fichas anteriormnete distribuídas na sala de espera do centro de saúde. 89 Aí o médico chega pra você e fala que já deu o número de fichas, que não da pra atender mais, o paciente bate na porta que ele precisa de atendimento e aí? E aí fica o enfermeiro na situação de tentar controlar e ainda por em risco essa questão da legalidade. Ele atende dezoito e enfermeiro não tem limite, nutricionista atende sete, a fono atende seis, enfermeiro...não tem limite (E3). [...] não acho que funciona muito bem não, porque tem uma cota de atendimento do dia, que funciona de sete as quatro, se vier 50, os 50 vão ser verde, aí os 50 vai ter que ser atendido hoje? Impossível (TE8). Uma solução manifestada pelos participantes para este problema foi colocar uma equipe de apoio nas unidades. Caberia a esta equipe prestar atendimento exclusivo aos usuários com queixas agudas e direcioná-los para atendimento. O médico da equipe de apoio seria responsável, exclusivamente, pelos atendimentos de urgência e emergência e assim, o serviço seria “porta aberta” sem sobrecarregar os profissionais e afetar o desenvolvimento de ações voltadas para promoção da saúde, prevenção de agravos e reabilitação. [...] aqui principalmente, você viu como que é, uma enfermeira só, não tem suporte para atender o agudo, eu acho que se tivesse um suporte para atender esse agudo seria mais tranqüilo, eu ficaria com o agendado tranqüilo [...] as vezes cansa, que ao mesmo tempo que você começa a fazer uma coisa, que é puericultura, você entra no ritmo, você tem que acolher, uma dor de cabeça, uma dor na perna (E3). Ainda que as unidades coloquem equipes de suporte será preciso rever a utilização do Protocolo de Manchester na APS. De acordo com os profissionais os discriminadores do PM não condizem com a realidade da APS, pois os mesmos foram criados considerando o perfil dos usuários que procuram os serviços de urgência e emergência. A crise hipertensiva se caracteriza como um dos quadros mais freqüentes na APS e na triagem pelo PM não existe discriminador para esta queixa, ela precisa estar relacionada com algum outro sinal e sintoma, o que dificulta a tomada de decisão e interfere na classificação indicada para o usuário. 90 [...] então eu acho que tem muita coisa que tem que ser adaptada por exemplo, a crise hipertensiva que a gente mais tem na unidade de saúde não tem, se você for classificar os sintomas, a classificação não sai a urgência necessária, as vezes, que que acontece, os sintomas, a pessoa está assintomática, se for olhar o paciente está azul ou o que? Um verde, que não é referente a uma crise hipertensiva (E1). [...] tudo isso tem que ser avaliado, então se você chega com um pico hipertensivo, uma pressão 16 por 10 vamos supor, as vezes ele ta se sentindo mal, mas as vezes ele já tem medicamento pra tomar, ele já faz o acompanhamento, não tomou o medicamento naquele dia que veio [...] as vezes simplesmente se ele tomar o medicamento ele estabiliza o quadro dele, só que, por exemplo, pico hipertensivo não é classificado no Manchester a não ser no caso de gestante, mas o pico hipertensivo com a cefaléia pode ser classificado como cefaléia, aí a cefaléia é devido ao pico hipertensivo, quer dizer, a gente que trabalha no dia a dia, eu não vejo muita utilidade pro Manchester na Unidade Básica de Saúde não. Eu não acho ele ideal pra Unidade Básica não, a gente utiliza, mas eu acho que o ideal dele é pra unidade de urgência (E7). A inadequação entre as demandas apresentadas pelos usuários e alguns discriminadores preenchidos durante a triagem por meio do Protocolo de Manchester, representa uma questão de legalidade ética que precisa ser considerada. Parte-se do pressuposto de que as informações são preenchidas e analisadas exclusivamente pelas queixas reais descritas pelo usuário. Quando isto não acontece, o profissional, além de comprometer sua profissão, coloca em risco a saúde do ser cuidado. Przenyczka et al (2011) afirmam que são poucos os estudos direcionados para a análise das questões éticas na Atenção Primária à Saúde. Os autores sinalizam a importância de se estudar os aspectos éticos que integram as práticas profissionais neste nível de atenção, bem como as condutas utilizadas para superá-los. Um dado importante é que diferentemente da rotina dos serviços de urgência e emergência, na APS os usuários não estão recebendo pulseiras ou adesivos que identifiquem a cor de classificação de risco. A maioria dos enfermeiros optou por não 91 informar a classificação ao usuário para que este não fique controlando, ainda mais, o tempo de espera para ser atendido. Aqui a gente não põe pulseirinha no braço, só escreve no prontuário, nem fala pro paciente que cor que é também, porque eu acho que o fato de falar, a cor por exemplo amarelo, ah tem que me atender em uma hora, a pessoa já vai marcando no relógio, se acontecesse alguma coisa, aí vira aquela bagunça, começa a reclamar (E3). Este fato remete novamente a uma questão ética por ir contra direitos estabelecidos para os usuários. De acordo com a Carta dos direitos dos usuários da saúde (BRASIL, 2011d, p. 7) devem ser asseguradas “informações sobre o seu estado de saúde, de maneira clara, objetiva respeitosa e compreensível”. Além disso, a conduta supracitada pode dificultar o entendimento da população a respeito desta nova forma de priorização do atendimento. Se os usuários fossem comunicados sobre as cores e seus respectivos significados (tempo de espera), talvez as reclamações diminuíssem, e a equipe aproveitaria a oportunidade para educar a população e mostrá-la o funcionamento da classificação de risco pelo Protocolo de Manchester. [...] e a gente até hoje, a gente luta pra colocar essa questão da classificação de risco na cabeça do usuário, porque ele não aceita o outro que chegou duas horas depois que ele ser atendido antes dele que tava aqui as seis e meia da manhã, isso é muito difícil pra ele (E4). Até porque as vezes o paciente não entende que aquela queixa é agendada, que é uma demanda que pode ser agendada, ou que é verde que pode esperar duas horas para atendimento, ficou um pouquinho mais difícil (TE5). É mais demorado, não é aquela agilidade toda que eles já chegam aqui pra poder ser atendido né? Eles chegam, eles querem agilidade, eles querem pra ontem, o negócio não é assim, ele tem o tempo né de atendimento pela classificação das cores ne, é aquela demanda, é pela ordem ali, e os usuários não entendem isso né, não aceitam isso, é isso que eu vejo do Manchester (TE2). 92 O depoimento de TE2 trás a tona também a resolutividade da assistência. Segundo Rosa, Pelegrine e Lima (2011) os usuários atendidos na Atenção Primária consideram que a resolutividade só é alcançada quando a solução para os seus problemas de saúde e necessidades são apresentadas. Os autores destacam que a resolutividade está diretamente relacionada com a satisfação dos usuários, se constituindo num importante instrumento de avaliação da qualidade da atenção à saúde e do trabalho desenvolvido. São inúmeros os aspectos que exprimem as diferenças e peculiaridades que devem nortear a implantação da classificação de risco na APS e nos serviços de urgência e emergência. Torna-se necessário impedir que a história construída até o momento ceda lugar a um passado que não respondia as necessidades das comunidades e dos indivíduos. Segundo E7 a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde exige um processo contínuo de reflexão. Descrição: o quadrinho mostra um homem e uma mulher em silêncio. A face do homem é de tristeza. A mulher aparece com os olhos bem abertos, com expressão de susto. Acima dos personagens aparece o termo “caplof”. Discurso: “O que expressaria minha opinião a respeito do Manchester seria uma reflexão, é em cima daquilo que eu te falei mesmo, fazer uma reflexão sempre, diariamente a gente acaba tendo uma reflexão sobre o uso dele dentro da unidade E7.” É preciso respeitar as premissas da APS, ela não pode se configurar como um serviço de atendimento apenas de quadros agudos, que irá atender ao restante da demanda de acordo com o tempo disponível. Assim, é fundamental que os profissionais 93 tenham uma visão holística para responder efetivamente às questões subjetivas e sociais. Com ou sem Protocolo de Manchester, o essencial é considerar e respeitar a dinâmica dos diferentes pontos da rede, para assim, garantir uma atenção qualificada aos atores envolvidos no processo de cuidar. 7 PROTOCOLO DE MANCHESTER NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE NA VISÃO DO SER CUIDADO É de suma importância que os usuários integrem a tomada de decisões e sejam coparticipativos no processo de cuidar (BRASIL, 2011d). Foi este direito, garantido por lei, que motivou o interesse em compreender a visão de usuários sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. A análise do perfil dos dezessete usuários que participaram da pesquisa permitiu identificar que 88,24% dos participantes são do sexo feminino e a média de idade é de 44 anos, tendo 13 anos o usuário mais jovem e 95 o mais velho. Em relação ao estado civil, 71,18% são casados, 47,06% solteiros, 5,88% divorciados e 5,88% viúvos. No que se refere à atuação no mercado de trabalho, 58,82% dos usuários tem emprego fixo, 35,30% não trabalham e 5,88 são aposentados. A respeito do tempo de estudo, 5,88% não estudaram, 47,06% possuem o ensino fundamental incompleto, 11,77% tinham ensino médio incompleto, 23,53% ensino médio completo, 5,88% estão cursando o ensino superior e 5,88% possuem curso superior. É importante destacar que apenas um usuário nunca havia buscado atendimento no centro de saúde. Os demais declararam ter recorrido ao centro de saúde por no mínimo duas vezes. Quando questionados sobre as situações que os levam a procurar atendimento na APS, emergiram as seguintes demandas: vacinação, consulta com o médico, consulta com o enfermeiro e exame de preventivo. A maioria dos usuários relatou ir até a unidade apenas quando está “passando muito mal”. Esta realidade reforça o modelo curativista, que vai contra os princípios da Atenção Primária à Saúde, pautados na promoção da saúde e prevenção de agravos (UCHIMURA; BOSI, 2012). Ademais, revela discordâncias no caminho que o usuário 94 faz na rede de atenção a saúde. Apesar de a APS ser considerada porta de entrada preferencial e coordenadora do fluxo dos usuários (CECÍLIO; et al, 2012), espera-se que demandas agudas cheguem principalmente para serviços do segundo nível de atenção. Ah eu só venho só em último caso mesmo. Quando eu estou passando mal mesmo, se eu estiver passando mal em casa e der para remediar, eu vou remediar, agora, quando eu vejo que não é uma coisa que da para eu remediar ai eu venho. Urgência mesmo, entendeu? (U2) Só quando eu estou passando muito mal. Ah, uma dor assim muito forte, uma coisa assim que eu tenho que vir mesmo (U5). Só quando eu sofro algum acidente na empresa ou se estou mal mesmo, doença (U11) Ah, eu venho aqui quando eu preciso mesmo de consultar, que nem hoje eu vim, mas só graças a Deus é muito difícil eu frequentar aqui para eu consultar, só quando eu preciso mesmo (U12). Eu sou meio difícil, venho só quando eu preciso mesmo, só quando não tem como fugir. Quando não tem condições de fugir eu venho (U14). Apenas o usuário U13 relatou procurar a policlínica quando está sentindo mal e demonstrou compreender a possibilidade de ser referenciado da Atenção Secundária para a Atenção Primária á Saúde. Do posto, é muito raro, é só quando chega o caso de passar mal, ir na policlínica e eles mandarem fazer acompanhamento aqui (U13). Outro aspecto observado, diz respeito à continuidade do cuidado. O depoimento de U3 revela ausência no acompanhamento do quadro do usuário. Este fato pode evidenciar fragilidades nas ações desenvolvidas por todos os profissionais que compõem a Atenção primária à Saúde e principalmente pelo Agente Comunitário de 95 Saúde, o qual se responsabiliza pelo acompanhamento dos usuários de determinada área de abrangência. De acordo com a Portaria nº 2.488 (2011) compete ao Agente Comunitário de Saúde “estar em contato permanente com as famílias, desenvolvendo ações educativas, visando à promoção da saúde, à prevenção das doenças, e ao acompanhamento das pessoas com problemas de saúde”. Oh, eu sou difícil de vim consultar ne? Já tem quase um ano que eu vim consultar ne? Aí só mesmo quando eu estiver passando mal, alguma coisa assim aí eu venho. Vamos supor, igual eu estava sentindo muita dor no seio, no peito ne? Aí eu vim, aí consultei só que meu descuido é tanto que nem na ginecologista eu não vim mostrar o exame, está lá o ultra-som, do jeito que eu fiz está lá ne? Aí depois disso eu vim para procurar pelo estômago também, aí fiz endoscopia, vim mostrei o médico e não voltei mais não. Hoje que eu to voltando (U3). Em relação ao atendimento oferecido nas unidades, apesar de considerarem o mesmo muito bom, bom ou excelente, os usuários U4 e U9 apontaram em seus depoimentos insatisfação referente ao tempo de espera e ao agendamento de consultas. Ah, eu não tenho o que reclamar não, a não ser essa espera, todo mundo sempre foi muito educado, me recebeu bem (U9). Eu achei diferente [...] aqui tem esse negócio de agendamento, pra mim eu acho que perdi meu tempo. Porque ninguém levanta cedo pra marcar uma consulta sem ta precisando. É o que eu penso (U4). No que concerne especificamente a visão dos usuários sobre o PM na APS, optou-se por considerar separadamente os usuários que haviam sido atendidos nas unidades antes da implantação do PM e aqueles que só receberam atendimento após a implantação. Dentre os usuários que já eram atendidos e relataram ter visto melhoras na assistência, apenas U7 e U3 mencionaram aspectos que faziam alusão a questão da classificação de risco. Antes eu já era atendida aqui, agora, é a primeira vez que eu vou ser atendida com essa classificação. Agora é melhor, porque é 96 mais rápido ne? As vezes tem pessoas, eu não falo que é só eu, as vezes eu to com dor de cabeça e tem pessoas que estão pior do que eu, podem ganhar atendimento as vezes mais rápido, ou vice versa, pode ser um dia que eu estou bem as vezes né? Não é que toda doença, uma é melhor ou pior do que a outra, mas as vezes tem pessoas na minha frente, ou atrás de mim que chega por último está em mais risco do que eu, pode ser atendido mais rápido né? Ou vice versa, pode ser eu no dia, e é bem melhor, mais organizado (U7). Foi bom que aí, no caso se não desse verde eu ia esperar mais uns dias né, então quer dizer eu estou achando bom (U3). Os demais usuários relacionaram as melhoras com o aumento de número de funcionários e com a atenção recebida durante as consultas. Este fato remete ao desconhecimento da população a respeito do objetivo e funcionalidade do Protocolo de Manchester, bem como dos demais protocolos do serviço. Já. Melhorou bastante. Com o passar do tempo eles colocaram mais pessoas, foi trocando (U1). Fui atendida melhor, igual eu estou te falando, as pessoas tão mudando o atendimento, né, igual até te falei, antes era diferente, ultimamente ta com o atendimento melhor (U17). Dentre os usuários que já eram atendidos e identificaram piora no atendimento após a implantação do PM, destaca-se os depoimento de U2, U5 e U16 que fazem referência ao aumento no tempo de espera, o qual foi citado também pelos profissionais, como uma fragilidade do Protocolo de Manchester. Tem hora que ficou mais demorado né. É que as vezes você chega passando mal e você tem que esperar um tempão, as vezes te classifica com verde, mas você está passando mal, entendeu? E você fica ali, horas e horas. Igual já aconteceu deu ir na policlinica, foi num sábado, eu cheguei lá era três horas da tarde, sete horas da noite eu ainda não tinha sido atendida, e eu fui embora sem atendimento. Aqui é a primeira vez que eu vou passar com essa coisinha verde, é a primeira vez (U2). 97 A única coisa que era boa, é que a gente vinha e era atendido, e ai agora a gente tem que vir marcar, vim aqui, igual hoje eu vim pra ser atendida, aí tenho que voltar amanhã, entendeu? Porque mesmo assim que seja uma dor suportável, até amanhã vai demorar você entendeu como? Aí se hoje eu começasse a tomar os remédios aí provavelmente já estaria melhor amanhã. Até pouco tempo a gente vinha, pegava a ficha e já consultava. Hoje eu até assustei. (U5). O atendimento de antes era melhor. Porque, não tinha tanta espera. Igual por essa classificação tem aquelas esperas, uma hora, uma hora e meia, então eu achava que antes era melhor sem essa classificação, porque todo mundo era tratado igualmente, e agora com essa classificação, dependendo do que a pessoa está sentindo tem que aguardar uma ou duas horas, ou até mesmo agendar uma consulta, então eu acho que antigamente era melhor porque você era atendido praticamente na hora, você não ficava aguardando essa espera por consulta, agenda uma consulta, aí dali sete dias a um mês que você vai consultar, até você consultar o que você estava sentindo daquele dia você já não está sentindo mais (U16). No que tange os usuários que não eram atendidos nas unidades antes da implantação do PM, U11 e U12 consideraram que a mudança foi favorável por melhorar a assistência prestada. Acho que é mais prático ne? Acho que facilita o atendimento das pessoas ne? (U11). Eu acho muito bom, é muito bom, eu ainda não tinha participado. Uma coisa pra gente ne? É muito bom este atendimento deles aqui agora (U12). Todos os usuários, incluindo os que já recebiam atendimento antes do PM e os que não haviam recebido, foram questionados sobre o que pensam a respeito da classificação de risco pelo Protocolo de Manchester na APS. Dentre os que consideram o PM bom para a APS a principal justificativa está relacionada à priorização de casos mais urgentes. 98 Ah é bom, porque vamos supor, tem gente com o caso mais urgente que a gente ne? Ai vamos supor, cai lá é, azul né, espera mais, o meu deu verde, então já vou ser atendida hoje. Então se não fosse a maquininha, talvez eu ia esperar mais tempo aí, e o problema pode agravar mais né? (U3) Eu acho muito bom, porque tem pessoas que tão doente de verdade e é obrigado a ficar lá fora esperando e tem muitos que não tem nada e fica dando piti pra ser atendido rápido. Então, esse aí é o meu ponto de vista (U8). Olha eu acho que é uma boa ideia pra saber diferenciar assim, eu acho que o risco de cada pessoa ne? Até para dar prioridade no atendimento ne? (U11) Os usuários U2 e U16 acham que o PM não é válido para a APS e consideram que ele é eficaz apenas para os serviços de urgência. Aqui, eu acho que aqui é totalmente diferente, não deveria ter, porque lá é urgência é muito lotado, então é diferente está classificando quem é urgência quem não é, porque as vezes tem uma pessoa né, que está muito urgente ter que esperar também, aí é ruim, e ele passando na frente já ajuda, mas posto de saúde, sei lá, eu acho assim que pra posto de saúde, não ia dar muita coisa, mais pra urgência, pra organizar, sei lá (U2). Aqui no Centro de Saúde? Eu acho desnecessário, aqui no Centro de Saúde eu acho uma classificação desnecessária (U16). É importante ressaltar que a inadequação entre o tempo de espera preconizado para os diferentes níveis de classificação do PM e o funcionamento da APS, a qual trabalha com horário fixo de atendimento, veio à tona também nos depoimentos dos usuários. O depoimento de U5 expressa este achado. Olha é muito difícil a gente avaliar, porque de repente tem alguém sentindo muito mal, tudo bem, tem que ser atendido com rapidez, mas a gente podia vir e no mesmo dia ser atendido [...] aí eu acho assim, que o atendimento no dia é mais importante, eu penso que não tem nada grave comigo, mas de repente isso que eu esttou sentindo pode ser alguma coisa, não sei, você 99 entendeu? Talvez não é uma sinusite é uma outra coisa né? Eu acho que o certo seria você vim e ter o médico pra te atender, entendeu? Igual na policlínica, a gente vai, eles é, tem essa classificação, mas você é atendido, nem que aguarde o dia inteiro mas você é atendido (U5). Um dado interessante que emergiu no depoimento de U4 é a relação estabelecida entre o enfermeiro e a triagem realizada. Na visão do usuário, a triagem consiste em um diagnóstico. Além disso, evidencia-se a figura do médico como ator principal no processo de cuidar, o que trás a tona características do modelo curativista. Pesquisa realizada por Faria e Campos (2012) revelou que o atendimento à demanda espontânea na APS é centrado na figura do médico e pautado em queixas orgânicas. Eu, sinceramente eu não acho isso legal, essa classificação, porque quem sabe o que ta sentindo é a pessoa, então eu acho assim, pra você dar um diagnóstico, eu acho que tem que ser o médico, eu acho assim, cada um tem a sua função, mas a enfermeira não pode falar por mim, ela não sabe a dor que eu to sentindo, quem sabe sou eu, então se eu vim da minha casa, pra procurar um médico, é porque eu estou realmente precisando, mas eu não gosto, eu não gostei (U4). O interesse em ser ativo no processo saúde-doença-cuidado também emergiu nas declarações dos usuários. U17 faz menção à importância de o usuário ser informado a respeito da classificação de risco recebida, para que o mesmo possa concordar ou não com a triagem realizada pelo profissional. Uai, bom né, por que ai a gente mesmo vai vendo o grau de risco, qual a necessidade de atendimento que a gente realmente tem, isso eu acho até que pode ser passado pra gente, pra ver se ta certo ou não, e buscar um tratamento. Igual, você está achando que está com algum problema, não foi classificado ali, então você tem que buscar o que está acontecendo, igual tem problema do psicológico ne? Ver se é um problema do psicológico, ou se ta dando certo realmente essa classificação né? A gente tem que buscar (U17). 100 A análise dos dados apontou para o fato de que grande parte dos usuários desconhece as reais funções e aplicabilidades da classificação de risco por meio do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. Este fato ficou evidente principalmente durante a realização das entrevistas. Muitos usuários solicitaram que a pesquisadora os explicasse sobre a “máquina interessante” e a finalidade da classificação de risco. Os usuários que conseguiram estabelecer relação entre o PM e a assistência prestada declararam que a triagem consiste em uma ferramenta útil para priorizar casos mais graves, que demandam atendimento com mais urgência. As principais críticas apontadas foram associadas à demora para receber atendimento e ao agendamento de consultas, o que remete a uma análise acerca da resolutividade da assistência almejada pelos usuários. Ênfase merece ser dada ao conhecimento de alguns usuários sobre as especificidades dos diferentes níveis de atenção a saúde. Ao afirmarem que “aqui é totalmente diferente”, “aqui é centro de saúde”, os participantes revelam compreender que cada serviço está direcionado para responder a diferentes demandas e necessidades. Nessa perspectiva, é fundamental que os gestores e profissionais reforcem e ampliem o conhecimento e o acesso as informações para que os usuários se tornem cada vez mais autônomos no processo de cuidar. 101 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, o advento da Atenção Primária à Saúde foi suscitado por um novo modo de pensar e fazer saúde. O contexto histórico das práticas assistenciais evidenciou a necessidade de romper com um modelo centrado na doença, em práticas curativistas, permeadas por ações descontínuas e fragmentadas. Para que as concepções da APS se fizessem cumprir, foi preciso descentralizar a figura do médico e estruturar práticas permeadas pelo trabalho em equipe e coparticipação da comunidade. Nesta perspectiva, o paciente abandona o papel de coadjuvante e se torna protagonista no processo de cuidar. Universalidade, acessibilidade, vínculo, continuidade do cuidado, integralidade da atenção, responsabilização, humanização, equidade e participação social são os princípios que regem o referido modelo de atenção. Sua configuração e operacionalização ocorrem por meio da Estratégia de Saúde da Família, a qual é composta por equipes multiprofissionais que trabalham com áreas de abrangência e populações pré-definidas. Historicamente, este serviço organizava o fluxo de usuários por meio do acolhimento, entendido como postura, conduta ética e um instrumento de gerenciamento do processo de trabalho. As equipes trabalhavam com horários fixos de atendimento aos usuários e, desta forma, os casos urgentes eram direcionados para consulta médica, e os não urgentes eram avaliados e podiam ser agendados. Contudo, para que o usuário fosse acolhido, era preciso chegar cedo às unidades, pegar fichas e enfrentar filas. Ademais, aspectos subjetivos influenciavam as condutas dos profissionais. Para intervir nesta realidade, o Estado de Minas Gerais optou por implantar uma ferramenta de classificação de risco com objetivo de organizar a demanda por meio da priorização de casos mais urgentes. Esta decisão culminou com a utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. Portanto, objetivou-se com a pesquisa apresentada, compreender a visão de profissionais, usuários e gestores sobre este novo paradigma de triagem do usuário no primeiro nível assistencial. 102 No cenário deste estudo, o PM é utilizado por enfermeiros de sete centros de saúde que compõem a Atenção Primária do município. Todos os usuários, independente da queixa relatada, são triados e atendidos de acordo com a classificação que é gerada após o preenchimento dos fluxogramas/discriminadores apresentados pelo PM. A análise dos dados permitiu identificar desafios e potencialidades que precisam ser ponderados para garantir a continuidade dos princípios que regem a prática profissional na APS. Os desafios perpassam por uma implantação que foi imposta, sem considerar a visão dos profissionais que iriam utilizar a ferramenta e que conhecem as particularidades da realidade na qual o PM foi inserido. De acordo com gestores e demais profissionais, o protocolo não se adéqua a rotina de trabalho da APS. Ele rompeu com o trabalho em equipe, com as premissas do acolhimento, enquanto conduta, e com a resolutividade da assistência; burocratizou o trabalho, diminuiu a autonomia dos técnicos de enfermagem e acarretou maior sobrecarga de trabalho para o enfermeiro; além de reduzir ações de promoção da saúde, prevenção de agravos, visitas domiciliares e de consultas como: pré-natal, puericultura e preventivo. Ademais, foram identificadas questões éticas envolvidas na utilização do PM. Está acontecendo preenchimento inadequado das informações mencionadas pelos usuários; o usuário não é informado sobre a cor pela qual foi classificado; e existe incompatibilidade entre o tempo preconizado para cada classificação e o horário de funcionamento das unidades. As potencialidades citadas pelos participantes consistem no respaldo propiciado pelo PM, por conter documentos eletrônicos que comprovam as condutas realizadas; na possibilidade de classificar os usuários de acordo com a condição clínica para estabelecer prioridades e organizar o atendimento; e no rompimento com o atendimento por ordem de chegada/filas. Quando questionados sobre a decisão por implantar ou não o Protocolo de Manchester na Atenção primária à Saúde, não houve consenso sobre a implantação por parte dos profissionais. Esta realidade pode decorrer da recente determinação da secretaria estadual. 103 No que tange à visão dos usuários, percebeu-se que a maioria não entende o objetivo e funcionalidade da classificação de risco, o que remete a uma ausência de conhecimento referente ao atendimento recebido nas unidades. Em relação aos usuários que se posicionaram sobre o PM, alguns consideraram que ele prioriza e agiliza o atendimento. Já outros usuários, acham que o protocolo aumentou o tempo de espera e que ele não é adequado para “posto de saúde”. Observou-se que precisam ser revistas e discutidas lacunas relativas à utilização do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. Se a implantação deste protocolo foi uma exigência da secretaria estadual, é primordial que os impactos, positivos ou negativos, sejam pauta de reuniões locais, para evitar possíveis danos ao trabalho dos profissionais e ao cuidado prestado aos usuários. Apesar de alguns autores afirmarem que os critérios de classificação de risco adotados precisam ser os mesmos em todos os serviços da rede de atenção, este estudo demonstrou que a utilização do PM na APS necessita ser repensada. Até que uma nova forma de abordagem e triagem seja desenvolvida para a APS, é fundamental que se discuta a aplicação do Protocolo de Manchester, tendo em vista a não adaptabilidade do mesmo para atender a realidade do referido nível assistencial. Realidade esta, que não condiz com uma assistência momentânea, fragmentada e pautada no modelo queixa-conduta. Os resultados deste trabalho reforçam a essência do texto apresentado em nota preliminar. É preciso repensar e otimizar as tomadas de decisões. As políticas locais de acolhimento não podem ceder lugar à aquisição de máquinas modernóides que afetam a evolução na relação profissional-usuário. É importante salientar que a metodologia utilizada foi apropriada para o estudo e possibilitou o alcance do objetivo traçado. A técnica do GIBI favoreceu a captação dos aspectos subjetivos vivenciados pelos participantes da pesquisa, o que reforça a importância da utilização de recursos metodológicos inovadores em investigações de natureza qualitativa. Ainda são poucos os pesquisadores que exploram a implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. O estudo de caso apresentado permitiu 104 delinear um panorama parcial sobre a temática. No entanto, é fundamental o desenvolvimento de estudos que fomentem esta discussão e contribuam com a ampliação das análises. 105 REFERÊNCIAS ABRAHAO, A. L.; MERHY, E. E. Formação em saúde e micropolítica: sobre conceitos-ferramentas na prática de ensinar. Rev. Interface (Botucatu) [online]. v. 18, n. 49, p. 313-324, 2014. ANDRADE, A. M. et al. Organização das Redes de Atenção à Saúde na perspectiva de profissionais da atenção domiciliar. Rev. Gaúcha Enferm. v. 34, n. 1, p. 111-117, 2013. AUSTRALASIAN COLLEGE FOR EMERGENCY MEDICINE. Guidelines on the implementation of the Australasian Triage Scale in Emergency Departments. 2013. 7 p. Disponível em: . Data de acesso em: 02 de agosto de 2014. AYRES, J. R. C. M. O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saude soc. [online]. v.13, n.3, p. 16-29, 2004. BARBOSA, S. P; ELIZEU, T. S; PENNA, C. M. M. Ótica dos profissionais de saúde sobre o acesso à atenção primária à saúde. 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Porto Alegre: Bookman, 2005. 248p. 113 APÊNDICES Apêndice A – Roteiro de entrevista para os profissionais ENTREVISTA – PROTOCOLO DE MANCHESTER (PROFISSIONAIS) IDADE: ____SEXO: __________ESTADO CIVIL: _______________ PROFISSÃO: ___________TEMPO DE FORMADO: ____________ LOCAL DE FORMAÇÃO ________________________________ TEMPO DE ATUAÇÃO NO CENTRO DE SAÚDE: _____________ EXPERIÊNCIAS ANTERIORES (PROFISSIONAIS) NA SAÚDE: ______________________________________________________________________ ______________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 1) Fale sobre a utilização do Protocolo de Manchester no Centro de saúde. 2) Você já conhecia o Protocolo de Manchester antes da implantação neste Centro de Saúde? Sabia como funcionava? 3) Você recebeu algum tipo de treinamento para utilizar o Protocolo de Manchester? Que tipo de treinamento? 4) Você se considera apta(o) a utilizar o Protocolo de Manchester no Centro de Saúde? Por que? 5) Fale sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde/Centro de Saúde. 6) Como o Protocolo de Manchester foi implantado no Centro de Saúde que você trabalha? 7) A implantação do protocolo de Manchester gerou mudanças no cotidiano de trabalho dos profissionais do centro de saúde? Fale sobre isso. 8) Fale sobre o acolhimento dos usuários no centro de saúde antes da implantação do Protocolo de Manchester e depois dele. 9) Fale sobre seus sentimentos ao utilizar o Protocolo de Manchester no centro de saúde. 114 10) Se você pudesse decidir sobre a implantação do Protocolo de Manchester na Atenção Primária qual seria sua decisão? 11) Você gostaria de acrescentar algo? 115 Apêndice B – Roteiro de entrevista para os usuários ENTREVISTA – USUÁRIO IDADE: ____SEXO: ___ESTADO CIVIL: _________ESCOLARIDADE:__________ PROFISSÃO: _____________________________________________ 1) Há quanto tempo você frequenta este Centro de Saúde? 2) Em que situações você procura este serviço (vem até aqui)? 3) Fale sobre o atendimento que você recebe no Centro de Saúde. 4) Você já era atendido(a) aqui antes da implantação da classificação de risco? ( ) SIM - COMPARAR ( ) NÃO – FALE SOBRE ISSO 5) Fale sobre o que você pensa a respeito da classificação de risco no Centro de Saúde. 6) Que outros locais (serviços) de saúde do SUS você utiliza? Fale sobre isso. 7) Você possui algum plano de saúde? 116 Apêndice C – Técnica do GIBI QUESTÃO – TÉCNICA DO GIBI (PROFISSIONAIS) Expresse por meio de uma figura sua experiência com o Protocolo de Manchester nesta unidade. 117 Apêndice D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Gerentes e Profissionais TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Gostaria de convidá-lo (a) a participar de uma pesquisa intitulada, “Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde: visão de profissionais, usuários e gestores”, a ser desenvolvida no curso de Mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais - EEUFMG. A pesquisa configura-se como uma das exigências para obtenção do título de Mestre em Enfermagem, sendo de responsabilidade de Danielle de Araújo Moreira, aluna regularmente matriculada no referido curso e orientada pela Professora Drª Maria José Menezes Brito, Professora Associada desta escola. O estudo tem por objetivo compreender a visão de profissionais, usuários e gestores da Estratégia de Saúde da Família sobre o Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde. Trata-se de um estudo de caso com abordagem qualitativa, em que a coleta de dados será por meio de entrevista e observação. Ao ser entrevistado (a) você responderá questões referentes ao trabalho na Atenção Primária. A observação ocorrerá no momento da classificação de risco do usuário. Possui risco de constrangimento advindo das entrevistas que serão minimizados garantindo o anonimato e sigilo das informações. Assim, mediante sua autorização, as entrevistas serão gravadas com a finalidade de assegurar a autenticidade das informações, ficando à sua disposição caso queira ouvi-la. O material será guardado por cinco anos e utilizado apenas para fins científicos e, após esse período será destruído. Sua colaboração é voluntária e o seu anonimato será garantido. Firmamos o compromisso de que as informações serão utilizadas apenas para fins desta pesquisa. Salientamos que este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (COEP/UFMG). Em qualquer fase da pesquisa você poderá fazer perguntas, esclarecer dúvidas, recusar a responder as questões e ainda retirar o seu consentimento sem nenhum ônus ou prejuízo. O não consentimento quanto a sua participação no estudo não lhe implicará em nenhum tipo de restrição institucional. Espera-se que os resultados desta pesquisa possam contribuir com outros estudos sobre a temática. Se estiver de acordo favor assinar o presente Termo, dando seu consentimento para a participação da pesquisa em questão. ________________________________ ______________________________ Prof. Dra. Maria José Menezes Brito Danielle de Araújo Moreira Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: Eu, _________________________________________, portador do documento de identidade ____________________, fui informado dos objetivos desta pesquisa de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Estou ciente que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo como voluntário. Assinatura do participante: ___________________________________________ Sarzedo, ____ de ______________ de 20__ Nome da pesquisadora: Danielle de Araújo Moreira. Tel: (31) 88801632 Orientadora: Prof.ªDrª Maria José Menezes Brito. Tel: (31) 3409-9849 Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (COEP): Av. Pres. Antônio Carlos, n° 6627, Unidade Administrativa I I, 2° andar, sala 2005, Bairro Pampulha, Belo Horizonte/MG. CEP: 31.270-901. Tel: (31) 34094592 118 Apêndice E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Usuários TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar da pesquisa “Protocolo de Manchester na Atenção Primária à Saúde: visão de profissionais usuários e gestores.” Neste estudo pretendemos compreender como a classificação de risco acontece nesta unidade. Ao ser entrevistado (a) você responderá questões referentes ao atendimento neste centro de saúde. Para participar deste estudo você não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira. Você será esclarecido(a) sobre o estudo em qualquer aspecto que desejar e estará livre para participar ou recusar-se a participar. Poderá retirar seu consentimento (autorização) ou interromper a participação a qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer penalidade ou modificação na forma em que é atendido(a) na unidade. Possui risco de constrangimento em decorrência das entrevistas que serão minimizados garantindo o anonimato e sigilo das informações. O pesquisador irá tratá-lo profissionalmente e com sigilo. Você não será identificado em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. Os resultados da pesquisa estarão à sua disposição quando finalizada. Seu nome ou o material que indique sua participação não será liberado sem a sua permissão. Os dados provenientes desse estudo serão utilizados apenas para fins de pesquisa. O material será guardado por cinco anos e utilizado apenas para fins científicos e, após esse período será destruído. Espera-se que os resultados desta pesquisa possam contribuir com outros estudos sobre o assunto. Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será arquivada pelo pesquisador responsável, e a outra será fornecida a você. ________________________________ ______________________________ Prof. Dra. Maria José Menezes Brito Danielle de Araújo Moreira Termo de Consentimento Livre e Esclarecido: Eu, __________________________________________________, portador(a) do documento de Identidade ____________________, fui informado(a) dos objetivos do presente estudo de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que a qualquer momento poderei solicitar novas informações e modificar minha decisão de participar se assim o desejar. Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas. Assinatura do participante: ___________________________________________ Sarzedo, ____ de ______________ de 20__ Nome da pesquisadora: Danielle de Araújo Moreira. Tel: (31) 88801632 Orientadora: Prof.ªDrª Maria José Menezes Brito. Tel: (31) 3409-9849 Comitê de Ética e Pesquisa da UFMG (COEP): Av. Pres. Antônio Carlos, n° 6627, Unidade Administrativa I I, 2° andar, sala 2005, Bairro Pampulha, Belo Horizonte/MG. CEP: 31.270-901. Tel: (31) 34094592 119 ANEXOS Anexo A – Aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa UFMG 120 Anexo B – Carta de anuência