UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA DOUTORADO EM HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA UNIVERSIDADE NOVA DE LISBOA (COTUTELA) FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MUSICAIS DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS MUSICAIS HISTÓRICAS INEZ BEATRIZ DE CASTRO MARTINS GONÇALVES BANDA DE MÚSICA DA FORÇA POLICIAL MILITAR DO CEARÁ: UMA HISTÓRIA SOCIAL DE PRÁTICAS E IDENTIDADES MUSICAIS (c.1850-1930) Belo Horizonte – Minas Gerais 2017 INEZ BEATRIZ DE CASTRO MARTINS GONÇALVES BANDA DE MÚSICA DA FORÇA POLICIAL MILITAR DO CEARÁ: UMA HISTÓRIA SOCIAL DE PRÁTICAS E IDENTIDADES MUSICAIS (c.1850-1930) Tese apresentada ao Curso de Doutorado em História Social da Cultura do Programa de Pós-Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais em cotutela com o Curso de Doutorado em Ciências Musicais do Programa de Pós-Graduação em Ciências Musicais Históricas da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em História e Doutor em Ciências Musicais. Área de Concentração: História Social da Cultura e Ciências Musicais Históricas. Orientação: Prof. Dr. Eduardo França Paiva (UFMG); Profª. Drª. Luísa Mariana de Oliveira Rodrigues Cymbron (UNL). Belo Horizonte – Minas Gerais 2017 981.31 M386b 2017 Martins Gonçalves, Inez Beatriz de Castro. Banda de Música da Força Policial Militar do Ceará: [manuscrito] : uma história social de práticas e identidades musicais (c.1850-1930) / Inez Beatriz de Castro Martins Gonçalves. - 2017. 481 f. Orientador: Eduardo França Paiva. Orientadora: Luísa Mariana de Oliveira Rodrigues Cymbron. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e Universidade Nova de Lisboa. Inclui bibliografia 1.História – Teses. 2. Ceará. Polícia Militar - Teses. 2.Banda (Música) – Teses.3.Ceará – História - Teses. 4. Música – Ceará – História – Teses. I. Paiva, Eduardo França. II. Cymbron, Luísa Mariana de Oliveira Rodrigues. III. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. IV. Universidade Nova de Lisboa. V. Título. Para Gonçalo, meu amor. AGRADECIMENTOS Durante o doutorado muitas pessoas contribuíram para que este período se tornasse tão especial para mim. Hoje desejo expressar minha gratidão e carinho por todas elas: Ao meus dois orientadores, prof. Dr. Eduardo França Paiva, pela fundamental contribuição no meu crescimento intelectual e pessoal realizando suas críticas e sugestões durante as orientações e leitura da tese; a profª. Drª. Luísa Cymbron, pela acolhida à proposta do doutorado cotutela, pelos momentos de orientações, sugestões, troca de ideias e de sua leitura esmerada do texto que hoje finalizo. À Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico e Científico (Funcap) pela concessão parcial da bolsa de estudo. Ao professor Dr. José Newton Coelho Meneses que esteve a frente do doutorado interinstitucional UECE-UFMG, onde se deu meu primeiro contato com a pós-graduação em História da UFMG. As aulas em Fortaleza ajudaram a me decidir pelo doutorado em História. Obrigada pelo acolhimento e apoio. Aos colegas do doutorado interinstitucional UECE-UFMG - Ivaneide, Lenúcia, Cleidimar, Lu Basile, Manoel, Wellington, Edmilson – por tudo que aprendi com vocês durante os debates em sala de aula. À professora e colega Lu Basile com quem pude conversar sobre meu tema de pesquisa desde o início e quem me acolheu na mudança para Belo Horizonte. Aos professores da UFMG, da UNL e de Sevilha com que tive prazer de participar das classes: Eduardo França Paiva, Kátia Baggio, Eliana Dutra, Regina Helena Silva, Manuel Chaves, Rafael Garcia, Ruy Vieira Nery, Manuel Pedro Ferreira, Paulo Ferreira de Castro. Aos colegas da UFMG, em especial a Elisgardênia, Juliana, Kellen, Danilo, Viviane, Virgílio, Cássio e Douglas, foi maravilhoso conhecê-los e divertir-me por BH na companhia de vocês. A colega da UNL e minha nova amiga Adriana Oliveira, pelos nossos passeios e conversas por Lisboa. Demais! À Polícia Militar do Ceará, na pessoa do seu ex-comandante Coronel Werisleik Pontes Matias e do comandante da banda capitão Bonfim que me concederam a permissão de acessar os arquivos musicais e históricos da polícia; ao Abreu, pela sua inestimável ajuda no acesso aos livros antigos de assentamento dos policiais e músicos; ao sargento Jardilino que cedeu-me as fotografias da banda; a Joiania Marques, arquivista da banda, pela sua fabulosa ajuda, pelos “bate-papos” e amizade; a Enelruy Lira que ajudou-me na edição da partitura utilizada nesta tese; e aos membros da banda da polícia que conheci nas minhas idas ao arquivo. Aos meus ex-alunos Argemiro Correia que falou-me pela primeira vez sobre o acervo de partituras da banda da Polícia Militar; a Kamila Serpa, ex-bolsista de Iniciação Científica, responsável pelo registro fotográfico das partituras da banda da polícia, meus ex-alunos de Iniciação Artística que também contribuíram no projeto de catalogação do acervo da banda da polícia: Mônica Laurentino Martins, Glauber Pereira, Willian Aparecido Ciríaco Silva, Alexandre Damasceno Silva e Francisca Antônia Marcilane Gonçalves Cruz. Ao diretores e funcionários do Arquivo Histórico Ultramarino e do Arquivo Público do Ceará pelo auxílio na busca pela documentação. No Arquivo Público do Ceará, agradeço aos pesquisadores André Frota e Clemilton Melo com quem me encontrei frequentemente neste espaço. Agradeço ainda ao arquivista Nirez por me permitir reproduzir as imagens da banda da Polícia que uso nesta tese. Aos secretários da pós-graduação da UFMG – Mary e Maurício, e da UNL - Sr. Gama e Frederico Figueiredo, pela ajuda nas dúvidas acadêmicas. Ao Colegiado de Música da Universidade Estadual do Ceará pelo apoio dado ao meu afastamento, em especial a professora Elídia Clara Aguiar Veríssimo, pela sua inestimável ajuda em vários momentos durante esse período. Aos meus pais Murilo e Inez por terem sempre apostado e acreditado no meu potencial. Minha formação intelectual e musical é devedora desse apoio e de toda a confiança que sempre depositaram em mim. Além de obrigada deixo registrado o meu grande amor pelos dois. Aos meus irmãos José Marcos, Maria Cristina, Antônio Martins, Ana Tereza e José Murilo que me ensinaram a beleza da diversidade de pensamento, de opinião e respeito pela diferença intelectual e pessoal. Aos meus cunhados, cunhadas e sobrinhos que hoje fazem a nossa família ser maior e mais bela. A minha nova família que ganhei durante o doutorado - D. Cândida, Seu Manuel (in memoriam), Neuza, Rodolfo… e o pequeno Gustavinho! É muito bom fazer parte da vida de vocês. Deixei por fim a minha declaração de amor ao meu esposo com que hoje divido a minha vida. Sou muito feliz de estar ao seu lado. Agradeço pela revisão de português, abstract e comentários para deixar mais claro meu pensamento e minhas ideias. Te amo! Banda de Música “A banda de música da minha terra natal, nos meus tempos de menino vagabundo, era a banda de música mais original que havia neste mundo. Mestre Bezerra, o “maioral” da banda, metido em sua farda branca reluzente, lá na frente, musicalmente, como um príncipe negro da Loanda. Ele tocava um instrumento enorme, desconforme, que o envolvia da cabeça ao tronco, qual uma cobra amarela de metal, cuja boca se abria para a gente, ameaçadoramente… Era um bombardão que nos falava assim, em meio a um clássico e monótono dobrado, sempre no mesmo som sem tom tão bom: prom…prom… prom…prom… O mulato da requinta, espiritual, requintava, num finíssimo requinte musical. Mas o pistão estralejava gritava, escandalizava!... E o bombo com o lombo já bambo num ribombo de trovão: tum-bum-bão! tum-bum-bão! ………………………………….. Já vai tão longe, tão longe… Mas ainda hoje eu escuto, emocionado, nos recessos profundos do meu ser, a melodia indefinida e mansa do velhíssimo dobrado que embalou os meus sonhos de criança. E, diante da infância que passou, a distância afinal me persuade de que aquela banda de música pequenina era, naquele tempo, tão harmoniosa quanto hoje, ouvida assim, através da saudade”. (Filgueiras Lima, 1909-1965, poeta cearense) RESUMO Este trabalho tem como objetivo investigar a banda de música que se constituiu no antigo Corpo Policial do Ceará, a atual Polícia Militar do Ceará, compreendendo como os músicos que dela fizeram parte se relacionaram entre si, com a instituição e com a sociedade local. Somado a isto, importou perceber as práticas musicais incorporadas e transformadas ao longo do tempo, buscando caracterizar as identidades musicais desta banda policial. O recorte temporal inicia-se na década de criação da banda da polícia, no ano de 1854, tendo como marco final a década de 1930, período em que o processo de militarização da banda policial se consolidou e, por outro lado, a vida cultural de Fortaleza se transformou de forma significativa. Esta tese trabalhou um variado conjunto de fontes manuscritas, impressas, musicais e visuais, tais como livros de assentamento de músicos, imprensa local, o arquivo de partituras da banda e fotografias do grupo ao longo do período em questão. Questionou-se inicialmente, a partir das fontes fotográficas, o motivo de haver uma banda de música na polícia, da presença de crianças em uma instituição policial e de uma orquestra sinfônica representativa de uma instituição de Segurança Pública. As respostas a estas questões estão diretamente relacionadas com a importância e influência que a banda da polícia adquiriu na vida social e cultural da cidade de Fortaleza durante o Império e a Primeira República. A frequente atuação do grupo policial em eventos privados e públicos da cidade foi reflexo de um fenômeno musical alargado das bandas militares durante o “longo século XIX”. As práticas musicais das bandas militares do Oitocentos se difundiram em vários países da Europa e Estados Unidos, chegando até o Brasil. Para além de marcas características tidas como marciais (desfiles, uniformes, cores, hierarquias), estas bandas tiveram um impacto cultural mais amplo. A identidade musical da banda da Força Policial Militar do Ceará entre 1850 a 1930 foi observada no perfil dos músicos que formaram a banda militar, na escolha dos repertórios, na constituição de diferentes formações instrumentais e no modo de orquestrar as composições do grupo. Palavras-chave: Força Policial Militar do Ceará (Brasil), banda de música, Império, Primeira República, práticas e identidades musicais. ABSTRACT This work aims to investigate the music band that was constituted in the former Police Corps of Ceará, the current Military Police of Ceará, trying to understand how the musicians that constituted the band related with each other, with the institution and with the local society. In addition, it was important to perceive the musical practices incorporated and transformed over time, seeking to characterize the musical identities of this police band. The period under study begins in the decade of creation of the police band, in the year 1854, having as final mark the decade of 1930, period in which the process of militarization of the police band was consolidated and, on the other hand, the cultural life of Fortaleza has changed significantly. This thesis worked a varied set of handwritten, printed, musical, and visual sources such as musician’s personal files books, local press, the band score sheet archive and photographs of the group throughout the period in question. The reason for the presence of music band within a police institution, the presence of children in the band and the existence of a symphonic orchestra representative of a Public Security institution was initially questioned from the photographic sources. The answers to these questions are directly related to the importance and influence that the police band acquired in the social and cultural life of the city of Fortaleza during the Empire and the First Republic. The frequent activity of the police group in private and public events of the city reflected a broad musical phenomenon of the military bands during the “long nineteenth century”. The musical practices of the military bands of the nineteenth century spread throughout several countries of Europe and in the United States, arriving also in Brazil. In addition to characteristic martial marks (parades, uniforms, colours and hierarchies), these bands had a wider cultural impact. The musical identity of the band of the Military Police Force of Ceará between 1850 and 1930 was thus observed through the study of the social profile of the musicians who formed the band, in the choice of repertoires, in the constitution of different instrumental formations and in the way of orchestrating the group's compositions. Keywords: Military Police Force of Ceará (Brazil), music band, Empire, First Republic, musical practices and identities. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Nomes dos músicos que entraram para a banda do Corpo Militar de Polícia do Ceará em 1864-1865 ……………………………………………………...179 Quadro 2 – Vencimentos de oficial e praça do Corpo de Polícia do Ceará (1873 a 1889) ………………………………………………………………………………….183 Quadro 3 – Nomes e funções constantes nos despachos enviados pelo governo da província em 27 de maio de 1882 ……………………………………………………191 Quadro 4 – Nomes e funções constantes nos despachos enviados pelo governo da província em 03 de junho de 1882 …………………………………………………..193 Quadro 5 – Número de músicos retratados nas imagens versus número de músicos pagos nas leis orçamentárias da Força Policial Militar ………………………………………………………………………………………...202 Quadro 6 – Tabela de preços das tocatas da “música” da polícia estipulados pelo decreto nº92 de 1890 …………………………………………………………………205 Quadro 7 – Relação dos músicos da banda da Polícia do Ceará em 1873………. 257 Quadro 8 – Disposição da banda de corneteiros e tambores de 1924…………….308 Quadro 9 – Tipologias do repertório da banda da polícia da década de 1880…...337 Quadro 10 – Tipologias do repertório da banda da polícia da década de 1920-30…. …………………………………………………………………………………….......337 Quadro 11 – Análise formal da Marcha Coronel Edgard Facó…………………...354 Figura 1 – Praça do Passeio Público no início do século XX………………………271 Figura 2 – Coreto do Passeio Público (c.1908)…………………………………….. 275 Figura 3 – Coreto da praça Marquês de Herval (c.1908)………………………… 275 Figura 4 – Coreto da praça General Tibúrcio (c.1922)…………………………… 275 Figura 5 – Coreto coberto da praça do Ferreira (c.1925)………………………...275 Figura 6 – Boné de linhas retas da Força Policial…………………………………302 Figura 7 – Cartola ou chapéu de “coco” usado por civis………………………….302 Figura 8 – Chapéu militar usado pelo exército…………………………………….302 Figura 9 – WAGNER, Richard. Il Maestri Cantori di Norimberga - Prelúdio do 3º ato – Página nº 2 da partitura, c.10 a 22. Instrumentação para banda de Luigi Maria Smido. Belém, 24 de maio de 1903…………………………………………………..347 LISTA DE ABREVIATURAS ABMPMCE – Arquivo da Banda de Música da Polícia Militar do Ceará ALCE – Assembleia Legislativa do Ceará AHU – Arquivo Histórico Ultramarino. APEC- Arquivo Público do Estado do Ceará. APEIC - Arquivo Público Intermediário do Estado do Ceará f. – folha. IHPMCE – Instituto Histórico da Polícia Militar do Ceará NR – Nota de rodapé p. – página. PMCE – Polícia Militar do Ceará. s.d. – sem data UECE – Universidade Estadual do Ceará. UFC – Universidade Federal do Ceará SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO…………………………………………………………………...15 2 A “BANDA DE MÚSICA” EM SEU CONTEXTO MAIS AMPLO…………..37 2.1. CORPUS CONCEITUAL………………………………………………………....37 2.1.1 História conectada, história comparada……………………………………37 2.1.2 Práticas e representações……………………………………………………39 2.1.3 Espaço intermediário e espaço de fronteira………………………………...41 2.1.4 “Civilização” e modernidade, “raça” e mestiçagem…………………….....51 2.2 PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTITUIÇÃO DA FORMAÇÃO INSTRUMENTAL “BANDA DE MÚSICA” ATÉ O XVIII……………………….59 2.3 AS BANDAS MILITARES: SUA HISTÓRIA E CARACTERÍSTICA ENQUANTO FENÔMENO MUSICAL DO SÉCULO XIX…………………......................…….70 3 FORTALEZA NO SÉCULO XIX AO INÍCIO DO XX…………………………77 3.1 A TRAJETÓRIA POLÍTICA DO CEARÁ E A CENTRALIDADE URBANA DE FORTALEZA………………………………………………………………………78 3.2 PANORAMA MUSICAL E CULTURAL NO CEARÁ ATÉ MEADOS DO SÉCULO XIX………………………………………………………………………83 3.3 TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E CRESCIMENTO URBANO NA FORTALEZA DA BANDA DA POLÍCIA………………………………………...93 4 A FORÇA MILITAR DE POLÍCIA DO CEARÁ……………………………..124 4.1 O PERCURSO DE CRIAÇÃO DA FORÇA POLICIAL NO PRIMEIRO REINADO………………………………………………………………………...124 4.2 LEIS DE FIXAÇÃO ANUAL E REGULAMENTOS……………………………129 4.3 O PAPEL DA POLÍCIA E A MATRIZ LUSO-BRASILEIRA…………………...135 4.4 AS INSTITUIÇÕES COM FUNÇÕES DE POLÍCIA NO IMPÉRIO……………138 4.5 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA FORÇA MILITAR DE POLÍCIA……144 4.6 ALISTAMENTO………………………………………………………………….151 4.7 APOSENTADORIA………………………………………………………………154 4.8 A RELAÇÃO COM A POLÍTICA E AS REPRESENTAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA E SUA BANDA………………………………………………………..157 5 A BANDA DE MÚSICA DA FORÇA POLICIAL MILITAR DO CEARÁ: ORGANIZAÇÃO E INSERÇÃO NA INSTITUIÇÃO POLICIAL………….165 5.1 CRIAÇÃO DA BANDA DO CORPO POLICIAL………………………………..165 5.2 PERÍODO DE INSTABILIDADE: DISCUSSÕES SOBRE A MANUTENÇÃO DE UMA BANDA DE MÚSICA NA POLÍCIA……………………………………...167 5.3 NOVO PERÍODO DE INATIVIDADE: A GUERRA DO PARAGUAI…………175 5.4 CONTRATAÇÃO DE CIVIS……………………………………………………..177 5.5 ADOÇÃO DE PATENTES PARA OS MÚSICOS DA POLÍCIA………………..190 5.6 OS ATRATIVOS PARA FAZER PARTE DA BANDA: DOS EVENTOS PARTICULARES AO DIREITO DE APOSENTADORIA………………………201 5.6.1 Os contratos dos eventos particulares……………………………………..206 5.6.2 Espaço de experimentação e o direito de aposentadoria…………………217 6 A IDENTIDADE MUSICAL DA BANDA DE MÚSICA DA POLÍCIA……..224 6.1 MÚSICOS: PERFIS E CARREIRAS……………………………………………..225 6.1.1 Mestres de música e contramestres………………………………………..225 6.1.2 Menores aprendizes e músicos da banda………………………………….253 6.2 A BANDA NA CIDADE………………………………………………………….263 6.2.1 Espaços de atuação…………………………………………………………263 6.2.2 Críticas……………………………………………………………………...281 6.3 INSTRUMENTOS MUSICAIS…………………………………………………...288 7 A IDENTIDADE “SONORA” DA MÚSICA DA POLÍCIA MILITAR CEARENSE……………………………………………………………………...314 7.1 AS PARTITURAS E O REPERTÓRIO DA BANDA DA POLÍCIA……………315 7.2 TIPOLOGIAS MUSICAIS………………………………………………………..333 7.3 LUIGI MARIA SMIDO: TRAJETÓRIA E A MARCHA CORONEL EDGAR FACÓ………………………………………………………………………………….341 8 CONCLUSÃO……………………………………………………………………358 FONTES...……………………………………………………………………………368 BIBLIOGRAFIA…………………………………………………………………….374 APÊNDICES…………………………………………………………………………393 APÊNDICE A – RELAÇÃO DAS DESPESAS ESCRITURADAS NO “LIVRO DE REGISTRO DA RECEITA E DESPESAS DA CAIXA DA MUSICA DO CORPO” - 1891-1894……………………………………………………………………………..394 APÊNDICE B – INVENTÁRIO DO REPERTÓRIO DA FORÇA MILITAR DE POLÍCIA DO CEARÁ SEGUNDO OS PERIÓDICOS CEARENSES PUBLICADOS DE 1854 A 1932……………………………………………..………………………...404 APÊNDICE C – INVENTÁRIO DAS PARTITURAS DO ACERVO DA BANDA DE MÚSICA DA POLÍCIA MILITAR DO CEARÁ (1897- 1932)………………………………….……………………………………………….417 APÊNDICE D – PARTITURA EDITADA DA MARCHA CORONEL EDGAR FACÓ DE LUIGI MARIA SMIDO ………………………………………………………….432 ANEXOS ……………………………………………………………………………..459 ANEXO A – IMAGENS DA BANDA DE MÚSICA DA FORÇA POLICIAL MILITAR DO CEARÁ…………………………………………………………………….……..460 ANEXO B – CATÁLOGOS DAS FÁBRICAS JÉROME THIBOUVILLE-LAMY E COUESNOU & Cie……………………………………………………………………468 15 1 INTRODUÇÃO O meu interesse pela banda de música da Polícia Militar do Ceará iniciou-se no ano de 2009, quando soube da existência do acervo de partituras da banda da Polícia Militar em sua sede de Fortaleza. Conheci o material que havia sido catalogado pela arquivista da banda na época, Joiania Pereira, e pelo seu antigo responsável, Enelruy Lira. Durante a visita de reconhecimento do espaço e do acervo, Joiania apontou-me dois armários de aço que continham várias partituras ainda não catalogadas e nos quais ela supunha existirem composições tocadas pela banda ainda do século XIX. Curiosa por saber de fato que tipo de partituras continham aqueles armários, retornei ao acervo a fim de levantar o material mencionado. Foi com grata surpresa que percebi que havia uma quantidade significativa de partituras que se mostravam um material bastante interessante e não explorado como fonte de pesquisa. Por estar envolvida na execução de outro trabalho de investigação neste período, apenas no ano de 2011 é que propus um projeto de Iniciação Científica com o objetivo de organizar esse material. Pelo fato de as partituras localizadas estarem em difíceis condições de serem manuseadas, por apresentarem muito pó, misturadas em seus fundos documentais, desorganizadas, sem nenhuma ordem catalográfica específica, o projeto teve como objetivo inicial realizar a separação, limpeza e catalogação básica das partituras dispostas nos dois armários de aço. O projeto “Catalogação do Acervo da Banda de Música da Polícia Militar do Ceará” 1 teve como resultado o levantamento de cerca de 170 partituras compreendidas no período do 1897 a 19542. Durante o período de execução do projeto entrei pela primeira vez em contato com nomes de músicos, copistas e compositores que fizeram parte da banda da Polícia no fim do século XIX e começo do XX, por meio de suas assinaturas registradas nas cópias das músicas ou das anotações feitas em alguma parte nas partituras. Esses músicos eram até então totalmente desconhecidos para mim. Chamava-me a atenção o número 1Esta pesquisa foi cadastrada na Universidade Estadual do Ceará como Projeto de Iniciação Científica e teve a aluna Kamila Rodrigues Serpa como bolsista do projeto, contando também com a colaboração eventual dos meus bolsistas de Iniciação Artística da UECE Mônica Laurentino Martins, Glauber Pereira, Willian Aparecido Ciríaco Silva, Alexandre Damasceno Silva e Francisca Antônia Marcilane Gonçalves Cruz. 2As informações sobre este acervo podem ser conferidas no artigo que publiquei nos anais do Congresso de Jovens Musicólogos no Porto no ano de 2014 (MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Análise quantitativa e qualitativa das obras do arquivo da banda da Polícia Militar do Ceará (1897-1932). In: II ENCONTRO IBERO-AMERICANO DE JOVENS MUSICÓLOGOS, 2., 2014, Porto. Actas. Porto: Tagus-atlanticus Associação Cultural, 2014. v. 1, pp. 263-269. Disponível em: https://uece.academia.edu/InezMartins). 16 diversificado de copistas e compositores com nomes brasileiros, talvez cearenses, que ali se achavam e sobre os quais eu não tinha a menor noção de quem seriam. Algumas perguntas começaram a surgir a respeito da origem daqueles músicos: quem eram aqueles copistas e músicos, que banda era essa que captou e aparentemente tocou muitas partituras de compositores estrangeiros, em sua maior quantidade europeus? Com o passar do tempo e com o manusear das partituras outras perguntas foram surgindo. Durante a separação do material observei que, para além das partituras copiadas à mão, havia alguns exemplares impressos. De onde a banda da polícia comprava esse material? De lojas locais? O grupo as importava? Com que orçamento? Por trabalhar como regente de banda na UECE chamou-me a atenção também as diversas nomenclaturas dos instrumentos, muitas das quais, naquele momento, eram para mim desconhecidas. Quanto mais mexia nas partituras, mais questões sem respostas iam surgindo sobre aquelas músicas e seus músicos. Se a primeira intenção daquela prévia limpeza e catalogação era encontrar algumas partituras para que eu pudesse realizar estudos de análise musical, as questões não respondidas sobre a história da banda da polícia e seus músicos começaram a se sobrepor sobre o objetivo inicial. O momento crucial da minha opção pelo tema desta tese foi quando, em um dia de trabalho no arquivo, o sargento Jardilino, músico e componente da banda da polícia, apresentou-me algumas imagens antigas da banda, as quais apresento nos anexos da tese. Nestas fotos fiquei bastante intrigada por ver algumas crianças que integravam um grupo da polícia, mas também por constatar uma estrutura mais próxima da de uma orquestra sinfônica e uma diversidade de instrumentos de sopro que pareciam muito diferentes e desbalanceados sonoramente. Por mais que perguntasse aos membros da banda sobre o significado daquelas imagens, ninguém conseguia responder minhas questões. O que crianças faziam numa banda de polícia daquela época? Para mim, a presença delas numa instituição policial parecia não ter sentido algum, nenhuma explicação óbvia. Por que havia instrumentos de arcos friccionados e outros característicos de orquestra sinfônica se a descrição da respectiva imagem informava que era a “Banda do Batalhão de Segurança” e não a “Orquestra do Batalhão de Segurança”? Seria apenas uma questão de “erro terminológico”? De todas as questões que foram surgindo em minha mente duas delas se tornaram centrais, linhas condutoras que me levariam a obter todas as outras respostas: por que havia uma banda de música dentro da polícia e quem eram os músicos que fizeram parte dessa banda. A necessidade de obtenção de respostas para essas e outras indagações que foram surgindo no decorrer de meu 17 envolvimento com o tema deram origem ao meu projeto de tese o qual finalizo agora com este trabalho. Após esses quatro anos de pesquisa pude compreender mais sobre as mudanças institucionais da banda e sobre esses músicos outrora totalmente desconhecidos. A tese se intitula “Banda de música da Força Policial Militar do Ceará: uma história social de práticas e identidades musicais (c.1850-1930)”. O objetivo da pesquisa foi investigar o grupo musical que se constituiu dentro da corporação policial militar do Ceará, compreendendo como os músicos se relacionaram entre si, com a instituição e com a sociedade local. Somado a isto, importa perceber as práticas musicais incorporadas e transformadas ao longo do tempo, buscando caracterizar as identidades musicais desta banda de música policial. O recorte temporal inicia-se na década de criação do conjunto, no ano de 1854, tendo como marco final a década de 1930, período em que o processo de militarização da banda policial se consolidou e, por outro lado, a vida cultural de Fortaleza também se transformou de forma significativa nesta década. Após esse relato pessoal sobre a trajetória de construção do tema, daremos sequência a um estado da arte a respeito da temática “bandas de música militares”, discutindo em seguida as fontes pesquisadas e explicitando a organização geral do trabalho. A pouca produção de pesquisa sobre o tema “bandas de música” antes da década de 1990 decorre de uma musicologia “tradicional” que relegou o tema a um patamar de objetos de pesquisa fora do “cânone musical”3. O debate surgido nesta década, principalmente entre os musicólogos de origem anglo-saxônica, a respeito da existência de uma “nova” musicologia4 ajudou a impulsionar a ampliação das pesquisas sobre “banda de música”. Esse debate provocou uma reflexão mais profunda acerca da própria área enquanto disciplina e de seus aspectos epistemológicos e metodológicos5. A noção do que se entendia por cânone musical foi posta em discussão e revisão. Antes desse período, a musicologia designada por “histórica”6 limitava-se a estudar os repertórios que 3 Discutiremos no primeiro capítulo a definição deste conceito e sua conexão com o tema da banda de música. 4 O termo “musicologia” deve ser entendido nesse texto em sua concepção mais ampla como “[…] a process of study, inquiry and reflection, while it forms its own context and employs distinct concepts, is clearly dependent upon and reflective of music as its subject” (BEARD, David; KENNETH, Gloag. Introduction: Music/Musicology. In: Musicology: the key concepts. London and New York: Routledge, 2005, p.X). 5 A “nova” musicologia foi também chamada de musicologia “pós-moderna” ou musicologia “crítica” (HOOPER, Giles. The discourse of musicology. England: Ashgate Publishing Limited, 2006, p.1-14). 6A definição de musicologia não é consensual e extrapola o interesse dessa pesquisa cuja intenção é apenas dar uma compreensão geral do seu significado. Ela pode ser compreendida como um processo de estudo, investigação e reflexão da música como explanado na definição acima (nota de rodapé 4) ou, de forma mais estrita, como um tipo particular desse estudo musical que “a considera enquanto fenômeno principalmente 18 compunham a chamada “música erudita ocidental” e dos seus “grandes” compositores. As reflexões suscitadas pela musicologia “pós-moderna” desembocaram na inclusão de pesquisas musicológicas de repertório mais abrangente, relacionadas a “todo” tipo de música7. É nessa abertura a diferentes tipos de repertório que se fundamentam o surgimento e o desenvolvimento do interesse pelas músicas compostas e executadas pelas bandas de música e consequente transformação desse material em objeto de estudo. A historiografia concernente as “bandas de música militares”, principalmente aos trabalhos científicos voltados a pesquisa das bandas de música instituídas nas corporações policiais militares, ainda são poucas se levarmos em consideração que em todos os estados existentes no Brasil durante o século XIX foram criadas bandas de música em suas instituições policiais. Desde a criação da primeira banda de música na Polícia Militar de Minas Gerais em 1835, outras foram surgindo com o decorrer do século XIX: Rio de Janeiro (1839), Espírito Santo (1840), Sergipe (1844), Bahia (1850), Pará (1853), Ceará (1854), São Paulo (1857), Paraná (1857), Alagoas (1860), Paraíba (1867), Pernambuco (1873), Rio Grande do Norte (1886), Mato Grosso (1892), Rio Grande do Sul (1892), Santa Catarina (1893), Goiás (1893), Amazonas (1893)8. A investigação sobre o tema das “bandas militares policiais” apontou que a organização e as práticas musicais empregadas pelos seus grupos foram baseados nos modelos adotados principalmente pelas bandas militares do Exército9. O emprego desses modelos, contudo, não estético e cultural”. A musicologia denominada por “histórica” foi estabelecida pelo musicólogo alemão Guido Adler em 1885, quando dividiu a “ciência musical” em “histórica” e “sistemática”. A primeira tratou de estudar a história da “música erudita ocidental” e dos instrumentos, a notação musical e as práticas de performance histórica. A segunda incluiu a etnomusicologia, a estética e a teoria musical elementar em seu campo de estudo. Tradicionalmente, os musicólogos “históricos” têm concentrado seus estudos na “música erudita ocidental” anterior ao século XX. A ampliação desse escopo nos últimos 30 anos é fruto das discussões e reflexões críticas e interpretativas acerca da disciplina e das atividades relativas à musicologia (CASTAGNA, Paulo. A musicologia enquanto método científico. Revista do Conservatório de Música da UFPel., 2008, nº1, p.4,7; BEARD; KENNETH, Historical Musicology. In: op. cit, 2005, p.59-60). 7 HOOPER, op. cit., 2006, p. 25. 8 BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. 2006. 3v. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006. p.76; FONTOURA, Marcos Aragão. A Banda da Polícia Militar do Rio Grande do Norte: música e sociedade. 2011. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Música), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2011, p.44-45. 9 BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. 2006. 3v. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006; SOUSA, Pedro Alexandre Marcelino Marquês de. História da música militar portuguesa. Lisboa: Tribuna, 2008. ___________. A Instituição Militar na História e Cultura Luso- Brasileira no século XIX: a História da Música Militar. 2006. Dissertação (Mestrado em História e Cultura do Brasil), Faculdade de Letras, Departamento de História, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2006; HERBERT, Trevor; BARLOW, Helen. Music and the British military in the long nineteenth century. New York: Oxford University Press, 2013; COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida Livraria e Editora, 2012. 19 permaneceu como uma mera cópia, mas foi readaptado às próprias realidades locais das polícias militares. Sendo assim, estudos ligados ao tema das bandas militares do Exército, seja brasileiro ou estrangeiro, não contemplam diretamente as particularidades de como as bandas policiais se estruturaram localmente no século XIX no Brasil, embora ajudem a compreender os motivos da criação desses grupos e sua organização e a situar esse processo de apreensão dos modelos existentes. A total ausência de trabalhos semelhantes que abordem o tema da banda de música da Força Policial Militar do Ceará demonstra a relevância e contribuição que essa pesquisa traz para a historiografia musical desta região. Ao mesmo tempo, o número reduzido de trabalhos para outras regiões também diminuiu a possibilidade desta pesquisa em estabelecer um diálogo mais aprofundado que ajudasse a enriquecer mais ainda este trabalho evitando o prolongamento em assuntos que estariam previamente debatidos. Assim, a extensão do texto desta tese é consequência da quantidade significativa de fontes localizadas, mas também da intenção de preencher algumas lacunas sobre o tema das “bandas militares policiais brasileiras”. Sobre as pesquisas que se referem ao tema das “bandas militares” destacamos primeiramente a dissertação de Fernando Binder10, um trabalho bastante referenciado nas monografias de autores que pesquisam o assunto das “bandas militares”, podendo ser considerado um texto de referência na historiografia musical brasileira sobre o assunto. Ao direcionar sua pesquisa sobre as “bandas militares”, enfocando como limites temporais o período da chegada do príncipe regente D. João ao Brasil em 1808 até o fim do Império em 1889, Binder analisa todos os grupos militares, Exército, Marinha, Guardas Nacionais e Polícias Militares, surgidas durante esse período sem estabelecer diferenças institucionais entre suas bandas. Se, por um lado, as corporações, ditas militares, não possuíam uma separação tão distinta de suas funções, especialmente no período do Império, ajudando-se mutuamente nos serviços que eram de responsabilidade e competência de uma instituição específica, por outro lado, é possível observar também que houve diferenças locais tanto com relação a estruturação das instituições constituídas nestes lugares quanto de suas bandas militares. Essa “colaboração”, muitas vezes não oficial, entre as instituições militares bem como as particularidades de organização que envolveu a Força Policial Militar do Ceará e sua banda de música foram assuntos discutidos nos capítulos 4 e 5 do presente texto. Mesmo dando um enfoque maior às 10 BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. 2006. 3v. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006. 20 bandas do Exército, o amplo levantamento que Fernando Binder faz da legislação pertinente ao assunto e a discussão sobre os modelos instrumentais adotados na Europa e migrados para o Brasil ajudaram a traçar relações entre a legislação das bandas militares presentes no Exército brasileiro e das bandas policiais, particularmente a que estudamos no Ceará, bem como a entender o processo de circulação mundial dos instrumentos de sopro e de suas práticas musicais. Fernando Binder, ao tentar explicitar os motivos da existência de bandas de música em instituições militares, estabelece uma relação igualitária entre os motivos da existência desses grupos com as funções exercidas por eles dentro das Forças Armadas11. Mesmo que essas funções demonstrassem serem necessidades fundamentais que garantissem a presença das bandas de músicas nas corporações militares, elas não foram suficientes para responder nossa questão sobre o motivo de se constituir uma banda de música militar, seja no Exército, seja na polícia do Ceará. Outra pesquisa mais recente sobre este assunto foi escrita por Joelson Pontes Vieira, músico do Corpo de Bombeiros de Goiás, que dedicou sua dissertação de mestrado ao tema das “bandas militares” na cidade de Goiás, desde o ano da Independência do Brasil em 1822 até a transferência da capital Goiás para a cidade de Goiânia em 193712. Seu tema é sobre as bandas militares, contudo Joelson Vieira enfoca também bandas civis que atuaram nesta cidade. Da mesma forma que Binder, a pesquisa de Vieira não enfoca diretamente a banda policial de Goiás, embora ajude a constatar a amplitude e difusão que as práticas musicais adotadas pelos grupos militares mantiveram e suas relações de similitude, seja quanto ao repertório tocado, seja nos espaços em que as bandas atuaram, seja nas relações mantidas com a sociedade local. Mesmo não tendo dedicado um livro específico ao tema das bandas militares, três livros do pesquisador José Ramos Tinhorão13 são relevantes para esta pesquisa por terem tratado de forma um pouco mais alongada o assunto. Para além das bandas militares, o autor menciona também a existência das “bandas de barbeiros”, cuja menção 11 São funções das bandas de música nas Forças Armadas: “a) desenvolver o espírito de corpo e o moral da tropa, b) auxiliar nas tarefas de campo, c) prover com música cerimônias militares e d) prover com música atividades sociais e recreativas” (CAMUS, Raoul F. Military music of the American Revolution. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1976, p.3 apud BINDER, op. cit., 2006, p.18). 12 VIEIRA, Joelson Pontes. Bandas de Música Militares: Performance e cultura na cidade de Goiás (1822- 1937). 2013. 385 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Escola de Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2013. 13 TINHORÃO, José Ramos. Os sons que vem da rua. 2 ed. Revista e ampliada. São Paulo: Editora 34, 2005; ___________ Música popular: um tema em debate. 3. ed. rev. e amp. São Paulo: Editora 34, 1997. ___________. Brasil Império/ Brasil República. In: História social da música popular brasileira. Lisboa: Editorial Caminho SA, 1990, p.101-223. 21 serviu para a nossa reflexão sobre a trajetória da constituição da banda de música enquanto grupo musical, as formações instrumentais que foram se constituindo ao longo da história musical do Brasil, assunto abordado no segundo capítulo desta tese. Os trabalhos brasileiros que enfocam as bandas policiais no país são também poucos, destaco aqui dois livros impressos e uma dissertação de mestrado. O livro da folclorista Laura Della Mônica14 sobre a história da banda de música da Polícia Militar de São Paulo pode ser encarado como um marco, já que foi escrito em 1975, período em que o tema das “bandas de música” não era cogitado frequentemente como objeto de estudo, muito menos ainda, os temas relacionados com instituições policiais. O livro conta a história da banda paulista ano a ano, desde um pouco antes de sua criação oficial em 1857 até o ano de 1974, num formato cronológico linear dos acontecimentos. Inclui a menção a algumas leis relacionadas com a criação e a organização do grupo, informações sobre seus integrantes, incluindo a descrição de algumas curtas biografias, imagens da banda ao longo dos anos, sem contudo problematizar o percurso do grupo, suas relações mantidas com as autoridades da Força Policial Paulista e com a sociedade local. O livro do musicólogo paraense Vicente Salles15, “Sociedades de Euterpe”, publicado em 1984, discorre sobre as várias bandas existentes no estado do Pará dedicando a primeira parte do livro às bandas militares. Nas poucas páginas em que dedica a escrever sobre a banda da Corpo de Polícia do Pará, Vicente Salles levanta importantes pontos de organização da banda policial que também podem ser conferidos na organização da banda da polícia cearense, como por exemplo a realização de contratos particulares, os lugares em que a banda paraense atuou, a presença de músicos civis em seus quadros, a contratação do italiano Luigi Maria Smido16 para reger a banda estadual, a figura do ensaiador, o uso dos coretos como elementos de tradição das bandas, o repertório tocado. Ao mesmo tempo que este trabalho aponta as particularidades específicas das bandas do Pará, os aspectos elencados, constatados tanto na banda da polícia paraense quanto na cearense, indicam como as práticas musicais das bandas militares circularam pelo Brasil aproximando as realidades locais. 14DELLA MÔNICA, Laura. História da banda de música da Polícia Militar do Estado de São Paulo. 2 ed. São Paulo: Tipografia Edanee S. A., 1975. 15SALLES, Vicente. Sociedades de Euterpe: as bandas de música no Grão-Pará. Brasília: Edição do Autor, 1985. 16 Luigi Maria Smido foi um regente e compositor italiano que chegou ao Brasil por volta da década de 1890 e que regeu a banda da polícia do Ceará provavelmente de 1908 a 1912. Sua trajetória será mencionada de forma mais aprofundada no capítulo 7. 22 A dissertação de mestrado de Marcos Aragão Fontoura17 discorre sobre a banda da polícia militar do Rio Grande do Norte, grupo que também contratou Luigi Maria Smido como maestro. Embora a dissertação de Fontoura seja de cunho etnográfico com ênfase nas atividades da banda na atualidade, o autor aborda também a fundação do grupo na década de 1880. Em um levantamento histórico sobre alguns integrantes da banda do Rio Grande do Norte, Fontoura cita, por exemplo, o músico e o compositor Antônio Pedro Dantas, o Tonheca Dantas. No acervo de partituras da banda do Ceará apresentadas no Apêndice C existe o registro de duas de suas composições, as valsas Delírio e Odette. A presença de várias cópias assinadas em diferentes localidades nas duas valsas de Tonheca presentes no acervo em Fortaleza reforça a tese de que as partituras circularam entre as corporações e músicos de cidades distintas por meio de troca, doação e mesmo compra, assunto discutido no decorrer da tese. Outra importante questão que aproxima os dois conjuntos musicais policiais: à semelhança do que aconteceu na banda da Polícia do Ceará, também a banda de Natal foi um celeiro de músicos compositores. As estruturas militares e as obrigações musicais que o mestre de música assumiam ajudavam para que essa dimensão fosse desenvolvida. A história da banda da polícia do Ceará já foi analisada em livro pelo então Tenente-coronel da Polícia Militar João Xavier de Holanda18. Publicado em 2004, ano em que a banda completou 160 anos de existência, o livro traçou, dentre outros tópicos19, um curto esboço histórico da criação da banda da polícia até o ano de 2004, seguido de pequenas biografias de alguns de seus mestres de música a partir do ano de 1935. Este livro não foi tomado como um material primordial de referência para esta pesquisa devido a algumas limitações apresentadas no texto, tais como a constatação de erros em datas diversas e em nomes de músicos que foram sendo constatados durante a leitura das fontes. Além disso, a maior parte das biografias dos músicos contemplados estão fora do limite temporal desta pesquisa, destacando apenas a figura de João Baptista de Sousa Brandão, o último mestre da banda da polícia elencado dentro do nosso recorte temporal. Mais importante para a nossa reflexão foi o livro escrito pelo Coronel da PM Abelardo 17FONTOURA, Marcos Aragão. A Banda da Polícia Militar do Rio Grande do Norte: música e sociedade. 2011. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Música), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2011. 18 HOLANDA, João Xavier. Polícia Militar do Ceará: Banda de Música Major Xavier Torres – 150 anos (1854-2004). Fortaleza: Realce, 2004. 19 O livro contempla um histórico e evolução das bandas de música no Brasil, seguido de um enfoque sobre as bandas militares, inclui os relatos dos eventos de 140 anos de fundação da banda e dos 150 anos com a inclusão de um hinário contendo as partituras de vários hinos cantados pelos policiais. 23 Rodrigues sobre a história da Polícia Militar do Ceará de 1835 a 195520. Mesmo escrevendo em uma linguagem de exaltação aos feitos “heroicos” dos seus componentes e da própria corporação, o livro tornou-se uma importante fonte de consulta sobre o processo de criação e estabelecimento da Força Policial Militar do Ceará. A transcrição de leis e regulamentos da Polícia e as várias entradas sobre a banda policial na legislação do período ajudaram a apontar um caminho para a busca e o estudo deste tipo de documentação. As leis e os regulamentos demonstraram ser importantes fontes que deram a conhecer como a banda da polícia se organizou e se inseriu no seio da corporação policial. Em um contexto internacional, o tema “bandas de música” tem sido também um assunto cada vez mais estudado. Essa constatação pode ser conferida pelo recente aumento na quantidade de publicações de trabalhos científicos21. Sobre o tema “banda de música militar”, citamos inicialmente as pesquisas do musicólogo Pedro Marquês de Sousa22 de Portugal, cujos livros e trabalhos acadêmicos constituíram como materiais de fundamental importância no diálogo e compreensão da conexão luso-brasileira das práticas musicais de bandas militares, conexão que se estendeu à realidade cearense. Sua experiência como militar aliado à sua formação em História e Música transpareceu na escrita dos seus textos, de conteúdo claro, em um levantamento significativo de fontes administrativas, leis, inventários de partituras que nos auxiliou na busca pessoal por fontes semelhantes. Suas análises sobre essa documentação ajudaram na análise do nosso próprio material, cujas reflexões aparecerão referenciadas ao longo do texto. Além dos trabalhos de Pedro Sousa tratarem do mesmo objeto, no caso de sua tese, o tema da “banda 20 RODRIGUES, Abelardo. Resumo Histórico da Polícia Militar (1835-1955). Fortaleza: Imprensa Oficial, 1955. 21 MILHEIRO, Maria Helena Cruz Martins Rodrigues. “Um por todos, todos pela música nova: um estudo de caso. 2013. Dissertação (Mestrado em Música), Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2013. LOUROSA, Helena Marisa Matos. À sombra de um passado por contar: Banda de Música de Santiago de Riba-Ul. Discursos e percursos na história do movimento filarmónico português. 2012. Tese (Doutorado em Música), Departamento de Comunicação e Arte, Universidade de Aveiro, Aveiro, 2012. FERRARIA, Ana Margarida Ricardo de Almeida. História, Tradição e Património da Música Militar em Portugal. Um Estudo de Caso: a Charanga a Cavalo da Guarda Nacional Republicana. 2012. Dissertação. (Mestrado em Antropologia). Escola de Ciências Sociais e Humanas, Departamento de Antropologia, Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE, Lisboa, 2012. 22 SOUSA, Pedro Alexandre Marcelino Marquês de. As Bandas de Música no distrito de Lisboa entre a Regeneração e a República (1850-1910): história, organologia, repertórios e práticas interpretativas. 2013. Tese (Doutorado em Ciências Musicais Históricas), Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2013. _________. Toques de ordenança militar. Parede (Portugal): Tribuna da História / Princípia Editora, 2013. ___________. História da música militar portuguesa. Lisboa: Tribuna, 2008. ------------. A Instituição Militar na História e Cultura Luso-Brasileira no século XIX: a História da Música Militar. 2006. Dissertação (Mestrado em História e Cultura do Brasil), Faculdade de Letras, Departamento de História, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2006. 24 de música” em um contexto mais geral, e em seus outros trabalhos, de forma mais específica, o tema da “banda militar”, os tópicos e subtópicos apresentados como as questões de repertório, a circulação de partituras, organologia, afinação dos instrumentos, o mercado de música, os espaços de atuação, a organização das bandas militares, a legislação correspondente, as conexões de práticas entre as bandas militares de Portugal e Brasil, todos essas discussões nos ajudaram a refletir sobre a banda de música da polícia do Ceará. O livro de Trevor Herbert e Helen Barlow23, publicado no ano de 2013, sobre as bandas militares no Reino Unido do século XIX tornou-se um importante livro de referência para refletir sobre a realidade local da banda da polícia cearense nos aspectos de sua organização interna, suas relações com a corporação policial e com a sociedade local. A discussão sobre a constituição das bandas iniciais no exército britânico e suas mudanças no decorrer do século XIX, a discussão sobre quem eram os soldados e os músicos que faziam parte das bandas, quais os regimentos que criaram os grupos musicais ou os instrumentos usados nestes espaços, foram alguns dos assuntos abordados neste livro e com os quais estabelecemos conexão com a realidade local da banda da polícia cearense. As questões sobre o motivo da presença de civis contratados e menores aprendizes na banda, sua relevância para a renovação de músicos no interior da corporação, a questão da manutenção da banda pelos oficiais, o florescimento de um mercado local de música com venda de instrumentos de sopros, de partituras e de incentivo aos compositores locais, foram alguns dos tópicos discutidos nesta tese que tiveram o livro de Herbert e Barlow como ponto de apoio. Para além disso, os autores tratam também da questão do “cânone musical” e da categorização hierárquica de compositores e composições estabelecidas especialmente no século XIX que ajuda a explicar o “esquecimento” dos temas ligados às “bandas de músicas”24 durante grande parte do século XX. O termo “identidade musical” foi usado de empréstimo destes autores que entendem a música militar como um amplo “conjunto de temas” que contribuem para que a música militar seja entendida como um fenômeno musical25. 23 HERBERT, Trevor; BARLOW, Helen. Music and the British military in the long nineteenth century. New York: Oxford University Press, 2013. 24 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 196-199. 25 Idem, p. 82-103. 25 Destacamos também o livro de artigos de Ana Suzel Reily e Katherine Brucher26 pela abrangência geográfica dos trabalhos que discutiram o tema “bandas de música”. O livro reúne pesquisas envolvendo as bandas de sopro e percussão que se estabeleceram em países como Inglaterra, Portugal, Irlanda do Norte, Japão, Coreia do Sul, Estados Unidos, México, Brasil. Nele, se destaca a diversidade singular do universo cultural das bandas, bem como as diversas maneiras de interação estabelecidas entre os movimentos globais e as dinâmicas locais, interações estas que foram conformadas por meio das tradições das bandas que se difundiram em todo o mundo27. Nesta perspectiva é interessante observar os casos locais das bandas japoneses e coreanas que se apropriaram dos modelos militares ocidentais de bandas transformando-os para sua realidade local. A dissertação de Oswaldo da Veiga Jardim Neto28 sobre as bandas militares e municipais em Macau nos anos de 1820 a 1935 ajuda a compreender como as práticas musicais das bandas militares no século XIX circularam a nível mundial e, semelhante ao que ocorreu com a banda da polícia em Fortaleza, como a presença desses grupos marcaram o desenvolvimento da vida musical da sua localidade específica. O livro do regente de banda americano David Whitwell29 sobre a história da banda de sopro desde a Antiguidade até o século XIX traça um importante panorama sobre a constituição desses grupos no decorrer dos séculos e a atuação dos diferentes conjuntos formados nos ambientes das cortes, na vida civil e militar. No capítulo sobre a música militar no século XIX, Whitwell discorre sobre o desenvolvimento das bandas de música militares em países como a Prússia, Áustria, França, Inglaterra, Rússia e Itália focando em questões relacionadas com o repertório e a instrumentação30. Nesta recensão de trabalhos sobre o tema “banda de música”, é necessário ressaltar a importância de livros de referência, como o Dicionário Grove de Música31, publicação que deu suporte a discussão dos temas transversais e assuntos ligados à história da música. Nesta mesma linha, destacamos também a Enciclopédia da Música 26 REILY, Suzel Ana; BRUCHER; Katherine. Brass Bands of the world: militarism, colonial legacies, and local music making. England: Ashgate Publisnhing Limited, 2013. 27 REILY, BRUCHER, op. cit., 2013, p.4. 28JARDIM NETO, Oswaldo da Veiga. The role of the military and municipal bands in shaping the musical life of Macau, Ca. 1809 to 1935. 2002. Mestrado (Master of Philosophy). Departamento de Música. University of Hong Kong, Taipa Island, 2002. 29WHITWELL, David. A Concise History of Wind Band. Austin: Whitwell Publishing, 2010. 30WHITWELL, op. cit., 2010, p.267-298. 31Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: ; THE New Grove dictionary of music and musicians. London: Macmilan, 2001. 26 em Portugal no século XX32, publicação mais recente que produziu sínteses mais atuais sobre o tema das “bandas de música”, com verbetes que tratam tanto das bandas militares, particularmente as das bandas da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública, ambas ligadas a instituições policiais, bem como do verbete sobre as bandas filarmônicas de caráter civil33. Os manuais de instrumentação de época34 e os livros de instrumentação e orquestração35 consultados ao longo do trabalho ajudaram a refletir o objeto e suas questões transversais. Os compêndios que abordam a história da música do Brasil omitem normalmente a presença e a influência das bandas de música para a história musical brasileira36. Em geral, os livros de edições mais recentes (depois dos anos 2000) e os que escrevem sobre “música popular brasileira” são os que fazem mais referências as bandas de música. É o caso do livro de Cravo Albin37, o qual menciona o compositor Anacleto de Medeiros (1866-1907) e sua participação como maestro na banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro. Esse grupo ficou imortalizado na história da música brasileira pelas suas gravações com a Casa Edison e pelo “abrasileiramento das danças europeias que aqui chegaram no século XIX, como a polca, a valsa, o schottish, a mazurca 32ENCICLOPÉDIA da Música em Portugal no século XX. [Lisboa]: Círculo de Leitores, Temas e Debates e Autores, 2010. 4v. 33 Idem, vol. A-C, p.108-116. 34 FÉTIS, F.J. Manual dos compositores, directores de musica, chefes de orchestra e de banda militar. Lisboa: [s.n.], 1858; VESSELA, Alessandro. Studi do Strumentazionie per Banda. GIAMPIERI, Alamiro (Org. Compêndio e Apêndice). [s.l.]: Ricordi, [1894/1954]. 35 FORSYTH, Cecil. Orchestration. 2 ed. New York: Dover Publications, Inc., 1982 (1ª edição: 1914); SACHS, Curt. The History of Musical Instruments. New York: Dover Publications, Inc. 2006 (1ª edição: 1941); SACHS, Curt. Historia Universal de los Instrumentos Musicales. Buenos Aires: Ediciones Centurion, [s.d.]; REIS, Dalmo da Trindade. Bandas de Música: fanfarras e bandas marciais. Rio de Janeiro: Eulensteins Música S.A., 1961; BAINES, Anthony. Woodwind Instruments and their History. New York: W.W. Norton and Company. 1963; MAR, Norman Del. Anatomy of the orchestra. California: University of California Press, 1983; PISTON, Walter. Orquestación. Madrid: Real Musical Editores, 1984; OLING, Bert; WALLISH, Heinz. Enciclopédia dos Instrumentos Musicais. Lisboa: Livros e Livros, 2004; BAINES, Anthony. Historia de los instrumentos musicales. Madrid: Taurus Ediciones, 1988; BRUM, Oscar da Silveira. Conhecendo a Banda de Música: fanfarras e bandas marciais. São Paulo: Ricordi Brasileira S.A., 1988; FILHO, José Vieira. Instrumentos musicais de sopro: manual de manutenção e reparos. 2.ed. Rio de Janeiro: Funarte, 1998; MEIRA, Antônio Gonçalves, SCHIRMER, Pedro. Música Militar e Bandas Militares: origem e desenvolvimento. Rio de janeiro: Estandarte Ed., 2000; JENKINS, Lucien (org.). Manual Ilustrado dos Instrumentos musicais. Tradução de Denis Koishi e Danica Zugic, São Paulo: Irmãos Vitale, 2009. 36 Bruno Kiefer faz referência as bandas de negros do período colonial em Pernambuco, Bahia, Minas Gerais e Pará mencionando de forma breve a música militar do mesmo período. Outros tipos de informações como a vinda de uma banda de música na fragata que trouxe a princesa D. Leopoldina ao Brasil e sobre a formação musical inicial de Carlos Gomes, ocorrida dentro de uma banda de música de Campinas, são algumas das informações sobre bandas que normalmente os livros de história da música brasileiros apresentam (KIEFER, Bruno. História da Música Brasileira: dos primórdios ao início do século XX. 4. Ed. Porto Alegre: Movimento, 1977. (Coleção Luís Cosme, v. 9)). 37 ALBIN, Ricardo Cravo. O livro de ouro da MPB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003, p.51-52. 27 e a quadrilha”38. Anacleto de Medeiros (1866-1907) foi responsável pela execução diferenciada dessas danças influenciando outras bandas brasileiras, bem como a própria banda de música da polícia do Ceará. Mesmo não se tratando de uma publicação sobre todos períodos da história da música brasileira, é importante mencionar o livro de André Diniz39 por discorrer sobre a vida e obra de Anacleto de Medeiros, este importante músico, compositor e maestro de bandas que marcou sua influência na criação de um novo gênero musical brasileiro – o choro – a partir das execuções das músicas tocadas pelas bandas que ele regia, particularmente a dos Bombeiros do Rio de Janeiro. O livro de Diniz ajuda a compreender a figura de Anacleto de Medeiros e estabelecer uma ligação entre o repertório tocado pela banda dos Bombeiros e as mudanças ocorridas na escolha do repertório executado pela banda da polícia do Ceará na década de 192040. O livro e material em áudio publicado pelo selo Biscoito Fino foi importante suporte de pesquisa que ajudou a ouvir e recriar, de forma comparativa, a sonoridade que a banda da polícia cearense executou no início do século XX41. A banda policial do Ceará só existiu enquanto grupo inserido em uma instituição de caráter policial e militar. Sendo assim, para compreender a organização da banda e as mudanças pelas quais ela passou ao longo do recorte temporal estabelecido foi necessário entender a estrutura da instituição que a concebeu e a manteve, a organização da polícia disposta em sua legislação própria, as relações que se estabeleceram entre os músicos da banda e a estrutura hierárquica da polícia. Da mesma forma que o tema das “bandas militares” é recente na historiografia musical brasileira, são recentes também os estudos sobre a história da polícia no Brasil42. Dos poucos trabalhos escritos sobre a polícia no Ceará, destacamos a tese do historiador Carlos Henrique de Moura Barbosa43 38 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007, p.55. 39 DINIZ, André. O Rio musical de Anacleto de Medeiros: a vida, a obra e o tempo de um mestre do choro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. 40No acervo da banda da Polícia Militar do Ceará existe catalogado a partitura Dr. Pinheiro Freire, uma marcha fúnebre composta por Anacleto para ser tocada no funeral do seu amigo João da Silva Pinheiro Freire no ano de 1904 (DINIZ, op. cit, 2007, p. 23). A cópia manuscrita presente no acervo da Polícia está assinada por Justino Marinho no ano de 1931 (conferir apêndice C). 41FRANCESCHI, Humberto Moraes. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002 (livro e CD-ROM); BANDA do Corpo de Bombeiros. Banda do Corpo de Bombeiros e banda da Casa Edison.[Rio de Janeiro]: Biscoito Fino, [2002], 1 CD. 42BRETAS, Marcos Luiz; ROSEMBERG, André. A história da polícia no Brasil: balanço e perspectivas. Topoi, v.14, nº 26, p. 162-173, jan/jul 2013. Disponível em: Acesso em: 24 ago. 2013, p.163. 43BARBOSA, Carlos Henrique Moura. Policiando o sertão: policiais militares, poderes locais e ordem pública no Ceará da Primeira República (1889-1930). 2014. Tese (Doutorado em História Cultural). Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014. 28 por também focar sua atenção na Força Policial Militar do estado em período semelhante à nossa pesquisa, neste caso, na Primeira República. Sua reflexão sobre as relações entre policiais e os políticos situacionistas da época, a estruturação da polícia enquanto instituição e as mudanças ocorridas ao longo dos anos, a exemplo da intensificação do processo de militarização, foram reflexões bastante esclarecedoras para compreender como a banda da polícia funcionou e se relacionou com a estrutura policial na Primeira República. No âmbito mais geral do tema sobre polícia, a leitura do livro de Francis Albert Cotta sobre as Matrizes do Sistema Policial Brasileiro44 foi essencial para compreender as razões que estiveram na base da criação de bandas de música nas instituições policiais brasileiras, assunto abordado nos capítulos 2 e 5 desta tese. A presença de um grupo musical caracteristicamente miscigenado na polícia antes da abolição da escravatura em 1888, fez com que retrocedêssemos nosso período de estudo para compreendermos o significado que essa realidade anterior representava no contexto brasileiro e cearense. Sendo assim, a leitura sobre a história lexical das Américas portuguesa e espanhola nos séculos XVI a XVIII do historiador Eduardo França Paiva45, mesmo estando fora do período temporal desta tese, é aqui mencionada pela sua relação na compreensão mais alargada sobre o perfil da composição da banda da polícia do Ceará. Ao discutir em seu texto as diversas denominações utilizadas pelas pessoas para se distinguirem nos séculos XVI a XVIII com intuito de classificar e hierarquizar a si mesmo e aos outros, Paiva chama à atenção para uma realidade mais complexa. O intenso tráfico de escravos que ocorreu entre África e o Brasil durante este período não resultou apenas em “misturas” biológicas das mais diversas, mas produziu uma situação mais ampla que resultou numa verdadeira “dinâmica de mestiçagens”, conceito discutido no capítulo 2. Ao mencionar a variedade de “misturas” que essa circulação de pessoas produziu e que afetou o mundo do trabalho desses sujeitos, o texto de Eduardo Paiva nos ajudou a traçar uma relação com o perfil daqueles que integraram a banda da polícia no século XIX. O grupo de característica miscigenada da polícia da segunda década do Oitocentos constituía a continuidade de uma “tradição” que existia desde o século XVI em que mulatos e pardos foram os sujeitos que principalmente se envolveram no trabalho com 44 COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida Livraria e Editora, 2012. 45 PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). 286f. Tese (Professor Titular em História). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – FAFICH, Universidade Federal de Minas Gerais, 2012. 29 bandas de músicas. Mesmo com a proclamação da República, observa-se que a composição dos integrantes da banda permanecerá a mesma, motivos que serão analisados no decorrer da tese. Se por um lado, a bibliografia concernente as bandas militares policiais pode ser considerada pouco numerosa, tendo em vista a quantidade de bandas policiais existentes no Brasil e das ramificações temáticas que esse assunto pode assumir, a documentação localizada sobre a banda da polícia cearense demonstrou ser bastante rica e diversificada. As fontes iconográficas sobre a banda da polícia foram frequentemente usadas para dar sustentação às nossas argumentações sobre quem eram os músicos que integravam a banda da polícia, sobre questões ligadas aos instrumentos e comparação entre a formação instrumental fotografada e a instrumentação elencada nas partituras. Mesmo compreendendo que a fotografia não é uma testemunha fiel da realidade já que é consequência de uma escolha feita por aquele que registra a imagem46, ela é prova da existência de uma realidade passada do instante histórico fotografado47. Mesmo tendo a ciência de que as imagens são fontes fundamentais para as conclusões retiradas nessa pesquisa, a colocação das fotografias da banda da polícia e das imagens de alguns instrumentos em anexo ao texto foi motivada pela frequência com que são referenciadas no decorrer da tese. Sendo assim, sua colocação em separado tem a intenção de facilitar a consulta e visualização do material ao mesmo tempo em que ele é mencionado e analisado no texto. Quanto as fontes musicais, para além das informações registradas nas partituras como título, gênero musical, instrumentação e orquestração, observou-se que as partituras foram usadas como suporte de comunicação entre os músicos, com diversas anotações indicando ensino musical informal, registros da presença de músicos nos eventos, expressões de sentimentos pessoais, brincadeiras e aprovação das músicas. As imagens e as partituras ajudaram-me a delimitar a “identidade musical” da banda da polícia cearense nas décadas de 1850 a 1930. Para além da documentação iconográfica e “musical”, foi localizada muita informação sobre a banda da polícia na documentação administrativa produzida para ou pela instituição policial, como as leis provinciais e estaduais, os regulamentos, os relatórios e as mensagens escritas pelos presidentes da província e do estado, as correspondências enviadas e expedidas, ordens do dia, pagamentos e matrículas. Além 46 MAUAD, Ana Maria. Através da Imagem: fotografia e história - interfaces. Tempo. Rio de Janeiro, v.1, n°2, 1996, p.75. 47 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. 4. Ed. São Paulo: Ateliê Cultural, 2013, p. 37-63. 30 deste material, foi possível ter acesso a dois documentos não catalogados no Arquivo Público do Estado que foram de fundamental importância para a discussão de assuntos concernentes à banda. O primeiro deles é um pequeno folheto de cinco páginas referentes à compra de instrumentos musicais na França para o Colégio dos Educandos redigido no ano de 1864 proveniente da Tesouraria Provincial. Este documento apresenta uma relação de instrumentos listados de um catálogo francês e que serviu para embasar a discussão do tópico sobre “instrumentos musicais” abordado no capítulo 6. O segundo documento, intitulado “Livro de Registro da Receita e despesas da caixa da Musica do Corpo (1891- 1894)” mostra a entrada e saída de dinheiro referente principalmente aos contratos que a banda da polícia realizou nos anos de 1891 a 1894. Este livro registra os locais de atuação da banda, a distribuição dos valores do dinheiro arrecado e onde ele era aplicado na banda e no quartel, assuntos aprofundados e discutidos no capítulo 5. No Instituto Histórico da Polícia Militar foram localizados vários livros de assentamentos dos músicos policiais que também não estão catalogados. Dentre eles destacamos o Livro da 1a Cia. [Companhia] do ano de 1895 e o Livro dos Músicos datado de 1917 a 1922 onde aparece o alistamento de vários músicos que se tornaram mestres e contramestres da banda da polícia. Com essa documentação foi possível aprofundar a discussão sobre a constituição da banda policial, quem foram esses músicos que integraram o grupo musical da polícia, analisando desde a descrição de suas características fisionômicas à sua trajetória interna de ascensão funcional, assuntos enfocados no capítulo 6. Os jornais de época foram outra importante fonte utilizada nesta pesquisa. O recurso à imprensa teve o intuito de conhecer a atuação da banda policial nas diversas esferas culturais e sociais da cidade de Fortaleza durante o período do Segundo Reinado e da Primeira República. A pesquisa dessa documentação revelou o quanto essa prática musical foi importante para a sociedade de Fortaleza, especialmente no século XIX e o quanto ela contribuiu para o desenvolvimento musical da cidade. Ao mesmo tempo, os jornais apontaram que a atuação das bandas de música não foi uma realidade exclusiva de Fortaleza. Sua presença em manifestações culturais que se promoviam em diversas cidades foi uma situação comum descrita nos vários relatos vindos do interior do Ceará e de eventos realizados em outras regiões do Brasil e mesmo fora do país. De uma maneira geral, essas notícias indicaram que a presença de uma banda de música em um determinado evento conferia ao ato uma maior solenidade, além de demonstrar o quanto este grupo estava ligado à vida social e cultural dos habitantes do lugar. Os jornais 31 consultados nesta pesquisa estão disponibilizados em formato digital e acessíveis no site da Hemeroteca Digital Brasileira. Devido à grande quantidade de números digitalizados para o período temporal estabelecido nessa pesquisa, a leitura das notícias sobre a banda da polícia nos jornais de época cearenses ajudou a ter uma visão bastante ampla da participação e atuação da banda da polícia no período. Algumas fontes impressas, tanto de cunho memorialístico quanto de interrogação histórica ligadas ao tema da “música no Ceará”, foram pesquisadas por terem sido os únicos textos a discorrerem sobre um determinado aspecto ligado ao tema da banda da polícia cearense e por terem ajudado a traçar “pistas” na busca por mais documentação. Destacamos inicialmente o texto do músico Zacarias Gondim48 e o do dentista Pedro Veríssimo49 por terem sido os primeiros a mencionarem nomes de músicos atuantes no Ceará e também na banda policial. O primeiro texto, datado de 1903, não muito conhecido e divulgado50, foi escrito por Zacarias Gondim em comemoração ao tricentenário de colonização do Ceará pelos portugueses51. Gondim faz comentários biográficos sobre alguns músicos que nasceram e trabalharam no Ceará como músicos, compositores, atuantes em bandas e orquestras. O segundo texto, um artigo publicado na revista do Instituto Histórico do Ceará no ano de 1954, foi escrito por Pedro Veríssimo52. Seu subtítulo indica-o como uma síntese, compreendendo os anos de 1900 a 1950, embora, de fato, o autor extrapola o marco temporal inicial. É possível que Veríssimo 48 Zacarias (Zacharias) Tomaz da Costa Gondim nasceu em Sobral, Ceará, em 1851 e morreu em Fortaleza, em 1907. Estudou música com o pai, Galdino José Gondim. Foi advogado, orador e professor de música. Segundo Guilherme Studart, compôs música sacra e peças “ligeiras” de dança. Além do artigo “traços ligeiros sobre a evolução da música no Brazil”, Studart menciona ainda “Música e dança indígenas”, “Música ou popular”, “Apreciação ao Hymno do Ceará”. Faleceu em Fortaleza, no ano de 1907. (AZEVEDO, Miguel Ângelo de (NIREZ). Cronologia Ilustrada de Fortaleza: Roteiro para um turismo histórico e cultural. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.1v. p. 162; OLIVEIRA, João Hipólito Campos de. Datas e fatos para a História do Ceará. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Fortaleza, 1985, p. 40 (CD-ROM); STUDART, Guilherme. Dicionário Bio-bibliográfico Cearense. Facsimilar (1913). Fortaleza: Edições UFC, 1980, v.2, p.74). 49 Pedro Veríssimo de Araújo nasceu em São Pedro de Timbaúba (CE) em 1872 e morreu aos 84 anos. Formou-se em Direito e Odontologia, mas é como dentista que é mais referenciado. Foi um dos fundadores da Faculdade de Farmácia e Odontologia do Ceará. Escreveu ainda composições e um livro “História da Música do Ceará”, material inédito e que ainda se encontra perdido. Foi fundador e primeiro presidente da Sociedade Musical Henrique Jorge (AZEVEDO (NIREZ), op. cit., 2001, p. 162; OLIVEIRA, op. cit., 1985, p. 301). 50 Recentemente, em 2010, este texto foi localizado no Instituto Histórico do Ceará pela professora do Curso de Música da UECE Lucila Basile. 51 GONDIM, Zacharias. Traços ligeiros sobre a evolução da musica no Brazil, especialmente no estado do Ceará. In: Commemorando o Tricentenário do Ceará. Ceará: Typographia Minerva, 1903. Foi publicado no livro organizado pelo Barão de Studart e que comemorou os 300 anos de início da colonização portuguesa no território cearense. O autor comenta que esse texto é um resumo de outro estudo apenas iniciado anteriormente. Não se tem informações se Gondim publicou ou não o referido trabalho completo. 52 VERÍSSIMO, Pedro. A música na Terra de Iracema: sinopse histórica do movimento musical no Ceará de 1900 a 1950. Revista do Instituto do Ceará, Fortaleza, p.149-154, 1954 (CD-ROM). 32 tenha tido conhecimento do texto de Zacarias Gondim, pois, em algumas partes, parece repetir as mesmas informações desenvolvidas por Gondim. Outra possibilidade é que ambos possuíssem a mesma fonte histórica. Sem preocupações com uma sequência cronológica dos fatos, Veríssimo faz menção a nomes e a grupos que atuaram principalmente na cidade de Fortaleza, entre 1811 e 1930. O autor tenta provar a sua hipótese inicial de que “o Ceará é uma terra de músicos”53 e, quando elenca o nome desses, frequentemente os associa a um grupo musical. Em seu texto, dá ênfase à presença de bandas e de orquestras que surgiram principalmente em Fortaleza até 1930, associando a grande quantidade de músicos existentes no período com a formação de vários conjuntos musicais. O declínio dessa profusão é atribuído ao aparecimento do rádio e do cinema falado, responsáveis pela diminuição da ação desses grupos e, até mesmo, pela redução de alunos nas classes de música54. Além do artigo dar a conhecer vários músicos cearenses, ele destaca também a atuação da banda da polícia, seus mestres e músicos. No texto escrito por José Tupinambá da Frota55 sobre a história de Sobral, região noroeste do Ceará, cidade em que foi bispo, existe um capítulo dedicado a “Bandas de Música” onde o autor discorre sobre a vinda do maestro Galdino José Gondim a Sobral, os conjuntos que ele formou na cidade, sobre a atuação de seus filhos Zacarias e Raimundo Donizetti Gondim e faz um curto relato sobre o músico português Antônio Fortunato Mouta, que participou da banda de Galdino e, posteriormente, montou a sua própria banda. A importância desse texto está na descrição das atividades musicais de outra cidade do Ceará que não Fortaleza, antes e depois da criação da banda de música do Corpo Policial do Ceará. O texto de Tupinambá da Frota ajuda a compreender a flexibilidade com que os termos “banda” e “orquestra” são usados nas fontes para designar tanto um mesmo grupo instrumental quanto grupos de formação instrumental diferente56. Essa variação terminológica deu origem à discussão apresentada no capítulo 2 sobre a história da constituição do conjunto musical que denominamos de “banda” formado por 53 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p. 149. 54 Idem, p. 153. 55 FROTA, José Tupinambá da. Bandas de Música. In: FROTA, José Tupinambá. História de Sobral. 2 ed., Fortaleza: Editora Henriqueta Galeno, 1974. p. 411- 416. 56 Para exemplificar essa questão, o autor abre o primeiro subtítulo do capítulo como “A banda de música do maestro Galdino Gondim”. Ao prosseguir com o relato da vinda do músico à cidade de Sobral, descreve o grupo que formou neste local como uma “orquestra”. Em nenhum momento, denomina o conjunto de “banda”. Além disso, descreve apenas instrumentos de cordas como os utilizados nesse grupo. Quando escreve o segundo subtítulo, mais uma vez se reporta ao nome “banda”, ao invés de “orquestra”. Nessa parte, fica-se na dúvida se o autor já está falando de um outro conjunto, ou é ainda o mesmo. Essa alternância do termo é bastante comum nos relatos em jornais e livros do século XIX. Afinal, a compreensão do que hoje se entende por “orquestra” e “banda” é bem diferente do período. 33 instrumentos de sopro e percussão. Nos escritos dos memorialistas cearenses, observa-se uma dispersão das informações históricas sobre o assunto “banda de música”. De uma maneira geral, caracterizam-se por serem bastante reduzidas, apenas uma frase, um breve comentário, uma menção sobre a vida de um compositor57. Dentre esses livros, destaco particularmente o livro de Otacílio de Azevedo58 pelo seu contributo fundamental ao tecer vários comentários sobre a banda de música da polícia, sua participação em eventos e, acima de tudo, citando alguns nomes de músicos que participaram da banda. O período delimitado por essa pesquisa (c.1850-1930) inseriu a reflexão da banda da Força Policial Militar do Ceará dentro de dois momentos históricos importantes da vida política-administrativa brasileira: o Império (1822-1889), de forma mais específica, o Segundo Reinado (1840-1889) e a Primeira República (1889-1930). Foram momentos singulares dentro da história do país que provocaram mudanças nas instituições políticas, nas estruturas sociais, afetando diretamente a organização do grupo de música policial. A banda da polícia organizou-se de forma diferenciada durante estes dois regimes políticos. Procurou-se assim abordar a banda nestes dois momentos, mostrando as particularidades de cada um deles e estabelecendo comparações entre os períodos. Na organização geral do trabalho procuramos partir de uma visão geral sobre a “banda de música” como conjunto instrumental, reduzindo depois a nossa escala de análise para a banda de música da polícia cearense. Esta tese está estruturada em seis grandes partes. Depois desta introdução, o segundo capítulo inicia-se com as questões conceituais que embasaram o trabalho, trazendo em seguida uma visão geral daquilo que se compreendeu pela expressão “banda de música” ao longo dos anos. Traçando inicialmente a trajetória de formação desse conjunto instrumental até o século XVIII, discorre sobre os diferentes grupos instrumentais que contribuíram para estabelecer o que se conformou na banda de sopros e percussão durante o século XIX, enfatizando-se a banda de música militar em um contexto mundial e brasileiro. Este capítulo tem o intuito de demonstrar como o percurso de constituição da banda de música contribuiu para a flexibilidade terminológica e instrumental desse grupo, ao mesmo tempo que é possível observar como as práticas 57Em artigo publicado nos anais do IX Encontro de Musicologia Histórica fiz uma compilação das informações sobre os músicos cearenses dispostos em 5 trabalhos de autores cearenses. Conferir: MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Música no Ceará: construção intertextual à luz do arquivo da banda de música da Polícia Militar In: ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA, 2012, 9, Juiz de Fora, MG; Anais, Juiz de Fora: Ed. UFJF/MAMM, 2014, p.124-145. 58AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça, reminiscências. 2. ed. Fortaleza: UFC, Casa José de Alencar, 1992 (Coleção Alagadiço Novo, 36). 34 musicais envolvendo esse conjunto circularam por vários países do mundo e chegaram ao Brasil. Para entender os motivos pelos quais a banda da polícia do Ceará foi criada e sua importância no contexto social, cultural e político de Fortaleza, consideramos importante contextualizar a história do Ceará desde o final do século XVIII e durante todo o século XIX. O Ceará sofreu neste período mudanças profundas desde que deixou de ser uma capitania ligada administrativamente a Pernambuco em 1799. O objetivo principal do terceiro capítulo é do de proporcionar uma visão do panorama político, econômico, social, cultural e urbano do Ceará, e particularmente de Fortaleza, antes da criação da banda e no período em que ela foi criada até 1930. Os acontecimentos da primeira metade do século XIX ajudam a compreender as razões de criação de uma banda de música na polícia. O pensamento social de “civilizar o povo” contribuiu para que a banda policial fosse mantida ao longo dos anos, ao mesmo tempo que as dificuldades econômicas, a seca e falta de empregos no sertão cearense ajudaram a fortalecer o grupo como espaço de oportunidade de trabalho e ascensão social. A importância da banda de música na esfera social fez com que a banda da polícia estivesse presente nas mais variadas manifestações públicas, particularmente na campanha pela abolição da escravidão e na proclamação da República. Os relatos das várias manifestações públicas que tiveram a presença da banda da polícia ajudam a compreender a importância que o grupo adquiriu na sociedade deste período. Outro ponto enfocado neste capítulo foi o surgimento de um comércio local de partituras, livros de música e de instrumentos musicais que teve a influência direta da banda da polícia para o seu desenvolvimento. A presença frequente da banda tocando nos espaços de sociabilidade pública como as praças ou os teatros demonstram o grau de “prestígio” que o grupo adquiriu perante a sociedade local. Mesmo não sendo esta uma tese sobre polícia foi necessário proceder a uma análise sobre a instituição policial com objetivo de explicitar aspectos da corporação que diretamente afetaram o funcionamento da banda. Sendo assim, os tópicos discutidos no quarto capítulo estão em estreita relação com o que será discutido no capítulo seguinte sobre os contornos institucionais da banda de música, fornecendo uma base para o leitor compreender como se estruturou e funcionou o conjunto musical. Mesmo considerando um capítulo mais árido de leitura, devido sobretudo à enumeração e discussão das leis e regulamentos que estruturaram a instituição policial, sua inclusão se faz necessária para poder situar institucionalmente a banda de música policial e captar as nuanças que caracterizaram a sua organização durante o Império e a Primeira República. 35 O quinto capítulo aborda assim especificamente o processo de institucionalização da banda de música da Força Policial Militar do Ceará. Durante seus primeiros 16 anos a banda da polícia cearense passou por um período de instabilidade, vivendo fortes momentos de questionamento pelos deputados da Assembleia provincial quanto a sua existência e finalidade. Os debates anuais iniciados em 1858 acabaram por extinguir a banda no ano de 1863, retornando no ano seguinte. Com a eclosão da Guerra do Paraguai (1865-1870) a banda da polícia permaneceu inativa mais uma vez até retornar no ano de 1872, não sendo mais desativada. Neste capítulo o leitor se deparará com uma banda de estrutura híbrida, onde a presença conjunta de músicos civis e policiais participando do grupo era comum, situação que foi predominante em todo o período do Império. Outra particularidade instituída desde o início da criação do grupo foi a participação da banda em eventos particulares mediante a realização de contratos pagos, dinheiro que ajudou a manter e comprar os instrumentos musicais da banda. A lucratividade destes contratos vai ser um motivo para a existência de irregularidades na aplicação desse dinheiro. A possibilidade de se ganhar um dinheiro extra com os eventos particulares e o direito que os músicos tiveram a aposentadoria constituíram em alguns atrativos da banda para novos músicos. A presença de civis na banda e a realização dos contratos particulares irão mudar paulatinamente com a implantação da República, aspectos importantes que ajudam a compreender como a banda se estruturou neste período para conseguir novos músicos para seu quadro de efetivos. O sexto capítulo trata da questão da “identidade musical” da banda da polícia entendida como um conjunto de elementos chaves que caracterizaram as bandas militares. Estas características partiram inicialmente da análise das trajetórias dos músicos que fizeram parte da banda, seus mestres, contramestres, aprendizes menores e músicos. Além dos integrantes, o capítulo reflete sobre a identidade da banda a partir dos espaços onde o grupo tocou e as críticas que recebeu. Por fim, foi realizado uma análise dos instrumentos musicais registrados nas fotografias da banda da polícia em comparação com as partituras levantadas no acervo apontando os traços de modernidade e de circularidade por meio da presença de alguns instrumentos de sopro no conjunto. No sétimo capítulo procurou dar continuidade ao aspecto da “identidade musical” da banda, focando de maneira particular a “sonoridade” do grupo. Esta “sonoridade” foi estudada a partir do suporte material que sobreviveu até hoje, ou seja, pela partitura. A partir da música registrada na partitura discutiu-se questões de repertório e seus compositores além dos gêneros musicais das obras. O texto finaliza com a análise 36 de uma partitura, escolhida dentre os compositores existentes no acervo da PMCE. A escolha pela análise de uma peça em particular foi influenciada pela leitura da tese de doutorado da musicóloga Luísa Cymbron, que centraliza as discussões sobre o repertório de ópera tocados em Portugal em casos específicos59. A marcha Coronel Edgard Facó do maestro italiano Luigi Maria Smido, foi escolhida por ter sido composta por um civil contratado pela banda da polícia cearense na década de 1900, participante de outros grupos policiais no Brasil e que manteve, mesmo depois de deixar o grupo cearense, contatos com ele enviando suas composições para a banda. Além disso, ela é a única das composições escritas por Smido dedicada à banda da Polícia do Ceará e assinada em Fortaleza. A análise desta peça é tomada como forma de amostragem para a compreensão do que foi a identidade “sonora” da banda da polícia cearense para o período. Com essa composição discute-se a orquestração e a tendência para a padronização da instrumentação ocorrida em fins da década de 1920 pela banda policial. O estudo de instrumentação de bandas de sopro e percussão tem sido pouco focado nas pesquisas da área de Música e História por ser a instrumentação das peças deste período efêmera, em grande parte constando de transcrições e versões de obras originais. A maioria das músicas de banda adaptadas no século XIX e começo do XX foram descritas como uma música de executantes, intérpretes e não uma música de compositores, autores60. Portanto, a abordagem empregada neste capítulo ressalta a originalidade do tratamento dado ao assunto. Incluímos uma edição não crítica da partitura do Coronel Edgard Facó no apêndice D, com o objetivo de servir de suporte ao leitor para a compreensão da análise efetuada no capítulo 7. 59 CYMBRON, Luísa Mariana de Oliveira Rodrigues. Capítulo VI – O Repertório. In: A ópera em Portugal (1834-1854): o sistema produtivo e o repertório nos Teatros de S. Carlos e de S. João. 1999. Tese de Doutorado (Doutorado em Ciências Musicais, especialidade Ciências Musicais Históricas), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1999. 60 Suzel Reily e Katherine Brucher discutem na introdução do seu livro os motivos pelos quais o tema “banda de música” recebeu uma atenção limitada dos estudiosos. Dentre uma das razões apresentadas, as autoras mencionam que as bandas orientaram-se em direção a uma música funcional e acessível, descrita pelo historiador Richard Crawford como “performer’s music”, enquanto que os musicologistas conceberam como uma “composer’s music”. Esse assunto será aprofundado na parte conceitual do segundo capítulo (REILY, BRUCHER, op. cit., 2013, p.1-2). 37 2 A “BANDA DE MÚSICA” EM SEU CONTEXTO MAIS AMPLO 2.1. CORPUS CONCEITUAL 2.1.1 História conectada, história comparada. Os historiadores Sanjay Subrahmanyan61 e Serge Gruzinski62 propõem o conceito “história conectada”, significando que as histórias locais não são isoladas, não são vivências únicas do seu tempo e espaço, mas podem ser comparadas, conectadas entre si em um contexto mais amplo, relacionadas pelos movimentos próprios de uma época. As histórias são múltiplas, estão ligadas, conectam-se, comunicam-se63. Dentro do conceito de conexão, está implícita a ideia de comparação. Pensar em fazer história de forma “comparada” é buscar ultrapassar resultados particulares, exclusivos, singulares. Essa perspectiva entende que as realidades são conectadas temporal e espacialmente, em contorno e contexto mais amplos64. A conexão entre histórias só tem sentido entre contextos, “conjunto de ideias e de crenças, práticas, formas de organização religiosas e étnicas, maneiras de se relacionar inter e intra grupos e culturas. [...] Fora dele, ela se confunde com a comparação simplória e fácil”65. Ao apropriar do conceito “história conectada” proposto em pesquisas ligadas ao período moderno, seu emprego nesta tese de doutorado enfocando os séculos XIX e XX poderia significar anacronismo de nossa parte? Pensamos que não, afinal, estabelecer conexões extrapola períodos históricos específicos, faz parte da competência do historiador fazê-las aparecer, da mesma forma que as continuidades ou as passagens minimizadas ou excluídas66. 61 SUBRAHMANYAM, Sanjay. Connected Histories: Notes towards a reconfigurations of early modern Eurasia. Modern Asian Studies, Brasil, v. 31, n.3, special issue; The Eurasian context of the early modern history of mainland South East Asia, 1400-1800, p. 735-762, jul. 1997. Disponível em: Acesso em: 06 maio 2013. 62 GRUZINSKY, Serge. Os mundos misturados da monarquia católica e outras connected histories. Topoi, Brasil, p. 175-195, mar. 2001. Disponível em: . Acesso em: 06 maio 2013. 63 Idem, p. 176. 64 PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira. Apresentação. In: PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira. (Orgs.). Escravidão, mestiçagens e histórias comparadas. São Paulo: Annablume, 2008. p. 10. (Coleção Olhares). 65 PAIVA, Eduardo França. Histórias Comparadas, Histórias Conectadas: Escravidão e Mestiçagem no Mundo Ibérico. In: PAIVA, Eduardo França; IVO, Isnara Pereira. (Orgs.). Escravidão, mestiçagens e histórias comparadas. São Paulo: Annablume, 2008. p. 14. (Coleção Olhares). 66 GRUZINSKY, op. cit., 2001, p.177. 38 Conectar em uma perspectiva comparativa conforme a proposta do historiador Marcel Detienne é comparar de maneira assincrônica uma matéria pretensamente incomparável, com o objetivo de “colocar em perspectiva, confrontar sob ângulos variados, analisar diferentes sociedades de usos e costumes”67. Sua análise detém-se no objeto em si, no seu caso, os lugares do político e as diferentes formas de democracia, tendo como ponto de partida a Grécia Antiga. No caso desta tese, o objeto é a banda de música, partindo de sua implementação na Força Policial Militar do Ceará durante os períodos do Segundo Reinado e da Primeira República. Pensar em uma perspectiva assincrônica ajuda a entender também o processo histórico de criação de uma tradição, como é o caso das bandas militares. Sua presença advinda de um costume aristocrático e civil que se introduz no seio dos regimentos militares por volta das últimas décadas do Setecentos na Inglaterra, na França e na Alemanha, e espalha-se a ponto de se tornar parte integrante das estruturas militares no Brasil68 A viabilidade de comparação de aspectos da história da banda de música da Força Policial Militar do Ceará fundamenta-se primeiramente no fato de que sua criação não foi única no Brasil. As bandas policiais foram sendo criadas nas províncias brasileiras durante o Império, inicialmente em Minas Gerais em 1835, seguindo-se depois o Rio de Janeiro, Espírito Santo, Sergipe, Bahia, Pará, Ceará, São Paulo, Paraná, Alagoas, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e, após a Proclamação da República, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás e Amazonas69. Semelhanças e diferenças podem ser verificadas nos documentos cearenses em conexão com a bibliografia existente sobre as outras realidades brasileiras, observando aquilo que era particular e o que se dava em âmbito mais geral, comum. Outro aspecto importante dessa conexão é saber que a presença de uma banda na polícia, em ambiente militar, não foi uma característica específica brasileira. Para além de uma “herança” portuguesa, é possível detectar um 67 DETIENNE, Marcel. Comparar o incomparável. Tradução de Ivo Storniolo. São Paulo: Idéias e Letras, 2000, p. 22. Título original: Comparer L’incomparable. 68A relação da música de entretenimento aristocrático de mesa chamado de tafelmusik, prática presente nos países da Áustria e Alemanha, com a criação das bandas de música militares em outros países será mencionado posteriormente. 69 BINDER, Fernando Pereira. Bandas Militares no Brasil: difusão e organização entre 1808-1889. 2006. 3v. Dissertação (Mestrado em Música). Programa de Pós-Graduação em Música, Universidade Estadual Paulista, São Paulo, 2006.p.76; FONTOURA, Marcos Aragão. A Banda da Polícia Militar do Rio Grande do Norte: música e sociedade. 2011. Dissertação (Programa de Pós-graduação em Música), Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2011, p.44-45. 39 fenômeno global das bandas militares existente desde o fim do século XVIII e presente em todo o século XIX70. Pensar em banda de música é pensar nos instrumentos musicais que a constituem, particularmente os de sopro e de percussão. Conforme será apresentado mais adiante, os instrumentos circularam por meio dos diversos tipos de contatos estabelecidos. Com o crescimento do número de bandas militares durante o século XIX, cresceu a demanda por instrumentos e instrumentistas. Associado a isso, a descoberta de novas ligas metálicas possibilitou a criação e a evolução de muitos instrumentos, particularmente os de sopro. E esses instrumentos continuaram a circular com outros nomes e novas adaptações. Sendo assim, em seu próprio íntimo, a história da banda de música é comparativa e conectada. 2.1.2 Práticas e representações. Ao lado do conceito “banda de música”, outros emergem no debate, como os conceitos de “práticas” e de “representações” propostos pela História Cultural e que tem o historiador Roger Chartier como um dos proponentes. Segundo o autor, a noção de representação pode ser definida em dois sentidos: primeiro, como a representação de um objeto ausente; segundo, como a representação de uma imagem presente. No primeiro caso, o objeto ausente é representado por uma imagem capaz de reconstituí-lo na memória ou figurar sua aparência. No segundo caso, a representação dá-se pela presença pública de algo ou de alguém71. Além do duplo sentido que se atribui ao conceito, o autor acrescenta uma tripla compreensão associando à noção um aspecto social: primeiro, vincula relações sociais e posições com a maneira dos indivíduos se perceberem e perceberem aos outros; segundo, as representações coletivas incorporam nos indivíduos as divisões do mundo social; terceiro, as representações coletivas e simbólicas encontram nos indivíduos ou nos grupos as garantias de estabilidade ou continuidade72. Essas representações do mundo social são determinadas pelos interesses do grupo social e não 70POLK, Keith et al. Band (i): Civic an church bands. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 03 jul. 2015; WHITWELL, op. cit., 2010; HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013. 71 CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Tradução de Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, S.A, 1988, p. 24-25. 72 CHARTIER, Roger. A história ou a leitura do tempo. Tradução de Cristina Antunes. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010, p. 49-50 (Ensaio Geral). 40 são isentas dos discursos proferidos e da posição daquele que os utiliza. Não são discursos neutros, ao contrário, “produzem estratégias e práticas” a fim de “legitimar um projeto” ou “justificar, […] as suas escolhas e condutas”73. É nesse contexto que se compreende a banda de música da Polícia também enquanto forma de representação do governo cearense para a divulgação e a afirmação dos discursos sobre “civilização”. Como afirmou o musicólogo Maurício Monteiro, "através da música, a religião, as demonstrações cívicas e as práticas de entretenimento criaram seus discursos e expressaram seus conteúdos”74. O conceito de “práticas” insere-se na noção de representação e deve ser entendido como ações “que visam fazer reconhecer uma identidade social, exibir uma maneira própria de estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição”75. Analisar a prática musical da banda da Força Policial do Ceará é buscar identificar essa maneira particular dos músicos de se verem reconhecidos, identificados em suas relações mantidas entre si, com a corporação policial e com a sociedade da época. O conceito “práticas” foi adotado pelos historiadores da quarta geração dos Annales como Roger Chartier no intuito de dar maior clareza ao conceito amplo e vago de “cultura” (muitas vezes utilizado somente para referir a “alta” cultura)76. Para Chartier, entender a cultura apenas como um campo particular de práticas e ou de produções, ou ainda, como a “totalidade social” é reduzir sua compreensão, o que lhe parece não ser mais aceitável77. Para esse autor, é preciso pensar o conceito de forma mais ampla, incluindo todas as relações sociais, econômicas, ideológicas e culturais envolvidas e como elas se organizam, em contato com as lógicas que constituem “os esquemas de percepção e apreciação dos diferentes sujeitos sociais”78. É concebê-la “como um conjunto de significações que se enunciam nos discursos e nos comportamentos aparentemente menos culturais”79 pondo-se de acordo com a proposta do antropólogo Clifford Geertz para a definição de cultura: 73 CHARTIER, op. cit., 1988, p. 17. 74 MONTEIRO, Maurício. A construção do gosto: música e sociedade na corte do Rio de Janeiro 1808- 1821. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008, p.36. 75 CHARTIER, op. cit., 1988, p. 23. 76 BURKE, Peter. O que é História Cultural. Tradução de Sérgio Góes de Paula. 2. ed. ver. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p. 43. Título original: What is cultural history? 77 CHARTIER, op. cit., 1988, p. 66. 78 Idem, p. 66. 79 Ibidem, p. 66-67. 41 […] um padrão transmitido historicamente, de significados, corporizados em símbolos, um sistema de concepções, herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as atitudes perante a vida80. Pensar a pesquisa pelos vieses do social e do cultural, pelas suas práticas e representações, favorece as discussões e as reflexões, saindo do lugar comum das análises musicais para se aprofundar antes nas razões, nas motivações que fizeram com que a banda fosse tão presente e atuante na cidade de Fortaleza, bem como nas funções simbólicas de como esse grupo atuou para a instituição policial e para a sociedade cearense durante o Segundo Reinado e a Primeira República. Ao frisar esse aspecto, não tenciono subestimar os estudos analíticos musicais. Não é esse o ponto aqui em questão. Mencionando a musicóloga francesa Myriam Chimènes, a razão consiste em ir além de uma “história reduzida ao objeto, construída exclusivamente sobre análise e evolução das formas” para uma nova leitura das fontes que situe “a história da música no tempo político, sem descartar os aspectos econômicos, sociológicos ou estéticos”81. 2.1.3 Espaço intermediário e espaço de fronteira. Uma questão conceitual fundamental nesta pesquisa é a compreensão da posição intermediária, fronteiriça, de como o tema “banda de música” foi encarada durante muito tempo pelos estudiosos em música. Para as pesquisadoras Suzel Ana Reily, Katherine Brucher e Elizabeth Lucas, o desinteresse pelo estudo da “banda de música” enquanto objeto de pesquisa atingiu tanto musicólogos e etnomusicólogos brasileiros quanto estrangeiros82. Suzel Ana Reily discutiu inicialmente esse assunto em 1999 quando argumentou a ocupação de um “espaço intermediário” de pesquisa sobre bandas de música em relação aos domínios tradicionais de investigação das áreas de musicologia 80 GEERTZ, Clifford. The interpretation of cultures. Nova York: Basic Books Inc., 1973, p.89 apud CHARTIER, op. cit., 1988. p. 67. 81 CHIMÈNES, Myriam. Musicologia e História. Fronteira ou “Terra de Ninguém” entre duas disciplinas? Tradução de José Geraldo Vinci de Moraes. Revista de História, 157, p. 18; 29. 2° semestre de 2010. Disponível em: Acesso em: 03 ago. 2012. 82 REILY, Suzel Ana; BRUCHER; Katherine. Brass Bands of the world: militarism, colonial legacies, and local music making. England: Ashgate Publisnhing Limited, 2013, p.1-4 ; .REILY, Suzel A. Bandas de sopro – um diálogo transcultural. In: SEMINÁRIO DE MÚSICA DO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA: BANDAS DE MÚSICA NO BRASIL, 1. Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 2008, p. 22-31; LUCAS, Maria Elizabeth. 2009. Bandas de Música no Rio Grande do Sul: temas para uma interpretação etnomusicológica. In: SEMINÁRIO DE MÚSICA DO MUSEU DA INCONFIDÊNCIA: BANDAS DE MÚSICA NO BRASIL, 1. Ouro Preto. Anais... Ouro Preto: Museu da Inconfidência. 2009. p. 54-63. 42 e etnomusicologia83. A autora defendia então que, influenciada por uma visão positivista, centrada no verificável, na apuração de fatos, a musicologia84 não incluiu a banda de música como assunto de estudo por não se enquadrar nos padrões concebidos de música “erudita”85 e “culta” ocidental. No caso da etnomusicologia, ela encontrava-se neste meio termo por não representar uma manifestação cultural “autêntica” de um “povo”86. Em 2013, Reily aprofundou o tema juntamente com Brucher acrescentando outros pontos que fizeram permanecer a pesquisa nesta posição fronteiriça87. A postura dos musicólogos esteve relacionada ao tipo de repertório que as bandas tocaram primordialmente, orientado para uma “música funcional e acessível”88. Funcional porque as bandas de sopros89 executaram primordialmente música que se adequaram as esferas que elas operavam: as “paradas, procissões, feiras de rua, eventos esportivos”, e outros realizados em espaços abertos90. Os etnomusicólogos evitaram o estudo da “banda de música” por sua associação com a música europeia e ligação que as bandas mantiveram com a música militar, evocando representações de “poder e autoridade”91. No caso das bandas militares, particularmente as bandas das polícias brasileiras, essa postura acentuou-se, mesmo sendo corporações bastante antigas. Essa atitude pode ter se atrelado ao concomitante desinteresse dos historiadores brasileiros pelo tema da polícia, em que preponderou a imagem negativa dessa corporação, herança da conjuntura política brasileira dos anos de 83 REILY, op. cit, 2009, p. 23. 84 CASTAGNA. op. cit., 2008, p.11-12. 85Este texto utiliza a expressão “música erudita” para designar aquilo que os autores anglo-saxônicos como Bolhman (2009), Reily e Brucher (2013), Herbert e Barlow (2013) normalmente designam por “art music”. Mesmo que passível de discussões, o uso da expressão “música erudita” serve para definir uma música de tradição acadêmica, feita a partir de um conhecimento prévio e amplo de teoria musical, uma “música de autor” como referem Reily e Brucher. O seu emprego neste texto parece ser mais apropriado do que a tradução da expressão inglesa “música artística”. Os autores escrevem o termo “art music” para diferenciar da música popular, “'folclórica” ou de origem “tradicional”. A tradução para português de “música artística” neste sentido, em oposição a música popular, “soa” de modo excludente, como se a música enquadrada como “popular” não fosse considerada esteticamente “artística” (BOLHMAN, Philip V. Focus: Music, Nationalism, and the Making of the New Europe. 2 edition. USA: Routledge, 2008, p. XXIV (Focus on World Music Series); REILY; BRUCHER, op. cit., 2013, p.1; HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.197). 86 REILY, op. cit, 2009, p. 23. 87 REILY; BRUCHER, op. cit., 2013, p.1-4. 88 Idem, p.1. 89 As autoras utilizam o termo “wind band” em um sentido geral para definir as formações instrumentais que contém tantos os instrumentos de sopro de forma específica, mas que podem incluir instrumentos de percussão ou mesmo cordas friccionadas. Traduzo este termo nesta parte do texto no qual mencionam as ideias destas autoras como banda de sopros ou banda de música. 90 REILY; BRUCHER, op. cit., 2013, p.2. 91 Idem, p.2. 43 1960 e 1970, época da ditadura militar brasileira92. A própria aproximação da universidade com a polícia foi vista com desconfiança, o que impediu o acesso à informação nessas corporações93. Em seu livro sobre música militar no Reino Unido, Herbert e Barlow constataram também que a “pouca atenção” dos musicólogos se deveu à própria obscuridade das informações ligadas aos músicos integrantes da organização militar, o que dificultou uma análise precisa desta realidade. Na Inglaterra, os documentos registravam-nos como soldados e não como músicos94. Para finalizar, Reily e Bruchner mencionam outra questão que fez com que a “banda de música” não tenha figurado nas pesquisas dos estudos de música popular. A música tocada por esses grupos não foi considerada “formas de música mediadas”, ou seja, ligada as gravações comerciais95. Mesmo tendo sido um dos primeiros grupos a serem gravados pela nascente indústria da gravação, contudo sua atuação foi principalmente in loco, interagindo com seu público. As gravações que as bandas fizeram nesta época tiveram um papel secundário como executantes funcionais e, de certa maneira, mantiveram-se em um nível local e limitado96. Em suma, as autoras entendem que as bandas de sopro caíram no que elas chamaram de “fendas” das fronteiras disciplinares, ocupando uma posição intermediária entre um “passado imaginado e de realização erudita” esquivando-se dos domínios tradicionais da pesquisa musicológica97. É importante frisar que, se os estudiosos não demonstraram interesse em escrever trabalhos referentes a “bandas de música” durante um longo período do século XX, o conhecimento sobre esses grupos locais não foi completamente inexistente. Existiu uma historiografia feita por pesquisadores amadores que, ligados principalmente por laços afetivos aos conjuntos locais, deixaram registros escritos sobre a história de várias bandas de música, sua participação na vida cultural e social das cidades onde atuaram. O historiador José Newton Meneses propõe a reflexão da categoria “espaço” como um ponto de análise, considerando o conceito importante no debate acadêmico, em sua interface com a historicidade do tempo. O autor se utiliza do conceito elaborado pelo geógrafo Cássio Hissa, que entende os espaços como limites inventados pelos olhos dos homens e pela cultura. Dois espaços ganham explicações diferenciadas quando 92 BRETAS; ROSEMBERG, op. cit., 2013, p.163. 93 Idem. 94 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 1. 95 REILY; BRUCHER, op. cit., 2013, p.2. 96 Idem. 97 Ibidem, p.3. 44 contextualizadas em seu tempo específico. Espacialidade e temporalidade devem manter- se em diálogo98. Ampliando a reflexão do termo, inclui também os conceitos de lugar (espaço com ação humana) e paisagem (espaço como nossos sentidos o percebe). Mas, para a discussão da banda, nos interessa a diferença entre o conceito de limite e de fronteira. Para Hissa, “limite é algo que se insinua entre dois mundos buscando a sua divisão, procurando anunciar a diferença e apartar o que não pode ser ligado”. Já fronteira, “é linha de contato entre dois territórios que divisa [...] é assim, espaço do mesmo e de alteridade”99. Trazendo novamente o conceito proposto por Reily e Bruchner sobre a posição que a banda assumiu nas “fronteiras” disciplinares da musicologia, analisando o repertório tocado por esses grupos no século XIX e tendo as partituras elencadas da banda da polícia cearense, percebo que musicalmente a banda também se estabeleceu em uma posição intermediária, de fronteira. Das 148 partituras que compõem o inventário da banda para o período de 1897 a 1932100, assunto discutido no capítulo 7, mais da metade são composições para serem tocadas em momentos de concerto (valsas, polcas, fantasias, rapsódias, aberturas de óperas, entre outras) e, em menor número, aquelas destinadas às funções militares propriamente ditas (dobrados e marchas). As obras de estilos tão variadas tinham seus eventos específicos para serem apresentados. Seus espaços de execução poderiam ser os quartéis, as praças, os teatros, os clubes, os espaços públicos e privados, como as casas de particulares. Afora os quartéis ou desfiles militares onde se tocavam mais especificamente as marchas e os dobrados, de uma maneira geral, os programas das músicas que aparecem na imprensa demonstram que essa lista compreendia uma gama variada de gêneros musicais: dobrados, marchas, peças de dança, peças de obras teatrais, peças diversas, hinos. Essa mistura de gêneros, que pode ser resumida em dois tipos distintos - os de caráter “erudito” representado por exemplo, pelas peças extraídas de obras teatrais, com uma escrita musical mais complexa, como as de origem operática, diferenciada das de caráter “popular”, como as músicas de dança – contribuiu também para que a banda ocupasse este lugar indefinido. A não opção por um estilo único do repertório, ajudou 98 HISSA, Cássio Eduardo Viana. A mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002, p.19 apud MENESES, José Newton Coelho. Escalas Espaço-Temporais e História Cultural. Reflexão de um Historiador Sobre o Espaço como Categoria de Análise. In: PAIVA, Eduardo França; AMANTINO, Márcia; IVO, Isnara Pereira. (Org.). Escravidão, mestiçagens, ambientes, paisagens e espaços. São Paulo: Annablume, 2011. p.63. (Coleção Olhares). 99 Idem, p.62; 64. 100 Esse número está sendo ampliado com a inclusão de novas partituras localizadas no acervo. 45 também para que a banda não fosse enquadrada nem como um grupo “erudito” nem literalmente “popular”, assumindo, portanto, uma “posição intermediária”. Vendo sob outro ponto de vista, essa suposta “indefinição” revela muito mais versatilidade, variedade, riqueza, pelo fato de poder transitar entre vários “espaços” (seja físico ou musical) do que um problema de definição por um estilo musical específico. As várias formações instrumentais que a banda musical foi constituindo ao longo do século XX - banda sinfônica ou de concerto, banda marcial, jazz band, banda de metais ou brass band, banda de música tradicional – comprova essa versatilidade e variedade de instrumental e repertório. Assim, mais do que situar-se numa “posição intermediária” entre uma “cultura erudita” e outra “popular”, entendida numa posição de limite entre estas duas delimitações de cultura musical, a banda de música pode ser compreendida estando em uma “zona de contato” entre estes dois espaços. Ao mencionar a binômio “erudito” e “popular” estamos de acordo com a observação da musicóloga Lucila Basile acerca dos “trânsitos mútuos e contínuos” existentes entre os diversos tipos de música101. Esse fluxo é existente, embora possamos pensar, no caso particular do repertório tocado pela banda de música, em uma predominância maior de um determinado estilo que pode ser designado naquele momento histórico de “erudito” ou “popular”. Para compreender o estabelecimento da posição intermediária que a banda de música assumiu, entre a “música erudita” e a “música popular”, faz-se necessário retomar também a discussão à segunda metade do século XIX quando se definiram os cânones musicais europeus que acabaram por “empurrar” a banda de música para esta esfera intermediária. Segundo Beard e Kenneth “cânone é um termo que descreve um corpo de trabalhos musicais e compositores” que se creditam com “um alto nível de valor e grandeza”102. Jim Samson destaca a derivação do termo de origem eclesiástica, o qual se referia aos livros bíblicos e patrísticos que expressavam a preservação de verdades fundamentais do cristianismo103. Esse pensamento conceitual de transcendência e de autoridade cresceu bastante no início do século XX fazendo com que o repertório e os 101 BASILE, Lucila Pereira da Silva. Piano na praça. Música “ligeira” e práticas musicais no Ceará (1900- 1930). 2015. Tese (Doutorado em História Social da Cultura). Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015, p.59. 102 “Cannon is a term that is used to describe a body of musical works and composers accredited with a high level of value and greatness” BEARD, David; KENNETH, Gloag. Canon. In: Musicology: the key concepts. London and New York: Routledge, 2005, p.24. 103 SAMSON, Jim. Canon (iii). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2017. 46 compositores que assim foram designados dentro do cânone não fossem questionados deste lugar, nem sofressem abalos por “modas” estilísticas surgidas ao longo dos anos104. A identificação desse corpo musical canônico foi principalmente concebida na segunda metade do século XIX105. Foi nesse período que surgiram crescentes propostas para categorizar e hierarquizar práticas musicais distintas106. Essa tendência aplicou-se a todos os tipos de música, principalmente devido ao aparecimento e à penetração causada pelo surgimento das formas populares. Além disso, desenvolveu-se também na Europa e em suas colônias, bem como nos EUA, uma crescente propensão em querer comparar a música dita “erudita”, concebida como uma espécie mais “alta” de música, como sendo uma música muito distinta e separada de todas as outras formas ditas “populares”107. Seguindo a tendência de categorização, iniciou-se, também a partir da década de 1850, a sistematização de uma historiografia musical com o estabelecimento de critérios de seleção musical108. Os pensamentos positivista, romântico e nacionalista predominantes no Oitocentos sustentaram as escolhas dos tipos de repertório e de quais “grandes” compositores e quais obras deveriam fazer parte do corpo musical. Nesse sentido, as peças que foram executadas pelas bandas de música do século XIX, compostas principalmente de peças de entretenimento para o grande público, não foram avaliadas dentro dos cânones estabelecidos como de dimensões “transcendentes e eternas”109. Por isso, seu repertório, particularmente o tocado pelas bandas militares, permaneceu em uma área de fronteira, entre o que era percebido como as formas “superiores” de música e aquelas compreendidas entre as formas mais “inferiores”110. O uso do conceito “cultura popular” e “cultura erudita” e suas expressões interligadas de “música popular” e “música erudita” no Brasil de fins do século XIX estiveram ligados à preocupação de se pensar a construção de uma identidade nacional. Segundo a historiadora Marta Abreu, “cultura popular” é um dos conceitos mais controvertidos que existem. Se, por um lado, sua origem está ligada à concepção de povo e de autenticidade, por outro lado, citando Chartier, questiona a impossibilidade de se precisar o que é genuinamente “povo”. Esse mesmo autor afirma que “povo” é um 104 Idem. 105 WEBER, William. The History of Musical Canon. In: COOK, Nicholas; EVERIST, Mark (ed.). Rethinking Music. Reprinted. New York: Oxford University Press, 2001, 336-355. 106 HERBERT, BARLOW, op. cit, 2013, p. 196-197. 107 Idem. 108 Ibidem, p. 197-198. 109 BEARD; KENNETH, Canon. In: op. cit, 2005, p.24-25. 110 “Military music prevailed in a middle ground between what were perceived as higher and lesser forms” (HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 197). 47 conceito erudito, criado para “delimitar, caracterizar e nomear práticas” de atores que não as consideram como pertencente à “cultura popular”111. Em princípio, situando o repertório que a banda de música da Força Policial Militar do Ceará tocou ela estaria fora desse debate, já que seu repertório como um todo não foi considerado nem como “erudito” ou “popular”. Mas, o que faz uma música ser considerada “popular” ou “erudita”? Será que é a música em si, sua estrutura, ou será que está relacionado com o compositor que a faz, sua formação ou não formação musical? É uma questão de longevidade da obra em si? É considerada “popular”, porque um grande número de pessoas conhece, canta, assobia? O que dizer de várias músicas compostas por compositores “eruditos” europeus, de renome internacional, que têm suas músicas conhecidas exaustivamente pelo grande público? O que dizer de Pour Elise, por exemplo, música escrita por Beethoven e que atualmente é tocada até nos carros de entrega de gás em cidades brasileiras, ou mesmo de vários excertos de peças “eruditas” que compõem os toques dos celulares? Mesmo sem resposta a esses questionamentos, recorremos a Peter Burke quando afirma sobre a dificuldade de se definir “cultura popular” e “cultura erudita”. O autor propõe o emprego das expressões em uma estrutura mais ampla, situando o conceito dentro de uma sociedade e de um tempo histórico, sem a rigidez de uma oposição binária112. Refletindo sobre a ideia de “cultura”, Burke entende esse conceito como uma valorização pela “busca dos processos de interação”, pensada no sentido de “termos de troca, empréstimo, apropriação, resistência, sincretismo, hibridação, etc. e estabelecida «entre diferentes subculturas, homens e mulheres, urbanos e rurais, católicos e protestantes, dominantes e dominados»”113. Um dos aspectos em que devem ser entendidos “erudito” e “popular” nesta tese reside no grau de literacia dos músicos da polícia em relação a realidade do Brasil em um respectivo momento histórico. O contexto educacional brasileiro do Oitocentos indicava que o país contava com um índice de 85% de analfabetismo114. O abismo entre aqueles que sabiam ler e os que não sabiam colocava de um lado da sociedade uma elite “letrada” e do outro um grande número de indivíduos “não letrados”. As manifestações artísticas rotuladas de “populares” eram assim 111 CHARTIER, Roger. “Cultura Popular”: revisitando um conceito histórico. 1995, p.179-180 apud ABREU, Martha. Cultura Popular, um conceito e várias histórias. In: ABREU, Martha e SOIHET, Rachel. Ensino de História, Conceitos, Temáticas e Metodologias. Rio de Janeiro, Casa da Palavra, 2003, p.1-5. 112 BURKE, Peter. O que é História Cultural. Tradução de Sérgio Góes de Paula. 2. ed. ver. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008. p.40-42. Título original: What is cultural history? 113 BURKE apud Marta Abreu. op. cit., [p.9]. 114 CARVALHO, José Murilo de. Introdução. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (direção). História do Brasil Nação: 1808-2010. CARVALHO, José Murilo de (org.). A Construção Nacional: 1830-1889. v.2, Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda. 2012, p. 35. 48 designadas por serem produzidas pelo “povo” como membros do grupo social dos “não letrados”, já que a oralidade e a imitação auditiva sobrepunham-se à inexistência de uma formação musical acadêmica, de um conhecimento de leitura e escrita dos códigos musicais tradicionais, ou porque a escolha das tipologias musicais não se enquadrava nos gêneros musicais estabelecidos nas obras dos “grandes” compositores europeus115. Em suma, o uso dos termos “erudito” e “popular” nesta tese devem também ser compreendidos com o grau de letramento do músico e seu conhecimento de teoria musical, em relação a outros locais e épocas. Ginzburg, ao refletir sobre a relação entre a cultura das classes subalternas e as das classes dominantes, encontra em Baktin a compreensão dessa relação. O conceito de “circularidade” da cultura é entendido como uma dualidade dividida. Para a mesma prática constrói-se uma visão de mundo distinto, próprio, elaborada de um lado pelas classes subalternas representando a “cultura popular” e, de outro, pelas classes dominantes representando a “cultura erudita”. A dicotomia permanece, mas a comunicação entre as classes se dá pela circulação cultural entre elas116. As manifestações culturais são móveis e circulam entre o “povo” e a “elite letrada”. As músicas, as partituras, os transeuntes, os que fazem música na rua, tudo isso circula, é difundido, é ouvido, é percebido, é sentido e, de algum modo, é internalizado, embora apreendido de forma diferenciada pelos dois polos. O debate conceitual sobre “cultura erudita” e “popular” também se associa com a reflexão das discussões sobre nacionalismo e música nacional. Segundo Peter Burke, “a descoberta da cultura popular inter-relacionou-se com a ascensão do 115 Na atualidade, a relação da leitura musical com a leitura do alfabeto escrito são questões difíceis de se dissociar, estando implícito que, aquele que lê música por partitura é uma pessoa alfabetizada. Porém, no século XIX e com a banda da polícia do Ceará em particular, parece que essa conexão não pode ser considerada como uma certeza (quase) absoluta. Como discutiremos adiante, a corporação policial admitiu o alistamento de soldados que não sabiam ler e escrever. As praças “não letradas”, se quisessem, poderiam fazer parte da banda, integrando a seção da percussão, onde se aceitavam soldados que não tinham conhecimento musical. Sendo assim, a única forma com que esses músicos poderiam tocar as músicas era tocando por audição e imitação, ou seja, o maestro dizia o momento de tocar o tambor, o bumbo e o prato, demonstrava como deveriam fazê-lo e os respectivos instrumentistas repetiam. Uma situação difícil, trabalhosa de ser realizada, mas não impossível de ser efetuada. Esses músicos poderiam também, futuramente, escolher um instrumento melódico. Essa questão pode ser inferida a partir dos indícios da existência de um ensino de música interno, informal, entre os músicos da banda. A aprendizagem das letras e de música poderia ocorrer nas aulas da Escola Regimental e nas classes de aprendizes de música. Essa situação de desconhecimento de leitura musical por parte de integrantes de uma banda não foi exclusiva do Ceará. Pedro Marquês de Sousa cita, em sua tese de doutorado, demonstra que haviam músicos nas filarmônicas portuguesas que, mesmo sendo analfabetos, sabiam ler música (SOUSA, op. cit., 2014, p.5). 116 GUINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. Tradução de Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.11-28. Título original: Il formaggio e i vermi: Il cosmo di um mugnaio del ‘500. 49 nacionalismo na Alemanha, Suécia, Finlândia, Grécia, Polônia, entre outros povos”117. Os cânones que foram se propagando ao longo do século XIX, estabelecendo um corpus musical de compositores europeus, proveram, numa configuração global, o paradigma de uma “música erudita” descendente de uma tradição de elite. Essa “música erudita” dependeu de alguma forma de instituições nacionais (como teatros e conservatórios dos Estados) que frequentemente construíram discursos de uma história nacional. Essa história musical elevou a “música erudita” à categoria de “música clássica”, um emblema de um passado cujo valor é reconhecido. Tal situação forjou e manteve discursos nacionais que focaram nos grandes compositores, criando até mesmo uma competição entre eles como se fossem cidadãos de várias nações (a exemplo de Chopin e Liszt). Quanto as obras, esses discursos sobre nacionalismo e música nacional devotados à categoria de “música erudita” abrangeram em grande parte, as composições de tradição operística nacional, as quais muitas dessas partituras compuseram o repertório da banda da polícia do Ceará. De outro lado, alguns compositores seguiram em direção ao folclore ou à “música popular” (como Bartók e Kodály), propondo alternativas à hegemonia dos cânones musicais existentes e provendo uma contrapartida na identificação e na exploração do que seja o nacional na música. A “música folclórica” ou “música popular” foi uma outra invenção do discurso musical europeu que só foi tornado propriedade de uma nação e linguagem de um discurso nacional quando foi coletado e consagrado também como um cânone118. O surgimento da “música popular” dita “brasileira” dá-se a partir da segunda metade do século XIX, quando o “abrasileiramento” dos ritmos europeus (polca, schottisch, valsa) se torna predominante. A produção ligada ao folclore brasileiro foi bastante significativa no período que vai de 1890 a 1920119. Para o historiador Arnaldo Contier120, as reflexões sobre “música erudita nacional” surgiram a partir da década de 1920 com Mário de Andrade e com os compositores Villa Lobos, Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernandez e Luciano Gallet. Andrade insistia na ideia de que a base da 117 BURKE apud CONTIER. O nacional na música erudita brasileira: Mário de Andrade e a questão da identidade cultural. Revista de História e estudos Culturais, p.9. Disponível em: Acesso em: 15 out. 2014. 118 BOLHMAN, Philip V. Focus: Music, Nationalism, and the Making of the New Europe. 2 edition. USA: Routledge, 2008, p. XXIV (Focus on World Music Series). 119 ABREU, Marta ABREU, Martha; DANTAS, Carolina Vianna. Música popular, folclore e nação no Brasil, 1890-1920. In: CARVALHO, José Murilo de (Org). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 126. 120 CONTIER, Arnaldo Daraya. O Ensaio sobre a Música Brasileira: estudo dos matizes ideológicos do vocabulário social e técnico–estético (Mário de Andrade, 1928). Revista Música. 1995, p.75-79. Disponível em: Acesso em: 16 out. 2014. 50 construção de uma “música erudita brasileira” fincava-se na “música popular brasileira” constituída a partir da segunda metade do século XIX. Em seu livro “História da Música Brasileira”, o autor fez uma distinção entre “música erudita” e “música popular brasileira”, separando um capítulo para cada uma das vertentes. Nesse livro, não faz sequer referência às bandas militares ou mesmo a banda dos Bombeiros do Rio de Janeiro regida por Anacleto de Medeiros. Talvez, porque, para Mario de Andrade, esses conjuntos não fizessem parte desse binômio musical, não representassem nem o “popular” nem o “erudito”. Como mencionamos anteriormente, a banda dos Bombeiros do Rio de Janeiro teve grande importância na construção da história da música brasileira, com o seu jeito particular de tocar as danças importadas da Europa (polca, valsa, schottisch, mazurka), o qual influenciou no surgimento dos gêneros brasileiros (o choro e o samba). Anacleto compôs inúmeras obras num estilo “abrasileirado”, tocadas pela banda dos Bombeiros e gravado pelas Casas Edison 121. Dentre o repertório listam-se marchas, hinos e dobrados gravados ao lado de polcas, mazurcas, valsas e trechos de óperas122. Analisando essa lista, duas questões chamam a atenção. Em primeiro lugar, não é à toa que a gravadora registrou os hinos, os dobrados e as marchas em fonogramas. Esses gêneros ressaltavam o significado do período político brasileiro pelo qual o país passava: pós-proclamação da República, a adoção do regime presidencial ao invés da monarquia. O Brasil passava por uma mudança profunda acontecida pela primeira vez em sua história. Portanto, era momento de exaltar a terra, de construir a nação e de aflorar o sentimento da pátria. Nada mais natural do que transformar essa vivência em hinos cívicos. É compreensível o interesse em gravar hinos, marchas e dobrados. Afinal, era importante para a formação de um sentimento de povo, de nação, a escuta pela pertença de um lugar comum, de fazer emergir o sentimento pátrio. Em segundo, é interessante observar a “popularização da música erudita”123. O catálogo aponta que uma mesma banda tocava tanto a abertura do Guarani, trechos de óperas como Aida, Fausto e Barbeiro de Sevilha, como também mazurcas, polcas, maxixes, executada em uma sonoridade “abrasileirada”. Essa diversidade musical demonstra o quanto a banda era versátil em escolher e tocar 121 ARAGÃO, Pedro. Banda do Corpo de Bombeiros e Banda da Casa Edison. Memórias musicais da Casa Edison. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002, p.4-5. 122CATÁLOGO Geral Casas Edison. In: FRANCESCHI, Humberto de Moraes. A casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. 123David Whitwell utiliza a frase “Popularizing Orchestral Music” para demonstrar a grande ligação que as bandas mantinham com o grande público no século XIX e que fizeram com que importantes compositores europeus do período como Liszt, Meyerbeer, Spontini pedirem para que suas músicas fossem transcritas para banda de música. No caso de Wagner, este compositor teve partes de suas óperas, como Lohengrin, escritas para formação original de banda de música (WHITWELL, op. cit., 2010, p.298). 51 repertórios de estilos distintos, exemplificando assim, o que entendemos por sua posição de fronteira. 2.1.4 “Civilização” e modernidade, “raça”124 e mestiçagem. O período histórico brasileiro compreendido entre a segunda metade do século XIX até as primeiras décadas do século XX foi marcado por intensos debates promovidos pela elite intelectual e política da época com o objetivo de estabelecer uma identidade nacional brasileira. A busca da compreensão do caráter nacional remonta ao processo de independência do Brasil (1822) e ao reconhecimento por parte da comunidade internacional do Império brasileiro. Entre esses países, sobressaía a Inglaterra por ter adquirido superioridade política e econômica na Europa e no mundo após as Guerras Napoleônicas. Aquele país passou a exercer uma influência sobre o Brasil que não se restringiu ao âmbito político e econômico, mas alcançou também os campos social e cultural devido ao uso generalizado de produtos ingleses importados. Durante o século XIX, a Grã-Bretanha forneceu mais de 40% das importações brasileiras entre produtos têxteis e bens de consumo manufaturados, como porcelana e vidro, pianos, roupas e, depois dos anos de 1870, maquinarias industriais, agrícolas e equipamentos para estradas de ferro. Outro país que exerceu forte influência social, cultural e intelectual, particularmente sobre a elite do período imperial, foi a França. A literatura originária desse país era mais lida do que os romances ingleses. A moda que se via nas ruas, o linguajar, o pensamento social dominante sofreu forte influência da cultura francesa125. A emancipação política do Brasil inaugurou também em todo o país um projeto “civilizatório” sinônimo de progresso e modernidade. As cidades brasileiras passaram por transformações urbanísticas de ordenação do espaço, muitas delas 124 O termo “raça” aparece em dicionários antigos de português e espanhol desde o século XVI como uma expressão composta sem explicação sobre o seu significado. No século XVII começa a ser definido com uma conotação pejorativa, associando a noção de “mouro” ou “judeu” em português. Portanto, o uso do termo é antigo, sendo empregado nesta tese como uma categoria de análise por ter sido usado no século XIX e começo do XX para sustentar as teorias raciais eugênicas, evolucionistas e cientificistas. Seu uso atual deve ser considerado inadequado, tendo em vista que as áreas científicas não se aceitam a divisão e a classificação dos seres humanos em raças (PAIVA, Eduardo França. “Raça”. In: Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Tese (Professor Titular em História). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FAFICH), Universidade Federal de Minas Gerais, 2012, p. 148-153). 125 BETHEL, Leslie. O Brasil no mundo. Trad. Denise Bottmann. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (direção). História do Brasil Nação: 1808-2010. CARVALHO, José Murilo de (org.). A construção Nacional: 1830- 1889. v.2, Rio de Janeiro: Editora Objetiva Ltda. 2012, p. 131-153. 52 embasadas nas teorias médico-higienistas vigentes na Europa a partir do século XVIII126. Essas alterações urbanas procuravam trazer um “ar de modernidade” às províncias e apagar os resquícios de “barbárie” herdados do período colonial enquadrando o Brasil no rol dos países ditos “civilizados”127. O modelo de “civilização” encontrava-se no continente europeu, em particular a Inglaterra e a França, considerados povos superiores, de padrões “civilizatórios” mais desenvolvidos. As imagens dos instrumentos musicais, empunhados pelos músicos da banda da polícia, foram um sinal de afirmação deste projeto “civilizatório” dentro da polícia. O instrumental do grupo representava verdadeiras “insígnias de orgulho” para a corporação. Afinal, vários instrumentos que aparecem nas fotografias (saxhorn, saxofone, oficleide, trompete, helicon, clarinete) eram considerados instrumentos modernos e caros para a época e foram criados no século XIX, como é o caso do oficleide (1817) e do saxofone (c.1840). Outros passaram por alterações mecânicas estruturais revolucionárias na época com a inclusão do sistema de válvulas128. Portanto, empunhar esses instrumentos, tocar na banda da polícia, representava nas entrelinhas que esses músicos eram homens “civilizados”, modernos, cultos. A compreensão do que seria “civilizar o Brasil” esteve também associado aos debates relacionados a outros temas dominantes à época, como "nação", "povo" e, particularmente, as discussões sobre "raça"129. As teorias racistas ganharam sustentação 126 O projeto civilizatório implantado no Brasil do século XIX estava fincado na filosofia positivista, nas teorias médico-higienistas e nas teorias científico-raciais as quais justificaram a modernização das cidades que alteraram a paisagem urbana das cidades e foram percebidas como sinais de progresso (OLIVEN, Ruben George. Cultura e Modernidade no Brasil. Revista São Paulo em Perspectiva. vol.15, n.2, 2001, p. 3-12. ISSN 1806-9452. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n2/8571.pdf> Acesso em: 25 nov 2015. COSTA, Maria Clélia Lustosa. A cidade e o pensamento médico: uma leitura do espaço urbano. Mercator – Revista de Geografia da UFC, ano 01, nº 02, 2002, p. 61-62). 127 O conceito de civilidade – civilité - era conhecido na Europa desde o segundo quartel do século XVI com a publicação do tratado De civilitate morum puerilium de Erasmo de Roterdão. O livro versava sobre os comportamentos do homem em sociedade e, sobretudo, o decoro exterior do corpo. Segundo Norbert Elias, o conceito de “civilização” transformou-se no conceito de “civilidade” em decorrência do próprio processo civilizacional ocidental. Para o autor, o mal-estar que invade as pessoas ao deparar-se com as situações da vida social e de convivência abordadas por Erasmo é um sintoma deste processo. A natureza desse sentimento, carregado de juízo de valores e atitudes censórias, ocorre pela constatação que se faz de uma diferente conduta afetivo-emocional e de um diferente padrão de reatividade aversiva, naquele a quem denominamos de “incivilizado”, “bárbaro”. Embora para Norbert Elias a contraposição de “civilizado” e incivilizado” não deva ser compreendido como sinônimo de “bom” ou “mau”, e sim como “fases de uma sequência evolutiva que continua seu curso” (ELIAS, Nobert. O processo civilizacional: investigações sociogenéticas e psicogenéticas. Lisboa: Dom Quixote, 2006, p. 142-149.). 128 OLING, Bert; WALLISH, Heinz. Instrumentos de Sopro. In: Enciclopédia dos Instrumentos Musicais. Lisboa: Livros e Livros, 2004, p.89-119. 129 COSTA, Ricardo César Rocha da. O pensamento social brasileiro e a questão racial: da ideologia do “branqueamento” às “divisões perigosas”. Revista África e Africanidades, 2010, ano 3, n°10, p.1-2. Disponível em: Acesso em: 15 set. 2012. 53 na ciência e influenciaram o percurso histórico do país entre os anos de 1870 e 1930130. O Brasil foi conhecido no exterior pelas exposições internacionais e pelos livros dos viajantes estrangeiros que por aqui passaram e escreveram sobre o país131. De uma maneira geral, a descrição do Brasil nos livros era de uma imensa “nação mestiça”. A disseminação dessa imagem foi feita a partir de diferentes meios (censos, pinturas, jornais, entre outros), difundida por políticos, cientistas, intelectuais e artistas brasileiros. Para uma jovem nação que acabara de se emancipar e buscava afirmar sua identidade interna e externa, a miscigenação transformou-se em tema polêmico para as elites locais e para os cientistas estrangeiros que o tratavam como um fenômeno desconhecido e recente132. Num país miscigenado como o Brasil, a questão “racial” levantava problemas para o futuro da nação. Isso porque o “conjunto dos modelos evolucionistas não só elogiava o progresso e a civilização, como ainda concluía que a mistura de raças heterogêneas era sempre um erro, mas também levava à degeneração não só do indivíduo como de toda a coletividade”133. A constatação de um passado e um presente miscigenado 130 Segundo Thomas Skidmore, as teorias raciais que emergiram no século XIX podem ser resumidas em três escolas principais. A primeira foi a escola etnológica-biológica que pretendeu “sustentar a criação das raças humanas através das mutações diferentes das espécies (poligenia)” (p. 65). A base do seu argumento baseava-se na inferioridade dos negros e índios correlacionado com suas diferenças físicas em relação aos brancos, as quais eram resultados de sua criação como espécies distintas. As ideias sustentaram-se cientificamente na Antropologia Física e teve no suíço Louis Agassiz seu maior propagador na América e no Brasil. A influência de suas ideias deve-se a publicação de seu livro Journey in Brazil (1868) referente ao resultado das observações feitas durante sua expedição de estudo dos “mestiços” pelo país em 1865, o qual propagou suas “ideias das diferenças raciais inatas e da «degenerescência mulata»” (p. 67). O segundo grupo foi a escola histórica. Seus pensadores partiam da suposição de que as mais diversas raças humanas podiam ser diferenciadas uma das outras com relação à branca, sendo esta superior a todas. Baseavam em evidências históricas, como a compreendida pelos ingleses Thomas Arnold, Robert Knox e Thomas Carlyle que “interpretavam a história como uma sucessão de triunfos das raças criadoras”, as quais “a anglo- saxônica era preeminente” (p. 67). As ideias dessa escola propagaram-se pelo Brasil graças à presença de seu adepto, o diplomata Arthur de Gobineau, que esteve no Brasil em 1869. A terceira escola foi chamada de darwinismo-social. Esta teoria baseava-se no processo evolutivo proposto por Darwin em que, num processo histórico evolutivo, as raças consideradas “superiores” haviam predominado enquanto que as “inferiores” foram fadadas a definhar e desaparecer (SKIDMORE, Thomas. Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Tradução de Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1976, p. 65-69). 131 O Brasil mandou observadores nas exposições de Londres em 1851 e de Paris em 1855, mas participou efetivamente nas exposições seguintes, como a de Londres em 1862, a de Paris em 1867, a de Viena em 1873, a da Filadélfia em 1876 e a de Paris em 1889. Com relação aos livros, citamos A Narrative of Travels on the Amazon and Rio Negro, do inglês Alfred Russel Wallace, 1853; Journey in Brazil, do suíço- americano Louis Agassiz e sua esposa Elizabeth, escrito em 1868; Explorations in the Highlands of Brazil, 2v., escrito por Richard Burton, em 1869; Brasil pitoresco, do fotógrafo Victor Frond, em 1861; Brazil, its Provinces and Chief Cities, do irlandês William Scully, em 1866 entre outros (BETHEL, op. cit., 2012, p.155-156). 132 SCHWARCZ, Lilia Moritz. Espetáculo da miscigenação. Estudos Avançados, vol.8, n.20, 1994, p. 137- 138. ISSN 1806-9592. Disponível em: Acesso 16 nov 2015. 133 SCHWARCZ, op. cit., 1994, p. 138. 54 impôs um dilema de atraso ao projeto de construção de nação que almejava um futuro “respeitável” segundo as teorias científicas raciais vigentes. A solução nativa foi “branquear” a população por meio da miscigenação do “sangue branco”, o qual serviria para “purificar” o sangue primitivo, o “africano”, até a sua eliminação e a gradativa formação de um povo homogêneo, branco e “civilizado”. A teoria do branqueamento foi amplamente propagada pela intelectualidade nacional, presente em obras de juristas, escritores e políticos como Euclides da Cunha, Sílvio Romero, Nina Rodrigues, Paulo Prado e Oliveira Viana134. Em Fortaleza, as questões “raciais” estiveram intimamente ligadas aos discursos proferidos pelas elites políticas e intelectuais locais e suas ações com a finalidade de transformar a cidade e seus habitantes em um espaço “civilizado”, moderno, progressista aos moldes europeus, particularmente aos ligados à cultura francesa. A visão sobre a mestiçagem cearense deve ser considerada dentro do âmbito da presença do elemento africano na província, em associação com o movimento abolicionista no Ceará e as ideias propagadas pela intelectualidade local sobre a formação étnica do cearense. O movimento pela abolição dos escravos135 no Ceará foi propagado e defendido por uma elite intelectual que se tornou atuante a partir do início da segunda metade do século XIX. O surgimento dessa camada pensante foi decorrência da formação de uma esfera púublica intelectual traduzida no aumento do número de escolas, de bibliotecas, de livrarias e da criação de jornais e de revistas. O aumento das instituições, das associações e das tipografias foi consequência direta das inúmeras transformações urbanas, econômicas, sociais e políticas por que Fortaleza passou, principalmente a partir dos anos de 1860 e que a tornaram o mais importante centro urbano da província. 134 OLIVEIRA, Idalina Maria Amaral de. A ideologia do branqueamento na sociedade brasileira. Secretaria do Estado da Educação e Universidade Estadual do Paraná, Paraná, 2008. Disponível em: Acesso em: 20 mai. 2015. 135 A condição jurídica de escravo não se restringia somente aos indivíduos de pele preta, mas também aos miscigenados e suas diversas denominações (pardo, cabra, mulato, entre outros) e mesmo índios. (PAIVA, Eduardo França. Dar nome ao novo: uma história lexical das Américas portuguesa e espanhola, entre os séculos XVI e XVIII (as dinâmicas de mestiçagem e o mundo do trabalho). Tese (Professor Titular em História). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FAFICH), Universidade Federal de Minas Gerais, 2012, p. 175). Nesta parte do texto a relação da “abolição dos escravos” é diretamente relacionada ao indivíduo “negro” pelo fato de uma historiografia mais antiga conceber que a formação “racial” brasileira aconteceu apenas entre a mistura de três elementos: o branco europeu, o negro africano e indígenas. Foi embasado nesta concepção que a historiografia cearense sustentou de que o Ceará não tinha negros. (Conferir: MARQUES, Janote Pires. A invisibilidade do negro na história do Ceará e os desafios da lei 10.639/2003. Poiésis, v. 7, n. 12, Jun./Dez. 2013, p. 349-354). 55 As várias associações abolicionistas no Ceará136 que lutaram pelo fim da escravidão na província “assumiram o papel de «heróis cívicos»” “promotores de uma evolução social […] materializada na «redenção dos escravos cearenses»”137. Em 25 de março de 1884, a província declarou oficialmente livres todos os seus escravos numa demonstração clara para os abolicionistas e simpatizantes de que o Ceará havia deixado para trás a “infâmia” que retardava o progresso da cidade e impedia de ser incluída na lista das cidades e das nações ditas “civilizadas”138. Nas entrelinhas desse ato, o que mais importava não era o indivíduo escravizado e suas necessidades. Na realidade, libertar os escravos representaria um passo para a “evolução” da sociedade cearense, sua regeneração e “civilização”139. Em outras palavras, a libertação representou a aplicação daquilo que as teorias raciais pregavam no período. Três anos após a abolição dos escravos no Ceará, foi criado o Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará (1887). Segundo o historiador Almir Leal de Oliveira, vários integrantes do Instituto do Ceará sustentaram a tese de que a mestiçagem local ficou restrita a brancos e índios, inexistindo a mistura entre negros e índios. A não valorização ou total exclusão do negro na formação étnica do Ceará ajudou a sustentar outra abordagem racista defendida pelo membro do Instituto Joaquim Catunda sobre a evolução da sociedade através da superação do caráter étnico que, no caso dessa província, a ausência da mestiçagem negra garantiu “uma especificidade positiva ao caráter cearense”140. O olhar que a historiografia local manteve até aos anos de 1980 foi o de um discurso construído na invisibilidade do negro141, consequentemente da própria mestiçagem advinda das misturas biológicas com esse elemento. Nas últimas décadas, no entanto, pesquisadores têm procurado reescrever a história do Ceará por uma outra 136 “Perseverança e Porvir” fundada em 1879, “Sociedade Cearense Libertadora”, fundada em 1880 e seu jornal “O Libertador”, fundado em 1881, “Centro Abolicionista”, fundado em 1882, “Sociedade das Senhoras Libertadoras”, “Clube Abolicionista Caixeiral” e “Libertadora Estudantil”, todas fundadas em1883, ente outras (FARIAS, op. cit., 2012, p.199-201). 137 MARQUES, op. cit. p. 349-350. 138 Em 1881, o jornal Libertador publicou um longo texto conclamando os cidadãos cearenses a lutarem pelo fim da escravidão. Ao longo de sua narrativa, o texto dizia ser uma vergonha, uma infâmia, a perpetuação da escravidão no Brasil, pois retardava o progresso, ao mesmo tempo que exaltava o trabalho livre (Libertador, 15 de janeiro de 1881, p.1-2). 139 MARQUES, op. cit, 2013, p. 349-351. 140 OLIVEIRA, Almir Leal. O Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará: Memória, representação e pensamento social (1887-1914). Tese (Doutorado em História), Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2001, p. 120 apud MARQUES, op. cit, 2013, p. 351-352. 141 SOUSA, Antonio Vilamarque. Da “Negrada Negada: a Negritude Fragmentada”. O movimento Negro e os discursos identitários sobre o negro no Ceará (1982-1995) Dissertação (Mestrado em História) Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2006 apud MARQUES, op. cit, 2013, p. 352. 56 perspectiva, na qual os negros aparecem como protagonistas de sua história. Sob o ponto de vista cultural, autores como Eurípedes Funes, Oswald Barroso, Janote Marques, Franck Ribard e José Hilário Sobrinho142 buscaram recuperar a memória da participação do afro-cearense em manifestações artísticas locais. Quanto às referências musicais associadas aos negros no Ceará para o período do século XIX e começo do XX, elas recaem normalmente sobre as descrições das festas dos Autos de rei congo, para o “samba”143, maracatu e capoeira, numa compreensão de cultura “popular”. É sobre as festas dos negros em Fortaleza na segunda metade do século XIX que Janote Marques propôs seu estudo: (...) “festas de negros em Fortaleza”, nas últimas décadas do século XIX, particularmente os sambas, os congos (ou autos de rei congo), as coroações de reis e rainhas negros na Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, os maracatus, além de outros ajuntamentos de caráter festivo vivenciados por negros144. Eurípedes Funes ressalta as festas juninas, outro ciclo festivo de grande alegria para os negros com a presença do folclórico boi-bumbá145. Finalmente, Oswald Barroso, ao analisar as sociabilidades afro-brasileiras no Ceará acentua as proximidades entre as manifestações: Derivam os maracatus do folguedo dos congos, ritual completo da Rainha Ginga e do rei Henrique Cariongo, de Angola e do Congo, que no passado se faziam presentes em quase todo o Ceará, ou pelo menos onde houvesse uma igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, como ainda hoje acontece nas cidades de Aquiraz e Milagres146. 142FUNES, Eurípedes Antônio. Negros no Ceará. In: SOUZA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. 4. ed. ver. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007. p. 162-191. BARROSO, Oswald. Reis do Congo. Fortaleza, [1996]. __________. Folguedos afro-brasileiros no Ceará: uma aproximação com a capoeira. In: HOLANDA, Cristina Rodrigues (org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza: Museu do Ceará/Secult/ Imopec, 2009, p. 19 -42. MARQUES, Janote Pires. Festas de Negros em Fortaleza: territórios, sociabilidades e reelaborações (1871-1900). 2008, 1 v. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza. RIBARD, Franck. A corte real dos Reis de Congo: territórios festivos negros em trânsito (Fortaleza – 1871/1900) In: HOLANDA, Cristina Rodrigues (org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza: Museu do Ceará/Secult/ Imopec, 2009, p. 95-110. FERREIRA SOBRINHO, José Hilário. Cultura popular e as culturas afrodescendentes. In: HOLANDA, Cristina Rodrigues (org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza: Museu do Ceará/Secult/ Imopec, 2009, p. 65-94. 143 O “samba” aqui mencionado entre aspas refere-se a um tipo de baile popular bastante comum nas zonas urbanas e rurais do Ceará que incluía uma umbigada (MARQUES, op. cit., 2008, p.168). 144 MARQUES, Janote Pires. Festas de Negros em Fortaleza: territórios, sociabilidades e reelaborações (1871-1900). 2008, 1 v. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, p. 12-13. 145 FUNES, Eurípedes Antônio. Negros no Ceará. In: SOUZA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. 4. ed. ver. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007. p.106. 146 BARROSO, Oswald. Folguedos afro-brasileiros no Ceará: uma aproximação com a capoeira. In: HOLANDA, Cristina Rodrigues (org.). Negros no Ceará: história, memória e etnicidade. Fortaleza: Museu do Ceará/Secult/ Imopec, 2009, p. 35. 57 Se a historiografia cearense mais recente tem afirmado a presença do negro como uma figura existente e atuante na história colonial, imperial e republicana do Ceará, então o que se poderia dizer do perfil étnico do cearense no século XIX? Segundo o historiador Eurípedes Funes147, nessa província predominava um povo de características “mestiças”, denominado à época de pardos. Analisando-se os dados registrados no livro de venda de escravos em Fortaleza para os anos de 1865 a 1872148, observa-se que “pardo” foi a categoria mais referida depois da “preta” e que apareceram várias outras denominações de “qualidade”149. Ao trabalharem sobre as práticas musicais ocorridas em outras cidades do Brasil como Rio de Janeiro e Minas Gerais durante os séculos XVIII e XIX, os musicólogos brasileiros são bastante contundentes em afirmar que os músicos mais atuantes nesses períodos foram predominantemente “mulatos” e, em menor número, negros e brancos150. Muitos desses miscigenados foram músicos atuantes em irmandades e confrarias, mestres de capela, compositores e instrumentistas, compondo, regendo e tocando em grupos orquestrais e em bandas de música151. Se os negros “reapareceram” na história do Ceará e o perfil étnico do século XIX era predominantemente de “pardos”, onde atuaram os músicos miscigenados cearenses? Como já notamos atrás, a pesquisa sobre a banda de música da Força Policial Militar do Ceará trouxe à tona uma importante documentação que traz uma nova 147 FUNES, op. cit, 2007, p.124. 148 “Este livro cartorial contém o registro de venda de 255 escravos assim distribuídos: 1865: 30 registros. 1866: 46 reg., 1867: 57 reg., 1868: 35 reg., 1869: 26 reg., 1870: 24 reg., 1871: 11 reg., 1872: 26 registros. Homens: 116. Mulheres: 139. Casados: 6. Solteiros: 249. Solteiras com filhos: 7. Sem oficio: 243. Cozinheiros: 9. Pedreiros: 2. Sapateiros: 1. Pretos, 57; Preto fula, 2; Mulatos, 34; Cabras, 65; Crioulos, 27; Pardos, 52; Acaboclados, 5; Fulas, 8; Mestiça, 1; Fusca, 1; Sem etnia declarada, 3”. (ARQUIVO PÚBLICO DO CEARÁ, Livro 1515 – Registro de vendas de escravos em Fortaleza. Data crônica, 1865-1872 transcrito publicado por: OLIVEIRA SILVA, Pedro Alberto de. Documentário: documentos para a história da escravidão do Ceará. Revista do Instituto do Ceará, ANNO CXVIII, 2004, p. 305) (grifo do documento). 149Analisando documentos sobre escravidão nas Américas portuguesa e espanhola do século XVI a XVIII, o historiador Eduardo França Paiva observou diferenças na aplicação de conceitos de “qualidades” e “cores”. A categoria “qualidade” servia para designar o “exterior” do corpo, no intuito de diferenciar, hierarquizar, e classificar os indivíduos e os grupos sociais a partir de sua origem e/ou fenótipo e/ou ascendência social. As “qualidades” abrangidas podiam ser de “índio”, “branco”, “negro”, “preto”, “crioulo”, “mestiço”, “mameluco”, “mulato”, “pardo”, “cabra”, entre várias outras. Quanto ao conceito “cor” de definição imprecisa, foi um conceito histórico que variou no tempo e espaço e serviu para classificar e distinguir grupos e pessoas bem como para demarcar os lugares sociais de cada um (PAIVA, op. cit., 2012, p. 19-20; 132; 161-174). 150 MONTEIRO, Maurício. Música e mestiçagem no Brasil. Nuevo Mundo. 2006. Disponível em: . Acesso em: 08 set. 2012. 151 KIEFER, op. cit., 1977. MARTINS, op. cit., 2001. MONTEIRO, op.cit., 2008. CASTAGNA, Paulo. Música na América portuguesa. In: José Geraldo Vinci de; SALIBA, Elias Thomé (Org). História e Música no Brasil. São Paulo: Alameda, 2010. p. 09-32. 58 perspectiva e discussão aos estudos musicais no período do século XIX e a questão étnica no Ceará: seis reproduções fotográficas tiradas em períodos distintos da banda de música do Corpo Policial registrando um conjunto musical miscigenado empunhando seus instrumentos de sopro e percussão. As imagens da banda apontam para um grupo cultural multirracial que exerceu uma mesma função (de músicos) em um período anterior e posterior à abolição da escravidão. Um grupo em que se registra claramente a presença de brancos, negros e miscigenados convivendo em um mesmo espaço e num mesmo fazer musical. A relação “mesclada” que as fotografias da banda da Polícia registram é uma amostra visual do que a mestiçagem representou para o Brasil e na qual o Ceará não ficou à parte. A miscigenação foi consequência das várias dinâmicas provocadas e vivenciadas pelos anos de escravidão e tráfico brasileiro e mundial, os quais implicaram a circulação de pessoas, as misturas biológicas, culturais e materiais ocorridas durante o período colonial no país e que se perpetuaram durante o século XIX. As fotografias da banda testificam a presença dessa mistura, dessa “nação mestiça” pela representação da mescla biológica, como também do indício de uma convivência étnica conjunta de brancos, negros e miscigenados. Ao contrário do sentido negativo que a expressão “nação mestiça” sugeria na época, a presença dos “misturados” biologicamente e as dinâmicas que as mestiçagens estabeleceram nas várias esferas de convívio da sociedade brasileira produziram uma riqueza e variedade de relações e objetos que enriqueceram a vida cultural, material e social do Brasil152. As fotografias também indiciam para questões “raciais” e culturais importantes. Como discutiremos no capítulo 6 os músicos que se alistaram na polícia encontraram na banda uma oportunidade de trabalho, um espaço de ascensão e de reconhecimento social. Antes da abolição, esses músicos poderiam ser formados tanto de trabalhadores livres como de escravos já que as Forças Armadas e a Polícia foram espaços de refúgio e de libertação para alguns deles153. Comparando com outras cidades do Brasil, 152 Eduardo França Paiva utiliza-se do conceito de “dinâmicas de mestiçagens” para definir “um conceito que acentua a importância da mobilidade e do trânsito de pessoas, culturas, objetos, fauna, flora, maneiras de viver e formas de pensar, o que produziu mesclas biológicas e culturais, assim como superposições, interseções, discursos e representações de pureza e de impermeabilidade também. Dinâmicas de mestiçagens sublinham a complexidade e o movimento das misturas e de seus produtos em oposição à somatória de raças, cujo resultado é a fusão das partes em uma outra e única raça, equação quase matemática, que tradicionalmente lastreou-se na evolução rumo ao branqueamento e a civilização” (PAIVA, op. cit., 2012, p.210, nota de rodapé 450). 153 Mesmo sem poder afirmar que os negros e miscigenados que aparecem na fotografia de 1879 são pessoas alforriadas, poderia ser possível que houvesse escravos na banda da Polícia do Ceará. Segundo o historiador Sidney Chalhoub, a presença de escravos que assentavam praça na instituição policial foi uma atitude 59 a função de músico era uma das atividades em que os miscigenados livres, desde os tempos da colônia, escolhiam como ocupação de sobrevivência, por não estar diretamente ligada às atividades econômicas principais do período. Para uma sociedade da segunda metade do século XIX e início do XX onde as possibilidades de ascensão social eram pequenas, a banda serviu para essa mobilidade social, situação que na realidade já acontecia em outras cidades do Brasil, a citar Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde as bandas de música de miscigenados eram comuns desde o período da Colônia. Como Maurício Monteiro notou “fazer música foi, primeiramente, uma das poucas oportunidades de trabalho, como qualquer outra atividade manual; depois, meio de promoção social”154. 2.2.PROCESSO HISTÓRICO DE CONSTITUIÇÃO DA FORMAÇÃO INSTRUMENTAL “BANDA DE MÚSICA” ATÉ O XVIII. Em sua acepção mais geral e atual, o termo “banda de música” é comumente compreendido como sendo um conjunto musical que agrega a família dos instrumentos de sopro (metais e ou madeiras)155 e percussão, e o termo “orquestra” representa um grupo que agrega um grande número de instrumentos de arcos friccionados em sua constituição156. A compreensão e utilização do termo “banda de música” ou simplesmente “banda” não foi uniforme ao longo da história da música. Mesmo havendo um consenso maior em torno de seu uso atual de conjunto de instrumentos de sopros e percussão, ainda comum nas últimas décadas da escravidão brasileira. O objetivo deles era de recorrer à polícia ou à justiça a fim de resolverem questões com seus senhores. Outros poderiam querer rememorar os tempos da Guerra do Paraguai, onde o alistamento de escravos fez com que muitos recebessem sua alforria (CHALHOUB, Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 218-225). 154 MONTEIRO, op. cit., 2006, p.4. 155 Os instrumentos de metais usados frequentemente na banda de música são os trompetes, trompas, trombones, saxhorns, eufônio, tubas e suas famílias. Os de madeiras englobam a família das flautas (flautim e flautas transversas afinadas em Dó e Ré), a família do clarinete (clarinete em Eb ou requinta, clarinete em Si bemol, clarinete baixo em Sib ou clarone), família do saxofone (saxofone alto, tenor e barítono principalmente), oboé e fagote. Uma característica das bandas de música é a não padronização instrumental. Essa lista de instrumentos tem como objetivo apenas situar o leitor no universo instrumental e nas possibilidades apresentadas por esse conjunto. Não é necessário que todos esses instrumentos façam parte da composição de uma banda de música e outros podem ser acrescentados. Essa flexibilidade na composição instrumental desse grupo demonstra a versatilidade que esse conjunto musical apresenta. A lista acima apresentada toma como referência os nomes dos instrumentos em português no Brasil, podendo a nomenclatura variar de país para país. 156 “Orquestra” pode representar um grupo formado não somente de instrumentos de arcos, como no caso de orquestra de cordas, mas também agregar os instrumentos de sopros e percussão, como é o caso da orquestra sinfônica e seus tamanhos numéricos variados. Existem muitas bandas sinfônicas que apresentam na sua composição violoncelos e contrabaixos. Mesmo assim são denominadas “bandas”, porque sua sonoridade predominante é dos instrumentos de sopros e não das cordas friccionadas. 60 hoje, é possível observar ambiguidades em torno do seu emprego. Por isso, sua apreensão precisa ser contextualizada e interpretada em seu tempo e seu espaço, ou seja, deve ser apreendida conforme o momento histórico e o lugar estudado. Com o passar dos anos o termo foi agregando diversos significados atrelado principalmente a questões ligadas ao tipo de grupo nomeado, ao instrumental utilizado e ao repertório tocado. Para além dessa designação musical e funcional, o termo “banda de música” impregnou-se de um valor estético e simbólico muitas vezes depreciativo, de menor valor artístico. Se, por um lado, em fins do século XIX, o termo “orquestra” foi ganhando um valor de música “séria”, “academicista”, merecedora de interesse estético e de pesquisa; por outro lado, a “banda” ficou associada a uma música de “menor valor”, não original, de entretenimento. O termo “banda” pode associar-se a outros qualitativos. Nesses casos, representa uma família específica de instrumentos (brass bands – bandas de metais – características da Inglaterra), ou a função que o grupo exerce (bandas militares, bandas de teatros), ou ainda, o estilo de música que ela representa (jazz bands, big bands). Somado a essa diversidade, no século XX, depois do aparecimento dos instrumentos eletrônicos, a cultura “popular” passou a denominar “banda de música” ao conjunto que contêm instrumentos elétricos, como guitarra, baixo e teclado157. No decorrer da história da música europeia ocidental, “banda” ganhou várias conotações que deixou sua compreensão imprecisa. Essa imprecisão deveu-se tanto ao seu significado e ao emprego oral fluido quanto ao seu registro escrito também variável. De forma geral, “banda” designou qualquer conjunto musical, de qualquer tipo de combinação de instrumentos e quantidade numérica, podendo indicar a ideia de “orquestra” ou “banda” no sentido atual158. Na França, la grande bande representava a famosa orquestra dos 24 violinos do Rei Luís XIV (1638-1715), a mais afamada no período do século XVII na Europa, distinguindo dos petit violons, a “banda” de violinos particular regida por Jean Baptiste Lully (1632-1687). Na Inglaterra, um grupo chamado 157 POLK, Keith. Band (i): Introduction. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2014. 158 Idem. Essa flexibilidade no uso do termo “banda” faz com que este ponto seja uma importante questão a ser levada em consideração nas pesquisas históricas que tem esse objeto de pesquisa. Nem sempre as fontes deixam claro que tipo de conjunto musical está se reportando. Na historiografia cearense sobre o século XIX e XX, aparece muitas vezes o termo “banda” significando uma “orquestra” e vice-versa. Somente a leitura e a evidência de outros aspectos, tais como os instrumentos discriminados, é que se pode assegurar qual grupo se refere o texto. Em outros momentos, a dubiedade permanece. 61 de King’s Band, presente na corte do Rei Charles II (reinado 1660-1685), era na verdade uma orquestra de 24 violinos inspirada no modelo do grupo de Luís XIV159. Muitos estudos sobre “banda de música” apontam para a influência das bandas militares sobre as bandas civis, tanto na sua criação quanto organização160. Embora não se constitua numa regra161, a predominância dessa influência é nitidamente observada nas bandas civis surgidas durante o século XIX, período áureo do estabelecimento e da atuação das bandas militares em todo o mundo162. Essa influência pode ser observada na adoção dos uniformes militares, no repertório tocado, nas estruturas musicais e organizacionais adotadas pelas bandas civis e constatadas por meio de iconografia, de partituras e de documentos administrativos de época. Em períodos anteriores ao Oitocentos, existiram “bandas”, enquanto conjuntos de sopros e percussão, de tamanhos numéricos reduzidos, tanto de origem civil quanto militar, que surgiram paralelamente e estabeleceram uma ligação pelo trânsito de músicos que circularam nas diversas esferas culturais das sociedades de cada época. Da mesma maneira que, desde a Antiguidade, as organizações militares vêm utilizando instrumentos musicais com funções de comunicação, também os músicos civis se apropriaram dos instrumentos utilizando-os em diversas ocasiões e em vários espaços de atuação. Com o desenvolvimento dos instrumentos musicais a partir do renascimento os instrumentos de sopro, particularmente as madeiras, foram sendo construídos em famílias, aparecendo uma diversidade de modelos e de dimensões163. Alguns mantiveram o mesmo formato e desenho até os dias atuais, outros deram origem aos instrumentos modernos ainda existentes nos dias de hoje. 159 THE EDITORS of Encyclopedia Britannica. Band. Enciclopédia Britânica online. Encyclopedia Britannica Inc. Disponível em: Acesso em: 03 jul. 2015. 160 SALLES, op. cit., 1985; HOLANDA, op. cit., 2004; HERBERT, BARLOW, op. cit., 2013; REILY, BRUCHER, op. cit., 2013; LAMEIRO, Paulo. Banda Filarmónica: Enquadramento geral. In: CASTELO- BRANCO, Salwa (Org.). Enciclopédia da Música em Portugal no século XX. Portugal: Eigal, 2010, p. 108. (Vol. A-C). 161 No Ceará, a referência sobre a banda de música mais antiga é de uma banda civil chamada “Filarmônica Zaranza”, criada em 05 de dezembro 1826 por Vicente José Zaranza na cidade de Aracati (litoral leste do Ceará). Participavam dessa banda somente os familiares de Vicente Zaranza. Em iconografia da época, chama-nos a atenção o fato de ser uma das poucas imagens do século XIX em que a banda não está trajada de uniformes em estilo militar. Tocava em enterros, procissões religiosas, em eventos políticos mesmo sendo reconhecida por uma “corporação absolutamente neutra em política” (MENEZES, Ezequiel Silva de. O Aracati e sua Vida Cultural e Jornalística, p.10 apud LEAL, Hélio Ideburque Carneiro. Bandas de música de Aracati. Aracati: Minerva, 2003, p.15-28). 162 LEONI, Aldo Luiz. Antecedente militar das bandas de música. In: BIASON, Mary Ângela (org.). Banda Euterpe Cachoeirense: acervo de documentos musica – música sacra manuscrito. Ouro Preto: Museu da Inconfidência, 2012, p.17; BINDER, op. cit., p.10; SALLES, op. cit., p.20. 163 MONTEIRO, Maria Isabel Lopes. Instrumentos e instrumentistas de sopro no século XVI português. 2010. Dissertação. (Mestrado em Ciências Musicais). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 2010, p. 3. 62 Os casos mais antigos de bandas parecem remontar ao século XIII e são similares aos agrupamentos encontrados no Oriente Próximo, os quais consistiam de charamelas164, trompetes e tambor. No início do século XV, um novo conjunto formado de três a quatro músicos (duas ou três charamelas, o trompete ou sacabuxa) desenvolveu- se numa “tradição altamente sofisticada de execução”165. Essa “banda” tinha características de função civil e tocava em danças, procissões e banquetes. A associação desses instrumentos não foi aleatória. Eles foram se unindo conforme suas semelhanças quanto à intensidade produzida, num processo de combinação associativa natural motivada por suas propriedades sonoras. Posteriormente, foram classificados em instrumentos da “música alta” e “música baixa”. Os instrumentos de “música alta” (em francês, alta musique166, no sentido de intensidade forte, sonora) eram as charamelas, trompetes, sacabuxas, tambores e demais em oposição aos instrumentos de “música baixa” (em francês, basse musique, no sentido de música de intensidade fraca, “suave”167). Os instrumentos “música baixa” eram as flautas, as harpas, as violas ou os violinos, os saltérios. Por causa de sua sonoridade potente, os instrumentos “altos” tocavam preferencialmente em espaços externos, ao ar livre, enquanto que os instrumentos “baixos”, em espaços internos, fechados. Essa “preferência” sonora das bandas em atuar em espaços abertos passou a ser uma característica predominante desses conjuntos; já os instrumentos “baixos”, especialmente os de arcos friccionados, produtores de menor intensidade sonora, fizeram dos espaços fechados seu locus “preferencial” de atuação. As pequenas bandas de “música alta” eram comuns em vários lugares da Europa168. Eram formados por menestréis regularmente empregados pelas cidades e cortes com patrocínios em longo prazo. Contratos e regulamentos que sobreviveram até os dias de hoje demonstram que muitos músicos eram independentes, trabalhavam por conta própria e 164 Esse mesmo instrumento recebeu denominações diferentes nas diversas línguas: em inglês, o instrumento se chamou shawn ou wait; em alemão, de schalmey ou pommer; em francês, chalemelle, [chalemie] ou hautbois; em espanhol, chirimia. Em Portugal e no Brasil, esse instrumento recebeu o nome de “charamela”, indicando os modelos mais agudos. O termo “bombarda”, representando os modelos graves, não aparece nas fontes portuguesas, embora seja comum sua designação nos outros países (MONTEIRO, op. cit., 2010, p.11). 165 […] “highly sophisticated performance tradition”. POLK, Band: before 1600, op. cit. 166 Do latim alta – alto (a) e do francês musique – música. 167 BROWN, Howard Mayer; POLK, Brown. Alta (i). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. 2015. 168 Na Inglaterra, eram chamados de Waits; na Alemanha, de Stastpfeifer e, na Itália, de Piffari. BROWN; POLK, op. cit. Observando a iconografia da época é possível constatar que essas pequenas bandas eram compostas de quatro a seis instrumentos. 63 formaram organizações civis, confrarias e irmandades para prover os recursos de seus empregos169. Em Portugal, os instrumentos de sopro estiveram presentes nas diversas cerimônias (políticas, religiosas, diplomáticas e de entretenimento) do século XVI. A documentação refere-se especialmente a conjuntos de charamelas e trombetas, incluindo também flautas, tambores, atabales170. A quantidade numérica era variada. Muitos desses conjuntos participaram de eventos régios, especialmente em banquetes, dentro de espaços fechados. Mesmo sendo interessante o fato de instrumentos de forte intensidade tocarem em locais fechados, levando em consideração que o volume sonoro destes instrumentos se torna mais intenso nestes espaços, existe referência a essa prática nas cortes europeias e também na portuguesa171. Foi durante a segunda metade do século XVII e início do XVIII que a banda de música sofreu um impacto transformador em sua história. Neste período os construtores de instrumentos em Paris começaram a realizar transformações fundamentais nos modelos usados no período renascentista. O antigo conjunto típico da Renascença formado pela charamelas e sacabuxas foi substituído pelo conjunto formado pelos modernos oboés (também chamado de hautbois pelos franceses) e fagotes. No reinado de Louis XIV, na França, apareceu o conjunto chamado de Les Grands Hautbois formados por 12 instrumentistas de oboés e fagotes172. Com o sucesso dessa banda, esse grupo foi imitado em outras cortes na Europa. Com isso, o oboé francês foi adotado em outros países, especialmente na Alemanha e na Inglaterra. A instrumentação mais comum da banda Hautboisten173 foi dois oboés sopranos, um oboé tenor chamado taille e um fagote174, podendo também aparecer em número de seis instrumentistas variando a 169 BROWN; POLK, Alta (i), op. cit. 170 Em seu trabalho de dissertação, Maria Isabel Monteiro elenca os instrumentos de sopro descritos nas fontes portuguesas não musicais referentes ao período do século XVI, encontrados tanto em Portugal quanto em suas colônias. Além dos especificados acima, inclui ainda a sacabuxa, o par de pífaro e tambor, os quais são relacionados em conjunto à corneta, ao baixão, às doçainas, às cornamusas, aos cromornes ou orlos, bem como outros instrumentos que não se conhecem tradução na língua portuguesa, como Rauschpfeifen ou Racketten (MONTEIRO, op. cit., 2010, p.4-22). 171 MONTEIRO, op. cit., 2010, p.39-47; 82-87. GÓIS, Damião de. Crônica de Dom Manuel apud MONTEIRO, op. cit., 2010, p.41. 172 WHITWELL, David. A Concise History of Wind Band. Austin: Whitwell Publishing, 2010, p.149. 173 Nome dado a esse conjunto na Alemanha numa clara mistura do termo francês com alemão. RHODES, Stephen L. The Baroque Wind Band. In: A History of the Wind Band. Nashville: Lipscomb University, 2007, p.3/20. 174 Idem. 64 quantidade de oboés sopranos (3), taille (1) e fagotes (2)175. Segundo David Whitwell, o grupo Hautboisten foi um conjunto tanto militar quanto civil, presente em concertos nas cortes. Com o acréscimo das trompas ao grupo dos oboés e fagotes, esse novo agrupamento desenvolverá o grupo chamado Harmoniemusik176. Durante o século XVII e XVIII acontecerá um aumento do número de integrantes das harmoniemusiks civis com a presença cada vez maior desse conjunto nas diversas atividades urbanas nos jardins públicos, nos serviços religiosos, nos bailes públicos e privados, nas festas e concertos. Por causa dessa diversidade de atividades, os músicos das cidades desenvolveram a habilidade de tocar vários instrumentos (tanto de sopros quanto de cordas), conhecedor de um vasto repertório que abrangia desde peças de dança até concertos e sinfonias. Em fins do século XVIII, a estrutura social que sustentava esses grupos foi mudando, e muitas bandas civis em diversos países desapareceram177. A mudança dessa forma de patrocínio e de aprendizagem ajudará a fortalecer as bandas militares e sua propagação no século XIX. Aparentemente, as primeiras referências sobre bandas brasileiras foram encontradas pelo musicólogo Renato Almeida por meio de um relato de um francês - Pirard de Layal - que visitou a Bahia em 1610 e testemunhou a presença de uma “banda” de 30 escravos negros, na qual o regente era um nativo da França. Logo em seguida, menciona que a respectiva “orquestra” estava a acompanhar uma “massa coral”. No relato do francês, transcrito por Almeida, é notória a fluidez do termo “banda” e “orquestra” significando apenas um conjunto musical sem especificação clara dos instrumentos componentes178. Existiram várias bandas de charameleiros (ou choromeleiros179) no Brasil colonial, que, segundo o musicólogo pernambucano Jaime Diniz, foram introduzidas nas festividades de Nossa Senhora do Rosário pelos portugueses. A notícia mais antiga de 175 De acordo com David Whitwell vários exemplos dessa segunda instrumentação, com variantes na quantidade de instrumentos e presença de voz, podem ser encontrados em uma biblioteca privada na Alemanha datadas de c.1709, 1720, 1723. WHITWELL, op. cit., 2010, p.151. 176 WHITWELL, op. cit., 2010, p.151. 177 WESTON; Stephen J.; PAGE, Janet K. Band (i): Civic and church bands. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso: 03 jul. 2015. 178 ALMEIDA, Renato. História da Música Brasileira, 1942, p. 291 apud KIEFER, Bruno. História da Música Brasileira: dos primórdios ao início do século XX. 4. Ed. Porto Alegre: Movimento, 1977, p.14 (Coleção Luís Cosme, v. 9). 179 “Choromelleyro” ou “choromeleiro”, “charamelleyro” ou “charameleiro” são os nomes que se dão aos tocadores de charamela ou choromela. 65 charameleiros em Recife data de 1709, na documentação da Irmandade de Nossa Senhora dos Pretos. Nessa festa, descreve-se a presença de coros de música e a presença desses conjuntos na porta da Igreja180. Os “ternos de charamelas” ou simplesmente as “charamelas” eram grupos formados de instrumentos de sopro e de percussão. Além das charamelas, podiam-se agregar também trompas, trombetas, atabales, clarim e flautas181. Kiefer acrescenta também a marimba como um instrumento tocado pelos negros182. Além das solenidades da Igreja, os “ternos” tocavam nas festas populares e nos regimentos militares de Recife183. Eram formados principalmente de negros184 e miscigenados185, escravos ou libertos. Nas cidades de Mariana e de Vila Rica (atual Ouro Preto), em Minas Gerais, os grupos de charameleiros eram abundantes, tocando nas procissões e nos atos públicos em geral. Segundo Curt Lange, era sinal de “bom tom e distinção ter negros choromelleyros no inventário duma casa de gente abastada”186. No Pará, Vicente Salles descreve que os senhores de engenho da região acumulavam riquezas e grande escravaria e que possuíam escravos charameleiros que animavam as festas187. Existe uma controvérsia sobre esses grupos de charameleiros e a “música de barbeiros” serem os mesmos conjuntos. O historiador Aldo Luiz Leoni estabelece uma relação de igualdade entre os dois grupos na cidade de Vila Rica do século XVIII188. Para Cravo Albin e José Ramos Tinhorão, a “música de barbeiros” foram conjuntos característicos do século XIX, uma prática musical urbana pioneira e que, segundo Tinhorão, encontrada somente no Rio de Janeiro e na Bahia189. Segundo Melo Morais Filho e Cravo Albin os grupos tocavam lundus, dobrados, quadrilhas, fados, fandangos e 180 DINIZ, Jaime C. Músicos pernambucano do passado, 1971, p.28 apud KIEFER, op. cit., 1977, p.14. 181 DINIZ, op. cit., 1971, p.49 apud KIEFER, op. cit., 1977, p.15; LEONI, Aldo Luiz. Os que vivem da arte da música – Vila Rica, século XVIII. 2007. 192f. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, 2007, p.124, NR. 343. 182 KIEFER, op. cit., 1977, p.15. 183 DINIZ, op. cit., 1971, p.49 apud KIEFER, op. cit., 1977, p.15. 184 KIEFER,op. cit., 1977, p.14-15. A ausência da indicação dos “mulatos” e dos miscigenados nas bandas de música e nos “ternos de charamelas” por Bruno Kiefer sugere que a visão do autor sobre a escravidão relacionava-se apenas ao cativeiro de negros, ideia contestada por uma historiografia atual sobre a escravidão (PAIVA, op.cit., 2012; MARQUES, op. cit., 2013; SCHWARCZ, op. cit., 1994). 185 MONTEIRO, Maurício. Música e mestiçagem no Brasil. Nuevo Mundo. 2006. Disponível em: . Acesso em: 08 set. 2012. 186 LANGE, Francisco Curt. A organização musical durante o Período Colonial Brasileiro. 1966, p. 42 apud KIEFER, op. cit., 1977, p. 15. 187 SALLES, Vicente. Quatro séculos de Música no Pará, 1969, p. 25 apud KIEFER. op. cit., 1977, p. 15. 188 LEONI, op. cit., 2012, p.20. 189 DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Música de Barbeiro. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2015. TINHORÃO, José Ramos. Música de Barbeiro (estudo com bibliografia). In: Música popular: um tema em debate. 3 ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora 34, 1997, p. 127-144. 66 chulas nas festas e nas procissões como forma de entretenimento190. Para Leoni, os grupos de “charameleiros” e “barbeiros” eram geralmente formados por negros e miscigenados, escravos e livres que eram músicos191. No livro “Memórias de um sargento de milícias”, escrito entre 1852 e 1853, o autor Manuel Antônio de Almeida (1831-1861) retrata a cidade do Rio de Janeiro e seus costumes passados “no tempo do rei”192, nas décadas de 1810-1820. O livro narra algumas passagens que demonstram ser comum nas festas do período a presença da “música de barbeiros”, reproduzindo na escrita sua impressão sonora e visual acerca desse ambiente: Dispuseram-se as coisas; postou-se a música de barbeiros na porta da igreja; andou tudo em rebuliço: às nove horas começou a festa. As festas daquele tempo eram feitas com tanta riqueza e com muito mais propriedade, a certos respeitos, do que as de hoje: tinham, entretanto, alguns lados cômicos; um deles era a música de barbeiros à porta. Não havia festa em que se passasse sem isso; era coisa reputada quase tão essencial como o sermão; o que valia porém é que nada havia mais fácil de arranjar-se; meia dúzia de aprendizes ou oficiais de barbeiro, ordinariamente negros, armados, este com um pistão desafinado, aquele com uma trompa diabolicamente rouca, formavam uma orquestra desconcertada, porém estrondosa, que fazia as delícias dos que não cabiam ou não queriam estar dentro da igreja193. É de se entender que o “lado cômico” a que se refere o autor está ligado diretamente ao contexto da personalidade do pequeno Leonardo, personagem principal do livro, e à descrição do narrador do texto sobre esse episódio específico, na qual a sonoridade “desafinada”, “desconcertada” e “diabolicamente rouca” dos instrumentos não deve ser atribuída como uma regra geral para toda a “música de barbeiros”. Além de testificar a presença desse grupo no começo do século XIX no Rio de Janeiro, a passagem suscita informações sobre o número de instrumentistas (em torno de seis), de seus instrumentos (trompa e pistão = piston - família do trompete), sobre o espaço de atuação (festas) e as pessoas que nele tocam. A estima pela presença desses grupos nas festas era tão grande, que sua importância foi colocada pelo escritor quase no mesmo nível dos sermões nas missas católicas – “quase tão essencial como o sermão”. Nos diversos autores que Tinhorão cita em seu livro Música popular: um tema em debate, com o objetivo de comprovar a existência da “música dos barbeiros”, sobressai 190 MORAIS FILHO, Melo. Festas e tradições populares do Brasil. Rio de Janeiro: H. Garnier, 1901, p.168 apud TINHORÃO, op. cit., 1997, p. 128-129; DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. op. cit., [?]. 191 LEONI, , op. cit., 2012, p.20; LEONI, op. cit., 2007. 192 ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2013, p. 10, 33. 193 Idem, p. 95. 67 uma maior flexibilidade na composição instrumental desse grupo que os dos “ternos de charameleiros”. Para o memorialista carioca Vieira Fazenda, o conjunto era formado de flauta, cavaquinho ou rebeca (ou rabeca); para Martins Pena, de duas violas, um tambor e um pandeiro; para o pintor Debret, violão e a clarineta194. Por não possuir uma instrumentação padronizada ou pelo menos um instrumento que estivesse sempre presente no grupo, a escolha pela denominação “música de barbeiros” sugere que tenha sido o ofício a característica que os uniu. Tinhorão faz relação entre esse grupo de música urbana e os instrumentos usados (flauta, cavaquinho e violão) para propor a origem dos grupos de choros, quando do desaparecimento da “música de barbeiros” em fins do século XIX195. Para além da presença da “música de barbeiros” no Rio de Janeiro e na Bahia, devemos notar que a capitania de Minas Gerais do século XVIII possuía ricas vilas repletas de irmandades e confrarias de negros e miscigenados com seus conjuntos musicais196. Segundo Monteiro, a atividade musical em Minas foi uma forma de ascensão social principalmente entre os miscigenados197. Kiefer aponta que as causas e as motivações para esse “extraordinário desenvolvimento da vida musical” foi a mineração do ouro e, posteriormente, a de diamante198. A historiadora Betânia Figueiredo menciona a presença de cirurgiões- barbeiros em Belo Horizonte em documentos de 1900. Faz um estudo sobre as relações desses dois ofícios, afirmando que a profissão de cirurgião é descendente do barbeiro. Baseada em documentação de levantamento censitário de 1832 e 1871, descreve que praticamente todos os barbeiros atuantes na província de Minas Gerais eram homens pardos ou negros, livres ou escravos199. A presença de cirurgiões-barbeiros remonta à Idade Média. Ralph Major, em seu livro “A História da Medicina”200, menciona guildas, corporações de ofícios formadas por cirurgiões-barbeiros na Inglaterra, antes de 1300. Se a associação dos barbeiros com a música também remonta dessa época, o texto não refere. No livro de ficção intitulado O Físico de Noah Gordon, ambientado na Inglaterra do 194 TINHORÃO, op. cit., 1997, p. 130-136. 195 Idem, p. 130. 196 LEONI, op. cit., 2007. 197 MONTEIRO, op. cit., 2006, não paginado. 198 KIEFER, op. cit., 1977, p.31. 199 FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. Barbeiros e cirurgiões: atuação dos práticos ao longo do século XIX. História. Ciências, Saúde-Manguinhos, v.6, n.2, p. 277-291, 199. ISSN 1678-4758. Disponível em: Acesso em: 16 jul. 2015. 200 MAJOR, Ralph H. Surgery in England. In: A history of medicine. 2 v. Springfield: Charles C Thomas Publisher, 1954, p. 452. 68 século XI, o autor sugere que o garoto Rob Cole, ao se transformar em aprendiz de Barber, nome do personagem que era barbeiro-cirurgião, ensina ao jovem os dois ofícios e aprende a ser malabarista e a tocar corneta: Às vezes chegavam a um lugar onde garotos da sua idade brincavam no rio ou riam e se divertiam e Rob sentia falta da sua infância. Mas já era diferente deles. Algum daqueles garotos já havia lutado com um urso? Podiam fazer malabarismo com quatro bolas? Sabiam tocar a corneta saxônica?201 O personagem Fígaro da ópera “Barbeiro de Sevilha” de Gioachino Rossini (1792-1868) canta seu ofício como um faz-tudo da cidade, aquele que corta cabelo, mas também que aplica sanguessugas: “Largo al factotum della città (…) per un barbiere di qualità (…) Pronto a far tutto, la notte e el giorno (…) Qua la parruca…presto la barba; Que la sanguigna …presto il biglietto (…) sono il factotum della città”202. Mediante o exposto, é possível dizer que alguns “ternos de charameleiros” em Minas Gerais tenham tido cirurgiões-barbeiros, ou que estes tenham formado seus próprios grupos de músicos-barbeiros. Tanto os “ternos de charameleiros” quanto a “música de barbeiros” são representativos de conjuntos musicais nos quais músicos negros e miscigenados, escravos ou livres se envolveram durante o período colonial. A presença de afrodescendentes na banda de música da polícia do Ceará, caracterizada por uma maioria miscigenada, foi reflexo dessa “tradição” de conjuntos musicais que remonta ao século XVII no Brasil. O aparecimento dos pequenos conjuntos musicais militares durante o período colonial brasileiro foi precedido pela presença de músicos tocadores de tambores, timbales, clarins, trombetas e pífanos. Estes instrumentistas faziam parte da organização militar portuguesa estruturada sob a forma de Terço203, a qual foi adotado no Brasil nos tempos da colônia. Mesmo tendo os tambores, timbales, clarins, trombetas e pífanos exercido a função de comunicação nas organizações militares desde a Antiguidade, foi 201 GORDON, Noah. A casa em Lyme Bay. In: A epopéia de um médico medieval. 16. ed. Ed. Editora Rocco, p. 60. 202 A ópera de Rossini estreou em 1816 e foi baseada no segundo livro da “Trilogia do Fígaro”, do autor teatral francês Pierre-Augustin Caron de Beaumarchais. O drama cômico se passa em Sevilha do século XVIII. ROSSINI, Gioachino. Il Barbieri de Siviglia (Libreto). Lisboa: Teatro Nacional de São Carlos, 2006. 203 A primeira organização do Exército permanente de Portugal se deu no ano de 1643, estruturado sobre o modelo do Terço espanhol, formado por no máximo 1000 homens, no qual representava a terça parte do Regimento alemão formado por até 3000 homens. O Terço de infantaria português apresentava um número mais flexível. Com a reorganização militar de D. João V (1707) o terço foi substituído pelo Regimento de modelo francês (COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012, p.128-129; SOUSA, Pedro Marquês. A instituição militar na História e na Cultura luso- brasileira no século XIX: a história da música militar. 2006. Dissertação (Mestrado em História e Cultura do Brasil), Universidade de Lisboa, Lisboa, 2006, p.24-26). 69 apenas a partir do século XVI e XVII, com a estruturação das modernas táticas militares de guerra, que essas funções passaram a ter a característica operacional e estruturada de “transmissão de ordens e coordenação rítmica dos movimentos e ações táticas”204. Os toques realizados pelos instrumentos significavam sinais e ordens de movimentos aos soldados, representando mensagens sonoras codificadas205. Entre os “instrumentistas de sinais”, havia aqueles que eram destacados como o principal, o chefe do naipe, designados pelo sufixo “mor” e tinham soldos diferenciados dos outros de sua classe. Quanto aos conjuntos instrumentais, a música militar antes da chegada de D. João no Brasil em 1808, restringia-se inicialmente aos pequenos grupos de charamelas, baixo e tambores (com algumas variantes instrumentais) e a organização musical estabelecida nos Terços (tambores, címbalos, trombetas, clarins e pífaros)206. Renato Almeida faz referência a uma banda do Exército em Pernambuco já no ano de 1645 formada “com clarins, charamelas e outros instrumentos belicosos”207. Em Minas Gerais, Curt Lange menciona que a “música” (banda ou capela militar) existente no Regimento de Dragões (Regimento Regular de Cavalaria), no Regimento de Linha (tropa paga) e nos Terços auxiliares era formada somente por mulatos livres e que o tambor era geralmente tocado por “preto escravo”208. Em fins do século XVIII e início do século XIX, além do Rio de Janeiro, Binder descreve a presença de pequenos grupos instrumentais nos regimentos militares de outras cidades, como Bahia, Recife, Olinda e Paraíba (atual João Pessoa)209. No regimento de linha da “cidade da Paraíba”, em 1809, a instrumentação constava de dois pífaros, duas clarinetas, duas trompas, um fagote e uma zabumba,210 com oito músicos no total. 204 SOUSA, Pedro Marquês. Toques de ordenança militar. Parede (Portugal): Tribuna da História / Princípia Editora, 2013, p. 15. 205 Na Inglaterra, os regulamentos do Exército do século XIX introduzem os termos “instrumentos de sinal” ou “instrumentos de comando” para designar esses instrumentistas diferenciando-os dos músicos de banda. Por razões práticas, mas não exclusivas, os tambores eram empregados principalmente nas tropas de infantaria (soldados a pé) e, nas unidades de cavalaria, os diversos instrumentos da família do trompete. Um bom número de música programática composta por músicos “eruditos” tomaram de empréstimo esses códigos musicais contidos nos sinais que eles convencionaram. HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.17- 18. 206 SOUSA, op., cit., 2006, p.39. 207 ALMEIDA, Renato. História da Música Brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: F. Briguiet e Cia, 1942, p.292 apud KIEFER, op. cit., 1977, p.17. 208 LANGE, Curt. A organização Musical durante o Período Colonial Brasileiro. V Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros. Coimbra: [s.e], 1966, p.21 apud KIEFER, op. cit., 1977, p.17. 209 BINDER, op. cit., 2006, p. 24-32. 210 PEREIRA DA COSTA, Francisco Augusto. Anais pernambucanos, 2004, p.121, v.7 apud BINDER, op. cit., 2006, p. 28. 70 2.3 AS BANDAS MILITARES: SUA “HISTÓRIA” E CARACTERÍSTICA ENQUANTO “FENÔMENO MUSICAL” DO SÉCULO XIX. A existência de práticas musicais presentes nas corporações militares pode ser observada desde a Antiguidade. A iconografia mais antiga sobre o tema comprova a existência de instrumentos de sopros e de percussão em associação com as representações militares211. Contudo, somente a partir do século XVI e XVII é que os tocadores de tambores, timbales, clarins, trombetas e pífaros passaram a ter uma função estratégica militar de codificar sinais. Ao ser incluídos na estrutura militar eles começam a ser agrupados. A designação de banda militar só irá acontecer no século XIX quando a música militar é estruturada e sistematizada na vida dos regimentos212. O estabelecimento da banda de música militar como se organiza no século XIX é decorrente da circulação dos instrumentos musicais em diferentes Estados europeus. Os contatos militar e diplomático travados entre alguns países fizeram com que muitos instrumentos criados ou usados em um determinado país fossem sendo conhecidos, difundidos, incorporados e remodelados nos outros países por onde esses contatos aconteceram. É o caso do exército francês, que, durante o reinado de Luís XIV (1643-1715), usou o modelo de banda originalmente adotado pelos Guardas dos Dragões de Brandeburgo da Alemanha em 1646, no fim da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). A banda era formada por charamelas (dois sopranos, um tenor com um baixão) mais os tambores213. Outro exemplo dessa circulação foi o caso do oboé, criação francesa designada por hautbois. Ele foi adotado na Companhia dos Mosqueteiros na França, em torno de 1665. No início dos 1700, ele já foi incorporado nas bandas militares da Alemanha, Áustria e Inglaterra. Gradualmente, foi substituindo as charamelas. Como o uso do termo hautbois serviu para denominar tanto a charamela quanto o oboé, ficou 211 No livro de Meira e Schirmer, os autores descrevem vários exemplos de instrumentos de sopro e percussão e algumas de suas imagens existentes na Antiguidade e que ainda hoje podem ser vistas em utensílios das civilizações antigas dos romanos, gauleses, egípcios, chineses, persas, entre outros, expostos em museus de países europeus como Alemanha, Copenhague e França (MEIRA; SCHIRMER, op. cit., 2000, p.14-18). 212 SOUSA, op.cit., 2006, p.16-17. 213 No texto em inglês, a banda mencionada é formada por “shawms (two treble and one tenor, with a dulcian for the bass) and drums”. Em Portugal, o instrumento dulcian, traduzido como “dulciana”, não é mencionado em documentos do século XVI. Em seu lugar, é usado o termo “baixão”. Binder traduz esse instrumento também por “baixão” (PAGE, Janet K. Band (i): Military music. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 15 out. 2014; MONTEIRO, op. cit., 2010, p. 26; BINDER, op. cit., 2006, p. 15-16, volume 1). 71 difícil, em alguns casos, precisar que instrumento a música estava indicando. Dessa forma, tornou-se incerto dizer quanto tempo as charamelas e os novos instrumentos transicionais permaneceram em uso no exército francês214. Um dos contatos mais marcantes para a constituição da banda de música foi o estabelecido pela banda turca dos Janízaros. Essa banda representava a tropa de elite do Sultão do Império Otomano e provocou uma grande impressão nos exércitos europeus durante as guerras do século XVII e as da primeira metade do século XVIII. Na primeira metade do século XVIII, a banda militar, bem como a civil, ainda era formada por um grupo pequeno de instrumentistas, aumentando do número anterior de quatro principalmente para seis, podendo ser vistas bandas de cinco e de oito instrumentistas. A combinação instrumental também foi bastante variada nesse período, com os oboés tomando o lugar das charamelas e as trompas estabelecendo-se no lugar dos oboés tenores. Na Inglaterra, o trompete foi incluído em lugar das trompas215. Na segunda metade do século XVIII, a influência turca se fez sentir nas bandas europeias que passaram a incluir o bombo e, mais tarde, os pratos e o triângulo usados nas bandas turcas. No fim do século XVIII, acrescentou-se ainda o chapéu chinês, também chamado de árvore de sinos ou pavilhão chinês (entre outros nomes descritos no Brasil)216. A percussão turca chamava a atenção dos europeus, porque era geralmente tocada por mouros ou negros vestidos de forma exótica e com gestos extravagantes. Por volta dos anos de 1780, a “banda turca” representou um grupo formado por instrumentos de sopro europeus mais a percussão e o pífaro217. A banda turca dos janízaros promoveu uma transformação na constituição instrumental da banda de música no século XVIII e seguinte. Sua presença nos ajuda a constatar a existência do trânsito e das trocas culturais que se processou no mundo e integrou os povos de forma planetária desde o século XV. 214 PAGE. Band (i): Military music, op. cit. 215 Idem. 216 PAGE. Band (i): Military music, op. cit. Esse instrumento recebe também o nome em inglês de turkish crescent por apresentar em sua armação uma meia lua, representativa da antiga “bandeira de Maomé”, o “crescente” islâmico. Pode receber ainda a denominação de jingling-johnnie, belltree; chapeau chinois em francês, schellenbaum ou schüttelbaum em alemão; “bambulum” ou “campainhas” pelos portugueses. Meira e Schirmer fazem referência a um decreto brasileiro de 1810 em que o instrumento já aparece mencionado (MEIRA; SCHIRMER, op. cit., 2000, p. 22-24). 217 PAGE. Band (i): Military music, op. cit.. A influência Janízara permaneceu até o século XX, com o uso dos percussionistas de vestimentas de pele de tigre ou leopardo utilizando baquetas ornadas, além das liras, instrumentos presentes nas marching bands. 72 “A ideia de trânsito [...] se entende [como] resultado de intercessões, e também distensões entre partes, tradições, práticas e concepções muito distintas”218. O século XIX, particularmente sua segunda metade, foi fortemente marcada pela influência das bandas militares sobre o contexto sócio musical do período. Ao estudar a música militar britânica no Oitocentos, Trevor Herbert e Helen Barlow descrevem a existência de um fenômeno quanto a presença e influência das bandas militares no Reino Unido e que também se espalhou pela Europa Continental e América do Norte219. A influência militar britânica sobre a atividade musical da região pode ser observada desde os últimos decênios do século XVIII, quando a música militar foi vista inicialmente como uma forma de patrocínio ligado ao entretenimento de oficiais. Os autores mencionam que a presença das bandas de música no exército britânico foi consequência de uma tradição típica de patrocínio aristocrático da música. Nesse caso, o patrocínio partia dos próprios oficiais do exército que demonstravam interesse em possuir bandas de música para seu próprio entretenimento no momento das refeições que ocorriam no refeitório dos quartéis e nas guarnições. Essa prática foi um legado oriundo de um tipo de entretenimento aristocrático que decorria em espaços fechados, um tipo de música de divertimento chamado tafelmusik (música de mesa) oriunda de uma prática originária na Áustria e Alemanha da qual os grupos de harmoniemusik tocavam220. Eram os próprios oficiais que pagavam esses conjuntos221. Assim, a introdução das “bandas de música” no exército britânico não partiu de uma necessidade estrutural militar, mas do desejo dos oficiais por entretenimento. Era um conjunto privado. A ideia de possuir uma banda de música nos regimentos estava ligada à crença de quanto o lado estético e artístico dessa arte poderia acrescentar à vida dos membros militares e o quanto a sua presença tornava a imagem da vida militar mais atrativa222. 218 PAIVA, Eduardo França. Trânsito e mobilidade entre mundo: escravidão globalizada, comércio e práticas culturais. In: FURTADO, Júnia Ferreira (org.). Sons, formas, cores e movimento na modernidade Atlântica: Europa, Américas e África. São Paulo: Annablume: Belo Horizonte: Fapemig; PPGH-UFMG, 2006, p. 482 (Coleção Olhares). 219 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 2. 220 Idem, p.45. UNVERRICHT, Hubert. Tafelmusik. Grove Music Online. Oxforf Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2017 221 HERBERT; BARLOW, op. cit, 2013, p.38. Esse costume dos próprios oficiais pagarem para terem uma banda de música no seu regimento passou para as tropas de Portugal e chegou até o Brasil, onde foi estabelecido por lei que oficiais e praças teriam uma parte de seu soldo descontado compulsoriamente para manter a banda de música. Isso prevaleceu nas bandas do exército, Polícia Militar e Guarda Nacional durante o segundo reinado. Esse assunto será retomado posteriormente. 222 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.38-41. 73 Posteriormente, a banda de música foi utilizada com função de recrutamento. Os conjuntos militares passaram a representar valores simbólicos de patriotismo e de sentimentos de pertença a uma nação atraindo músicos para as fileiras militares. O aumento do número de músicos proporcionou um aumento quantitativo e qualitativo dos instrumentos, passando os grupos a servirem como espaços de empregabilidade, causando um forte impacto sobre a profissão musical inglesa que proporcionou o desenvolvimento e a sustentação de uma infraestrutura comercial. Esse desenvolvimento comercial esteve ligado ao aumento do número de construtores de instrumentos de sopros, que fizeram alterações significativas nos instrumentos já existentes e passaram a inventar novos modelos, ao mesmo tempo em que houve um aumento do número de composições voltadas a esse grupo. Podemos citar ainda as questões culturais e estéticas que a banda militar influenciou como o tipo de repertório tocado, a circulação desse tipo de música223. O uso da banda de música militar para questões de atração para o recrutamento, lugar de exercício da profissão de músico, e outras que orbitaram ao seu redor como o aumento do número de construtores de instrumentos e consequente criação de novos instrumentos de sopro, aperfeiçoamento dos antigos, expansão de composições próprias ou transcritas para banda, não foram características encontradas somente no Reino Unido. A presença das bandas militares e sua influência sobre a música do século XIX foi um acontecimento mais amplo que pode ser observado tanto nos países da Europa quanto nos Estados Unidos e também no Brasil224. A amplitude dessa influência é caracterizado por Herbert e Barlow como um fenômeno enquanto acontecimento global e está relacionado a dois fatores: primeiro “a mudança política e cultural que ocorreu no fim do século XVIII” que traz um novo ímpeto aos exércitos permanentes compreendidos “como componentes integrantes da autoridade do Estado”; segundo, com o declínio dos “modelos de patrocínio aristocrático musical” e dos sistemas de aprendizagem de música tradicional patrocinado por estes espaços de patrocínio aristocrático que gera um “leve fluxo de músicos habilitados” que acaba por criar uma “diminuta comunidade profissional musical”225. Os declínios dos modelos de patrocínio musical das cortes e de 223 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 196. 224 O livro de Reily e Brucher é bastante ilustrativo dessa influência global das bandas de música. Conferir: REILY, BRUCHER, op. cit., 2013. 225 “[…] firstly, political and cultural change during the late eighteenth century gave new impetus for standing armies to be perceived as integral components of state authority. Secondly, at the same time and for related reasons, the older models of aristocratic musical patronage declined, along with the apprenticeship systems, usually among long-established musical dynasties, that generated the gentle flow of skilled musical practitioners that was needed for what was a relatively small music profession”. (HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.2). 74 aprendizagem musical acabaram por favorecer as bandas de música militares. Vai recair sobre os militares a função de patrocinar a vida musical e sua aprendizagem. O aumento do número de bandas militares e de sua quantidade numérica fez com que surgisse a necessidade de ser ter músicos habilitados o que proporcionou a criação de escolas de música. Em 1792, surgiu a primeira Escola Militar na França com o objetivo de prover músicos habilitados para as bandas da Guarda Nacional francesa. Esta escola transformou-se, mais tarde, em 1795, no Conservatório Nacional de Música e Dança de Paris226. No caso da Inglaterra, as próprias bandas serviram inicialmente como espaços de formação. Somente em 1857 é que se criou a Military School of Music e que em 1887 transformou-se no The Royal Military School of Music. Essa escola passou a ser formadora de músicos e de regentes para as bandas militares do Exército Britânico e tornou-se responsável por prover os regimentos de executantes habilitados227. Durante todo o século XIX, proliferaram bandas militares em todo o mundo. Elas aumentaram o número de integrantes e de instrumentos. Nos Estados Unidos, cresceu o interesse por esses conjuntos. Nasceu, na segunda metade do século, John Philip Sousa (1854-1932), regente, maestro e compositor de marchas, que marcou a história das bandas americanas com suas atuações228. O Brasil do século XIX também acompanhou essa propagação mundial das bandas militares. Mesmo existindo as “bandas” de pequeno formato desde o século XVIII nos regimentos militares de algumas províncias brasileiras, foi com a chegada de D. João ao Rio de Janeiro em 1808 que a situação das bandas de música mudou. No período em que a corte portuguesa transferiu-se e permaneceu no Rio de Janeiro (1808-1821), algumas bandas militares portuguesas estabeleceram-se no Brasil. Com D. João veio a banda da Brigada Real da Marinha. Posteriormente, em 1816 chegou a banda da Divisão dos Voluntários Reais do Príncipe que possuíam duas Brigadas. Cada Brigada possuía sua própria banda formada por dois mestres e 16 músicos, num total de 38 músicos pelos dois grupos229. Em 1817, chegou a Divisão Auxiliadora formada por dois batalhões de infantaria e um batalhão de caçadores, cada unidade com sua banda de música230. Em 226 SOUSA, op,cit, 2006, p.22. 227 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.136-153. 228 Idem, p. 195; 237-239. 229SOUSA, op.cit., 2006, p.73-75. 230 BINDER, op. cit., 2006, p.35. 75 1817 também chegou a banda de música formada por austríacos e portugueses e regida pelo maestro Eduardo Neuparth vinda com a comitiva da princesa Leopoldina231. Durante sua permanência no Brasil, D. João regulamentou a presença das bandas militares nos regimentos brasileiros. No decreto de 1810232 determinou que houvesse em cada regimento do Rio de Janeiro uma banda de música composta de doze a dezesseis músicos. Isso representava a criação de quatro bandas, três no regimento de Infantaria e uma no Regimento de Artilharia233. Até aquele momento os grupos militares existentes no Brasil era formados de grupos pequenos com no máximo 8 instrumentistas234. Na Carta Régia que envia a província de Pernambuco de 1811, refere- se o quanto é “onerosa à […] Oficialidade” manter a banda de música do Regimento de Infantaria de linha de Recife passando a sua manutenção a ser feita pelo erário real referindo o já estabelecido decreto de 1810235. Para regulamentar a Divisão Auxiliadora é que D. João assinou o decreto de 11 de dezembro de 1817 que estabelecia que esta Divisão deveria haver uma banda de música em cada unidade conforme a Portaria assinada em Portugal de 1815. Neste decreto há a especificação dos instrumentos que deveriam formar a banda de música formada por até 10 músicos e 6 aprendizes. Pela primeira vez tem-se a descrição dos instrumentos. Além desses grupos militares, vieram ao Brasil bandas civis que acompanharam os aristocratas europeus de passagem pelo país como é o caso da banda que acompanhou o Duque de Luxemburgo em 1816. Além desses, não podemos deixar de mencionar os músicos escravos da Fazenda Real de Santa Cruz no Rio de Janeiro que formavam conjuntos também por lá236. No Brasil, após a Independência em 1822 e durante todo o século XIX, surgiram as bandas policiais que seguiam a estrutura militar do exército, além das já existentes, as bandas da Marinha e do próprio Exército. As bandas militares brasileiras influenciaram fortemente a música no país do período, abrindo espaço para uma demanda profissional de instrumentistas de sopro, de formação musical, de mercado de partituras e de instrumentos, de compositores, de música composta para a 231 SOUSA, op.cit., 2006, p.74. 232 DECRETO de 27 de Março de 1810 - Determina sobre as bandas de Musicas dos regimentos do Rio de Janeiro. Além da determinação da quantidade de músicos das bandas que devem constar nos regimentos militares este decreto menciona o fim do pagamento do soldo feito pelos oficiais e que passa a ser feito pela Coroa. que os oficiais 233 SOUSA, op.cit., 2006, p.73. 234 BINDER, op. cit., 2006, p.31. 235 BINDER, op. cit., 2006, p.29. CARTA RÉGIA de 26 de setembro de 1811. 236 BINDER, op. cit., 2006, p.42-43. 76 função militar, para entretenimento e incentivo na fundação de novos espaços de formação musical. 77 3 FORTALEZA NO SÉCULO XIX AO INÍCIO DO XX. A criação do Corpo Policial do Ceará em 1835 e de sua banda de música em 1854 inserem-se em uma trajetória histórica de transformações ocorridas no Ceará, e principalmente na cidade de Fortaleza, durante o século XIX. A criação desses dois corpos está diretamente relacionada com os acontecimentos políticos, econômicos e sociais da primeira metade do Oitocentos. A constituição do Corpo Policial objetivou a pacificação e a manutenção da ordem interna da província cearense a partir do início de século, um período marcado por vários conflitos internos. As forças militares policiais eram consideradas uma força do exército sob o comando do presidente do governo local. A banda de música, por sua vez, juntamente com a instituição policial, contribuiu como agente na aplicação de um “projeto civilizatório” concretizado em ações de “modernização” e “medicalização” da cidade e seus habitantes237. A atuação da banda da polícia não se resumiu, porém, a aplicação deste projeto. Examinando sua atuação por outra perspectiva, constata-se que ela contribuiu para o desenvolvimento cultural da cidade de Fortaleza de forma ativa e fundamental. A banda atuou nos vários ambientes culturais que foram surgindo na cidade, tanto nos espaços abertos (ao ar livre), quanto nos fechados (em espaços internos das casas, clubes, teatros). A sua atuação em eventos que marcaram a história da cidade transformou-a num elemento central da vida cultural da cidade. Sua presença ajudou a estimular o aparecimento de compositores locais que escreveram para a banda da polícia, ajudando a promover um mercado local de divulgação musical e de circulação de cópias e publicações de partituras, tanto locais quanto importadas de outras províncias e países. O conjunto policial contribuiu para criar uma demanda de compra e venda de instrumentos musicais de sopro e percussão, de livros e métodos musicais. Outro importante aspecto foi a contribuição que a banda deu ao processo de aprendizagem musical dos instrumentos de sopro e percussão que foi se implementando internamente na sua organização enquanto conjunto musical de uma instituição policial e militar. Todas estas questões inserem-se nas transformações pelas quais Fortaleza passou a partir da segunda metade do século. 237 COTTA, Francis Albert. Instituições policiais Luso-brasileiras. In: Breve História da Polícia Militar de Minas Gerais. 2 ed. Belo Horizonte: Fino Traço Editora, 2014, p.35-61. 78 A historiografia que estuda a região cearense classifica o século XIX como “o século de afirmação do Ceará”238. Essa assertiva é decorrente da constatação de que até a primeira metade desse período ainda não existia uma unidade político-administrativa chamada “Ceará”239. A fragmentação da região era fruto de uma herança colonial de subdivisão interna e de subordinação administrativa da capitania cearense. Compreender o processo de mudanças pelas quais a cidade de Fortaleza passou ao longo dos séculos XIX e início do XX é, portanto, situar a região no panorama de seus conflitos internos, no esforço da cidade em se tornar o real centro de convergência política, administrativa e econômica na província/estado, ligando todas estas questões ao desenvolvimento econômico, urbano e cultural pela qual ela atravessou no século XIX e primeiras décadas do XX. O objetivo da primeira e segunda partes é contextualizar a trajetória da cidade de Fortaleza na primeira metade do século XIX apontando as principais dinâmicas políticas, econômicas, urbanas e culturais. Descrevendo a cidade das décadas iniciais do século XIX é possível compreender de forma mais ampla as transformações pelas quais ela passou a partir da segunda metade do século, período em que surge a banda da polícia. Na terceira parte o foco é apresentar os principais aspectos econômicos, políticos, sociais que tiveram relevância para a transformação da cidade a partir da segunda metade do século XIX. Nesta parte, pretendemos ressaltar as questões que estiveram mais intimamente ligadas com a atividade da banda. É esta trajetória de mudanças na região que iremos enfocar neste capítulo e que nos ajudará a compreender a estrutura e a organização da instituição policial e de sua banda de música nos capítulos seguintes. 3.1 A TRAJETÓRIA POLÍTICA DO CEARÁ E A CENTRALIDADE URBANA DE FORTALEZA. Desde o início da colonização da capitania do Siará Grande240, em 1603, que a região não despertou nenhum tipo de atração por parte da coroa portuguesa, situação 238 SARAIVA CÂMARA apud CORDEIRO, Celeste. O Ceará na segunda metade do século XIX. In: SOUZA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. 4. ed. revisada e atualizada. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007, p.135. 239 OLIVEIRA, Almir Leal de. A Construção do Estado Nacional no Ceará na primeira metade do século XIX: autonomias locais, consensos políticos e projetos nacionais. In: Leis Provinciais: Estado e Cidadania (1835-1861). Compilação das Leis Provinciais do Ceará – comprehendendo os annos e 1835 a 1861 pelo Dr. José Liberato Barroso. Organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa. ed. Fac- similada da edição publicada em 1862. Fortaleza: INESP, 2009, p.17. Tomo I (Coleção Assembleia Histórica: Memória, Estado e Sociedade). 240 Siará Grande (e suas variações ortográficas) era o nome dado à província, posteriormente, estado do Ceará, no período colonial. 79 que não mudou muito nos dois séculos seguintes. Os portugueses consideraram a região uma capitania secundária, primeiramente anexa ao Maranhão (1621-1656) e, logo em seguida, a Pernambuco (1656-1799). Era vista sobretudo como uma capitania de passagem por onde circulavam, por suas estradas interioranas, produtos vindos de Portugal via porto pernambucano, interligando Pernambuco e Bahia às capitanias do norte, do Piauí e do Maranhão241. Internamente, a capitania estava dividida política e administrativamente em unidades independentes, as chamadas “ribeiras”242. Por mais que Fortaleza abrigasse os órgãos administrativos coloniais (o forte, o pelourinho, a casa de senado) e a residência do capitão-mor e das autoridades eclesiásticas, essa presença não representava centralização administrativa, nem mesmo econômica e social. Na realidade, a atividade econômica e o povoamento do território aconteciam sobretudo no interior da capitania243. Assim, se, por um lado, a desvinculação de Pernambuco em 1799 trouxe autonomia política, administrativa e econômica à capitania do Siará Grande; por outro lado, acentuou as diferenças e os conflitos internos. A primeira metade do século XIX caracterizou-se pela existência de vários conflitos no interior da província. Entre eles a disputa política em se tornar sede do poder da capitania, um debate estabelecido principalmente entre a vila de Fortaleza, que permaneceu como sede do poder administrativo depois de 1799, e a ribeira do Jaguaribe, com as vilas de Aracati, Icó e Crato, regiões economicamente fortes e ainda ligadas a Pernambuco. Para Fortaleza, ser considerada a capital representava o recebimento de benefícios financeiros e cargos políticos inerentes a uma sede de governo.244 O desejo de fazer de Fortaleza o centro das ações jurídicas, administrativas e econômicas era antigo. Desde 1783 que os camaristas solicitavam que a vila fosse sede do poder da capitania, ou seja, a “capital”. O principal argumento era o de que esta cidade já possuía os 241 FARIAS, Airton de. História do Ceará. 6ª ed. rev. e ampl. Fortaleza; Armazém da Cultura, 2012, p.21- 102. 242 As ribeiras estavam diretamente circunscritas às bacias hidrográficas dos rios que serviam de nome: a ribeira do Acaraú, no lado oeste da capitania, compreendia a bacia do Acaraú mais a região da Ibiapaba; a ribeira do Jaguaribe, na região leste da capitania, compreendendo a bacia hidrográfica do rio Jaguaribe e seus afluentes; a Ribeira do Siará, no litoral-centro, compreendendo os rios existentes nesta área (Ceará, Pacoti, Curu e Choró), região que pertencia as vilas de Aquiraz e Fortaleza. Na segunda metade do século XVIII, a ribeira de Jaguaribe subdividiu-se em ribeira do Icó e Jaguaribe (NOGUEIRA, Gabriel Parente. Fazer-se nobre nas fímbrias do Império: práticas de nobilitação e hierarquia social da elite camarária de Santa Cruz do Aracati (1748-1804). 2010. Dissertação (Programa da Pós-graduação em História Social), Departamento de História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010, p.28; OLIVEIRA, op. cit., 2009, p.17-18, v. 1). 243 FARIAS, op. cit., 2012, p.21-102. 244 FELIX, Keile Socorro Leite. “Espíritos inflamados”: a construção do Estado Nacional Brasileiro e os projetos políticos no Ceará (1817-1840). 2010. 231p. Dissertação (Pós-graduação em História Social) - Departamento de História, Centro de Humanidades, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010, p.14. 80 equipamentos administrativos necessários a uma sede de governo. A necessidade de crescer comercialmente ocorreria se Fortaleza pudesse negociar diretamente com a metrópole portuguesa sem passar por Pernambuco, fortalecendo assim o seu porto e enfraquecendo os portos do interior245. A superação das autonomias locais, assim como a constituição de uma província politicamente unificada, somente ocorrerá na segunda metade do Oitocentos, quando Fortaleza se torna a principal cidade da província, consequência direta do processo de Independência do Brasil e da construção do Estado Nacional brasileiro246. Contudo, essa centralização foi sendo construída ao longo da primeira metade do século XIX, ocasionada por diversas mudanças econômicas, administrativas, políticas, sociais, urbanas e culturais. Essas transformações iniciaram-se a partir do final do século XVIII, quando a economia cearense sofreu uma queda na produção pecuária e nas fazendas de charques, ao mesmo tempo em que ocorreu uma expansão da cotonicultura. Com o aumento da produção do algodão e da necessidade de escoar esse cultivo para o abastecimento do mercado externo, particularmente para a indústria têxtil na Inglaterra, os grupos econômicos e políticos de Fortaleza aliaram-se para pressionar Portugal a fazer escoar essa produção pelo porto da cidade, sem precisar passar pelo porto de Pernambuco247. Em 1810, os dados de comercialização do algodão demonstravam que os portos fluviais do interior (Aracati, Acaraú e Camocim, via bacia do Acaraú) escoavam a produção diretamente para Pernambuco e que nenhum deles o fazia para o exterior. Já o porto de Fortaleza, além de comercializar com Pernambuco, era o único que exportava a produção de algodão para países estrangeiros como a Inglaterra248. Para além da desvinculação político-administrativa da capitania de Pernambuco (1799) e da abertura dos portos brasileiros (1808), outras medidas beneficiaram Fortaleza e, pouco a pouco, o porto dessa cidade. A construção de um cais e um trapiche com fins de assegurar o embarque e o desembarque no porto; a concessão, em 1803, pela Coroa Portuguesa da isenção de impostos de 50% sobre as tarifas alfandegárias dos produtos exportados pela cidade; a instalação, em 1812, da Alfândega e da Junta da Fazenda, encarregada de arrecadar 245 FELIX, op. cit., 2010, p.31. 246 OLIVEIRA, op. cit, 2009, p.18-19. 247 Idem, p.20. 248 BRÍGIDO, João. A capitania do Ceará – seu commercio. Revista do Instituto do Ceará, tomo XXXIV, 1910, p. 181-182 apud FELIX, op. cit., 2010, p. 51. 81 impostos e a construção de estradas ligando Fortaleza ao interior da província reforçaram o poder aglutinador desta cidade249. Por outro lado, a política cearense da primeira metade do século XIX, foi marcada pela instabilidade, pelas disputas locais de poder e pelas divergências em relação ao processo de Independência do Brasil e seus modos de relacionar o poder local com o central250. Uma historiografia tradicional manteve a visão de que o Ceará assimilou de forma “natural” o projeto de centralização do Estado Nacional brasileiro, optando pelo “projeto da centralização do poder e da unidade do território nacional”251. Segundo a historiadora Keile Félix, estudos mais recentes sobre o assunto revisam essa concepção e tendem a argumentar que essa escolha foi fruto de um posicionamento político específico num período marcado pela instabilidade política e pela fluidez das convicções252. Divergências políticas e econômicas entre grupos oligárquicos locais organizados em volta de “parentelas dilatadas, reunindo interesses comuns, com poderes de milícias” e que mantiveram com relação ao “Estado e seus atos administrativos” uma atitude de “autonomia, ignorando ou se contrapondo aos poderes constituídos ou em vias de consolidação”253 deram origem, durante a primeira metade do século, a várias rebeliões no Ceará254. Tais grupos, para defenderem seus “princípios e interesses econômicos”, “pegavam em armas”, promoviam conflitos que muitas vezes “fugiam do controle do governo da capitania, depois província”255. Embora o período 1831 a 1834 tenha sido um dos mais conturbados na história política do Ceará, visto que as disputas entre imperialistas, regressistas e chimangos colocaram em perigo a “integridade da ordem monárquica no Ceará”, foi também fundamental para a configuração de um projeto político mais centralizado para a província256. Dentro da proposta de constituição do Estado Nacional brasileiro, a ideia sugerida por Diogo Feijó de criação das Assembleias 249 FARIAS, op. cit., 2012, p.104; 106. 250 FELIX, op. cit., 2010, p.11. 251 Idem, p.13. 252 Idem, p. 12-13. 253 OLIVEIRA, op. cit, 2009, p.19. 254 A Revolução de 1817 tinha a intenção de lutar contra a coroa de Portugal; a de 1824 – Confederação do Equador – pretendia ir contra o autoritarismo e o centralismo imposto por D. Pedro I. As duas revoltas tinham a liderança de Pernambuco e demonstravam a forte influência que esse estado ainda mantinha sobre o Ceará, mesmo após 1799. A Revolta de 1831 – Revolta Pinto Madeira - tinha por objetivo restaurar o trono ao D. Pedro I; a de 1834, iniciada no Maranhão – Balaiada –, queria a deposição do governo conservador. Esta propagou-se pelas províncias do Piauí e Norte do Ceará e perdurou até 1840. Também em 1840, outra luta se deu em Sobral contra o então presidente da província José Martiniano de Alencar (FARIAS, op. cit., 2012, p.110-150). 255 Idem. 256 OLIVEIRA, op. cit., 2009, p.22. 82 Provinciais teve como objetivo de prover as províncias de maior autonomia. Tal situação repercutiu positivamente na administração do então presidente da província Martiniano de Alencar (1834-1837/1840-1841). A constituição da Assembleia Provincial do Ceará, em 1835, contribuiu para gerar consensos no interior da província em torno daqueles que seriam futuramente identificados como partido liberal (Chimangos) e conservador (Caranguejos). A organização de partidos políticos e da estrutura provincial de poder contribuíram decisivamente para a superação da desagregação provincial257. Além dos aspectos econômicos e políticos, a cidade de Fortaleza passou por um conjunto de mudanças urbanas que fortaleceram esse processo de centralização. Um elemento material e simbólico que reforçou o poder militar da cidade foi a reconstrução em alvenaria do forte de Nossa Senhora da Assunção no governo de Inácio Sampaio (1812-1820), em torno do qual havia se dado a colonização da capitania258. Outro importante projeto proposto por Sampaio foi a elaboração do primeiro plano urbanístico de Fortaleza, no ano de 1818, pelo engenheiro português Antônio da Silva Paulet. Este plano destacou-se pela adoção de um traçado em xadrez com fins de vigilância e de ordenamento da expansão urbana da cidade259. Paulet imprimiu neste primeiro plano urbano uma forte influência do discurso médico-higienista que marcou o pensamento social do século XIX. As transformações urbanas implantadas em Fortaleza ao longo do Oitocentos e no século seguinte foram fortemente influenciadas por este discurso260. O vigor desse pensamento impregnou a sociedade local, com os políticos a converterem suas propostas de urbanização em ações de “modernização” da cidade. Em 1848, por exemplo, com a intuito de arejar e “medicalizar” a cidade, foi criado o primeiro cemitério público, o São Casimiro, deixando para trás o costume de enterrar os mortos nas igrejas261. A polarização da província em torno da cidade de Fortaleza passou também pela promoção da melhoria da estrutura educacional da cidade com a criação da primeira 257 Idem, p.21-23. 258 FARIAS, op. cit., 2012, p.104. 259 PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza A Belle Époque: reforma urbana e controle social 1860-1930. 4.ed. ver. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2010. p.27. 260 COSTA, Maria Clélia Lustosa. A cidade e o pensamento médico: uma leitura do espaço urbano. Mercator – Revista de Geografia da UFC, ano 01, número 02, 2002, p.62-63. Disponível em: Acesso em: 02 dez. 2013; COSTA, Maria Clélia Lustosa. Discurso higienista e a ordenação do espaço urbano de Fortaleza. Observatório das Metrópoles. Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia. 06 jun. 2012, p.3. Disponível em: Acesso em: 05 out. 2013. 261 PONTE, op. cit., 2010, p.186-187. 83 escola de ensino secundário do Ceará (1845), o Liceu, e, em 1849, a primeira livraria. Estas duas ações proporcionaram o surgimento de novas escolas a partir da segunda metade do século XIX. O avanço da estrutura educacional ajudou a fomentar o surgimento de uma “intelectualidade” cearense, bastante ativa em fins deste século nas áreas cultural e política262. 3.2 PANORAMA MUSICAL E CULTURAL NO CEARÁ ATÉ MEADOS DO SÉCULO XIX. Em 1813, na primeira metade do século XIX Fortaleza era uma vila modesta com uma população em torno de 12.810 habitantes263. Era um povoado pacato e pouco desenvolvido. A sua paisagem urbana foi narrada em crônicas de viajantes estrangeiros que por ali passaram. Instalado no Recife desde 1809, o britânico Henry Koster escreveu suas impressões ao passar por Aracati (litoral leste) e Fortaleza no ano de 1810. Para ele, esta última constituía-se em uma pequena povoação, “de quatro ruas”, “formato quadrangular”, com poucos moradores, uns “1.200”, sem muito desenvolvimento urbano, “edificada sobre terra arenosa”, com ruas sem calçamento e casas de apenas um pavimento térreo. Possuía três igrejas, o palácio do Governador, a Casa da Câmara e prisão, alfândega e tesouraria, com um comércio ainda “limitado”, transportes terrestres difíceis e um porto “exposto e mau”264. Em seu relato descreveu um jantar em que participou no Palácio do governador por ocasião da celebração do aniversário da rainha de Portugal D. Maria I (1734-1816). O que chamou a sua atenção foi o fato da maioria das 30 pessoas que jantavam nesta noite estarem fardadas265. Esses militares representavam a companhia de tropas regulares, indicativo da possível existência na cidade de músicos responsáveis pelos toques de comandos militares, ou seja, corneteiros, 262 FARIAS, op. cit., 2012, p.159-167. 263 Número contabilizado a partir do censo realizado pelo governador Manuel Ignácio de Sampaio e Pina (1812-1920) (AZEVEDO; Miguel Ângelo de (NIREZ). Cronologia Ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural. Fortaleza, 2006, p.8 (CD-ROM)). 264 KOSTNER, Henry. Capítulo VII. In: Viagens ao Nordeste do Brasil. Tradução e notas de Luiz da Câmara Cascudo. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942, p.164-167. (Biblioteca Pedagógica Brasileira Brasiliana, Série 5º, volume 221). Título original: Travels in Brazil; FARIAS, op. cit., 2012, p.104-105. Em 1839, outro estrangeiro visitou Fortaleza. Foi o missionário norte americano Daniel Kidder e sua esposa que relataram sua viagem a cidade no livro “Reminiscências de viagens e permanências no Brasil”. Dentre as impressões que marcou Kinder, o missionário comentou questões semelhantes ao de Henry Kostner como o areial nas ruas de Fortaleza dificultando a caminhada, o vento e o sol forte, a precariedade do porto e as dificuldades para desembarcar, a ausência de cemitérios (KIDDER, Daniel apud FARIAS, op. cit, 2012, p. 149). 265 KOSTNER, op. cit., 1942, p.167-168. 84 clarins e tocadores de tambores. Neste ambiente pacato do início do século XIX a então vila de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, emancipada político- administrativamente e elevada à condição de cidade no ano de 1823 com o nome de Fortaleza de Nova Bragança266, não apresentava uma vida cultural pública e privada muito ativa. Um elemento que ajudou a desenvolver a vida cultural de Fortaleza foi o surgimento da imprensa periódica. Após a emancipação político-administrativa da cidade, começaram a surgir os primeiros jornais. O primeiro deles, denominado de Diário do Governo do Ceará, circulou de abril a novembro de 1824267. Os dois seguintes foram o Cearense e o Pedro II, publicados na década de 1840, o primeiro ligado ao partido liberal e o segundo ao partido conservador268. Ambos foram muito importantes durante todo o período do Império pela veiculação de informações oficiais do governo, pelos editoriais e noticiários de críticas políticas, na divulgação e comentários dos eventos culturais locais onde, em muitos deles, houve a participação da banda da polícia. As praças públicas foram importantes espaços onde a banda tocou e que começaram a ser edificadas na primeira metade do século. Dentre elas temos a praça do Ferreira, chamada assim a partir de 1871, mas construída em 1842 e denominada de praça Pedro II, popularmente chamada de Feira Nova ou praça da municipalidade. Foi nesta praça que a banda da polícia passou, a partir da década de 1860, a tocar todas às tardes de domingo e dias santos269. Até 1932, a banda apresentou-se sempre em alguma praça da cidade, pelo menos aos domingos. Igualmente importante neste contexto foi o surgimento das primeiras casas de espetáculo. O mais importante edifício cultural da primeira metade do século, construído no ano de 1830, foi o teatro Concórdia, também denominado de Casa de Ópera, uma obra de “negociantes portugueses e empregados do comércio”, em frente a Igreja do Rosário. Permaneceu neste lugar durante doze anos de onde se mudou para a rua Formoza, trocando o nome para Teatro Thaliense, e onde acabaria por fechar portas no ano de 1872270. 266 AZEVEDO (NIREZ), op. cit., 2006, p.9. 267 FARIAS, op. cit., 2012, p. 137. 268 Idem, p.10-12, 27. 269 Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4; Artigo 3º da lei nº 853 de 23 de agosto de 1858. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.214, Tomo III. 270 BARROSO, Oswald. Teatros. In: Ceará: uma cultura mestiça. Fortaleza: [s.n], 2002, 163. Disponível em: Acesso em: 18 abr. 2017. 85 O conhecimento sobre o panorama musical no Ceará antes da criação da banda do Corpo Policial em Fortaleza, em 1854, é pequeno. Constitui-se de curtas informações na Revista do Instituto Histórico do Ceará e nos livros de memorialistas que dão uma vaga ideia do que seria a vida musical na cidade e na capitania, posteriormente província, em fins do século XVIII e primeira metade do século XIX. O conhecimento sobre a música deste período recai quase que exclusivamente sobre a instituição militar. O que se sabe é essencialmente deduzido do contexto mais geral, comparando o que acontecia no restante do Brasil e na tradição da prática musical militar, bem como nas poucas indicações diretas ou indiretas sobre música que aparecem em alguns textos de revistas e jornais cearenses. Nos regimentos militares do Ceará colonial, o instrumentista que aparece em maior quantidade era o tocador de tambor. A relação do custo anual das tropas pagas ligadas à capitania de Pernambuco, em 1766, aponta que, para cada companhia instalada, havia um tambor incluído271. Mesmo sendo a capitania do Siará Grande a segunda mais populosa das anexas de Pernambuco, representando 17% da população total, possuía apenas uma companhia de tropa de 1ª linha, logo, um tambor associado. As capitanias da Paraíba, representando 14% da população, possuíam três companhias, logo, três tambores, enquanto que a capitania do Rio Grande, que representava apenas 6,7%, possuía duas companhias e dois tambores. Somente a capitania de Pernambuco possuía dois pífanos na relação de todas as suas companhias272. Esses instrumentos, eram associados aos tambores, os quais tocavam batidas rítmicas, enquanto os pífanos realizavam as melodias. A execução associada dos instrumentistas não impedia a percepção clara do papel de cada instrumento273. Embora não tenha sido discriminada a presença de nenhum instrumento de bocal na relação das tropas pagas, é possível constatar a presença desse instrumento antes de 1766. Em carta de 1734 do governador de Pernambuco, em resposta ao rei D. João V sobre as desordens insufladas na região mais interiorana do Acaraú (litoral noroeste) pelo ouvidor geral do Siará Antônio de Loureiro Medeiros e o frei José da Madre de Deus, o governador descreve a presença de dois tambores e uma trombeta junto à tropa que irá 271 GOMES, José Eudes Arrais Barroso. As milícias D’El Rey: tropas militares e poder no Ceará setecentista. 2009. Dissertação. (Programa de Pós-graduação em História), Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense UFF, Niterói, 2009, p.177-178. 272 Idem. 273 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.17. 86 prendê-los. Provavelmente, esses instrumentistas faziam parte do grupo das tropas não pagas das Milícias e das Ordenanças que juntos realizaram essa prisão274. Com a separação político-administrativa da capitania do Siará Grande de Pernambuco no ano de 1799, foi feita uma reorganização das companhias e estima-se que efetivamente houve um aumento e uma diversificação dos músicos dos regimentos. No mapa demonstrativo do Regimento de Cavalaria Miliciana existentes em Jaguaribe e Quixeramobim no ano de 1801, em um total de 13 companhias e 580 efetivos, aparecem listados dois tocadores de trombetas ligados à 1ª companhia. No mesmo documento sobressai-se o mapa do Regimento de Cavalaria Miliciana da Ribeira do Acaraú. Nesta, as 10 companhias existentes na Ribeira apresentam um trompetista em cada uma. Por fim, no mapa do regimento miliciano das marinhas do Siará e Jaguaribe, nos 10 regimentos listados, aparece a descrição de um tambor e de um pífano em cada275. Não foi possível, na documentação consultada, identificar a “qualidade” dos músicos dos regimentos do Ceará da época colonial. Contudo, na iconografia dos figurinos militares do Brasil para o fim do século XVIII e começo do XX, a representação dos instrumentistas que tocavam tambores nos regimentos pernambucanos é, em sua maioria, de negros, mulatos e pardos, em relação a uma minoria branca276. A inserção de negros e miscigenados em atividades musicais foi uma realidade bastante presente em outras regiões brasileiras, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, não somente na esfera militar277, como também na civil, no caso específico, em bandas de música278. Mesmo sem aparecer na documentação, a conexão dessas realidades com a do Ceará permite-nos inferir que também houve negros e, provavelmente, “pardos” exercendo a função de tocador de tambor nos regimentos militares do período, já que foi essa a “qualidade” que predominou no Ceará do século XIX279. Quanto à presença de bandas militares no Ceará, as informações que se conhecem são referentes a dois relatos de acontecimentos públicos ocorridos durante a 274 “[…] sinqüenta soldados pagos, hum cap.am de Infantaria, e hum Alferes, quatro sargentos, dous tambores e hum trombeta, e sento e seis Índios armados, com um homem nobre da terra q. os governava, e vinte e sinco soldados da ordenança, governados por pessoas capazes e práticos […]” (GOMES, op. cit., 2009, p.151). 275 2ª VIA, Relação das folhas eclesiásticas, civil e militar e mapas do Regimento Miliciano. AHU, Ceará, Caixa 15, documento 841. AHU_CU_006, Cx 15. D.841. 276 SOUZA, Antônio Wilson Silva de. Figurinos Militares: iconografia manuscrita sobre o Brasil no Arquivo Histórico Ultramarino. Brasília: Arquivo Histórico Ultramarino, 2007, p.39-43. 277 COTTA, Francis Albert. Negros e Mestiços nas Milícias da América Portuguesa. Belo Horizonte: Crisálida, 2010, p.135. 278 KIEFER, op. cit., 1977; MONTEIRO, op. cit., 2008; MONTEIRO, op.cit., 2006. 279 Este assunto foi mencionado anteriormente no capítulo 2. 87 primeira metade do século XIX, que reúnem autoridades políticas e militares, em que se pode supor a presença de uma banda militar, embora não seja possível precisar seu nome. O primeiro relato, descrito no dia 12 de outubro de 1817, data do aniversário natalício do “Príncipe Real do Reino Unido”, descreve um grupo de comerciantes cearenses que resolveu comemorar a restauração da paz na capitania280, promovendo “com toda pompa” um ato solene na Igreja local. Sem especificar, o texto fala apenas de “huma missa cantada por vozes escolhidas” finalizada por um “Te Deum de muzica”. O ato foi presenciado pelo governador, por autoridades, por oficiais, pelas tropas de primeira linha, pelos demais corpos militares, pela “Nobreza da Capital” e pelo povo cearense. A esse ato religioso, seguiram-se outras representações artísticas, como a apresentação pública e gratuita de uma “peça dramática” e de outra cena dramatizada com crianças281. A festa decorreu durante nove dias consecutivos, sendo impossível acontecer uma festividade tão longa sem a presença de músicas e de danças. O autor confirma essa constatação e termina o texto mencionando que “o restante da noite se passou em divertimentos e concerto de muzica vocal e instrumental no Palacio do Governador […]”, mas não especifica quem são esses músicos ou o grupo que realizava a festa282. É provável que fossem músicos da tropa de primeira linha ou mesmo dos corpos milicianos já que suas corporações foram mencionadas implícita ou explicitamente na narrativa. Era de se esperar, portanto, a presença de corneteiros, tocadores de tambor e pífano nestes dois regimentos, já que era uma realidade existente no Brasil desde o período colonial283. Em outro acontecimento público datado de 29 de maio de 1831, a narração segue a estrutura festiva realizada em 1817284. O motivo agora era a notícia do 280 O texto remete à participação do Ceará na revolução de 1817, chamada de Insurreição Pernambucana. Foi um movimento de libertação colonial liderada pela capitania pernambucana. Tinha características liberais, republicanas e pretendia a independência das terras do domínio português. Teve adesão também das capitanias de Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. No Ceará, o movimento teve adesão principalmente da região do Cariri (sul da província cearense) que ainda mantinha uma forte ligação com Pernambuco. “[…] propagou-se a ideia de que os maçons, os liberais libertinos e a canalha de pretos e mestiços estavam destruindo a fé católica e despojando os “homens de bens” de suas propriedades”. (FARIAS, op. cit., 2012, p.113; 110-117). Essa imagem de destruição da fé católica e da presença negativa dos maçons é colocada em evidência no texto de Ferreira Santiago. Ressalta ainda a lealdade do governador Manuel Inácio de Sampaio (1812-1820) à monarquia portuguesa (“vassalo fiel”), sendo este o responsável pela repressão do movimento e o ato heroico que foi a restauração da paz na capitania (SANTIAGO, Ferreira. Uma festa em Fortaleza no tempo do governador Sampaio. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Fortaleza, 1900, p.271-274 (CD ROM)). 281 SANTIAGO, op. cit., 1900, p.271-272. 282 Idem, p.273. 283 SOUZA, Antônio Wilson Silva de. Figurinos Militares: iconografia manuscrita sobre o Brasil no Arquivo Histórico Ultramarino. Brasília: Arquivo Histórico Ultramarino, 2007. 284 [?]. Descripção das festas officiaes havidas em Fortaleza a 29 de Maio de 1831. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará. Fortaleza, 1898, p.217-219 (CD ROM). 88 reconhecimento de D. Pedro II como Imperador do Brasil e a abdicação voluntária de D. Pedro I. Para se tornar pública a notícia, a Câmara Municipal e demais autoridades prepararam um ato que durou três dias. No primeiro deles, saíram o governador e os camarários pelas ruas da cidade em cortejo, montados em seus cavalos, vestidos pomposamente, acompanhados por “um piquete de cavallaria e da música do Batalhão”, convidando a população para os festejos que iriam se seguir285. Novamente, o texto não especifica se essa música tocada pelo Batalhão estava ligada às tropas do Exército ou da Milícia. Ambos usavam a mesma designação “Batalhão” para especificar suas tropas. O mais relevante nesse trecho é a presença da música militar, embora não seja possível determinar o número de instrumentistas tocando e seus respectivos instrumentos. No dia 29, o ato foi finalizado na Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário para a execução solene de um Te Deum Laudamus. O festejo rumou para o Palácio do Governo, onde se cantou o “hymno Constitucional e houverão diversas dansas”. O divertimento continuou pela maior parte da noite286. Outro relato posterior em que aparece novamente mencionada a presença da banda de música do Batalhão foi a registrada pelo jornal Cearense no ano de 1847, descrevendo a participação dessa banda num cortejo pelas ruas da cidade de Fortaleza, em que várias pessoas comemoraram a vitória de uma eleição287. Mais uma vez não é possível dizer se essa banda pertence ao Exército ou à Guarda Nacional. A primeira menção do nome de uma banda militar atuante em Fortaleza aparece somente no ano de 1854, por ocasião da solenidade de comemoração do aniversário do Imperador. Os jornais Cearense e Pedro II relatam a mesma cerimônia, embora o segundo conte com mais detalhes como ela aconteceu. Constituiu-se de uma parada militar com a presença do corpo do 1º Batalhão de Fuzileiros da Guarda Nacional da capital, o 3º Batalhão de Caçadores de Maranguape e o meio batalhão de linha. O jornal Cearense descreve apenas 285 Idem, p.217. 286 [?]. op. cit., 1831, p.219. (CD ROM). Como mencionado no segundo capítulo, a presença de bandas de música em regimentos militares foi originada de um tipo comum de entretenimento, existente desde o século XVI na Europa, chamado de Tafelmusik ou “música de mesa”. No Ceará, bandas militares tocando em festas e jantares (privados ou oficiais) não foram incomuns durante o século XIX. Citaremos alguns exemplos ao longo da tese, como no dia em que o Ceará libertou seus escravos em 1884 e preparou um “banquete para os pobres” e um jantar para os políticos, religiosos e convidados, tendo em ambos a banda da polícia a tocar. No contrato feito com particulares, a banda da polícia cobrava um valor específico para tocar em jantares, conforme tabela de preços incluída no capítulo 5 (UNVERRICHT, Hubert. Tafelmusik. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 01 set. 2017). 287 Cearense, 17 de outubro de 1847, p.4. 89 a banda de música da Guarda Nacional como “rica”288. Já o jornal Pedro II delineia melhor essa “riqueza”, destacando que a banda apresentou-se com “aceio” e “brilhantismo”, “uniforme grande, levava a sua frente quatro portas machados, um tambor-mór ricamente vestido (cujo vestido anda por 800$ rs), oito tambores, e uma rica banda de musica”289. O 3º Batalhão de Caçadores não compareceu com nenhuma banda. Já a banda do meio Batalhão de linha apresentou-se com uma “rica banda de musica pertencente ao corpo de policia”290, a qual havia sido recentemente criada por lei (outubro de 1854). Sobre bandas civis não existe nenhuma menção de sua existência nesse período em Fortaleza. Em Sobral (região noroeste), houve uma banda civil regida pelo maestro Galdino José Gondim que chegou à cidade no ano de 1848. Conforme explanado anteriormente, é difícil confirmar quando esse grupo existiu realmente, visto que há uma alternância no uso do termo “banda” e “orquestra” no texto de referência. Por isso é difícil determinar se o autor estava falando de uma “banda” ou de uma “orquestra” na concepção atual, ou se eram dois grupos que existiram concomitantes regidos pelo próprio maestro Gondim291. Em Aracati, Leal aponta a Filarmônica Zaranza como a banda de música mais antiga de que se tem conhecimento nessa cidade, fundada no ano de 1826292. Comparando a fotografia (sem data) da Filarmônica Zaranza com as das outras três bandas posteriores - a Filarmônica Figueiredo, fundada em 1895, a Charanga 24 de Maio, fundada por volta de1913, e a Euterpe Operária, fundada entre 1916 e 1917293, percebe-se que a da Zaranza é a única imagem em que os músicos estão vestidos de paletó e não com uma farda imitando uniformes militares294. Esta ausência do vestuário militar parece indicar que a banda Zaranza ainda não “sofria”, naquele momento do registro fotográfico, a influência do ethos militar que veio atingir as bandas civis do fim do século XIX. No Ceará, essa influência se deu a partir da banda da polícia fundada em 1854. A fotografia da Filarmônica Zaranza é semelhante à da banda da polícia, datada de 1879, o que sugere que tenha sido registrada por este período. A razão da semelhança reside na presença de alguns instrumentos registrados na fotografia como os oficleides, saxhorn barítonos e também do saxofone soprano e das cornetas de pistões, estes dois últimos não 288 Cearense, 05 de dezembro de 1854. 289 Pedro II, 06 de dezembro de 1854. 290 Idem. 291 FROTA, op. cit., 1974, p.411-416. 292 LEAL, op. cit., 2003, p.15-28. 293 Idem, p.29-60. 294 Ibidem, p.21. 90 muito claros na imagem. Outra semelhança é a característica multirracial dessa banda formada de miscigenados, brancos e negros, provando que o Ceará não ficou de fora da mestiçagem brasileira, situação ocultada por uma “antiga” historiografia que tentou negar a presença de negros, mulatos e pardos em sua formação e sacralizar uma pureza branca no estado. Sobre os músicos do Ceará deste período inicial, Zacarias Gondim menciona o nome de alguns deles que nasceram no interior da região e que passaram ou transferiram-se para Fortaleza na primeira metade do século, exercendo sua atividade musical nesta cidade295. O músico mais antigo a ter seu nome registrado na história do Ceará foi Joaquim Bernardo de Mendonça Ribeiro Filho, nascido em Aracati (litoral leste) na segunda metade do século XVIII e falecido em Pernambuco em 1834296. Em 1808 esteve em Fortaleza trabalhando como professor de primeiras letras297. No ano de 1810 foi admitido na Irmandade de Santa Cecília de Recife298. É possível que tenha se mudado para Pernambuco no ano de 1811 já que Zacarias Gondim menciona ainda que foi substituído no cargo de professor neste referido ano299. Foi compositor de música sacra e algumas de suas obras foram tocadas nas Igrejas de Fortaleza mesmo após sua morte. Segundo Pedro Veríssimo o estilo de suas composições era o da escola italiana, embora não existam exemplares que confirmem isso300. Outros dois músicos citados por Gondim foram Boaventura José de Aragão, violoncelista, que dirigia uma pequena orquestra em Russas (região leste, baixo Jaguaribe) ou Aracati na qual fazia parte seu parente Felix José de Valois, que acrescentou o nome Areré no final301. Gondim não menciona se Boaventura José de Aragão veio para Fortaleza, mas é possível que tenha trabalhado pelo menos por um período na cidade já que sua presença é mencionada por um deputado durante uma sessão na Assembleia provincial do Ceará em 1864 por ocasião da discussão sobre a manutenção da banda de música na polícia pelos cofres públicos302. 295 GONDIM, Zacharias. Traços ligeiros sobre a evolução da musica no Brazil, especialmente no estado do Ceará. In: Commemorando o Tricentenário do Ceará. Ceará: Typographia Minerva, 1903, p.23-33. 296 KIEFER, op. cit.,1977, p.24; Gazeta do Norte, 28 de agosto de 1881, p.3. 297 “[…] Vamos acrescentar ao nosso quadro uns traços do estado do ensino publico da Fortaleza, em 1810. Havia então trez cadeiras mantidas pelo Estado. […] Occupava a cadeira de 1as. letras do sexo masculino Joaquim Bernardo de Mendonça Ribeiro, com 80$, nomeado pelo governador em setembro de 1808. […]” (Gazeta do Norte, 28 de agosto de 1881, p. 3). 298 KIEFER, op. cit., 1977, p.25. 299 GONDIM, op. cit., 1903, p.24. 300 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.150. 301 GONDIM, op. cit., 1903, p.24-25. 302 “O SR. PAIVA: - Pois em todas as capitaes existem organizadas musicas particulares; aqui antigamente já teve a musica do Areré e Aragão, e hoje que a capital tem crescido em população, que tem muitos músicos, […]” (Cearense, 20 de dezembro de 1864, p.2). 91 Felix José de Valois Areré é uma figura interessante no contexto de nosso trabalho, pois ele representou várias características comuns presentes entre os músicos da banda da polícia do Ceará da segunda metade do século XIX e que se mostram também presentes entre outros músicos do Brasil desde o período colonial303. Ele era um homem “mesclado”, pardo, pobre, exercendo as atividades de músico e alfaiate, que migrara do interior do Ceará para Fortaleza304. A particularidade em Areré é que ele não veio para a “capital” por livre vontade; foi transferido como preso por ter participado da revolução de 1824305. Na transferência, foi perdoado e assentaram-lhe praça como soldado de 1ª linha. Depois, ele foi graduado como oficial de milícias dos pardos para poder dirigir a música do batalhão. Ao se referir a Areré, Gondim transparece em sua escrita opiniões um pouco depreciativas à sua pessoa, situação que não acontece com os outros músicos mencionados no seu texto. As conclusões do autor são baseadas em informações que ele colheu por meio de outras pessoas e não por ele mesmo306. Suas fontes também traziam, muito provavelmente, uma carga de preconceito contra esse músico, transmitindo a Gondim essa mesma apreciação. O autor o descreve como “melhor alfaiate que músico”, sendo que, nesta última atividade, ele “não tinha mérito”307. Gondim só menciona Areré em sua listagem pelo fato de este ter sido responsável por criar a primeira orquestra de Fortaleza, na qual tocava também violoncelo308. Contudo, mesmo colocando em relevo que ele era “pardo e pobre”, Gondim também exalta as qualidades de “civismo e coragem” que deu aos artistas, mais do que as lições de música309. A pressão para que 303 Citando alguns exemplos: José Maurício Nunes Garcia (1769-1839) nasceu no Rio de Janeiro, era pardo, também músico pobre que ingressou na carreira religiosa. Trabalhou como mestre de capela da Sé do Rio de Janeiro compondo, tocando órgão e regendo antes e depois da chegada de D. João em 1808; Luís Alvares Pinto (1719-1789) nasceu em Recife, era mulato e militar, poeta, autor de obra encenada pela Casa de Ópera da capital pernambucana; Joaquim Emerico Lobo de Mesquita, mulato, músico pobre destacado por Vasco Mariz como “o maior músico mineiro do século XVIII” (MARIZ, Vasco. História da Música no Brasil. 2 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983, p.36, 40; MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Estudo das texturas orquestrais da Missa de Santa Cecília de José Maurício Nunes Garcia. 2001. Dissertação. (Mestrado em Artes). Escola de Comunicação e Artes – ECA, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001). 304 Idem, p.25. 305 Ibidem. A Revolta de 1824 foi chamada de Confederação do Equador, uma guerra de cunho separatista, liberal e nacionalista iniciada pelo estado de Pernambuco e que propagou-se pelos estados do Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Piauí e Alagoas (FARIAS, op. cit., 2012, p.124). 306 GONDIM, op. cit.,1903, p.25. 307 Idem. 308 Ibidem. 309 Quando Areré veio para Fortaleza preso, alguns amigos do Tenente-coronel da comissão militar pediram para que a pena de morte dada a ele fosse trocada por açoites. Gondim menciona que Areré não aceitou e declarou, como em tom de bravura: “Mandae fuzilar-me!”. Esta declaração foi bem apreciada por Gondim que viu como uma “resposta digna de um general vencido”. A sentença não foi cumprida porque logo em seguida veio “ordem” de suspensão das execuções (GONDIM, op. cit., 1903, p.25). 92 existisse uma pessoa para tomar conta da banda do Batalhão de 1ª linha foi tão grande que obrigou os interessados a darem a graduação de oficial a Areré pelo Regimento de Milícia dos Homens Pardos. Segundo o texto, “não obstante” ser oficial da “milícia dos pardos” ele foi chamado para ser mestre da banda do Batalhão310. Ao mesmo tempo que esta parte retrata o preconceito de Gondim quanto a sua “qualidade”, por outro lado também ajuda a perceber que Areré não era tão sem mérito como músico como queria deixar transparecer. A pressão feita pelos amigos do Tenente-coronel da comissão militar para modificar sua pena e o fato dele ter sido elevado a oficial para assumir o cargo de mestre no regimento de 1ª linha demonstram um expressivo esforço para um músico que supostamente não apresentava alguma qualidade. Além disso, o fato de ter organizado uma orquestra, com as poucas condições culturais que dispunha Fortaleza no início do século XIX, merece também destaque. Afinal, não é “qualquer músico” que realiza a tarefa de organizar um grupo musical. Por fim, se Areré fosse um músico sem qualidades, como queria acentuar Zacarias Gondim, porque Boaventura Aragão não foi chamado para tomar conta da banda de 1ª linha, visto ele ter estado em Fortaleza em período concomitante ao de Areré?311 Semelhante ao que aconteceu com um dos principais músicos do período colonial brasileiro, José Maurício Nunes Garcia, pardo, que ao pedir para ingressar na vida religiosa teve seu pedido aceito, mas apresentando a ressalva da irregularidade do seu “defeito de cor”312, Arerê demonstra seu mérito como músico na medida do esforço que fizeram as pessoas de Fortaleza para tê-lo como mestre da música do Batalhão, apesar de sua “cor” parda. Por fim, Gondim cita o músico Simplício Delfino Montezuma, natural de Icó, nascido no começo do século. Transferiu-se para Fortaleza onde tocou violoncelo na orquestra Santa Cecília fundada por Manuel Magalhães em 1880. Foi também compositor de músicas sacras e profanas313. É possível que todos esses músicos elencados por Zacarias Gondim, com exceção de Areré, fossem brancos ou que tivessem uma condição econômica mais favorável, visto que somente Areré é descrito como “pardo e pobre”314. 310 GONDIM, op. cit., 1903, p.25. 311 Cearense, 20 de dezembro de 1864, p.2 312 MATTOS, Cleofe Person de. José Maurício Nunes Garcia: biografia. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, Dep. Nacional de Livros, 1997, p.41. 313 GONDIM, op.cit.,1903, p.26-27; MARTINS, Inez Beatriz de Castro. Música no Ceará: construção intertextual à luz do arquivo da banda de música da Polícia Militar. In: ENCONTRO DE MUSICOLOGIA HISTÓRICA, 2012, 9, Juiz de Fora, MG; Anais … Juiz de Fora: Ed. UFJF/MAMM, 2014, p.124-145. 314 GONDIM, op. cit., 1903, p.23- 32. 93 3.3 TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA E CRESCIMENTO URBANO NA FORTALEZA DA BANDA DA POLÍCIA. A cidade de Fortaleza onde surge e atua a banda de música do Corpo Policial é um espaço em constante mutação a partir de 1850. Enquanto o número de habitantes para o distrito em 1847 era de cerca de 16.000, sendo 11.417 livres (e, possivelmente, libertos) e um número aproximado de 4.583, em 1860 a quantidade de habitantes praticamente duplicou, com cerca de 35.373, sendo 32.512 livres (e prováveis libertos incluídos), diminuindo para 2.861 a quantidade de escravos315. Com a chegada da República, foram feitos dois recenseamentos, um 1890 e outro 1900, ambos considerados “defeituosos” e imprecisos por não “exprimir a verdade” devido ao deslocamento das pessoas por causa da seca316. Ainda assim, dão ideia do aumento populacional na capital e no estado durante este período. Os dois censos mantiveram uma média de 40.001 a 42.408 317 pessoas e para o Ceará de 805.687 a um milhão de habitantes318. Em 1918, a população subiu para 80.000 em Fortaleza e a do Ceará para 1.200.000319. O aumento da população demonstra a atratividade que a cidade passou a ter a partir da segunda metade do século. Este aumento foi proporcionado pelas transformações econômicas e urbanas pelas quais a cidade passou e pelas correntes migratórias de homens e mulheres do campo causadas pelos períodos de estiagem. A urbe que se constrói na segunda metade do século é bem diferente da vila pacata, sem vida cultural pública e privada muito ativa, de comércio “limitado” com poucas possibilidades de tomar impulso no futuro, de acordo com a opinião do viajante britânico Henry Koster320. Ao contrário dos prognósticos de Kostner, o comércio de Fortaleza passou a desenvolver-se com a chegada do pioneiro inglês Robert Singlehurst, 315 SOUSA BRASIL, Tomás Pompeu. Ensaio Estatístico da província do Ceará (edição fac-similar). Fortaleza: Fundação Waldemar de Alcântara, 1977, p.17; 22. 316 [ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1900. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1900], p.V [anno 6º]] (CD- ROM); Antônio Bezerra de. Descripção da cidade de Fortaleza. Revista do Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza: [s.ed], 1895, p.150 (CD ROM). 317 ALMANACH Administrativo, Estatistico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1904. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1903, p.VIII, anno 10º (CD- ROM). 318 [ALMANACH Administrativo, Estatistico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1900. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1900], p.V [anno 6º]] (CD- ROM). 319 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1918. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1918, p.XIII, 21º anno (CD-ROM). 320 KOSTNER, op. cit., 1942, p.167. 94 que aportou na cidade na década de 1830 e foi responsável pela fundação da Casa Inglesa, estabelecimento de negócios de exportação de produtos agropecuários. Singlehurst foi seguido por vários outros ingleses que chegaram à cidade para atuar no mercado local321. Dentre estes, destacamos Richard Hugges, presidente da primeira Associação Comercial da Praça do Ceará, criada em 1868 e da União Cearense, o futuro Clube Cearense, espaço privilegiado de manifestações artísticas322 e onde a banda da polícia se apresentou. A diminuição da produção americana de algodão, ocasionada pela sua Guerra Civil (1861- 1865) 323, ajudou Fortaleza a consolidar-se como capital e principal polo econômico da região na segunda metade do século, em razão da exportação de algodão nos anos de 1860 e 1870324. A situação cearense foi auxiliada ainda pelas melhorias feitas no porto da capital e pela implementação da estrada de ferro Baturité – Fortaleza em 1873, que interligou a região e ajudou a trazer o algodão, o café e outros produtos do interior para a capital325. Outras linhas foram sendo construídas nas décadas seguintes como a linha de Fortaleza – Arronches (1873) e Pacatuba (1876). Durante a seca de 1877 criou-se uma nova linha que ligou Camocim – Sobral (1878), posteriormente Camocim – Granja (1881), além da inauguração da estação de Sobral (1882). Durante a Primeira República ainda foram construídos os prolongamentos de Crateús (1912) e a de Ibiapaba (1918)326. Uma questão que afetou particularmente a economia e a sociedade do Ceará foi a seca. A irregularidade das chuvas que ocasionou longos períodos de estiagem no Ceará mexeu profundamente com a região e com a cidade de Fortaleza. A seca sempre existiu no Ceará, mas devido a um conjunto de fatores ela se tornou um problema particularmente significativo a partir da segunda metade do século XIX. Neste período, a produção agrícola, até aí pouco “integrada às regras do mercado”327e pensada mais como uma agricultura de subsistência, sofreu profundas transformações. A pecuária, 321 GIRÃO, Raimundo. Economia e comércio. In: Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Casa de José de Alencar. 1997, p.101-103; Cearense, 21de junho de 1853, p.3-4. 322 Raimundo Girão menciona uma quantidade expressiva de ingleses que abriram suas lojas e empórios na cidade de Fortaleza e que também exerceram lugares de destaque na sociedade local. Dentre eles, John William Studart, que foi comerciante e primeiro vice-cônsul da Inglaterra no Ceará, pai de Guilherme Studart, o Barão de Studart, médico e intelectual atuante em Fortaleza na segunda metade do século XIX, fundador do Instituto Histórico do Ceará (GIRÃO, Raimundo. Economia e comércio. In: Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Casa de José de Alencar. 1997, p.101-103; AZEVEDO (Nirez), Miguel Ângelo. A herança do Barão. In: Arquivos do Barão de Studart. Coordenação geral José Augusto Bezerra. Fortaleza: Instituto do Ceará, 2010, p.23, 29). 323 FARIAS, op. cit., 2012, p.168. 324 PONTE, op. cit., 2010, p.18. 325 Idem, p.18-19. 326 FARIAS, op. cit., 2012, p.172-173. 327 NEVES, Frederico de Castro. A seca na história do Ceará. In: SOUZA, Simone de (Org.). Uma nova história do Ceará. 4.ed. ver. e atual. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2007. p.78. 95 particularmente a criação de gados foi, em função os períodos de estiagem, deslocada para lugares mais úmidos. Contudo, a lei de valorização da terra como bem econômico em 1850 e o avanço da cultura algodoeira para o comércio internacional deram origem a uma agricultura mais comercial e sedentária o que tornou a transferência de gados impossível. As terras disponíveis para uma pecuária nômade diminuíram em função do avanço da cultura do algodão que ficou mais valorizada328. A primeira grande seca que o Ceará enfrentou nesta época foi a de 1877-1879. A inexperiência da região frente a esta situação fez com que a seca de 1877 se tornasse um marco e entrasse para a história do Ceará, com impacto até na cultura local. A longa estiagem deste período provocou um êxodo em direção à capital do estado, que recebeu em torno de 100 mil retirantes para uma população local que não contava mais que 27 mil habitantes. Esses retirantes (chamados de “flagelados” a partir de 1915) chegavam à cidade e ocupavam as praças, ruas, calçadas e o Passeio Público. Para uma cidade onde o “aformoseamento” dos espaços públicos materializavam estratégias de “modernização”, “civilização” e “progresso”, aqueles “invasores” surgiram como perturbadores dessa “nova sensibilidade burguesa”329. Neste período os retirantes trabalharam na construção da estrada de Ferro de Baturité e no calçamento das ruas centrais. Em 1878 houve uma epidemia de varíola em que chegaram a morrer 1004 pessoas em um único dia330. Nos jornais, o assunto sobre os retirantes era tratado com uma conotação moral e de maneira sensacionalista, enfatizando os “vícios do corpo” (doenças) e os do “espírito (os crimes, a prostituição, a mendicância, a vagabundagem)” como fatores que “corroíam o tecido social e ameaçavam as conquistas da modernidade conseguidas nos anos anteriores”331. A próxima grande seca ocorreu em 1915. Desta vez a experiência foi vivida de forma diferente, embora ainda impactante. Entre estas duas estiagens foram colocadas em prática algumas políticas públicas de controle. Entre elas, a criação da Hospedaria Geral dos Emigrantes, em 1889, depois a Inspetoria de Obras Contra Secas (o IOCS), em 1909, com objetivo de criar um sistema de barragens e açudes, e o Campo de Concentração do Alagadiço332. Este último era designado de “curral”, cercado e situado na periferia da cidade onde o retirante era colocado sem poder sair. Neste espaço eram distribuídos alimentos e tratados os indivíduos doentes. No entanto, o que este ambiente 328 Idem, p.76-80. 329 NEVES, op. cit., 2007, p.86. 330 Idem, p.83. 331 Ibidem, p.80-84. 332 Ibidem, p.85-87. 96 demonstrou foi que a concentração de pessoas num ambiente pouco higiênico proliferava as doenças e a sujeira. A imagem de um grande número de cadáveres, empilhados ao lado do cercado, esperando para que fossem enterrados em vala comum, rapidamente chegou ao conhecimento público. Esta experiência acentuou a necessidade de se criarem mecanismos de prevenção e planeamento por parte da administração governamental para “dirigir ou controlar as rotas de migração dos retirantes”333. Uma das estratégias implementadas foram os trabalhos públicos próximos aos lugares de origem dos retirantes e de suas famílias. A construção de barragens e açudes surgiu neste contexto334. A seca produziu um forte abalo econômico na vida dos moradores do interior, afetando a oferta de trabalho disponível para o pouco qualificado povo do sertão. A “necessidade” de sair e migrar para Fortaleza em busca de novas oportunidades foi um dos motivos que fez com a corporação policial e a banda de música atraíssem e alistassem mais pessoas vindas do interior do que da capital, situação que pode ser conferida nos livros de assentamentos dos policiais, a partir de 1895335. Em paralelo com a economia agroexportadora, houve um aumento das firmas estrangeiras de importação e exportação que contribuiu para o crescimento do comércio local e a constituição de um mercado de trabalho urbano336 que perdurou por toda a Primeira República. Para além disso, o processo de industrialização se desenvolveu timidamente com a instalação da primeira fábrica têxtil no ano de 1883 e das citadas tipografias nas décadas anteriores337. No fim do Oitocentos, o modelo agroexportador entrou em crise e o algodão local passou a suprir o abastecimento interno das fábricas de fiação e de tecidos que foram surgindo em Fortaleza, Aracati, Sobral e para a indústria de tecelagem de redes338. Durante a Primeira República a economia cearense não alterou sua estrutura baseada na agricultura e no comércio de exportação e importação que, contudo, permaneceu em crise. Neste período instalaram-se também fábricas de cigarros, de doces, bebidas, roupas, chapéus e, a partir de 1920, deu-se o crescimento das indústrias de óleos vegetais, representando, no entanto, um “processo industrial” inexpressivo se comparado a outras regiões do Brasil339. 333 Ibidem, p.88. 334 Ibidem, p.84-89. 335 Este assunto será discutido no capítulo 6. 336 PONTE, op. cit., 2010, p.18-19. 337 FARIAS, op. cit., 2012, p.301. 338 Idem, p.176. 339 Ibidem, p.288; 301. 97 Mesmo considerado inexpressivo em comparação com as grandes cidades do país, a instalação de maquinário gráfico em Fortaleza proporcionou a abertura de casas tipográficas, o desenvolvimento do comércio de impressos e a presença de casas importadoras na cidade. Estas contribuíram para o desenvolvimento de um mercado local de música com a impressão de partituras e sua comercialização, para além de lojas de importação de instrumentos musicais. Além deste comércio houve também um aumento na circulação de partituras de compositores locais, no formato de manuscritos ou impressas, vendidas nas livrarias ou doadas por meio de oferecimentos. Tudo isto ajudou a fomentar a presença de compositores locais e de sua produção, abastecendo o repertório da banda da polícia, de bandas particulares, formadas ocasionalmente para um evento específico, e das futuras bandas das associações e bandas civis. Duas livrarias se destacaram no período do Império mantendo-se até ao princípio da Primeira República: a de Joaquim José de Oliveira e Cª e a de Gualter Rodrigues Silva340. Na livraria e papelaria de Joaquim José de Oliveira e Cª, existente na cidade desde 1857 e funcionando com esse nome até ao início de 1900341, vendia-se um estoque de livros literários, científicos, históricos, mas também outros produtos como preparados medicinais, perfumes, produtos para cabelo e barba e sementes de hortaliça342. Na vertente musical possuía uma rica variedade de livros como “gramaticas musicaes”, ou seja, livros de teoria musical, métodos de canto e de piano, partituras para piano e de canto e piano343. Vendia por assinatura a revista Amphion, publicada quinzenalmente em 340 Além destes dois principais livreiros existentes na Fortaleza da segunda metade do século XIX, Ozângela de Arruda Silva elenca o predecessor Manoel Antônio da Rocha Júnior que possuía uma loja de mercadorias diversas na década de 1840, onde também oferecia livros para vender. Concomitante às lojas de Joaquim José de Oliveira e Gualter Silva surgiram outras livrarias de curta duração como a de Afio Bezerra de Menezes, aberta em meados de 1865, a livraria do Sr. Rangel, em 1867, Satyro Verçosa, em 1870 e a livraria evangélica do Sr. Lacy Wardlaw, primeira no gênero, funcionando de 1880 a 1901 (SILVA, Ozângela de Arruda. Pelas rotas dos livros: circulação de romances e conexões comerciais em Fortaleza (1870-1891). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011). 341 [ALMANACH Administrativo, Estatistico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1901. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1901], p.124, [anno 7º] ] (CD- ROM). 342 Pedro II, 31 de março de 1887, p.3. 343 Partituras de canto e piano vendidas na livraria de Joaquim e informadas no anúncio do jornal: “AUBER- Fra Diavolo e Muda di Portici; MASSENET – Rei de Labore e Erodiade; BEETHOVEN – Fidelio; CIMAROSA – Matrimonio Secreto; DONIZETTI – Anna Bolena, D. Paschoal, Favorita, Filha do Regimento, Lucia de Lammermoor, Gemma de Vergy, Linda de Chamounix e Lucrecia Borgia; GLUCK – Orpheo e Euridice, MERCADANTE – Juramento; MEYERBER – Propheta, Dinorah, Huguenotes e Toberto do Diabo; MOSART – D. João; PACINI – Sapho; PERGOLESI – La Serva Padrona; ROSSINI – Cenerentola, Barbeiro de Sevilha, Conde d’Ary, Guilherme Tell, Moysés, Otello e Semiramis; SPORTINI – Vestal; VERDI – Trovador, Ernani, Traviata, Rigoletto, Lombardos, Macbeth e Dois Foscari” (Pedro II, 31 de março de 1887, p.3). 98 Lisboa e que incluía algumas músicas para piano nas suas publicações344, além de vender o periódico Gazeta Musical do Brasil345. Outra importante livraria e papelaria em Fortaleza foi a de Gualter Rodrigues Silva, iniciada por volta da década de 1880 e mantida por sua viúva de 1891 até 1900346 quando passou a ser propriedade de Militão Bivar347. Esta casa comercial vendia um amplo sortimento de diferentes assuntos musicais como “modinhas, recitativos, romances, árias, canções, melodias”, “ouvertures célebres”348, músicas para piano349. No início da primeira República, a loja Favorita anunciava que vendia músicas francesas, italianas e espanholas350. Nos estabelecimentos de Joaquim de Oliveira e Gualter Silva vendia-se papel de música, “de todos os formatos”351, em anúncio exclusivo para venda deste produto, demonstrando a importância deste material para o comércio e a circulação de partituras. A atividade de copiar partituras foi bastante significativa em Fortaleza, comprovada, por exemplo, pela existência de uma grande quantidade de partituras manuscritas existentes no acervo da Polícia. Em 1868 existia a copisteria352 dos compositores Herculano José de Almeida e M. L. de Moraes que mantinham um copisterio musical para escrituração de “toda e qualquer encomenda”353. Na relação de suas vendas aparecem composições dos dois músicos, valsas, hinos, modinhas e peças teatrais, com letras de escritores cearenses como José de Alencar e Juvenal Galeno354. Em 1876 Joaquim Manoel Borges 344 Constituição, 31 de julho de 1888, p.4. 345 Pedro II, 13 de novembro de 1862, p.4. 346 [ALMANACH Administrativo, Estatistico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1900. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1900], p.125, [anno 6º]] (CD- ROM). 347 SILVA, op. cit., 2011, p.62. 348 Constituição, 29 de abril de 1888, p.4. 349 “Ave Libertas- hymno, Cecy – quadrilha, A crioula – quadrilha lundú-tango” (Libertador, 26 de julho de 1883, p.1). 350 A República, 27 de novembro de 1897, p.1 351 Gazeta do Norte, 09 de julho de 1881, p.4. 352 Copisteria era o lugar onde se faziam cópias manuscritas de partituras. Os editores de música poderiam dispor de uma copisteria para produzir “cópias manuscritas para venda e aluguel de materiais para execução” ou de obras editadas. Nos teatros europeus, como o de São Carlos em Lisboa, era comum possuir sua própria copisteria a fim de produzir suas cópias direcionadas aos espetáculos da casa (CYMBRON, Luísa Mariana de Oliveira Rodrigues. Capítulo VI – O Repertório. In: A ópera em Portugal (1834-1854): o sistema produtivo e o repertório nos Teatros de S. Carlos e de S. João. 1999. Tese de Doutorado (Doutorado em Ciências Musicais, especialidade Ciências Musicais Históricas), Universidade Nova de Lisboa, Lisboa, 1999, p.264). 353 Cearense, 01 de março de 1868, p.3. Nos anúncios dos jornais, o título da notícia alternava entre “Cospiteria” ou “Copisterio musical”. Mesmo sendo uma palavra italiana, os anunciantes davam a entender que os leitores do jornal entendiam a palavra como sendo de uso comum entre os interessados ou porque a palavra já havia entrado no vocabulário dos músicos cearenses como uma palavra “aportuguesada” daquele período. 354 O Adeus ao Soldado, hino para canto e piano com música de M.L. Moraes e poesia de Juvenal Galeno; Sonhei; modinha, duo para canto e piano, de M.L. Moraes e poesia de Juvenal Galeno; Prazeres do Bailes, valsa brilhante para piano de Herculano José d’Almeida: Bella, valsa mazurca para piano de M.L.Moraes; 99 anunciava seus serviços como compositor, “habilitado para satisfazer toda e qualquer encomenda concernente a música”355. Pedro Gomes do Carmo, músico civil, pardo e que integrou a banda da polícia por volta dos anos 1880356, também fazia cópias de suas composições para vender, por exemplo a quadrilha Lanceiros, composta por ocasião da aproximação do Carnaval e vendida na casa do autor por 2$500 réis357. Essa prática se perpetuou durante o regime político seguinte com a continuação do oferecimento dos serviços feito por anúncios nos jornais. Lucila Basile cita o “professor Athayde Cavalcante” que aceitava “escriptas avulsas” nas áreas de “piano, dactilographia e escripturação musical” e o copista Gilberto Petronillo que se dizia “desenhista de música para clichê”358. Algumas músicas de compositores locais foram litografadas em Fortaleza como a valsa Tito Rocha e a valsa Reform Club, esta última litografada a pedido da associação homônima, ambas compostas por Pedro Gomes do Carmo359. Exemplares das composições impressas eram oferecidas aos jornais que as divulgavam através de nota360. Algumas destas composições eram impressas pelas livrarias e tipografias da cidade. Joaquim de Oliveira ofereceu ao jornal Gazeta do Norte um exemplar do Hymno Republicano Cearense composto por Manoel Magalhães, músico civil que atuou como maestro e compositor na banda da polícia nos anos de 1873 e 1874361; a valsa Phenix Caixeiral, de Pedro Gomes do Carmo, foi impressa na “litographia a vapor” pelo autor e oferecida à sociedade homônima362. Em fins da década de 1920 surgiram as primeiras casas que editavam partituras em Fortaleza. Uma delas foi a loja Torre Eiffel, fundada em 1890, que vendia inicialmente artigos de roupa masculina363. Em 1911 a casa comercial já era propriedade de Paulo Moraes e Filhos364 que, no fim dos anos 1920, além de vender chapéus e gravatas para homens, cintas elásticas para homens e mulheres, vendia também Barcarola, canção italiana para canto e piano; Ludovina, valsa para piano de M.L.Moraes; Picolo, peça teatral para piano; Luciola, peça teatral para piano (Cearense, 01 de março de 1868, p.3). 355 Cearense,19 de julho de 1876, p.4. 356 Sua trajetória será discutida no capítulo 6 da tese. 357 Libertador, 13 de fevereiro de 1886, p.3. 358 BASILE, Lucila Pereira da Silva. Piano na praça. Música “ligeira” e práticas musicais no Ceará (1900- 1930). 2015. Tese (Doutorado em História Social da Cultura). Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2015, p.233. 359 Cearense, 27 de outubro de 1882, p.2; Cearense, 08 de julho de 1884, p.2. 360 Cearense, 27 de outubro de 1882, p.2. 361 Gazeta do Norte, 17 de fevereiro de 1890, p.2. A trajetória de vida desse compositor será estudada no capítulo 6 da tese. 362 Revista Primeiro de Maio, 1891, p.34. 363 Gazeta do Norte, 26 de agosto de 1889, p.2. 364 Jornal do Ceará, 23 de dezembro de 1911, p.2. 100 “músicas dançantes para piano, pequena orchestra com piano e bandas musicaes: Fox- trots, Valsas, Sambas, Tangos argentinos e Ragtime […] musicas didacticas […]”, recebendo mensalmente “novidades das Edições Guanabara, Triangulo e Americana” que editavam “material dos filmes cantados”365. Mudando o nome depois para Casa Editora Torre Eiffel, a Casa editou peças para piano, tais como a valsa lenta Ayrtes de Aristóteles Ribeiro e letra de Pierre Luz e o tango-canção Irene de Mozart Ribeiro e letra de J. V. Murinely366. Outra importante editora que se destacou neste período foi a Casa Editora Ceará Musical de propriedade do professor Antônio Mouta367. Esta casa editou um número significativo de obras de compositores locais, particularmente de piano e que as punha à venda ao público em sua loja. É o caso da valsa Tua Imagem de Mozart Donizetti368, Miss Nubia de autoria de Vincenzo Cozza e letra de Pierre Luz369, o fox-trot Ninita (Miss Moderno)370, Livro de minh’alma, tango-canção de Lucy Barroso e letra de Pierre Luz371, todas elas ofertadas a jornais que, como era de praxe, faziam o agradecimento público e, em troca, divulgavam a música372. A Associação Nacional de Editores de Música (A.N.E.N.M.), que tinha como membro a Casa Ceará Musical, promoveu, no ano de 1931, um concurso nacional de piano que decorreu no Rio de Janeiro. As peças tocadas neste evento foram vendidas na loja de Fortaleza373. A banda da polícia comprou material destes dois estabelecimentos, encontrando-se no seu acervo 365 A Razão, 29 de outubro de 1930, p.2. 366 BASILE, op. cit., 2015, p. 94, 96. 367 A Razão, 19 de setembro de 1930, p.3. 368 A Razão, 22 de março de 1929, p.2. 369 A Razão, 17 de janeiro de 1930, p.2. 370 A Razão, 29 de março de 1930, p.6. 371 A Razão, 04 de dezembro de 1930, p.3. Sobre esses músicos e letristas localizamos pouca informação: Aristóteles Ribeiro era flautista, possível clarinetista e compositor; Pierre Luz, poeta; Mozart Ribeiro, pianista e compositor; J. V. Murinely, poeta; Mozart Donizetti Gondim, músico e compositor; Vincenzo Cozza, pianista; Lucy Barroso, pianista. Todos foram artistas atuantes (ou quase todos, no caso de Cozza existe dúvida se atuou) em Fortaleza, e compositores, principalmente de músicas de salão como valsas, polcas, tangos, marchas, schottish. Não foram músicos integrantes da banda da polícia, embora dois deles tenham tido suas composições executadas pelo grupo, como é o caso da valsa acima mencionada de Aristóteles Ribeiro - Ayrtes que consta do inventário das partituras da banda e de Lucy Barroso que teve sua marcha-canção Juarez Távora tocada pela banda da polícia em 1930 e 1931. Essa compositora será mencionada no capítulo 6 da tese (BASILE, op. cit., 2015). 372 A Razão, 10 de maio de 1930, p.7. 373 A Razão, 20 de outubro de 1931, p.8. 101 papéis pautados de música com o nome de “Paulo Moraes e filhos”374, de partituras impressas pela Casa Torre Eiffel375 e com o carimbo da Casa Ceará Musical376. Para além da venda de livros e partituras, a cidade de Fortaleza viu crescer neste período o comércio de instrumentos musicais. Este era feito por meio de lojas que vendiam instrumentos musicais e acessórios, mas também por agentes comerciais que fomentaram a importação de instrumentos. Aberta no fim do ano de 1864, a loja Ao Verdadeiro Propheta, especializada na venda de tecidos importados da França377, modas, chapéus, bengalas e que vendia também objetos para militares, padres e igrejas378, anunciava aos “srs. músicos” a venda de vários instrumentos musicais e material de música379. A loja Iracema vendia, em 1883, um grande “sortimento de fazendas, miudezas, calçados, objectos de fantasia”, mas também instrumentos musicais e vários tipos de acessórios: bocais para oficleides e piston, boquilhas para clarinetes e requintas, palhetas para clarinetes, requintas, saxofones e oboés, cordas para rabeca, violão e violoncelo, arcos para rabeca e violoncelo, botões para prender cordas de violão, cavaletes para violão e rabeca, cravelhas para violão, rabeca e guitarra, papel de música380. A loja Bon Marche, do proprietário Francisco Rossas & C., era uma “loja de modas, miudezas, calçados” e que também vendia instrumentos de música381. A loja Marçal, outro estabelecimento de moda aberto em 1886, juntou a esta atividade a venda de instrumentos musicais382. Seus anúncios descreviam que tinham o “mais completo sortimento” no ramo de instrumentos musicais, com “preços baratíssimos” e trazidos “com a maior brevidade a mais caprichosa encomenda deste artigo”383. O Marçal dispunha de uma variedade de instrumentos de sopro e percussão suficiente para se montar uma banda: flauta, flautim, clarinetes, requintas, saxofones, pistons, trompas, trombones, bombardões, baixos, 374 BETTINELLI, Angelo. Ars Italica. Para banda de música. ABMPMCE. 375 RIBEIRO, Aristoteles; LUZ, Pierre. Ayrtes. Valsa lenta para piano. ABMPMCE. Esta obra foi uma oferta de Paulo Moraes o qual escreveu uma dedicatória no frontispício da partitura dedicando à “banda da Força Pública” em nome da “casa Torre Eiffel de Paulo Moraes e Filhos”. Abaixo da foto, escrito também à mão, aparece a informação “26 partes” referindo-se a quantidade de partes cavadas, indicando que a peça foi adaptada para a banda e que a partitura do piano serviria de condutor para o maestro. 376 BLÉGER, M. L’oriflamme, op.651. Marcha fúnebre para banda de música. Impresso em Paris, MARGUERITAT. ABMPMCE. 377 Constituição, 12 de novembro de 1864, p.4. 378 Cearense, 14 de julho de 1869, p.4. 379 “Flautas, Flautins, Requintas, Clarinetas, Ophecleides, Trompas, Trombones, Pratos, Castanholas, Ferrinhos, Tambores, Bombos, Papel de musica, Escravelhas, Cavaletes, Rabecas, Cordas de rabecas, Ditas de violão, Campanhias, Pistons” (Constituição, 13 de outubro de 1865, p.3). 380 Libertador, 12 de novembro de 1883, p.4 381 Cearense, 25 de dezembro de 1883, p.2. 382 Libertador, 28 de julho de 1886, p.1. 383 Gazeta do Norte, 22 de março de 1888, p.3. 102 tambores, pratos, bombos, triângulos384. Além desses, comprava-se também rabecas e violões bem como acessórios para instrumentos de cordas e papel de música385. A oferta desse vasto material demonstra a existência de um mercado local de produção musical, particularmente de bandas. Outros estabelecimentos eram mais especializados na venda de certos instrumentos. A loja Confúcio Pamplona e Cª, por exemplo, vendia, entre as mobílias, as cadeiras, “trem de cosinha”, candeeiros386, tapetes e outros “artigos de uso doméstico”387, pianos Dorner [F. Doerner & Sohn, Stuttgart] 388, harmônicas de um ou dois teclados389, realejos390, bancos de piano avulsos391. Outra possibilidade quando se queria comprar um instrumento era encomendar diretamente com comerciantes sem lojas especializados em importação. Nos anos de 1860, Victor Augusto Nepomuceno vendia cordas para piano e papel pautado ao custo de 60 réis a folha392 e, posteriormente, um “órgão expressivo” para funções religiosas393. Em 1876, o ex-mestre de banda do Colégio dos Educandos, Joaquim Manoel Borges, outro possível músico da banda da polícia, mencionado posteriormente, anunciava que satisfazia “qualquer encomenda concernente a música, 384 Gazeta do Norte, 07 de dezembro de 1886, p.4. 385 Idem. 386 Gazeta do Norte, 28 de abril de 1888, p.3. 387 Cearense, 07 de junho de 1889, p.3. 388 Gazeta do Norte, 07 de dezembro de 1886, p.4. 389 Gazeta do Norte, 17 de novembro de 1885, p.3. As harmônicas eram na verdade os instrumentos denominados de harmônios, também chamados de órgão de palhetas, “frequentemente considerado um primo rural” ou “camponês” da família do órgão, por ter sido muito usado nas casas rurais da Europa pelas famílias que não possuíam dinheiro para comprar um piano. Sua disposição mais comum era com um teclado, mas quando possuíam dois teclados chamava-se de “harmônio harmônico”. Talvez seja este o motivo dos anúncios dos jornais cearenses mencionarem o nome “harmônico” ao invés de “harmônio”, ou talvez ainda por ser uma tradução livre e menos corrente da palavra na época (BERKLEY, Rebecca et al. Harmônio. In: Manual Ilustrado dos Instrumentos Musicais. Organizado por Lucien Jenkins, prefácio de Evelyn Glennie. Tradução de Denis Koishi e Danica Zugic. São Paulo: Irmãos Vitale, 2009, p. 294; OLING, Bert, WALLISCH, Heinz. Harmónio. In: Enciclopedia dos Instrumentos musicais. Tradução: Maria Filomena Duarte. Lisboa: Centralivros, Lda, 2004, p. 177-178). 390 Cearense, 16 de julho de 1884, p.4. 391 Libertador, 12 de julho de 1883, p.1. 392 Cearense, 24 de novembro de 1864, p.4. 393 Jornal da Fortaleza, 12 de março de 1870, p.3. O “órgão expressivo” mencionado por Victor Nepomuceno foi um órgão de igreja de tamanho variável, apresentando três registros para cada manual. Segundo Anthony Baines os órgãos “românticos”, construídos durante o século XIX, procuraram similar os crescendi e diminuendi característicos da dinâmica desse período. Para isso, os registros do órgão foram graduados desde muito suaves até muito fortes, dando uma “ilusão expressiva”. Os tubos que representam essa simulação de “dinâmica” estão colocados numa caixa de “expressão”, ou seja, dentro do “órgão expressivo”. Ligado a esta parte, havia um pedal expressivo que abria e fechava os foles fazendo com que o som fosse mais forte ou mais suave. Esta mecânica foi a que mais se aproximou do que se chama de “expressividade” (BAINES, Anthony. Historia de los instrumentos musicales. Madrid: Taurus Ediciones, 1988, p.52; BENNETT, Roy. Diagrama geral mostrando o corte em perfil de um órgão de igreja. In: Instrumentos de teclado. Tradução de Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1989, p. 14. Título original: Keyboard Instruments). 103 tanto para piano, como para canto e piano”, ou ainda para “instrumento de sopro como de corda”394. Existiam também comerciantes ou estabelecimentos que vendiam produtos musicais específicos, especialmente pianos, como é o caso do Pharol da Bastilha que anunciou a venda de um piano inglês395. J. A. do Amaral & Filhos noticiou que vendia caixas de música e harmônicas396. A Typografia Constitucional por sua vez, possuía em sua oficina um piano fabricado na Europa para vender397. Alguns particulares publicitavam também seus serviços de venda nos jornais. Henrique Pinto Alves anunciava frequentemente a chegada de pianos vindos principalmente da Alemanha398. Outros ainda ofertavam acessórios para os instrumentos como Manoel Ferreira Valente que vendia encordoamentos para violão399. No material anunciado pelos intermediários individuais, o piano era o instrumento mais vendido. As lojas que vendiam material de música entraram na Primeira República ainda em funcionamento. No entanto, a diminuição significativa dos anúncios nos jornais é uma indicação do seu possível fechamento no início do século XX. Ainda assim, no início do século a loja Torre Eiffel divulgava a venda de vários instrumentos musicais como violinos inteiros e ¾, imitações dos modelos do luthier Guarnieri, flautas de grenadille com chaves maillechort400, bandolins italianos, cordas para violinos, bandolins e violões, acessórios para instrumentos como palhetas para clarineta e bandolins, arcos avulsos, cravelhas, surdinas, colófones401. Na década de 1920, a Torre Eiffel e Casa Editora Ceará Musical continuavam vendendo instrumentos, acessórios e material de música para a população interessada. Lucila Basile refere ainda outra loja, a Melodia, do violinista Edgard Nunes Freire. Esta vendia “instrumentos, methodos, estudos, cordas e acessórios de música”, além de ser uma papelaria com comércio de artigos escolares, pintura e brinquedos educativos402. Ao mesmo tempo em que diminui a venda de instrumentos nas lojas de modas, surgem as lojas que vendem discos, como a Livraria Selecta, a Casa Alemã e a Rosa dos Alpes, que se tornaram representantes das grandes marcas internacionais Victor, Polidor e Pathé403. Os anúncios mostram como as novas 394 Cearense, 19 de julho de 1876, p.4. 395 Cearense, 12 de março de 1889, p.4. 396 Libertador, 05 de maio de 1886, p.1. 397 Constituição, 08 de junho de 1882, p.6. 398 Gazeta do Norte, 01 de julho de 1881, p.2. 399 Cearense, 26 de maio de 1882, p.3. 400 Grenadille é um tipo de madeira com o qual era construída essa flauta, que possuía chaves de liga metálica denominada maillechort. 401 Gazetinha, 18 de maio de 1904, p.3. 402 BASILE, op. cit., 2015, p.233. 403 Idem, p.238. 104 tecnologias estavam a mudar o panorama musical. Para os vendedores de música gravada, não era necessário mais estudar música, comprar instrumentos ou ir a concertos porque os discos tornavam a música dos compositores “do mundo” à “disposição de todos”404. Em suma, o comércio da cidade e as lojas importadoras impulsionaram o mercado musical de produção local, com a comercialização de materiais como instrumentos, acessórios, livros, métodos e partituras. Este comércio refletiu a existência do mercado musical, mas também funcionou como incentivo aos compositores locais e suas obras. A existência de ofícios como o de copista e a consequente circulação de partituras só era possível no contexto de um panorama musical ativo e dinâmico. O ensino de música na cidade restringia-se de uma maneira geral a aprendizagem com professores particulares. Para o aprendizado de instrumentos de sopro era possível recorrer à banda do colégio dos educandos, que funcionou entre 1856 a 1867, e a banda da polícia, fundada em 1854 e que começou a ensinar informalmente seus músicos passando em seguida a instruí-los nas classes de aprendizes de música. Os instrumentos mais estudados eram o piano, o canto, o violão, a flauta e o violino. A primeira escola de música criada na cidade foi a de Henrique Jorge, em 1919405. Em seguida surgiu a Escola Carlos Gomes, em 1927, dirigida por Edgard Nunes e Euclides da Silva Novo406. Nos anos 1860 a cidade contava com a presença de Victor Augusto Nepomuceno, pai de Alberto Nepomuceno, que dava aulas particulares, tocava órgão na Matriz e contava com uma orquestra para tocar nas Igrejas e em eventos particulares407. Outro professor foi Manuel Magalhães, que organizou a orquestra Santa Cecília na década de 1880, e tocava em festas e missas nas igrejas, bailes, teatro, entre outros lugares408. 404 Idem. 405 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1922. Director: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Gadelha, 1922, p.192 (CD-ROM). O músico civil Henrique Jorge aparece registrado na imagem da banda da polícia de 1910 ao lado do ensaiador, maestro Penido. Henrique Jorge e Luigi Maria Smido regeram a banda da polícia por ocasião da inauguração do Teatro José de Alencar, assunto que será discutido no capítulo 5. 406 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1930. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 35º anno, 1930, p.73 (CD-ROM). Edgard Nunes era violinista e Euclides da Silva Novo mencionado como maestro e compositor. Os dois não foram músicos da banda embora Silva Novo tivesse algumas composições tocadas pela banda da polícia: marchas Santa Cecília, Rosa Maia, Miss Fortaleza, Brasil Novo e Patria Nova, valsas Olga Rosa e Zenaide Ramos, fox-trot Ninita, e a composição sem indicação de gênero Miss Prainha. 407 Constituição, 15 de outubro de 1865, p.3. O Tenente-coronel Holanda, em seu livro sobre a Banda da Polícia do Ceará, menciona que Victor Nepomuceno foi músico da banda. Em nossas fontes pesquisadas não encontramos tal informação (HOLANDA, op. cit., 2004, p.29). 408 Constituição, 16 de julho de 1882, p.2; Gazeta do Norte, 07 de dezembro de 1886, p.1; Cearense, 01 de outubro de 1888, p.1. 105 Nos anos de 1900 foi a vez de Zacarias Gondim, ensinando e atuando com sua orquestra nas Igrejas e outros eventos na cidade409. No plano político, alguns acontecimentos que ocorreram no Brasil e no Ceará durante o Império contaram com a participação ativa da banda da polícia. A presença da banda na Abolição da Escravatura no Ceará e nas festas da proclamação da República realçaram a magnitude dos atos, a simbologia das manifestações, a grandiosidade da celebração, seus discursos, sua pompa, seus objetivos. Sua participação era praticamente uma exigência dos organizadores, como se sua presença fosse um elemento de afirmação da importância do ato. Antes desses dois acontecimentos, a Guerra do Paraguai, iniciada no ano de 1865, convocou muitas pessoas de todo o Brasil. Ao contrário do que ocorreu noutras regiões do país, a banda da polícia do Ceará não foi convocada para participar nos campos de batalha como combatente ou exercendo as funções musicais410. Contudo, alguns de seus membros alistaram-se como Voluntários da Pátria antes do conjunto ser desativado e permanecer inativo durante o conflito, constituindo exemplos o então músico da banda Antônio Moreira da Costa e Antonio Mattoso da Silva Vieira, também músico411. No retorno dos voluntários cearenses a banda da polícia não participou dos festejos públicos porque seu grupo encontrava-se desativado nesta época, só voltando as atividades no ano seguinte, em 1871412. A Abolição da Escravatura em 1884, quatro anos antes da que ocorreu em todo o Brasil, foi um acontecimento marcante para a província. Durante os anos que antecederam a abolição muitos escravos foram sendo libertados em festas abolicionistas que contaram, algumas delas, com a participação da banda da polícia. Em março de 1881, 409 Jornal do Ceará, 21 de junho de 1905, p.2; Jornal do Ceará, 16 de março de 1907, p.6. 410 A presença de bandas de música nos campos de batalha e seus arredores, tanto do Brasil quanto do Paraguai, são mencionados em alguns jornais do Ceará que traziam notícias sobre este conflito desde os anos iniciais até próximo ao seu término, mencionando até mesmo a morte de músicos: “[…] O vapor “Apa” continúa a ter içada a insignia do almirante (enquanto fóra de combate) e é talvez por isso que os inimigos lhe fazem continuas pontarias. Comquanto fundeado este navio na margem oposta á do Paraguay, guardando-se em distancia conveniente, já tem sido tocado por cinco balas, do que resultou á bordo ligeiro ferimento apenas em uma praça da banda de musica. […]” (Cearense, [20 de março] de 1866, p.3); “Rosario, 2 de fevereiro de 1870 – Embarcam amanhã os primeiros batalhões de voluntarios da pátria que es [se] retiram do Paraguay. Cinco anos de incessante lucta, cinco anos de honra, é a divisa nobremente ganha por esses lidadores, que vão procurar os lares […]. O 17 de voluntários da pátria é batalhão todo composto de mineiros. Formou-se por ocasião do maior enthusiasmo no Brasil de 1866, e recebeu a nata das cidades de Minas-Geraes. […] A banda de musica era excelente: todos em Minas tem vocação pela divina arte. […] Durante a retirada ainda entoava hymnos guerreiros; depois calou-se, os musicos morreram uns de bala, outros de cholera, os instrumentos perderam-se. A ultima vez que tocaram foi junto ao Ribeiro das Cruzes” (Jornal da Fortaleza, 12 de março de 1870, p.1-2). 411 Ofício ao Comandante da Polícia em 13 de fevereiro de 1865. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.93, APEC. 412 Jornal da Fortaleza, 03 de maio de 1870, p.1. 106 por exemplo, a sociedade Libertadora Cearense organizou uma grande festa na cidade para a entrega de 35 cartas de emancipação. Segundo o redator do Gazeta do Norte, este “foi um acontecimento brilhante que arrastou todas as classes da população da capital para aplaudir mais uma victoria do pensamento abolicionista”413. O evento iniciou-se às 5 e meia da tarde com a bênção de uma bandeira confecionada pelos libertados para ser oferecida à sociedade Libertadora. Após a bênção e devolução da bandeira aos ofertantes, todos seguiram em passeata em direção ao Passeio Público. Aí, a cerimônia constou da entrega das cartas por João Cordeiro, presidente da sociedade e execução do hino da Libertadora Cearense, sendo o canto iniciado por Frederico Severo e Lima Penante, acompanhados do coro do Teatro São José e da banda de música da polícia. “Ao som de vivas frenéticos” e precedidos das bandas do 15º batalhão e da banda da polícia, a multidão saiu em passeata pelas alamedas do Passeio, retornando depois à tribuna onde aconteceram novas homenagens. Seguiram depois pela cidade onde a passeata se dissolveu em frente do Club Cearense. Neste espaço, foi “improvisada uma animadíssima soirée” que se estendeu até as duas horas da manhã, sendo provável que a banda da polícia tenha animado a festa. Na menção aos convidados da soirée sobressai a total ausência dos homenageados da festa abolicionista414. Nestes anos, as sociedades libertadoras encomendaram hinos a vários músicos de Fortaleza. Ao maestro Pedro Gomes do Carmo, músico contratado da banda da polícia, foram encomendados diversos hinos comemorativos. Ele compôs o Hino da Redempção para ser cantado no dia da festa da abolição oficial da escravatura no Ceará, 25 de março de 1884415. No ano anterior, este músico já havia composto hinos para a Sociedade Libertadora Mossoroense da província do Rio Grande do Norte416 e para o município de Canindé (região norte do Ceará)417. Quando da libertação, em 1884, as comemorações foram prolongadas por diversos dias, contando sempre com a participação das duas bandas de música militares. A 24 de Março, na véspera, foi celebrado o “festim dos pobres” com dois banquetes realizados simultaneamente, um no Instituto de Humanidades e outro no Outeiro das Educandas. No primeiro esteve a banda de música do 11º Batalhão, no Outeiro, a banda da polícia. Após esses eventos, José Albano Filho, sócio da Sociedade Cearense 413 Gazeta do Norte, 27 de março de 1881, p.2. 414 Idem. 415 Libertador, 20 de março de 1884, p.2. 416 Libertador, 24 de setembro de 1883, p.2. 417 Libertador, 25 de setembro de 1883, p.2. 107 Libertadora, convidou os organizadores e presentes na “festa da pobreza” para um “profuso copo d’água” em sua casa presidido pelo arcebispo da Bahia, o bispo da diocese de Fortaleza e o presidente da província Satyro Dias. Neste local tocou somente a banda de música do Corpo de Polícia418. No dia seguinte, os canhões da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção acordaram a população com uma salva de 21 tiros e fogos estourando ao ar. O raiar do dia foi saudado ao mesmo tempo por uma alvorada musical, tocando ao norte da cidade a banda do 11º Batalhão, e ao sul, a banda Policial. Seguindo em passeata e acompanhada do povo, a banda passou em frente do Palácio do Governo e das redações dos principais jornais da cidade. Todos se dirigiram para a sessão magna na praça Senador Castro Carreira, em frente a estação da Estrada de Ferro de Baturité. Neste local, dois coretos foram colocados para as duas bandas de música. Presentes estavam uma multidão de pessoas, as autoridades religiosas, as associações libertadoras, o corpo consular, os representantes da imprensa, o chefe de polícia e o senador Castro Carreira. Às 12:15, com a chegada do presidente da província, iniciou-se a sessão com a execução do hino “patriótico da Redempção”, executado pela banda policial, cantado por vozes de senhoras cearenses e acompanhado pelo grupo lírico italiano que passava por Fortaleza nestes dias. Após o discurso do presidente da província, foi proferida de modo solene a declaração de abolição. Ao final da leitura ouviram-se novos tiros de canhão disparados da Fortaleza da Nossa Senhora d’Assumpção. Depois desta ruidosa manifestação, seguiram-se vários discursos. Das mais de 15 pessoas que subiram à tribuna para falar nenhum ex-cativo foi chamado para discursar. Não há, de resto, notícias da presença nesta festa de qualquer liberto. Finalizando o evento às 15:30, as duas bandas militares tocaram o hino nacional ao som de palmas e entre aclamações da multidão419. Na Catedral celebrou-se às 18 horas o canto do Te Deum. Novamente ouviu-se uma salva de 21 tiros de canhão vindo da Fortaleza de Nossa Senhora d’Assumpção. A marcha cívica foi transferida para o dia seguinte, uma vez que as ruas ficaram repletas de pessoas420. No dia 26, entre outros eventos, saiu durante a tarde uma marcha cívica da Praça do Palácio organizada pela Classe Caixeiral. Seguida por uma banda de música – sem informação de nome –, a marcha constituiu uma “a allegoria mais significativa da grandeza cearense”. Nesta marcha, um carro alegórico levava três crianças representando 418 Libertador, 01 de abril de 1884, p.2; Libertador, 02 de abril de 1884, p.2. 419 Libertador, 02 de abril de 1884, p.2-3. 420 Libertador, 03 de abril de 1884, p.2. 108 as três “raças brasileiras”. A primeira alegoria era o “Ceará”, representado pela “formosa Cecilia”, uma criança de 10 anos, branca421, significando a “beleza moral desta província”. A segunda alegoria era o “Brazil”, incorporada pela menina Luiza de 8 anos, “typo indiana brazileira”, apresentando os “traços primitivos, puros e correctos”. A terceira alegoria era a “Escravidão”, representada por um menino negro, sem indicação do nome, de tanga azul, demonstrando a “trevosidade da instituição nefanda”. Para o redator era uma alegoria significativa porque “impunha-se” pela “razão à grandeza das intenções que representava”422. Refletia-se assim o pensamento da época sobre as etnias formadoras da nação: a supremacia branca era formosa e bela, física e moral; o índio, se não tinha traços belos, representava a pureza em seu grau primitivo; e o negro, fincado apenas num passado abominável, sem traços de seu futuro. Outra simbologia implícita na alegoria estava relacionada com os lugares. O Ceará, representado pela figura branca, propagava ser uma terra de brancos. Se a superioridade econômica não era uma realidade, o jornal afirmava que a superioridade moral existia. A tipificação do Brasil como índio reforçava a linha dos discursos indianistas de escritores e intelectuais do país423. O negro não tinha especificação de lugar. Sendo a escravidão negra uma “instituição” mundial, ela não foi compreendida como sendo de um lugar específico, nem mesmo suas consequências. No dia 27 as comemorações estenderam-se à casa de detenção de Fortaleza, com a presença da elite política, religiosa, intelectual da cidade, algumas associações dentre elas o Club dos Libertos424 e de uma das bandas militares. Durante a sessão foram feitos vários discursos e apenas uma “criança” falou em nome dos presos425. De tarde, para finalizar os quatro dias de comemorações, realizou-se nova marcha cívica. Às 4 da tarde, na Praça da Sé, formou-se um “longo e compacto esquadrão”. Abrindo o préstito 421 Esta informação não é literalmente mencionada no relato, mas fica implícita sua cor devido a descrição das outras crianças, uma indiana e a outra negra. 422 Libertador, 07 de abril de 1884, p.2. 423 SKIDMORE, Thomas E. O contexto intelectual da Abolição no Brasil. In: Preto no branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro (1870-1930). Tradução de Donaldson M. Garschagen. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p.41. Título original: Black into White: Race and Nationality in Brazilian Thought; ALONSO, Angela. O indianismo romântico: a nação imaginada. In: Idéias em movimento: a geração de 1870 na crise do Brasil-Império. São Paulo: Paz e Terra, 2002, p.56-64. 424 O Club dos Libertos instalou-se em 01 de junho de 1882 sob a proteção da sociedade Cearense Libertadora. Com a inscrição de mais de 80 sócios libertos tinha o objetivo de “auxiliar pelo trabalho e humanitária propaganda de extinção da escravatura na província”. Analisando o objetivo descrito e a atuação do clube, o que se observa é que, mesmo sendo uma associação de ex-escravos, a agremiação não se ateve as necessidades e interesses dos libertos pós-libertação, apenas em lutar pela “extinção” da escravidão (Constituição, 28 de maio de 1882, p.2; Constituição, 01 de junho de 1882, p.2). 425 Libertador, 09 de abril de 1884, p.2. 109 vinham os estandartes desta sociedade e de outras associações acompanhados de carros e comissões alegóricas. Dando cadência à marcha, as duas bandas de música do 11º Batalhão e da Polícia, tocando o hino da Libertadora Cearense. Em seguida, um grande Carro Triunfal com “formosas cearenses” simbolizava o lema do imaginário republicano francês de Liberdade, Igualdade e Fraternidade426. A Liberdade era representada por uma jovem da sociedade cearense, a “Exma Sra. D. Maria Moraes”, que estendia sua mão esquerda “a victima da escravidão” e com uma lança apontada para frente indicava o horizonte da “pátria livre”. A Igualdade era representada por uma descendente da raça africana, Ignez Maria da Annunciação, “negra, mas formosa”, comparada à imagem bíblica de Jerusalém, que sofre as dores do parto e que se alegra com o nascimento do filho salvador. A imagem bíblica é comparada a figura negra que depois dos horrores do cativeiro exulta de alegria por ver-se restituída a “terra da luz”, onde todos são iguais perante Deus e a natureza, perante a sociedade e a lei. Por fim, a Fraternidade, representada pela “Exma. Sra. D. Amelia Vieira Theophilo”, estende sua mão amiga a uma virgem africana. A descrição de porte e majestade, demonstra a postura superior de “salvadores” e “heróis” encarnado pelos emancipadores427. No dia 28, uma comissão do comércio da praça José de Alencar solicitou ao governo uma nova manifestação festiva para a qual o presidente da província enviou a banda de música do Corpo de Polícia428. Os ecos destes dias foram ouvidos no interior do Ceará e em várias outras províncias como o Pará429, Rio de Janeiro430, Paraíba431, São Paulo, Rio Grande Sul e Alagoas432, que fizeram referência a este dia e realizaram festas para celebrarem o acontecimento cearense. Nos meses seguintes, continuaram a ocorrer eventos pela cidade a fim de celebrar o dia da abolição cearense. Em algumas delas marcou presença a banda da polícia. Em 24 de maio houve um romper da aurora com alvorada musical realizada pela banda do 11º Batalhão em frente ao Palácio do Governo e, ao entardecer, a banda da polícia tocou na frente do escritório do jornal Libertador. Às 7 horas da noite a população seguiu em passeata, com a banda da polícia à frente, para felicitar o presidente da província433. Seguiram-se ainda neste dia comemorações no 426 CARVALHO, José Murilo de. República–mulher: entre Maria e Marianne. In: A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 13º reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.75. 427 Libertador, 16 de abril de 1884, p.2. 428 Libertador, 19 de abril de 1884, p.2. 429 Libertador, 14 de abril de 1884, p.2. 430 Libertador, 09 de abril de 1884, p.2. 431 Libertador, 14 de abril de 1884, p.4. 432 Libertador, 21 de abril de 1884, p.2. 433 Libertador, 24 de maio de 1884, p.2. 110 Teatro São Luiz e, no dia seguinte, uma missa promovida pelo Club dos Libertos na Igreja do Rosário434. Nas comemorações da libertação oficial da escravidão no Ceará é possível observar uma “invisibilidade do negro”435. Para Janote Pires Marques o processo de abolição cearense foi feito por uma “elite” política e intelectual que tomou para si uma missão de cunho patriótico, assumindo um papel de “heróis cívicos” que proporcionaram a salvação aos cativos. Estes, por outro lado, foram “vistos como sujeitos inertes no processo emancipatório”436. Estes aspectos podem ser observados tanto na chamada pública de convocação do povo às comemorações437, quanto na memória das festas construída pelos jornais438. O registro dos periódicos sobre a participação do negro nas festividades foi quase inexistente. Enquanto Marques menciona apenas uma única participante, a negra Inês Maria da Anunciação na marcha cívica do dia 27439, acrescentamos ainda o registro da participação do garoto na marcha do dia 26 e da menção ao Club dos Libertos na casa de detenção na manhã do dia 27. A presença do negro existiu na festa, afinal as comemorações marcavam o fim de uma história de cativeiro, desigualdade e injustiças. Mesmo sem precisar a real quantidade de participação do negro na festa, o que é mais significativo apontar é que ele não foi reconhecido como figura central no evento e no processo abolicionista. No fundo, tudo não passou de uma “festa”, de um momento sem transformação profunda da condição social do negro. Na descrição do jornal, tanto Inês, “negra, mas formosa”, sem nenhuma referência a um pronome de tratamento como com as outras, quanto o garoto negro, sem nome, sem roupa, caricaturado em um passado, sem futuro, foram recheados de preconceitos e visões demarcadas. Quanto aos membros do Club dos Libertos, sua voz não foi ouvida, nem na tribuna do dia mais importante, que foi a declaração da abolição na praça da Estação de Ferro, nem na casa de detenção. Os anseios e as necessidades, tanto individuais quanto coletivas dos negros, não foram levados em consideração; imperou uma visão passiva de 434 Idem, p.1-2. 435 MARQUES, Janote Pires. A invisibilidade do negro na história do Ceará e os desafios da lei 10.639/2003. Poiésis, v. 7, n. 12, p. 349-350, Jun./Dez. 2013. Disponível em: Acesso em: 13 nov. 2015. 436 MARQUES, Janote Pires. Festas de Negros em Fortaleza: territórios, sociabilidades e reelaborações (1871-1900). 2008, 1 v. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2008, p.26. 437 Libertador, 20 de março de 1884, p.2. 438 Libertador, 01 de abril de 1884, p.2; Libertador, 02 de abril de 1884, p.2-3. 439 MARQUES, op.cit., 2008, p.35. 111 uma raça que foi libertada, mas não se libertou440. A festa da libertação dos escravos do Ceará foi a expressão do “projeto civilizador” propagado pela elite “branca” política, intelectual e religiosa. Dentro deste projeto, as bandas de músicas militares participaram como agentes “civilizadores” dentro da estrutura de pompa e exaltação montada nestes dias441. A proclamação da República em 1889 foi outro importante momento político, bastante comemorado em Fortaleza, que contou com a participação de vários segmentos da sociedade e da banda da polícia. Com a notícia da proclamação da República iniciaram-se os festejos públicos para dar “vivas á Republica Brazileira e ao Estado Livre do Ceará”. No dia 17 à noite os alunos da Escola Militar “organisaram uma marcha aux faumbleaux” [marche aux flambeaux]442 ao “som da marselhesa” a fim de comemorar a chegada da República. No dia seguinte, à uma da tarde, perante a câmara municipal da cidade, prestou juramento o primeiro chefe do poder executivo do Estado Livre do Ceará, o Coronel Luiz Antonio Ferraz, comandante do 11º Batalhão. Estavam presentes a oficialidade do 11º Batalhão de Infantaria, os alunos da Escola Militar, o corpo de Aprendizes Marinheiros, a Oficialidade da Marinha, chefes de repartição, “senhoras distinctas da nossa sociedade que assinaram o ato de instalação do governo provisório” e “numeroso do povo”. Após o juramento, “as bandas militares tocaram a marselhesa” enquanto na Fortaleza de Nossa Senhora d’Assunção ouviu-se uma salva de 21 tiros. Terminada a sessão seguiram todas as pessoas para o quartel-general, parando antes na praça General Tibúrcio onde fizeram continências ao herói cearense. Na noite do dia 19, os estudantes do Liceu reuniram-se no Passeio Público com uma banda de música. De lá seguiram para o quartel-general para felicitar o Coronel Ferraz “pelo advento da 440 Idem, p.33, 35. 441 O músico Carlos Gomes escreveu a marcha Ao Ceará Livre em comemoração a data da abolição dos escravos. A data é informada no frontispício da peça. A composição desta música, dirigida a formação de banda, é interessante, pois demonstra que Carlos Gomes tinha conhecimento de qual grupo poderia executar a peça, no caso, uma das duas bandas militares existentes na época. Existe uma cópia manuscrita da partitura original no acervo da banda da polícia, datada de 1951 e assinada pelo copista Pedro Cassiano Nogueira, da cidade de Barretos, São Paulo, e outra assinada pelo copista e arquivista da banda da polícia Alberto Mendes da Rocha. Por terem sido copiadas apenas no ano de 1951, fora de nosso recorte temporal, essa composição não foi incluída no inventário que fizemos das partituras da banda (GOMES, Carlos. Ao Ceará Livre, marcha popular para banda de música, 1951 [25 de março de 1884]). 442 Durante a segunda metade do século XIX e início do século XX foram feitas muitas passeatas públicas em que os participantes andavam pela cidade à noite, tendo o acompanhamento das bandas de música. A falta de uma iluminação mais forte nas ruas fez com que os participantes usassem tochas para melhorar a luminosidade durante a caminhada. Na convocação da passeata nos jornais, os organizadores mencionavam que iam fazer uma “marche aux flambeaux” (marcha com tochas), expressão que começa a aparecer a partir da década de 1880. 112 República”. Após recepção e discurso do Coronel e de João Cordeiro, o libertador emérito, voltaram em desfile ao Passeio443. Os festejos públicos de comemoração que envolveram toda a população aconteceram apenas no dia 24 de novembro de 1889. Pela manhã as ruas foram ocupadas pelas pessoas que manifestaram sua alegria pela implantação da República. As bandeiras de “todas as nações” foram penduradas nos edifícios e casas de Fortaleza com exceção da de Portugal. Do mar, às 7:30 da manhã a canhoneira nacional Cabedello saudou o pavilhão do Estados Unidos da República Brasileira com tiros, correspondida em seguida pela Fortaleza de Nossa Senhora d’Assunção. De tarde, às 4 horas, a população se concentrou no Passeio Público. Iniciada às 5 da tarde com uma nova salva de 21 tiros vindo da Fortaleza, a “procissão patriótica” partiu pelas ruas da cidade tendo a frente o pavilhão da confederação brasileira, precedida pelos representantes de várias associações e colégios da cidade. Estavam presentes a Câmara Municipal de Fortaleza, o Centro Republicano Cearense, membros do poder executivo, a oficialidade de mar e terra, os alunos dos colégios e escolas públicas, Club dos Libertos, a classe artística, o corpo caixeiral, empregados do comércio, os chefes de repartição e os funcionários. Fechando o préstito vinha a 1ª brigada composta pelo “11º de infantaria, dos marinheiros da guarnição do «Paquequer» e «Cabedello», a companhia de aprendizes marinheiros e as duas bandas militares, a 11º e do corpo policial”444. Após percorrer as ruas da cidade e parar em frente ao Centro Republicano e Câmara Municipal, a marcha retornou ao Passeio Público de onde dispersou-se às 18:30. De noite, às 20 horas, o Centro Republicano Cearense realizou uma sessão solene no Teatro São Luiz. O edifício foi “invadido por uma multidão”. Senhoras e cavalheiros das “mais distinctas classes” usavam “laços e distinctivos nacionais”. O chefe do governo provisório, o Coronel Ferraz, foi recebido ao som da marselhesa. No palco, para além da mesa destinada aos membros do Centro, encontrava-se, de um lado, a tribuna para os oradores e do outro o piano para a parte musical445. A sessão iniciou-se com a execução do Hino Republicano Cearense, composição do maestro Manuel Magalhães, executado pela banda da polícia e que o público ouviu de pé446. A sessão seguiu entre discursos, poesias e a parte musical447. 443 Gazeta do Norte, 21 de novembro de 1889, p.2 444 Gazeta do Norte, 25 de novembro de 1889, p.2; Libertador, 25 de novembro de 1889, p.2. 445 Libertador, 25 de novembro de 1889, p.2. 446 Gazeta do Norte, 25 de novembro de 1889, p.2. 447 Libertador, 25 de novembro de 1889, p.2. 113 Como em todo o Brasil, a marselhesa foi adotada inicialmente como Hino da República em substituição do Hino Imperial de Francisco Manuel da Silva. O hino francês representava o “símbolo universal da revolução” extrapolando sua própria fronteira nacional448. A França era o modelo dos revolucionários republicanos e a marselhesa o símbolo desta revolução449. No Ceará, a marselhesa foi cantada e executada várias vezes como hino oficial da República em diferentes manifestações públicas. A nível nacional houve uma tentativa, frustrada, de oficialização de um novo hino representativo da república brasileira. Durante o ano de 1890, populares exigiram a permanência do hino monárquico. A música de Francisco Manuel já fazia parte da tradição e do imaginário sonoro do povo e havia se tornado um “símbolo da nação”, marcado pelas lembranças da Guerra do Paraguai. Além disso, no meio “erudito”, o antigo hino era conhecido pela execução da Fantasia para piano composta pelo americano Louis Moreau Gottschalk450. O governo realizou um concurso ainda no ano de 1890 para escolher o novo Hino da República, ganhando o de Leopoldo Miguez. Contudo, o governo federal não obteve êxito frente à exigência popular de preservar o hino imperial. A solução foi manter o de Miguez como o Hino da Proclamação da República e colocar uma nova letra no hino de Francisco Manuel, escrita por Osório Duque Estrada. José Murilo de Carvalho assinalou que o retorno ao hino monárquico foi uma vitória popular451. Nesta questão sobre a escolha do Hino Republicano brasileiro é importante sublinhar a importância que as bandas tiveram na decisão. Afinal, foram elas as principais executoras dos hinos durante o Império, tocando nos diversos locais em que atuaram, seja nas manifestações políticas, nas festas comemorativas de datas locais e nacionais, nos palácios dos governos ou até mesmo em festividades particulares. Portanto, tanto em eventos oficiais quanto não oficiais, as bandas de música executavam o hino monárquico. Sendo assim, a recordação que o Hino Imperial trazia à memória da população brasileira não era somente de um período de guerra, mas também da memória de um período ligado até mesmo ao âmbito pessoal, de recordações de acontecimentos públicos e privados que se associavam à execução do Hino monárquico. Durante Primeira República, Antônio Pinto Nogueira Accioly destacou-se na presidência do estado, governando durante três mandatos compreendendo os anos de 448 CARVALHO, José Murilo de. Bandeiras e hinos: o peso da tradição. In: A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. 13º reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p.110. 449 Idem, p.111. 450 Ibidem, p. 125-126. 451 Ibidem, p. 126-127. 114 1896-1900, 1904-1908 e 1908-1912. Seu governo foi marcado por abusos de poder, nepotismo, corrupção, violência. O intervalo de 1900-1904, em que assumiu o estado Pedro Augusto Borges, é tido como uma continuação da oligarquia acciolyna, já que Nogueira Accioly indiretamente governou o Ceará por meio de aliança estabelecida com Borges452. A oligarquia acciolyna foi marcada pela reorganização da Força Policial Militar, pela presença de uma polícia secreta, por violência e assassinatos453. Em relação a banda, contudo, o grupo musical conseguiu manter uma média de 30 músicos por lei, aumentando e mantendo o número de integrantes em comparação aos anos anteriores454. Como analisaremos com maior profundidade no capítulo 6, um ponto importante desta fase foi a autorização do alistamento de menores de 18 anos no conjunto como aprendizes de música. Essa ação ajudou a formar os músicos no interior da banda, diminuindo a participação externa de civis em sua composição. Foi durante o seu governo que se constituiu a Orquestra do Batalhão de Segurança que desde os anos iniciais do século XX se fazia presente em eventos na cidade455. Em 1912 a situação de Nogueira Accioly tornou-se insustentável aumentando o descontentamento popular e a oposição política ao seu governo456. O estopim para sua deposição foi a passeata das crianças, organizada pela Liga Feminina Libertadora Pró-Rabelo, que, em 21 de janeiro de 1912, saiu pelas ruas da cidade apoiando o candidato ao governo Marcos Franco Rabelo. A manifestação reuniu cerca de 8 mil pessoas que acompanharam a manifestação pelas ruas. Ao chegar na praça do Ferreira dois pelotões de cavalaria começaram a atacar as pessoas, gerando tumulto, desordens, tropeços, quedas. Crianças foram pisoteadas e uma delas, um menino de 10 anos que suplicava para não morrer, foi morta com um tiro à queima-roupa por um policial. Em seguida, o policial foi morto por um cabo do exército “revoltado com o que presenciara”. Nos dias 21 a 24 de janeiro Fortaleza foi uma “praça de guerra”. Estudantes, operários, caixeiros, chefetes, inflamados pela morte da criança e do ataque à passeata, 452 FARIAS, op. cit., 2012, p. 236-252. 453 BARBOSA, Carlos Henrique de Moura. Organização, formação e atuação policial durante a “Oligarquia Accioly” em Fortaleza-CE (1896-1912). 2011. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - ANPUH, XVI, 2011, São Paulo; SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA, XVI, São Paulo, Anais eletrônicos... ANPUH, 2011, p.1-16. Disponível em: Acesso em: 03 mar. 2013. 454 As imagens da polícia em anexo apontam para um número superior a este, questão que será analisada no capítulo 5. 455 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1904. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1903, p.88, anno 10º (CD- ROM). 456 FARIAS, op. cit., 2012, p.248. 115 pegaram em todo o tipo de arma e percorreram a cidade atacando prédios públicos e propriedades da família Accioly. Bondes foram queimados, estradas bloqueadas, houve corte no fornecimento de água. Por seu lado, o governo “colocou o aparato militar estadual nas ruas” para intimidar os revoltosos, entrava nas casas fechadas para matar. Os populares, por outro lado, “trucidavam policiais”. Com a pressão aumentando, a única saída para Accioly foi acatar o conselho de seu genro e renunciar, o que aconteceu no dia 24 de janeiro de 1912457. Da deposição de Accioly resultou a saída dos músicos civis da banda e dos menores aprendizes, marcando com toda a probabilidade o fim da contratação civil de músicos para a banda da polícia. Dois anos depois, outro conflito civil envolvendo partidários e adversários de Franco Rabelo ocorreu no interior do Ceará e quase chegou a Fortaleza. A “Sedição de Juazeiro” foi um movimento golpista ocorrido no período de 1913 e 1914 em Juazeiro do Norte e difundido por toda a região sul do estado. Teve forte participação do padre Cícero e de seu aliado Floro Bartolomeu. Era formado por oligarcas e coronéis que acabaram por depor o presidente Franco Rabelo458. Antes de chegar à capital, foram acontecendo saques em cidades vizinhas como Maranguape e Pacatuba. “Um acordo de última hora” acabou impedindo de chegar a Fortaleza. Mesmo assim, espalhou terror pela cidade459. Politicamente o governo de Accioly foi um dos mais autoritários e repletos de irregularidades no Ceará, mas foi também um dos períodos em que a banda da polícia mais se desenvolveu, especialmente por causa da contratação do maestro italiano Luigi Maria Smido, da criação da Orquestra do Batalhão de Segurança e devido à presença dos menores aprendizes de música. A eclosão da 1ª Guerra Mundial (1914-1918) foi outro acontecimento que teve grande repercussão na cidade e acabou por refletir também na Força Policial Militar do Ceará. A declaração brasileira de apoio aos aliados aumentou as preocupações do Exército Nacional com a defesa do país e se voltasse a discutir o serviço militar interno460. As estratégias para aumentar os quadros de reservistas passaram pela intensificação do discurso “militar-patriótico”, materializado na instalação dos Clubes de Tiro e os Batalhões Patrióticos461. Para aumentar seu contingente, o Exército Nacional lançou mão 457 Episódio e citações mencionadas por FARIAS, op. cit., 2012, p.249-242. 458 FARIAS, op. cit., 2012, p.270. 459 NEVES, op. cit., 2007, p.86-87. 460 BARBOSA, Carlos Henrique Moura. Policiando o sertão: policiais militares, poderes locais e ordem pública no Ceará da Primeira República (1889-1930). 2014. Tese (Doutorado em História Cultural). Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2014, p.128,130. 461 Idem, p.128-129. 116 da Lei Federal 3.216 de 03 de janeiro de 1917 que dava possibilidade aos estados de transformarem suas Forças Militares de Polícia em forças auxiliares do Exército462. Esta proposta foi aceita pelo comando da Força Policial cearense que assinou o convênio em 1918463. A partir desse momento, deu-se uma intensificação do aspecto militar da Força que acabou por refletir na banda da polícia464. Igualmente importante para compreendermos o contexto em que a banda da polícia operava é o processo de crescimento e transformação urbana. A cidade de Fortaleza passou por um “processo de remodelação sócio-urbana” a partir de 1860 que se prolongou durante as três primeiras décadas do século XX. Essas mudanças urbanas seguiram uma tendência visível em todo o Brasil, inserida no contexto da Belle Époque, afetando não somente os aspectos urbanos, como também alterando “comportamentos e condutas”, maneiras de perceber e de sentir465. A cidade principia a construção de calçadas e constrói a Santa Casa de Misericórdia e o Lazareto da Lagoa para zelar pela saúde pública. Na década de 1870, surge o novo cemitério São João Batista. Estas construções refletem o pensamento médico-higienista difundido durante todo o período. Afinal, muitos médicos cearenses vinham de uma formação europeia baseada no modelo da medicina sócio-urbana466 em que a modernização da cidade passava pela medicalização da sociedade e dos espaços urbanos467. Outra obra importante desta década foi a instalação da iluminação pública a gás carbono468 que melhorou a iluminação da cidade e contribuiu para que a população ocupasse mais as ruas durante a noite. Os concertos noturnos da banda da polícia no Passeio Público e as várias manifestações que teve a participação da banda durante o Império e a Primeira República traduzem o significativo crescimento dos eventos públicos noturnos na cidade. As praças representaram importantes lugares de sociabilidade e lazer além de locais de afirmação dos pensamentos políticos, sociais e culturais vigentes. A principal delas foi o Passeio Público. Construído com o intuito de servir para recreação e lazer público, seguiu os modelos em voga na época. Inaugurado no ano de 1880, foi edificado 462 Ibidem, p.131-132. 463 ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1919. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo Moderna-Carneiro & C., 1919, p. 93, 22º anno (CD-ROM). 464 O assunto sobre o convênio federal com as polícias militares será tratado no próximo capítulo. 465 PONTE, op. cit., 2007, p.162-163. 466 Idem, p.164. 467 COSTA, op. cit., 2012, p.7. 468 PONTE, op. cit., 2007, p.164. 117 sobre o antigo Campo do Paiol, posteriormente chamado de Praça dos Mártires469. Era um jardim arborizado, arejado, com vista para o mar, possuía um coreto (construído posteriormente), café e passarelas pavimentadas para as caminhadas do público. Foi decorado com estátuas de divindades gregas, canteiros de flores e longos bancos que promoviam uma sociabilidade mais prolongada. Era um lugar de diversão para todos e possuía uma particularidade que as outras praças da cidade não possuíam: planos. Cada um dos três planos destinava-se a uma categoria da sociedade. O primeiro era frequentado pelas elites, o segundo pelas camadas médias, e o terceiro pelos populares470. Segundo Raimundo Girão esta separação não era resultado de “quaisquer recomendações nem imposição policial”, mas traduzia um espaço “espontaneamente diferenciado”471. Para o historiador Sebastião Ponte a “naturalidade” da separação era resultado de um “segregacionismo social existente” reforçado pela “modernização em curso que conferia às elites a primazia dos espaços públicos ora embelezados”472. A frequência ao Passeio foi bastante alta até os anos de 1930, quando foi perdendo atratividade para os clubes, cinemas e banhos de mar473. Outra importante praça foi a do Ferreira, mencionada no tópico anterior. Chamada anteriormente de Carolina, Pedro II, Feira Nova e Praça da Municipalidade, recebeu o nome de Ferreira em 1871 em homenagem ao Boticário Ferreira que aí possuía uma botica. Era o principal logradouro da cidade onde, em seu entorno, ficavam os principais estabelecimentos comerciais locais na segunda metade do século XIX e início do XX. A partir da década de 1880 foram construídos, nos quatro cantos da praça, quatro quiosques em estilo francês. Os cafés Java, Elegante, Iracema e Comércio dispunham de cadeiras que eram frequentadas principalmente por boêmios e pelos “intelectuais” de Fortaleza. Em 1902 a praça foi arborizada e ganhou o nome de Jardim 07 de setembro474. No fim da década de 1920, a praça do Ferreira ganhou uma alameda chamada de Avenida 7 de Setembro475. Além do Passeio Público e da Praça do Ferreira, havia também a praça Marquês de Herval, onde se situava a Igreja do Patrocínio. Em 1903 foi construído o Jardim Nogueira Accioly e em 1910 inaugurado o Teatro José 469 PONTE, op. cit., 2007, p.170. 470 PONTE, op. cit., 2007, 170-171. 471 GIRÃO, Raimundo. A praça do Ferreira. In: Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Casa de José de Alencar. 1997, p.130. 472 PONTE, op. cit., 2007, p.171. 473 PONTE, op. cit.2007, p.171. 474 GIRÃO, op. cit., 1997, p.123-130. 475 A Razão, 10 de novembro de 1929, p.3. 118 de Alencar476. A praça General Tibúrcio localizava-se na área do antigo Palácio do Governo, onde havia a estátua do general. Para além disso, os clubes surgiram como lugares de diversão e lazer. O primeiro esboço deste tipo de agremiação foi a Recreação Familiar Cearense que reunia, na década de 1850, uma vez por mês, as famílias fortalezenses. Porém, quem melhor encarnou os objetivos de clube recreativo foi o Club Cearense, construído em 1867477. Com sede própria construída em 1871, em seu interior aconteciam grandiosas festas, “partidas” (jogos recreativos) e atividades culturais para um seleto grupo de sócios. Por seu “caráter elitista e exclusivista” acabou provocando dissensões entre as classes emergentes que acabaram fundando, em oposição a este, o Club Iracema478. Inaugurado em 19 de julho de 1884, o clube era formado por estrangeiros, empregados públicos e do comércio. A partir de então passaram os dois clubes a competir entre si. Se em um predominava a elite econômica da cidade, as deslumbrantes toilettes, no outro havia “vida, mocidade e prazer”479. Fechado o Club Cearense em fins do século XIX, o Club Iracema absorveu a elite fortalezense. Este promoveu em seus salões concertos, recitais, sessões literárias, festas de benefícios que atraíam “gente culta de Fortaleza”480. Nos anos seguintes, outros clubes foram sendo fundados, como o Club Diarios, fundado em 23 de março de 1913481, o Club Maguari, de origem desportiva em 1924, o Ceará Country Club em 1924, e o Ideal Clube em 1931482. O Reform Club era uma associação de empregados do comércio criada em 1876 e que possuía um palacete na rua Formosa, edificado em 1881, alugado para Club Iracema no início de sua fundação483. Um dos eventos fundamentais do calendário de sociabilidades públicas da cidade era o carnaval. Entre 1850 a 1870 o carnaval era conhecido como entrudo, uma “brincadeira” que acontecia nas ruas da cidade em que participavam sobretudo populares. Depois de 1870, essa prática passou a não ser mais tolerada pelos “agenciamentos civilizatórios” que tentaram modificar este divertimento. Com o surgimento do Club Cearense e Iracema, estes espaços passaram a rivalizar-se com seus blocos, os Dragões 476 GIRÃO, Raimundo. A princesa diverte-se. In: Geografia Estética de Fortaleza. Fortaleza: Casa de José de Alencar. 1997, p.146, 148. 477 PONTE, op. cit., 2010, p.146-147. 478 FARIAS, op. cit., 2012, p.183. 479 GIRÃO, op.cit.,1997, p.151-154. 480 Idem, p.156. 481 ALMANACK do Ceará para 1914 com informações Commerciaes, Ecclesiasticas, Industriaes e de interesse geral. Fortaleza: Typographia A. C. Mendes, 1914, p.209 (CD-ROM). 482 GIRÃO, op. cit.,1997, p.158. 483 Idem, p.156. 119 de Averno do Cearense e os Conspiradores Infernais do Iracema, propagando um tipo de carnaval de luxo que sufocou o entrudo que resistiu até fins do século XIX484. Os teatros rivalizaram com as praças e os clubes como espaços de diversão e lazer urbano. O primeiro teatro construído em Fortaleza foi o Teatro Concórdia, em 1830, que, em 1842, mudou o nome para Thaliense. Este lugar estimulou o surgimento de produções locais e atraiu espetáculos de fora. No início da década de 1850, o Thaliense recebeu a primeira apresentação de artistas estrangeiros, os irmãos Uguccioni, que permaneceram na cidade ensinando canto, piano, violão e rabeca. Após o fechamento deste Teatro em 1872, surgiu, quatro anos depois, o Teatro São José. Palco de encenações diversas como as operetas De Baturité à Lua, Madame Angot na Munguba e Sinos de Corneville em Arronches, as adaptações feitas por Frederico Severo485 foram bem recebidas pelo público local. Em 31 de março de 1875 fundou-se o Recreio Familiar486, que recorria ao palco do Teatro São José para as suas representações487. No ano seguinte encenou pela primeira vez o drama O Cigano e a comédia “ornada de música e canto”, o Diabo a quatro n’uma hospedaria488. Outro espaço surgido neste período foi o Variedades, um teatro ao ar livre inaugurado em 1877, próximo ao Passeio Público. Em seu lugar surgiu o Teatro S. Luiz que, entre 1879489 e 1896, serviu para incluir Fortaleza nas rotas de companhias de teatro de fora, que passavam pela cidade em direção aos centros movimentados do norte, Belém e Manaus. Dentre estas citamos a Companhia Lírico-cômica italiana de Miloni & Storni, a companhia Dramática Portuguesa de Emília Andrade e o Grupo Cômico de Operetas da atriz portuguesa Susana Castera490. Fechado o S. Luiz, surgiram vários pequenos teatros nos clubes antes da fundação do José de Alencar em 1910. Pápi Júnior criou o Clube Diversões Artísticas (c.1897), composto de 484 PONTE, op. cit., 2010, p.151-153; GIRÃO, op. cit., 1997, p.153-156. 485 Frederico Severo nasceu em Fortaleza. Foi flautista, compositor, poeta, orador. Participou como voluntário na Guerra do Paraguai e major honorário do Exército. Faleceu no Rio de Janeiro em 1906. Além das peças elencadas acima, escreveu o poemeto Araçá. (STUDART, Barão de. Frederico Severo. Diccionario Bio-bibliographico Cearense. Disponível em: Acesso em: 03 set. 2017). 486 GIRÃO, op. cit., 1997, p.139-140. 487 BARROSO, op. cit., 2002, p.163. 488 A Constituição, 19 de novembro de 1876, p.4. 489 Raimundo Girão menciona que o Teatro São Luiz foi fundado em 1880 (GIRÃO, op. cit., 1997, p.141). Entretanto, no jornal Cearense de 1879 existe dois anúncios de espetáculos para esse teatro. Um deles, ocorrido no dia 24 de abril do corrente ano, oferecido às famílias cearenses e em benefício do ator Lima. Era a representação da comédia drama em 3 atos O Grumette com espetáculo principiando às 20:30. O outro, a ser encenado pelo Recreio Familiar, seria apresentado em 26 de abril, em benefício da M lle. Leoni Villiot (Cearense, 23 de abril de 1879, p.4). 490 GIRÃO, op. cit., 1997, p.138-145. 120 corpo cênico e orquestral e que atuava no teatrinho construído no terreno dos fundos do Clube Iracema491. A dirigir a orquestra encontrava-se o Capitão Francisco Benévolo, o qual regeu em algumas ocasiões a banda de música do Exército492 e foi também regente convidado da banda da polícia493. Depois da saída do capitão, sucedeu-lhe no Diversões Artísticas o maestro Henrique Jorge494. Em paralelo, surgiu outro grupo chamado Grêmio Thaliense de Amadores (1898) que atuou no Teatro Variedades e contava com um corpo orquestral regido por Américo Lima495. Em 1904 e 1905, no lugar do Variedades, foi construído o Clube Atlético o qual organizou outro teatrinho chamado João Caetano. Neste espaço havia produções tanto locais como vindas de fora496. Nos últimos decênios do século XIX Fortaleza viu surgir uma “intelectualidade” cearense que foi bastante atuante e organizou em vários tipos de associações literárias, abolicionistas, científicas e culturais. As associações libertadoras não formalizaram estatutos, mas o escritor Leonardo Mota menciona sua importância, pois em torno delas marcou-se uma intensa atividade cultural em prol da libertação dos escravos, particularmente no Ceará497. Foram elas a Perseverança e Porvir (1879), a Sociedade Cearense Libertadora (1880), que fundou em 1881 o jornal Libertador, o Centro Abolicionista (1882), um grupo formado em Sobral só por mulheres criado em 1883, no mesmo ano, em Fortaleza, fundaram-se o Clube Abolicionista Caixeiral e a Libertadora estudantil, formados por estudantes do Liceu, Ateneu Cearense e Instituto Cearense de Humanidades498. A partir de 1870, a efervescência literária no Ceará foi exaltada por escritores como José Veríssimo (1857-1916) e Aderbal de Carvalho (1872- 1915). Veríssimo mencionava que, “depois do Rio de Janeiro, é Fortaleza a cidade do Brasil onde menos apagada é a vida literária”499. Carvalho aludiu ao gosto pela literatura no Ceará como uma “verdadeira mania” porque “o cearense é literato por índole e por nascimento”500. Dentre as associações formadas neste período, destacamos duas instituições ainda em atividade nos dias atuais. O Instituto do Ceará, criado em 04 de março de 1887, e a Academia Cearense, fundada em 15 de agosto de 1894, que tornaram- 491 Idem. 492 Libertador, 20 de março de 1890, p.2. 493 Libertador, 24 de março de 1890, p.2. 494 GIRÃO, op. cit., 1997, p.144. 495 Gazetinha, 20 de outubro de 1902, p.2; GIRÃO, op. cit., 1997, p.144-145. 496 GIRÃO, op. cit., 1997, p.145-146; Jornal do Ceará, 12 de agosto de 1907, p.2. 497 MOTA, Leonardo. A Padaria Espiritual. 2 ed. Fortaleza: Casa de José de Alencar, 1994, p.30. 498 FARIAS, op. cit., 2012, p.198-201; MOTA, op. cit., 1994, p.27-29. 499 VERÍSSIMO, José apud MOTA, op. cit., 1994, p.26. 500 CARVALHO, Aderbal de. apud MOTA, op. cit., 1994, p.26. 121 se as mais importantes instituições de saber da capital501, exercendo forte influência na propagação do estudo da história e geografia do Ceará, bem como na divulgação dos trabalhos literários dos escritores cearenses. Para o crítico literário e escritor Tristão de Ataíde (1893-1983) existiram três movimentos intelectuais no Ceará: o primeiro, de cunho filosófico, remetia ao tempo da fundação da “Academia Francesa”, em 1873; a segunda, de cunho político, estava ligada às sociedades libertadoras, em torno das quais se fez a abolição da escravidão no Ceará; e a terceira, de cunho literário, tendo a Padaria Espiritual como seu exemplo maior502. A Padaria Espiritual foi um movimento literário formado por jovens cearenses ligados às letras e às artes, fundada em Fortaleza em 1892 e que funcionou até 1898503. Segundo o escritor Antônio Sales, propositor do nome e dos estatutos do grêmio, a ideia era criar uma agremiação diferente das outras que existiram anteriormente no estado. Em suas palavras, a agremiação deveria ser “uma coisa nova, original e mesmo um tanto escandalosa, que sacudisse o nosso meio [a cidade de Fortaleza] e tivesse uma repercussão lá fora”504. O propósito do nome “Padaria Espiritual” era fazer uma comparação entre o pão como alimento básico para o povo e o fornecimento do pão do espírito que seria dado pelos sócios integrantes desta sociedade. Estes sócios, chamados de padeiros forneceriam “O Pão”, o jornal de divulgação desta associação, ao povo cearense505. Como era uma sociedade de homens de letras e artes faziam parte dela, além dos escritores, dois músicos, os violinistas Henrique Jorge e seu irmão Carlos Vítor. Além desses, era também integrante um pintor e um cidadão, “que entrou no grupo por ser valente”506. Segundo o artigo seis dos estatutos507 todos os sócios deveriam escolher um nome de guerra pelos quais seriam identificados. A Padaria Espiritual foi um movimento vanguardista no Ceará do século XIX. Com seu bom-humor e irreverência a Padaria prefigurou o modernismo, ainda que de forma um tanto inconsciente. Essas questões são percebidas em alguns artigos dos estatutos da associação como, por exemplo, o número 38, em que faziam referência às “capitais dos países civilizados”, tomados como modelos 501 PONTE, op. cit., 2010, p.40. 502 ATAÍDE, Tristão de. Estudos. Rio de Janeiro: Centro D. Vital, 1931 apud MOTA, op. cit., 1994, p.30- 31. 503 AZEVEDO, Sânzio de. Breve História da Padaria Espitirual. Fortaleza: Edições UFC, 2011, p.18-19; 80. 504SALES, Antônio apud AZEVEDO, op. cit., 2011, p.18. 505 MOTA, Leonardo. A Padaria Espiritual. Fortaleza: Edésio Editor, 1938, p.33. 506 AZEVEDO, op. cit., 2011, p.20. 507 “Artigo 6: Todos os Padeiros terão um nome de guerra único, pelo qual serão tratados e do qual poderão usar no exercício de suas árduas e humanitárias funções” (AZEVEDO, op. cit., 2011, p.32). 122 de progresso508. Observando a agitação literária que existiu em Fortaleza, nos últimos decênios do século XIX, será que podemos observar uma comparativa agitação na esfera musical de Fortaleza no mesmo período? O estudo em torno da banda de música da polícia aponta que sim, pois a banda demonstrou ser um dos aglutinadores da vida cultural da cidade, principalmente a partir da década de 1880, quando ela passou a estar bastante ativa nos vários espaços de sociabilidade da população cearense, desde a praça, um local comum de convivência dos habitantes da cidade, até os clubes e teatros, lugares frequentados principalmente por uma uma elite econômica. Em torno da banda floresceu uma estrutura comercial de lojas de música, de entretenimento, de aprendizagem musical, de composições, de eventos oficiais, espalhando, assim, sua influência musical em vários setores da sociedade509. Outra forma de sociabilidade pública foram os cinemas, que começaram a chegar a Fortaleza, ainda de forma rudimentar, partir de 1891. Através da empresa de Frederico Figner, dono de uma empresa que comercializava fonógrafos Edison, chegaram a Fortaleza os equipamentos que reproduziam fotografias em movimento510. A primeira casa de cinema foi aberta somente em 1908, por Victor di Maio, com o cinematographo Art-Noveau, também conhecido por Cinema Di Maio e Cinema Cearense. Em seguida vieram outros cinemas como o Rio Branco, o Polytheama, Amerikan Kinema, Cinema Riche, Cinema Estação, Cinema Tiro Cearense, Cinema São José do Círculo de Operários Trabalhadores Católicos, Cine-Teatro Majestic-Palace, Cinema Moderno, Cine-Theatro Pio X, Cine União da União dos Moços Católicos511. Em seus primórdios os cinemas receberam artistas cearenses como pianistas, bandas de música e orquestras que tocavam para animar os filmes mudos do período. O desenvolvimento de uma classe média (formada principalmente de comerciantes) e da classe operária que emergiu do crescimento industrial cearense, deu origem a um movimento associativo responsável pela criação de espaços promotores de atividades artísticas e apresentações culturais. Essas associações contribuíram para o aparecimento de bandas e orquestras civis, ampliando o universo dos conjuntos, antes restrito quase exclusivamente às bandas da polícia e do exército. Uma destas associações foi a Phenix Caixeiral, associação dos empregados do comércio fundada em 1891, e que 508 AZEVEDO, op. cit., 2011, p.32. 509 Esse assunto será aprofundado no capítulo 5. 510 LEITE, Ary Bezerra. A tela Prateada (Cinema em Fortaleza-1897-1959). Fortaleza: SECULT-CE, 2011, p.20. Pri 123 possuía uma biblioteca, uma escola de comércio e uma orquestra512 com instrumentos que mandou vir da Europa513. O Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José, fundado em 1915 sob a proteção do arcebispo de Fortaleza, mantinha um cinema e uma banda de música com 23 pessoas514. Pedro Veríssimo menciona as seguintes orquestras e bandas: Grêmio Musical Pantera, Clube de Diversões Artísticas, Violon Club, Orquestra do Club Iracema, Orquestra do Club dos Diários, Club Estímulo Musical, Cinema Pio X. e as bandas Filarmônica Caixeiral, Club Filarmônico de Amadores, Banda Rede de Viação Cearense e Banda São José do Círculo Católico515. Existiram também algumas orquestras e bandas mais efêmeras, como as organizadas em colégios (orquestra das alunas do Colégio Nossa Senhora de Lourdes)516, a orquestra do Recreio Musical Cearense dirigida por Elvira Pinho517, e orquestras particulares518. Muitas notícias da imprensa mencionam a presença de “uma banda” em alguns eventos, sem especificar qual era. Esta situação sugere a possibilidade de, em alguns momentos grupos musicais terem sido formados para tocarem em ocasiões específicas. É o caso do artista Candido José de Carvalho, músico que oferecia seu serviço e da pequena banda que mantinha à disposição para ser contratada519. 512 Jornal do Ceará, 08 de fevereiro de 1907, p.2. 513 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1907. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1907, p.88, anno 13º (CD ROM)). 514 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1918. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1918, p.168, 21º anno (CD-ROM). 515 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p. 152-153. 516 Jornal do Ceará, 29 de novembro de 1905, p.2. 517 Jornal do Ceará, 19 de outubro de 1904, p.2. 518 Jornal do Ceará, 26 de abril de 1907, p.2. 519 Cearense, 28 de maio de 1882, p.3. 124 4 A FORÇA MILITAR DE POLÍCIA DO CEARÁ. A banda de música da Força Policial do Ceará foi um grupo inserido em uma instituição policial. Portanto, para entender sua trajetória como conjunto musical é necessário, antes de mais, compreender essa instituição que lhe dá origem e sustenta, bem como compreender quais os aspectos que tangenciam e delineiam a realidade da vida policial com o grupo musical nos dois momentos políticos brasileiros distintos. As partes elencadas neste capítulo têm o objetivo de refletir aspectos históricos, normativos, legais da instituição que ajudarão a compreender a constituição da banda de música policial. Optamos por iniciar este capítulo com a criação da instituição policial em 1835, apontando os motivos que levaram o governo a fundá-la. Dessa forma podemos compreender as similaridades e relações com o Exército e a adoção do militarismo como forma estruturante da organização policial. Estes aspectos vão ser analisados na descrição da administração policial e na raiz da matriz luso-brasileira da polícia que também se constituiu como matriz para existência de uma banda de música. Os documentos legislativos que regularam a polícia durante estes anos, com suas características e disposições específicas, serviram de base para entender como se traçou a vida policial na esfera legal e, consequentemente, compreender a organização e estruturação da banda e de seus músicos. As partes voltadas aos dispositivos de ingresso, promoção e aposentadoria, com suas diferenças em relação às Forças Armadas, ajudam a perceber os motivos pelo qual a Força Policial atraía novos homens para suas fileiras fazendo aí sua carreira. Tentaremos entender também a estrutura policial adotada no Império e depois a reorganização na República, que impôs uma reestruturação nos objetivos e no ingresso na banda da polícia, especificamente na contratação de músicos. Por fim, analisaremos as ligações da instituição policial com a política e os motivos porque a banda de música não assumiu para si essas relações e representações discursivas. Ao abordar estes temas pretendemos ajudar à compreensão da estrutura e organização de uma banda de música num contexto policial, assunto aprofundado no capítulo seguinte. 4.1 O PERCURSO DE CRIAÇÃO DA FORÇA POLICIAL NO PRIMEIRO REINADO. A figura do policial já existia no Brasil durante o período colonial, constituindo-se sobretudo em tropas não pagas, os chamados Corpos de Ordenanças. Além destes, as Companhias de Milícia, corpos auxiliares “armados, exercitados e 125 disciplinados”520 para operar ou substituir as tropas de primeira linha521, exerciam também, entre outras funções, as policiais, particularmente no Ceará setecentista522. A transformação desse aparato policial colonial, após a proclamação da independência brasileira, esteve intimamente relacionada com os problemas vividos pelo Exército. Os levantes portugueses contrários à emancipação e à Guerra da Cisplatina (1825-1828) provocaram uma diminuição de contingente no Exército e sua consequente desorganização. Esses fatos obrigaram o Imperador Pedro I a contratar estrangeiros (irlandeses e alemães) para compor a tropa de 1ª linha. Questões financeiras relacionadas com o pagamento das tropas militares e as despesas de guerra aumentaram a impopularidade do Imperador e sua permanência no Brasil523. Com a abdicação de Pedro I, em 1831, os liberais moderados que chegaram ao poder opuseram-se ao Exército por temerem que seus oficiais, formados por estrangeiros, pudessem pôr em risco a nova ordem estabelecida pela Regência. Uma das estratégias para impedir atitudes restauradoras por parte desses oficiais foi criar uma nova organização para manter a ordem e a unidade territorial no Brasil. Em 18 de agosto de 1831, o governo regencial criou a Guarda Nacional524 por lei imperial525. Além dessa nova corporação paramilitar, a lei extinguia ainda o antigo aparato policial herdado do período colonial - os corpos de Milícia e Ordenanças. Para realizar o policiamento nas províncias, a Regência criou os corpos de Guardas Municipais Voluntários com a lei de 520 COTTA, op. cit., 2014, p.74. 521 Idem. 522 […] “os serviços prestados pelo [sic] terços e companhia das milícias e dos corpos de ordenança no ceará [sic] setecentista foram: o cumprimento de ordens das autoridades régias na capitania; a manutenção da “paz” e “policia” das suas vilas e sertões; a realização de diligências para a captura de criminosos; a escolta e remessa de presos; a realização do recrutamento militar; […] e controle da população através da passagem de mostras nas tropas; prestação de outros serviços, como a “policia” dos sertões; a escolta de autoridades e presos; a captura de criminosos […].” (GOMES, op. cit., 2009, p.250). 523 SCHULZ, John. O exército e o Império. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). O Brasil Monárquico: declínio e queda do Império. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1974, p.243 (História Geral da Civilização Brasileira, v.4, tomo II). 524 Idem, p.243-244. A Guarda Nacional (ou tropa de 2ª linha) era uma corporação paramilitar, uma milícia cidadã que, segundo a lei de 1831, tinha como objetivos prestar serviço ordinário dentro e fora do município e, principalmente, ser um corpo auxiliar do Exército quando requisitado. Sua criação estava em acordo com o pensamento revolucionário francês contido no lema “nação em armas”, ou seja, o princípio liberal democrático de que a responsabilidade pela defesa da nação é de responsabilidade de todo cidadão (CASTRO, Jeanne Berrance de. A Guarda Nacional. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.). O Brasil Monárquico: declínio e queda do Império. 2ª ed. São Paulo: Difel, 1974, p. 275. (História Geral da Civilização Brasileira, v.4, tomo II). 525 Lei de 18 de agosto de 1831. “Crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos de milicias, guardas municipaes e ordenanças”. In: BRASIL, Colleção das Leis do Império do Brazil de 1831- primeira parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873, p.49-75. 126 18 de outubro de 1831526, que logo em seguida passaram a ser chamados de Guardas Municipais Permanentes. Nesta altura, a Constituição de 1824 ainda se mantinha em vigor. Sua característica “excessivamente centralizadora” provocava, no entanto, problemas “para um país tão vasto e com tantos interesses conflitantes”527. Todas as províncias desejavam maior autonomia528. Três anos após a saída de D. Pedro I e com o propagar de revoltas em diversos pontos do país contestando o excesso de centralização pelo poder central, foram aprovadas na Câmara, em 12 de agosto de 1834529, alterações na Constituição. Dentre as emendas elaboradas, o Ato criou as Assembleias Legislativas Provinciais e substituiu a Regência Trina pela Una530. Conviveu, ao mesmo tempo, com a contradição de conceder maior autonomia às províncias e de querer manter a centralização política e a unidade territorial. Entre as várias competências das Assembleias Provinciais, uma delas foi criar, legislar e regular a Força Policial que deveria estar ligada diretamente ao presidente da província531. No Ceará, a incumbência para a instalação da Assembleia e da criação da Força Policial recaiu nas mãos de José Martiniano de Alencar, que governou a província cearense de 1834 a 1837 e, em um segundo mandato, de 1840 a 1841. A decisão de Alencar em criar e organizar a Assembleia Provincial, bem como criar e organizar o poder repressivo local - a Guarda Nacional, o Corpo de Polícia e as Guardas Municipais - estava de acordo com os objetivos traçados por esse político em constituir um consenso provincial, promovendo a ordem interna e o estabelecimento das instituições monárquicas. Organizar o aparato repressivo local foi fundamental “para ordenar a província com os rumos das decisões tomadas na Corte”532. Além das revoltas separatistas que ocorreram entre 1817 e 1834 na região, era sabido pelos governantes locais que, desde o final do século XVIII, a insubordinação no interior cearense por parte 526 Lei de 10 de outubro de 1831. “Autoriza a creação de corpos de guardas municipaes voluntários nesta cidade e províncias”. Idem, p.129-130. 527 CARVALHO, José Murilo de. A vida política. In: CARVALHO, José Murilo de (coordenação). A Construção Nacional (1830-1889). Rio de Janeiro: Editora Objetiva; Madrid: Editora Mapfre, 2012, p.89- 90. (História do Brasil Nação: 1808-2010, vol 2, direção: Lilia Moritz Schwarcz). 528 Idem. 529 Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834. “Faz algumas alterações e addições á Constituição Politica do Imperio, nos termos da Lei de 12 de Outubro de 1832”. In: BRASIL, Colleção das Leis do Império do Brazil de 1834 – Parte I.. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. p.15-23. 530 Artigo 1º e artigo 26º da Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834. BRASIL, op. cit., 1866, p.16; 21. 531 “Art. 10º: Compete ás mesmas Assembléas legislar: […]. § 4º: Sobre a policia e economia municipal, precedendo propostas das Camaras. […] § 9º: Sobre construcção de casas de prisão, trabalho e correção, e regimen dellas. […] Art. 11º: Tambem compete ás Assembléas Legislativas Provinciaes: […] § 2°: Fixar, sobre informação do Presidente da Província, a Força policial respectiva” (Lei nº 16 de 12 de agosto de 1834. BRASIL, op. cit., 1866, p.17-18). 532 OLIVEIRA, op. cit, 2009, p.27. 127 das populações sertanejas era uma realidade constante. Na correspondência mantida entre Martiniano de Alencar e o político Manuel do Nascimento de Castro e Silva533, o presidente do Ceará destaca a pacificação na província, principalmente no seu interior, como fundamental para a manutenção da unidade na província, afugentando qualquer possibilidade de rompimento, não só territorial como político-administrativo, subtendendo o fortalecimento da cidade de Fortaleza como centro das decisões provinciais534. A criação da Força Policial do Ceará deu-se pela Lei nº 13, sancionada no dia 24 de março de 1835 pelo presidente da província Martiniano de Alencar. Constando apenas de três artigos, o primeiro descrevia a estrutura de organização de oficiais e de praças, incluindo duas cornetas; o segundo, mencionava que “a nomeação dos comandantes e inferiores será feita como até agora”; o terceiro artigo revogava as disposições em contrário535. O que chama a atenção nessa curta lei é o fato de, se a Força Policial estava sendo criada nesse momento, por que sugerir que havia um procedimento anterior sendo feito em relação à nomeação dos comandantes e dos inferiores? O ex-Coronel da polícia Abelardo Rodrigues esclarece essa dúvida, informando que, antes da criação da Força Policial, o governo cearense já havia organizado uma Guarda Municipal Permanente em 11 de junho de 1834536 seguindo a disposição da lei imperial de outubro de 1831 sobre a regulamentação das Guardas Municipais. A publicação da lei de 1831 refere que a manutenção do aparato policial era de responsabilidade do Ministério da Justiça537. Sendo assim, o governo do Ceará enviou um ofício a esse ministério informando o ato de criação das Guardas e solicitando aumento de orçamento538. Em 09 de setembro de 1834 o ofício foi respondido pelo ministro informando que a regulamentação e o pagamento das forças policiais haviam 533 Manuel do Nascimento de Castro e Silva nasceu em Aracati, Ceará, no ano de 1778 e morreu no Rio de Janeiro em 1846. Foi tabelião, escrivão, participou da Revolução de 1817, foi deputado às cortes de Lisboa tomando posse em 1822, presidente da província do Rio Grande do Norte (1825), deputado pelo Ceará nas primeiras legislaturas (1831 a 1835), ministro da Fazenda (1834-1837), senador (1841-1846). (CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009. p.765. Tomo III; STUDART, Barão de. Manoel do Nascimento Castro e Silva. Diccionario Bio-bibliographico Cearense. Disponível em: Acesso em: 01 nov. 2016). 534 OLIVEIRA, op. cit, 2009, p.27-28. 535 Lei nº 13 de 24 de março de 1835. Sanccionada pelo presidente José Martiniano de Alencar. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009. p.55-56, Tomo I. 536 RODRIGUES, Abelardo, op. cit., 1955, p.12-13. 537 Idem, p.7. 538 Pág.5 a 5v. do Livro de Oficios ao Ministro da Justiça, - Pacote nº 1.845, APEC apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p. 12-13. 128 passado a ser responsabilidade das Assembleias Legislativas Provinciais, conforme determinado no Ato Adicional em agosto de 1834. Finaliza o ofício dizendo que “logo que for instalada a dessa Província, deverá submeter-lhe este negocio, para resolver como for justo”539. Como o governo do Ceará ainda não havia instalado sua Assembleia foi necessário primeiro criá-la para só depois regularizar a Guarda Municipal Permanente e, consequentemente, instituir a Força Policial. A primeira sessão da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará aconteceu em 07 de abril de 1835540. Logo depois de sua abertura, na sessão de 29 de abril do mesmo ano, o deputado José Pereira da Graça Júnior mandou uma emenda ao plenário na qual decretava a criação da Guarda Municipal Permanente541. Porém, como o intuito era instituir a Força Policial, no dia seguinte, o deputado João Facundo de Castro e Menezes enviou à assembleia uma nova emenda criando uma nova companhia de Polícia542. O artigo 3º determinou que a Guarda Municipal Permanente passasse a fazer parte da Força Policial como uma Companhia de Cavalaria e o artigo 6º, que as duas companhias em conjunto passassem a formar o corpo da Força Policial da província543. Portanto, quando a lei nº13 de criação da Força Policial do Ceará mencionou que a “nomeação dos comandantes e inferiores deveriam ser feita como até agora”, a lei se reportava à emenda do dia 30 de abril, particularmente o artigo 5º que dispunha o assunto544, mantendo em 539 Livro de ofícios do Ministério da Justiça, 1833/1836, APEC apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.13. 540 AZEVEDO; Miguel Ângelo de (NIREZ). Cronologia Ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural. Fortaleza, 2006, p.10 (CD-ROM). 541 Pág.28 do livro de Reg. das Sessões, 1830-1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.13-14. 542 “Artigo 1º: Fica criada mais huma companhia de Força Policial, que constará de cem soldados, dous cornetas, seis cabos, hum Furriel, primeiro e segundo Sargentos, primeiro, segundo e terceiro Commandantes com a graduação de Capitão, Tenente e Alferes” (Pág.29 a 30v do livro das Sessões, 1830- 1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.14-15). 543 “Artigo 3º: A Companhia de Municipaes Permanentes ora existente passará a fazer parte da Força Policial, e será transformada em Cavallaria com o numero de quarenta soldados, hum Clarim, tres cabos, hum Furriel, primeiro e segundo Sargento, hum segundo Commandantes com a graduação de Tenente. / Terão todos os mesmos vencimentos que ora percebem, tendo o Clarim o mesmo que percebe o corneta. […] Artigo 6º: Estas duas Companhias formarão o corpo da Força Policial da Província, que será commandado pelo primeiro Commandante, o qual terá por isso mais vinte mil réis mensaes de gratificação, para Cavalgadura e expediente” (Pág.29 a 30v do livro das Sessões, 1830-1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.14-15). 544 “Art. 5º: Os Commandantes serão da nomeação do Governo da província, e amovíveis ad mutum [sic, ad nutum]. Os cabos, Furrieis, e Sargentos, serão propostos pelos respectivos Segundo Commandantes, e aprovados pelo Primeiro Commandantes, e demitidos pelo Governo sob representação do mesmo Primeiro Commandante” (Pág.29 a 30v do livro das Sessões, 1830-1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.15). 129 vigor os artigos que não se dispusessem ao contrário da lei nº13. Em 1836, a lei ordinária sobre a Força explicita o assunto sobre a escolha dos oficiais e quem deve fazê-la545. 4.2 LEIS DE FIXAÇÃO ANUAL E REGULAMENTOS. A legislação que regulou a Força Militar de Polícia ao longo do Império e da Primeira República sofreu muitas alterações. A partir da análise das leis e regulamentos em vigor é possível perceber as mudanças no seio da instituição, o sentido da militarização e o lugar da música dentro da corporação. Existiam dois tipos de leis que regulamentavam os assuntos da Força Policial e que se mantiveram sendo publicadas anualmente durante todo o período estudado. A mais importante delas, por ser elaborada diretamente para o Corpo de Polícia e de conteúdo mais extenso, consistia na lei de fixação da Força com previsão financeira, estrutural e diretivas gerais. De 1835 até 1932, todos os anos, com raras exceções, a Assembleia votava essa lei, geralmente para entrar em vigor no ano seguinte. Em linhas gerais, o teor da lei de fixação da Força Pública previa uma dotação orçamentária para a Força Militar de Polícia o qual deveria ser aplicado no ano financeiro consecutivo. A lei regulava sobre questões gerais da divisão da Força (companhias, batalhões, regimentos), estabelecia o efetivo, quadro hierárquico e suas quantificações, apresentava as tabelas dos soldos de todos os componentes, descrevia a quantidade, tipo e tempo de duração do fardamento. Além disso, dispunha sobre vários outros assuntos específicos que apareciam e desapareciam nas leis seguintes sem dar continuidade ao assunto. Questões como gratificações, saída de oficiais e praças em diligência, apareciam frequentemente nas leis provinciais, mas geralmente com algum tipo de modificação. As leis mudavam constantemente os valores a serem repassados por gratificação, quem recebia e quanto recebia por esses “extras”, quantos homens saíam em diligência, qual a distância percorrida de Fortaleza até o lugar, a quantia específica a receber ou qual era o meio de transporte utilizado546. Durante a Primeira República, as leis de fixação estabilizaram os assuntos abordados, deixando para os regulamentos ou leis de reorganização as matérias 545 “Art 6: Os officiaes desta companhia serão da nomeação deste governo, que os poderá escolher d’entre os existentes, ou d’entre os officaes de 1ª linha, que tenhão actividade e mais partes necessárias, devendo nella occupar os postos correspondentes ou immediatos ás suas patentes. Tambem podem ser escolhidos para officaes os inferiores da mesma companhia, ou paisanos de merecido reconhecimento” (Lei n.44 de 14 de setembro de 1836. CEARÁ, op.cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.47-48. Tomo I). 546 Fundo das Leis e Resoluções Provinciais e Estaduais, APEC. 130 específicas. Seus artigos detiveram-se basicamente nas questões gerais de denominação e composição da corporação, vencimentos, gratificações, assuntos relacionados com comando e chefia, tempo de serviço (voluntariado e reengajamento), as diligências, o policiamento da capital e os fardamentos, sem inclusão de assuntos específicos547. Essa generalização dos assuntos fez com que as leis estaduais mencionassem menos artigos sobre a banda da polícia que as leis provinciais. Afora as disposições referentes à quantidade de menores presentes na banda durante a década de 1890 até 1912, a ocupação dos cargos de alferes mestre de música, inspetor de música e Segundo-tenente, compra do instrumental, contratos da música, não existem artigos relacionados ao grupo. A existência de uma banda de música na polícia só é percebida pelas tabelas dos vencimentos dos músicos e sua quantificação, aspecto que sempre aparecia nessas leis. A intensificação da omissão aumenta com o passar dos anos após a proclamação da República. Outra lei que também incluía a Força Policial era a que previa o orçamento geral para o Ceará e a aplicação financeira do governo para o ano seguinte, dividida geralmente em três grandes partes, constando das receitas, das despesas e disposições gerais de recebimentos e gastos do governo. A Força Policial aparecia geralmente na parte das despesas contendo uma discriminação item por item de seus gastos. Normalmente, a informação relacionada com a banda na lei do orçamento era a que previa gastos com a compra e conserto dos instrumentos musicais. Enquanto as leis de fixação da força tratavam de assuntos gerais os regulamentos tiveram o objetivo de estabelecer o regime interno e externo da Força548, sua disciplina e economia549. O primeiro regulamento organizado especificamente para a Força Policial foi sancionado em 11 de fevereiro de 1864550. Antes dele, o Corpo de Polícia seguia, em matéria de economia e disciplina, o que estava determinado em lei para o Exército nas situações em que era possível pôr essas disposições em prática no dia-a- 547 Fundo das Leis e Resoluções Provinciais e Estaduais, APEC e Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE. 548 Relatório da Secretaria dos Negócios da Justiça do Ceará de 07 de junho de 1894 anexo a Mensagem do presidente do estado José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de julho de 1894, Força Pública, p.90. 549 A economia representava a administração de um corpo militar (COTTA, Francis Albert. Matrizes do Sistema Policial Brasileiro. Belo Horizonte: Crisálida, 2012, p.179). 550 Projeto nº 43 de 11 de fevereiro de 1864, Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.18-44. 131 dia policial551. Durante o Império foram publicados mais dois, o de 1873552 e o de 1886553. Na visão do presidente da província, o Barão de Ibiapaba, a importância do regulamento de 1873 consistia nas alterações e expansões da parte penal em relação ao regulamento anterior contribuindo assim para melhorar a disciplina do corpo554. Este regulamento é bastante interessante para o conhecimento de alguns aspectos da banda da polícia, apresentando questões até então não mencionadas como os contratos de civis e seu pagamento feito pelos oficiais e praças, a obrigatoriedade de tocar em festas particulares com ajuste financeiro e como o repasse desse dinheiro seria devido aos músicos e ao cofre da corporação, e ainda, a descrição das funções do mestre de música. Algumas questões reproduzem o regulamento de 1864555 com pequenas alterações como a composição da banda, aumentando o número de músicos de 15 para 17 e dividindo-os por classes, 5 músicos de 1ª classe, 12 músicos de 2ª e 3ª classe, com soldos diferenciados em cada categoria. A nomeação do mestre de música continuou a ser de exclusiva competência do comandante, acrescentando que podia ser escolhido dentre os inferiores. O mestre de música, quando da publicação do regulamento de 1873, era João Moreira da Costa. Não se conhece a razão pela qual este músico foi escolhido. A imagem de 1879 parece indicar que Moreira da Costa era um homem “branco”, “qualidade” que pode ter estado na base de sua escolha, por parte do comandante, para que assumisse o cargo de mestre de música. Por outro lado, o fato de Pedro Gomes do Carmo, um pardo, ser seu contramestre na época e ocasionalmente assumir o cargo de mestre de música nos impedimentos de João Moreira, pode colocar a escolha pela “qualidade” em dúvida. O dinheiro que entrava na caixa da corporação continuava a ser aplicado ao pagamento dos músicos e no conserto e compra dos instrumentos, mas começou a entrar nesta caixa as quantias ligadas a prisão de praças, gratificações não repassadas aos presos, transferências e pagamentos adiantados para os praças em diligência. A “mistura” dos dinheiros contribuiu para a ocorrência de desvios, assunto discutido no próximo capítulo. Outros artigos que não mencionavam diretamente a banda foram, de alguma forma, importantes 551 Artigo 8º da Lei nº 775 de 20 de agosto de 1856. CEARÁ, op. cit, organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, p.23-24, Tomo III. 552 Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 553 Regulamento de 1886, Lei nº [?] de 10 de maio de 1886, Minutas de ofícios dirigidos ao corpo de polícia entre outros destinatários, Fundo Governo da Província do Ceará, índice 02, caixa 110, livro novo 61, livro antigo 326-B, data: 1886, APEC. 554 Falla do presidente da província do Ceará Barão de Ibiapaba, 01 de julho de 1874, Corpo de Polícia, p.10. 555 O Regulamento de 1864 pouco mencionou sobre a banda da polícia. Seus artigos serão discutidos no próximo capítulo. 132 para ela porque acabavam incluindo os músicos. É o caso do artigo que cita a aposentadoria dos oficiais e praças, direito a que alguns músicos irão recorrer futuramente556. Com o passar dos anos o regulamento de 1873 foi sendo bastante alterado com disposições avulsas sancionadas nas leis anuais de fixação. Em 1886, uma Comissão que inspecionou o corpo de polícia criticou essas alterações, apontando a necessidade de o presidente sancionar um novo regulamento para que se pudesse imprimir no Corpo “bases precisas de uma bôa administração e regular disciplina”. O novo regulamento passou a vigorar em 10 de maio de 1886557. Na primeira República foram sancionados quatro regulamentos: o de 1894558, 1916559, 1922560 e 1932561. De todos os regulamentos localizados o de 1894 é o que dá mais atenção à música dentro da polícia dedicando um capítulo somente para a banda de música e seções de capítulo sobre as atribuições do mestre e contramestre de música, inspetor de música e corneta mor, além de um artigo sobre as cornetas562. O regulamento de 1916 deu uma nova organização à Força Policial563. Logo após a sua aprovação o governo estadual assinou oficialmente em 1918 um convênio com a União tornando a Força Policial Militar uma força auxiliar do Exército Nacional564. Para o governo do Ceará, a assinatura deste convênio consumou um antigo “desejo” aspirado desde o início 556 Artigo 71º do Regulamento de 1873. Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 557 Este documento não foi localizado. 558 Regulamento de 1894, Lei nº [?] de 08 de março de 1894. Mensagem do presidente do Estado José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de julho de 1894, Força Pública, p.90. Localizamos esse regulamento pelo site Hemeroteca Digital Brasileira, por ter sido publicado no jornal A República de 1894 em várias edições entre os meses de abril e maio. Este regulamento encontra-se incompleto por não existirem digitalizados todas as edições que contêm seus artigos (Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1 e edições seguintes). 559 Decreto nº1.415 de 05 de setembro de 1917. “Aprova o Regulamento Policial do Estado expedido por decreto de 19 de outubro de 1916”. Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 21, Caixa 07, livro 36, data: 1917, APEC. 560 Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. “Expede o regulamento interno da Força Publica Militar do Estado”. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, caixa 77, livro 257, data: 1896- 1922, APEC. 561 Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. “Dá nova organização á Força Publica do Estado”. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio. Recife: Imprensa Oficial, 1933, p.168-201, ALCE (Coleção das Leis do Estado do Ceará). 562 Capítulo VI – Da musica; Capítulo XIII, Secção IX – Do Inspector da Musica; Capítulo XIII, Secção XIII – Do Mestre e Contra-Mestre da Musica; Capítulo XIII, Secção XIV – Do Corneta-Mor; Capítulo XIII, Secção XV – Dos Cabos, soldados e cornetas. Por tratar mais diretamente sobre a banda policial e seus músicos este regulamento será aprofundado no capítulo 4 e 5 (A República, 20 de abril de 1894, p.1; A República, 01 de maio de 1894, p.2; A República, 04 de maio de 1894, p.2). 563 BARBOSA, op. cit., 2014. 564 “Em virtude de um convenio celebrado a 16 de Julho de 1918 entre a União Federal e o Estado do Ceará, o Regimento Militar do Estado passou a constituir força auxiliar do Exercito Nacional de 1ª linha” (ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1919. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo Moderna-Carneiro & C., 1919, p. 93, 22º anno (CD-ROM)). 133 da República. Desde a nova organização dada à Força Policial em 1891, os cargos de comandante e vice comandante da Polícia Militar passaram a ser ocupados por oficiais efetivos, reformados ou honorários do Exército565. Este requisito tinha o propósito de trazer para a polícia a experiência de um oficial do Exército que pudesse implementar a formação, a disciplina e a subordinação semelhantes as aplicadas no exército566, qualidades que faltavam, na visão do governo do estado, ao corpo de polícia, com muito pessoal destacado no interior que não passava pela instrução militar no quartel567. Logo após a assinatura do convênio promulgou-se uma nova reorganização da Força, em 1918568. Em seguida, em 1922, expediu-se um novo regulamento interno. O que se observa da leitura do regulamento de 1922 é uma preocupação em estabelecer uma organização e disciplina militar interna com a descrição detalhada das funções de todos os componentes da Força, desde o comandante até o soldado, os procedimentos internos dos serviço do quartel, da instrução da tropa e a preparação do quadro de oficiais, Sargentos e Cabos por meio dos cursos ministrados na Escola Regimental569. Esse regulamento é muito semelhante ao de 1894, que também versou sobre as atribuições de todos os postos da polícia, embora o de 1922 acrescente mais informações sobre o dia-a-dia do pessoal, as funções e serviços dos músicos no quartel, explicitando de forma mais clara a relação mantida com o Exército Nacional e acentuando a característica militar. A partir da análise deste regimento constata-se que os músicos 565 RODRIGUES, op. cit., 1955, p. 52; Projeto nº48 sancionado e publicado como lei em 10 de outubro de 1898, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 28, data: 1898, APEC. 566 “[…] restituido o mesmo Batalhão ao seu objetivo exclusivo, que é a manutenção da ordem publica, acha-se em condições de fazer honra ao estado pela disciplina, moralidade e instrucção que lhe tem imprimido o digno commandante coronel Francisco Cabral da Silveira, em cuja dedicação e lealdade repousa tranquilla a confiança do Governo” (Mensagem apresentada pelo presidente do estado do Ceará Antonio Pinto Nogueira Accioly, 01 de julho de 1897, p.17). 567 “A dispersão da força publica pelo interior do Estado tem concorrido para afrouxar os vínculos da disciplina e subordinação militar […]” (Mensagem apresentada pelo presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1901, Força Publica, p.07). A ligação entre a falta de instrução e subordinação militar com o envio de soldados nos destacamentos era uma situação reclamada pelos presidentes da província e autoridades policiais desde o período do Império. Esse envio prematuro estava relacionado com a falta de contingente e a necessidade de atender os pedidos dos governantes locais do interior. Por isso, mal o soldado era alistado, ele já seguia para as localidades e não passavam por nenhum tipo de formação militar. “O pessoal da oficialidade inspira confiança, e as praças ressentem-se apenas de falta da instrucção necessária, devida sem duvida ao facto pouco regular de serem, apenas alistadas, expedidas em destacamento para as localidades centraes, sem previa iniciação da disciplina, que prepara e constitue o soldado” (Relatório apresentado pelo presidente da província do Ceará José Julio de Albuquerque Barros, 01 de novembro de 1878, Corpo de polícia, p13). 568 Lei nº1.642 de 08 de novembro de 1918. “Reorganiza a Força Pública do Estado” apud BARBOSA, op. cit., 2014, p.86 (NR155). 569 Regulamento de 1922. Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 134 tinham, se não uma plena condição militar, já que eles ainda não possuíam patentes militares, estavam quase completamente imersos no cotidiano militar570. Em 1932, uma nova organização é dada a Força Pública descrito como “Corpo de Segurança Pública militarmente organizado”571. Afora as tabelas de quantificação dos músicos, com as respectivas patentes e soldos, os artigos voltados para a banda são apenas dois. O primeiro refere-se ao dinheiro proveniente de possíveis contratos da banda de música, mencionando que essa quantia deveria entrar como fundo de receita a ser gerida pelo Conselho de Administração do Corpo e o segundo faz referência ao limite de 46 anos de idade para os músicos servirem na instituição. Em muitas ocasiões os regulamentos e as leis de fixação da Força não foram seguidos à risca, ou casos em que até as próprias leis anuais alteraram os artigos do regulamento em vigor. Em seu estudo sobre a Força Policial Militar durante a Primeira República, o historiador Carlos Henrique de Moura Barbosa constatou alistamentos irregulares de cangaceiros e bandidos no Ceará de forma contrária ao que estava previsto no regulamento em vigor572. Esses “policiais” estavam longe de serem considerados exemplos de “boa moral” e “boa conduta” ou de serem “um auxílio da justiça” na “manutenção da ordem pública” e da própria lei573. Outra questão mencionada por Barbosa é a concessão de promoções. Os regulamentos estabeleciam critérios de merecimento e antiguidade574 existindo também um critério interno informal chamado de “atos de bravura”, o qual poderia ser usado como critério para promoção575. Este autor observou que, no caso de ascensões acontecidas durante a Primeira República, estas foram muitas vezes feitas por indicações políticas e por meio de “apadrinhamento”, mais 570 Os artigos referentes aos músicos serão discutidos no próximo capítulo. 571 Artigo 1º do Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. “Dá nova organização á Força Publica do Estado”. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio. Recife: Imprensa Oficial, 1933, p.168-169, ALCE (Coleção das Leis do Estado do Ceará). A descrição do decreto não menciona que este documento era considerado um regulamento, mas em seu penúltimo artigo o decreto é autodenominado de “regulamento”, motivo pelo qual o inserimos nesta parte. 572 BARBOSA, op. cit., 2014, p.91-92. 573 Critérios e deveres mencionados nos artigos dos regulamentos de 1864 e 1873 para que o candidato pudesse se alistar e observar no dever como policial (Artigo 4ª do Regulamento de 1864 e artigos 8º e 10º do Regulamento de 1873). 574 Os critérios de ascensão por “merecimento e antiguidade” são mencionados tanto nas leis e regulamentos do Império quanto da Primeira República: artigo 10º da lei de 1871, artigo 15º do regulamento de 1873, artigo 6º da lei de 1884, artigo 6º da lei de 1885, artigo 6º da lei de 1889, §2º do artigo 10º da lei de 1917, artigo 8º da lei de 1919, artigo 8º da lei de 1920, capítulo III do regulamento de 1932. Este último regulamento incluiu os “atos de bravura” para efeitos de promoção, independente do interstício e das condições de antiguidade e merecimento. Os “atos de bravura” eram considerados em tempo de guerra “pela autoridade competente”, o que poderia gerar interpretações subjetivas quanto o entendimento do que seja “tempo de guerra”, o que considerar “atos de bravura” e para quem considerar, já que esses critérios dependiam da interpretação de uma única pessoa, aquela que deveria conceder o direito. 575 BARBOSA, op. cit, 2014, p.112-114. 135 do que por merecimento e antiguidade576. A indicação ao cargo de Primeiro-sargento e Alferes, no ano de 1873, do músico Manoel Rodrigues de Souza Magalhães é um exemplo, a ser discutido no próximo capítulo, de “apadrinhamento” político acontecido no período monárquico. 4.3 O PAPEL DA POLÍCIA E A MATRIZ LUSO-BRASILEIRA. Durante o Império, as atribuições administrativas policiais foram exercidas por um juiz de direito ou desembargador, pelo chefe de polícia, pelos delegados e pelos subdelegados, todos constituindo uma mesma estrutura policial577. O serviços exercidos por estas autoridades policiais consistiam em “prevenir delictos, colligir os vestígios dos crimes, praticar diligencias no sentido de colher provas, formar processo de culpa e prender criminosos”578. Para manter a ordem pública e a segurança, todos eles poderiam requisitar a Força Militar para salvaguardar tanto as cidades e as vilas, quanto as estradas e as povoações579. Os deveres do Corpo de Polícia incluíam também “operar o movimento de presos das cadeias, do centro da província” para a capital, e da capital “para os diversos termos” em que eles teriam “de ser submetidos a julgamentos”, efetuar diligências “em pontos remotos", “auxiliar o meio batalhão na guarnição da capital”580, sendo responsável também pela guarnição da cadeia e das rondas noturnas581. Por falta de contingente para realização de todos esses serviços, as incumbências da Força Militar de Polícia durante o Segundo Reinado foram compartilhadas pela Força de 1ª linha e a Guarda Nacional, esta até 1873 e, depois de 1880, com a Guarda Cívica. O movimento e a “cooperação” dos serviços policiais pode ser vista nas frequentes solicitações por ofício feitas pelas autoridades policiais à secretaria do governo, solicitando o envio da Força para o 576 Idem, p.114-115; 158. 577 MELO, Clemilton da Silva. Chefatura de Polícia do Ceará, 1841-1870. Fortaleza; RDS Editora, 2011. p. 59-60, Tomo I. 578 Relatório do presidente da província do Ceará Lafayette Rodrigues Pereira, 01 de outubro de 1864, Policia, p.8. 579 MELO, Clemilton da Silva. Chefatura de Polícia do Ceará, 1841-1870. Fortaleza; RDS Editora, 2011. p. 59-60, Tomo I. 580 Relatório do presidente da província do Ceará Lafayette Rodrigues Pereira, 01 de outubro de 1864, Corpo de Policia, p.13. 581 “- 22 - [22 de dezembro de 1865] / - Ao mesmo [Capitão Comandante de Polícia] - / Em atenção ao que Vmce expoz em seu officio de 19 do corrente, fica sobestada a ordem expedida em 18 deste mez sob nº81, até que estejão devidamente uniformisadas e armadas as praças do corpo sob seu comando para substituir a guarda nacional na guarnição da cadeia e no serviço de rondas nocturnas = Deus guarde a Vmce = Palacio, Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello =” (Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.93, APEC). 136 cumprimento das funções policiais582. Segundo o chefe de polícia Francisco José de Souza Nogueira, havia um conflito de poder e autoridade na estrutura policial da província. Por um lado, o Corpo de Polícia estava todo na dependência exclusiva do presidente da província, a ele devendo subordinação; por outro, o corpo policial deveria estar à disposição e subordinação do chefe de polícia e autoridades policiais locais. Para Souza Nogueira, o centro da atividade policial deveria ser o chefe de polícia, pois a ele cabia a direção do serviço583. Na Primeira República, ainda que o presidente do estado tenha mantido seu controle sobre a Força Policial Militar, especialmente por ser responsável pela tarefa de indicar o seu comandante, a autoridade administrativa policial se tornou um elemento mais forte, especialmente depois da lei de 1916 em que a Força passou a receber ordens por intermédio da secretaria de Justiça e da Chefatura de Polícia584. A presença de uma “polícia menos militar” foi sendo frequentemente mencionada pelos presidentes da província585 e do estado586 especialmente no que diz respeito ao policiamento dos municípios e da cidade de Fortaleza. Durante quase todo o período pesquisado a Força Policial Militar manteve uma característica híbrida de estar estruturada em um formato militar, mas ao mesmo tempo exercendo funções policiais de características mais civis587. 582 “- Julho 18 - [18 de julho de 1863] / - Ao Commte [Comandante] de Policia - / Mande Vmce apresentar uma praça do Corpo sob seu Commo para ficar as ordens do subdelegado do 1º e 2º districtos desta capital. Deus guarde a Vmce. Palacio, José Bento da Cunha F. Jr”. (Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 2, APEC). “- 21 - [21 de julho de 1863] / - Ao mesmo [Comandante de Polícia] - / Mande Vmce apresentar ao Chefe de policia 6 praças do Corpo s. [sob] seu Commando afim de escoltarem quatro criminosos [?] tem de responder ao Jury na Vª [vila] do Cascavel, sendo as mesmas praças seguirem sem demora. Deus guarde a Vmce. Palacio, José Bento da Cunha F. Jr” (Idem, p. 3). 583 Relatório do dr. Chefe de Policia Francisco José de Souza Nogueira em 31 de maio de 1877 anexo a Falla do presidente da província do Ceará Caetano Estellita Cavalcanti Pessoa, 02 de julho de 1877, Força policial e mais força publica empregada no serviço da policia, p.14. “- Setembro - [(s.d.) de setembro de 1863] / - Ao Comme [Comandante] do Destacamto [destacamento] do Icó - / Declaro a Vmce que a força sob seu comando deverá prestar-se as requisições não só das autoridades policiaies, como do Juiz de Direito da Comarca e mais autoridades criminaes, conseguindo que a este respeito continue Vmce a proceder de accordo com o referido Juiz de Direito. Deus guarde a Vmce. Palacio, José Bento da Cunha F. Jr”. (Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.5, APEC). 584 Lei nº 1395 de 2 de outubro de 1916. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1916. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A. C. Mendes, 25º volume, 1916, p.70. 585 “Se as municipalidades despozessem de meios, poder-se-hia organizar em cada municipio uma força, sem caracter militar, encarregadado policiamento loal, ficando o corpo militar concentrado na capital, e em fortes destacamentos em algumas cidades ou villas, […]” (Relatório do presidente da província do Ceará Pedro Leão Velloso, 01 de julho de 1881, Corpo de Polícia, p.39). 586 “De dia para dia, mais se acentua a falta de um corpo de agentes, menos militar e mais apropriado ao policiamento especial da cidade, […]” (Mensagem do presidente do estado do Ceará José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de julho de 1893, p.12). 587 PINHEIRO, Paulo Sérgio et al. A Força Pública do Estado de São Paulo. In: FAUSTO, Boris (org). O Brasil Republicano: sociedade e instituições (1889-1930), 8 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 260 (História geral da civilização brasileira, v.9). 137 Para o historiador Francis Albert Cotta a opção militar da polícia brasileira é oriunda do sistema policial português, fundamentado numa concepção de “manutenção da ordem” executado pelos corpos militares588. No século XVIII, o conceito lusitano de polícia ligado à boa ordem, visando a “segurança e comodidade pública dos habitantes” não vai ser influenciada pelo modelo de polícia inspirado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão publicada na França em 1789589. No Brasil, a concepção de “polícia” receberia outras influências embasada em uma matriz luso-brasileira, mantendo em sua essência a ideia de “ordem estabelecida” sem recepcionar o modelo de polícia francês590. Cabia, portanto, a polícia manter a ordem, característica que vai estar na base dos discursos proferidos nos relatórios dos presidentes da província durante o Império. O estabelecimento da ordem assegurava a “tranquilidade pública”, a “segurança individual” e a “paz na província”, assuntos que mereceram destaque nos relatórios provinciais geralmente como tópicos de abertura em boa parte deles. No pronunciamento do presidente Heráclito Graça, o governante relaciona a “manutenção da paz” como consequência de um “hábito” conquistado com trabalho, resultado na consolidação de direitos, na prosperidade e no progresso do Ceará: “[…] apesar dos movimentos sediciosos que largamente agitaram as províncias visinhas do Rio Grande do Norte, Parahyba e Pernambuco, o Ceará continuou entregue a seus hábitos laboriosos, e compenetrado de que somente a paz firma direitos, e desenvolve a prosperidade e o progresso das sociedades […]”591. Em outras palavras, a manutenção da paz estaria relacionada com a ordem pública estabelecida pelo governo, proporcionando prosperidade e progresso ao Ceará e deixando para trás a condição de província “bárbara”, alusão a imagem que os viajantes estrangeiros disseminaram na primeira metade do século XIX. Era uma província “civilizada” e “próspera” que então emergia nos discursos do governo. Nas duas ideias inter-relacionadas de “ordem” e “civilização”, a polícia tinha um papel fundamental de executora, pois era considerada um agente civilizador na aplicação das leis e no controle social, uma mantenedora da paz pública que produziu, como consequência, o progresso. Em seu estudo sobre a Força Policial do Ceará durante a Primeira República Carlos Henrique de Moura Barbosa constatou que os poderes constituídos tinham um discurso 588 COTTA, op. cit., 2012, p.43. 589 Idem, p.26, 215. 590 Ibidem. 591 Relatório do presidente da província do Ceará Heraclito d’Alencastro Pereira da Graça, 01 de março de 1875, Tranquilidade Pública, p.03. 138 de uma “polícia ideal imaginada”, capaz de manter plenamente a segurança e a ordem pública do Estado592. Esse ideal de polícia já era almejado desde o Império transfigurado nas frases de “povo ordeiro” e na “constante tranquilidade” vivida na província. A partir dos anos de 1870 o que se observa é um aumento das críticas à força policial pelo baixo contingente, má remuneração e falta de formação disciplinar, militar e policial adequada o que provoca abalos nesta ordem e neste ideal imaginado. Para voltar a perseguir o ideal de polícia os governos da Primeira República focaram-se no aspecto militar de forma mais polarizada com intuito de obter a concretização da manutenção da ordem pública por meio da Força Militar de Polícia. A partir do estudo de Barbosa podemos concluir que a Força Militar de Polícia nesta fase do governo republicano se constitui numa polícia ostensiva que dava suporte ao controle político do poder estadual sobre o território cearense593. Ela foi usada para assegurar os discursos políticos de combate ao banditismo no interior do estado, de combater o avanço do cangaço, de assegurar as fronteiras, ou de tudo aquilo que pudesse atentar contra a ordem estabelecida594. Sendo “os policiais emissários do governo estadual”, eles poderiam oficialmente exigir respeito à lei e as instituições, ou seja, eles conferiram ao “Estado o monopólio legítimo da violência”595. 4.4 AS INSTITUIÇÕES COM FUNÇÕES DE POLÍCIA NO IMPÉRIO. As leis de fixação da Força Militar de Polícia apontam para uma estrutura organizacional policial distinta entre o Império e a Primeira República. A começar por quem era responsável pelas funções policiais e como a força policial organizava sua estrutura. Tanto no Império quanto durante a República a polícia militar foi chamada de Força Pública, tendo em cada época englobado outras “instituições” nestes termos e com elas exercido funções policiais. Durante parte do Segundo Reinado a chamada Força Pública do Ceará foi constituída de três corporações: a Guarda Nacional, o Batalhão do Exército e o Corpo de Polícia596. Estas corporações agrupavam características compartilhadas entre si que as habilitavam a estarem reunidas sob o mesmo título de 592 BARBOSA, op. cit., 2014, p.39 593 BARBOSA, op. cit., 2014, p. 40; 46. 594 Idem, p.44. 595 Ibidem, p. 44. 596 Relatório apresentado pelo presidente da província do Ceará Antonio Marcellino Nunes Gonçalves, 09 de abril de 1861, p.07. 139 “força”, entre as quais, a de estarem autorizadas a utilizarem armas de fogo para execução do serviço. Além disso, possuíam uma essência militar em comum o que as fazia adotar, além dos armamentos, as divisões hierárquicas das patentes, o uso da disciplina militar, dos uniformes, as práticas militares de “por-se em forma”, “bater” continência e de desfilar em parada. Mesmo que cada força possuísse objetivos específicos – a força de 1ª linha era responsável pela defesa do território nacional, a guarda nacional uma tropa auxiliar para o exército e o corpo de polícia a defesa local da província – na prática, estes corpos colaboravam entre si, exercendo funções que não eram propriamente as suas, tanto no que diz respeito a defesa do território nacional quanto nos serviços de polícia. Das três, a Guarda Nacional era considerada a mais desorganizada pelos presidentes da província, uma vez que lhe faltava, em geral, armas, uniformes e instrução militar597. A única que prestava serviço ordinário de guarnição em Fortaleza era o 1º Batalhão da capital598. Quando a banda da polícia foi reativada no ano de 1864, ela foi algumas vezes solicitada ao comandante da polícia para prestar serviço para o 1º Batalhão da Guarda Nacional da capital. Estes serviços consistiam tanto em marchar com a tropa no quartel599, sugerindo assim exercícios de parada militar, quanto em tocar em cerimônias fúnebres de integrantes de diversos Batalhões, indo primeiro apresentar-se no quartel do 1º Batalhão antes de executar o serviço600. Quando o corpo de polícia e o corpo de guarnição de 1ª linha seguiram para corte, convocados para participar da Guerra do Paraguai (1864-1870), os batalhões das Guardas Nacionais da província foram chamados a assumir as funções destes corpos na capital e nas vilas da província. As reclamações dos presidentes da província sobre a falta de instrução e organização militar da Guarda Nacional persistiram enquanto durou o conflito601. Mesmo assim, durante os seis anos que durou a guerra ela continuou a exercer gratuitamente as funções policiais dividindo 597 Relatório do presidente da província do Ceará João Silveira de Souza, 01 de julho de 1858, Guarda Nacional, p.6. 598 Relatório do presidente da província do Ceará Antonio Marcellino Nunes Gonçalves, 09 de abril de 1861, Força Pública, p.7; Relatório do presidente da província do Ceará Manoel Antonio Duarte de Azevedo, 01 de julho de 1861, Força Pública, p.7. 599 Ofício do dia 30 de setembro de 1864, Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 61, APEC. 600 Ofício do dia 13 de outubro de 1864, Ofício do dia 11 de novembro de 1864, Ofício do dia 12 de novembro de 1864. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 65-69, APEC. 601“[…] O estado da milícia cívica nada tem de lisongeiro. Infelizmente não se acha ainda convenientemente organizada para bem preencher sua grandiosa missão constitucional. É preciso regularizar o seu serviço desde a qualificação, que tem sido muito negligenciada, e educal-a nos preceitos salutares da disciplina. Sem uniformes militares, sem armas, sem instrucção alguma, sua existência, quasi nominal, nada garante de profícuo ao fim patriotico de sua instituição” (Relatório do presidente da província do Ceará João de Souza Mello e Alvim, 06 de maio de 1867, Guarda Nacional, p.5). 140 os diversos serviços de proteção da capital, captura e condução dos delinquentes602 com o corpo de polícia. Depois do fim da Guerra do Paraguai a Guarda Nacional continuou auxiliando a Força Policial603. Com a publicação da lei imperial de 10 de setembro de 1873604, a Guarda Nacional foi proibida de exercer funções policiais sendo dissolvida em 1875605. A partir deste momento e até 1880, a Força Pública da província foi formada somente pelo 15º Batalhão de Infantaria e pelo Corpo de Polícia606. Durante todo o Segundo Reinado a força do Exército auxiliou o Corpo de Polícia nas funções policiais, deixando de fazê-lo a partir da Primeira República607. Conforme a lei de reforma do Exército sancionada em 1851608, existia em Fortaleza até 1865 apenas meio batalhão. Para os governantes este era considerado um contingente pequeno para o tamanho da província609. Até esse corpo ser enviado para a Guerra do Paraguai, a banda da polícia era solicitada para auxiliar o meio batalhão em suas atividades610. Depois do fim da Guerra, estacionou em Fortaleza, em 25 outubro de 1871, o 14º Batalhão de Infantaria611, inicialmente, com um quadro de efetivos incompleto e aparentemente sem músicos também612. No ano seguinte, a banda de música do 14º já estava formada pois apareceu tocando, por ordem de seu comandante, na reunião organizada pelo inspetor da tesouraria de fazenda e seus amigos comemorando o 602 Relatório do presidente da província do Ceará Francisco Ignacio Marcondes Homem de Mello, 10 de junho de 1865, Força Pública - Guarda Nacional, p.8. 603“Ainda existem em vários pontos da provincia destacamentos, pequenos, é verdade, e por isso não trazem maiores vexames, á população ou aos guardas alistados. A exiguidade da força de policia, e a falta de força de linha, exigem ainda esse sacrifício do cidadão” (Relatório do presidente da província do Ceará João Wilkens de Mattos, 20 de outubro de 1872, Guarda Nacional, p.17). 604 Lei nº2395 de 10 de setembro de 1873. “Altera a lei nº602 de 19 de Setembro de 1873 sobre a Guarda Nacional do Império”. BRASIL, Colleção das Leis do Imperio do Brasil de 1873- Tomo XXXII parte I. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1873, p.329. 605 Relatório do presidente da província do Ceará Heraclito D’Alencastro Pereira da Graça, 01 de março de 1875, Guarda Nacional, p.7. 606 Relatório do presidente da província do Ceará Esmerino Gomes Parente, 02 de julho de 1875, Força Publica, p.3. 607 Mensagem do presidente do Estado José Clarindo de Queiroz, 01 de outubro de 1891, p.13. 608 Artigo 4º, § 4º do decreto nº 782 de 19 de abril de 1851. “Approva o Plano de organisação do Exercito em circumstancias ordinarias”. BRASIL, Colleção das Leis do Imperio do Brasil de 1851- Tomo XIV parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1852, p.86-87. 609 Relatório do presidente da província do Ceará João Silveira de Sousa, 01 de julho de 1858, Meio Batalhão de Caçadores, p.6. 610 Sessão ordinária em dia 11 de agosto de 1858 da Assembléa Provincial do Ceará. Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4. 611 Em 1868 é a primeira vez que aparece mencionado no relatório do presidente da província a presença do 14º Batalhão de Infantaria no Ceará, sugerindo uma mudança na organização do exército no Ceará. Se antes da guerra havia somente meio batalhão, com o fim do conflito o 14º estacionou como batalhão completo (Relatório do presidente da província do Ceará Antonio Joaquim Rodrigues Junior, 31 de julho de 1868, Movimento de força, p.9; Relatório do presidente da província do Ceará Barão de Taquary, 08 de janeiro de 1872, 1ª Linha, p.12). 612 Relatório do presidente da província do Ceará Barão de Taquary, 08 de janeiro de 1872, 1ª Linha, p.12. 141 aniversário da independência da Bahia613. Em 1873 o 14º Batalhão recolheu-se à corte chegando a Fortaleza o 15º Batalhão de Infantaria sob o comando do Tenente-coronel João Nepomuceno da Silva614. Com o 15º veio também a banda de música formada inicialmente por 12 integrantes615, mas completada, em 1875, com 16 músicos e 1 mestre de música616. Em 1883 o 15º Batalhão foi transferido para o Pará, estacionando em Fortaleza o 11º Batalhão de Infantaria617. Com ela veio também a banda de música com 16 músicos e 1 mestre de música618. As bandas de música de cada um dos três batalhões tiveram uma participação ativa em eventos da província, mas principalmente em Fortaleza. As bandas da polícia e do exército foram bastante ativas na vida cultural de Fortaleza. Por meio da leitura dos jornais é possível constatar que as duas bandas estiveram tocando nos mesmos eventos, se não conjuntamente, pelo menos alternadamente. Em janeiro de 1873 a Sociedade Portuguesa Beneficente promoveu durante oito noites uma exposição na qual esteve presente na noite de encerramento as bandas da polícia e do 14º tocando “escolhidas peças”, finalizando a noite com os hinos nacional do Brasil e de d. Maria I. Concluída a festa, o vice-cônsul português foi conduzido até sua casa por muitos cavalheiros acompanhados por uma das bandas de música619. Por ocasião do 1º aniversário de fundação da Escola Popular foi celebrada uma soirée literária e oferecida uma recepção em que tocou a banda de música da polícia e, nos intervalos da parte literária, a banda do 15º de Infantaria620. Nos dias 28 e 29 de junho de 1887, o padre reitor do seminário de Fortaleza recebeu uma homenagem dos alunos e professores dos cursos do seminário. Na véspera do dia de São Pedro, a banda de música do 11º Batalhão marcou presença tocando “ricas e escolhidas peças”. No dia seguinte foi celebrada uma missa cantada e oferecido um almoço durante o qual a “música da polícia” tocou “arrebatadoras peças”621. 613 Cearense, 04 de julho de 1872, p.2. 614 Relatório do presidente da província do Ceará Francisco D’Assis Oliveira Maciel, 07 de julho de 1873, Força de Linha, p.6. 615 Anexo do encarregado do deposito de artigos bellicos alferes João Ribeiro de Carvalho – Mappa diário. Falla do presidente da província do Ceará Francisco de Assis Oliveira Maciel, 7 de julho de 1873. 616 Anexo Batalhão de Infanteria n. 15 – Mappa da Força Prompta. Relatório do presidente da província do Ceará Esmerino Gomes Parente, 2 de julho de 1875. 617 Relatório do presidente da província do Ceará Barão de Guajará, 17 de maio de 1883, Força Pública, p.31. 618 Relatório do presidente da província do Ceará Satyro de Oliveira Dias, 31 de maio de 1884, Força Pública, p.29. 619 Cearense, 16 de janeiro de 1873, p.2. 620 Cearense, 30 de maio de 1875, p.1. 621 Vanguarda, 04 de agosto de 1887, p.3. 142 Nem sempre a convivência entre as bandas do Exército e da Polícia622 foi pacífica. As diferenças musicais de execução poderiam, por vezes, resultar em brigas acirradas. Foi o caso exposto no jornal Cearense, em 24 de junho de 1874, quando as bandas da polícia e do 15º Batalhão foram convidadas a tocar na festa da loja Fraternidade Cearense. A desavença vinha de longe, motivada pelo fato das duas bandas tocarem uma mesma música, uma Variação (sem especificação), de maneira diferente. Os dois comandantes proibiram as respectivas bandas de tocarem a música durante o evento afim de evitar qualquer desordem. Contudo, a banda da polícia “imprudentemente começou a executá-la” e imediatamente alguns músicos do 15º “partiram para cima” da banda da polícia com armas em punho. O conflito só não atingiu maiores proporções porque oficiais do 15º Batalhão e o comandante da polícia estavam presentes e contiveram o incidente623. Desavenças entre as bandas era uma situação comum, fosse por causa de diferenças de execução do repertório ou rivalidades nascidas em concursos de bandas ou ainda por outras desavenças de caráter mais pessoal. André Diniz dá um exemplo de uma briga ocorrida entre a banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro e a Banda do Corpo de Fuzileiros Navais. Devido a uma falta de referência do maestro à banda que tocava a seguir, os músicos iniciaram uma briga entre si ainda no palco624. A Primeira República introduziu mudanças na organização do Exército local, com a chegada de novos batalhões e o estabelecimento das regiões militares. Mesmo com as trocas de batalhões, cada regimento foi mantendo a sua própria banda de música ativa e atuante em eventos ligados à sua corporação e eventos nas cidades da província. Na década de 1890, particularmente, as bandas do exército e da polícia aparecem nos noticiários dos jornais tocando juntas em vários compromissos militares, do governo ou organizados por civis625. 622 Estas “disputas” ocorreram também entre a banda da Polícia e da Guarda Nacional. Os próprios deputados provinciais cearenses não permitiram a criação de uma segunda banda no Colégio dos Educandos no ano de 1862, que seria ensaiada por diferentes maestros, para que não provocasse uma possível rixa interna entre as duas bandas. “Essa imolação [emulação] é boa em muzicas disctintas, e ainda mesmo assim bastantes discordias tem apparecido, essas rivalidades tem dado lugar a mortes e pancadarias, a muitas desavenças por causa das muzicas, e o nobre deputado que está servindo de primeiro secretario sabe bem o que já houve aqui mesmo por causa da emmulação das muzicas de policia e da G.N. e se isso se dá com muzicas de differentes corpos; aquarteladas em edificios diversos, calcule-se com resultara dentro do edifício dos educandos havendo duas muzicas disctintas com dous mestres” (Pedro II, 14 de novembro de 1862, p.1). 623 Cearense, 28 de junho de 1874, p.3. 624 DINIZ, op. cit, 2007, p.60-62. 625 “PROGRAMMA – A’s 5 horas da manhã do dia 12 as musicas do 11º batalhão e Corpo de Segurança Publica tocarão alvorada junto a estatua [do General Tiburcio] e depois em passeata percorrerão diversas ruas da cidade […]”(Estado do Ceará, 07 de abril de 1891, p.2); “A batalha de Tuyuty – Hoje as duas bandas de musica, a do 2º de infanteria e a do Batalhão de Segurança, em comemoração á data em que as armas brasileiras cobriram-se dos louros da victoria, tocaram á alvorada diante da estatua do general Tiburcio, o heroe cearense. Depois desta homenagem ao glorioso soldado, percorreram as duas musicas 143 A Guarda Cívica surgiu por lei promulgada no dia 03 de setembro de 1880 para fazer o policiamento específico da capital, ficando sob ordens imediatas do chefe de polícia626. Juntamente com o Corpo de Polícia e a Tropa de 1ª linha, a Guarda Cívica constituiu a Força Pública do Ceará até o fim do Império, contando neste período um efetivo que variou entre 40 e 68 indivíduos627. A função da Guarda era principalmente a de auxiliar as autoridades policiais locais na “prevenção de crimes, na execução das posturas municipaes, na repressão das contravenções e delictos policiaes, [e] na captura dos delinquentes em flagrante”628. Em face das críticas ao reduzido número de soldados do Corpo de Polícia, auxiliados por também poucos da tropa de 1ª Linha, em razão da quantidade elevada de destacamentos e diligências que seguiam para o interior, a presença da Guarda Cívica em Fortaleza foi constantemente elogiada e incentivada pelos presidentes da província. Ao mesmo tempo em que a Guarda Cívica mostrou ser uma resposta administrativa eficaz no policiamento municipal, sua solução privilegiou somente a capital, visto que no interior as tentativas de organização de um policiamento local, experimentadas principalmente na década de 1890, foram frustradas pela impossibilidade financeira dos municípios em manter corpos estáveis de polícia e de fazer sua formação policial629. Entre 1889 e 1932 a Guarda Cívica foi desativada e reorganizada várias vezes, surgindo com o nome de Guarda Civil entre 1913 e 1925 e retornando entre 1917 e 1932 para Guarda Cívica630. Enquanto Guarda Cívica manteve-se ligada à Força Militar de Polícia sendo subordinada a este corpo no que diz respeito a disciplina militar, escrituração e fardamento631, mas mantendo subordinação ao chefe de polícia em diversas ruas, indo tocar ainda em frente à residência do ilustre general Athur Oscar, honrado commandante do 2º disctricto militar […]” (A República, 24 de maio de 1895, p.1); “14 de JULHO – Hontem anniversario da tomada da Bastilha, glorioso acontecimento que não pertence somente ao (sic) gente e patriotismo da França, mas a toda humanidade, a musica do batalhão de segurança tocou a alvorada em frente ao edificio do consulado francez, percorrendo no (sic) depois as ruas da cidade em ruidosa passeiata. […] A’ noute por ordem de s.exc. o sr. general commandante do 2º districto, a banda do 2 batalhão tocou em retreta no coreto do passeio publico, juntamente com a do batalhão de segurança” (A República, 15 de julho de 1897, p.1). 626 Relatório do presidente da província do Ceará Pedro Leão Velloso, 01 de abril de 1881, Guarda Cívica, p.21; Relatório do presidente da província do Ceará Pedro Leão Velloso, 01 de julho de 1881, Guarda Cívica, p.40. 627 Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, APEC. 628 Relatório do presidente da província do Ceará Sancho de Barros Pimentel, 22 de março de 1882, Guarda Cívica, p.12. 629 Relatório do presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1901, Polícia Municipal, p.6. 630 Fundo das Leis e Resoluções Provinciais e Estaduais, APEC; Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE. 631 Exceção para os anos de 1922-1924 quando foi chamado também de “Corpo de Guardas Policiais” ficando totalmente desligada do Regimento Militar Policial (Artigo 13º da Lei nº 971 de 30 de julho de 1909. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1909. Fortaleza: Typo- Lithographia a vapor, 19º volume, 1909, p.15; Lei nº1043A de 18 de novembro de 1921. Fundo Leis e resoluções 144 questões de serviço policial632. Quando denominada Guarda Civil a companhia ficou totalmente desligada da Força constituindo-se em um corpo separado, subordinado exclusivamente ao Chefe de Polícia633. Apesar das mudanças de denominação, o objetivo da Guarda foi sempre o mesmo, fazer o policiamento da capital. A presença de corneteiros no quadro de efetivos das leis de 1897 a 1899 sugere um aquartelamento da tropa, já que esses músicos eram responsáveis por ordens de comando e organização da tropa634. Em alguns momentos de sua atividade, a Guarda utilizou o quartel da Força Militar para realização dos seus treinamentos e outros serviços635. Existe uma curiosa menção ao pagamento de um Primeiro-sargento músico somente para o ano de 1925636. Como não foi localizada qualquer informação sobre a criação de um grupo de música neste corpo, o pagamento do músico pode sugerir a ascensão funcional do antigo corneteiro da Guarda ou estar relacionado a um possível excesso de pessoal no quadro efetivo da Força Militar, passando este músico da banda da polícia a constar como excedente ao quadro, obrigando que o seu vencimento constasse noutro corpo ligado à Força Pública. 4.5 ESTRUTURA ORGANIZACIONAL DA FORÇA MILITAR DE POLÍCIA. Durante todo o Império a Força Militar de Polícia se chamou Corpo de Polícia, Força Policial ou Força do Corpo Policial. A denominação de “corpo” revela sua condição de grupo de homens com funções policiais. Sua denominação de “força” deixa claro a opção pela característica militar em sua estrutura (hierarquia, disciplina e postura, uso de armas). A lei anual de 1842 descreveu a função primordial da polícia como sendo a de manter a segurança pública da província, colocando-se à disposição das autoridades provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 21, livros 38 data: 1921, APEC; Lei nº2040 de 11 de novembro de 1922. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1922. Fortaleza: Typ. Gadelha, 31º volume, 1924, p.163; Lei nº2128 de 26 de outubro de 1923. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1923. Fortaleza: Typ. Gadelha, 32º volume, 1924, p.67. 632 Artigo 30º da Lei nº 1395 de 2 de outubro de 1916. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1916. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A. C. Mendes, 25º volume, 1916, p.72. 633 Lei nº 1074 de 12 de março de 1913. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1913. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A. C. Mendes, 22º volume, 1915, p.6; Lei nº (?) de 08 de agosto de 1925. Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 08, livros 40A data: 1925, APEC. 634 Projeto nº44 sancionado e publicado como lei em 16 de setembro de 1897, Projeto nº48 sancionado e publicado como lei em 10 de outubro de 1898, Projeto nº20 sancionado e publicado como lei em 08 de agosto de 1899. Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livros 25, 28, 30, data: 1897-1899, APEC. 635 Lei nº1487 de 22 de outubro de 1917, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 21, livro 36, data: 1917, APEC. 636 Lei nº2213 de 28 de outubro de 1924. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1924. Fortaleza: Typographia Gadelha, 33º volume, 1925, p.97. 145 policiais a “força” necessária para a manutenção da ordem sem opor-se “a menor dúvida” a essas requisições637. Sua raiz estrutural militar formaria o “corpo” com a disciplina e subordinação necessárias para obedecer as ordens dadas sem “dúvida” ou “reflexão”638. A opção pela matriz militar para a polícia permaneceu como um elemento central em todo o período estudado. Tanto a emenda que regularizou a Guarda Municipal Permanente, quanto a emenda que criou o Corpo de Polícia mencionavam essa matriz ao tomar de empréstimo o regulamento e as leis da força de 1ª Linha639. Essa concepção se mantém logo nas primeiras leis de fixação anual da Força, mencionando que “o corpo de polícia” deveria seguir a “disciplina, economia e regulamento” como em “prática no exército”640. Na publicação dos regulamentos específicos para o Corpo Policial de 1864, 1873 e 1886, os assuntos omissos nos regimentos deveriam ser resolvidos conforme as disposições descritas nos regulamentos e “praxes” adotadas pelo Exército641. A adoção de um estado maior e das divisões por companhias, batalhões e regimento expõe, em sua macroestrutura, a concordância com a organização militar do exército. A partir da Primeira República o modelo militar aplicado na polícia vai ser intensificado até culminar com a assinatura do convênio federal de 1918 que transformou a Força Militar de Polícia em força auxiliar do Exército Nacional. Com isso, as Forças Armadas passaram a ser diretamente responsáveis pela “modernização” da Força policial, na adoção de modelos, doutrinas e procedimentos militares bem como na sua formação e organização642. Durante as três primeiras décadas de existência do Corpo de Polícia até o envio de todo a força para a Guerra do Paraguai (1835-1864) o que se vê é um corpo formado por um pequeno contingente de policiais pouco ou nada preparados para a função, ainda em estado embrionário, sem regimento próprio, utilizando emprestado os regulamentos do Exército, uma tropa mal paga, com vencimentos de oficiais e soldados abaixo dos soldos aplicados ao pessoal de 1ª linha da província e sem garantias de serviço 637 Art. 10º da Lei nº 260 de 29 de novembro de 1842. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.309-310, Tomo I. 638 Idem. 639 “[Emenda de 29 de abril de 1835] Art.2º: Este corpo [Guarda Municipal Permanente] se regerá pelo regulamento e leys da mma tropa de 1ª linha” (Pág.28 do livro de Reg. das Sessões, 1830-1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.14). “[Emenda de 30 de abril de 1835] Art.7º: Na disciplina este corpo se regerá pelos Regulamentos Militares ora em vigor, no que não estiverem em oposição com a presente Ley; mas nunca se usará do castigo de xibata” (Pág.29 a 30v do livro de Sessões, 1830-1839, Arquivo da Assembleia apud RODRIGUES, Abelardo, op. cit, 1955, p.15). 640 Artigo 8º da Lei nº 236 de 16 de janeiro de 1841. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.280, Tomo I. 641 Artigo 197º do Regulamento de 1873. 642 BARBOSA, op. cit., 2014, p.128;135. 146 ou gratificações643. O quartel era uma edificação básica, inicialmente uma casa alugada, depois estabelecida em prédio próprio comprada pelo então presidente Ignacio Correia de Vasconcellos em 1847, mas ainda sem condições para abrigar uma Força644. Nestes anos iniciais o contingente policial manteve-se na casa dos cem homens, chegando em 1861 ao seu contingente máximo de 216. Destes, pouquíssimos ficavam em Fortaleza, era um corpo mais destacado no interior do que fixo na capital645. Para os deputados da Assembleia, não havia necessidade nem dinheiro disponível no orçamento da província para aumentar a Força. Para eles, a quantidade de 6 a 8 praças montadas646 que faziam a segurança da cidade era suficiente, afinal, era preciso “ter mais alguma cousa” do que despender a renda provincial com o pagamento de policiais647. A preocupação maior que transparece dos discursos dos deputados é o interesse em “desenvolver” a urbanização da província, embora ao mencionar “província” os deputados referissem sobretudo a capital como lugar propício para o progresso e a civilização, em detrimento da região como um todo. A característica de corpo policial mais presente no interior do que na capital seguiu a intenção inicial do governo de Martiniano de Alencar, responsável pela sua criação, em 1835, que pretendia manter o interior apaziguado, evitando o surgimento de novas revoltas, mantendo o controle e a unidade territorial da província e assegurando o poder político e administrativo vindo da capital648. A presença do policial e o exercício de suas 643 Relatórios dos presidentes da província do Ceará, 1835-1889. 644 MENEZES, Antônio Bezerra de. Descripção da cidade de Fortaleza. Revista do Instituto Histórico do Ceará. Fortaleza: [s. ed.], 1895, p.164 (CD ROM). 645 “[…] A força de policia é, como sabeis, muito reduzida e nem os recursos dos cofres provinciaes permittem que ella seja elevada. Deste corpo 158 praças é tudo quanto tenho podido aproveitar para serem destacadas, restando unicamente na capital o comandante, os músicos, e quatro ou seis praças para a guarnição do quartel” (Relatório do presidente da província do Ceará Antonio marcellino Nunes Gonçalves, 01 de julho de 1860, Segurança individual e de propriedade, p.03). 646 Os deputados mencionam durante esta sessão ordinária que o corpo de polícia possuía uma seção de cavalaria, embora nas leis provinciais do período não aparece especificado essa seção ou algum artigo referente a manutenção dos cavalos. No relatório do presidente da província em 1838 foi mencionado a criação de uma seção de cavalaria, podendo ser esta a que se manteve funcionando no decorrer dos anos. (Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4; Relatório do presidente da província do Ceará Felisardo de Souza e Mello, 01 de agosto de 1838, Corpo Policial, p.14; ASSIS, Patrícia Marciano de. Cidade da polícia ou polícia da cidade? A chefatura de polícia e os imperativos de segurança individual na província do Ceará. 2016. 255p. 1 v. Dissertação (Mestrado em História). Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2016). 647 Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4. 648 “O mais interior da nossa Província está em perfeita paz. O Icó, e Crato, e Jardim, outrora tão assanhados hoje são o teatro da perfeita tranquilidade. [...], Creia-me, que não fallo com exageração; a nossa Província não apresenta probabilidade de hu rompimento, eu tenho tomado todas as medidas, e como conheço perfeitamente nossa terra, e seus habitantes, tenho posto a força distribuída por aqueles lugares, onde hu rompimento he possível. No Aracaty, no Sobral, no Ico, Serra do Pereiro, S. Matheus, Lavras, Umary, Crato, Serra de S. Pedro, Correntinho, e em todas estas partes temos destacamentos com officiaes de nossa confiança” (Carta de José Martiniano de Alencar a Manuel do Nascimento de Castro e Silva de 10 de outubro de 1835. Revista do Instituto do Ceará, Tomo 22, 1908, p. 58-59 apud OLIVEIRA, op. cit, 2009, p.28). 147 funções ajudou a acentuar a necessidade da estabelecer uma força permanente nas cidades do interior com objetivo de auxiliar as autoridades policiais locais na “captura dos criminosos e prompta acção da polícia” 649. Nos lugares onde ela não existia, a população local prestava auxílio, embora quase sempre de “má vontade”650. A partir da leitura da documentação é possível constatar que o exercício de uma prática policial fez surgir um aumento das tarefas e dos pedidos de destacamentos para a Força. O crescimento da população nas cidades interioranas e a necessidade de manter a segurança dos cidadãos, associada à proximidade da experiência de uma guerra demorada, marca essa segunda fase do Corpo de Polícia pela reorganização e a fixação de novas diretrizes para a instituição. A reorganização passou pelo aumento do contingente, pelo sanar das dificuldades de cumprimento da função policial, devido às relações difíceis entre as autoridades policiais e o Corpo e uma melhoria na formação e disciplina das praças. O fato de muitos policiais se alistarem e irem direto para o interior sem passar por uma formação policial no quartel, era um problema apontado pelos relatórios dos presidentes da província651. Outra tentativa de melhorar a organização da força se deu com sanção dos regulamentos específicos para o Corpo de Polícia. Com o regulamento de 1864 se delineia a instituição militar de polícia com disposições referentes a sua macroestrutura, alistamento, pagamentos, até as questões mais internas como nomeações, licenças, demissões e a parte penal. Dois importantes assuntos foram desenvolvidos neste regulamento: o conselho administrativo e a escrituração do Corpo. Mesmo que a lei de 1842 já tivesse instituído o conselho administrativo seguindo o modelo do exército652 foi com o regulamento de 1864 que ele ganhou feições próprias para o corpo policial sendo constituído pelo comandante, tesoureiro e outra pessoa escolhida pelo comandante. O conselho era responsável pela entrada e saída de dinheiro do cofre do Corpo. Este dinheiro servia, entre outras coisas, para pagar as despesas relacionadas ao pagamento dos músicos, compra, asseio e conserto de instrumentos653. Esse conselho só foi de fato 649 Relatório do presidente da província do Ceará João Silveira de Souza, 01 de julho de 1858, Corpo de Polícia, p.06. 650 Idem. 651 Relatório do presidente da província do Ceará Joaquim da Cunha Freire, 26 de abril de 1871, Corpo de Polícia, p.08. 652 Artigo 4º da Lei nº 260 de 29 de novembro de 1842. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.309, Tomo I. 653 Artigo 38º e 39º do Regulamento de 1864. Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.24. 148 estabelecido no ano de 1871654, tendo o cofre sido, ao longo dos anos, alvo de inspeções e denúncias públicas655. A escrituração foi outro importante ponto estabelecido com este regulamento, marcando o início do registro do cotidiano do policial. A escrituração da polícia durante o Império foi uma questão sempre muito criticada pelas comissões de inspeção devido à irregularidade dos registros, sendo notada a falta de livros e a falta de informação nos livros existentes. De qualquer maneira, esses livros são hoje centrais para o conhecimento da trajetória dos policiais e da burocracia envolvendo a administração da Força Policial. Estes livros marcam o início de uma experiência de escrituração que ao longo dos anos foi sendo aprimorada656. O regulamento de 1873 modificou, ampliou e incluiu alguns tópicos não mencionados no regulamento anterior, descrevendo de forma pormenorizada as atribuições e deveres dos oficiais, inferiores e praças, e, no caso da banda, do mestre de música657. Na Primeira República o Corpo de Polícia torna-se progressivamente uma instituição marcadamente militar. Nos anos iniciais da República, a Assembleia Legislativa debateu bastante sobre o papel que a Força Pública deveria assumir administrativamente no estado, levando a Força Militar a se transformar na força policial responsável pelo policiamento ostensivo do Estado658. A consequência desses debates aparecem refletidos nas leis anuais de fixação da Força com a mudança frequente de estrutura da corporação e de suas denominações659. 654 Relatório do comandante do Corpo de Polícia em 01 de junho de 1871 anexo ao relatório do presidente da província do Ceará Barão de Taquary, 04 de julho de 1871, Conselho d’administração, p.06. 655 Este assunto será discorrido no próximo capítulo. 656 O Instituto Histórico da Polícia Militar do Ceará mantém em seu poder uma boa quantidade destes livros. Quase todos compreendem ao início da Primeira República em diante. Existe apenas um deles, datado de 1890-1892, que registra o alistamento do pessoal da Guarda Cívica ainda nos anos do Império, na criação deste corpo na década de 1880. Existem 53 nomes registrados entre guardas, Cabos, Sargentos e Capitão intendente. É um livro bastante interessante porque fornece muitas informações sobre o policiamento da capital no final do Império e onde é possível colher dados sobre a genealogia e as características pessoais dos alistados (Livro nº77, Guarda Cívica, 1890-1892, documento não catalogado, IHPMCE). 657 Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 658 BARBOSA, op. cit., 2014, p.40. 659 Durante o Império a Força Militar de Polícia foi comumente designada por Corpo Policial ou Força Policial. A partir de 1889 ela vai adotar as seguintes denominações conforme aparece escrito nas leis estaduais de fixação da Força: Corpo de Segurança Pública (1889-1892), Batalhão de Segurança do Ceará (1892-1899), Batalhão de Segurança (1899-1912), Regimento Militar do Estado (1914-1915), Regimento Militar do Ceará (1916-1921), Força Pública Militar do Estado (1921), Força Pública Militar do Estado do Ceará (1922), Força Pública do Estado do Ceará (1923), Regimento Policial do Ceará (1924-1925), Regimento Policial do Estado do Ceará (1926-1927), Força Pública do Estado (1928-1932), Corpo de Segurança Pública (1932). Somente em 1947 é que ela vai assumir a designação que permanece até hoje como Polícia Militar do Ceará. O conhecimento dessas denominações é interessante para o estudo da banda de música da polícia já que alguns deles aparecem carimbados nas partituras do arquivo da polícia e nas 149 Após os três anos iniciais de transição entre os regimes políticos (1889-1892), período em que se observa uma redução abrupta do contingente da Força (de 520 homens para 317), dissolução da Guarda Cívica e pouco investimento financeiro na polícia, os dez anos seguintes (1893-1903) são de incentivo ao estabelecimento das forças locais nas cidades interioranas, determinação instituída na constituição de 1892 e lei nº33 do mesmo ano660. Segundo o presidente Pedro Augusto Borges o objetivo era permitir que a Força Militar de Polícia salvaguardasse os interesses de todo o Estado, mantendo a “estabilidade da ordem e segurança interna”, colaborando com “os poderes públicos em sua ação” e com a execução das leis, enquanto as polícias municipais se preocupariam com as tarefas diárias de “vigilância e prevenção de crimes”, “segurança pública e individual”, “guarda dos estabelecimentos de repressão” e auxiliando das autoridades locais no desempenho das suas funções661. Quase todos os municípios tentaram a organização de forças locais, mas dissolveram-nas em pouco tempo alegando “deficiência de rendas para seus custeio”662. Foi também tentado o estabelecimento de companhias específicas dentro da organização da Força Policial para destacamento no interior, pagas pelos respectivos cofres municipais, situação que esbarrou no mesmo problema de ordem financeira663. Em 1903, o presidente de Estado, Pedro Augusto Borges, mencionou a necessidade do governo assumir a polícia no interior do Estado de forma mais contínua e estável, por meio de destacamentos da Força Pública, com o objetivo de estar ao lado das autoridades locais como “mão forte nas medidas de repressão”664. A partir deste momento observa-se pastas que acondicionam esse material (CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009. 550p., 3 v.; Fundo das Leis e Resoluções Provinciais e Estaduais, APEC; Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE; RODRIGUES, op. cit., 1955, p.51,75; Matrícula do Batalhão Militar - 1912-1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, APEC). 660 “A policia local é serviço commettido ás municipalidades e a que ellas se não devem subtrahir, como obrigação decorrente do artigo 99 da Constituição [1892] e lei nº33, de 10 de Novembro de 1892” (Relatório do presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1902, p.8). 661 Mensagem do presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1901, Força Pública, p.6. 662 Idem. 663 “Art.17º - Fica o Presidente do Estado auctorizado a organizar uma companhia exclusivamente destinada a destacar no interior, em substituição as guardas municipaes, correndo as despezas pelos cofres do respectivo município” (Projeto nº44 sancionado e publicado em 16 de setembro de 1897, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 25, data: 1897, APEC). “O artigo 17 que da lei que fixou a força publica para o anno corrente, autorizou-me a organizar uma companhia exclusivamente destinada a destacar no interior em substituição ás guardas municipais, correndo as despesas pelos cofres dos municípios. Desde logo expedi circular ás camaras municipaes, recommendando que, no caso de acceitação de tal força, indicassem o numero de praças precisas ao seu policiamento, estabelecendo por essa ocasião as condições de pagamento da respectiva despeza. Sómente de duas Camaras tive resposta affirmativa; pelo que deixei de fazer effectiva a organização da referida companhia” (Mensagem do presidente do estado do Ceará Antonio Pinto Nogueira Accioly, 04 de julho de 1898, p.20). 664 Mensagem do presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1903, p.05. 150 uma constante preocupação com o aumento da Força, uma intensificação de sua natureza militar e o uso da Polícia no combate ao banditismo no interior do Ceará665. A militarização vai tornar-se realidade com a assinatura do convênio com a União em julho de 1918 tornando a Força Policial Militar em uma força auxiliar do Exército Nacional. Além do Ceará, os estados da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, também assinaram o acordo que mostrava ser bastante proveitoso para ambos os lados: para o Ministério de Guerra o convênio resolvia os problemas relacionados com o contingente de pessoal666, a manutenção financeira de quartéis, os vencimentos de soldados, os alojamentos e os uniformes, já que o recrutamento e os custos de manutenção das polícias estaduais permaneciam sob a responsabilidade dos governos locais; por outro lado, as polícias estaduais ganhavam com a intensificação da militarização667 dos seus corpos, além do melhoramento de sua formação militar e organização que passava a ser feito pelo Exército Nacional668. 665 BARBOSA, op. cit., 2014. 666 Desde os últimos decênios do século XIX que o Exército intentou aumentar o número de efetivos de seus quadros com políticas de recrutamento sem muito sucesso. A política do “sorteio militar universal”, implantado em 1870, não produziu o efeito desejado. Na virada do século XIX para o XX tentou difundir o lema de uma “nação com armas”, investindo na divulgação de manifestações militares e patrióticas pelas cidades brasileiras. Como resultado desse discurso patriótico-nacionalista, surgiram em várias cidades “clubes de tiros”, associações lideradas por civis e os “batalhões patrióticos”, também formados por civis, mas liderados por militares. Contudo, esses grupos não resolveram o problema do serviço militar para o Exército. Em 1908 foi aprovada a lei do “serviço militar obrigatório” que ficou engavetada até 1910 por falhas e oposições à lei. A discussão voltou à tona principalmente durante a Primeira Guerra Mundial (1914- 1918) e o apoio brasileiro à guerra. Voltou-se novamente a difundir um discurso patriótico, até que em 1915, fundou-se a “Liga de Defesa Nacional”. Esta Liga promovia conferências e manifestações patrióticas com objetivo de divulgar o papel de “integração nacional” do Exército e o lema de “nação com armas”. No embalo destes discursos, foi realizado o primeiro sorteio militar em 1916 que mostrou ser um fracasso devido os entraves burocráticos administrativos para sua perfeita implementação. Em 1917, o Ministério da Guerra sancionou a lei federal nº3.216 de 03 de janeiro em que lançou mão de acordos com as polícias militares dos estados interessadas em se tornar força auxiliar do Exército Nacional. Essa proposta veio como consequência da experiência vivida pela Força Militar de São Paulo que, de 1906 a 1914, contratou uma missão estrangeira coordenada por um militar do exército francês com objetivo de treinar sua Força e da experiência da Força Militar de Minas Gerais que em 1912 contratou, com os mesmos objetivos da Polícia de São Paulo, um instrutor militar suíço. Essas Forças eram tidas como bem treinadas, militarizadas e de bom tamanho, capazes de resistir a intervenções federais armadas (BARBOSA, op. cit., 2014, p.128- 132; Lei nº 316 de 03 de janeiro de 1917. Disponível em: Acesso em: 12 dez. 2016). 667 A partir de 1910 o Exército brasileiro sofreu uma série de reformas com o objetivo de “modernizar” com o objetivo de militarizar a instituição, ou seja, adotar modelos, doutrinas e procedimentos militares. Seu esforço foi especialmente o de investir na compra de material bélico e na reorganização do ensino militar segundo os padrões educacionais das grandes potências mundiais do período (BARBOSA, C.H.M., op. cit., 2014, p.128 (NR265); 135). 668 BARBOSA, op. cit., 2014, p.132-133. 151 4.6 ALISTAMENTO. A questão do recrutamento e o tempo de serviço na polícia mudou bastante tanto no Império quanto na República. A lei de 1836 mencionou pela primeira vez que os soldados, cornetas e oficiais inferiores deveriam ser engajados por pelo menos dois anos, mas, se após dois meses não se completasse o efetivo estipulado, proceder-se-ia ao “recrutamento” (forçado), passando estes a servir por quatro anos669. Nos anos seguintes existiram novas mudanças até se fixar, a partir do regulamento de 1864, o alistamento voluntário por quatro anos. Esse tempo não era encarado com muita rigidez e poderia ser revisto em casos específicos. É o que se observa no ofício de contratação dos músicos para a banda da polícia em 1871. Por falta de interessados em assumir o serviço por um período de quatro anos o comandante permitiu que se reduzisse o tempo para dois anos, o que levou ao aparecimento dos candidatos necessários670. Com a supressão do recrutamento forçado e posteriormente dos castigos corporais – inicialmente castigo de chibata na lei de 1858671 e, em 1862, o da espada de prancha672 – o alistamento no corpo de polícia tornou-se mais “atrativo” do que no Exército ou na Marinha. Nestas Forças Armadas, o sistema de punição e controle eram mais severos, imputando castigos corporais pesados, somado ao recrutamento forçado, feito “no laço”, durante o século XIX e começo do XX673. Além disso, como muitos dos alistados na polícia vinham do interior e eram destacados novamente para o interior, ao contrário dos alistados no Exército ou na Marinha, enviados para longe de seus familiares, o trabalho policial era menos desagradável quando comparado com o das Forças Armadas674. Mesmo com este “atrativo”, frequentemente o número previsto para completar o efetivo da polícia não era preenchido na sua totalidade. Em vários momentos durante o Império e início da Primeira República, os presidentes da província reportaram 669 Artigo 5º e artigo 8º da Lei nº 44 de 14 de setembro de 1836. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.47-48, Tomo I. 670 “- 13 - [13 de março de 1871] / [Ao Comandante de Polícia] / Ao seo officio de 6 [5?] do corrente respondo, declarando-lhe que, visto não ser possível contractar para o corpo de policia músicos, que possão durante o prazo de 4 annos, fica Vmc. autorizado á reduzir esse prazo á metade do tempo, observando as condições constantes na nota, que acompanhou o mesmo officio, e que ora lhe devolvo por mim rubricado. José Fernandes da Costa Pereira Junior” (Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p.200, APEC). 671 Artigo 5º da Lei nº 853 de 23 de agosto de 1858. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.214, Tomo III. 672 Sessão ordinária da Assembléa Provincial do Ceará em 3 de novembro de 1862, Pedro II, 03 novembro de 1862. 673 BARBOSA, op. cit., 2014, p.80-82. 674 Idem. 152 essa situação nos seus relatórios e associavam essa dificuldade de preencher o efetivo com a má remuneração da polícia675. O discurso insistente de aumento do efetivo e dos recursos serviu também para “barganhar mais investimentos junto à Assembleia Legislativa”676. O que se observa ao longo da Primeira República é um aumento dos recursos voltados ao aparelhamento bélico e de várias concessões financeiras677. Como exemplo, citamos os prêmios e gratificações que aparecem em vários artigos das leis estaduais678, estratégias para atrair e aumentar o contingente policial e diminuir o número de baixas de serviço679. Para alistar-se na polícia os interessados deveriam mostrar “bom procedimento moral e político”680. No alistamento era essencial comprovar “boa moral”681, “boa conduta” e a “robustez” física682. Contudo, com a falta de interessados em ingressar na Força, somado a baixa remuneração e incentivos faziam com que estes pré-requisitos de moralidade e boa conduta não fossem levados em consideração683, sendo mais importante a robustez física684. As críticas sobre a má conduta dos policiais durante o Império eram frequentemente reportadas pelas autoridades policiais e presidentes da província nos relatórios685. Para eles a Força carecia de pessoas qualificadas, os que se alistavam eram vistos como “homens viciados”, que não tendo outra perspectiva de vida procuravam a vida militar “como uma segurança”686. Nos jornais, as reportagens mencionavam que a polícia se aliava com “famigerados criminosos da província”687. Durante a Primeira República foi permitida a entrada de bandidos e cangaceiros na Força, 675 Relatorio do presidente da província do Ceará Vicente Pires da Motta, 10 de setembro de 1854, p. 10; Mensagem do presidente do estado do Ceará José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de julho de 1894, p.19. 676 BARBOSA, op. cit., 2104, p.229. 677 Idem. 678 Fundo das Leis e Resoluções Provinciais e Estaduais, APEC e Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE. 679 Mensagem do presidente do estado do Ceará José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de junho de 1896, p.6. 680 Artigo 3º da Lei nº143 de 16 de setembro de 1838. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.180, Tomo I. 681 Artigo 4º do Regulamento de 1864. 682 Artigo 8º do Regulamento de 1873; Artigo 9º do regulamento de 1894. 683 “Em quanto não forem augmentados os vencimentos das praças, não se poderão obter voluntarios com a precisa moralidade” (Relatório do presidente da província do Ceará Joaquim da Cunha Freire, 08 de janeiro de 1872, Corpo de Polícia, p.14). 684 BARBOSA, op. cit., 2014, p.94. 685“Compondo-se de poucas praças para ocorrer ao serviço em uma província de mais de cem léguas de extensão, oferece também o espectaculo de muitas de suas praças darem frequentemente exemplos de desordem e alta criminalidade” (Relatório do Chefe de Polícia em15 de julho de 1870 anexo ao Relatório do presidente da província do Ceará João Antonio Araujo Freitas Henriques, 01 de setembro de 1870, Corpo Policial, p.5). 686 Relatório do comandante do corpo de polícia em 01 de junho de 1871 anexo ao relatório do presidente da província do Ceará Barão de Taquary, 04 de julho de 1871, Alistamentos e Engajamentos, p.3. 687 Cearense, 11 de setembro de 1872, p.2. 153 mesmo que de forma não oficial, por seu conhecimento do território e habilidade no manejo das armas, situação consentida devido as relações de interesses mantidas entre os políticos locais do interior e o governo estadual688. Mesmo não estando disposto nos regimentos ou nas leis que saber ler e escrever fosse condição necessária para ingressar na Força, ser alfabetizado poderia significar maiores possibilidades de assumir postos diferenciados ou cargos mais altos. É o que se observa no ofício do juiz Joaquim Mendes Guimarães expedido no dia 01 de julho de 1863 solicitando ao comandante de polícia que enviasse um praça que soubesse ler e escrever para ficar responsável pela entrega das correspondências mantidas pela Secretaria do governo às autoridades policiais689. O Regulamento de 1894 dedicou um capítulo à criação da Escola Regimental, responsável pelo ensino de “leitura e escripta, noções de grammatica portugueza, arithmetica inclusyve sistema metrico, de historia do Brasil, de geografia” particularmente a do Ceará, e aprendizagem da escrituração das companhias690. Este documento estabelecia a preferência na promoção dos praças que fossem diplomados seguindo a ordem de classificação e observando as que mostraram melhor aproveitamento no curso691. Carlos Henrique Barbosa analisa o caso do policial Agostinho José da Costa, de “cor” preta, sem ofício, analfabeto que assentou praça em 1903 e aprendeu a ler e escrever dentro da Polícia, sendo exonerado da Força no ano 1911 depois de 8 anos de serviço. Ao retornar para a corporação em 1915 seu assentamento informa que sabia ler e escrever. Em 1926, com apenas 3 anos a mais de serviço do que na primeira vez, Agostinho já se encontrava no posto de Segundo-tenente692. A trajetória de Agostinho da Costa é muito semelhante à de outros músicos que entraram na Força sem ofício e se tornaram músicos. No caso dos soldados menores, muitos deles não sabiam também ler e escrever quando ingressaram na corporação, aprendendo as primeiras letras dentro da instituição. Semelhante ao que aconteceu com vários músicos da banda, em sua maioria miscigenados, vindos do interior sem emprego ou ofício, a corporação policial foi lugar de oportunidade de trabalho e de mobilidade social para seus praças693. A manutenção de analfabetos em determinados postos poderia ser considerada uma situação interna “irregular” e “embaraçosa”, permitida apenas em “circunstâncias 688 BARBOSA, op. cit., 2104, p.91-92. 689 Ofício do dia 01 de julho de 1863, Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 61, APEC. p. 1, APEC. 690 Artigo 129º do Regulamento de 1894. A República, 09 de maio de 1894, p.2. 691 Artigo 130º §3º do Regulamento de 1894. A República, 09 de maio de 1894, p.2. 692 BARBOSA, op. cit., 2104, p.108. 693 Assunto que será analisado no capítulo 5. 154 especiais”. Exemplo disso é o relato do comandante de polícia em 1º de abril de 1914 em que assinou a baixa de três Segundos-sargentos, três Terceiros-sargentos e três Cabos-de- esquadras alegando serem analfabetos e estarem em postos mais elevados de que sua condição de analfabeto permitia, sendo, portanto, uma situação irregular694. Apenas no regulamento de 1932 a condição de saber ler e escrever surge como pré-requisito para o alistamento695. Se entre os que se alistavam na Força Militar poderia ser “comum” encontrar praças que não sabiam ler e escrever, entre os músicos esse percentual deveria ser mínimo já que a questão da leitura de uma partitura exige um mínimo de letramento. O fato de a maioria dos músicos da banda serem civis contratados parece supor que a alfabetização fosse mais elevada entre eles. Contudo, se o fato de ser alfabetizado parece ser um requisito quase inerente para a leitura musical, haveria possibilidades de praças “analfabetos” galgarem sua entrada na banda da polícia. Para estes, os lugares mais fáceis seria o de um instrumento da seção de percussão: bombo, tambor, caixa ou prato. Uma vez que as partituras desse naipe de instrumentistas não apresentavam grandes dificuldades técnicas, os interessados poderiam facilmente aprender suas partes por imitação e audição. Mesmo que fosse uma situação difícil e trabalhosa de ser realizada pelo maestro e músicos de 1ª classe responsáveis pelo ensino dos aprendizes, esta não seria uma situação de todo impossível de se colocar em prática. Durante o período de adaptação, o praça poderia ir aprendendo os “desenhos” gráficos musicais, passando simultaneamente por um processo de aprendizagem das primeiras letras e, futuramente, passar a tocar um instrumento melódico. Mesmo sem nenhuma prova empírica concreta dessa situação, algumas partituras do acervo da Polícia Militar apresentam anotações de leitura musical e assinaturas de músicos que sugerem o ensino interno de leitura musical e mesmo de alfabetização, com a aprendizagem da escrita até mesmo do nome do músico. 4.7 APOSENTADORIA. Ao contrário de outras ocupações civis, a Força Militar Policial foi, ao longo de sua trajetória, estabelecendo algumas garantias de trabalho e assegurando aos oficiais 694 Ordem do dia nº 17 de 01 de abril de 1914. Assentamento - 1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 6, prateleira 32, caixa 95, livro 238, [s.p], data: 1914-1929, APEC. 695 Artigo 40 do Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio. Recife: Imprensa Oficial, 1933, p.176-177, ALCE (Coleção das Leis do Estado do Ceará). 155 e praças serviços médicos, licenças, férias, aposentadoria696. Para os músicos da banda da polícia, em sua maioria civis contratados, que não possuíam muitas possibilidades de emprego na Fortaleza da segunda metade do século XIX e início do XX, a prerrogativa de poder se aposentar pela corporação policial deve ter constituído um atrativo para a entrada de músicos civis na banda da polícia. A primeira vez que a possibilidade dos policiais se aposentarem pela província foi mencionada aconteceu na lei anual de 1855, quando os oficiais foram considerados empregados provinciais697, podendo como tal requisitar aposentadoria segundo o disposto na lei nº465, de 26 de agosto de 1848698. No caso dos praças, eles devem ter sido incluídos em algum momento posterior, pois em 1863 foi aprovado na Assembleia dos deputados que o tempo de serviço no exército podia ser contado para a reforma dos praças699. A lei nº465 dispunha sobre o modo de concessão de aposentadoria e licenças para os empregados provinciais e manteve-se em vigor durante todo o período do Império. Continha 12 artigos sendo os 4 primeiros voltados ao assunto da aposentadoria e o restante sobre as licenças. Pela lei os empregados provinciais podiam ser aposentados caso contassem com mais de dez anos de serviço e provassem não estarem aptos ao trabalho por motivo de enfermidade ou idade avançada700. Só receberiam o ordenado por inteiro se tivessem no mínimo vinte e cinco anos de serviço. Para aqueles com problemas de saúde era necessário que houvesse uma inspeção médica atestando a incapacidade, situação em que muitos músicos se aposentaram. O presidente da província não poderia negar a aposentadoria ao empregado que requeresse o direito como previsto na lei, devendo submeter a aprovação da assembleia provincial701. Esse assunto foi disposto no regulamento de 1873, mencionado o benefício a oficiais e praças, citando a referida lei anterior, nº465 de 1848702, permanecendo assim por todo o Império. 696 BARBOSA, op. cit., 2014, p.118. 697 Artigo 2º da Lei nº729 de 04 de setembro de 1855. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.614, Tomo II. 698 Lei nº 465 de 26 de agosto de 1848. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.54, Tomo II. 699 Conclusão da sessão ordinária da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará em 09 de dezembro de 1863. Pedro II, 17 de dezembro de 1863, p. 1. 700 Lei nº 465 de 26 de agosto de 1848. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.54, Tomo II. 701 Lei nº 465 de 26 de agosto de 1848. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.54-55, Tomo II. 702 Artigo 71ºdo Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 156 Durante a Primeira República a questão da reforma foi modificada mais de uma vez. Com a promulgação da constituição política do estado do Ceará, em 1892, o assunto foi regulado pelo artigo 142 que remetia para uma lei ordinária as condições relativas a aplicação das aposentadorias, reformas ou jubilações703. Em 1894 foi promulgada esta lei ordinária com teor semelhante ao da lei de 1848. A legislação mantinha a competência exclusiva do presidente do estado em conceder as aposentadorias. As diferenças mais importantes residiam no fato de só poder se aposentar o funcionário que provasse inabilidade para servir no emprego por doença e contasse mais de dez anos de serviço “sem nota ou erro de ofício”. Outra diferença era a possibilidade de se aposentar por inabilidade moral, uma prerrogativa bastante subjetiva, pois não era necessária inspeção específica, da mesma forma que a “inabilidade física” obrigava a uma inspeção médica. O artigo acrescentava ainda que, caso o funcionário preenchesse as condições de inabilidade física e moral, mais o tempo mínimo de exercício do serviço de 10 anos “sem nota ou erro de ofício”, tinha direito a aposentadoria com o ordenado por inteiro. Esta lei diminuiu de dez para três anos o mínimo de tempo que o funcionário poderia solicitar aposentadoria, reforma ou jubilação, recebendo um soldo proporcional ao tempo de serviço, mesmo que não apresentasse problemas físicos ou morais. Os demais artigos regulavam sobre a inspeção médica, as formas de provar e contar o tempo de efetivo serviço, as condições que poderiam levar à perda da aposentadoria conquistada e, por fim, a necessidade de aprovação na Assembleia Legislativa do Estado na concessão de aposentadorias. Para além da lei de 1894, Carlos Henrique Barbosa cita duas outras leis relativas ao assunto voltadas para o pessoal da Força Pública: uma de 1907 que incluiu somente os oficiais da Polícia e outra de 1918704. A lei de 1907 não mudou muito as condições estabelecidas na lei de 1894, fazendo poucas alterações, ligadas sobretudo ao tempo de serviço e ao soldo que deveria receber705. A lei nº1642 de 08 de novembro de 1918 que tratou da reorganização da Força Pública equiparou novamente os funcionários militares aos funcionários civis e estabeleceu o direito da reforma para todos os policiais com o soldo por inteiro somente se perfizessem vinte anos de serviço e tivessem sido inutilizados para o trabalho policial por lesões ou ferimentos706. Com a promulgação da 703 Artigo 142º da Constituição Política do estado do Ceará. A República, 11 de julho de 1892, p.2. 704 BARBOSA, op.cit., 2014, p.119. 705 Idem. 706 Ibidem. 157 nova constituição política do Ceará, em 1922, as disposições gerais determinaram que as aposentadorias dos funcionários públicos só poderiam ser concedidas mediante invalidez ao serviço do Estado. Uma lei ordinária foi expedida com objetivo de regulamentar o assunto, mas não conseguimos localizá-la. O que se conclui na análise das leis é que a garantia de se aposentar como empregado público ligado à polícia foi sempre mantida ao longo dos anos, mesmo com a mudança de regime político. As diferenças mais significativas, para antes de 1922, ficaram em torno do tempo necessário para solicitar o pedido e o soldo que seria atribuído. Para os músicos da cidade em que a maioria só podia trabalhar como professores particulares, não haviam escolas de música e as vagas para professores de música nas escolas do governo eram poucas, a possibilidade de poder se aposentar futuramente como funcionário público constituiu um chamariz para os músicos do Ceará ingressarem na banda e nas fileiras da polícia. A concessão do benefício somente para os empregados que comprovassem invalidez depois de 1922 pode ter sido um fator de impedimento para o alistamento de músicos. Não abordaremos esta questão uma vez que vai para além do limite temporal estabelecido para esta pesquisa. 4.8 A RELAÇÃO COM A POLÍTICA E AS REPRESENTAÇÕES PÚBLICAS DA POLÍCIA E SUA BANDA. A ligação e apoio da Força Policial Militar ao governo eleito de cada época foi um aspecto comum que perpassou todo o período estudado. Algumas questões ajudaram a estabelecer este “acordo de conveniência”, principalmente o fato de a nomeação do comandante e oficiais da polícia ser da incumbência do presidente da província e posteriormente do estado707. Esse poder, fez com que a escolha do topo da hierarquia policial recaísse em oficiais que apoiavam o governo. Mesmo com a instituição de concurso para habilitação dos oficiais inferiores para ocupar o posto de Segundo- tenente pela lei de 1919708 e com a criação da Escola Profissional de oficiais em 1929709, que passou a formar oficiais para o alto escalão, o presidente do estado permaneceu como 707 Artigo 6º da Lei n.44 de 14 de setembro de 1836. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, 2009, p.47. Tomo I ; Artigo 2º do Projeto nº44 sancionado e publicado em 16 de setembro de 1897, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 25, data: 1897, APEC; Artigo 11º da Lei nº 2739 de 04 de Novembro de 1929. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1929. Fortaleza: [?], [s.d], p.152. 708 Artigo 7º da Lei nº 1664 de 16 de setembro de 1919. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1919. Fortaleza: Typ. Moderna Carneiro e Cia, 1919, 28º volume, p.21). 709 BARBOSA, op.cit., 2014, p.157. 158 responsável pela nomeação do comandante da polícia e oficiais superiores baseado em indicações políticas ou “apadrinhamento”710. Durante o Império o apoio do Corpo de Polícia ao presidente da província podia ser observado especialmente durante as eleições, quando a força policial era utilizada recorrentemente para coagir os eleitores, usando da força e violência (alguns policiais chegaram a ser responsáveis por assassinatos) para favorecer o partido governista. Em 18 de agosto de 1872, o jornal Cearense acusou o presidente Wilkens de Matos de proferir um discurso de imparcialidade, pregando a “absoluta abstenção da autoridade e da força publica nas eleições”, mas ao mesmo tempo, enviava a Força Policial e a tropa de 1ª linha para cidades do interior para ameaçar, prender e fazer recurso de “todos os meios ilícitos para comprimirem a liberdade de voto”711. Na capital, desfilaram cerca de 200 a 300 homens, entre eles escravos fugidos, que incorporaram as “fileiras governistas”, invadindo a matriz onde ocorria a eleição, empunhando armas e dirigindo ameaças aos presentes. A Igreja estava lotada com a presença da oposição e de dois de seus eleitores que votavam naquele momento. O grupo armado dizia que a “senha” para resolver o impasse estava nas mãos do juiz de mesa, declarando “publicamente que se o juiz de paz decidisse” pela permissão de votar os dois eleitores da oposição “recorreriam á força e não consentiriam que se formasse a mesa”. Acrescentavam ainda que estas eram as ordens do presidente da província. Na visão do redator o juiz agiu com prudência diante da ordem manifestamente ilegal do presidente de obedecer ou morrer, eliminando o voto dos dois eleitores da oposição e dando a vitória por um voto ao governo712. Devido à violência demonstrada na eleição do dia 18 de agosto, o pleito seguinte, ocorrido no dia 07 de setembro de 1872, foi completamente abandonado, sem votos nem votantes713. O 1º juiz de paz, que deveria assumir a presidência da mesa na eleição, ao chegar à Igreja matriz encontrou o 4º juiz de paz em seu lugar na mesa de votação sem ter havido nenhuma prévia comunicação da troca. Após lavrar seu protesto e sentar-se foi surpreendido por um “capanga do governo” que o ameaçou com uma faca. Uma pessoa que estava dentro da Igreja, avistando a situação, conseguiu tomar a arma do “sicário”. Ao livrar-se da ameaça, o 1º juiz deu ordem de prisão para autuá-lo. Neste 710 Idem, p.158. 711 Cearense, 20 de agosto de 1872, p.1. 712 Idem. 713 Cearense, 11 de setembro de 1872, p.1-2. 159 ínterim, os “capangas da polícia” entraram na Igreja e tomaram “o companheiro pelo braço” levando-o “em triumpho”. Ao descrever a situação, o jornal Cearense usava de um tom irônico, denunciando a relação de cumplicidade mantida entre o ameaçador, supostamente perseguido pela polícia, e uma “malta de guarda costas da polícia”714. Ao mesmo tempo que os fatos ocorriam no interior da Igreja, uma manifestação popular andava pelas ruas, acompanhada pela banda da Associação Artística, a celebrar o dia da proclamação da independência do Brasil715. Quando a passeata chegou à frente da matriz, os soldados que a guardavam assustaram-se e ao toque de recolher do comandante apresentaram as armas avançando para a frente da porta da Igreja. Segundo o jornalista, o “povo”, que não tinha intenção de penetrar no recinto religioso, riu-se do “apparato bellico da soldadesca” e seguiu adiante. Quando já estava na frente do Liceu, ouviu-se uma explosão de granada, que não provocou maiores receios por se imaginar ter sido um tiro de pólvora seca com intuito de intimidar o grupo de populares. Na verdade, o que aconteceu foi que o criado de José Feijó, apoiante do governo, achando que seu “amo” estava em perigo, penetrou na Igreja armado de uma faca. Sem saber de quem se tratava, um soldado deu um tiro a queima roupa, vindo o criado a falecer no dia seguinte716. A edição do jornal Cearense ocupou duas páginas a denunciar estes acontecimentos mostrando a sua indignação e desaprovação em relação aos atos da polícia e do presidente da província Wilkens de Matos. Na Primeira República as escolhas dos oficiais de comando da polícia continuaram sendo feitas pelo presidente do estado com a finalidade de manter o controle político sobre a força policial. Por ser a Força Policial Militar vista como uma instituição responsável por fazer cumprir as leis e exigir respeito as instituições, a polícia transformou-se num meio de garantir os interesses e os discursos do governo perante os chefes políticos municipais717. No relato do governo, a polícia só recorria à força quando a lei era transgredida pela população. Esta ideia fica bem clara no longo relato que o presidente do estado Pedro Augusto Borges fez à Assembleia Legislativa em 1904 a respeito da greve dos trabalhadores do porto de Fortaleza realizada no dia 03 de janeiro de 1904. Ele narra que os responsáveis pelo serviço de transporte de mercadorias e passageiros do porto recusaram-se a trabalhar, em protesto contra a ordem do Governo 714 Cearense, 11 de setembro de 1872, p.2. 715 Idem. 716 Ibidem. 717 BARBOSA, op. cit., 2014, p.44-46. 160 Federal de fazer o recrutamento por sorteio para a Armada Nacional. Perante a eminente chegada de um navio que vinha aplicar a ordem federal, os grevistas decidiram impedir o desembarque de qualquer embarcação no porto. Às 08 horas da manhã do dia 03 um vapor de passageiros foi impedido de desembarcar pelos grevistas. Os participantes do protesto, vendo, do porto, que um barco se preparava para ir buscar os passageiros, “assaltaram a balieira, arrastaram-na para o secco, arrebataram os remos, quebraram-nos, impedindo assim a viagem do escaler”. Em seguida, montaram guarda no serviço de telégrafo afim de impedir o envio ou o recebimento de qualquer telegrama da capital federal. Em vista da tensa situação, o capitão do Porto enviou para ele, presidente Pedro Borges, um ofício solicitando a presença da Força Policial. Ele não hesitou em providenciar, “ordenando ao Coronel Commandante do Batalhão de Segurança que […] seguisse com força suficiente” para a praia. Na sua mensagem, Pedro Borges deixou claro que, se houve confronto, este não partiu da polícia, que havia recebido ordens suas para “que guardassem a maxima prudencia e toda a calma, evitando […] qualquer provocação, cerrando os ouvidos a objurgatorias e a quaisquer palavras mesmo inflamadas”, garantindo aos que quisessem trabalhar que o pudessem fazer. Além disso, deu ordens ao comandante para exercer seu direito de usar a força para garantir a execução das ordens legais. Estas palavras de Pedro Borges sintetizam bem como a Força Militar de Polícia conferiu “ao Estado o monopólio legítimo da violência”718 durante a Primeira República. A “legitimidade da violência” foi sendo construída na presença, não somente da Força Policial e seu piquete de cavalaria na praia, como também da Companhia de Aprendizes Marinheiros e de um pequeno contingente da força de primeira linha, todos formando um grande grupo de força ostensiva. Ao lado dos grevistas juntaram-se “muitas pessôas do povo, que haviam aderido á sua causa”. Em vista da crescente tensão e animosidade, descrita pelo presidente, é possível perceber que o embate entre os dois lados estava eminente. Borges mais uma vez frisou que a violência não havia partido da Força Pública que se encontrava ali apenas para manter a ordem e a lei, em defesa do “princípio constitucional”. Tinham, pelo contrário, sido os grevistas a receberam a polícia com “pedradas”, “cacête e balas de revolver”. O presidente não conclui a narração, deixando implícito aos deputados que ocorreram mortes, possivelmente de ambos os lados. Para justificar a violência, o presidente do estado vitimizava a situação policial. Era o soldado quem se arriscava perante os que provocavam, insultavam e agrediam. Se 718 BARBOSA, op. cit., 2014, p.44. 161 algo aconteceu foi porque os soldados estavam tentando cumprir com o “seu dever em bem da ordem publica”719. Os jornais oposicionistas da Primeira República não compartilhavam da imagem de uma polícia não violenta divulgada pelos políticos situacionistas. Nas notícias que circulavam nesses jornais, os policiais eram muitas vezes chamados de “desordeiros”, “assassinos”, “sanguinários”, “capangas”720. Durante o governo do oligarca Antônio Pinto Nogueira Accioly, num governo marcado pelo nepotismo, autoritarismo, corrupções721, a Força Policial teve um aumento considerável722 quando era comandada pelo genro de Accioly, o capitão Raimundo Borges723. A Guarda Cívica, formada pelos “melhores do corpo de polícia”724 ganhou a alcunha de “guarda pretoriana” por ter sido escolhida a dedo para defender o presidente725. Enquanto que a corporação policial era denunciada pelos jornais como “assassina” e ligada a interesses políticos, a banda da polícia não parece ter adquirido o mesmo tipo de representação perante o público; era, pelo contrário, vista como um grupo “neutro” sem as mesmas ligações partidárias da instituição policial. É interessante observar diferentes visões construídas sobre a Força Policial e seu conjunto musical. Mesmo estando inserida na corporação e sustentada pelo governo, a banda se manteve “ilesa”, distante destas críticas e sem ser confundida com a péssima opinião que muitas vezes recaía sobre a instituição. Essa constatação pode ser observada nas reportagens da imprensa cearense sobre o conjunto instrumental e a Força Policial. Se, por um lado, a instituição mantinha-se ligada politicamente ao governo, apoiando-o, por outro lado, a banda da polícia não aparentava essa ligação, pois era chamada para todo o tipo de evento, vista como um “bem público” que podia ser usufruído por toda a população726. As críticas 719 Mensagem do presidente do estado do Ceará Pedro Augusto Borges, 01 de julho de 1904, p.5-9. 720 Libertador, 19 de maio de 1884, p.2; Jornal do Ceará, 12 de julho de 1911, p.1. 721 Jornal do Ceará, 31 de julho de 1911, p.1). 722 Idem. 723 Jornal do Ceará, 03 de novembro de 1911, p.1. Nesta mesma notícia o jornal aponta outros familiares nomeados por Nogueira Accioly e seus respectivos cargos. 724 Jornal do Ceará, 26 de agosto de 1907, p.2. 725 Jornal do Ceará, 26 de agosto de 1907, p.1. 726 “Os estudantes deste estabelecimento [Liceu] commemoraram no dia 19 do corrente, o 29º anniversario de sua fundação. Á noute foi illuminada e embandeirada a frente do edifício: a sala dos actos se achava convenientemente adornada. Reunidos em corporação todos os estudantes, sahiram em passeata a percorrer as ruas da cidade, precedidos pela banda de musica da policia, havendo muitos discursos em casa dos respectivos professores e no estabelecimento, [...]” (Cearense, 22 de outubro de 1874, p.20); “ACTO RELIGIOSO - Verificou-se […] a administração do chrisma na igreja d S. Benedicto no dia 2 do coorente. […] A musica de policia fez as honras deo acto, saudando o eminente prelado na sua entreda e sahida do templo” (Gazeta do Norte, 04 de fevererio de 1886, p.2); “Partido operario – Em sessão de hontem, tomou posse a Directoria d’esta associação. […] Á noite, a sociedade, precedida da banda de musica do Corpo de Segurança, foi incorporada á Estação Central receber a commissão que havia ido a Baturité [região norte] 162 que recebia abordavam questões em torno da participação da banda nos eventos e da performance musical, não recaindo sobre si as irregularidades praticadas pela corporação, suas ligações e acordos políticos. Estas perspectivas críticas distintas podem ser vislumbradas em dois exemplos. No primeiro caso, uma crítica à instituição, na pessoa de seu superior máximo e, no segundo caso, uma crítica à banda da polícia e sua atividade musical. Em julho de 1872 o jornal Pedro II levantou a suspeita de que o comandante da polícia havia permitido que a banda de música policial tocasse na casa de um particular sem contrato e toda uniformizada, como se fosse um ato oficial. A reportagem mencionava que a situação era irregular e havia sido consentida pelo próprio comandante de polícia que, segundo o jornal, fazia “cortesia com o chapéu alheio”. O problema era de que o grupo só poderia tocar em eventos não oficiais por contrato, ou seja, sendo paga pelo serviço. Para o redator do jornal, o problema não era apenas a apresentação gratuita do conjunto na casa do “Sr. Justa”, com permissão do superior do Corpo, mas que tinha sido feito com a banda uniformizada, situação restrita apenas a eventos oficiais. As críticas foram dirigidas diretamente ao comandante e não aos músicos, que estavam lá para executar uma ordem727. Quanto a comentários diretamente sobre a banda da polícia, a redação do jornal Libertador criticava o grupo por ter rejeitado participar das festividades da novena de Nossa Senhora de Nazaré, deixando a responsabilidade pela música do 8º dia de festa recair somente sobre a banda do 11º Batalhão. A notícia qualificava o grupo de “distinto”, no sentido musical, mas queixava-se da falta de “palavra”, dando a entender que a banda assumiu o compromisso de participar do evento, mas não compareceu728. A crítica à banda era dupla: primeiro por não ter cumprido o compromisso assumido e, em segundo lugar, pela falta de consideração demonstrada ao evento religioso que era tido com bastante apreço pela população local. O fato de a banda ser mais frequentemente contratada neste período durante o Império do que durante a República, participando de mais eventos civis nesta época do que durante o regime político seguinte impactou nas installar ali o Partido Operario […]” (Gazeta do Norte, 30 de junho de 1890, p.1). “A bordo do vapor Goyaz chegou domingo a esta capital, o snr. Coronel Alberto Gavião Pereira Pinto, inspector especial dos corpos de infantaria da 1ª e 6ª regiões militar. […] Por ocasião do desembarque tocou a banda de muscia do batalhão de segurança. […]” (Jornal do Ceará, 16 de fevereiro de 1910, p.1); “_ Hoje, domingo, 15 do corrente, conforme communicaram da Prefeitura Municipal, não haverá retreta na «Avenida Sete de Setembro», por motivo de a banda de musica da Força Publica ter sido cedida para o vesperal-dançante na Faculdade de Pharmacia e Odontologia” (Diário da Manhã, 17 de novembro de 1929, p.4). 727 Pedro II, 28 de julho de 1872, p.2. 728 “[…] Admira como a musica de policia não menos distincta que esta, e por outra mais independente, deixe-se ficar na retarguarda, quando o 11º avança em acelerado para mostrar que tem vontade e palavra de militar” (Libertador, 29 de outubro de 1889, p.3). 163 representações públicas da banda. A militarização da polícia e a diminuição paulatina da presença dos civis na banda acarretou paralelamente uma diminuição na participação de eventos civis, aumentando a participação do conjunto em eventos oficiais e militares do governo e da Polícia. Além dos jornais, os “intelectuais” da época também estabeleceram a distinção entre a instituição policial e a sua banda de música. É o caso da Padaria Espiritual, que existiu em Fortaleza entre 1892 e 1898729. O programa de instalação da associação, em seu artigo 26, declarava como seus “inimigos naturais” os padres, os alfaiates e a polícia, este último porque sua presença representava o “símbolo odioso do poder”730. Como todos os outros artigos do programa, cheios de “contradições”, maleabilidades, recheados de bom humor, esse ponto não foi tratado de forma literal, já que um dos seus sócios, José Carlos Júnior (o Bruno Jaci) havia sido chefe de polícia731. Não parece também que essa posição “odiosa” dos membros da Padaria em relação à polícia, tenha sido aplicada também em relação à banda, já que em algumas ocasiões os “padeiros”732 demonstraram não ser essa forma como se relacionavam com o grupo musical. Em 1893 foi publicado no jornal A República um convite para que o público participasse da festa de aniversário do primeiro presidente, o “padeiro mor” Antônio Sales (o Moacir Jurema). O texto menciona que a festa iniciaria com uma alvorada tocada pelas bandas de música na sede do grêmio e que depois iria percorrer em passeata pelas principais ruas da capital733. A utilização do artigo definido plural “as” para mencionar a presença de bandas de música a tocar uma “alvorada” e numa passeata, sugere que pelo menos uma das duas bandas militares (polícia ou exército) existentes na época e a da Escola de Aprendizes Marinheiros, criada em 1890, estivessem presentes neste evento. A probabilidade de a banda da polícia ser uma das bandas contratadas é muito grande, já 729 AZEVEDO, Sânzio de. Breve História da Padaria Espitirual. Fortaleza: Edições UFC, 2011, p.18-19; 80. Segundo o escritor Antônio Sales, propositor do nome e dos estatutos do grêmio, a ideia era criar uma agremiação diferente das outras que existiram anteriormente no estado. Em suas palavras, a agremiação deveria ser “uma coisa nova, original e mesmo um tanto escandalosa, que sacudisse o nosso meio [a cidade de Fortaleza] e tivesse uma repercussão lá fora” (SALES, Antonio. Retrato e lembranças. Fortaleza: Waldemar de Castro e Silva, 1938, p.9 apud AZEVEDO, op. cit., 2011, p.18). O propósito do nome “Padaria Espiritual” era fazer uma comparação entre o pão como alimento básico material para o povo e o fornecimento do pão do espírito que seria dado pelos sócios integrantes desta sociedade. Estes sócios, chamados de padeiros, forneceriam “O Pão”, o jornal de divulgação desta associação ao povo cearense (MOTA, Leonardo. A “Padaria Espiritual”. Fortaleza: Edésio Editor, 1938, p.33). 730 NAVA, Pedro. Baú dos ossos. 2 ed. Rio de janeiro: J. Olympio, Sabiá, 1972, p.92 apud AZEVEDO, op.cit., 2011, p. 28. 731 AZEVEDO, op.cit., 2011, p.74. 732 Nome como os sócios eram chamados dentro da associação. 733 A República, 12 de junho de 1893 apud AZEVEDO, op. cit., 2011, p. 43-44. 164 que ela era o conjunto musical que mais mantinha atividade musical na cidade. Mesmo que fossem bandas diferentes, organizada para o momento, uma das duas deveriam conter alguns músicos pertencentes a banda da polícia, o que faz com que a imagem “odiosa” que devotavam à polícia não fosse levada tão ao “pé da letra” para o grupo musical. Por fim, não podemos deixar de mencionar a relação do “padeiro” Henrique Jorge (Sarasate Mirim) com a banda da polícia. Ele ensaiou e regeu esse grupo por ocasião da inauguração do Teatro José de Alencar em 1910734. Mesmo após 12 anos de encerramento das atividades dessa agremiação, a ligação de Henrique Jorge com a banda da polícia parece apontar para uma relação diferenciada entre o que representava o grupo musical da polícia e aqueles que executavam somente o trabalho policial. O exercício de funções distintas conferiu imagens diferenciadas para cada grupo. 734 NIREZ, op. cit., 2001, p.42. 165 5 A BANDA DE MÚSICA DA FORÇA POLICIAL MILITAR DO CEARÁ: ORGANIZAÇÃO E INSERÇÃO NA INSTITUIÇÃO POLICIAL. 5.1 CRIAÇÃO DA BANDA DO CORPO POLICIAL. A banda de música do Corpo Policial do Ceará foi criada pela Lei n° 688, de 28 de outubro de 1854735. Antes do Ceará, apenas seis províncias brasileiras contavam com suas bandas policiais: Minas Gerais, em 1835 (no mesmo ano da criação da corporação no Ceará); Rio de Janeiro, em 1839; Espírito Santo, em 1840; Sergipe, em 1844; Bahia, em 1850; e Pará, em 1853736. A lei provincial cearense de 1854 mencionava apenas a autorização para a criação da banda pelo presidente da província, sem estabelecer uma previsão orçamentária, quantidade de integrantes ou soldo devido. A menção à banda de música apareceu em apenas um artigo mencionando que a “musica”737 seria criada, mas que, para isso, não haveria uma “verba especial” destinada738. Desta forma, nos anos de 1855 e 1856, a lei de fixação da Força Policial não incluiu previsões de pagamento para a banda de música. Apenas na lei de 1856 a dotação orçamentária prevista para o ano de 1857 estabeleceu um grupo de 15 músicos e um mestre de música com soldo específico739. Mesmo sem previsão de vencimentos para os músicos durante os dois primeiros anos, documentos indicam que a banda (ensaiou e) se apresentou durante este período. No relatório do presidente da província Paes Barreto (1855-1856), os anexos do balanço da receita e despesa provincial para o ano de 1855 a março de 1856 apontam duas rubricas de “despezas eventuaes” feitas com a banda de música do Corpo Policial, sendo a primeira designada “musica para a missa solene pela 735 Lei nº 688, de 28 de outubro de 1854. CEARÁ, op. cit., Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.534-536, Tomo II. 736 BINDER, op. cit., 2006, p.76; FONTOURA, op. cit. 2011, p.44-45. 737 A lei escreve apenas a palavra “música” significando “banda de música”. Tal associação era costume da época em reduzir a expressão. Essa informação pode ser comprovada em vários exemplos tirados da leitura dos jornais do século XIX e nas documentações administrativas do período. Nos jornais, “música” poderia significar também uma orquestra em seu sentido atual. Em algumas notícias, a definição do grupo permanece dúbio. 738 Art. 6: “Fica aprovada a despeza, feita pelo presidente da província com a musica creada pelo corpo, e o mesmo presidente autorizado a fazer a despeza precisa para conservação da dita musica, embora não haja para isto verba especial”. Lei nº 688 de 28 de outubro de 1854. CEARÁ, op. cit., Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.536, Tomo II. 739 Lei nº 775 de 20 de agosto de 1856. CEARÁ, op. cit., Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.23-24, Tomo III. 166 abertura da assembléa” e a segunda “objetos para a musica da policia”740. A primeira sinaliza a presença da banda em um tipo de apresentação muito frequente na época, os eventos públicos ligados ao governo, neste caso, na abertura dos trabalhos da Assembleia Provincial. A segunda rubrica, “objetos para a musica da policia”, sinaliza a compra de material musical. Esta última rubrica aparece também nas “despesas eventuais” do orçamento geral da Província, como um acréscimo ao montante previsto para o Corpo de Polícia. A soma total das rubricas “objetos para a musica da policia” foi de 117$960 réis e sugere que tenha sido destinado para a compra de instrumentos musicais. Afinal, desde a sua criação que a banda da polícia possuía seus próprios instrumentos. Mesmo tendo a lei de 1854 oficializado a banda da polícia e a previsão orçamentária tenha sido efetivada para o ano de 1857, uma evidência aponta para uma existência anterior da banda. Em dezembro de 1854, antes da publicação da lei nº 688, o jornal Pedro II menciona a presença da banda da Polícia tocando em um desfile de rua organizado pela tropa de 1ª linha: “O meio batalhão apresentou-se como sempre no maior aceio, tendo também a sua frente uma rica banda de musica pertencente ao corpo de policia”741. A existência do grupo de música policial antes de sua regulamentação oficial não parece ter sido uma situação extraordinária ocorrida somente no Ceará, algo semelhante aconteceu com a Banda do Corpo Policial de São Paulo, existindo também a possiblidade de ter ocorrido em outras corporações. Analisando a documentação administrativa do grupo paulista, foi possível observar como o comandante organizou uma banda na Polícia utilizando como base a banda existente no Corpo Municipal Permanente. Num documento de 1856, o comandante propõe a criação de uma banda a partir da reformulação da “atual”, estabelecendo o número de componentes, soldo e suas patentes. Ele infere no texto que a banda anterior já cumpria atividades musicais para a polícia, mesmo não estando oficialmente legalizada. Posteriormente é mencionado em lei que a banda foi somente estabelecida legalmente no ano de 1857742. 740 Balanço da receita e despeza provincial effectuada no exercício do 1º de janeiro 1855 a 31 de março de 1856 anexo ao relatório do presidente da província do Ceará Francisco Xavier Paes Barreto, 09 de abril de 1856, p.2,5. 741 Pedro II, 06 de dezembro de 1854, p.3. 742 “1856 – Em expediente oficial, o Comandante Joaquim de Souza Cananéa solicita ao Presidente da Província que uma banda fosse organizada com a estrutura de permitir atender, prontamente, as ordens do Exmo. Governador (sic). Por isso, «proponho que a atual seja reformada, contratando-se praças que nela sirvam para fazerem unicamente o serviço da música, fazendo-se mesmo engajamento de vários paisanos que, com essa condição se ofereceram para servir. Dessa maneira, asseguro a V. Excia., a boa organização da mesma banda e o seu bom andamento» […]” (DELLA MÔNICA, op. cit., 1975, p.27). “Art.5º: Fica aprovada desde já a criação da banda de música existente no Corpo dos Municipais Permanentes, sendo ela composta de um mestre, com graduação de primeiro-sargento e soldo 167 5.2 PERÍODO DE INSTABILIDADE: DISCUSSÕES SOBRE A MANUTENÇÃO DE UMA BANDA DE MÚSICA NA POLÍCIA. A questão financeira sobre o pagamento dos músicos foi um assunto recorrente ao longo da existência deste conjunto musical inserido numa instituição pública e de polícia. Essa existência foi especialmente debatida e questionada durante as primeiras duas décadas de vida da banda, uma vez que sua manutenção aumentava as despesas da corporação. Se a própria Força Policial “sofria” com a falta de recursos da província e não conseguia aumentar o seu contingente humano, possuir um bom quartel e equipamentos adequados, por que então criar uma despesa extra para sustentar músicos dentro de uma instituição aparentemente não indicada para recebê-los? Entre 1858 e 1865 a existência de uma banda de música em um corpo policial e sua sustentação pelos cofres públicos foi bastante discutida pelos deputados durante as sessões anuais de votação da lei orçamentária da Polícia na Assembleia Provincial com posições contra e a favor da banda. No ano de 1863 a banda foi extinta, tendo no ano seguinte retomado suas atividades. As discussões empreendidas pelos deputados são bastante interessantes para entender seus posicionamentos sobre temas ligados a “civilização”, “progresso”, “urbanização”, “ocupação dos espaços públicos” da cidade de Fortaleza. Ao mesmo tempo é possível compreender como a banda da polícia se inseriu nestes debates, o que a fez manter-se na polícia, fixando as bases para sua existência ao longo de todo Império e Primeira República. Os discursos mostram que o projeto de “civilizar Fortaleza” passava também pela banda de música da polícia, vista como um “instrumento” ao serviço desse discurso. Os debates revelam o grau de inserção da banda da polícia no contexto do pensamento civilizador e de progresso em que estavam mergulhados os políticos e a própria instituição policial da época743. No ano de 1858, a discussão sobre a previsão orçamentária da Força Policial trouxe à tona a pouca atividade da banda da polícia. Para alguns, a banda não justificava o seu dispendioso pagamento no valor superior a 4 contos de réis anuais. Seu trabalho limitava-se ao toque de recolher no largo do palácio do governo e, em alguns momentos, correspondente ao mesmo, e 17 músicos com soldo e mais vantagens de soldados, não podendo ser empregados em serviços estranhos à música” (Lei nº 575 de 7 de abril de 1857 apud DELLA MÔNICA, op. cit., 1975, p.28) (grifo nosso). 743 Localizamos em alguns jornais impressos das décadas de 1850 e 1860 a publicação das atas das discussões dos deputados durante os meses de funcionamento da Assembleia Legislativa cearense e alguns ofícios do Governo. Nos anos posteriores, esses documentos são descontinuados sendo mais comum encontrar os ofícios dos atos do governo em alguns números. 168 a servir de empréstimo para a tropa de 1ª linha quando esta precisava montar uma guarda de honra em algum evento. Para o corpo de polícia especificamente, ela tinha pouca serventia, uma vez que a Força estava quase toda espalhada em diligências pelo interior da província e existiam pouquíssimos soldados no quartel da capital744. Sendo assim, o deputado Gustavo Barroso propôs que a banda policial passasse a tocar na praça da municipalidade sempre aos domingos e dias santificados no horário da tarde. Ao aumentar sua carga de trabalho, justificava-se o seu pagamento e provia-se a “população pobre” de um “divertimento honesto” afastando esta camada da população das casas de jogo, dos “sambas”745 e de “outras cousas com que se pervertem”746. Tocar na praça significava também divertimento acessível e gratuito, em oposição aos divertimentos em espaços como os teatros que eram pagos e aos quais o “povo” tinha um acesso reduzido. Essa atividade justificaria o pagamento público da música da polícia, afinal, era o próprio “povo” quem a estava sustentando747. A prática de tocar na praça se tornou uma das atividades principais da banda de polícia durante todo o Império e a Primeira República. Tocar em praças públicas foi uma das atividades musicais mais marcantes das bandas militares em vários países, especialmente nos “passeios públicos” e em praças arborizadas, normalmente aquelas com coretos instalados. Por trás desse discurso de justificação de pagamento e divertimento, surge o objetivo de civilizar a população e conseguir um controle social mais efetivo. Nesta discussão duas palavras-chave se destacam: primeiro, a ideia de “povo”, compreendido como a camada da população economicamente mais baixa; em segundo, o “divertimento acessível” no qual a banda de música se materializava. A música ajudava a definir a praça pública como um lugar aberto 744 Ordem do dia da sessão de 11 de agosto de 1858 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4. 745 Os “sambas”, como eram chamados os bailes populares que continham uma dança de umbigada, eram vistos pela polícia, autoridades religiosas e boa parte da elite cearense com desaprovação, devido a sensualidade da dança e porque a reunião havia consumo de álcool, prática considerada pouco cristã na época (MARQUES, op. cit., 2008, p.168). 746“Sr. Presidente, a musica do corpo de policia fará sem duvida um serviço á população se fôr nas tardes dos domingos e dias santos tocar em uma das praças desta cidade. O meu fim com a emenda foi franquear a população pobre um divertimento honesto e distrahi-la assim das casas de jogo e desses sambas e outras cousas com que se pervertem. […] Póde ser que o nobre deputado não ache conveniencia, mas eu entendo que ha sempre conveniencia quando se dá uma distracção ao povo. […] O theatro é um divertimento que só chega para quem tem dinheiro: não se faz um theatro para se darem representações gratis, é um divertimento dispendioso, e por isso não é propriamente do povo a quem somente tóca aquelles que são grátis como são os passeios publicos que desgraçadamente não temos por ora, mas essa praça, com as arvores que já a adornão, com meia duzia de assentos e tocando a muzica nos domingos á tarde será um bom divertimento que se oferece á população que não tem em que se empregar nesse dia” (Ordem do dia da sessão de 11 de agosto de 1858 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4). 747 Idem. 169 e acessível a todos, sendo a música tocada pela banda da polícia a encarnação de um divertimento “sublime” para a “educação do povo”. Para a classe política, educar o “povo” pela arte musical significava contribuir para sua civilização e, consequentemente, ajudar a corporação policial no controle social e na manutenção da ordem pública, afastando o “povo” de divertimentos que os corrompiam como os agrupamentos de samba e jogos. É importante frisar o duplo papel “civilizador” que a banda da polícia assumiu, não só para o “público” que a ouvia, como também para aqueles que fizeram esta “música” acontecer. O perfil dos músicos que constituíam a banda da polícia era o de negros, miscigenados e brancos pobres, todos oriundos desse “povo” o qual a elite de Fortaleza queria “civilizar”. Sendo assim, a banda da polícia exerceu seu papel “civilizador” não só para as pessoas de fora, para aquelas que usufruíam do entretenimento, como também para essa parte do “povo” que a banda integrou, ou seja, os próprios músicos. Ao mesmo tempo em que exerceram o papel “civilizador” para a população, eles mesmos foram conformados dentro deste projeto, foram “civilizados”. Mesmo com os acirrados debates sobre a manutenção da banda na polícia, na década de 1860, o grupo musical tornou-se, especialmente no restante do segundo Reinado e primeiras décadas da República, um forte ponto de contato, representativo de um pensamento civilizador, entre a classe política, a corporação policial e o “povo” cearense. Em 1860 a discussão sobre o orçamento da banda da polícia foi ainda mais intensa tendo sido necessárias cinco sessões para aprovar a dotação orçamentária para 1861. No centro da discussão estava uma pergunta central: qual a utilidade da “música” do corpo de polícia? Alguns deputados argumentavam que a sustentação financeira da banda de música do corpo de polícia, inserida numa corporação pública mantida pelos cofres públicos, era uma “despesa inútil” e sem vantagem pública. O deputado Gervasio, por exemplo, retomou em 1860 os mesmos motivos elencados em 1858: a quase inexistência de tropa policial no quartel e as meras atividades de tocar na frente do palácio e na porta do comandante da polícia não justificavam a manutenção de músicos pelo tesouro provincial. Sobre a atividade da banda em tocar na praça da municipalidade, se mostrava para ele, uma ocupação restrita a algumas pessoas. Se a argumentação a favor da utilidade da banda centrava-se na distração que ela proporcionava aos “particulares” locais, para o deputado Gervasio, alguns desses “particulares” eram pessoas em situação econômica favorável capazes de pagarem de seu próprio bolso suas distrações. Para além disso, a banda era uma diversão para os moradores da capital, não chegando a todos da província. Os “contribuintes do centro”, o agricultor ou o fazendeiro pobre do interior, 170 não tinham oportunidade de ouvir a música da polícia por não morarem em Fortaleza, não deixando, contudo, de contribuir financeiramente para este grupo, uma vez que pagavam seus impostos mas não usufruíam deste “divertimento”748. Em defesa da manutenção do grupo, o deputado Guimarães Silva centrou sua fala na necessidade de algumas despesas, mesmo quando não eram de utilidade imediata e específica. A banda servia para o aparato das festas públicas, religiosas e civis, e se apenas tocava na capital era porque aí que aconteciam as festas749. Nesta sessão levantou- se, pela primeira vez, a ideia de a banda de música que existia no Colégio dos Educandos750 substituir a banda da polícia. Naquele ano, a proposta não seguiu adiante e 748 Ordem do dia da sessão de 23 de julho de 1860 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 27 de julho de 1860, p.2. A diferença de apoio governamental dado à música que se fazia nas grandes cidades, em detrimento daquela dado às pequenas cidades, foi uma situação comum que pode ser conferida em outros países durante o século XIX, como no caso dos dois principais teatros de Portugal do início do Oitocentos. Segundo Luísa Cymbron, o subsídio de manutenção do Teatro de São Carlos de Lisboa e sua orquestra era maior do que o montante recebido pelo Teatro de São João do Porto. Sendo Lisboa considerada a principal cidade de Portugal e Porto designada como “segunda cidade”, esta diferença baseava-se em como cada espaço era percebido e mantido por seus governantes. O Teatro de São Carlos, apesar de ter sido construído com financiamento privado e não ter recebido interferência da corte, foi frequentado por uma elite social e política que acabou por fazer desse espaço um objeto de maior atenção dos governos. Já o Teatro de São João, recebendo das autoridades um apoio irregular e quantias menores que as de Lisboa, essa atenção dispensada refletiu diretamente na composição e funcionamento das orquestras. Devido a melhor estruturação que a orquestra do Teatro de São Carlos possuía, o grupo tinha um maior poder de reinvidicação do que a orquestra do Teatro do Porto, que não possuía estatuto “coeso e relevante” (CYMBRON, Luísa. As orquestras dos teatros de ópera em Lisboa e no Porto durante o século XIX. In: Olhares sobre a música em Portugal no século XIX: ópera, virtuosismo e música doméstica. Lisboa: Edições Colibri, 2012, p.77-113 (Estudos musicológicos; 11)). 749 “[…] Srs., entre as despesas que faz a provincia se podem considerar umas como necessárias, outras como uteis…. […] Não de mero luxo, mas com quanto menos proveitosas, são uteis no sentido generico. […] Para que são as despesas que faz o cofre provincial na abertura da assembléa? […] Não é inútil; o nobre deputado sabe que nós vivemos também de exterior, porque se não fôr esse exterior, que nos obriga a certas despesas, poderíamos andar de camisa e ceroula. […] Logo é o exterior que nos obriga a fazer estas despesas e da mesma sorte a provincia necessita de uma musica para as suas festas, e na capital porque ahi é que tem lugar essas festas” (Continuação da sessão de 23 de julho de 1860 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 28 de julho de 1860, p.1). 750 O Colégio dos Educandos Artífices ou Colégio dos Educandos ou de Educandos, ou ainda, Casa dos Educandos, foi uma instituição escolar sustentada pelo governo do Ceará acolhendo meninos órfãos e pobres da província. Criado por lei em agosto de 1856 funcionou até o ano de 1867 quando foi extinto. Era um colégio interno onde os alunos recebiam aulas de leitura, escrita, noções de gramática e matemática, educação religiosa, e participavam ainda de oficinas de música, ferreiro, carpintaria, alfaiataria e de sapateiro. O educando podia entrar com a idade mínima de 7 anos e só poderia deixar o estabelecimento com a idade de 20 anos. De todas as oficinas, a de música foi a que mais prosperou. Os alunos aprendiam noções de solfejo e música instrumental de sopro e percussão. A banda do Colégio dos Educandos ganhava dinheiro tocando em eventos pela cidade e cuja quantia entrava para o caixa do Colégio. Esse dinheiro foi constantemente mencionado como a que maior receita proporcionava ao colégio. A extinção do Colégio dos Educandos baseou-se nas mesmas razões da extinção da banda da polícia, por “actos de economia, que tanto destinguiu a assembléa provincial” (Relatório do presidente da província do Ceará João de Souza Mello e Alvim, 06 de maio de 1867, Collegio de Educandos, p.11-12). Além desta razão, pesou contra o Colégio dos Educandos a criação da Companhia dos Aprendizes Marinheiros no ano de 1865. As duas instituições eram muito parecidas: recebiam meninos órfãos e pobres da província oferecendo-lhes educação e alimentação. A Escola dos Aprendizes tinha uma vantagem sobre a dos Educandos: era mantida pelo governo geral, isentando o provincial de qualquer ônus. Somado a este fator, o presidente Mello e Alvim menciona em seu relatório que a Escola dos Aprendizes Marinheiros era melhor para os alunos 171 foi dada como impossível, uma vez que o regimento do colégio não permitia serviços fora do estabelecimento. O assunto foi retomado dois anos depois. Quanto ao argumento do deputado Guimarães em manter a banda da polícia para que pudesse tocar em eventos oficiais é ainda hoje um dos argumentos mais fortes para justificar a existência e manutenção de bandas militares. Em 1860, numa província com poucos recursos, em processo de crescimento econômico, de urbanização da cidade e da província, a despesa com a banda da polícia configurava um luxo para alguns deputados. O deputado Guimarães, no entanto, acentuava a importância dos valores simbólicos associados ao aparato exterior das festas. Para ele, a pompa das festas servia como demonstração de alegria, mas também servia para incutir respeito aos participantes por aquilo que se estava a festejar751. Além disso, o grau de suntuosidade que uma festa pública tomava era proporcionalmente medido pelo número de elementos exteriores empregados no evento, tais como os fogos de artifício, a realização dos cortejos, a iluminação, decoração e a presença ou não de uma banda de música. A fala do deputado transparece a importância social que revestia o conjunto “banda de música” para o período. A presença da banda ajudava a conferir relevância, grandeza e luxo a um evento. porque eles viviam ali “sob um regimen de disciplina mais severa”, referindo-se à disciplina militar aplicada na referida escola. Além disso, os alunos poderiam posteriormente serem transferidos para outros estabelecimentos semelhantes como a Companhia de Artífices dos Arsenais de Marinha e da Guerra, situada na corte, na Bahia e em Pernambuco. Já o Colégio dos Educandos, por promover uma “existência confortável” e dar “regalias” aos educandos, provocaria, no futuro, sofrimento aos garotos pelo fato de terem que lutar contra a pobreza em contrassenso “com a decência com que foram educados”. Desta forma, o presidente não acreditava nas oportunidades que poderiam se abrir aos educandos, nem tampouco demonstrou convicção com relação aos benefícios que a educação ministrada e as oficinas realizadas poderiam trazer aos meninos deste Colégio. Afora a banda de música da polícia só existia a banda de música do Colégios dos Educandos em Fortaleza neste período (Lei nº 759 de 5 de agosto de 1856. CEARÁ, op. cit., Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.23-24, Tomo III e Regulamento nº35 de 22 de novembro de 1856. CEARÁ, op. cit., Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.118-127, Tomo III). (Relatório do presidente da província do Ceará Lafayette Rodrigues Pereira, 10 de junho de 1865, Companhia de Aprendizes Marinheiros, p.11). (Relatório do presidente da província do Ceará João de Souza Mello e Alvim, 06 de maio de 1867, Companhia de Aprendizes Marinheiros, p.20). (Relatório do presidente da província do Ceará João de Souza Mello e Alvim, 06 de maio de 1867, Collegio de Educandos, p.12). 751 “[…] O nobre deputado não desconhece […] que é necessario empregar o esplendor nas festas, se pois não houver quem decrete essas despesas para que se fação essas festas com pompa, como será acatado e respeitado esse dia que a assembléa determinou que seja festa provincial? Para que são os foguetes nas festas, para que são essas capas, essas armações, todas essas exterioridades com que se revestem as nossas festas religiosas e civis? Pra que fôrão todos esses festejos, essas despesas enormes que fiserão as provincias quando tiveram por hospede o nosso Augusto Monarcha? Tudo isto foi inútil porque ellas não gastaram centenares de conto em proveito das estradas por onde Sua Magestade transitou, mas apenas quiserão dar uma demonstração do jubilo de que se achavão possuidas, do amôr que dedicavão a pessôa do Monarcha.[…] Nós não temos cá o Imperador, mas temos o presidente que é o seu delegado, temos as festas nacionaes, temos o dia de abertura d’assembléa e é um tributo de respeito quando nesse dia a musica vem aqui tocar” (Continuação da sessão de 23 de julho de 1860 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 28 de julho de 1860, p.1). 172 Em favor da “música” da polícia, o deputado Cordolino focou seu discurso no progresso atual da província em comparação ao seu passado. A banda de música da polícia representava os novos tempos, mencionando o valor sublime proporcionado pela arte musical, algo agradável e belo. Seu discurso aponta uma perfeita consonância com o conjunto de ideias que compunha a esfera do pensamento civilizador da época: progresso, amor à pátria, as festas nacionais, as representações patrióticas, as idealizações românticas ao citar a música enquanto arte sublime. Em sua fala, o deputado faz apologia da nação e do orgulho de a ela pertencer, do espírito de civismo que transparece das exterioridades das festas e, como consequência, da repercussão favorável aos olhos dos estrangeiros752. Para ele, a aprovação do olhar exterior era importante para uma província que queria se firmar como um lugar civilizado, distante da cidade atrasada de outrora753. Essa “má” imagem divulgada sobre a cidade era conhecida tanto no Brasil quanto no exterior e o deputado volta a relembrar, apontando as mudanças urbanas que estavam sendo feitas na cidade. A existência da banda de música da polícia era associada a uma representação de luxo e de pompa, mas também inserida na esfera das mudanças, das melhorias pelas quais a cidade estava passando. Essas transformações urbanas dotavam a província de melhoramentos, colocando-a no mesmo patamar das cidades denominadas “modernas”. A construção de calçamentos, arborização de praças e construção de estradas de ferro visavam o progresso da capital mais do que o benefício da província como um 752 “[…] não se póde contestar que uma nação, que tem orgulho, e espírito de civismo se enobrece do mesmo luxo que o seu governo apresenta, aos olhos do estrangeiro, aos olhos do mundo que a observa. […] mas não é a muzica que corrompe, ella produz o effeito contrario, e até o nobre deputado acabou de dizer, que quando a via tocar ia a toda pressa aprecial-a pelos bons sentimentos que desperta. […] Sr. Presidente, não sei se pelo amor que tenho a meu paiz me enobreço pela sua pompa, pelo seo luxo, e desejara que a minha patria se mostrasse rica e imponente de grandeza; que a minha província se manifestasse cheia de vida, mostrasse que tinha recursos que chegavão para o necessário, para o útil e mesmo para alguma cousa de luxo, e para me referir ao projecto, não seria uma cousa muito feia, de que eu havia de ter muita pena, como Cearense, que na capital da província não houvesse uma musica e que quando pelo nosso porto passasse, desembarcasse ou embarcasse alguma pessoa de alto caracter official, um presidente por exemplo, não houvesse uma banda de musica para o acompanhar, ou recebe-lo. E parece que seria um motivo, supposto de pouca importância, para um começo de máo juízo” (Continuação da sessão de 23 de julho de 1860 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 28 de julho de 1860, p.2). 753 “[…] quero dizer que essas despesas de luxo são necessárias em um paiz qualquer mostrão ao mundo que o paiz tem recursos, da-se um indicio de sua civilisação, que não vivemos do puramente necessario que também cuidamos do que é útil e agradavel, e bello. […] Não sei realmente como o nobre deputado leva o seu bairrismo ao ponto de dizer que o calçamento é desnecessário e que não lhe daria o seu voto. […] Oh Sr! Eu não quero fallar na utilidade que resulta para os que morão na cidade, porque todos a reconhecem, mas ao menos V. Exc. há de concordar que o calçamento serve para quem aqui passar fique sabendo, que a capital do Ceará não está no estado de atraso, em estava outr’ora quando suas casas estavão em termos de serem obstruídas pelas areias, para que não se diga, o que já se disse, que o Ceará era uma cidade de palha cercada de areias. […] se sabe alguma cousa de nosso paiz, há-de se lembrar que a má idéa que se faz geralmente do Ceará é somente pela capital, falam do porto mau que temos, das areias que nos cercam, fallam das casas de palha, e de tudo mais que aqui há de máu, […]” (Idem). 173 todo. Sobre a música, ao mesmo tempo que os deputados a exaltavam como uma arte sublime, a realidade que transparecia na cidade era de poucos músicos, poucos lugares de emprego para esses artistas, nenhuma escola de música, nenhum apoio efetivo a esse desenvolvimento. Para os deputados a favor, a banda da polícia carregava sobre si a aura da simbologia da arte musical sublime e sua manutenção unia esta imagem a uma esfera de progresso que os deputados queriam difundir aos habitantes locais. A banda da polícia era símbolo de progresso, de orgulho e de valor artístico superior, imersa no pensamento do que significava civilizar o Ceará. No ano de 1861 a discussão sobre a manutenção do grupo musical entrou num âmbito mais amplo, ocorrendo durante o debate de aprovação do orçamento da província para o ano de 1862. A manutenção da “música” da polícia foi questionada novamente, mesmo após o projeto de fixação da Força Policial para o ano seguinte ter sido aprovado. O deputado Gustavo começou por apontar o problema do elevado déficit da província, propondo uma redução das despesas consideradas “objetos de luxo” e o corte das que poderiam ser cortadas sem que trouxessem inconvenientes e daquelas consideradas inúteis por estarem replicadas em outras leis ou por não terem sido executadas. Dentre as que poderiam ser cortadas o deputado listou em primeiro lugar a banda de música da polícia. Ao fazer isso o deputado retomou o mesmo argumento da legislatura anterior mostrando-se a par da discussão. Novamente, a banda de música do Colégio dos Educandos foi mencionada como possível substituta do conjunto musical da polícia. Só que agora a “música” do Colégio havia aberto um precedente: ela estava auxiliando a Guarda Nacional nos seus trabalhos. Ora, se a banda dos Educandos podia exercer trabalhos com esse regimento miliciano que também fazia parte do que a província chamava de Força Pública, porque a banda dos Educandos não podia servir a polícia também considerada uma Força Pública? A proposta do deputado Gustavo diferenciava- se da proposta do ano anterior apresentada pelo deputado Gervasio (que estava presente a esta sessão) porque o primeiro não tinha a intenção de desprover a polícia de uma banda, apenas queria substituí-la por outra que já era paga pelos cofres provinciais, reduzindo assim as despesas e o déficit público754. Mesmo não tendo sido aprovada a proposta, a ideia da substituição das bandas tomou força até que, no ano seguinte (1862), os deputados apoiaram a emenda que omitia os nomes e os vencimentos do mestre de música e dos músicos da polícia durante a discussão da lei de fixação do corpo. Desta forma, em 754 Continuação da sessão de 13 de agosto de 1861 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 20 de agosto de 1861, p.1. 174 1863, a banda de música do Colégio dos Educandos Artífices ficou responsável por tocar nos eventos oficiais e religiosos da província além de prover a “distração” ao povo. Os instrumentos pertencentes à polícia foram transferidos para esse colégio755 e incentivada a criação de uma nova banda no colégio com o instrumental doado756. A substituição, no entanto, não resultou na prática. Conforme relatou o deputado Theodulpho, o fato de a banda dos Educandos ser formada por crianças com idades entre 10 e 12 anos fazia com que elas se ressentissem do “trabalho pesado e constante”757, adoecendo com frequência. Além disso, mesmo o regulamento estabelecendo que as crianças só poderiam sair do estabelecimento acompanhadas, avistou-se crianças andando nas ruas sozinhas, sem o mestre. Em três casos, todos de músicos, as crianças haviam sido expulsas da instituição. Portanto, chegou-se à conclusão que, para preservar a saúde das crianças e sua integridade moral e educativa, era melhor restabelecer a banda da polícia. Se antes ela havia sido desativada por economia, agora sua reativação demonstrava ser uma necessidade educativa e moral758. Para os deputados da oposição, o excesso de trabalho para os músicos do Colégio dos Educandos devia-se ao fato de banda tocar em todos os tipos de eventos, até mesmo bailes particulares, alguns pagos, outros de graça. Se alguém quisesse dar uma festa particular, que contratassem músicos particulares e os pagassem, defendia o deputado Victoriano Borges759. Neste ano, os deputados defrontaram-se com um dilema: ver o objetivo “belo e útil” da casa dos educandos se esvair760, ou retornar uma despesa aparentemente sem utilidade, um luxo como consideravam a banda da polícia, mas que se mostrou, na prática, ser necessária por não haver outra banda na cidade que pudesse assumir os eventos oficiais761. Sem mais debates o artigo sobre o vencimento dos músicos foi aprovado, sendo portanto reativada 755 Lei nº1024, de 15 de Novembro de 1862 que fixou a Força Policial para o ano de 1863 (RODRIGUES, op. cit., 1955, p.47). “[…] o instrumental e material pertencente a musica do corpo de policia passará para o collegio dos educandos” (Pedro II, 13 de novembro de 1862, p.1). 756 “[…] Acredito que brevemente se poderá crear a outra banda de musica, aproveitando-se os instrumentos da do corpo de policia, que foi extincta. […]” (Pedro II, 24 de outubro de 1863, p.1). Essa proposta acabou por não se concretizar porque na votação da lei da polícia em 1863, houve a reativação da banda da polícia e o retorno do instrumental para a corporação policial. 757 Pedro II, 16 de dezembro de 1863, p.2. 758 Sessão ordinária em 9 de dezembro de 1863 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 16 de dezembro de 1863, p.1-2. 759 Conclusão da sessão ordinária em 9 de dezembro de 1863 da Assembleia Provincial do Ceará.Pedro II, 17 de dezembro de 1863, p.1. 760 Relatório do presidente da província do Ceará Antonio Marcelino Nunes Gonçalves, 01 de julho de 1860, Educandos Artífices, p.14. 761 Nesta época, a banda do exército não existia, aparecendo somente em 1872. Na década de 1860 estava em atividade apenas a banda dos educandos e a da polícia. 175 a banda da polícia para o ano de 1864762. Por ofício, foi solicitado que o instrumental pertencente a banda que estava no colégio retornasse ao corpo policial763. 5.3 NOVO PERÍODO DE INATIVIDADE: A GUERRA DO PARAGUAI. Após um ano sem atividades, a banda de música da Força Policial foi reativada em 1864, apesar de ainda sofrer oposição por parte de alguns deputados na Assembleia à sua existência na polícia764. A reativação da banda coincidiu com um importante acontecimento para a corporação como um todo: a publicação do primeiro regulamento formulado especificamente para o Corpo Militar de Polícia em 11 de fevereiro de 1864765. Embora não incluísse muitos artigos voltados diretamente para a banda de música, o documento garantiu por lei a fixação do grupo formado de um mestre de música e quinze músicos. Uma vez que, nos anos anteriores, a presença deste conjunto foi constantemente posta em dúvida pelos deputados provinciais, este regulamento revelou-se muito relevante para a consolidação da banda. Além desse artigo, o novo regulamento determinou ainda que a nomeação do mestre de música fosse da escolha do comandante do corpo, que os descontos referentes as prisões do pessoal do corpo entraria para o cofre do conselho e este dinheiro seria destinado para as despesas de compra de novos instrumentos e seu conserto, bem como para o vencimento dos soldos dos músicos e seu asseio766. Este último artigo era o que representava maior ganho para a banda neste momento, pois garantiu que uma parte dos vencimentos dos músicos fosse complementada sem a responsabilidade direta dos cofres provinciais, através dos 762 Conclusão da sessão ordinária em 9 de dezembro de 1863 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 17 de dezembro de 1863, p.1. 763 “- 16 - [16 de janeiro de 1864] / - Ao mesmo - [Ao Comme de Policia] / Tendo a lei de fixação da força policial para o corrente anno, creado de novo a banda de musica do Corpo de seu comando, expeço ordem nesta data ao Diretor do Collegio de Educandos para mandar entregar a Vme o instrumental pertencente a mesma banda de musica. Deus guarde a Vme. Palacio Je Bento da Cunha F Jr”. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 21, APEC. 764 Em novembro de 1864, quando da votação do projeto de fixação policial para o ano de 1865, novamente o assunto da despesa com a banda de música na polícia entrou em discussão. Mesmo usando dos mesmos argumentos das discussões passadas (despesa sem necessidade, luxo desnecessário, nenhuma utilidade, uma banda centrada na capital, pouca atividade da banda, possibilidade da banda dos educandos assumir) o deputado Paiva não conseguiu adeptos e por fim, foi aprovado o artigo que mantinha os vencimentos dos músicos. Este ano foi o último em que localizamos as atas da Assembleia (Conclusão da sessão de 09 de novembro de 1864. Cearense, 20 de dezembro de 1864, p.2; Sessão ordinária de 11 de novembro de 1864 da Assembleia Provincial do Ceará. Cearense, 22 de dezembro de 1864, p.2). 765 Projeto nº 43 sancionado e publicado em 11 de fevereiro de 1864, Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.18-44. 766 Capítulo 1º artigo 2º; capítulo 3º artigo 10º; capítulo 5º artigo 38º e artigo 39º. Regulamentos, 1835- 1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.18-24. 176 descontos aplicados ao corpo767. O regulamento de 1864 trouxe uma maior estabilidade para a banda de música da polícia por inseri-la legalmente na estrutura da corporação policial. Contudo, essa estabilidade seria novamente abalada por um acontecimento inesperado e de âmbito nacional, que afetaria não somente a banda, mas a Força Pública como um todo: a eclosão da Guerra do Paraguai. Iniciada em fins de 1864, a Guerra se perpetuou até março de 1870. Durante os mais de cinco anos do conflito, o Ceará enviou combatentes recrutados entre os contingentes do Corpo de Voluntários da Pátria, Guarda Nacional, Corpo do Exército, Corpo de Polícia, entre outros768. Com a redução do efetivo do Corpo Policial devido ao seu envio para o combate, o presidente da província, Lafayette Rodrigues Pereira, remeteu um ofício ao comandante da polícia mandando dissolver a banda de música769. A última apresentação documentada nos jornais da época, na qual a banda aparece em atividade, ocorreu a 7 de abril de 1865, três dias antes do envio deste ofício. Nesta ocasião, o conjunto se juntou ao grupo de Voluntários da Pátria de Sobral, recentemente chegado a Fortaleza, de onde seguiria rumo à corte e à guerra. A banda se reuniu ao grupo na porta da cidade e foi com eles marchando até o palácio do governo tendo o comandante dos Voluntários na frente. Lá chegando, houve discursos da parte do comandante Sr. Tenente Peregrino e do presidente da província, para, em seguida, marcharem com a “música” em direção do quartel770. Com a banda do corpo de polícia dissolvida, o governo ficou sem grupo para tocar nos eventos oficiais, situação que, para os deputados que lutavam pela extinção da “música” da polícia, deve ter sido considerada uma vitória, mesmo que temporária. Contudo, não parece ter sido essa a reação dos deputados, já que na sessão do dia 1 de 767 Cap. 5º; art.20º: “Haverá um cofre para arrecadação dos fundos de fardamento, que servirá também de guardar dinheiros que o Comme ordenar. […]. Cap. 6º; art.138º: Todo aquelle que for preso por mais de 4 dias perderá um terço dos vencimentos do soldo, que entrará para o Cofre do conselho com o destino mencionado no art. 38.” (Idem, p.21; 38-39). 768 Em 1865, foram estes os corpos embarcados para a corte afim de auxiliarem o exército na Guerra, com um total de 1.203 praças enviadas. Durante o conflito esse número aumentou atingindo em 1869 a quantidade de 5.713 soldados. Além dos corpos mencionados o Ceará enviou também recrutas, desertores, libertos e até menores aprendizes marinheiros para se juntarem no serviço do exército e da armada (Relatório do presidente da província do Ceará Lafayette Rodrigues Pereira, 10 de junho de 1865, Voluntarios da Patria, p.11; Relatório do presidente da província do Ceará Antonio Joaquim Rodrigues Junior, 31 de julho de 1868, Movimento de Força, p.9; Relatório do presidente da província do Ceará João Antonio de Araujo Freitas Henriques, 01 de setembro de 1869, Serviço de guerra, p. 18). 769 - 10 - [10 de abril de 1865] / - Ao mesmo - [Ao Commte de Policia] / Tendo o corpo sob seu comando de seguir brevemente para o sul, cumpre que Vmce dissolva desde já a música contratada para o referido corpo = Deus guarde a Vme= Palacio, Lafayette Rodrigues Pereira. (Ofícios ao Corpo de Policia (1863- 1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 90, APEC). 770 Cearense, 08 de abril de 1865, p.2. 177 setembro de 1865 da Assembleia Provincial, ao serem concluídas as discussões sobre o orçamento provincial para 1866, foi aprovada sem debate uma emenda de um auxílio de 500$000 réis destinado à banda de música do 1º batalhão da Guarda Nacional, para tocar em todas as festas provinciais771. Não encontramos informações sobre a renovação deste auxílio nos anos seguintes. O que causa estranheza nesta aprovação é que um dos argumentos para a extinção da banda da polícia foi o de que tocar em eventos oficiais era um luxo e uma despesa inútil. Apenas cinco meses depois, porém, vemos a Assembleia aprovar sem discussão uma despesa para outra banda, também considerada Força Pública do Ceará justamente para tocar em festas provinciais oficiais, o que parece ser contraditório. Talvez a razão da aprovação tenha por base o fato de a presença de músicos na Guarda Nacional, uma tropa paramilitar com uma estrutura semelhante à do Exército, ser encarada com mais “naturalidade” e de forma mais “regular” do que uma banda na polícia. Mesmo tendo a Guerra do Paraguai terminado em março de 1870, o grupo de música policial foi reativado apenas no ano seguinte. Esta defasagem de quase um ano pode ter sido motivada pelo fato da lei de fixação da polícia já haver sido votada para 1870. Portanto, a previsão dos vencimentos dos músicos só poderia ser incluída na lei de fixação da força policial para o ano de 1971. Em ofício datado em 16 de fevereiro de 1871 o Presidente da província autorizou a contratação novamente dos músicos da banda772. 5.4 CONTRATAÇÃO DE CIVIS. O ofício de fevereiro de 1871 menciona uma questão importante na estrutura da banda da polícia do Ceará: a contratação de músicos civis. Os contratos foram uma realidade presente talvez desde o início da banda, embora o documento mais antigo que mencione esta situação seja datado de 1861, um ofício respondido pelo governo da província ao Juiz de Paz da capital acerca da possibilidade dos músicos do Corpo de Polícia estarem aptos a votar. A mensagem aponta algumas características regulamentares 771 “ORDEM DO DIA / Continúa a 3ª discussão do orçamento provincial. […] Encerra-se a 3ª discussão e é aprovado o orçamento provincial com as seguintes emendas: […] Com auxilio a muzica do 1º batalhão da guarda nacional 500$000 sendo obrigada a tocar em todas as festas provinciaes”. Não localizei nos jornais anteriores nenhuma discussão dos deputados referente a esta emenda, o que se pode concluir que foi enviada à mesa e aceita sem debates (Sessão ordinária de 31 de agosto de 1865 da Assembleia Legislativa Provincial do Ceará. Cearense, 16 de setembro de 1865, p.2). 772 “- 16 - [16 de fevereiro de 1871] / - Ao mesmo - [Ao Commte de Policia] / respondo á seo officio nº119 de 13 do corrente, declarando-lhe que, á vista do artº 5º do regulamento de 11 de fevereiro de 1864, devem ser contratados por espaço de quatro annos os indivíduos, que tem de servir na muzica do corpo sob seo Commando - = Deus guarde a Vme= Palacio, José Fernandes da Costa Pereira Junior” (Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 194, APEC). 178 importantes e de como os músicos se inseriam na estrutura policial: eram músicos civis, contratados para atuarem dentro da corporação, tinham a condição de praças de pret773 e seguiam a disciplina militar da corporação policial, mas só pegariam em armas em casos extraordinários ou de necessidade urgente774. O regulamento de 1864 não menciona a condição dos contratos, mas em ofício expedido em março do mesmo ano, quando da reativação da banda, é mencionada uma “relação anexa” de contratos para formar a “música” do Corpo de Polícia, subtendendo-se que esses contratos foram feitos com músicos civis em uma quantidade expressiva para formar a banda da polícia775. Além deste ofício, existem mais três expedidos no mesmo ano de 1864, referindo-se a outros músicos que complementaram a relação da listagem de março. Um dos ofícios expedidos no ano de 1865, antes da desativação da banda em decorrência da Guerra do Paraguai, refere-se à renovação dos contratos do ano anterior. Os demais, escritos em 1865, tratam da contratação, inclusão e exclusão de músicos da banda, conforme apresentados no quadro a seguir. 773 As praças de pret ou pré eram os militares que não possuíam patente de oficial, estando em posição hierárquica militar inferior. 774 “Ao juiz de paz presidente da mesa parochial da capital – Accuso o recebimento do officio que Vmc dirigio-me n’esta data consultando se o aviso do que dispõe o art.18 n.6 da lei n.387 de 19 de agosto de 1846, os musicos do corpo de policia são considerados praças de pret como taes inhibidos de votar, onde pelo facto de servirem por contracto estão fora de excepção decretada no citado art. Em resposta cabe-me declarar-lhe que uma vez que estejam qualificados os musicos de que trata, não pôde a mesa parochial recusar os seus votos por não ser de sua competencia apreciar a idoneidade dos votantes e mo tem sido declarado por varias tracto que assignão a disciplina do corpo e pegarem em armas para todo o serviço em casos extraordinarios ou de urgente necessidade, cumpre que os seus votos sejão tomados em separado para que o poder competente decida em tempo oportuno” (Ofício do Governo da Província ao Juiz de Paz Presidente da mesa paroquial da capital, 05 de janeiro de 1861, Pedro II, 14 de fevereiro de 1861, p.2). 775 - 3 - [03 de março de 1864] / - Ao mesmo - [Ao Commte de Policia] / Aprovo o contracto feito por Vmce para a musica de seu Corpo no corrente anno, como consta da relação annexa ao seu off.º do 1º do corr.e [corrente] mes sob nº43. Deus guarde a Vme Palacio, José Vicente Alves de Paula Pessoa. (Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 27, APEC). Como não localizamos a lei de fixação da força para o ano de 1864, é provável que a quantidade de músicos contratados tenham girado em torno de 16 a 18 integrantes, incluindo o mestre de música, conforme os números previstos na lei de 1861 e na lei de 1871 (Lei nº 986 de 15 de agosto de 1861. CEARÁ, op. cit., organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa, p.531, Tomo III; Projeto nº37 sancionado e publicado como lei em 23 de setembro de 1871, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 02, data: 1871, APEC). 179 Quadro 1 – Nomes dos músicos que entraram para a banda do Corpo Militar de Polícia do Ceará em 1864-1865. Nome do Músico Teor do ofício Data do ofício Não especifica Aprovado o contrato para a “música” do Corpo de Polícia "como consta da relação annexa". 03 de março de 1864 Miguel Francisco de Araujo Músico contratado em abril de 1864. 05 de abril de 1864 Eduardo Francisco Ribeiro Contratado para tocar trompa em maio de 1864. 07 de maio de 1864 Manoel Raimundo do Nascimento Músico contratado em junho de 1864. Com sua contratação ficou completo o quadro de músicos da banda da Polícia 02 de junho de 1864 José Carlos de Medeiros Músico excluído em 09 de janeiro de 1865 por não querer mais continuar na banda. Ficou aprovado neste mesmo ofício a renovação dos contratos dos músicos do corpo de polícia. 09 de janeiro de 1865 Miguel Francisco de Archanjo Voluntário excluído em 10 de janeiro de 1865 por não querer mais continuar na banda e ter sido julgado incapaz para ter praça como voluntário no corpo de polícia 10 de janeiro de 1865 Hippolito Alves de Miranda Contratado em janeiro de 1865. 14 de janeiro de 1865 Manoel Luiz de Lemos Foi excluído em 24 de janeiro de 1865 por apresentar incapacidade em servir na banda. No mesmo ofício menciona que deve ser admitido outro músico que melhor preencha as respectivas funções. 24 de janeiro de 1865 Jorge Francisco Ribeiro Engajado como músico em janeiro de 1865 para completar o número fixado para esse corpo. 24 de janeiro de 1865 Antonio Mattoso da Silva Vieira Foi excluído da banda em 13 de fevereiro de 1865 por ter se oferecido como voluntários da pátria [na Guerra contra o Paraguai] 13 de fevereiro de 1865 João Moreira da Costa Foi excluído da banda em 13 de fevereiro de 1865 por ter se oferecido como voluntários da pátria [na Guerra contra o Paraguai]. 13 de fevereiro de 1865 Fonte: Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Livro 152, Fundo Governo da Província do Ceará, APEC. 180 O uso simples das palavras “músico”, “voluntário”, “engajado”, é descrito nas fontes para indicar tanto músicos civis que foram contratados para atuar na banda da polícia, como praças de fileira que se alistaram e que depois entraram para a banda. Por isso, seu uso simples não define claramente a condição civil ou militar do indivíduo. É preciso analisar cada caso ou cruzar mais documentos para obter uma informação mais precisa sobre a condição de ingresso de cada músico. É o caso de José Carlos de Medeiros, mencionado no ofício de janeiro de 1865 como “músico excluído”. O fato do texto adiante referir-se à renovação dos contratos dos músicos parece sugerir que esse integrante era também uma praça contratada que estava sendo excluída da renovação. Já no caso de Miguel Francisco de Archanjo, descrito como “voluntário excluído”, parece indicar que era praça alistada devido a sua opção de alistamento – voluntário. Como praça de fileira ele poderia optar em ficar na corporação, como descrito no ofício, situação indesejada pelo músico. Nos casos de Manoel Luiz de Lemos, classificado apenas com a palavra “excluído”, Jorge Francisco Ribeiro, “engajado como músico” e Antonio Mattoso da Silva Vieira, “excluído da banda”, não é possível determinar se eram praças contratadas ou alistadas porque o teor restante do ofício não dá maiores informações. O uso do termo “engajado” poderia tanto indicar contratação quanto alistamento. Nesses casos, somente o livro de assentamentos776 ou o contrato de cada indivíduo poderiam definir com exatidão a situação interna desses músicos. Por fim, a referência a João Moreira da Costa como “excluído” também é imprecisa. Seu engajamento na banda de música pode ter sido tanto na condição de civil contratado quanto na de praça de fileira. Pelo fato de ele retornar a banda da polícia em 1871 como músico contratado é possível que nesse momento ele também o fosse. Não existem informações mais claras sobre os músicos listados nesta relação, apenas sobre João Moreira da Costa, futuro mestre de música da banda da polícia. Sua trajetória será apresentada no capítulo 6. A falta de informações mais aprofundadas nesta fase inicial da banda é decorrente da própria organização embrionária da corporação policial, com pouco contingente e sem a implementação da escrituração do Corpo, particularmente a dos livros de assentamentos. No regulamento seguinte sancionado para a polícia, o artigo 105º oficializa a composição da banda formada por músicos contratados e praças do corpo777. A 776 O livro de assentamentos era um livro onde se anotava todo o percurso do policial dentro da corporação, desde sua entrada, transferências, elogios, repreensões, até a sua saída final. 777 Art. 105º - “A musica compor-se-ha de pessoas contradas [sic, lê-se “contratadas”] e de praças do Corpo, sendo o vencimento d’aquellas pago pelos officiaes e praças do mesmo Corpo, fornecido somente pela Thesouraria Provincial o instrumental e fardamento. No que diz respeito a instrucção e regimen os músicos 181 reafirmação deste artigo aparece na lei provincial de 1877, só que agora inferindo que na composição da banda devia haver mais civis contratados do que praças de fileira (alistados pelo processo ordinário de engajamento) descrevendo a participação dos praças como uma possibilidade e não como uma regra normal778. Neste caso, os instrumentos musicais mais prováveis para as praças alistadas se candidatarem a uma vaga na banda, caso não tocassem nenhum instrumento previamente, seria a família específica dos trompetes ou a percussão. No primeiro caso era uma escolha natural para os corneteiros e tocadores de clarins interessados em integrarem a banda. No segundo caso, para os interessados em tocar bumbo, caixa e pratos, instrumentos que exigiam menos habilidade técnica e podiam ser apreendidos somente por audição, sem necessidade de conhecimento de leitura musical prévia. Eram estes, portanto, os instrumentos que normalmente podiam ser almejados pelos praças de fileira. A possibilidade de aprender o ofício de músico dentro da polícia é uma questão importante a ser frisada, pois, como refletiremos adiante acerca do perfil daqueles que ingressaram na banda da polícia, observamos que o aspecto da qualificação foi um dos pontos de atração para a entrada de novas pessoas no grupo. A banda de música da polícia do Ceará continuou uma tradição que remontou aos tempos da escravidão em que os negros, miscigenados e brancos pobres se envolveram com a atividade manual artística, no caso a música, como forma de se qualificar e ganhar distinção social. O artigo 105º do regulamento de 1873 decretava ainda que o pagamento dos músicos contratados fosse feito pelos oficiais e praças e a compra de instrumentos e fardamentos pela Tesouraria Provincial. Esse pagamento constituía-se, na realidade, de um desconto aplicado aos soldos dos oficiais e praças cujo valor entrava para o cofre do corpo de onde se pagavam os músicos da banda, juntamente com outras despesas. A lei de fixação da força para 1874, sancionada 16 dias após a publicação deste regulamento, mencionava que os descontos (denominados de “contribuição”) seriam estipulados pelo comandante da polícia em acordo com o Presidente da Província, começando a valer já a partir de 1º de janeiro de 1874779. Porém, em 1875, a lei expedida retomou o pagamento serão immediatamente subordinados ao Mestre, ou aquém ser ou veses fiser” (Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC). 778 “Art.4º - O mestre, contra mestre, e mais músicos, serão contratados pelo comandante […]. Art.5º - Além dos músicos contratados poderão faser parte da musica praças de fileira” (Projeto nº7 sancionado e publicado como lei em 27 de agosto de 1877, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 07, data: 1877, APEC) (grifo nosso). 779 “Art.3º - O soldo do mestre da musica e dos musicos de 1ª, 2ª e 3ª Classe, correrá de 1º de Janeiro em diante por conta dos Officiaes e praças do Corpo, e pela thesouraria provincial o fornecimento do 182 dos músicos feito pelos cofres provinciais780. Essa informação foi confirmada na lei de orçamento geral da província781. Para 1876, mesmo não mencionando nada a respeito desse assunto na lei, por direito permaneceria em vigor o que estava disposto na lei de 1875, isto é, o pagamento feito pela província. Somente a partir da previsão orçamentária da Força Policial de 1876 é que a lei retoma o pagamento da música por contribuição dos oficiais e praças como na lei de 1873782. Por que isso acontece se o pagamento feito por descontos estava regularizado pelo regulamento de 1873 e normatizado pela lei do mesmo ano? Observando as tabelas dos vencimentos dos soldos dos oficiais e praças e tomando os vencimentos do comandante e dos soldados como exemplos, o que se constata é que houve um aumento dos vencimentos do comandante nas leis de 1874 e 1875 para que assim fossem aplicados os descontos em lei sem perda real do montante final. Dessa forma, feito o aumento dos ganhos dos oficiais, a aplicação da “contribuição” para pagamento dos músicos não afetaria seus vencimentos. Observando os ganhos dos soldados, essa “preocupação” não foi levada em consideração, visto que o soldo deles permaneceu o mesmo. Pelo contrário, o que se observa nesta categoria é uma diminuição do seu salário. Somente de 1884 em diante, nove anos depois do início da aplicação dos descontos, é que os soldados vão receber um aumento superior ao fixado em 1873. Neste mesmo ano, os oficiais vão sofrer uma perda salarial, mas recuperarão em 1889 e irão ganhar acima do que recebiam antes de 1884 (Quadro 2). Na lei de fixação da Força de 1877, vai ser estipulado inicialmente um desconto de 5% nos vencimentos tanto para os fardamento e instrumental. Art.4º - O Commandante do Corpo com a approvação do presidente da provincia, marcará a contribuição dos Officiaes e praças para o pagamento dos músicos, devendo ser descartada pela thesouraria provincial a referida contribuição, que será recolhida á caixa do corpo, sendo as dos officiaes mensalme e das praças de dez em dez dias” (Projeto nº58 sancionado e publicado como lei em 18 de setembro de 1873, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC). 780 Artigo 3º do Projeto nº26 sancionado e publicado como lei em 2 de setembro de 1874, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 04, data: 1874, APEC. 781 “Despesa Provincial […] Art.20º - […] Força Policial §30 – Vencimento dos officiaes e praças de pret do corpo policial, inclusive os músicos, e gratificação addicional ao oficial do exercito, que fizer parte da commissão de inspecção sendo os vencimentos dos officiaes do corpo na forma do art. 20. [Total da rubrica] 167:007.500 […]” (Projeto nº50 sancionado e publicado como lei em 19 de setembro de 1874, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 04, data: 1874, APEC) (grifo nosso). 782 “Art.3º - O soldo do mestre da muzica e dos muzicos de 1ª, 2ª e 3ª classe, correrá, de 1ª de Janeiro em diante, por conta dos officiaes e praças do corpo, e pela thezouraria provincial o fornecimento do fardamento e instrumental. Art.4º - O commandante do corpo, com approvação do presidente da provincia, marcará a contribuição dos officiaes e praças para o pagamento dos múzicos, devendo ser descontada pela thezouraria provincial a referida contribuição, que será recolhida a caixa do corpo, sendo, a dos officiaes, mensalmente, e, a das praças, de dez em dez dias” (Projeto nº15 sancionado e publicado como lei em 26 de julho de 1876, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 06, data: 1876, APEC). 183 oficiais quanto para os praças para o pagamento da banda783. A partir de 1885 a lei estabelece um valor fixo de no máximo 45 réis de descontos para os praças, mantendo a porcentagem de 5% para os oficiais784. O mesmo número e teor desse artigo é reproduzido na lei de 1889785. Quadro 2 – Vencimentos de oficial e praça do Corpo de Polícia do Ceará (1873 a 1889) Lei Exercício Soldo Comandante - valor mensal Soldo praça - valor diário 1873 1874 196$000 940 1874 1875 196$000 940 1875 1876 220$000 940 1876 1877 220$000 940 1877 1878 220$000 870 1878 1879 220$000 860 1879 1880 220$000 910 1880 1881 220$000 910 1881 1882 220$000 910 1882 1883 220$000 910 1883 1884 220$000 910 1884 1885 190$000 1060 1885 1886 190$000 950 1889 1890 230$000 950 Fonte: Fundo das Leis e Resoluções Provinciais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livros 03 a 14, data: 1873 a 1885 e ala 3, estante 5, prateleira 20, livro 68, data: 1889, APEC. Tanto a contratação de civis por parte de corporações militares, quanto o pagamento dos músicos por meio de descontos de oficiais e praças não foram situações concebidas de forma original pelos deputados da Assembleia Provincial cearense. Esta configuração era uma realidade já presente nas bandas do exército, da guarda nacional e nos corpos militares de polícia do Brasil e de outros países durante todo o século XIX até as primeiras décadas do XX. Existem informações sobre a contratação de civis e dos 783 Artigo 4º do Projeto nº7 sancionado e publicado como lei em 27 de agosto de 1877, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 07, data: 1877, APEC. 784 Artigo 9º do Projeto nº15 sancionado e publicado como lei em 25 de novembro de 1885, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 14, data: 1885, APEC. 785 Projeto nº39 sancionado e publicado como lei em 23 de agosto de 1889, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 5, prateleira 20, livro 68, data: 1884-1886 [incluso 1889], APEC). 184 pagamentos feitos por oficiais em bandas militares de regimentos brasileiros já no início do século XIX786. Na nova organização estabelecida para a Guarda Nacional por meio do Decreto nº 722, de 25 de outubro de 1850, o texto menciona a possibilidade de se criar uma banda de música, estipulando o número máximo de integrantes e referindo que o pagamento dos músicos devia ser feito pelos oficiais e pelas praças787. Nas bandas de música do Corpo Policial de Belém do Pará e do Rio Grande do Norte houve a contratação de civis brasileiros e estrangeiros para dirigir suas respectivas bandas nos períodos iniciais de suas formações788. Fora do Brasil, os regimentos militares ingleses em fins do século 786 “Assentou praça [Francisco Januário Tenório] em 27 de maio de 1793 no Regimento de Olinda, onde organizou e ensaiou uma classe de música, que compôs a banda do Regimento e depois organizou uma outra para o regimento de Artilharia. Em 1810 passou por contrato e praça o Mestre de Banda do regimento do Recife e serviu até 1817: Neste ano foi nomeado pelo General Luis do Rego, mestre de música da Divisão que com ele viera ao Rio de Janeiro, mediante a gratificação mensal de 24$000. Por ordem do mesmo general, organizou as músicas do 1º e 2º Batalhões de Milícias de segunda linha, ensinando e compondo música para as mesmas bandas, e depois passou a servir no 3º Batalhão de Caçadores, incumbido de igual trabalho, assim como no 2º, em idênticas condições” (Ofício de 15 de novembro de 1822 do brigadeiro José Correia de Melo. COSTA, 2004, p.121, v.7 apud BINDER, op. cit., 2006, p.32) (grifo nosso). Era comum a contratação de civis para servirem na função de mestre de banda cujo objetivo era exercer ao mesmo tempo o cargo de organizador do grupo, professor de música e compositor. Sobre o pagamento da banda feita por oficiais: “[…] Constando na minha real presença que no Regimento de Infantaria de Linha desse Recife existe, desde longo tempo uma música com a aprovação dos Governadores e Capitães Generais a qual é mantida por contribuição dado Corpo de Oficialidade do mesmo regimento, […] (Carta Régia de 26 de setembro de 1811, Regula o pagamento da musica do Regimento de Infantaria de Linha do Recife da Capitania de Pernambuco. In: BRASIL, Collecção das leis do Brazil de 1811. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1890, p.119 e BINDER, op. cit., 2006, p.29) (grifo nosso). 787 “Art. 76º: Logo que algum Corpo esteja organisado em virtude da nova Lei poderá o seu Commandante formar huma banda de musica, sendo feita toda a despeza por conta dos Officiaes e Guardas que voluntariamente concorrerem. O numero e fardamento dos musicos dependerá de approvação do Governo na corte, e dos presidentes das províncias, não podendo todavia haver em cada corpo mais de 17, que serão dispensados de qualquer outro serviço da guarda nacional (quando estejão alistados) enquanto os guardas da reserva não forem chamados a prestal-o” (Decreto nº 722, 25 de outubro de 1850, “Contem Instrucções para a execução da Lei nº602 de 19 de Setembro d’este anno que deo nova organisação á Guarda Nacional”. In: BRASIL, Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851, Tomo XIII, Parte II, p.194-219). 788 Ao listar os vários músicos militares de Belém, Vicente Salles não esclarece se foram contratados como civis ou se eles se alistaram como praças. Ele o faz claramente apenas para os dois italianos, o maestro Luigi Maria Smido, contratado em 1899, e seu sucessor, no ano de 1903, Ettore Bosio. Contudo, ao mencionar que alguns recebiam como “mestre ensaiador”, é possível afirmar que este cargo era exercido por um civil desempenhando a função de regente na banda militar. Tal denominação aparece de forma semelhante na documentação de outras bandas militares brasileiras, como nos casos do Ceará e do Rio Grande do Norte. Salles menciona ainda a presença do maestro espanhol José Bernardo Borrajo na banda da Polícia Militar do Rio Grande do Norte como ensaiador e regente entre 1908 a 1919. Ainda sobre a banda da polícia do Rio Grande do Norte, Marcos Aragão Fontoura acrescenta ainda que Luigi Maria Smido também esteve por lá contratado como ensaiador e regente entre 16 de setembro de 1903 e 16 de julho de 1904. Além dele, acrescenta o nome de Antonio Paulino de Andrade, o primeiro mestre de música, contratado em 1893 e Antonio Pedro Dantas, o Tonheca Dantas, que foi contratado pela banda policial em 30 de maio de 1898, com a função de mestre de música durante três anos. Fontoura menciona outros nomes de músicos não sendo possível definir se são civis ou militares. No Ceará, na descrição da imagem da banda da Polícia de 1910, na época denominada de Batalhão de Segurança, é mencionado o “ensaiador maestro Penido”, um senhor sem uniforme militar sentado ao centro da banda usando terno, claramente um civil (ver figura 3 do anexo A) (SALLES, op. cit., 1985, p.29, 42, 44-45; FONTOURA, op. cit., 2011, p.46-48). 185 XVIII incorporaram a formação instrumental das harmoniemusik de origem austríaca e alemã, contratando o mestre de música que ficava responsável por arregimentar os músicos, sendo o pagamento do grupo feito pelos oficiais789. Muitos dos mestres e músicos eram estrangeiros, não eram considerados soldados e não possuíam treinamento militar embora usassem uniformes790. A condição civil dos músicos das bandas militares pode ser também observada em Portugal, cujos exemplos encontram-se em bandas do exército, da marinha e da polícia pelo menos até o ano de 1908791. Portanto, as práticas de contratação de músicos civis e sustento dos grupos musicais por parte das bandas militares circularam pelo mundo e foram incorporadas à realidade militar brasileira no século XIX. No Brasil, esses procedimentos entraram nas instituições de caráter militar como uma tradição europeia e incorporaram-se à estrutura organizacional dos corpos militares, perdendo a ligação com a origem anterior de música para entretenimento792. Uma vez que os corpos militares de polícia eram encarados como forças locais do exército, sua estrutura assimilou a “tradição”, sobretudo de origem europeia, das bandas militares e suas práticas. A presença de bandas nos corpos do exército brasileiro era conhecida dos deputados cearenses. Nas discussões para a fixação orçamentária do Corpo de Polícia na Assembleia Provincial de 1860 a comparação entre as bandas existentes no exército com a banda da polícia foi mencionada por um dos deputados como justificativa para a existência e permanência do grupo musical na corporação policial793. 789 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.38. 790 Idem, p.48-49. 791 “No Regulamento de Organização do Exército de 1816 […] embora os músicos não tivessem a condição de militares, tinham vencimentos muito superiores aos Tambores, Cornetas e Pífaros […]” (SOUSA, op. cit., 2008, p.35). “A Banda da Guarda Municipal […] foi novamente organizada em Outubro do mesmo ano [1846], pela iniciativa do então Comandante Geral da Guarda, D. Carlos de Mascarenhas, que organizou a Banda da Guarda de acordo com a orgânica em vigor no Exército, mas com um […] regulamento específico para os músicos da Guarda que vigorou até a reorganização em 1890. […] Art.2º- Os músicos não serão empregados em nenhum outro serviço que não seja relativo à sua profissão, […] Art.3º- Não serão obrigados a marchar com o Corpo fora da capital a mais de cinco léguas, sem que proceda um novo contrato. […]” (Idem, 2008, p.35-36). “Publicado em 1908, o Regulamento Geral para o Serviço dos Corpos do Exército, continha um conjunto de determinações relativas à música militar, […]. Art.49º- As praças que formam o quadro da música, são sujeitas aos comandantes das companhias a que pertencem, pelo que respeita à administração, polícia, disciplina, armamento, equipamento, uniformes e instrução propriamente militar, e são imediatamente subordinadas ao mestre de música, pelo que respeita à instrução artística, ao serviço collectivo da banda de música e à polícia, disciplina e regímen d’esta, quando reunida; […] Nesta época os músicos já tinham a condição militar, de forma idêntica aos restantes militares de outras armas e serviços” (Idem, 2008, p.62-65). 792 Essa questão foi discutida no capítulo 2. 793 “O SR GERVASIO: - Sr. Presidente, no artigo que se discute eu vejo que se considera como fasendo parte do corpo de policia, um mestre de musica, e diversos músicos: mas eu não sei qual seja a utilidade da sustentação de uma musica na capital para o corpo de policia; […]. UM SR. DEPUTADO: - E os corpos do Exercito? O SR GERVASIO: - Eu não trato dos corpos do Exercito. […] Eu só quero que me digão qual é a utilidade da muzica do corpo de policia. UM SR. DEPUTADO: - A mesma que tem os outros corpos. […] O SR. FRUCTUOSO: - E a muzica da guarda nacional? UM SR. DEPUTADO: - Não é por amor do 186 Até à última lei de fixação da força policial do Ceará durante o Império, sancionada em 23 de agosto de 1889794, mantiveram-se os artigos referentes as contratações de civis, a participação de praças de fileira na banda e os pagamentos compulsórios dos oficiais e praças. No primeiro regulamento publicado para a Força Policial Militar durante a República foi modificada a condição civil dos integrantes e o artigo passou a estabelecer que a banda de música deveria ser formada por praças de pret, como tal, sujeitas à disciplina estabelecida pelo regulamento vigente795. Não existe mais a menção a “pessoas contratadas” como no regulamento de 1873796 e nas leis orçamentárias. Portanto, a menção a “praças de pret” no regulamento referia-se somente a praças alistadas. Além disso, o mestre de música passou a ter a graduação de 1º sargento e o contramestre de 2º sargento, estabelecendo-se assim patentes para os dois regentes797. A partir do estabelecido no regulamento de 1894 poderia concluir-se que a contratação de músicos foi finalizada. No entanto, a realidade que se segue até pelo menos 1910 foi bastante diferente. Mesmo que em menor quantidade, a prática de contratar civis permaneceu, conforme constatamos nas fontes pesquisadas e por meio das menções a civis que regeram ou tocaram na banda da polícia durante este período. Segundo o memorialista Pedro Veríssimo, Zacarias Gondim ensaiou e dirigiu o coro da Escola Normal que cantou o Hino do Ceará acompanhado da banda do Corpo de Segurança Pública do Estado798 em 31 de julho de 1903, por ocasião da comemoração do Tricentenário da vinda dos primeiros portugueses ao Ceará799. Neste caso foi uma regência eventual já que o mestre de música da banda era o clarinetista Raimundo Nonato de Sousa800. Gondim era professor de música em Fortaleza e mantinha atividade musical na cidade. Não era músico militar e sua presença na banda da polícia se justifica apenas como atividade civil gratuita ou paga de forma temporária. As últimas referências a civis atuando com a banda da polícia aparecem em notícias da década de 1910. A inauguração oficial do teatro José de Alencar, em 17 de junho de 1910, teve os maestros Luigi Maria commandante que existe a muzica” (Sessão ordinária de 23 de julho de 1860 da Assembleia Provincial do Ceará. Pedro II, 27 de julho de 1860, p.2). 794 PROJETO nº39 sancionado e publicado como lei em 23 de agosto de 1889, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 5, prateleira 20, livro 68, data: 1884-1886 [incluso 1889], APEC. Com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 esta lei não entrou em vigor no ano seguinte. 795 Artigo 28º do Regulamento de 1894. A República, 28 de abril de 1894, p.1. 796 Artigo 105º do Regulamento de 1873. Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 797 Artigo 28º § 2º do Regulamento de 1894. A República, 28 de abril de 1894, p.1. 798 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151. 799 AZEVEDO (NIREZ), op. cit., 2006, p.117. 800 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151. 187 Smido e Henrique Jorge regendo hinos com a banda de música do Batalhão de Segurança801. Observando a fotografia deste conjunto em 1910 (figuras 3 e 4 do Anexo A), é possível constatar que os civis estão claramente representados por dois senhores retratados no centro da imagem. Bem no meio, sentado, vestindo paletó preto está o maestro Penido, cujo título de “ensaiador” faz deduzir a sua condição de civil contratado para reger esse grupo. Ao seu lado direito está sentado outro homem, vestido de paletó e chapéu de coco, segurando um violino e que deduzimos que seja o próprio Henrique Jorge802 que regeu a banda no concerto de inauguração do Teatro José de Alencar neste ano. A imagem de 1910 levanta outra questão: a informação escrita abaixo da fotografia informa que o conjunto era a “banda de música do Batalhão de Segurança”, embora o grupo que aparece registrado não seja uma banda, e sim, uma orquestra sinfônica, caracterizado pela presença dos instrumentos de cordas friccionadas. Mesmo sendo a banda o grupo de origem e o distintivo musical da polícia, o conjunto registrado na imagem era a “Orquestra do Batalhão”, grupo que atuava na cidade de Fortaleza na década de 1900. Pedro Veríssimo destaca em seu texto a existência, no início do século XX, tanto da banda de música da “Polícia do Estado” quanto da “Orquestra do Batalhão de Segurança”803. Nos Almanaques de 1904 e 1905, o organizador dos volumes, João Câmara, insere a “Orchestra do Batalhão de Segurança” no verbete “diversões”804. Mesmo que não tenha sido mencionado claramente, esse grupo sinfônico deve ter se dissolvido com a deposição do governo de Nogueira Accioly em 1912, conforme registrou o memorialista Otacílio Azevedo. Em seu livro, o autor menciona a saída de vários músicos do Batalhão de Segurança com a destituição de Accioly, deixando transparecer que, aqueles que saíram não estavam ligados por alistamento com a corporação, podiam sair a qualquer momento porque eram músicos civis contratados805. 801Conferir: Acesso em: 06 jan. 2017; AZEVEDO (NIREZ), op. cit., 2006, p. 42. 802 As evidências para isso estão indicadas na comparação com outra fotografia em que aparece Henrique Jorge. Conferir as figuras 5, 6 e 7 do Anexo A. 803 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.152-153. Quando o autor menciona “Batalhão de Segurança” ele está se referindo a uma época em que a Força Militar de Polícia foi chamada dessa forma nos anos de 1899 a 1913. 804 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1904. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1903, p.88, anno 10º (CD- ROM); ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1905. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Empreza Typographica, 1904, p.86, anno 11º (CD-ROM); 805 AZEVEDO, Otacílio de. Fortaleza descalça, reminiscências. 2.ed. Fortaleza: UFC, Casa José de Alencar, 1992, p.54 (Coleção Alagadiço Novo, 36). A referência que o autor faz à dissolução da banda não pode ser tomada em sentido literal, como se ela tivesse sido totalmente desativada. Em todas as leis de 188 O ano 1912 parece ter marcado o fim da presença civil (de adultos e de crianças) na banda da polícia. Depois disso o governo do estado assinará um convênio com o Governo Federal, em 1918, que transformará a corporação policial numa instituição mais militarizada. Apesar de não ter sido desativada, a banda da polícia sofreu, nos anos seguintes, mudanças no seu interior decorrentes da assinatura deste convênio. Observa- se uma diminuição da participação do grupo musical em eventos civis pela cidade, com a banda a voltar-se mais para um trabalho ligado às tarefas militares. Embora o ano de 1912 possa ser apontado como o fim das contratações civis, as mudanças internas na banda, que transformaram sua condição híbrida de grupo civil e militar numa configuração exclusivamente militar, parecem só ter finalizado completamente em 1924, quando pela primeira vez os músicos terão seus postos equiparados aos da hierarquia militar. No regulamento de 1922806 vê-se claramente que os músicos estavam inseridos de forma plena nas tarefas militares do quartel. A banda de música, juntamente com os tambores e corneteiros tinham treinamento especial para a realização de movimentos e evoluções militares. Estas evoluções faziam parte da obrigação da banda em participar de paradas e guardas de honra. O treinamento das evoluções militares era feito à parte das outras praças em dias designados para este fim e comandado pelo Ajudante do Batalhão de Infantaria. Além disso, a banda era obrigada a estar presente em festas militares, especialmente no dia 19 de novembro, dia da bandeira, considerado pelo regulamento como uma solenidade essencialmente militar. Depois das formalidades previstas para o festejo deste dia, deveria a banda de música tocar junto com banda de corneteiros os toques de ordenança pré-determinados. Quanto ao mestre de música, com patente de 1º sargento desde 1914, o regulamento estabelecia que ele deveria passar pelo curso na Escola Regimental até o terceiro ano. O último ano da Escola visava a formação de novos sargentos, habilitando-os para o posto segundo os critérios de ensino organizados pelo Estado Maior do Exército e instrução para o serviço policial. Uma das funções do 1º sargento mestre de música era “responder perante o ajudante, por occasião das formaturas, pela disciplina, uniformidade e compostura militar dos músicos”807, numa clara menção a sua própria inserção e subordinação à estrutura militar policial. Um fixação da Força Militar na Primeira República existem previsão de pagamento aos músicos da banda significando dessa forma, que ela não ficou desativada em nenhum momento durante este período. 806 Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 807 Artigo 57º, nº4 do Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922, APEC. 189 exemplo da falta de imposição de disciplina a alguns músicos foi a que levou o 1º sargento mestre de música José Augusto Pinto dos Prazêres, em 19 de maio de 1919, a ser preso por vinte dias e rebaixado do posto por quarenta dias. O sargento mestre deixou alguns músicos sob seu comando ficarem bêbados e promoverem a desordem durante uma tocata em Maranguape808. Mesmo recebendo treinamento militar, exigia-se do mestre de música que ele fosse antes de tudo músico, conhecesse bem “música” e tocasse pelo menos um instrumento809. Quanto aos músicos, é mais difícil afirmar o quão haviam se incorporado a condição militar, devido seus postos só terem sido equiparados aos das categorias militares na lei anual de 1924. Contudo, o regulamento de 1922 menciona que eles tinham as mesmas obrigações “impostas ás outras praças”810. Embora seja uma afirmação geral e que o regulamento de 1922 não explicite diretamente as obrigações de um soldado, sugere a inserção dos músicos na vida do quartel, dentro da sua organização e disciplina militar. Para além das obrigações musicais relacionadas com a aprendizagem musical, ensaio e preservação do instrumental811, os músicos deveriam também tomar parte, nos dias indicados, da instrução de padioleiros dadas pelo capitão médico do Batalhão812. Este artigo deixa claro que os músicos também estavam inseridos no ambiente diário do quartel e em uma atividade bem diferente a de música813. Apesar da indicação no regulamento de 1894 de que a banda devia ser formada somente por militares e do fim de referências nos documentos a músicos civis contratados após 1912, é possível que a prática das contratações na banda da polícia tenha permanecido. Como é somente na lei orçamentária de 1924 que os músicos vão ter seus lugares equiparados pela primeira vez aos da hierarquia militar, entre 1912 e 1924, 808 Livro dos Músicos -1917 a 1922, documento não catalogado, IHPMCE. 809 Suas funções gerais consistiam em ensinar e ensaiar a banda, indicar os soldados com aptidão para música para formarem as turmas de aprendizes e examinar e fiscalizar os instrumentos da banda. Artigo 57º do Regulamento de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 810 Artigo 58º do Regulamento de 1922, idem. 811 Artigo 58º, nº1, nº2, nº3 do Regulamento de 1922, ibidem. 812 Artigo 59º do Regulamento de 1922, ibidem. 813 Dentre as atividades musicais os músicos de 1ª classe eram responsáveis também pelo ensino nas turmas de aprendizes e um dos músicos de 1ª classe era escolhido para servir como contramestre da banda, substituindo o mestre de música quando impossibilitado (Artigo 58º, parágrafo 1 e 2, idem). Existem ainda outros artigos que mencionam os músicos da polícia no regulamento de 1922: no artigo 67º, item 9, nos 3 e 4, menciona que o auxiliar do capitão da companhia ficava responsável por designar qual músico deveria ser direcionado ao quartel e qual o seu cargo, embora não descreva que cargos são esses; no artigo 128º menciona que todas as praças deveriam comer no quartel, mas listava algumas exceções dispensadas pelo comandante, dentre elas constava os sargentos e os músicos; o artigo 207º §3º menciona que o presidente do estado, secretários, chefe de Polícia, comandante da Força Pública, oficiais superiores, capitães e subalternos e demais autoridades competentes teriam direito a ordenança, mas que esses não poderiam ser escalados dentre os músicos, corneteiros e tambores. 190 teoricamente ainda poderia haver alguma contratação de músico civil. Devido a essa primeira equiparação de postos dos músicos à hierarquia militar é que o ano de 1924 pode ser considerado o momento final da prática de contratação de músicos civis na banda da polícia cearense. A adoção de patentes para os músicos pode ser considerada um marco nesta questão. Ao referir-se às bandas de música do Exército português, que também contratavam músicos civis para integrar seus conjuntos, Pedro Marquês de Sousa aponta como um dos momentos principais na mudança da condição dos músicos de civil para militar, as equivalências às categorias hierárquicas do exército que todos eles obtiveram quando da publicação do “Regulamento Geral para os Serviços dos Corpos do Exército de Portugal” no ano de 1908814. No Ceará, na lei estadual de fixação da Força Policial de 1924, todos os músicos membros da banda tiveram seus postos equiparados às patentes militares: 1º Sargento mestre de música; 1º Sargento e músico de 1ª classe, 2º Sargento e músico de 2ª classe, 3º Sargento e músico de 3ª classe. A partir desse momento toda a banda adquire uma condição estritamente militar815. 5.5 ADOÇÃO DE PATENTES PARA OS MÚSICOS DA POLÍCIA. Se a aquisição de patentes militares por parte dos músicos ocorre durante a Primeira República, durante o Império a ausência da indicação de patentes na banda da polícia foi uma situação comum. No estudo da documentação da banda, os seus integrantes eram frequentemente designados como “músicos do corpo policial”, algumas vezes seguidos do seu nível classificatório (1ª classe, 2ª ou 3ª) ou, no caso dos regentes, apenas como mestre de música ou contramestre. Todos os homens da corporação policial, quando mencionados nos documentos, aparecem sempre com a indicação de seus postos na hierarquia militar. A patente confirmava a inserção e a posição da pessoa na carreira militar. Sem a patente não é fácil confirmar se os músicos eram civis ou praças de fileira. Muitas vezes é necessário cruzar vários documentos para confirmar se um músico tinha 814 O mestre da Banda passou a ter o posto de Alferes, o contramestre, o de Sargento Ajudante, o músico de 1ª classe como 1º Sargento, o músico de 2ª classe como 2º Sargento, o músico de 3ª classe como Cabo e o aprendiz de música como soldado (Regulamento Geral para os Serviços dos Corpos do Exército de Portugal de 1908 apud SOUSA, op. cit., 2008, p.62-65). 815 Tabella num.2, Vencimentos mensaes. CEARÁ, Lei nº2213 de 28 de outubro de 1924. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1924. Fortaleza: Typographia Gadelha, 3º volume, 1925, p.98-100. Nos trabalhos referentes a banda de música policiais e militares do Brasil os autores mencionam a presença e a circulação dos músicos civis entre as esferas civil e militar, os contratos estabelecidos com as bandas militares, mas não mencionam sobre quando a prática de contratação terminou (MÔNICA, 1975; SALLES, 1984; BINDER, 2006; FONTOURA, 2011; VIEIRA, 2013). 191 ou não patente, pois nem sempre os próprios documentos oficiais são precisos referindo- se à mesma pessoa de forma diferente. Um exemplo interessante é o caso dos requerimentos de diversas praças do corpo policial ao Tesouro Provincial cobrando uma dívida referente ao pagamento do fardamento vencido no ano 1880. Nos despachos da Tesouraria Provincial ao comandante da Polícia, datados de 27 de maio de 1882, o governo responde a cada um dos interessados do corpo policial relacionando seus nomes e patentes. Quadro 3 – Nomes e funções constantes nos despachos enviados pelo governo da província em 27 de maio de 1882. Nome Patente Pedro Alves de Mello cabo d’esquadra Antonio Pereira dos Santos Soldado Inagcio Rodrigues Vieira Soldado Cosme Ferreira da Silva cabo d’esquadra Antonio Pereira dos Santos Soldado Thomaz de Aquino Rocha Furriel João Ribeiro de Araujo Soldado Jose Felippe da Silva Soldado Jeronimo Manoel do Nascimento Soldado João Caetano Maciel Soldado José Caetano da Silva Soldado Francisco Antonio de Sequeira Soldado Joaquim Ignacio da [documento danificado] Soldado [documento danificado] Antonio de Araujo Soldado Hermenegildo Theotonio [documento danificado - de Paula] mestre do corpo de polícia Manoel Antonio da Rocha músico do corpo de polícia Manoel Napoleão de Lavor músico do corpo de polícia José Ribeiro de Araujo Soldado Raimundo Francisco de Oliveira Soldado Paulino José de Mendonça sargento quartel-mestre José da Costa Ribeiro Soldado José Henrique de Barros Soldado João Pereira do Nascimento Soldado Antonio Luiz Alves Feitosa Soldado André Correia Lima Soldado 192 Antonio Miguel Eustaquio praça do corpo de polícia Petronilio Ferreira da Rocha soldado [músico] Luiz Francisco Frota Soldado Antonio Cardoso da Silva Soldado José Felippe da Silva ex-praça do corpo de polícia Manoel Moreira dos Santos músico do corpo de polícia José Joaquim [documento danificado] [documento danificado] do corpo de polícia [documento danificado] cabo d’esquadra [documento danificado - Manuel Luiz] de França Lima músico do [corpo de polícia] João de Paula Vianna praça contratada [de] 1ª classe na banda de música do corpo policial João Augusto Brazil 1º sargento José Rufino Suassuma Soldado Odorico Candido da Silva Soldado Antonio José Pacheco Soldado Pedro Pereira da Silva cabo d’esquadra José dos Santos Passarinho Soldado Gustavo Jacome Pequeno Furriel Francisco Procopio de Souza Soldado [documento danificado] ____ eriamo de Lima 1º sargento Fonte: Ofícios do Governo da Província ao Comandante da Polícia com requerimentos despachados, 27 de maio de 1882 apud Cearense, 31 de maio de 1882, p.1-2, (grifo nosso). Em 3 de junho novos despachos foram expedidos sobre o mesmo assunto da dívida dos fardamentos de 1880, direcionados a apenas três pessoas, dois músicos e um terceiro de posto ilegível. 193 Quadro 4 – Nomes e funções constantes nos despachos enviados pelo governo da província em 03 de junho de 1882. Nome Patente Pedro Gomes do Carmo praça contratada na banda de música do corpo de polícia Antonio Miguel Eustaquio músico do corpo de polícia Manoel Bernardo da Silva [documento danificado] do corpo de polícia Fonte: Ofícios do Governo da Província ao Comandante da Polícia com requerimentos despachados, 03 de junho de 1882 apud Cearense, 11 de junho de 1882, p.1. Em 09 de junho outros despachos foram feitos para um grupo do corpo policial. Neste ofício, João de Paula Viana é mencionado apenas como praça do corpo de polícia e Manuel Luiz de França Lima, como praça contratada do corpo de polícia816. O fato de João de Paula Viana e Manuel Luiz de França terem sido mencionados pelo menos uma vez nos dois ofícios como “praça contratada” é prova de que eram civis contratados como praças de pret na banda do corpo policial. No caso dos integrantes listados somente como “músicos” não é possível confirmar se eram contratados ou praças de fileira. É o caso de Antonio Miguel Eustaquio do qual existem dois despachos dirigidos a ele de forma diferente. O primeiro documento refere-se a ele como “praça do corpo” e o segundo como “músico do corpo de polícia”. As duas entradas são imprecisas e não clarificam a condição de músico civil contratado ou praça alistada como músico. O mais importante aqui é que em todos os despachos é notório a ausência de graduações nos músicos em relação aos outros integrantes do corpo, os quais são mencionados com seus postos militares. Logo, se a correspondência oficial do governo se dirigia dessa forma aos membros da polícia, deduz-se que era uma situação ordinária referir-se aos integrantes da banda apenas por “músico” ou “mestre”. O fato de os músicos possuírem uma divisão específica (mestre de música, contramestre, músicos de 1ª, 2ª e 3ª classe), sem possuírem categorias hierárquicas dos militares, resultou numa mescla do status civil e militar no interior do grupo musical. Apenas num único momento durante o Império se menciona a graduação militar a um músico da banda. Esta informação aparece no relatório do comandante do 816 Ofícios do Governo da Província ao Comandante da Polícia com requerimentos despachados, 09 de junho de 1882 apud Cearense, 18 de junho de 1882, p.1. 194 Corpo de Polícia, José Nunes de Mello, em 1874, mencionando o fato da banda da polícia estar sob a direção do alferes Manoel Rodrigues de Souza Magalhães que compartilhava a direção com o mestre João Moreira da Costa817. No ano anterior, Magalhães já havia sido citado pelo mesmo comandante do Corpo de Polícia como ajudante do mestre João Moreira da Costa, atuando de forma gratuita nos ensaios e sem referência a nenhuma patente818. Ele recebeu a patente de alferes por nomeação do presidente da província Joaquim da Cunha Freire em 30 de setembro de 1873819. Neste mesmo relatório Magalhães é referenciado com a patente de 1º sargento sem que se saiba quando e como ele a recebeu820. Desconhece-se o motivo pelo qual Manoel Magalhães foi aceito nos postos e por que ele foi promovido, mas é provável que tenha sido um caso de “apadrinhamento” político, se levarmos em consideração o pouco tempo entre a promoção de sargento para alferes além de que, depois que ele deixa os cargos, nenhum músico assume as mesmas patentes até o fim do Império821. Com o advento da República, a corporação policial vai ganhar uma feição mais militarizada. Nas primeiras décadas da implantação do novo regime, as patentes vão surgindo e se fixando na banda da polícia. Em paralelo a esta implementação vão 817 Relatório do commandante do Corpo de Polícia José Nunes de Mello anexo a Falla do presidente da província do Ceará Barão de Ibiapaba, 01 de julho de 1874, Musica, p.3. 818 “MUZICA. É boa, divido [sic, lê-se “devido”] ao zêlo e pericia do seu mestre João Moreira da Costa, e a coadjuvação que tem prestado o digno jovem Manoel Rodrigues de Souza Magalhães, a pouco chegado da Allemanha, o qual não só há fornecido excelentes peças de sua composição, como ajudado ao mestre nos ensaios, isto gratuitamente” (Relatório do commandante do Corpo de Polícia José Nunes de Mello anexo a Falla do presidente da província do Ceará Francisco de Assis Oliveira Maciel, 07 de julho de 1873, Muzica, p.2). 819 Relatório do presidente da província do Ceará Joaquim da Cunha Freire, 13 de novembro de 1873, Corpo de Policia, p.9. A lei de fixação da Força Pública para 1872, artigo 10º previa que “pessoas estranhas ao Corpo” poderiam ser nomeadas para o cargo de alferes se este achasse vago, condição mantida no regulamento de 1873. 820 Idem. 821 A questão do “apadrinhamento” político nas ascensões funcionais da Força Pública foi uma situação constatada pelo historiador Carlos Henrique de Moura Barbosa para o período da Primeira República (BARBOSA, op. cit, 2014, p.158). Ao nosso ver, o “apadrinhamento” político dentro da Força Policial já vinha desde o Império visto que muitas decisões dentro da Polícia, como por exemplo a escolha do mestre de música, passavam pela decisão exclusiva do comandante de polícia. O poder de decidir questões relacionadas a corporação policial centralizada nas mãos de uma única pessoa dava margem para que houvesse abusos de poder e favorecimento pessoal por parte do comandante. Esses abusos e favorecimentos foram, em alguns momentos do Império, apontados e criticados tanto pelos deputados da Assembleia Provincial quanto por redatores dos jornais. No primeiro caso, durante as discussões na Assembleia sobre a permanência ou não da banda da polícia na década de 1860, os deputados de oposição denunciavam sua existência apenas para favorecer os amigos do comandante para quem o conjunto tocava de graça e em seus eventos particulares (“A muzica não presta aqui utilidade alguma, […] diverte o commandante quando ele quer obzequiar a seus amigos, e ahi está para o que o serve!” (Sessão ordinária de 11 de novembro de 1864 da Assembleia Provincial do Ceará. Cearense, 22 de dezembro de 1864, p.2). Semelhante denúncia aconteceu no ano de 1872 quando o jornal Pedro II levantou uma suspeita de que a banda da polícia havia tocado gratuitamente em uma reunião na casa de um amigo do comandante da polícia o qual fazia “cortesia com chapéu alheio” (Pedro II, 28 de julho de 1872, p.2). 195 diminuindo as notícias sobre a presença de músicos civis servindo na banda. A adoção pouco a pouco das hierarquias militares para os músicos policiais aponta como um forte sinal de mudança da condição civil para a militar do grupo e, consequentemente, pelo fim das contratações de forma definitiva. Pelo regulamento de 1894 o mestre de música e contramestre deveriam receber a patente de 1º sargento e 2º sargento respectivamente. Observando as leis de dotação orçamentária da Força Policial constatamos que essa aplicação não se deu de forma imediata. A primeira vez que se atribuiu um posto hierárquico para o mestre de música foi nas leis de 1900 e 1901 como “alferes mestre de música” com previsão orçamentária específica para este posto822. Esse lugar foi preenchido por João Francisco Gomes, músico pardo, irmão do mestre de música Pedro Gomes do Carmo (1889-1891), nomeado em 21 de agosto de 1900. Ele permaneceu até o dia 11 de fevereiro de 1902 quando assumiu o de “alferes”, no lugar de João Baptista de Abreu823. O artigo 12º da lei de 1901 menciona que a vacância do lugar de “alferes mestre de música” não deveria ser mais preenchida, desaparecendo o cargo824. Segundo anotação no livro de matrículas dos oficiais, o posto de “alferes mestre de música” foi criado especificamente na lei de 20 de agosto de 1900825, o que leva a concluir que foi aberta a vaga especialmente para este músico, que na época exercia o lugar de mestre de música. Mesmo que aparentemente João Gomes tenha saído do posto de alferes para assumir outro da mesma categoria, a diferença entre os dois cargos era de que o primeiro consistia num lugar “passageiro”, ou seja, criado especialmente para uma ocasião, não pertencente a estrutura regular da corporação policial; já o segundo, fazia parte do quadro ordinário de oficiais efetivos da polícia826. 822 Artigo 1º e Tabela nº1 do Projeto nº41 sancionado e publicado como lei em 20 de agosto de 1900, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 30, data: 1899-1900, APEC; Artigo 1º e Tabela nº1 do Projeto nº6 sancionado e publicado como lei em 25 de julho de 1901, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 33, data: 1901-1903, APEC. 823 Matrícula – officiaes Batalhão de Segurança de 1894-1906, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 224, p.38, 48, data: 1894-1914, APEC. 824 Projeto nº6 sancionado e publicado como lei em 25 de julho de 1901, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 33, data: 1901-1903, APEC. 825 Matrícula – officiaes Batalhão de Segurança de 1894-1906, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 224, p.38, data: 1894-1914, APEC. 826 A criação de um cargo específico como o de “alferes mestre de música” não era uma situação incomum dentro da corporação policial. A diferença deste para os outros postos criados é porque a maior parte deles eram ligados a patentes ordinárias à estrutura da polícia. O excesso de algum oficial ao número fixado no quadro de efetivos era tratado no Império como oficiais “agregados” ou “adidos” e na República como um “quadro extraordinário”, “pessoal excedente” ou “extranumerário”. Eles deveriam permanecer nesta condição até que houvesse vaga nos efetivos para o oficial concorrer: “Art.17º - Os officiaes, que atualmente servem no corpo de policia, e não forem contemplados na organisação feita por esta lei, ficarão aggregados ao mesmo corpo até que possam entrar para o respectivo quadro nas vagas que forem ocorrendo” (Projeto nº37 sancionado e publicado como lei em 23 de setembro de 1871, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 2, data: 1871, APEC). “Art.10º - Fica criado um quadro 196 Na mesma documentação aparece o nome de João Francisco Gomes na relação de “alferes” com uma observação: “era mestre de muzica”827. Essa informação deixa claro que Gomes retirou-se da direção da banda da polícia. Deve ter permanecido como “alferes” durante os anos de 1902 a 1904, quando assumiu o lugar de “alferes inspetor de música”, cargo criado pela 1ª vez na lei de 1903, permanecendo até 1907828. Depois da extinção do cargo de “alferes mestre de música” em 1902 o mestre de música não é designado com patente militar, mantendo-se assim até a lei de fixação da Força Policial para o ano de 1909, quando novamente será implantado o posto de “alferes mestre de música”829. Para os anos financeiros de 1910 e 1911 o mestre de música vai receber a patente de “2º tenente” e, mesmo ascendendo hierarquicamente, os seus vencimentos mantiveram-se inalterados nestes anos, recebendo o mesmo valor como “alferes” e “2º tenente”, no total de 150$000830. Como oficial, o soldo do mestre de música aumentou significativamente em comparação com o vencimento atribuído quando era praça de extranumerário, no qual pertenceram [lê-se: pertencerão] todos os officiaes excedentes do effectivo”. (Lei nº[?] de 23 de julho de 1910, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, Caixa 6, livro 30, data: 1910, APEC). No caso do “alferes mestre de música” a vacância do posto estava relacionada a própria especialidade da função e a inexistência de outros oficiais que pudessem assumir o cargo na sequência. Não existem informações por que motivos foi criado o cargo de “alferes mestre de música” para este músico em particular. É possível que neste caso tenha seguido a ordem de promoção por merecimento ou antiguidade, tendo João Gomes permanecido no cargo de alferes até a sua aposentadoria em 1907. 827 Matrícula – officiaes / Batalhão de Segurança de 1894-1906, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 224, p.48, data: 1894-1914, APEC. 828 Artigo 1º da Lei nº713 de 3 de agosto de 1903. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1903. Fortaleza: Typographia Moderna a vapor, 13º volume, 1903, p.7-13. Não encontrei informações na documentação sobre o período de permanência de João Francisco Gomes no cargo de “alferes”, mas ele aparece citado no cargo de “inspetor de música” no Almanaque do Ceará para os anos seguintes de 1904 a 1907, sendo bastante provável que nos anos anteriores ele estivesse no cargo de “alferes” da polícia (ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1904. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1903, p.29, anno 10º (CD-ROM); ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1907. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1907, p.28, anno 13º (CD ROM)). 829 Lei nº 927 de 28 de julho de 1908. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1908. Fortaleza: Typographia a vapor, 18º volume, 1908, p.9-19. 830 Lei nº 971 de 30 de julho de 1909. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1909. Fortaleza: Typo- Lithographia a vapor, 19º volume, 1909, p.11-21; Lei nº [?] de 23 de julho de 1910, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, caixa 6, livro 30, data: 1910, APEC. 197 pret831. O cargo foi assumido por Mario Cezar de Souza832. No ano de 1912 o posto de mestre de música mais uma vez não recebeu nenhuma graduação, o que subentende que Mario Cezar tenha deixado o cargo por aposentadoria ou ascendido na carreira, situação mais improvável entre os músicos. Somente a partir de 1913 é que o mestre de música vai finalmente receber e manter sua patente de 1º sargento, conforme especificado em artigo do regulamento de 1894, aparecendo desta forma em todas as leis anuais da Primeira República até o ano de 1932833. O posto de “inspetor de música” surgiu com o regulamento de 1873, mas foi somente no ano de 1904 que apareceu de fato como cargo amparado pela lei orçamentária834. Para o regulamento de 1873 este cargo poderia ser ocupado por um oficial ou paisano habilitado a ser inspetor de música, concedendo uma gratificação aprovada pelo presidente da província e pago pelo Corpo835. Em outras palavras, o artigo permitiu que o cargo fosse assumido tanto por um músico quanto por um não músico. Em 1883 o posto era ocupado pelo alferes Germano de Souza Louro. Sua “administração” não parece ter sido das melhores, tendo sido criticado arduamente pelo jornal Libertador 831 Durante todo o Império os oficiais receberam soldo mensal e os praças soldo diário, pagos geralmente de dez em dez dias, segundo o regulamente de 1873. Durante a Primeira República, as praças vão continuar a receber soldo com valores correspondentes a diárias embora recebendo mensalmente a partir de 1903 (Art.4º, §1 da Lei nº 713 de 03 de agosto de 1903. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1903. Fortaleza: Typ. Moderna a vapor, 13º volume, 1903, p.7-13). A partir da lei de fixação de 1916, toda a Força Pública vai receber valores mensais (Lei nº 1.395 de 2 de outubro de 1916. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1916. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A.C. Mendes, 25º volume, 1916, p.69-80). 832 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1909. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1909, p. 78, anno XV (CD-ROM); ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1910. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1910, p. 50, anno XVI (CD-ROM). O exemplar do Almanach para 1911 não foi encontrado, mas é provável que Mario Cezar tenha permanecido no cargo, já que a lei estadual mantém o cargo de “2º tenente mestre de música” para 1911 e sem graduação para 1912 (artigo 13º da Lei nº [?] de 23 de julho de 1910, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, caixa 6, livro 30, data: 1910, APEC; Lei nº1026 de 21 de julho de 1911, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, Caixa, 6, livro 30-A, data: 1911, APEC). 833 Artigo 2º da Lei nº 1074 de 12 de março de 1913. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1913. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A.C. Mendes, 22º volume, 1915, p.3-19; Tabela – alínea / Vencimentos das praças. Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. In: CEARÁ, Decretos do Governo provisório (de 2 de janeiro a 30 de junho de 1932). Recife: Imprensa Oficial, 22º volume, 1933, p.168-201. Embora as leis do interstício de 1913 a 1932 elenca a patente de 1º sargento para o mestre de música, no ano de 1929 os jornais do Ceará mencionam que o 2º tenente João Baptista de Souza era o mestre de música da banda da polícia (A Razão, 26 de maio de 1929, p.2). 834 Artigo 1º da Lei nº 713 de 3 de agosto de 1903. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1903. Fortaleza: Typ. Moderna a vapor, 13º volume, 1903, p.7-13. 835 Art. 107º – “Ao Commandante do Corpo fica o arbitrio de nomear um official, ou paisano habilidade (sic) para inspector de musica, arbitrando a este uma qualificação com aprovação do Presidente da Provincia, pago pelo Corpo” (Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC). 198 pela sua “altivez e arrogância”, pela forma violenta e pelos insultos com que tratava e mantinha a disciplina na banda, motivos que provocaram com que vários músicos saíssem do grupo. Mesmo com a denúncia e o apelo do jornalista para que o comandante da polícia, Coronel Canuto, tomasse um posicionamento sobre a questão, o jornal achava que o pedido ao coronel era inútil, pois era sabido que o comandante respeitava mais o inspetor que os músicos836. Durante a República, o cargo continuou sendo de indicação do comandante do Corpo, embora tenha passado a ser assumido somente por um oficial, inicialmente um alferes837 e a partir de 1912 por um 2º tenente838. No regulamento da Força Policial expedido em 1894 foram descritas as atribuições de um inspetor de música. Na leitura dos artigos percebe-se que sua função era a de um administrador da banda. O inspetor era responsável por inspecionar o grupo, apresentar as propostas de ascensão de classe dos músicos e a relação dos futuros aprendizes de acordo com o proposto pelo mestre de música, participar imediatamente de toda e qualquer ocorrência relativa ao pessoal da banda e seu material, efetuar os contratos particulares conforme a tabela estabelecida, fazer o “guia” sobre a quantia líquida das quotas que cada músico deveria receber e efetuar o pagamento destas quotas entre eles, preparar mensalmente um ajuste de contas com uma relação nominal do pagamento de cada tocata, fazer o pedido relativo ao instrumental de compra e consertos e escriturar o mapa de carga e descarga do material da banda mantendo-o sempre em dia839. Essas informações deveriam ser diretamente repassadas ao major-fiscal ou ao comandante do Batalhão. Depois do período de 1904 a 1908, em que o cargo foi efetivamente ocupado, o lugar deixou de existir para se tornar uma função exercida pelo comandante do Estado Menor que recebia apenas gratificação como “inspetor de música” nos anos financeiros de 1909 a 1911840. Em 1912 a posição voltou a constar na publicação da lei anual, sendo 836 Libertador, 18 de julho de 1883, p.3. 837 Artigo 1º da Lei nº 713 de 03 de agosto de 1903. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1903. Fortaleza: Typ. Moderna a vapor, 13º volume, 1903, p.7. 838 Artigo 1º da Lei nº1.026 de 21 de julho de 1911. Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, Caixa, 6, livro 30-A, data: 1911, APEC. 839 Artigo 102º do Regulamento de 1894. A República, 01 de maio de 1894, p.2 840 Artigo 4º, §3º e art. 14º da Lei nº 927 de 28 de julho de 1908. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1908. Fortaleza: Typographia a vapor, 18º volume, 1908, p.9-19; Artigo 4º, §3º e art. 14º da Lei nº 971 de 30 de julho de 1909. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1909. Fortaleza: Typo-Lithographia a vapor, 19º volume, 1909, p.11-21; Artigo 4º, §3º e art. 11º da Lei nº [?] de 23 de julho de 1910, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, caixa 6, livro 30, data: 1910, APEC. 199 agora assumido por um 2º Tenente841. Logo no ano seguinte e até 1926842, sua previsão como cargo ou função por gratificação desaparece por completo das leis de dotação orçamentária da Força, retornando somente no ano financeiro de 1927843, quando o lugar foi ocupado por um 2º Tenente, existindo o cargo até 1932844. Na República, o primeiro indivíduo de que se tem conhecimento, a ocupar o cargo foi Tavares de Mello por volta do ano de 1898845. O próximo foi João Francisco Gomes, músico, que assumiu como “alferes inspetor de música” de 1904 a 1907846. O seguinte sobre o qual temos informação foi Júlio Marinho da Silva, nomeado em 3 de fevereiro de 1912 como “2º tenente inspetor de música” deixando o cargo em fevereiro de 1914 para assumir o posto de 1º Tenente847. No lugar de Júlio Marinho da Silva ficou Sérgio Soares de Pinho como “2º Tenente inspetor de música”, nomeado em 20 de fevereiro de 1914 permanecendo neste cargo até o dia 14 de outubro do mesmo ano quando foi transferido para o 2º Batalhão Militar848. É interessante notar que, no livro de Matrículas do Batalhão está escrito o nome desses dois últimos oficiais registrados no cargo de “inspetor de música”, embora nas leis estaduais dos períodos correspondentes não apareça mais o posto, nem mesmo a função por gratificação referente ao cargo mencionado. Martiniano José Monteiro foi promovido do seu posto de 1º sargento mestre 841 Artigo 1º da Lei nº 1026 de 21 de Julho de 1911, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, caixa 6, livro 30-A, data: 1911, APEC. 842 Lei nº 1074 de 12 de março de 1913. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1913. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A.C. Mendes, 22º volume, 1915, p.3-19; Lei nº 2298 de 20 de Outubro de 1925, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 21, caixa 8, livro 40-A, data: 1925, APEC. 843 Quadro geral dos vencimentos do pessoal / Regimento de Infantaria. Lei nº 2419 de 16 de outubro de 1926. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1926. Fortaleza: Typographia, 35º volume, 1927, p.113-124. 844 Quadro B - Batalhão de Infantaria / Oficiais. Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. In: CEARÁ, Decretos do Governo provisório (de 2 de janeiro a 30 de junho de 1932). Recife: Imprensa Oficial, 22º volume, 1933, p.168-201. 845 Músico de 3ª classe Raymundo Egydio de Lima. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 846 Como não foi localizado a lei de 1907 e o Almanaque do Ceará para o ano de 1908, não temos informações se João Francisco Gomes permaneceu como inspetor até o ano de 1908 ou se foi neste mesmo ano que ocorreu a supressão do cargo. 847 Matrícula do Batalhão Militar - 1912-1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 225, [s.p.], data: 1894-1914, APEC. 848 Matrícula do Batalhão Militar - 1912-1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 225, [s.p.], data: 1894-1914, APEC. 200 de música para o de 2º Tenente inspetor de música no ano de 1927849 ficando até 1929850, sendo substituído por João Baptista de Souza Brandão nos anos de 1929 a 1932851. A lista dos inspetores de música apresentados, o período e as patentes que assumiram, servem para demonstrar que a efetivação do cargo foi uma necessidade que pouco a pouco foi sendo implementada dentro da polícia. Esta implementação gradual está diretamente relacionada com as mudanças de objetivo da instituição, na intensificação da militarização sofrida ao longo das primeiras décadas da República. Afinal, o posto de inspetor de música era uma realidade existente nos regimentos do Exército desde o Império. Para uma instituição que pretendia estabelecer uma estrutura e organização semelhantes à do Exército era necessário ir implementando estas características. No caso da música, era, entre outras coisas, provê-la de um inspetor de música. A designação das patentes de 1º e 2º sargento ao mestre e contramestre de música também seguiu as necessidades de assemelhar a estrutura da polícia à seguida no exército. A presença do inspetor de música colaborou para que a realização da transição da mudança da condição civil-militar para um grupo exclusivamente militar fosse efetivada por completo na banda. Esta questão pode ser observada na atribuição da função do inspetor como um intermediário entre os superiores e o conjunto, aplicando a disciplina militar e estabelecendo a subordinação hierárquica no grupo. A imposição de disciplina e subordinação militares podem ter sido os fatores do cargo não ter sido definitivamente implantado no Império. O único inspetor que localizamos nesta época foi publicamente denunciado pelo excesso de disciplina, numa clara menção a imposição de ordens, situação que não foi aceita por uma banda de maioria civil, não “acostumada” a este tipo de relação. Como consequência, muitos deixaram a banda policial. Além disso, o inspetor do Império, possuía uma relação mais próxima com o comandante, por estar acima hierarquicamente do mestre, contramestre e músicos, numa relação de “afinidade” mais 849 Mensagem do presidente do estado do Ceará José Moreira da Rocha, 01 de julho de 1927, Regimento Policial, p.31. 850 ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1929. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 1928, 34º anno, p.66 (CD-ROM). 851 Diario da Manhã, 11 de novembro de 1929, p.4; ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1930. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 35º anno, 1930, p.77 (CD-ROM); ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1931. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 36º anno, 1931, p.63 (CD-ROM); ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1932. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 37º anno, 1932, p.97 (CD-ROM). 201 distante do grupo852. Por fim, a presença de um administrador na banda no período republicano indica o desenvolvimento do grupo musical que necessitava de alguém que cuidasse das questões “burocráticas” referentes as atividades e interesses dos músicos como de ascensão, agenda de atividades, realização dos contratos e pagamentos aos músicos, escola de aprendizes, conserto e compra de material. Neste sentido, a figura do inspetor revela uma dimensão de organização e de desenvolvimento para a banda da polícia. 5.6 OS “ATRATIVOS” PARA FAZER PARTE DA BANDA: DOS EVENTOS PARTICULARES AO DIREITO DE APOSENTADORIA Observando as fotografias da banda da polícia em anexo, uma questão que nos chama à atenção é a quantidade de músicos retratados e sua variedade numérica ao longo dos anos. Na imagem de 1879 são 29 músicos, 28 instrumentistas e um maestro; na imagem de 1897 são 34 no total, sendo 30 instrumentistas adultos, 3 crianças e um maestro que não é reconhecível, mas é provável que seja o músico do centro que segura o clarinete853. Na imagem de 1910 vemos um total de 60 pessoas, mas apenas 57 são instrumentistas e dois são maestros. É possível que o oficial sentado à direita do “ensaiador” não seja músico da banda, podendo ser o inspetor de música ou o mesmo o capitão ajudante que comandava a companhia de estado menor, unidade da Força na qual a banda da polícia estava inserida854. Temos, portanto, um total de 50 instrumentistas adultos e 07 crianças, mais os dois maestros. Como a imagem de 1924 não representa a banda de música propriamente dita e sim a banda de corneteiros e tambores passaremos a imagem seguinte. A fotografia de 1929, mesmo sendo a mais ilegível para verificação da quantidade de músicos, conta-se cerca de 48 pessoas, sendo três oficiais ao centro, sentados, sem instrumentos. Um dos três pode ser o mestre de música já que ele não necessitava segurar um instrumento ou um dos clarinetistas que rodeiam os oficiais. Sendo assim, teríamos em torno de 45 (ou 44) músicos e um maestro. Na imagem de 1932 conta-se 33 pessoas, sendo dois senhores ao centro que não seguram instrumento algum. 852 Libertador, 18 de julho de 1883, p.3. 853 Era comum e desejável que nas bandas militares o mestre de banda tocasse clarinete (SOUSA, op. cit., 2013, p.59, NR146). Como na imagem da banda de 1897 a figura do maestro não está clara e o músico que está no centro, posição onde deveria estar o maestro, é um músico clarinetista, é provável que ele seja o mestre de música deste período. 854 Artigo 2º do Projeto nº[?] assinado para publicação em 23 de julho de 1910, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 4, prateleira 20, livro 6, data: 1910, APEC 202 Como na imagem de 1929, é possível que um deles seja o maestro ou que seja um dos clarinetistas sentado ao lado dos oficiais. Dessa forma teríamos em torno de 31 (ou 30) músicos e 1 mestre de música. Comparando a quantidade de músicos nas imagens com a previsão orçamentária de cada ano para a banda podemos constatar que há sempre um número maior de músicos do que aqueles que seriam pagos. Quadro 5 – Número de músicos retratados nas imagens versus número de músicos pagos nas leis orçamentárias da Força Policial Militar. Ano da Imagem Número de músicos retratados Número de músicos pagos pela lei referente ao mesmo ano financeiro 1875 29 18 1897 34 (3 menores) 32 (+ até 20 menores) 1910 59 (7 menores) 32 (+ até 16 menores) 1929 46-45 41 1932 32-31 25 Fonte: Imagens da Banda de Música da Polícia Militar do Ceará; Fundo das Leis e Resoluções Provinciais, APEC; Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE. Logo, se havia mais músicos na banda do que aqueles que deveriam ser pagos pela corporação, como esses músicos excedentes eram pagos e qual a vantagem que eles poderiam ter em querer estar nessa condição aparentemente instável? Não é possível afirmar que todos esses músicos fossem da banda da polícia ou que fossem pagos pela corporação. As fotografias podem até ser de grupos montados para tocar em um evento festivo específico. Mesmo assim, as imagens apontam para o fato de, naquele instante fotografado, esses músicos terem sido considerados como membros de uma formação da banda de música da polícia. Os excedentes que aparecem poderiam ser praças de fileira que se integraram ao grupo, mas que continuavam a ser pagos pela sua patente de alistamento ou corneteiros e tambores que se integravam no grupo. Mesmo não existindo registros escritos que comprovem, essa circulação de músicos de fileira devia ser uma prática real. A falta de um instrumentista na banda ou a necessidade de mais pessoas para a execução de uma peça poderiam ser motivos para que se recorresse a músicos extras. E o mais lógico era usar os da própria corporação. Existem registros de corneteiros que 203 indicam como seu ofício anterior o de músicos855. Portanto, eles eram considerados os potenciais músicos para serem chamados a participar da banda, de forma eventual ou definitiva. Outra questão importante era a rotatividade numérica no interior da banda em decorrência da lei de fixação orçamentária que, de ano para ano, alterava o quantitativo e a estrutura organizacional da Força Pública. Incorporada nesse sistema, a banda via o número dos seus elementos alterado anualmente, embora mantivesse mais estável se comparada à corporação policial em si. Durante o Império o número de músicos pagos pela corporação variou de 15 a 23, sendo mais constante a formação contendo entre 16 e 18 músicos. Durante a República, o número aumentou de 21 para 41, mas normalmente era 31, sem contar com o número de menores que puderam integrar o grupo. Por isso, a variação da lei poderia criar alguns excedentes anuais momentâneos. Aparentemente, o número maior de músicos em relação aos que eram efetivamente pagos era conhecido e permitido pelos superiores da corporação policial. No ano de 1916, o comando do 1º Batalhão de Infantaria, onde estava alocada a banda da polícia, enviou um ofício ao comandante da Força Pública, Coronel João Torres Cruz, pedindo autorização para excluir o músico Vital dos Santos Brigido por seu desejo e porque o número de músicos da banda ser superior ao efetivo856. Uma outra explicação para a diferença entre efetivo real e músicos pagos é o fato de a banda de música da polícia possuir “atrativos” que estimulavam o interesse dos músicos em querer integrar o conjunto. Existia, para começar, o atrativo financeiro. Durante todo o período estudado a banda de música da polícia tocou em eventos particulares pagos em que uma parte desse dinheiro era repartido entre os músicos. Até 1932 essa prática esteve regulamentada, embora a partilha do dinheiro resultante destes concertos particulares tenha mudado ao longo dos anos. Durante o Império e no início da República o dinheiro destes contratos permaneceu mais com os músicos; já no período posterior da Primeira República, esse dinheiro foi utilizado somente para a compra de instrumentos e seu conserto, ou entrava para o cofre da polícia sem destino específico. 855 “Quartel do Commando do Batalhão Militar do Estado, em Fortaleza, 2 de abril de 1914 […] Alistamento / […] Dos civis: […] Raymundo Nonato de Mesquita […], officio muzico […] sejam incluídos no estado Effectivo do Batalhão […] os 2 ultimos na primeira [Raymundo na 1ª Companhia do Batalhão]”. “Quartel do Commando do Batalhão Militar do Estado, em Fortaleza, 17 de abril de 1914 […] Aprendiz de corneteiro / Como tal passa o soldado da primeira n.395 Raymundo Nonato de Mesquita” (Assentamento – 1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 6, prateleira 32, caixa 95, livro 238, [s.p], data: 1914-1929, APEC). 856 Ofício nº29 de 19 de janeiro de 1916. CEARÁ, Ofícios expedidos, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 19, caixa 03, livro 144, [s.p.], data: 1916-1929-1912, APEC). 204 A primeira vez que os contratos aparecem mencionados é no regulamento de 1873. O texto menciona que a banda só podia tocar em “festas particulares” mediante “licença” ou “ordem” do comandante e por um “ajuste” financeiro, distribuído uma terça parte deste valor para a caixa do Corpo e o distribuído pelos músicos contratados857. É possível que a prática de tocar em festas mediante a fixação de acordos financeiros tenha existido mesmo antes do regulamento de 1873 e o motivo para a fixação deste artigo fosse justamente para regularizar uma situação já habitual858. A lei de 1889, mais uma vez, reforçou que a banda só poderia tocar gratuitamente em eventos oficiais. Como a licença para tocar em festas particulares era dada pelo comandante, o artigo 15º parecia querer evitar “abusos” centralizando a decisão da permissão nas mãos do comandante. Dessa maneira evitaria que a banda tocasse em todo e qualquer lugar e de graça. Estes “abusos” não eram incomuns, pois foram mencionados em alguns jornais do período do Império859. O artigo 16º da mesma lei determinou que a terça parte que entrava para caixa do Corpo fosse usada para compra e conserto de instrumentos e uniformes da “música” e os dois terços restantes distribuídos aos músicos proporcionalmente860, conforme suas classes. A lei de 1889 não entrou em vigor devido a mudança do regime político ocorrido no dia 15 de novembro do mesmo ano, mas a essência dos artigos 15º e 16º861 foram redirecionados na sanção do decreto nº92 publicado em 06 de novembro de 1890 que estabeleceu uma tabela de preços para as tocatas da banda da polícia em atos particulares. Outra alteração 857 Artigo 106º, §6º do Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC 858 A menção em ceder a banda da polícia pelo comandante gratuitamente em festas particulares já era uma situação conhecida pelos deputados da Assembleia cearense desde o início da década de 1860: “UM SR. DEPUTADO: - E o que tem o Commandante com a musica? O SR. PAIVA: - Ora esta! É quem a dirige, quem manda tocar nas casa de seus amigos, […] é por isso que tem o commandante tantos deffensores, é por isso que se quer que exista uma musica paga pelos cofres provinciaes. Se os nobres deputados querem uma musica para tocar nos seus bailes, em suas funções … […] façam uma bolsa, sustentem essa á sua custa, não façam a província despender dinheiro inutil […]” (Conclusão da sessão de 9 de novembro de 1864 da Assembleia Provincial do Ceará. Cearense, 20 de dezembro de 1864, p.2). 859 Em 28 de julho de 1872 o jornal Pedro II publicou a notícia intitulada “cortesia com chapéu alheio” mencionando que a banda de música da polícia esteve presente a uma reunião acontecida na casa do Sr. Justa no dia 25 do mesmo mês. A “música”, toda uniformizada, tocou na porta da casa e durante a reunião. O jornal levanta a suspeita de que foi o comandante de polícia na época, o major Luís Xavier Torres, quem cedeu de graça a banda para tocar na casa do seu amigo, ato que não era permitido ser feito (Pedro II, 28 de julho de 1872, p.2). O jornal A Constituição tentou amenizar a “acusação” dizendo que “um amigo nosso”, sem citar nomes, foi quem pagou para que a banda da polícia fosse tocar na casa do Sr. Justa e isentando o comandante da polícia dessa “alusão ferina” (A Constituição, 30 de julho de 1872, p.2). 860 Artigo 15º e artigo 16º do Projeto nº39 sancionado e publicado como lei em 23 de agosto de 1889, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 3, estante 5, prateleira 20, livro 68, data: 1884-1886 [incluso 1889], APEC. 861 Abelardo Rodrigues não transcreve toda a lei, somente a tabela das tocatas. A estipulação de preços para atos particulares ajuda-nos a concluir que a proibição de tocar de graça nos atos particulares, a escrituração do valor recebido e a distribuição de um percentual com os músicos permaneceram na lei de 1890, captando dos artigos de 1889 apenas a ideia principal sem que houvesse uma transcrição literal das disposições. 205 ocorrida neste decreto é a criação de uma “caixa da música” com escrituração específica para onde os dinheiros das tocatas eram depositados separado do Cofre do Corpo862. Com a promulgação do regulamento de 1894 deu-se a extinção da “caixa da música” do Batalhão, passando os dinheiros dos contratos a serem escriturados com a rubrica “caixa da música” na caixa de depósito da Secretaria da Fazenda como depósito especial863. Houve também alteração na partilha do produto dos contratos das festas particulares, que deveriam seguir as tabelas de preço em vigor e modificadas somente com aprovação do Presidente do Estado864. Quanto ao dinheiro repassado aos músicos, ficou definido na lei que seriam “gratificações” e modificou-se o percentual repartido: metade ia para os cofres do Estado, sendo direcionado para a compra e conserto do instrumental e a outra metade distribuída pelos músicos que participaram da tocata, dividindo proporcionalmente entre eles conforme o vencimento de cada um865. Quadro 6 – Tabela de preços das tocatas da “música” da polícia estipulados pelo decreto nº92 de 1890866. Evento Preço Baile 40$000 Dito [baile] carnavalesco 60$000 Teatro (nas representações ou à porta do edifício) 35$000 Casamento (não incluindo o baile) 25$000 Enterro 25$000 Jantar 35$000 Qualquer ato religioso 30$000 Levantamento de bandeira 20$000 Passeatas 40$000 Fonte: RODRIGUES, op cit., 1955, p.52. 862 RODRIGUES, op. cit., 1955, p.51-52. 863 Artigo 37º do Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1. 864 Artigo 34º do Regulamento de 1894. Idem. 865 Artigo 35º do Regulamento de 1894. Ibidem. 866 O regulamento de 1894 publicou uma tabela de preços das tocatas (artigo 34º). Estes valores foram publicados em uma das edições que não está disponibilizada no site da hemeroteca digital da Biblioteca Nacional Brasileira. Para efeito de exemplificação, apresentamos a tabela de 1890, cujos valores devem estar próximos aos descritos no documento de 1894. 206 5.6.1 Os contratos dos eventos particulares. Por meio da pesquisa realizada nos arquivos policiais foi possível localizar um dos livros de registro das receitas e despesas da banda da polícia entre os anos de 1891 a 1894867. O livro é bastante interessante e contém algumas informações singulares sobre o trabalho externo da banda. Uma particularidade revelada nesse livro é que a banda da polícia se subdividia em grupos menores de 3, 4, 5, 6 e 8 músicos que também saíam para tocar em eventos diversos, recebendo pagamentos específicos por essas tocatas. Em relação aos valores pagos e lançados no livro de caixa referente ao serviço feito pela “música” da polícia e comparando os preços estabelecidos pela tabela acima, as quantias recebidas não correspondiam aos estipulados pela lei de 1890, apresentando valores um pouco mais elevados. A escrituração da receita é feita de uma forma geral (“tocata em lugar X”) sem especificar se a apresentação foi um baile simples ou um baile carnavalesco, casamento, hasteamento da bandeira, etc.. Mesmo assim, é possível perceber que existe um aumento nos valores. As tocatas feitas com a banda variaram de 30$000 a 70$000 réis, podendo chegar a 100$000, sendo o valor de 70$000 o mais comum, principalmente quando o grupo tocava nos teatros e clubes. O valor para funeral anotado neste período foi de 35$000 réis, 10$000 a mais do que a tabela oficial propunha. As tocatas em casas de particulares variaram entre 40$000, 50$000 e 100$000 réis. Comparando com a tabela superior, das rubricas elencadas, é possível supor que o valor de 40$000 fosse referente a um jantar simples. O último valor, por ser bem mais elevado, leva-nos a supor que a banda tenha tocado no jantar e, em seguida, realizado um baile na casa. A menção de “tocata, pela banda, na «Fábrica Gurjão», em recepção”868, por exemplo, sugere que banda da polícia tenha tocado do lado de fora da fábrica, fazendo a recepção dos convidados nesse acontecimento específico, conforme uma prática descrita em algumas notícias de jornais da época869. Os preços das tocatas com grupos menores 867 Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Música do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, APEC. O livro contém 22 folhas escritas frente e verso num total de 150 folhas. A partir da folha 32 e seguintes estão todas em branco. As folhas 01, 04, 05, 06, 07 estão faltando e as folhas 28, 29, 30 e 31 foram arrancadas do livro. Não contém o termo de abertura, inicia diretamente na página 02 e o termo de encerramento aparece na última folha (p.150-verso). Todas as folhas estão rubricadas na parte da frente por “Jose Florencio de Carvalho”, Tenente Coronel. Segundo o arquivista da APEC Paulo Cardoso o presente livro nunca foi pesquisado e foi apresentado a minha pessoa no dia 13 de agosto de 2015. 868 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de setembro de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.22 (verso), APEC. 869 “Fraternidade Cearense- Esta sociedade solemnisou este anno, como é costume, o dia de seu patrono S. João, com um esplendido baile, que, segundo consta-nos, esteve concorrido animado. Domingo o templo 207 tinham valores mais reduzidos do que os feitos com a banda completa e variavam conforme o número de instrumentistas que participavam. Como não há especificação para que tipo de evento os grupos de câmara foram contratados não é possível saber o motivo da estipulação dos valores, os quais variavam desde 15$000 réis com 3 músicos para tocar na casa do sr. José Dutra870, por exemplo, até 80$000 réis, em uma tocata no Clube Iracema com 8 músicos871. As receitas que entravam eram quase que exclusivamente das tocatas. Num livro que inicia os registros em maio de 1891 e vai até abril de 1894, somente em julho é que é registrado um dinheiro proveniente de descontos da 5ª parte do soldo de dois soldados referente ao adiantamento de fardamento e um dinheiro proveniente dos descontos de prisões realizados durante os meses de junho e julho872. Além das receitas, o livro da caixa da música também incluía as despesas. De uma maneira geral, elas podem ser agrupadas em três tipos de rubricas: as despesas referentes ao pagamento dos músicos, as despesas provenientes de compra e conserto de instrumentos musicais e de compra de utensílios de música e as despesas diversas ligadas ao quartel. Diferentemente do que havia sido estipulado durante o Império, o dinheiro destinado aos músicos neste período foi dividido a partir da metade do valor total das tocatas e não de dois terços do total como acontecia antes de 1889. A única exceção aconteceu em novembro de 1892 quando a banda tocou 10 noites no Circo União recebendo o valor total de 600$000 réis e repartiu somente a terça parte com os músicos (200$000 réis)873. No regulamento de 1922 a distribuição do produto das tocatas voltou a ser igual ao disposto na lei de 1889, ou seja, um terço entrava para o Caixa do Batalhão e dois terços seriam distribuídos entre os músicos que fizeram parte da tocata874. Em 1932 esteve em exposição, tendo sido extraordinária a concorrência para visital-o, tocando á porta do edifício a banda de musica da policia” (Cearense, 28 de junho de 1876, p.3). 870 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de junho de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.19 (verso), APEC. 871 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de janeiro de 1894. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.25 (verso), APEC. 872 Conta corrente da receita e despeza da caixa da musica do mez de junho e do mez de Julho de 1891. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.03 (frente) – 03 (verso), APEC. 873 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de novembro de 1892. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.13 (verso), APEC. Não existe nenhuma anotação no livro por que motivo foi realizado dessa forma com esta tocata. 874 “Art.39º: Só permitir que a banda de musica toque em festa e actos de caracter particular, mediante contracto feito pelo ajudante, devendo recolher á caixa do batalhão um terço do produto de cada tocata e distribuir proporcionalmente os outros dois pelos músicos que nellas tiverem tomado parte” (Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC). 208 a Força Militar passou por duas reorganizações mantendo os contratos de atuação da banda em eventos particulares em vigor875. Embora não mencionando que o dinheiro iria todo para a caixa, entendemos que o foi em virtude de ter sido aprovado no ano de 1929 uma gratificação específica aos músicos, oficiais e sargentos chamada de “pró-labore”876, dinheiro que deve ter substituído as divisões dos produtos das tocatas que, a partir de então, devem ter entrado integralmente para a caixa do Corpo. O dinheiro despendido com gratificações para oficiais e soldados era uma prática comum, aparecendo nas leis de fixação orçamentária da Força Policial desde o Império, mas esta foi a primeira vez que os músicos receberam dinheiro em forma de gratificação. Como antes o dinheiro das tocatas era repartido entre os músicos, não havia necessidade de eles receberem valores a mais através de gratificações uma vez que já usufruiriam do dinheiro que entrava dos contratos, o que faz pressupor, portanto, que a implantação da gratificação “pró-labore” cessou a repartição do dinheiro proveniente das tocatas por contrato. No que respeita à compra de instrumentos, o livro-caixa de 1891 a 1894 menciona que, neste período, a banda da polícia adquiriu três pares de pratos, um trombone, um clarinete em si bemol, um bombo e a referência a uma “compra de instrumentos” sem descrição nominal de quais instrumentos comprados, no valor de 229$000877. O dinheiro da caixa servia também para consertar os instrumentos e para comprar os acessórios para os mesmos, listados como palhetas, maceta, corda e pele do bombo, pele para a caixa. Dos utensílios para música, alguns chamam à atenção como o dinheiro empregado na compra de “música” (22$000 réis), ou seja, de composições para banda, informado de uma maneira geral, e de duas polcas instrumentadas (20$000 réis)878. É interessante observar a compra de composições, pois a banda, em nenhum momento 875 Artigo 15º do Decreto nº568 de 15 de abril de 1932 dando nova organização a Força Publica do Estado. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio, de 2 de janeiro a 30 de junho de 1932 (nos 439 a 654). Recife: Imprensa Official, 1933, p.172). “Artigo15º - Constituem fundo de receita, a cargo do C. A. [Conselho da Administração] do C.S.P. [Corpo de Segurança Pública], os quantitativos orçamentários […] e ainda as importâncias provenientes dos contratos da banda de musica e jazz-band do Corpo […]” (Artigo 15º do Decreto nº881 de 29 de dezembro de 1932 reorganizando o Corpo de Segurança Publica. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio, de 1 de julho a 31 de dezembro de 1932 (nos 655 a 889). Recife: Imprensa Official, 1933, p.311-312). 876 Artigo 1º da Lei nº 2606 de 26 de Setembro de 1929. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1929. Fortaleza: [?], [s.d], p.130); Artigo7º, §2, CEARÁ, Lei nº 2606 de 26 de Setembro de 1929. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1929. Fortaleza: [?], [s.d.], p.130. 877 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de agosto de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.21 (verso), APEC. 878 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de fevereiro de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.15 (verso), APEC. 209 relativo ao recorte temporal da pesquisa designou orçamento específico para compra de partituras, somente para instrumentos. Talvez por isso existam hoje tantas cópias no acervo da banda da Polícia Militar, subentendendo que as partituras ali existentes eram copiadas de originais pertencentes a membros da banda ou simpatizantes da mesma que doavam ou ofereciam cópias ou os seus originais autógrafos. Outra rubrica bastante interessante é a despesa referente à compra de um metrônomo e de 20 cadernos de papel de música. Mesmo que os papéis de música tenham servido para copiar composições originais para incluí-las no repertório da banda, os dois objetos sugerem também um grupo com objetivos de formação musical em seu interior. O ensino e a aprendizagem de música ocorrido dentro das bandas militares foi uma realidade presente em outras partes do mundo, por exemplo nas bandas do exército na Inglaterra. Neste país, essas bandas eram conhecidas como o principal produtor de exímios instrumentistas de sopro na primeira metade do século XIX879. Em Fortaleza, foi a banda da Força Policial quem produziu esses instrumentistas suprindo a falta de escolas especializadas para a formação dos músicos de sopro. A presença de crianças na banda, entre 1894 e 1912, confirma também esta realidade educativa. Mesmo depois de elas deixaram de ser recrutadas, permanece no interior da corporação o termo “aprendiz de música”, usado para designar as praças recrutadas para a banda ou para corneteiros e tocadores de tambor880. O regulamento de 1922 faz menção à formação musical no interior da banda ao descrever que uma das reponsabilidades do músico de 1ª classe era a de ensinar os aprendizes de música881. A formação musical ministrada no interior da banda da polícia tornou-se com certeza em outro atrativo para os indivíduos que tinham desejo de aprender um 879 HERBERT; BARLOW, op. cit, 2013, p. 59. 880 “Quartel do Commando do Batalhão Militar do Estado, em Fortaleza, 13 de abril de 1914 […] APRENDIZ DE CORNETEIRO / Passa a aprendiz de corneteiro os soldados Joaquim Demetrio do Nascimento e Raymundo Vieira de Lima. […]” (Assentamento – 1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 6, prateleira 32, caixa 95, livro 238, [s.p], data: 1914-1929, APEC). Neste livro de Assentamentos existem vários exemplos de corneteiros que são aprendizes. “DAS ATRIBUIÇÕES E DEVERES INHERENTES A CADA POSTO E FUNCÇÃO. CAPÍTULO I […] Do Ajudante […] Art. 33º […] 4 - Propor as praças que devam passar a aprendizes de musica, corneteiros e tambor ouvidas os respectivos commandantes e o medico e bem assim os aprendizes de bôa conducta que devam passar a musico, corneteiro e tambor. […] Do 3º sargento corneteiro. Art. 56º […] 4- Indicar ao ajudante os soldados que tenham aptidão para tocar corneta ou tambor, de modo que sempre existam aprendizes em numero conveniente. […] Do 1º sargento musico. Art. 57º […] 3- Indicar ao ajudante os soldados que tenham aptidão para musica, afim de ter sempre aprendizes” (Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922, Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série Regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, p. 7, 12-13, APEC). 881 “DAS ATRIBUIÇÕES E DEVERES INHERENTES A CADA POSTO E FUNCÇÃO. CAPÍTULO I […] Dos músicos de 1ª, 2ª e 3ª classes […] Art. 58º […] 2 – […] Parag. 1 – Aos musicos de 1ª classe compete encarregarem-se do ensino das turmas dos aprendizes” (Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, p. 13, APEC). 210 instrumento musical de sopro, mas não podiam pagar um professor particular e nem mesmo comprar um instrumento, dois requisitos que os interessados em música encontrariam disponíveis gratuitamente no interior da banda da polícia. Esta formação musical gratuita pode ser uma das razões que explica o excedente de músicos que vemos nas fotos. Na terceira relação das despesas encontrada no livro de registro de 1891-1894 observamos uma extensa e variada lista de rubricas ligada à compra de material, consertos, pagamentos e outras necessidades relativas ao quartel. O emprego do dinheiro que vinha dos pagamentos das tocatas em despesas ligadas a rubricas não relacionados com a música da polícia chama à atenção pois, em princípio, o dinheiro que entrava na caixa da música deveria ser empregada ordinariamente no pagamento dos músicos e conserto do instrumental882. O dinheiro envolvendo a “música” da polícia foi alvo de regulação desde o primeiro regulamento da Força Policial em 1864. Segundo este documento, os descontos aplicados às prisões de pessoal superiores a 4 dias deveriam ser recolhidos ao Cofre do Conselho e eram destinados a “suprir as despesas de compra de novos instrumentos para a musica, conserto dos mesmos, e suprimento dos vencimentos dos musicos e seu asseio”883. O destino desse dinheiro deveria ser aplicado somente com as necessidades da “música” da polícia e escrituradas em um livro de conta corrente a cargo do Conselho administrativo884. O regulamento de 1873 manteve a mesma finalidade da aplicação do dinheiro do caixa para o pagamento dos músicos e conserto de instrumentos, bem como mencionou novamente o livro de entrada e saída de dinheiro do cofre885. Os contratos não são mencionados no regulamento de 1864, vindo a aparecer apenas no de 1873, supondo-se que a atividade de tocar em festas particulares, com ou sem remuneração, tenha aumentado neste ínterim, provocando a necessidade de regulamentar essa prática no regimento de 1873886. Tomando por base o dinheiro que entrou como saldo no caixa da música em maio de 1891 (360$177) e observando o saldo que passou para o mês de maio de 1894 (2:547$545), último valor registrado neste livro 882 Artigo 124º, 125º, 128º. Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC). 883 Artigos 38º, 39º, 138º. Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.24, 38- 39. 884 Artigo 40º do Regulamento de 1864. Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.24. 885 Artigo 130º do Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 886 “Art.106, §6 º do Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 211 caixa da polícia, o que se observa é que houve um aumento de mais de 7 vezes do valor líquido inicial. A existência dessa quantia na caixa da música aponta que os contratos feitos com a banda da polícia eram lucrativos para a corporação policial. A possibilidade de se poder dispor de um montante significativo e extra para as necessidades do dia-a-dia do quartel, somado à “facilidade” de acesso a esse dinheiro, sem a necessidade de autorização prévia da assembleia ou da tesouraria provincial, apenas dependente da liberação do comandante, do tesoureiro e de uma terceira pessoa, tornou o cofre da Polícia um alvo “cobiçado”. Consequentemente, o cofre e a caixa da música foram, ao longo dos anos, alvo de transgressões e até furtos que provocaram denúncias públicas e inspeções pelo governo. As irregularidades na caixa da música tornaram-se mais públicas durante o período do Império do que durante a Primeira República. Tal situação pode estar ligada à diminuição paulatina da presença de civis na banda da polícia ou associado a uma maior burocratização da corporação policial, especificamente da caixa do Corpo, diminuindo assim a facilidade de acesso aos dinheiros “extras”. Um dos casos de maior repercussão pública aconteceu após o fim da Guerra do Paraguai, em 1871, quando a banda de música foi novamente ativada, contratando civis para a formar a banda da polícia por um período de dois anos887. Como músicos contratados, eles eram considerados praças de pret e deveriam receber seu pagamento de dez em dez dias pela tesouraria provincial, conforme a tabela de vencimentos estipulada na lei de dotação orçamentária anual. Só que isto não estava acontecendo e os músicos estavam recebendo o soldo abaixo do valor da tabela estipulada pela lei de 1870. Descontentes com a situação, alguns músicos foram à redação do Jornal Cearense, contaram o problema e a denúncia foi publicada em 07 de setembro de 1871888. O jornal escreveu que a Tesouraria Provincial estava repassando ao comandante da polícia, major Luiz Xavier Torres, o soldo referente a 1$000 réis diários para cada músico, porém o major repassava uma quantia menor aos músicos. Os redatores da notícia foram conferir os contratos registrados na Tesouraria Provincial comparando- os com os contratos que os músicos possuíam e confirmaram a diferença de valores, acusando então o comandante de extorquir dos músicos o dinheiro que lhes era devido889. Além de expor aos leitores o ocorrido, o jornal revelou também uma condenação anterior 887 Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 200, APEC. 888 Cearense, 07 de setembro de 1871, p.2. 889 Idem. 212 que o major Luiz Xavier Torres havia sofrido na Bahia por ter roubado a caixa militar do Batalhão. Ele havia sido condenado a 22 meses de prisão numa fortaleza em 13 de dezembro de 1859 onde cumpriu a pena até 1862. Depois de liberto ficou privado de exercer comando durante 06 anos. O jornal relatou os fatos clamando a atenção do público e do próprio Presidente da Província, Barão de Taquary890. Após essa denúncia no jornal, o presidente da província nomeou uma Comissão em 09 de setembro para inspecionar o Corpo de Polícia e sua escrituração, iniciando com a inspeção do livro da caixa da música891. Ele pediu para que fosse verificada o “quanto recebe o corpo pª a mesma musica, quanto paga e que destino tem a diferença, no caso de que os soldos dos músicos não sejão pagos integralmente”892, autorizando a proceder a um inquérito caso não houvesse escrituração ou se ela estivesse deficiente893. Entre setembro de 1871 e janeiro de 1872 foram expedidos muitos ofícios entre o presidente da província, a comissão de inspeção e o comandante da polícia sobre esta situação. A comissão encontrou diferenças na escrituração da caixa da música e, por ofício, o presidente da província solicitou ao comandante que corrigisse a escrituração conforme a avaliação realizada894. Em resposta, o comandante da polícia respondeu declarando que não havia inconveniente algum em continuar uma prática até então seguida que era a dos músicos serem contratados por valores mais ou menos iguais aos fixados na tabela da lei, contanto que a importância total dos contratos no final de cada semestre se ajustasse nas contas da caixa da música e fosse recolhido o saldo existente aos cofres da Tesouraria Provincial895. O presidente da província respondeu ao comandante da polícia mencionando que era regular essa forma de proceder, contanto que o comandante recolhesse aos cofres da Tesouraria Provincial o saldo desse valor 890 “Para que não se julgue que há exageração no que acabamos de expor, apresentamos á apreciação imparcial do publico sensato, um facto altamente escandaloso e para o qual chamamos também a attenção do Exm. Sr. barão de Taquary” (Cearense, 07 de setembro de 1871, p.2). 891 Como a maior parte do dinheiro que entrava no cofre do Conselho era destinado ao pagamento das necessidades da “música” da polícia, em alguns momentos as fontes se reportam ao Cofre da Corporação como sendo o “caixa da música”. Na realidade, esse Caixa só vai ser concebido em separado nos anos de 1890 juntamente com sua respectiva escrituração separada. 892 Ofício enviado ao Tene. C.el Joaqm. da Rª. Morª. [Tenente Coronel Joaquim da Rocha Moura] no dia 09 de setembro de 1871. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 206, APEC. 893 Idem. 894 Ofício enviado ao Commandante do Corpo de Policia Luiz Xavier Torres no dia 23 de outubro de 1871. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 209, APEC. 895 Ofício enviado ao Presidente e mais membros da Comissão de Inspecção do Corpo de Policia no dia 25 de outubro de 1871. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 209, APEC. 213 registrando como “despeza anular”896. Aparentemente a explicação do comandante da polícia foi aceita, pois não é mencionada nenhuma instauração de inquérito para este caso nos ofícios seguintes. Em fevereiro de 1872 o comandante Luiz Xavier Torres enviou ao presidente da província os balanços do mês da caixa do conselho de administração do corpo, a receita e despesa dos vencimentos dos músicos contratados e a 3ª parte dos soldos das praças presas por mais de 4 dias em fevereiro e que deveriam entrar para a referida caixa897. O dinheiro parece ter sido escriturado na forma exigida como “despesa anular” e aparentemente restituído a diferença. O que não fica esclarecido nesse processo é se houve restituição aos cofres provinciais do dinheiro anterior à inspeção realizada, referente ao montante que gerou a denúncia dos músicos no jornal, ou seja, a diferença entre o valor de repasse da tesouraria provincial e o valor real recebido pelos músicos. Em nenhum momento na correspondência estabelecida entre governo, comissão e o major Torres esse dinheiro é mencionado. O direcionamento dado pelo presidente do Ceará de anotar “despesa anular” ao saldo que deveria ser devolvido serviu como uma recomendação para as futuras escriturações, mas fica claro no ofício do major Torres que este não era o procedimento que estava sendo adotado. Portanto, onde foi parar a diferença de repasse apresentado na denúncia do jornal Cearense? Tudo indica que a devolução da quantia não aconteceu, embora não haja informações sobre esse ponto em particular. Uma sequência de fatores posteriores ajudou a silenciar a questão. A comissão que inspecionou o caixa do Corpo foi dissolvida logo em seguida, em dezembro de 1871. O seu trabalho ficou incompleto já que só havia inspecionado a escrituração do corpo da 3ª e 4ª companhias referente aos anos de 1865 a 1867898 e, a pedido do presidente da província, a caixa da música. Segundo o próprio governante outra comissão deveria ser nomeada para examinar as contas do comandante da polícia899, mas isso também nunca 896 “- 25 - [25 de outubro de 1871] / - Ao Commandante do Corpo de Polícia Luiz Xavier Torres / Para sua inteligência e devidos fins declaro-lhe que não há inconveniente em continuar a pratica até hoje seguida, de serem os músicos do corpo sob seu commando contratados por mais ou por menos do soldo marcado na tabella respectiva, com tanto que a importancia total dos vencimentos estipulados nos contractos não exceda ao computo dos que estiverem fixados, e que no fim de cada semestre, se ajuste as contas da caixa da musica, e digo, o saldo existente recolhido aos cofres da Thesouraria Provincial, onde deverá ser escripturado como despeza anullar. Deus Guarde a Vm.ce – Barão de Taquary” (Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 209-210, APEC). 897 Ofício enviado ao Comm.te [comandante] do corpo de Polª [polícia] Luiz Xavier Torres no dia 07 de fevereiro de 1872. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 216, APEC. 898Anexo n.4 - Relatório da commissão de inspecção do corpo de policia do Ceará e seus anexos, em 12 de junho de 1871. Relatório do presidente da província do Ceará Barão de Taquary, 04 de julho de 1871, p.3. 899 “- 30 - [30 de dezembro de 1871] / - A comissão encarregada da tomada de contas do corpo de policia / Declaro a Vm.ce que, tendo em consideração a nova organização, estabelecida no art. 13 da Resolução Provincial nº1434 de 23 de Setembro ultimo, resolve na presente data dispensal-os da Commissão, para que 214 aconteceu. A nomeação dos novos membros de inspeção perdeu também sua razão de ser quando o major Luiz Xavier Torres pediu exoneração do cargo no ano seguinte, em fevereiro de 1873. A condenação sofrida pelo major Torres na Bahia por caso semelhante de roubo no cofre do Batalhão de 1ª linha, não foi levada em consideração pelo presidente da província que o manteve no cargo por pelo menos mais um ano900. Em anos posteriores, novas inspeções foram feitas com o intuito de verificar a escrituração dos livros da Polícia e do cofre do Corpo e mais uma vez os livros apresentaram irregularidades. Nos anexos ao relatório do presidente da província Miguel Calmo Du Pin foi publicado o relato da comissão de inspeção realizado na escrituração do Corpo de Polícia, no cofre e caixa da música, finalizado em 11 de dezembro de 1885901. Neste relatório os membros observaram que havia diferenças entre os valores escriturados em “um pequeno e único livro”902 e o saldo existente no cofre e caixa da música. Com o dinheiro proveniente da “música” saíram empréstimos não autorizados, compra de diversos objetos não relacionados com a banda, pagamento de despesas relacionadas com o quartel, gratificação de praças, outros gastos que deveriam correr pela Tesouraria Provincial903. A comissão denunciou ainda que, se tivesse sido feita a escrituração de forma regular e “os dinheiros convenientemente arrecadados e escrupulosamente despendidos”904, não haveria necessidade do comandante incluir os músicos de 3ª classe forão [lê-se: foram] nomeados, por acto do 1º dejunho o anno passado. Opportunamente serão examinados os relatórios que apresentarão e devidamente apreciado o seo trabalho, e nomeada uma nova comissão d’accordo com o preceito da precipitada Resolução, para o exame das contas do actual Commandante do Corpo de Policia. Deus Guarde a Vm.ce – Barão de Taquary” (Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da província do Ceará, Livro 152, p. 213, APEC) (grifo nosso). 900 Segundo o site do Museu Virtual da Polícia Militar do Ceará, a banda de música da PMCE recebeu o nome “Banda de música Major Xavier Torres” em 18 de outubro de 1954, pelo então governador do estado Stênio Gomes da Silva, “por ter sido ele um dos incentivadores de sua criação”. Disponível em: Acesso em: 24 jan. 2017. 901 Anexo n.5 - Relatório da Commissão de Inspecção do Corpo de Policia do Ceará e seus anexos, em 11 de dezembro de 1885. Relatório do presidente da província do Ceará Miguel Calmon du Pin e Almeida, 09 de abril de 1886, p.3. 902 Idem. 903 “[…] pelo confronto dos documentos, […] chegou esta comissão ao resultado de que os dinheiros arrecados para o pagamento exclusivo da musica e concerto do instrumental, tem tido em parte, aplicação extranha áquelle fim com a compra de diversos objetos […]. Estes abusos perduram ainda, […] que diversas somas têm sido mensalmente retiradas do cofre no exercício do actual commadante para o pagamento de despesas realizadas, por algumas vezes com o reparo de latrinas do quartel, compras e outros muitos objetos, e até com gratificação a praças que conduziram dinheiros para collectorias do centro da província, despezas, que quando necessarias, deveriam correr por conta do Thesouro Provincial, e nunca pela caixa da musica” (Anexo n.5 - Relatório da Commissão de Inspecção do Corpo de Policia do Ceará e seus anexos, em 11 de dezembro de 1885. Relatório do presidente da província do Ceará Miguel Calmon du Pin e Almeida, 09 de abril de 1886, p. 4-5). 904 Idem, p.5 215 no pagamento dos praças de pret sob o pretexto de “suposta deficiência de fundos na caixa competente”905. A constatação que a comissão de 1885 fez sobre a aplicação do dinheiro recebido pela banda de música e o caso anterior envolvendo o Major Torres demonstram o quão “acessível” era o dinheiro depositado no Cofre da Polícia. A lucratividade advinda dos contratos da banda e a facilidade de liberação de dinheiro sem necessidade de entraves burocráticos fazia da caixa da música um alvo perfeito para irregularidades. Além disso, esses desvios poderiam vir até mesmo em rubricas de supostas compras de material para a banda. Retomando o registro do livro-caixa de 1891-1894 existe uma descrição de despesa para “compra de pele do bombo” de 15:000 réis que aparece registrado todos os meses, de junho a novembro de 1892, e nos meses de março, abril e setembro de 1893906. Esta frequência na compra de peles do bombo todos os meses é, pelo menos, estranha. Por mais que o material para a construção de bombos do século XIX fosse ligeiramente mais frágil do que os dias atuais, esse material não se estragaria com tanta frequência a ponto de haver necessidade de reposição todos os meses do segundo semestre de 1892. Além disso, se a questão fosse realmente a fragilidade do material e a pouca técnica do executor da banda que fizesse com que estragasse o instrumento com frequência, essa rubrica deveria aparecer em todos os outros meses ou pelo menos em quase todos, porém, não é o que acontece. Olhando as rubricas registradas no mês de agosto de 1892, observa- se também que, além da pele nova do bombo, o Corpo de Polícia comprou um novo por 120$000 réis. Em seguida, no mês de novembro de 1892, comprou outras duas peles de bombo. Observando o instrumental da banda da polícia nas imagens fotográficas e no uso do bombo nas bandas de sopro e percussão, o comum é ter apenas um instrumento disponível no conjunto, como aparece nas fotografias. Mesmo que a banda da polícia pudesse ter dois bombos à disposição em seu instrumental é bastante incomum que dois meses depois tenha sido necessário trocar a pele de um instrumento novo. Seria menos estranho se o livro tivesse registrado mais vezes a compra de peles para caixa, já que é um instrumento de uso frequente não só para a banda, mas principalmente para os serviços diários do quartel. Apenas no mês de novembro de 1892 é que foi feita a compra de duas 905 Ibidem. 906 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, nos mezes de junho a novembro de 1892 e nos mezes de março, abril e setembro de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.10 (verso) – 13 (verso); 16 (verso) – 17 (verso); 22 (verso), APEC. 216 peles para caixa no valor de 13$000 réis907. Duas questões podem ter impedido os interessados de registrar essa rubrica. Primeiro porque o preço da pele da caixa era inferior ao do bombo, apenas 7$500 por uma, e não alcançaria o valor almejado de 15$000 réis. Outra possibilidade pode ter sido um escândalo anterior, também noticiado pelo jornal Cearense, referente à compra de 8 de tambores para a Guarda Nacional da capital e que nunca foram comprados. Este caso envolveu um ex-comandante da polícia, o coronel José Nunes de Mello, o qual sucedeu o major Luiz Xavier Torres em 1873908. Outra rubrica que nos parece irregular é a compra de três pares de pratos em pouco mais de um ano, abril de 1892, janeiro e maio de 1893909. É um instrumento durável e neste período só havia a necessidade de um instrumentista na banda. Por que então comprar três? Não existe nessa época nenhuma indicação de que a banda da polícia tocasse em formato de fanfarra910. Se assim o fosse, a presença de mais bombos e pratos poderia ser recomendável. Nas partituras existentes no arquivo da banda da Polícia Militar do Ceará, a instrumentação indicada para a percussão designa normalmente um par de pratos, um bombo e uma caixa. O que se pode concluir desta análise do livro-caixa da música de 1891-1894 é que as irregularidades quanto a escrituração das despesas e da utilização do dinheiro de usufruto da banda de música da polícia em outras finalidades diferentes do seu objetivo original continuaram a existir durante a Primeira República, do mesmo modo que 907 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de novembro de 1892. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.13 (verso), APEC. 908 “[…] A guarda nacional do Ceará foi uma mina, cuja exploração rendeo consideravelmente, desde o começo da guerra do Paraguay, atè que o Sr. José Nunes de Mello poude ageitar a sua nomeação para o commando do corpo de policia, inserindo no respectivo regulamento uma disposição que acarretava a demissão do Sr. Lucas [lê-se: Luiz] Torres. Ainda agora verifica-se na thesouraria de fazenda uma subtracção de dinheiros, tão ousada, que dá a medida de quanto se fez à sombra d’um governo protetor. Da escripta dessa repartição combinada com a do conselho administrativo ou econômico do 1º batalhão da guarda nacional da capital, resulta que houve nos últimos tempos uma empalmação de… 393$120, recebidos alli a titulo de vencimentos de oito tambores, nos meses de janeiro, fevereiro e março de 1872. Os tambores nunca existiram, e com todo o desembaraço, tirava-se-lhes o soldo da thesouraria, com uma relação phantastica, para applical-o ao pagamento de uma banda de musica do corpo referido, por intermédio do conselho economico. […] Disiam geralmente que eram consumidas e extraviadas sommas avultadas que, durante muitos annos, foram arrancadas a numerosas pessoas, a titulo de contribuição para a musica […]. Agora mesmo se diz que ha estellionatos de toda a ordem, no corpo de policia. Si se désse um balanço á caixa desse corpo, onde depositam algumas sobras e economias, a encontrariam limpa. A reserva dos fardamentos apresenta grandes diferenças” (Cearense, 06 de dezembro de 1874, p.1). 909 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de abril de 1892 e nos mezes de janeiro e maio de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.9 (verso); 15 (verso); 18 (verso), APEC. 910 “Denomina-se Fanfarra um conjunto musical constituído dos mesmos instrumentos que compõem a banda de música, com exclusão, porém, de todos os instrumentos de palheta exceto os saxofones” (REIS, Dalmo da Trindade. Bandas de música, fanfarras e bandas marciais. Rio de Janeiro: Eulenstein Música S.A., 1962, p.13). 217 acontecia no período do Império e conforme criticado pelas comissões de inspeção. Esta prática irregular deve ter cessado apenas no ano de 1932 por ocasião da reorganização da Força que passou a depositar o dinheiro integral dos contratos da música juntamente com todos os outros especificados no Cofre do Corpo, sem fazer a divisão do produto das tocatas com os músicos, nem tampouco aplicar o dinheiro exclusivamente nas necessidades da banda de música. Além disso, a retirada do dinheiro tornou-se mais fiscalizada, pagos pelo Tesouro do Estado mediante requisição do comandante e por meio do tesoureiro que precisava prestar contas da solicitação, apresentando em até trinta dias os documentos comprovativos911. 5.6.2 Espaço de experimentação e o direito de aposentadoria. Além dos contratos com particulares que a banda da polícia manteve durante todo o Império e Primeira República e cujos valores pagavam os instrumentistas extras que aí existiam em boa parte desse período, outra explicação para o número superior de músicos em relação ao fixado como efetivos era que alguns deles também trabalharam gratuitamente. Podemos relembrar o caso de Manoel Rodrigues de Souza Magalhães que trabalhou de graça na banda da polícia no ano de 1873, auxiliando o mestre de música João Moreira da Costa nos ensaios e provendo a banda com suas composições, sendo esta situação conhecida e consentida pelo comandante da polícia. É o próprio oficial quem menciona o trabalho gratuito de Magalhães em seu relatório para o governo da província no ano de 1873912. As vantagens para Magalhães eram muitas, afinal ele tinha acabado de voltar da Alemanha onde frequentou o conservatório de Lübeck913. Neste país, havia um considerável número de conjuntos musicais, com toda sorte de formações instrumentais, de repertório, lojas de música e luthiers. Em Fortaleza o jovem compositor viu na banda da polícia uma oportunidade, um espaço mais favorável para poder experimentar suas composições, visto que a cidade não dispunha nessa época de outro grupo estável e contínuo, com instrumentos de sopro tão “modernos”. Seu interesse na banda com certeza era de experimentação, um espaço propício para aplicação dos 911 Do Conselho de Administração. Decreto nº568 de 15 de abril de 1932 dando nova organização a Força Publica do Estado. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio, de 2 de janeiro a 30 de junho de 1932 (ns 439 a 654). Recife: Imprensa Official, 1933, p.171-173. 912 Relatório do commandante do Corpo de Policia José Nunes de Mello anexo a Falla do presidente da província do Ceará Francisco de Assis Oliveira Maciel, 07 de julho de 1873, Muzica, p.2. 913 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151. 218 conhecimentos musicais adquiridos na Europa, um lugar para desenvolver suas habilidades de compositor e regente, aptidões que ele deu continuidade nos anos seguintes em Fortaleza, continuando a compor e vindo a reger a orquestra do Teatro S. Luiz914. O trabalho gratuito exercido por Magalhães foi uma situação passageira, visto que, do mês em que o comandante da polícia reportou a situação, em julho de 1873, até o momento em que ele assumiu o posto de alferes, em setembro do mesmo ano, passando antes pelo cargo de 1º sargento, Manoel Magalhães começou a receber soldo referente, pelo menos, ao último cargo. A comprovação está no fato do comandante dizer que o posto de alferes estava “vago” e que por isso, nomeou-o “por ato” para o lugar915. A referência à vacância do cargo comprova que esse posto fazia parte do quadro de efetivos da Força e, como tal, possuía soldo correspondente previsto em lei. Trabalhar na banda da polícia, além de ser um espaço de experimentação musical aos jovens compositores ou um espaço de aprendizagem para os interessados em estudar instrumentos de sopro, mostrou-se também ser um lugar onde os músicos podiam exercer a sua arte num emprego de rendimento fixo como funcionário público e com possibilidades de uma aposentadoria futura. Numa cidade onde não havia escolas de música e onde os professores de instrumento, de uma maneira geral, só trabalhavam por conta própria, poucos em escolas de ensino particulares, a banda da polícia despontou como um emprego vantajoso pela concessão da aposentadoria. Havia duas possibilidades de acesso à banda do corpo policial cearense: como praça contratada ou como praça de fileira. Porém, observando os músicos que se aposentaram pela corporação policial, essa condição se mostrava indiferente para a concessão da aposentadoria. O que era mais relevante para que o músico pudesse se aposentar pelo governo era que ele cumprisse alguns requisitos listados na lei em vigor no período específico de entrada do pedido. O regulamento de 1873 dispôs que os oficiais e praças seguiriam em matéria de reforma e aposentadoria ao que já estava disposto na lei nª465, de 26 de agosto de 1848916. Isso significava dizer que todos os que trabalhavam no corpo de polícia eram considerados empregados provinciais com os mesmos direitos dos funcionários públicos civis. Durante o Império dois músicos da banda da polícia pediram aposentadoria segundo o disposto na lei de 1848: o mestre de música João Moreira da Costa e o músico 914 Idem. 915 Relatório do presidente da província do Ceará Joaquim da Cunha Freire, 13 de novembro de 1873, Corpo de Policia, p.9. 916 Lei nº 465 de 26 de agosto de 1848. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.54, Tomo II. 219 Petronillo Ferreira da Rocha. O primeiro pediu sua aposentadoria inicialmente no ano de 1882 tendo a Assembleia Provincial aprovado o pedido dentro do projeto que tratou do orçamento da província para o ano de 1883, aposentando-o por impossibilidade física de servir e com soldo por inteiro, já que contava com 28 anos de serviço917. Em ofício datado em 26 de novembro de 1883 ao comandante, João Moreira da Costa foi readmitido com mestre de música da banda da polícia por pedido do próprio músico918. Em 1889, o jornal Constituição noticiou que João Moreira da Costa tinha sido declarado aposentado por ato do dia 10 de outubro do corrente ano, com ordenado de 900$000 réis anuais correspondendo a 27 anos, seis meses e quatro dias de serviço919. No processo de João Moreira ocorreu que ele foi declarado aposentado em definitivo apenas em 1889, mas a contagem de seus anos de serviço era referente ao seu primeiro pedido de aposentadoria. Conforme publicou o jornal Libertador, o mestre de música foi aposentado segundo o artigo 2º da lei nº465 de 26 de agosto de 1848, na qual era mencionado que o empregado receberia o ordenado por inteiro se tivesse trabalhado por 25 anos de serviço920. Se em 1882 o orçamento provincial mencionou 28 anos de serviço e a contagem final de 27 anos e alguns meses e dias que aparece em 1889 é praticamente a mesma, isso indica que o período em que ele pede readmissão no cargo de mestre de música e trabalha na banda não contou a mais para sua aposentadoria. Na realidade nem precisava, pois o que a lei prescrevia era a relação de se aposentar com ordenado por inteiro com o tempo mínimo de serviço de 25 anos e isso João Moreira da Costa já havia atingido desde 1882. Sobre o músico Petronillo Ferreira da Rocha, sua reforma foi baseada em “moléstia adquirida em serviço” segundo o que estava disposto nas leis anuais de fixação da Força921. Petronillo se reformou com ordenado anual de 182$500 réis922 por ofício enviado da parte da secretaria do governo ao major comandante da polícia, comunicando o ato da reforma no 917 Art.24º, §6 do Projeto nº59 que trata sobre o Orçamento Provincial de 1883. Gazeta do Norte, 06 de dezembro de 1882, p.4. 918 Cearense, 04 de dezembro de 1883, p. 1. 919 Constituição, 31 de outubro de 1889, p.2. 920 Libertador, 11 de outubro de 1889, p.2. A notícia menciona ainda o §6º do artigo 21º da lei nº1033 de 18 de setembro de 1882, cuja lei não foi localizada. É provável que esta lei apareça aqui somente para referendar o artigo da lei de 1848, “mantendo em vigor” a disposição mencionada. 921 “Art.9º - O Prezidente da Provincia fica autorizado a reformar o soldado que por molestia adquirida em serviço se tornar incapaz de continuar effectivamente, mandando-o primeiro inspecionar; com o soldo por inteiro, se contar mais de 16 annos de serviço, com a metade, se contar mais de 8, e com a quarta parte, se contar mais de 4, e isto independente de reclamação” (Lei nº 2006 de 04 de setembro de 1882, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 13, data: 1882-1883, APEC mantida em vigor pelo artigo 12º da Lei nº 2100 de 25 de novembro de 1885, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 14, data: 1884-1885, APEC). 922 RELATÓRIO do Presidente da Província do Ceará Miguel Calmon du Pin Almeida, 09 de abril de 1886, Corpo de Polícia, p. 15. 220 dia 13 de janeiro de 1886923 o qual recebeu aprovação da Assembleia Provincial com o parecer nº24 em sessão do 28 de outubro de 1886924. A Primeira República promulgou novas leis de reforma e aposentadoria que afetaram a Força Militar de Polícia. A primeira promulgada em 1894 manteve em muitos aspectos o mesmo teor da lei de 1848. Na primeira década da República dois músicos conseguiram suas aposentadorias. O terceiro músico que aparece referenciado como aposentado pela banda foi o contramestre Manoel Luiz de França Lima, no ano de 1890. Sua portaria menciona que ele foi reformado em 06 de junho como músico de 1ª classe por constar 25 anos de serviço na banda da polícia925. No período do governo de Nogueira Accioly (1896-1912) várias aposentadorias e reformas foram revistas, mesmo tendo sido aprovadas pelo Legislativo previamente. Essas revisões foram causa de notícia na primeira página do Jornal do Ceará que acusava o presidente do estado de abuso de poder, de desrespeito à lei e violação aos direitos individuais926. A primeira revisão aconteceu no ano de 1894927 englobando o período de 15 de novembro de 1889 a dezembro de 1892, revendo os processos de 17 funcionários, dentre eles o de França Lima. Na segunda, um processo de cunho mais escandaloso e autoritário, foi revista apenas 1 das 59 aposentadorias e reformas que se publicaram no período de 1896 a 1904. O jornal denunciava fortemente esse caso por se tratar de um funcionário que era desafeto do governo e que na ocasião atacava a administração pública pela imprensa, denunciando seus “crimes e malversações”928. A revisão dos 17 funcionários elencados dos anos de 1889 a 1892 foi sancionada pela lei nº124929 e portaria nº 20, ambas publicadas no mês de agosto de 1894930. A aposentadoria de Manoel Luiz foi aprovada “sem modificação” após o mesmo ter sido submetido a inspeção de saúde e julgado incapaz do serviço931. 923 Minuta de Ofício nº141 de 13 de janeiro de 1886. MINUTAS de ofícios, Fundo Governo da província do Ceará, Caixa 110, Livro novo 61, Livro antigo 326-B, APEC. 924 Cearense, 29 de outubro de 1886, p.2. 925 Libertador, 07 de junho de 1890, p.2. 926 Jornal do Ceará, 22 de maio de 1907, p.1. 927 Em 1894 Nogueira Accioly era vice-presidente do estado, sendo o presidente Bezerril Fontenelle, a quem substituiu. 928 Jornal do Ceará, 22 de maio de 1907, p.1. 929 Lei nº124 de 03 de agosto de 1894. Jornal do Ceará, 22 de maio de 1907, p.1. 930 Relatório do coronel Valdemiro Moreira, secretario dos Negócios da Justiça do Ceará em 19 de junho de 1895 anexo a Mensagem do presidente do estado do Ceará Coronel Dr. José Freire Bezerril Fontenelle, 01 de julho de 1895, p.182. 931 “Foram aprovadas sem modificação por se acharem de accordo com as disposições legaes e vigor ao tempo em que se realisaram, e terem os cidadãos a que se referiam satisfeito totalmente as formalidades da lei por ocasião da aposentadoria, ou completado na revisão, as de: 1º Manoel Luiz de França Lima, contra- mestre da musica do extincto corpo de policia, tendo sido em consequencia de revisão de sua reforma, submettido a inspecção de saùde e julgado incapaz do serviço (acto de 24 de setembro do anno passado)” (Idem, p.182-183) 221 Logo depois de Manoel Luiz, Pedro Gomes do Carmo foi aposentado, em 1891, como contramestre do Corpo de Polícia, tendo trabalhado quase 17 anos na banda932. Em seguida, o músico Antonio Miguel Eustaquio foi reformado por lei juntamente com mais 6 policiais, como músico de 1ª classe, recebendo o ordenado anual de 534$550 réis933. Eustaquio foi empregado da província e depois do estado por, pelo menos 14 anos, partindo como marco inicial o ano do pedido de ressarcimento da dívida em 1880 mencionado em despacho do governo934 até a data de publicação de sua aposentadoria em 1896. A lei de 1907 foi direcionada exclusivamente para legislar sobre as reformas e aposentadorias de oficiais. Essa lei não teve quase nenhuma repercussão nos músicos da banda já que neste período eles não possuíam oficiais nem patentes em seus quadros. Exceção para o ex-mestre de música, João Francisco Gomes, que se aposentou como alferes no ano de 1907935 e para o 1º Sargento mestre de música José Augusto Pinto dos Prazeres, aposentado em 1920936. Com a nova lei de reorganização da Força, publicada em novembro de 1918937, os oficiais e praças voltaram a ser equiparados aos funcionários públicos civis938. Neste ínterim cinco músicos foram reformados sem que tenhamos mais informações sobre seus processos. Foram eles: José Gomes do Carmo, músico do Regimento Militar em 1915939, João Pinto Cavalcante, músico do Batalhão de Segurança, cerca de 1918940, Francisco de Souza Leite, músico de 1ª classe da polícia, cerca de 1919941, Luiz de Souza Cordeiro, músico do Regimento Militar, cerca de 1920942 932 Cearense, 21 de novembro de 1891, p.2. 933 Projeto nº4 sancionado e publicado como lei em 29 de julho de 1896, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 24, data: 1896, APEC. 934 Ofícios do Governo da Província ao Comandante da Polícia com requerimentos despachados, 27 de maio de 1882, Cearense, 31 de maio de 1882, p.1-2. Ofícios do Governo da Província ao Comandante da Polícia com requerimentos despachados,03 de junho de 1882, Cearense, 11 de junho de 1882, p.1. 935 Almanack do Ceará para 1914. Fortaleza: Typogravura A.C. Mendes, 1914, p.132 (CD-ROM). 936 1º Sargento mestre de música José Augusto Pinto dos Prazeres. Livro dos Múzicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 937 Lei nº1642 de 08 de novembro de 1918 apud BARBOSA, C.H.M., op. cit. 2014, p.119. 938 BARBOSA, op. cit. 2014, p.119. 939 ALMANACH [Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1916]. Fortaleza:[s.ed], 1916, p.86 (CD-ROM). 940 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1918. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1918, p.51, 21º anno (CD-ROM). 941 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1919. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1919, p.111, 22º anno (CD-ROM). Utilizamos a palavra “cerca” porque não podemos precisar a data oficial da aposentadoria. Damos como referência a data da publicação de sua aposentadoria pelo ano do 1º Almanaque que saiu o seu nome na seção dos reformados. 942 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1920. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1920, p.114, 25º (sic) anno (CD-ROM). 222 e Antonio Pereira da Silva, músico de 1ª classe da polícia, cerca de 1921943. Nos últimos anos da Primeira República mais quatro músicos pediram aposentaria também sem maiores informações sobre seus processos: José Pereira da Silva, como músico, reformado por Lei nº 2724 de 04 de Outubro de 1929; Antonio Rodrigues da Silva, soldado músico de 1ª classe, reformado administrativamente por Decreto nº 673 de 12 de Julho de 1932; Alcides Medeiros Raposo, soldado músico de 1ª classe, reformado administrativamente por Decreto nº 706 de 3 de Agosto de 1932; Manoel Fernandes de Carvalho, músico de 1ª classe, reformado administrativamente por Decreto nº 706 de 3 de Agosto de 1932. O número de aposentados que localizamos foi, portanto, de 16 músicos, quantidade que representa menos de 10 % do total dos músicos que listamos944. Esse baixo quantitativo ajuda a fortalecer o argumento de que a alta rotatividade existente dentro da banda de música gerou uma curta permanência dos músicos no grupo, impedindo que eles pudessem ser incluídos no requisito de tempo mínimo de trabalho necessário para poderem se aposentar como empregados públicos. Mesmo assim, para um grupo reduzido de músicos, a banda policial mostrou ser um atrativo de emprego, principalmente num período onde não haviam escolas de música públicas ou particulares em Fortaleza945 que pudessem acolher esses artistas. Para alguns, a banda foi espaço para construção de uma “carreira musical”, como foi o caso do cearense José Augusto Pinto dos Prazêres. Ele foi assentado na polícia como menor aprendiz no ano de 1897, quando tinha 11 anos, passou pelas três classes de músico, chegou a ser 1º sargento mestre de 943 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1921. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1921, p.109, 26º anno (CD-ROM). 944 A lista dos músicos que levantamos foi feita a partir das fontes em jornais, livros dos memorialistas, documentos administrativos localizados na APEC, Livro dos Músicos e de Assentamentos disponíveis no Instituto Histórico Militar da PMCE. 945 A primeira escola de música da cidade de Fortaleza foi fundada em 19 de julho de 1919 por Henrique Jorge e chamava-se “Escola de Música Alberto Nepomuceno” A segunda escola de música a ser fundada foi a “Escola de Música Carlos Gomes” em 04 de março de 1928 sob a direção artística inicial de Luigi Maria Smido e, posteriormente, de Edgard nunes e Euclides da Silva Novo. (ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1922. Director: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Gadelha, 1922, p.192 (CD-ROM); ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1929. Director: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 1928, p.58, 34º anno (CD-ROM); ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1930. Director: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 1930, p.73, 35º anno (CD- ROM)). 223 música, vindo a se aposentar por incapacidade física, em 19 de abril de 1920, após ter trabalhado 23 anos na polícia. Sua trajetória será analisada no próximo capítulo946. 946 1º Sargento Mestre de Música José Augusto Pinto dos Prazêres. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 224 6 A IDENTIDADE MUSICAL DA BANDA DE MÚSICA DA POLÍCIA No seu trabalho sobre música e o exército britânico, Trevor Herbert e Helen Barlow utilizam o conceito de “identidade musical” com o intuito de capturar um cluster de temas que contribuem para que a música militar seja compreendida como um fenômeno musical com especificidades próprias947. Para os autores, os desfiles e as paradas militares, a adoção de uniformes com sua multiplicidade de cores e divisas empregadas, representativas de diferentes hierarquias, a identificação de um som específico das bandas representadas na execução dos gêneros de marchas e dobrados, foram identificadores que surgiram e se associaram ao aspecto do “militarismo”. Porém, a redução das características das bandas militares a termos “marciais” é, para eles, uma compreensão limitadora. A identidade sonora da música militar foi construída por um “número de componentes chave”: os instrumentos usados, a combinação destes instrumentos que resultou na formação de diferentes tipos de conjuntos, os repertórios tocados e a maneira como estes repertórios foram executados948. Os autores relacionam ainda a identidade sonora das bandas com os músicos que as integraram, suas trajetórias pessoais, seu perfil social e suas relações com a sociedade949. Neste capítulo, iniciamos a análise da “identidade musical” da banda policial a partir dos músicos que integraram o grupo musical da Força Militar de Polícia do Ceará e discutindo de que forma eles atuaram dentro da banda e na cidade. A escassez de informações sobre quem eram os músicos da banda, levaram-nos, num primeiro momento deste capítulo, a escrever pequenas “biografias” dos membros mais significativos da banda. Dessa forma, ficou mais fácil compreender como as trajetórias pessoais desses músicos se conjugaram com o percurso da banda da polícia e como suas atuações contribuíram para o impacto da banda da polícia na sociedade e na vida cultural da cidade de Fortaleza na segunda metade do século XIX e início do século XX950. Em seguida, analisaremos os locais e os eventos onde o grupo musical atuou e a recepção que obteve em torno de suas atuações e composições. Na última parte do capítulo, discutimos a 947 HERBERT, Trevor; BARLOW, Helen. Chapter 4 – Musical Identities and infrastructures 1770-1857. In: Music & The British Military in the long Nineteenth Century. New York: Oxford University Press, 2013, p.82-103. 948 Idem, p.82. 949 REILY, Suzel Ana; BRUCHER; Katherine. Brass Bands of the world: militarism, colonial legacies, and local music making. England: Ashgate Publisnhing Limited, 2013. 950 Para a metodologia de biografias conferir: COWMAN, Krista. Collective biography. In: GUNN, Simon; FAIRE, Lucy (ed.). Reseach Methods for History. United Kingdom: Edinburgh University Press, 2012, p.83-100. 225 formação instrumental da banda da polícia em suas diferentes fases, recorrendo para esta reflexão às fotografias da banda da polícia e às partituras do acervo. O objetivo desta parte é localizar a origem deste material e suas características de fabricação. Dessa forma é possível compreender a importância destes instrumentos para a polícia e para a cidade de Fortaleza enquanto símbolos da modernidade e do progresso, relacionando o seu uso com o âmbito da circulação mundial de instrumentos de sopro que se intensificou neste período. 6.1 MÚSICOS: PERFIS E CARREIRAS 6.1.1 Mestres de música e contramestres A primeira disposição da banda de música da polícia publicada pela lei de 1856 estabeleceu inicialmente uma organização do grupo num formato básico de 1 mestre de música e 15 músicos951, sem maiores subdivisões, seguindo o mesmo estabelecido para a organização das bandas da Guarda Nacional e do Exército952. Apenas no regulamento de 1873 e seguintes é que se começou a estabelecer uma divisão e descrição das funções da banda e de seus integrantes. No topo da hierarquia da banda encontrava-se o mestre de música, um músico nomeado pelo comandante do Corpo de polícia durante o período do Império seguindo o disposto nos regulamentos de 1864 e 1873953. Mesmo tendo o regulamento de 1873 previsto que a nomeação para este cargo pudesse ser feita dentre os inferiores, o que se observou de fato durante o Império é que este cargo foi ocupado sobretudo por civis contratados. Durante a Primeira República, com o estabelecimento das patentes 1º e 2º sargento para o mestre de música e contramestre respectivamente, o cargo passou a ser ocupado por meio de ascensão funcional, visto ser necessário que os dois maestros passassem por uma formação militar específica. Isto significa que o cargo seria ocupado por músicos policiais alistados, demonstrando que o conjunto não 951 Lei nº 775 de 20 de agosto de 1856. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.23-24, Tomo III. 952 Decreto nº 722, 25 de outubro de 1850. “Contem Instrucções para a execução da Lei nº602 de 19 de Setembro d’este anno que deo nova organisação á Guarda Nacional”. In: BRASIL, Collecção das Leis do Imperio do Brazil de 1850. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851, Tomo XIII, Parte II, p.194-219; Decreto nº 782 de 19 de abril de 1851. “Approva o plano da organização do Exercito em circumstancias ordinarias”. In: BRASIL, Colleção das Leis do Império do Brazil de 1851. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1842, Tomo XIV, Parte II, p.85-106. 953 Artigo 10º do Regulamento de 1864 apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.20; Artigo 20º do Regulamento de 1873. Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 226 necessitava contratar pessoas de fora dos quadros policiais contando com os seus músicos formados dentro da banda de música. No ano de 1889, o grupo contava com trinta e três anos de atividade. Esse número significava que a banda já tinha condições e experiência musical suficiente para formar um maestro saído do seu quadro de efetivos, sem necessidade de nomeações externas. As funções do mestre de música foram explicitadas nos regulamentos de 1873, 1894 e 1922 com alguns artigos semelhantes ou iguais entre si. Pelo regulamento de 1873 o mestre deveria “dirigir a música nos ensaios e em todas as ocasiões em que houver de tocar” cabendo ainda o dever de “ensinar” a música, deixando implícito o caráter de formação e aprendizagem no interior da banda. Sua função consistia ainda no preparar e apresentar, pelo menos, duas obras novas a cada mês, o que pressupunha um bom ritmo de ensaios e atividade musical. Para além das questões musicais, o mestre de música era também responsável por manter a disciplina militar dos seus “comandados”, podendo “prender” por ordem do Comandante os músicos que fossem omissos no cumprimento dos deveres, “vigiar o asseio e o comportamento dos músicos”, “a conservação dos uniformes e instrumentos”. Todos os músicos, até os civis contratados, deveriam andar uniformizados no interior do quartel e seguir as normas direcionadas para a banda. Quanto aos eventos externos, a licença para tocar era dada pelo comandante que incumbia o mestre de música da sua execução. Durante o Império a disciplina e ordem da banda era dada pelo mestre de música. Na Primeira República, esta tarefa foi delegada ao inspetor de música. O regulamento de 1894 estabeleceu que o mestre era responsável por fazer reduções de partituras e extrair suas partes, diminuindo a apresentação de música nova de duas para uma música954. A escala de serviço passou a ser feita por ele, sendo as questões concernentes à banda reportadas diretamente ao inspetor de música955. Um novo aspecto acrescentado à regulamentação interna da banda é que, além de cuidar da conservação dos uniformes e instrumentos da banda, o mestre também ficou responsável pela conservação dos armamentos e equipamentos956 mesmo estando a banda “dispensada de outros quaisquer serviços estranhos a mesma música”957. Esse ponto reforça a feição mais militar que a banda da polícia ganhou durante a Primeira República, mesmo não tendo 954 Artigo 108º, §4 do Regulamento de 1894. Jornal A República, 04 de maio de 1894, p.2. 955 Artigo 108º, §7 do Regulamento de 1894. Idem. 956 Artigo 108º, §2 do Regulamento de 1894. Ibidem. 957 Artigo 28º, §3 do Regulamento de 1894. Jornal A República, 20 de abril de 1894, p.1. 227 esta característica sido implementada de forma imediata. Por fim, o regulamento faz menção à necessidade do mestre de música acompanhar a banda em todas as ocasiões que ela fosse tocar, até mesmo nas festas particulares feitas por contrato, enfatizando a função do mestre de música de vigiar e controlar o comportamento dos músicos e a responsabilidade de dar parte de algum desvio dos mesmos ao inspetor958. A necessidade de inserir no regulamento uma norma que estabelecia expressamente sua presença nos eventos particulares sugere que ele esteve ausente em algumas ocasiões e por isso ocorreram desordens, especialmente com músicos embriagados. O excesso de álcool levou muitos músicos a serem detidos. Por isso, a presença obrigatória do mestre tinha o intuito de evitar que as indisciplinas ocorressem. A tarefa de “vigia” dos músicos devia ser assumida tanto pelo mestre quanto pelo contramestre, dependendo apenas de quem era o maestro responsável no dia do evento. Foi o caso, por exemplo, do contramestre Antônio Pinheiro Filho que ficou preso por quinze dias e foi rebaixado do posto por trinta por “não ter sabido impor a necessária disciplina” aos seus comandados em uma tocata realizada em Maranguape, quando muitos músicos se embriagaram e provocaram desordens959. No regulamento de 1922, o mestre de música não é mais denominado dessa forma e sim com a patente de “1º sargento músico”. O que se observa neste documento é uma maior inserção dos músicos na hierarquia e organização militar. As irregularidades cometidas pelos músicos nas formaturas, assuntos de disciplina, de uniformidade e compostura militar deveriam ser comunicadas ao Ajudante do Batalhão, a quem o 1º sargento músico passou a se dirigir960. Outra característica deste regulamento é o maior compartilhamento das tarefas do mestre de música com os músicos de 1ª classe. A responsabilidade de ensaiar e ensinar o pessoal da banda e a tarefa de ensinar aos aprendizes passou a ser um dever dividido entre o 1º sargento músico e os de 1ª classe. A função do mestre de música passou a ser mais de chefia e fiscalização das atividades, como por exemplo a escolha dos soldados que ele considerasse aptos para serem aprendizes de música, indicando seus nomes ao Ajudante961. Outra função do mestre era a de distribuir os aprendizes pelas diferentes turmas, fiscalizando sua instrução962. 958 Artigo 108º, §3 do Regulamento de 1894. Jornal A República, 04 de maio de 1894, p.2. 959 2º Sargento Contra Mestre Antonio Pinheiro Filho. Livro dos Músicos - 1917-1922, folha 161, documento não catalogado, IHPMCE. 960 Artigo 57º item 4 do Regulamento de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série Regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 961 Artigo 57º item 3 do Regulamento de 1922. Idem. 962 Artigo 57º item 1 do Regulamento de 1922. Ibidem. 228 Musicalmente, o documento era mais exigente nos requisitos necessários para se ocupar este cargo, estabelecendo que o indivíduo escolhido deveria “conhecer bem música” e saber tocar pelo menos um instrumento963. Um atributo comum aos mestres de música que passaram pela banda da polícia, não explicitado nos regulamentos e destacado principalmente nos jornais do período imperial, era o fato de eles serem compositores. Todos os que passaram por este cargo durante o século XIX possuíam essa característica. Não era um requisito principal, uma vez que o mais importante para a execução do trabalho no dia a dia era saber fazer transcrições e cópias, tocar mais de um instrumento e formar novos instrumentistas, mas era um aspecto claramente valorizado pela instituição. Ensaiar ou tocar eram elementos mais fundamentais na lida diária do que compor, sendo talvez esse o motivo de não ter sido incluída esta característica nas prescrições dos regulamentos. A expectativa de que o mestre de música fosse capaz de arranjar música, adaptando-a para os recursos da banda, tivesse um bom conhecimento musical, tocasse mais de um instrumento, fosse capaz de ensinar e formar os músicos da banda foram atributos que se incorporaram na pessoa do mestre de música, não somente na banda da polícia cearense, mas na esfera das bandas militares brasileiras e estrangeiras, a citar a do exército britânico. Herbert e Barlow destacam nas bandas militares britânicas, além dos atributos acima referidos de arranjador, professor e instrumentista polivalente, a capacidade do bandmaster de ensinar teoria musical, possuir conhecimento do repertório e de ter uma “eficiente musicalidade”964. No caso cearense os pontos acima listados eram bastante desejados visto que o mestre supria a carência de professores das modalidades de sopro e percussão e a ausência em Fortaleza de escolas especializadas para o ensino e formação de instrumentistas de banda. Segundo Pedro Veríssimo, o primeiro maestro da banda da polícia foi Joaquim Manoel Borges965, embora não tenhamos localizado nenhuma documentação referente a banda policial que confirme sua presença. Seu nome antes de 1860 era Joaquim José dos Prazeres Macaco, tendo mudado para Joaquim Manoel Borges Macaco em fevereiro de 1860966. Depois de retornar do Rio de Janeiro, na década de 1870, passa 963 Artigo 57º do Regulamento de 1922. Ibidem. 964 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 133. 965 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p. 151. Pedro Veríssimo não menciona o sobrenome Macaco no seu texto talvez como um reflexo da omissão deste sobrenome feita pelos jornais a partir da década de 1880, sem que se saiba se isto foi uma opção do próprio Joaquim Borges ou dos redatores. 966 O Sol: jornal litterario, politico e critico, 23 de fevereiro de 1860, p.4. 229 a excluir o sobrenome “Macaco”. A questão da mudança de nome de Joaquim Borges é interessante porque sugere mudanças de identificação não só pessoal, mas principalmente, na identificação do que ele deseja que o “outro” tenha dele. A presença do termo “macaco” no sobrenome poderia indicar que Joaquim fosse filho mestiço de negro com índia967, ou mesmo, a indicação de uma “alcunha” dada em tempos em que supostamente tenha sido escravo968. É mais provável que Joaquim Borges fosse um homem miscigenado, e como vários outros “mestiços” neste período anterior a abolição dos escravos, dedicava-se a música. Em Fortaleza, destacou-se como professor e mestre de música da banda do Colégio dos Educandos nos interstícios de 1857-1959 e 1861-1864. O fato de ter conseguido um empréstimo do governo para estudar música no Rio de Janeiro, em 1860, e ainda receber seus vencimentos de professor, demonstra reconhecimento por suas habilidades como músico. Joaquim tinha bom conceito na cidade, pois estava relacionado na lista dos eleitores de Fortaleza969. Porém, em 1864, foi condenado por crime de tentativa de roubo e ofensa física em Fortaleza e novamente seguiu para o Rio de Janeiro para cumprir a pena970. Recebeu o perdão do restante da sentença em 1872, retornando a Fortaleza para trabalhar por conta própria como professor de música particular971. Foi nessa época que excluiu o sobrenome “Macaco”, talvez para apagar a relação da “criminalidade” com a questão da “cor” da pele, uma ligação carregada de preconceito. Nos anos seguintes ao seu retorno, para além de ter se dedicado ao comércio de instrumentos e material de música972, lecionou música no Instituto de Humanidades973. Como outros mestres de música da banda da polícia que veremos a seguir foi compositor e arranjador, tendo escrito uma Variação para oficleide da cavatina da ópera Il Crociato in Egitto de Giacomo Meyerbeer (1791-1864), em que ele mesmo tocou oficleide durante a apresentação no Teatro Público974. Arranjou a cavatina da ópera Anna La Prie975 de 967 LOPES, Nei. Novo Dicionário Banto do Brasil contendo mais de 250 propostas etimológicas acolhidas pelo Dicionário Houaiss. Rio de Janeiro: Pallas, 2003, p. 228 apud PAIVA, op. cit., 2012, p.20, NR.11. 968 Eduardo França Paiva cita um exemplo encontrado no inventário de bens de Mathias da Costa Homem da fazenda do Caxambu em Minas Gerais, no ano de 1763, em que um dos seus 26 escravos se chamava “Miguel nação Congo, por alcunha macaco” (PAIVA, op. cit., 2012, p.173). 969 Pedro II, 18 de agosto de 1863, p.2. 970 Pedro II, 14 de abril de 1872, p.2. 971 ALMANAK Administrativo, Mercantil e Industrial da Província do Ceará para o anno de 1873. Editado por João Baptista Pereira. Fortaleza: [s.n.], 1873, p.461, Segundo Anno. 972 Cearense, 19 de julho de 1876, p.4 973 Cearense, 14 de dezembro de 1881, p.4 . 974 Pedro II, 02 de outubro de 1861, p.4. 975 Ópera sem informações sobre o autor. 230 Vincenzo Battista (1823-1873) tocada no Teatro Público em Fortaleza como prólogo para o espetáculo seguinte encenado pela Companhia de Antônio José Duarte Coimbra976. Seu substituto na banda da polícia pode ter sido Antônio José Correia, mencionado durante as discussões dos deputados da Assembleia Provincial em 1862 como mestre de música da polícia977. Natural do Maranhão, com um trabalho musical a frente da banda do Colégio dos Educandos desta província. Como mestre de música da polícia seu trabalho não parece ter sido dos melhores visto ter sido criticado por um dos deputados como sendo a música da polícia neste período um “perfeito batuque”978. O mestre de música seguinte sobre o qual temos conhecimento é João Moreira da Costa. Como mencionamos anteriormente, João Moreira parece ser um músico branco, “qualidade” minoritária na banda da polícia, formada principalmente de miscigenados979. Levando em consideração que Joaquim Manuel Borges era um sujeito miscigenado, que teve uma trajetória marcada por “criminalidade” e que Antônio José Correia podia ser um negro ou afrodescendente (visto ter nascido no Maranhão, província com alta incidência de negros) e a ligação da música feita por ele na polícia ser um “perfeito batuque”, relacionado com uma sonoridade de origem africana, a escolha de um mestre de música branco poderia significar que o comando queria corrigir os “defeitos” (seja por causa da “cor” e do passado de desvios da lei, seja pela falta de competência musical) que os antigos mestres apresentaram. O ato do governo do dia 10 de outubro de 1889, que sancionou a aposentadoria de Moreira da Costa informa-nos que ele foi reformado com o tempo de serviço de 27 anos, 6 meses e quatro dias de serviço980. Fazendo os cálculos retroativos, é possível afirmar que Costa entrou na banda em maio de 1854. Aceitando- se que Joaquim Borges e Antonio Correia tenham sido mestres de música nos respectivos anos mencionados, isto implica dizer que João Moreira da Costa foi membro da banda em 1854 como músico e que o grupo da polícia já existia antes do início de suas atividades formais iniciadas no ano de 1855. Outra possibilidade é que ele tenha trabalhado em outro serviço como empregado provincial antes da banda, situação que faria com que entrasse para a contagem de tempo em sua aposentadoria. Ou ainda, que os anos de inatividade da banda não foram contados e seu tempo de serviço na guerra serviu para computar para 976 Pedro II, 26 de setembro de 1861, p.4. 977 Pedro II, 14 de novembro de 1862, p.1. 978 Pedro II, 14 de novembro de 1862, p.1. 979 Conferir a Figura 1 do anexo A. 980 Gazeta do Norte, 07 de novembro de 1889, p.1. 231 sua aposentadoria, o que situaria a sua entrada na banda no ano de 1856981. Em qualquer uma dessas possibilidades, a situação de João Moreira da Costa indica que ele era “praça músico” da banda antes de ser mestre de música. Esta situação o colocava no nível dos membros “inferiores” da polícia, posição que o permitia ser indicado pelo comandante para ser o mestre de música, segundo o regulamento de 1873982. A questão da escolha pela “qualidade” do indivíduo neste caso é apenas uma suposição, como mencionamos no capítulo 4. Afinal, a presença de pardos como contramestres, a exemplo de Pedro Gomes do Carmo, que assumiu o lugar de Moreira da Costa como mestre de música em algumas ocasiões, foi também uma realidade dentro da banda policial cearense. A estrutura da banda da polícia no Império, sem uma formalização clara sobre suas promoções internas, acabou ajudando para que Costa permanecesse no cargo por dezessete anos, contados a partir do retorno do grupo em 1871. Foi o músico da banda da polícia que mais tempo permaneceu neste posto. A escolha dele para ocupar o cargo não pode ser reduzida ao aspecto de sua “qualidade” de homem branco. No levantamento de sua trajetória musical ele demonstra que possuía habilidades para ocupar o lugar de mestre de música. A informação sobre a sua formação musical é quase inexistente, sendo provável que tenha estudado com os professores de música que moravam na cidade ou que circularam por Fortaleza. Foi um músico civil ativo, tanto na função de maestro da banda da polícia como fora dela. Foi, por exemplo, responsável pelo ensaio da parte musical nas representações do drama marítimo de J. L. de Claranges Lucotte, A Filha do Mar, com música de Pedro Augusto, montada pela Companhia Dramática de Rodrigues Sampaio no Teatro São Luiz em Fortaleza em 1881983. A sua atividade como compositor foi bastante profícua984, escrevendo obras que foram tocadas pelo grupo da polícia, como Bello Sexo, uma valsa “brilhante” para banda escrita em homenagem ao sexo feminino. Esta composição recebeu muitos elogios no jornal Gazeta do Norte como uma peça “que não fica aquém das musicas europeias”, merecedora de palmas reservadas somente aos gênios985. A marcha militar denominada Marcha, tocada em 1884986, a valsa Club 981 A primeira referência de João Moreira da Costa ligado à corporação policial aparece somente no ano de 1865 quando ele foi dispensado do serviço da música por ter se alistado como “voluntários da pátria” para a Guerra do Paraguai. Antes disso, não é possível afirmar que João Moreira da Costa tenha integrado a banda da polícia (Ofício do dia 13 de fevereiro de 1865 ao comandante de polícia. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 82, APEC). 982 Artigo 20º do Regulamento de 1873, Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 983 Gazeta do Norte, 01 de janeiro de 1881, p.4. 984 Libertador,14 de maio de 1887, p.2. 985 Gazeta do Norte, 12 de julho de 1885, p.3. 986 Libertador, 19 de abril de 1884, p.2. 232 Cearense, dedicada ao clube homônimo, executada pela primeira vez com a banda da polícia no ano de 1885987 e a valsa Separação, de 1887988, foram todas apresentadas no Passeio Público de Fortaleza. Escreveu Perseverança e porvir, um schottish para piano, composto para a sociedade libertadora do mesmo nome que, segundo o redator do jornal, foi se propagando pelos músicos amadores989. Em parceria com o padre José Maria Mantéro, musicou a letra do hino D. Joaquim em homenagem ao bispo do Ceará D. Joaquim José Vieira990. Compôs ainda a polca Cavalleiros do Prazer para banda tocada em concerto beneficente no Teatro São José em favor da compra de instrumentos para a orquestra Santa Cecília regida pelo maestro Manuel Magalhães, músico que falaremos adiante991. Dirigiu em conjunto as bandas da polícia e do exército quando tocaram o Hymno Republicano Cearense, composição de Manuel Magalhães em homenagem a proclamação da República em 1889992. Não foi possível localizar nenhuma partitura com as obras de Moreira da Costa. Existe apenas um comentário no jornal Gazeta do Norte sobre sua valsa brilhante Bello Sexo em que o redator descreve a introdução “arrebatadora” da música, uma segunda parte de “andamento retardado” e uma terceira parte de “delyrantes harmonias”993. A opção pela forma “valsa” e sua estrutura tripartida denuncia a escolha de um modelo que foi bastante popular no século XIX994. As composições elencadas de João Moreira da Costa o caracterizam como um compositor de danças de salão, hinos e músicas militares que supriu as necessidades de produção e entretenimento local, situação bastante comum e em vigor em outras partes do mundo. Nos relatos dos jornais, João Moreira da Costa é descrito como “hábil professor”995, “distinto mestre do corpo de polícia”996, “inteligente maestro”997, entre outros adjetivos. Parece ter mantido uma boa relação com os músicos da banda. João Caetano Maciel, ex-músico da polícia que mudou- se para Belém em 1884 agradeceu em carta publicada na imprensa local as “maneiras 987 Cearense, 17 de maio de 1885, p.1. 988 Libertador, 14 de maio de 1887, p.2. 989 Cearense, 19 de março de 1881, p.1. 990 Libertador, 17 de maio de 1884, p.2. 991 Cearense, 24 de novembro de 1880, p.4. 992 Libertador, 21 de novembro de 1889, p.3. 993 Gazeta do Norte, 12 de julho de 1885, p.3. 994 “[…] the most popular ballroom dance of the 19th century” (LAMB, Andrew. Waltz (i). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 02 abr. 2017). 995 Gazeta do Norte, 18 de julho de 1885, p.1. 996 Gazeta do Norte, 01 de janeiro de 1881, p.4. 997 Cearense, 17 de maio de 1885, p.1. 233 atenciosas e delicadas” que o “muito digno maestro” Moreira da Costa dispensou a ele durante os cinco anos em que serviu a banda da polícia do Ceará998. Nos anos de 1873 e 1874, outro maestro trabalhou com Moreira da Costa na banda da polícia. O cearense Manoel Rodrigues de Souza Magalhães foi pianista, violinista, professor de música, compositor e regente com um percurso profissional na cidade de Fortaleza entre 1870 e 1910. Antes disso, estudou música no Conservatório de Lübeck, na Alemanha999, tendo retornado para o Ceará por volta do ano de 1873. Sua passagem pela banda da polícia foi curta e parece ter sido motivada pela possibilidade de colocar em prática seu aprendizado adquirido na Alemanha. Em comum com a maioria dos músicos da banda da polícia está sua infância pobre e seu gosto pelo estudo da música1000. No primeiro semestre de 1873 ano passou a auxiliar o maestro Moreira na banda da polícia, compondo para este grupo de forma gratuita e sem receber qualquer patente1001. Em setembro de 1873, no entanto, aparece referenciado como 1º sargento e já ascendendo ao posto de alferes1002. No ano seguinte, o comandante da polícia menciona no seu relatório que a direção da banda estava sob a responsabilidade do alferes Magalhães dividida com o mestre Moreira da Costa1003. A última referência de Magalhães ligado ao Corpo de Polícia aparece em abril de 1875, requerendo o pagamento de ajuda de custo de sua volta da cidade de Maranguape1004. Após sair da banda manteve-se bastante ativo como músico na cidade, criando e regendo a partir de 1880 a orquestra de cordas Santa Cecília. Com esta orquestra fez um concerto beneficente para compra de 998 Libertador, 08 de novembro de 1884, p.2. 999 VERÍSSIMO, op.cit., 1954, p.151. 1000 Libertador, 16 de outubro de 1884, p.2. 1001 Relatório do commandante do Corpo de Polícia José Nunes de Mello em 25 de junho de 1873 anexo a Falla do presidente da província do Ceará Francisco de Assis Oliveira Maciel, 07 de julho de 1873, Muzica, p.2. 1002 Relatório do presidente da província do Ceará Joaquim da Cunha Freire, 13 de novembro de 1873, Corpo de Policia, p.9. 1003 Relatório do commandante do Corpo de Polícia José Nunes de Mello em 15 de junho de 1874 anexo a Falla do presidente da província do Ceará Barão de Ibiapaba, 01 de julho de 1874, Musica, p.3. 1004 Jornal Constituição, 07 de abril de 1875, p.2. As referências a outros trabalhos não musicais que Manoel Rodrigues Magalhães empreendeu apontam que ele foi suplente de vereador pelo 2º distrito da Freguesia de Santa Quitéria (noroeste do Ceará), na povoação da Barra do Macaco, e que assumiu o posto de subdelegado de polícia pelo distrito de Jardim (região sul do Ceará) em abril de 1885, sendo exonerado em novembro do mesmo ano. Lecionou o idioma alemão no Liceu do Ceará e na Escola Militar, nesta como professor interino. Traduziu a lenda popular alemã O rochedo de Hans Heiling para o jornal República que o publicou de forma seriada na seção Folhetim (Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial da Província do Ceará para o anno de 1873. Edictor João Batista Vieira. Fortaleza: [s.l.], 1973, p.275, segundo anno; Cearense, 30 de abril de 1885, p.2; Cearense, 15 de novembro de 1885, p.2; A República, 26 de julho de 1894, p.2; VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151). 234 novos instrumentos1005 fazendo o concerto de estreia oficial do grupo em 18821006. Com a orquestra Santa Cecília participou durante toda a década de 1880 em várias apresentações em diferentes espaços, como comemorações de datas religiosas nas Igrejas, eventos em clubes e no Teatro S. Luiz1007. Dirigiu outra orquestra no Teatro São Luiz e, segundo Pedro Veríssimo, organizou diversas bandas particulares, dentre elas a dos empregados do comércio chamada Club Philarmonico de Amadores1008. Foi responsável pela organização de concertos musicais no Club Iracema, reunindo músicos em formações instrumentais distintas1009. Compôs peças para piano solo, piano a quatro mãos, orquestra de cordas e banda1010. Mesmo depois de ter saído da polícia, Magalhães continuou compondo peças para banda de música que foram tocadas pelo grupo da polícia. Exemplo disso é a batalha musical Um assalto á noite, tocada em 1880 no concerto beneficente no Teatro São José para a compra dos instrumentos da orquestra Santa Cecília1011. Manuel Magalhães era um compositor versátil escrevendo para formações instrumentais distintas. Um exemplo interessante dessa sua faceta são as três composições que fez para a sociedade Reform Club, as três com título homônimo, em gêneros diferenciados: uma valsa para piano com uma versão para orquestra de cordas, uma polca sem indicação de instrumentação e um hino escrito para banda e executada pela polícia no Passeio Público em 18841012. O mestre de música recebeu um auxiliar chamado de contramestre. Ele apareceu pela primeira vez com cargo e soldo associado no ano de 1877 permanecendo até 1889, desaparecendo logo no início da instalação da República. No interstício de 1894 a 1912, o posto voltou a constar nas leis estaduais e em seguida desapareceu de vez. A 1005 Cearense, 24 de novembro de 1880, p.4. 1006 Constituição, 05 de março de 1882, p.1. 1007 Cearense, 18 de março de 1882, p.2; Gazeta do Norte, 07 de dezembro de 1886, p.1; Cearense, 19 de outubro de 1888, p.1. 1008 Cearense, 29 de outubro de 1887, p.3; VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151. O Almanaque do Ceará referencia este clube somente para os anos de 1900 a 1903, desaparecendo sua informação posteriormente. É provável portanto que esta banda tenha funcionado somente neste mesmo período (ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1903. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1902, p.125, anno 9º (CD-ROM). 1009 Libertador, 16 de outubro de 1884, p.2. 1010 Lista de músicas descritas nos jornais: Clarim da Liberdade, marcha para piano a quatro mãos e com outra versão para orquestra de cordas; Harmoniosa, valsa para orquestra de cordas; Paula Castro, valsa para banda de música; Liberdade e Heroísmo, dobrado para banda de música; Um assalto à noite, batalha musical para banda de música; Te Deum, hino religioso; Hymno Republicano Cearense (Cearense, 16 de agosto de 1880, p.3; Constituição, 05 de março de 1882, p.1; Cearense, 31 de agosto de 1882, p.2; Gazeta do Norte, 02 de setembro de 1882, p.3; Libertador, 22 de outubro de 1884, p.2; Libertador, 25 de outubro de 1884, p.2; Cearense, 19 de outubro de 1888, p.1; A Pátria, 05 de setembro de 1890, p.2; Jornal do Ceará, 12 de dezembro de 1904, p.2). 1011 Cearense, 24 de novembro de 1880, p.4. 1012 Libertador, 12 de julho de 1884, p.2. 235 supressão do cargo na legislação não representou o desaparecimento de fato da função, que veio novamente prescrita legalmente no regulamento de 1922. Tanto neste regulamento quanto no anterior, o de 1894, o trabalho do contramestre foi assumido por um músico de 1ª classe que tinha o papel de ensinar os aprendizes de música, substituir o mestre de música em ensaios, nos seus impedimentos, ausências e auxiliá-lo na disciplina da banda1013. Três músicos assumiram essa posição durante o período monárquico: Hermenegildo Theotonio de Paula, Manuel Luiz de França Lima e Pedro Gomes do Carmo. Sobre Hermenegildo Theotonio de Paula sabe-se pouco, apenas que assentou praça no ano de 1873. Em 1882 aparece discriminado como contramestre da polícia em requerimento despachado pela Secretaria Militar1014. Em 1883, saiu da banda por dificuldades relacionadas com o inspetor de música alferes Germano de Souza Louro1015. O contramestre que lhe sucedeu foi Manuel Luiz de França Lima, praça contratada da banda da polícia1016, músico de 1ª classe e contramestre da banda, tendo se aposentado após 25 anos de serviço. Suas características físicas não são mencionadas nas fontes. A portaria da sua aposentadoria, decretada em 06 de junho de 1890, mencionava que era contramestre, mas seu soldo de reforma era referente ao de músico de 1ª classe1017 sugerindo assim que o título de contramestre era mais honorífico do que um degrau elevado na hierarquia de carreira dos músicos. Foi bastante ativo como compositor de músicas de salão e militares, escrevendo para eventos, ou seja, criando novas peças dedicadas a momentos específicos. É o caso do galope Ferro Carril, composto para o dia da inauguração da linha de carris urbanos da empresa Ferro Carril, inaugurada pelo presidente da província no dia 25 de abril de 1880. Este dia contou com a participação da banda da polícia que tocou pela primeira vez a peça1018. Outro exemplo foi o schotish Reform Club para banda militar, tocada pelo grupo da polícia no clube de mesmo nome por ocasião da abertura de um ciclo de conferências públicas realizadas pelos membros 1013 “O contramestre da musica tem a seu cargo o ensino dos aprendizes. Deve auxiliar o mestre tanto nos ensaios quanto na disciplina da banda; e no impedimento ou ausencia delle exercerá todas as suas atribuições” (Artigo 109º do Regulamento de 1894. A República, 04 de maio de 1894, p.2); “Um dos musicos de 1ª classe servirá de contra-mestre e substituirá o mestre em seus impedimentos” (Artigo 58º, § 2 do Regulamento de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC). 1014 Cearense, 31 de maio de 1882, p.1. 1015 Libertador, 18 de julho de 1883, p.3. 1016 Cearense, 18 de junho de 1882, p.1. 1017 Libertador, 11 de julho de 1890, p.2. 1018 Cearense, 28 de abril de 1880, p.2. 236 desta sociedade1019. Compôs as peças Batalha 24 de Maio e Variação tocadas pela banda da polícia no Passeio Público em 1883 e 18841020. Depois de aposentado pela polícia, Manuel França Lima continuou a compor e reger com outras bandas. A marcha Prado Cearense foi uma composição dedicada ao lugar homônimo de apostas de corridas de cavalos na qual tocou a peça dirigindo a banda de música da Escola de Aprendizes Marinheiros1021. Em homenagem à oficialidade do Corpo de Segurança, como era chamada a Força Policial em 1890, compôs o dobrado Corpo de Segurança, depois de já ter aposentado da polícia1022. Em 1905 seguiu para Canindé, a 115 km de Fortaleza, para ser o mestre de música temporário da banda de música organizada no Convento dos Franciscanos1023. Essa informação é interessante, pois demonstra como foi sendo construída a influência do ethos militar nas bandas civis do estado e como a banda da polícia funcionou como uma espécie de “viveiro” para o surgimento de novas bandas no Estado. O cearense Pedro Gomes do Carmo, o Pedro “Piston”, foi músico do Corpo Policial, sendo praça contratada e músico de 1ª classe onde tocava o 1º piston. Exerceu ainda as funções de contramestre e mestre de música1024. Foi nomeado para o posto de mestre em outubro de 1889 saindo em janeiro de 1891 quando foi definitivamente aposentado. Mesmo tendo ocupado o lugar de mestre de música, foi reformado como contramestre, com contagem de serviço avaliada em 16 anos, 3 meses e 23 dias de serviço1025. A contagem de tempo de serviço indica que entrou na banda em 1874, embora os registros de sua atuação com a banda datem apenas de 18801026. Foi o primeiro mestre de música da banda na transição do período monárquico para o republicano. Sua posição como músico contratado era bem clara, uma vez que os jornais comumente referiam-se a ele como “hábil músico cearense”, “ilustre maestro”, “trabalhador compositor cearense” e raramente como “músico do corpo de polícia”1027. Trabalhou também como professor particular de música em Fortaleza1028. Sua atividade como compositor era intensa 1019 Cearense, 02 de maio de 1882, p.2. 1020 Libertador, 01 de setembro de 1883, p.2; Libertador, 19 de abril de 1884, p.2. 1021 A República, 04 de agosto de 1892, p.2. 1022 Libertador, 28 de agosto de 1890, p.2. 1023 Jornal do Ceará, 12 de julho de 1905, p.2. 1024 VERÍSSIMO, op. cit, 1954, p. 152; Cearense, 11 de junho de 1882, p.1; Cearense, 21 de novembro de 1886, p.1; Cearense, 23 de junho de 1885, p.3; Constituição, 17 de outubro de 1889, p.2. 1025 Cearense, 21 de novembro de 1891, p.2. 1026 Cearense, 25 de maio de 1882, p.1. 1027 Cearense, 05 de março de 1882, p.1; Cearense, 27 de outubro de 1882, p.2; Libertador, 06 de setembro de 1883, p.3; Cearense, 31 de maio de 1885, p.2; Cearense, 07 de maio de 1884, p.1. 1028 Libertador, 30 de abril de 1884, p.1. 237 conforme atestam as notícias dos jornais da cidade1029, sendo talvez o mestre de música, durante o período do nosso estudo, que mais compôs peças novas e fez trabalho encomendado. Os gêneros escolhidos eram os mais comuns na época: muitas valsas1030 e polcas1031, além de quadrilha1032, variação1033, hino1034, marcha1035, dobrado1036, entre outras1037. As peças elencadas pelas notícias tinham em comum um caráter de homenagem a pessoas, situações e festividades locais, quase todas apresentando um oferecimento. É o caso, por exemplo, da polca Aguiar, escrita para banda e oferecida ao coronel comandante da polícia Canuto José de Aguiar1038; a valsa Phenix Caixeiral, para banda, tocada pelo grupo da polícia em 24 de junho de 1891 por ocasião da instalação da sociedade Phenix Caixeiral no Club Iracema1039; e o Hino de Libertação de Canindé, cantada na cidade de Canindé no dia 04 de outubro de 1883 por ocasião da libertação dos escravos nesta cidade1040. 1029 Em 1884 o jornal Gazeta do Norte escreveu que Pedro Gomes do Carmo era autor de 32 músicas (Gazeta do Norte, 16 de março de 1884, p.2). 1030 Menina de Vicente Sidon, arranjada para banda de música por Pedro Gomes do Carmo; Tito Rocha, valsa a 5 partes para banda; Moça e Libro-papelaria, valsas para piano; Saudades do 15, Club Iracema e Phenix Caixeiral, Ibiapaba, valsas para banda (Cearense, 15 de janeiro de 1882, p.2; Cearense, 5 de março de 1882, p.1; Constituição, 30 de julho de 1882, p.3; Libertador, 13 de outubro de 1883, p.2; Libertador, 26 de abril de 1884, p.2; Libertador, 26 de julho de 1884, p.2; Cearense, 05 de fevereiro de 1887, p.1; O estado do Ceará, 25 de junho de 1891, p.2). 1031 Polcas para banda: Club Familiar, Aguiar, União, Bellinho, Severo; Leopoldo; 24 de junho, Restaurant Bemfica, (Constituição, 22 de junho de 1882, p.2; Gazeta do Norte, 19 de novembro de 1882, p.3; Libertador, 06 de setembro de 1883, p.3; Cearense, 17 de fevereiro de 1884, p.2; Libertador, 21 de junho de 1884, p.3; Cearense, 17 de maio de 1885, p.1; Cearense, 31 de maio de 1885, p.2; Libertador, 23 de junho de 1887, p.2). 1032 Lanceiros, quadrilha para piano composto pela aproximação do carnaval e a quadrilha que recebeu o nome do redator do jornal Libertador (Libertador, 13 de fevereiro de 1886, p.3; Libertador, 18 de fevereiro de 1887, p.2). 1033 Florzinha, Variação e Gymnasio Cearense, para banda (Libertador, 18 de agosto de 1883, p.2; Libertador, 19 de abril de 1884, p.2; Libertador, 19 de março de 1887, p.2). 1034 Hino [à Sociedade Libertadora Mossoroense]; Hino [da Libertação de Canindé], para voz e banda, cantada no dia 4 de outubro na cidade de Canindé por ocasião da libertação dos seus escravos; Hino da Redempção, letra de Antonio Martins e música de Pedro Gomes do Carmo, cantada por senhoras para a solenidade libertação dos escravos da província do Ceará no dia 25 de março de 1884; Hino [religioso], letra de Oliveira Paiva e música de Pedro Gomes, tocada pela banda da polícia e cantada por senhoras e meninos na matriz de Soure por ocasião da visita episcopal (Libertador, 24 de setembro de 1883, p.2; Libertador, 10 de outubro de 1883, p.2; Libertador, 20 de março de 1884, p.2; Cearense, 16 de dezembro de 1884, p.1 e 2). 1035 Marcha para banda 24 de Maio (Libertador, 18 de agosto de 1883, p.2). 1036 Dobrado para banda Casa Severo, oferecida ao senhor Severo Ferreira da Costa, chefe da casa comercial Severo Ferreira e Cia (Cearense, 21 de novembro de 1886, p.1). 1037 Sem indicação do gênero, foi tocada pela banda da polícia no Passeio Público: Miuças a granel, em homenagem a seção do jornal chamada Miuças a granel, escrita por Miguel do Meio e Alda, oferecida a filha com este nome de José Pinto Simões que faleceu ainda criança (Libertador, 19 de junho de 1887, p.2; Constituição, 22 de janeiro de 1888, p.2). 1038 Gazeta do Norte, 19 de novembro de 1882, p.3. 1039 O Estado do Ceará, 25 de junho de 1891, p.2. 1040 Libertador, 10 de outubro de 1883, p.2. 238 O percurso de vida de Pedro Gomes do Carmo revela uma intensa atividade musical em Fortaleza dos anos de 1880. Observando a imagem da banda da polícia de 1879 inferimos que o músico que está à direita do maestro é Pedro Gomes do Carmo, do ponto de quem olha para a imagem (Figura 1 do Anexo A). Chegamos a esta conclusão devido ao fato de o indivíduo estar segurando um cornet à piston, ou simplesmente “piston”, instrumento a qual lhe dava a alcunha de Pedro Piston. Outra evidência é o fato de o referido músico estar ao lado do maestro, ambos usando divisas no braço direito e uma faixa na cintura. Os dois acessórios serviam de diferencial em relação ao resto do grupo. João Moreira da Costa usa uma braçadeira de 4 linhas e Pedro Gomes, de 3 linhas, indicando que o primeiro estava numa posição hierárquica superior ao segundo, ou seja, informava quem era o mestre e quem era o contramestre da banda. Outro ponto importante que nos ajudou a deduzir sua identidade diz respeito a sua “qualidade”. Pedro “Piston” era filho de João Gomes do Carmo, sendo provável que tenha nascido no interior do Ceará como seus dois irmãos, também músicos da banda policial. José Gomes do Carmo nasceu em 1862 em Boa Viagem e foi músico de 1ª classe da polícia no ano de 18951041; João Francisco Gomes nasceu em 1870 em Quixeramobim, foi contramestre (1896-1899) e mestre de música (1899-c.1907)1042. Ambos foram descritos no livro de assentamento da polícia com a “cor” parda, “cabellos pretos crespos”, um com olhos pretos e o outro, pardo. Comparando com a fotografia de Pedro Gomes do Carmo constatamos que ele possuía a mesma “qualidade” e descrição física dos outros irmãos. Como a maioria dos músicos que compunha a banda da polícia, o grupo acolheu músicos em sua maioria miscigenados, especialmente os ditos “pardos”, servindo para eles como um espaço de oportunidades de estudo, de aprendizagem de um ofício e de ascensão social, enfim, de reconhecimento e distinção pessoal e profissional. Inserindo a figura de Pedro “Piston” no contexto da cidade de Fortaleza, anteriormente à abolição da escravidão, o que se percebe é que o músico representava a figura de um pardo liberto ou nascido livre, ocupando uma posição de destaque na vida social e cultural da cidade. Os comentários nos jornais demonstravam reconhecimento profissional pela sua atuação como “maestro”, “professor” e, especialmente, na sua bem sucedida carreira de compositor, tendo diversas músicas “aplaudidas pelo público”1043. A 1041 Músico de 1ª Classe José Gomes do Camo. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1042 Contra Mestre de Música João Francisco Gomes. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1043 Gazeta do Norte, 16 de março de 1884, p.2. 239 encomenda de hinos libertadores, alguns em parceria com o abolicionista Antonio Martins, demonstra uma escolha reconhecida entre outros compositores cearenses também atuantes na época, como Manoel Magalhães, Simplício Montesuma, Hermínio Pimenta, Herculano José de Almeida e Manoel Luiz de França Lima, este último, também contramestre da banda da polícia1044. A dimensão desta escolha pode ser avaliada ainda na comparação com outro destacado músico, Alberto Nepomuceno. Em 1884, este compositor cearense, ainda no começo de sua carreira musical, havia retornado de Recife para Fortaleza onde filiou-se ao grupo abolicionista Centro 25 de Dezembro, mantendo ligações com outros abolicionistas de destaque do período, como João Brígido e João Cordeiro1045. Mesmo tendo oficialmente iniciado sua atividade de compositor em 1887, no Rio de Janeiro, em 1884, Alberto Nepomuceno já “ensaiava” sua vertente de compositor, ofertando, juntamente com outros músicos cearenses, dentre eles Pedro Gomes, “uma produção de seu talento” em homenagem a Julieta dos Santos, “primeira creança brazileira” que apareceu “no mundo como artista dramática”1046. Desta forma, a escolha de Pedro Gomes do Carmo entre o conjunto de compositores musicais disponíveis em Fortaleza neste período, sugere que sua experiência como compositor de “mais de 32 composições” de reconhecimento público foi levada em grande consideração. A presença dos dois irmãos mais novos de Pedro “Piston” na banda da polícia, em período posterior a sua ligação à corporação policial, parece indicar que a posição de destaque e reconhecimento que Pedro Gomes do Carmo teve na vida cultural da cidade de Fortaleza influenciou o alistamento e entrada de José Gomes do Carmo e de João Francisco Gomes1047 na banda. Para além de serem “pardos” vivendo em uma sociedade onde as oportunidades de ascensão social ainda continuavam a ser reduzidas para os nascidos pobres e afrodescendentes, questões ambientais que afetaram a economia agropecuária cearense influenciaram também a entrada dos irmãos de Pedro Gomes do Carmo na polícia, durante a década de 18901048. A longa estiagem de 1877-1879 1044 Libertador, 25 de agosto de 1883, p.3; Libertador, 11 de julho de 1884, p.2. 1045 MARTINS, Floriano. Alberto Nepomuceno. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2000, p. 14-15. 1046 Libertador, 11 de julho de 1884, p.2. 1047 Músico de 1ª Classe José Gomes do Camo. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE; Contra Mestre de Música João Francisco Gomes. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1048 Eduardo França Paiva, em estudo sobre o século XVIII, aproxima as restrições sociais impostas a ex- escravos com aqueles nascidos livres, fossem eles negros ou miscigenados, agrupando-os todos na categoria de libertos. As oportunidades de trabalho aos quais escravos e libertos pobres se dedicaram foram principalmente os manuais para aqueles que não dedicavam à lavoura. Se, por um lado, dedicar-se aos trabalhos manuais significava qualificação, situação que valorizava o sujeito, por outro, na análise de Carmem Bernand para a América hispânica, o ofício manual também teve uma concepção negativa como 240 comprometeu a vida das populações do interior da região. A sucessão de períodos de estiagem depois de 1879 acentuou a falta de emprego e a degradação das condições de vida no sertão1049. Esta situação fez com que a instituição policial passasse a representar uma oportunidade para os não capacitados. A polícia tornou-se num lugar para se conseguir um emprego estável que prometia condições de sustento pessoal e familiar e a perspectiva de uma carreira. O alistamento na polícia trouxe novas perspectivas de trabalho, com a possibilidade de promoções e melhoria de salário, “regalias” trabalhistas como licenças, reformas, e um serviço de saúde que, mesmo precário, incluía hospital e enfermaria para tratamento de doenças1050. Além disso, a possibilidade de aprendizado de um ofício, no caso, o de músico, deve ter pesado na decisão dos dois irmãos de optarem pela corporação policial, declarados nos seus respectivos assentamentos como “sem ofício”. Como veremos adiante, João Francisco Gomes chegou a ser mestre de música aposentando-se como alferes no ano de 1907. Durante a Primeira República houve uma maior rotatividade de músicos no cargo de mestre de música e contramestre. Esse fato decorreu da implementação das patentes militares, o que acarretou na menor permanência do músico no cargo. De uma maneira geral eles permaneceram em média dois anos, tempo a partir do qual podia ser pedida a ascensão funcional. Os mestres variaram suas patentes em alferes, 1ª sargento e 2º tenente. Quanto ao contramestre, ele recebeu a patente de 2º sargento previsto no regulamento de 18941051. Tomando por base a lista descrita pelo memorialista Pedro Veríssimo sobre os mestres de música e comparando-a com os nomes dos músicos descritos nos livros administrativos da polícia e as informações contidas nos jornais de época, observamos que o autor elencou corretamente o nome dos mestres na ordem em trabalho porque relacionou-se com a “desonra” racial. Neste sentido, as “milícias e as armas” foram “vias de escape” para os homens, pois eram espaços para se adquirir prestígio e honra. No caso do Ceará pós- abolição, a corporação policial foi vista como uma “via de escape” para ascensão social num contexto onde se manteve essa herança de restrições sociais. Ao mesmo tempo, viu-se também que pobres, mesmo brancos, e afrodescedentes continuaram a realizar os trabalhos manuais, particularmente a música, como forma de qualificação e mobilidade social. Com a nova ordem urbana que foi surgindo com a Abolição e a República, com seus espaços sociais excludentes, as expressões culturais como a banda de música tiveram seu papel de minimizar as exclusões e inserir os pobres e afrodescendentes na nova realidade política e social (PAIVA, Eduardo França. Escravidão e universo cultural na colônia: Minas Gerais, 1716-1789. 1ª reimp. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, p. 66-67; 89-90; MONTEIRO, op. cit., 2006, p.2; BERNAND, Carmen. Las representaciones del trabajo en el mundo hispanoamericano: de la infamia a la honra. In: PAIVA, Eduardo França; ANASTASIA, Carla Maria Junho. (Orgs.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e formas de viver - séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume: PPGH/UFMG, 2002, p.406-407; MORAES, José Geraldo Vinci de. Sonoridades Paulistanas: a música popular na cidade de São Paulo – final do século XIX ao início do séculoXX. Rio de Janeiro: Funarte, 1995, p.61-62). 1049 NEVES, op. cit., 2007, p.84. 1050 BARBOSA, op. cit., 2014, p.229. 1051 Artigo 28º §2 do Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1. 241 que eles assumiram o posto. Com exceção de quatro deles, todos aparecem indicados nas fontes como mestre de música ou existem registros que mencionam quando eles assumiram o posto no decorrer de sua trajetória policial. São eles: Pedro Alves Feitosa, Joaquim Pacífico de Souza, João Francisco Gomes, Raimundo Nonato de Souza, Luigi Maria Smido, Mario Cezar de Souza, Raimundo Ferreira do Nascimento, Raimundo Egídio de Lima, Júlio Marinho da Silva, José Augusto Pinto dos Prazeres, Martiniano José Monteiro, Luiz Saldanha Madeiro e João Baptista de Sousa Brandão1052. Destes, Raimundo Nonato de Souza, Raimundo Egídio de Lima, Júlio Marinho da Silva e Luiz Saldanha Madeiro não aparecem mencionados como mestres de música nos livros policiais localizados. Quanto aos contramestres, afora os mestres acima elencados que também passaram pelo cargo, destacamos alguns nomes que ocuparam somente o lugar de contramestre sem ascender para o de mestre de música: Antonio Pinheiro Filho, João Alves dos Santos, Luiz Saldanha Moreira. O primeiro mestre de música da banda da polícia no período republicano foi o cearense Pedro Alves Feitosa, o Pedro Cotó, em 18931053. Ele nasceu no Crato, região sul do Ceará, em 1865, e filho de José Alves Feitoza1054. Seus traços físicos, descritos no livro de assentamento da corporação, revelam, tal como no caso de Pedro Gomes do Carmo, uma pessoa de cor parda, cabelos pretos crespos, olhos pretos. Quando entrou para a polícia indicou o ofício de funileiro como sua ocupação anterior1055. Teve baixa da Polícia no dia 03 de outubro de 1895 por incapacidade física determinada como “lesão cardíaca”1056. Segundo o jornal A República foi compositor de “avultadíssmo número de composições”1057 e arranjos embora só localizamos quatro de suas obras: as valsas Pomone e Expressiva tocadas pela banda do Batalhão de Segurança no Passeio Público de Fortaleza; a marcha fúnebre Hommenagem aos mortos, executada pela primeira vez no túmulo do senador major Bezerra d’Albuquerque por ocasião de “romaria cívica” no segundo aniversário de morte; e a valsa Elysia, oferecida à filha de um alferes, quando ainda era músico de 1ª classe1058. Estava morando em Quixadá, no sertão central do Ceará, 1052 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p. 152-153. 1053 Idem, p.152. 1054 Mestre de Música Pedro Alves Feitosa. Livro da 1ª Cia - 1895, folha 83, documento não catalogado, IHPMCE. 1055 Idem. 1056 Ibidem. 1057 A República, 22 de janeiro de 1897, p.1. 1058 A República, 14 de janeiro de 1893, p.2; A República, 13 de abril de 1894, p.2; Cearense, 16 de fevereiro de 1890, p.3. 242 onde dirigia uma “bem organizada banda de música”, quando faleceu, em janeiro de 1897, em decorrência da mesma “lesão cardíaca” que o fez retirar-se da polícia1059. À semelhança de Manuel Luiz de França Lima, também o caso de Pedro Feitosa mostra como a banda da polícia se tornou um centro irradiador de bandas de música pelo interior do Estado. Se, por um lado, a banda policial era um espaço de qualificação, de promoção cultural, social e econômica para um grupo de pessoas que tradicionalmente se envolveu com a atividade artística, por outro lado, ao formar em seu seio seus próprios músicos, a banda da polícia ajudou a dar continuidade a uma tradição de uma “música” feita por negros e miscigenados e a produzir multiplicadores de “bandas de música” para fora dos limites da capital. O papel que muitos músicos policiais militares foram assumindo como difusores de grupos de sopro e percussão foi consequência de um movimento migratório inverso, a partir do qual os músicos saíram da capital para outras cidades do estado. Esta difusão foi consequência também das ações de pessoas de outras esferas da sociedade que viram nas apresentações da banda da polícia um modelo de entretenimento, de “civilização” e de propaganda política a ser imitado e implantado em suas cidades. Exemplos disso foram as bandas civis Filarmônica Figueiredo e Charanga 24 de Maio, ambas de Aracati, que mesmo não tendo sido fundada por músicos policiais militares foi influenciada por um ethos militar conferida na adoção da vestimenta militar e na semelhança do repertório tocado por “dobrados, marchas, danças”1060. As funções dos músicos negros e miscigenados da polícia como fundadores, professores e maestros de novas bandas de música representam uma posição de prestígio que estes músicos passaram a ter perante alguns setores da sociedade. Desta forma, a banda de música foi responsável por uma nova fase de reconhecimento social e cultural para os músicos que passaram pela banda policial depois de 1889. É provável que Joaquim Pacífico de Souza tenha substituído Feitosa no cargo de mestre de música, pois já aparecia como contramestre da polícia no fim do ano de 1894, solicitando um reengajamento por mais quatro anos; e em outubro de 1896 surgia 1059 A República, 22 de janeiro de 1897, p.1. 1060 Segundo Hélio Ideburque Carneiro Leal a Filarmônica Figueiredo foi fundada em 08 de dezembro de 1895 por “pessoas gradas da cidade e elevado número de membros da família Figueiredo” (p. 31). Dentre os componentes da banda havia o Major Bruno Porto da Silva Figueiredo, que pela patente indicada era oficial de alguma corporação militar e, como tal, deve ter sido responsável por transmitir algumas características militares para a organização e atuação desta banda civil de Aracati. A Charanga 24 de Maio foi fundada e mantida pela família Costa Lima por volta da década de 1910 na mesma cidade (LEAL, op. cit., 2003, p. 29-44). 243 descrito como mestre de música no livro de assentamento da Força1061. Nascido no Crato, no ano 1863, filho de Procópio José de Souza, seus “sinaes” físicos, como escrito na documentação foram descritos como de “côr parda, cabellos pretos caraps.[carrapichos], olhos pretos, officio nenhum”1062. A menção de que não tinha ofício sugere que o estudo de música se deu no interior da banda, situação comum a outros mestres e músicos do conjunto policial. Não parece ter tido uma postura exemplar dentro da polícia, uma vez que foi preso algumas vezes, duas delas por agressão, sendo a primeira por ter espancado sua mulher e a segunda por ter esbofeteado um músico da banda no alojamento. Foi preso também por não estar presente no serviço do quartel, por ter faltado com a “atenção” para com um oficial do Exército e por não ter comparecido na formatura da “música”. Em 1899 teve sua ordem de reengajamento cancelada, tendo deixado a Força Policial no dia 06 janeiro de 18991063. Tal como os outros mestres de música que analisamos, também Joaquim Pacífico foi compositor de peças que eram tocadas pela banda da polícia. É de sua autoria a polca Joaninha Rossas, encomendada por um particular para celebrar o aniversário de uma parente e tocada no Passeio Público pela banda policial1064. Quando já era mestre de música compôs a polca Não vae nada, oferecida ao alferes do Batalhão de Segurança, Eloy Alves do Nascimento, e executada pela primeira vez também no Passeio Público em fevereiro de 18971065. Em 16 de janeiro de 1899, João Francisco Gomes, irmão do já mencionado Pedro Gomes do Carmo, foi promovido a mestre de música1066, em substituição a Pacífico de Souza. Em 1900 ele foi graduado alferes e em 1902 a 2º Tenente mestre de música1067. A disciplina foi também um problema no seu percurso dentro da polícia. Ainda como contramestre, em outubro de 1897, em um divertimento, envolveu-se juntamente com outros músicos inferiores em um caso de embriaguez, luta corporal, uso de armas (cacete e faca), tentativa de lesão às pessoas do lugar e destruição de patrimônio privado. Por ter participado de toda esta desordem ficou impedido de sair do alojamento da música1068. 1061 Jornal A República, 11 de janeiro de 1895, p.2; Mestre de Música Joaquim Pacífico de Souza. Livro da 1ª Cia - 1895, folha 133, documento não catalogado, IHPMCE. 1062 Idem. 1063 Ibidem. 1064 Cearense, 13 de novembro de 1888, p.2. 1065 A República, 18 de fevereiro de 1897, p.1. 1066 Contra Mestre de Música João Francisco Gomes. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1067 Matrícula – officiaes Batalhão de Segurança de 1894-1906, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 24, caixa 36, livro 224, p.38, 48, data: 1894-1914, APEC. 1068 Contra Mestre de Música João Francisco Gomes. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 244 João Gomes aposentou-se em 1907, não como mestre de música, mas como alferes, demonstrando que foi músico de fileira e ascendeu aos postos segundo as regras da corporação. A única composição de sua autoria que localizamos foi a polca Gerardinho, tocada em 14 de outubro de 1888, um domingo, no Passeio Público, sendo provável que tenha sido executada pela banda da polícia por ser este o dia em que o conjunto tocava no Passeio1069. No seu percurso, assumiu a função de copista. Existem algumas partes de instrumentos copiadas por ele no acervo da banda da Polícia Militar do Ceará, assinadas como João Gomes, a citar Devaneios Campestres do compositor português João Carlos de Souza Moraes (1860-1919), a marcha da ópera Tannhäuser de R. Wagner (1813- 1883), as duas não datadas, e a valsa Estudiantina de Émile Waldteufel (1837-1915), trabalho efetuado em 1915, depois que se aposentou da corporação. Sobre o mestre de música e clarinetista Raimundo Nonato de Souza sabe-se que era o mestre de música em 1903, quando Zacarias Gondim regeu a banda do Corpo de Segurança do Estado o Hino do Ceará1070, na festa de comemoração do tricentenário da chegada dos portugueses no estado1071. O livro de assentamento dos músicos descreve sua trajetória anterior, indicando sua promoção de músico de 3ª classe para de 2ª classe em 16 de janeiro de 1899 e posteriormente para músico de 1ª classe em 15 de junho do mesmo ano. Em outubro foi impedido de sair do quartel por quinze dias por ter “tocado pessimamente em frente a casa” do comando e por ter regressado da tocata com arma, portando-se de “modo inconveniente e desrespeitoso no quartel”1072. O historiador Carlos Moura Barbosa discorre sobre a rigidez e disciplina hierárquica instituída dentro da Polícia, em que o alcoolismo e a má conduta eram os maiores motivos de exclusão e obstáculo ao estabelecimento da boa ordem institucional1073. No caso dos músicos, não só as questões ligadas ao consumo de álcool e festas provocaram penalizações e reprimendas, como o impedimento de sair do quartel e até prisões, mas também motivos especificamente musicais como “o tocar pessimamente” eram razões para castigar os músicos1074. Estas penalizações não eram, no entanto, um impedimento para promoção 1069 Jornal Constituição, 13 de outubro de 1888, p.2. 1070 VERÍSSIMO, op. cit, 1954, p.151. 1071 AZEVEDO (NIREZ), op. cit., 2006, p.117. 1072 Música de 3ª classe Raymundo Nonato de Souza. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1073 BARBOSA, op. cit., 2014, p.95. 1074A questão de um músico tocar de forma “péssima” uma música parece ser um fato sem tanta gravidade para que ele tenha recebido o referido castigo militar. Por outro lado, se levarmos em consideração que tocar era o seu ofício a reprimenda poderia não parecer tão estranha. Contudo, levando em conta que tocar bem ou não pode estar relacionado a problemas físicos momentâneos ou devido a falta de ensaio, uma penalidade ligada a esta questão demonstra uma rigidez nas normas, o que faz-nos pensar que talvez o peso 245 dos músicos, uma vez que os registros das atividades de vários deles na polícia revelam que recebiam, de forma mais ou menos frequente, esses castigos, sem que isso constituísse um impedimento para a sua ascensão de posto. Os castigos e a aplicação das normas de disciplina militar aos músicos da banda durante a República são alguns dos aspectos que denotam a mudança de condição civil para militar do grupo. Em 21 de abril de 1900, Raimundo Nonato de Souza passou a ser ensaiador dos aprendizes de música1075, cargo que o habilitou a ser contramestre e reger a banda esporadicamente no lugar do maestro principal. Luigi Maria Smido foi um italiano que chegou ao Brasil, talvez como resultado das circulações atlânticas de músicos e de companhias europeias em direção à América do Sul1076 ou atrelado ao movimento de imigração de italianos que vieram para o Brasil no fim do século XIX1077. Aportou primeiro em Recife, seguindo depois para Belém, Natal, Fortaleza e Rio de Janeiro. Veio para Fortaleza no início do século XX, em 1908 como maestro contratado da banda da polícia. Não integrou o cargo de mestre de música da banda, mas sua presença parece ter influenciado o grupo, não somente nos anos que permaneceu em Fortaleza como também nas décadas seguintes. No capítulo 7 vamos analisar melhor sua trajetória e entender como se deu esta influência. Levando em consideração que Smido não assumiu o lugar de mestre de música, os dois mestres que seguem a Raimundo Nonato de Souza foram Mario Cezar de Souza e Raimundo Ferreira do Nascimento, embora pouco se saiba sobre eles. O primeiro foi mestre de música no período entre 1909 e 19111078; o segundo, foi 1º sargento mestre de música. Raimundo da penalidade tenha recaído mais sobre a presença da arma e do comportamento indevido e desrespeitoso do músico do que propriamente de sua execução instrumental. 1075 Músico de 3ª classe Raymundo Nonato de Souza. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1076 A informação mais antiga que localizamos sobre a presença de Luigi Maria Smido no Brasil informa que ele era diretor da orquestra da Companhia Dramática Italiana G. Modena dos proprietários Cerutti e Lotti que, em fins do ano de 1894 e início de 1895, fizeram espetáculos no Teatro Santa Isabel de Recife (Diário de Pernambuco, 30 de dezembro de 1894, p.3; Diário de Pernambuco, 22 de janeiro de 1895, p.6; Diário de Pernambuco, 10 de fevereiro de 1895, p.2). 1077 A circulação de músicos por motivos de viagens temporárias ou mudanças de residência para outro país que não o de seu nascimento foi comum em vários momentos da história da música ocidental, a exemplo de G. F. Händel (1685-1759) e F. Chopin (1810-1839). No caso das bandas, podemos citar o exemplo dos 18 músicos alemães contratados para formar o corpo de “trombetistas” da corte de D. João V ou dos vários imigrantes alemães e italianos que fizeram parte das bandas militares na Inglaterra. No Brasil, a intensificação da imigração de estrangeiros no final do século XIX com fins de “trabalhar no interior da província” de São Paulo aumentou consideravelmente, sendo os italianos os que mais chegaram, representando cerca de 55% do total (DODERER, Gerhard. A constituição da Banda Real na Corte Joanina (1721-24). Revista Portuguesa de Musicologia. vol.13. Lisboa: [s.n.], 2003, p.8-9; HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.48-49; MORAES, op.cit.,1995, p.52). 1078 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1909. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1909, p. 78, anno 246 Ferreira do Nascimento nasceu no Ceará em 1893, filho de João Amaro de Araújo, foi ainda 2º tenente e capitão1079 da Força Pública de Polícia. Raimundo Egydio de Lima ocupou o cargo de mestre de música logo após a saída de Raimundo Ferreira do Nascimento. Foi músico formado no interior da banda da polícia, tendo entrado na instituição ainda como soldado menor no cargo de “aprendiz de música” antes de 1896. Neste mesmo ano ascendeu ao posto de músico de 3º classe e, em 1899, completou dezoito anos de idade1080. Numa prática comum na Polícia e revelando o estreito controle interno que os policiais e músicos sofriam no interior da instituição, em 1897 obteve licença para casar com Maria Isabel mostrando a certidão de registro civil aos superiores1081. Os casamentos eram controlados pelo oficialato, pois os matrimônios contraídos legalmente representavam “aquisição de reputação, competência e de respeito” perante a sociedade, construindo uma imagem externa boa da instituição1082. Raimundo Egydio de Lima foi recebendo, ao longo dos anos muitos elogios de seus superiores por sua “correção, ordem e disciplina” demonstradas1083. Esses comentários positivos ajudaram para que ele fosse promovido. Em 26 de outubro de 1898 Egydio passou a músico de 1ª classe e em 4 de novembro ascendeu ao posto de contramestre. Contudo, esta última graduação foi cancelada em janeiro do ano seguinte por ainda não contar 18 anos de idade1084. Segundo a lei de fixação da Força de 1894, ano em que apareceu pela primeira vez a presença de menores na polícia, os soldados menores só poderiam ocupar as vagas de promoção na banda quando completasse a idade legal de 18 anos1085. Quando completou 18 anos, em 25 de janeiro de 1899, voltou a assumir o cargo de contramestre, passando em agosto a ensaiador dos aprendizes da banda de música. XV (CD-ROM); ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1910. Organizado por Sophocles Camara. Fortaleza: Typo-Lythographia a vapor, 1910, p. 50, anno XVI (CD-ROM). 1079 1º Sargento mestre de Música Raymundo Ferreira de Nascimento. 3º Livro – Praça Estado menor, 1912- 1945, documento não catalogado, IHPMCE; Jornal A Ordem, 24 de janeiro de 1931, p.3; A Razão, 27 de agosto de 1936, p.8. 1080 Músico de 3ª classe Raimundo Egydio de Lima. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1081 Idem. 1082 BARBOSA, op. cit., 2014, p.122-123. 1083 Músico de 3ª classe Raimundo Egydio de Lima. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1084 Músico de 3ª classe Raimundo Egydio de Lima. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1085 Artigo 1º §1 da Lei nº03 de 02 de agosto de 1894, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 20, data: 1894, APEC. 247 A trajetória de Raimundo Egydio é interessante para entendermos como se processava o ciclo de formação musical no interior da banda. O jovem se alistava como soldado menor e passava pela classe de aprendizes de música, ascendendo posteriormente a músico de 3º, 2º e 1º classe. Dependendo de seu empenho musical e policial, suas habilidades como músico e suas relações internas, poderia subir ao cargo de contramestre e depois o de mestre de música. Como contramestre, o músico era responsável pelas classes de aprendizes de música, o que demonstra um retorno, uma retribuição da formação musical recebida no interior da banda. Quanto a ser mestre de música, este cargo representava uma conquista pessoal na trajetória dos músicos da banda, demonstrava reconhecimento da própria corporação, premiando os esforços e as habilidades musicais do interessado. Mesmo que a atividade de compor não fosse um pré- requisito para o músico assumir o posto de mestre, aquele que era compositor se distinguia dos demais e, por isso, acabava pesando no momento da escolha para a ocupação do cargo. Raimundo Egydio, como os mestres precedentes, também foi compositor. Compôs o dobrado Costa Weyne oferecido ao Tenente Coronel comandante da Força Policial e o schottisch Tavares de Mello dedicado ao inspetor de música1086. O oferecimento e dedicatória destas obras é revelador do espírito corporativo e da teia de relações internas, profissionais e pessoais, que se foram tecendo ao longo dos anos no interior da banda. A partitura da marcha Corporação, preservada no acervo da banda da polícia tem uma cópia escrita por ele no ano de 1897, sendo esta a partitura mais antiga, datada, encontrada neste acervo. Segundo o memorialista Pedro Veríssimo, Júlio Marinho da Silva foi mestre de música da antiga Polícia Militar1087. Sua trajetória é pouco clara em certos momentos, faltando dados que esclareçam alguns pontos de sua vida. No entanto, parece ter tido dois momentos distintos dentro da polícia. No primeiro, fez trabalhos policiais como comandante de diligências para o interior e ascendeu até o posto de 1º Tenente1088. Ao mesmo tempo, aparece entre os anos de 1909 e 1912 como copista e arquivista da 1086 Músico de 3ª classe Raimundo Egydio de Lima. Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 1087 VERÍSSIMO, op. cit, 1954, p. 153. 1088 Ofício nº2531 de 02 de outubro de 1912. CEARÁ, Ofícios expedidos, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 4, prateleira 19, caixa 02, livro 143, [s.p.], data: 1916-1929-1912, APEC; Ordem do dia 15 de março de 1914. Assentamento - 1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 6, prateleira 32, caixa 95, livro 238, data: 1914-1929, APEC. 248 banda1089. Por motivo não mencionado, deu “baixa” no cargo de oficial e deixou a polícia1090. Depois, em 1918 reaparece como 1º sargento agregado1091. Como discutimos anteriormente, ser adido ou agregado significava dizer que o policial estava fora do quadro efetivo da Força. O fato de Júlio Marinho da Silva ter sido descrito com uma patente inferior a anterior, o de 1º sargento agregado, reforça a possibilidade de ele ter dado baixa da Polícia em 1914, situação que o fez perder seu lugar de 2º Tenente no quadro de efetivos. Além disso, estar com uma patente inferior significa que descendeu de função, situação improvável na polícia, sendo possível apenas de forma temporária, em caso de alguma penalidade. Em 1918, foi “empregado na direção thenica da banda de musica”1092, situação verificada nas cópias assinadas por ele de três músicas existentes no acervo na banda da PMCE1093. Essa direção técnica pode significar que tenha assumido o cargo de inspetor de música já que, ainda no ano de 1918, ascendeu novamente ao cargo de 2º tenente, patente normalmente associada ao cargo de inspetor de música e ter sido referenciado neste cargo no ano de 19191094. Além do trabalho com a banda, Marinho continuou exercendo funções policiais. O seu percurso demonstra ter sido uma pessoa engajada nas atividades da polícia e por isso mesmo elogiado pelos seus superiores1095. Seu empenho valeu-lhe uma posição na Secretaria do Palácio1096. O seu retorno à polícia demonstra que a instituição foi um lugar de oportunidades, o que também foi percebido por outros músicos que se tornaram mestres da banda. A peça Ars Itallica que 1089 VERDI, Giuseppe. Seleção da Ópera MacBeth. Parte de 1º Piston, 1909. ABMPMCE. CHOPIN, F./ CHIBBARO, Salvatore. Polonaise op. 40, nº1, Parte de 2ª e 3ª trompaem mib, 1910. ABMPMCE. LEGRAND, E. Adorée. 1912 (Frontispício). 1090 “Quartel do Commando do Batalhão Militar do estado, em Fortaleza, 15 de março de 1914. / ORDEM DO DIA N.43 / Para conhecimento do Batalhão e devida execução publico o seguinte: / DIMISSÃO DE OFFICIAES/ Conforme officio n.265 de 13 do corrente do Exmo. Snr. Dr. Secretario da Justiça e Segurança Publica, em o qual comunica a este Commando que foi exonerado a seu pedido do posto de 1º Tenente deste Batalhão o cidadão Julio Marinho da Silva. (ASSIGNADO)” (Assentamento - 1914, Índice Guia das Fontes da Polícia do Ceará, ala 2, estante 6, prateleira 32, caixa 95, livro 238, data: 1914-1929, APEC). 1091 2º Tenente Grdº Aggdº Julio Marinho da Silva. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1092 2º Tenente Grdº Aggdº Julio Marinho da Silva. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1093 Várias partes do Ars Itálica de Angelo Bettinelli, as partes do 1ºe 2º saxes [saxhorns] em mib e a 1ª corneta em sib da peça Maria Alonso de Henrique Lustre, 1ª e 2ª corneta em sib do dobrado Tenente Furtado. 1094 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1919. Organizado por João Camara. Fortaleza: Typ. Moderna Carneiro & C., 1919, p.94, anno XXII (CD-ROM). 1095 “[…] passou a dar serviço de guarda por emergência no serviço. […] foi elogiado e agradecido pelo senhor coronel commandante pela sua dedicação, zelo e lealdade no desempenho das funcções de seu cargo[…]”2º Tenente Grdº Aggdº Julio Marinho da Silva. Livro dos Músicos - 1917-1922, f. [55?], documento não catalogado, IHPMCE. 1096 2º Tenente Grdº Aggdº Julio Marinho da Silva. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 249 instrumentou em 1918 é um importante registro da formação instrumental destes anos da banda da polícia e que servirá como análise para a compreensão da “identidade sonora” da banda, assunto a ser discutido no capítulo 7. Martiniano José Monteiro nasceu em 1886 no Ceará, de cor morena, cabelos pretos lisos, tendo ainda declarado em sua entrada na polícia ter o ofício de músico e já ser alfabetizado1097. Em 1915 já era músico da banda da polícia, uma vez que existe uma cópia da parte de requinta assinada por ele no acervo da banda1098. O conjunto não só formava novos instrumentistas no seu interior como continuava a atrair aqueles que já eram músicos antes de entrar no grupo musical. Devido a essa formação anterior, Martiniano foi se destacando desde cedo na banda e em 1917 já era músico de primeira classe1099. Neste período começa a compor, a exemplo da Canção Militar do Regimento, que ainda hoje permanece no repertório da polícia com o título de Canção da Polícia Militar1100. A música, composta por ele, recebeu letra do poeta Antônio Sales, ex- integrante e ex-presidente da Padaria Espiritual, escritor de renome nacional. A canção rendeu elogios e a composição foi registrada na folha de assentamento de Monteiro, em março de 1919, como “bela composição”. Este parecer foi dado a partir da verificação dos “técnicos”, provavelmente referindo-se ao próprio autor da letra1101. O registro acrescentou ainda que esta situação demonstrava “um profissionalismo competente” da parte de Monteiro e, consequentemente, da própria banda da polícia, por integrar em seus quadros esses músicos com tal nível de competência. O uso da palavra profissionalismo neste registro reflete o momento pelo qual a Força Policial cearense estava passando, com reformas na sua organização, formação e uma maior intensificação da militarização de seu corpo. A preocupação com a profissionalização do soldado era uma concepção presente dentro do Exército Nacional como proposta para um movimento renovador1102. O comentário sobre o profissionalismo de Martiniano Monteiro sugere que a ideia do soldado-profissional1103 circulou pela Força Policial Cearense e alcançou também a sua 1097 Músico de 1ª classe Martiniano José Monteiro. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE 1098 VERDI, G. Seleção da ópera Macbeth. Parte da Requinta. 1915. ABMPMCE. 1099 Músico de 1ª classe Martiniano José Monteiro. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1100 RODRIGUES, op.cit., 1955, p.123. 1101 Músico de 1ª classe Martiniano José Monteiro. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1102 CARVALHO, José Murilo de. As Forças Armadas na Primeira República: o Poder Desestabilizador. In: Forças Armadas e Política no Brasil. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005, p.40-41. 1103 Termo usado por José Murilo de Carvalho para explicar as justificativas usadas pelos militares republicanos na Primeira República para explicar para si mesmo e para o país sua explicação de intervenção 250 banda de música. Este reconhecimento o credenciou para o posto de 2º sargento contramestre de música, situação ocorrida em maio, dois meses após esse elogio. Foi 1º sargento mestre de música de 1920 até 1928, quando assumiu o posto de 2º Tenente Inspetor de Música1104, sendo aposentado com esta patente1105. Como em vários relatos dos assentamentos dos músicos, as prisões que Martiniano sofreu não o impediram de ascender na hierarquia policial. Os motivos de prisão e repreensão foram variados, girando em torno de faltas de trabalho ao comparecimento no quartel alcoolizado. No acervo da polícia existe uma música composta por Martiniano, a valsa Chá-Concerto, sendo a cópia mais antiga datada de 1922. Luiz Saldanha Madeiro nasceu no ano de 1900, natural do Ceará, filho de Francisco Madeiro de Albuquerque. Ao contrário da maioria dos músicos, seus sinais físicos foram descritos como uma pessoa de “côr branca, cabellos lisos, olhos castanhos, bocca pequeno [sic], rosto redondo, nariz chato”, que sabia ler e escrever, tinha ofício de músico e foi vacinado1106. O fato de ser branco o diferenciava do grupo musical com sua maioria formada de pardos e negros, embora a descrição de seu nariz “chato” parece querer demarcar sua origem mestiça. Além disso, o fato de ser alfabetizado e já possuir o ofício de músico anterior a sua entrada na polícia também o colocava em posição de destaque no grupo. Ele entrou na banda como soldado menor e aprendiz de música já que no ano de 1917, quando tinha entre 16 e 17 anos, “foi elevado a muzico de primeira classe”1107. Ainda como soldado menor recebeu diversos elogios dos superiores e comandantes pelo bom cumprimento de seus deveres, “comprovada lealdade”, asseio, ordem, disciplina, comportamento exemplar no quartel e nos atos públicos1108. Os elogios habilitaram-no a ser aceito na Força Policial quando completou 18 anos no ano de 1920. Como compositor escreveu o dobrado1109 Capitão Maciel Ribeiro (1920), pelo qual foi elogiado pelo seu “esforço e competência profissional”, ofertado ao Regimento. No na sociedade. No caso do soldado-profissional seria uma concepção de não intervenção, em que o “afastamento dos militares da política e dos cargos públicos” era visto como um pré-requisito dessa profissionalização (CARVALHO, op. cit., 2005, p.39-40). 1104 Mensagem do presidente do estado do Ceará José Moreira da Rocha, 1927, Regimento Policial, p.31. 1105 RODRIGUES, op. cit., 1955, p.64. 1106 Músico de 1ª classe Luiz Saldanha Madeiro. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1107 Idem. 1108 Ibidem 1109 O gênero “dobrado” ou “passo dobrado” é um tipo de marcha militar que se caracteriza por ter um “passo” de marcha dobrado, ou seja, duas vezes mais rápido do que o passo ordinário de uma marcha simples. No Brasil, a indicação desse gênero de marcha é denominado apenas como “dobrado”, em Portugal, como “passo dobrado”. Manteremos no texto a designação brasileira, conforme aparece no acervo da Polícia (conferir capítulo 7). 251 acervo da banda da Polícia Militar existem três valsas de sua autoria: Hilda Jucá, Margarida Weyne e 26 de Junho. Faleceu no dia 18 de junho de 1929 como 1º sargento mestre de música do Regimento Policial do Estado.1110 Segundo as fontes consultadas o 2º Tenente João Baptista de Sousa Brandão foi mestre de música e inspetor de música da banda da polícia, exercendo os cargos conjuntamente, no período entre 1929 a 19321111. A ocupação conjunta dos cargos deveu- se provavelmente à vacância do cargo de mestre de música pelo falecimento de Luiz Saldanha Madeiro1112. João Baptista compôs algumas peças que foram tocadas pela banda da polícia nos concertos de domingo na avenida 7 de Setembro (praça do Ferreira) e no Passeio Público, a citar a valsa Os teus olhos1113, o fox-trot Caçador d’Illusão1114 e o dobrado Doutor Estacio1115. Sob sua regência também foi tocada a composição de uma mulher, a marcha-canção Juarez Távora1116, com letra de Pierre Luz e música de Lucy Barroso1117, tocada pela banda da polícia mais de uma vez nos concertos de domingo1118. As várias apresentações desta peça no período de novembro de 1930 a janeiro de 1931, mais do que indicar uma boa receptividade da música por parte do público, acentua o momento político vivido pelo Brasil no período. Juarez Távora, militar e cearense, marcou sua presença na política nacional no governo de Getúlio Vargas, exercendo uma forte liderança na região norte e nordeste 1119. A música em questão foi composta para homenagear o “bravo general” e oferecida ao governo provisório do Brasil1120. 1110 A Razão, 20 de junho de 1929, p.5. 1111 A Razão, 26 de maio de 1929, p.2; A Razão, 23 de fevereiro de 1930, p.4; A Razão, 03 de setembro de 1931, p.3; Diario da Manhã, 11 de novembro de 1929, p.4. 1112 Não foi possível através da documentação consultada compreender o porquê desse acúmulo de funções ocorrido com ele. 1113 A Razão, 26 de maio de 1929, p.2; A Razão, 29 de novembro de 1930, p.7; A Razão, 17 de janeiro de 1931, p.7. Existe um exemplar da partitura Os teus olhos no arquivo da banda da Polícia Militar. 1114 A Razão, 11 de agosto de 1929, p.5; A Razão, 24 de janeiro de 1931, p.8. 1115 A Razão, 11 de agosto de 1929, p.5. 1116 A Razão, 27 de outubro de 1930, p.2. 1117 No ano de 1891, a banda de música da polícia já havia tocado a polca Club União da compositora Mariana Justa Mendes. A polca foi executada no Passeio Público e já era conhecida do público, provavelmente instrumentada para piano com uma versão feita para a banda. Quanto a Lucy Barroso, além da marcha-canção Juarez Távora, compôs a valsa Aquelle olhar e o tango-canção Livro de minha alma, com letra de Pierre Luz, todas impressas. Além de musicista, Lucy era professora de ginástica sueca no Colégio Normal Pedro II (O Estado do Ceará, 07 de novembro de 1891, p.2; A Razão, 27 de julho de 1930, p.8; A Razão, 30 de agosto de 1930, p.4; A Razão, 04 de dezembro de 1930, p.3; A Razão, 29 de agosto de 1931, p.4; Mensagem do presidente do estado do Ceará José Moreira da Rocha, 1928, Contractos, p.125). 1118 A Razão, 08 de novembro de 1930, p.8; A Razão, 22 de novembro de 1930, p.2; A Razão, 29 de novembro de 1930, p.7; A Razão, 27 de dezembro de 1930, p.2; A Razão, 24 de janeiro de 1931, p.8. 1119 MUNDIM, Luiz Felipe Cezar. Juarez Távora e a organização do estado Brasileiro: racionalismo administrativo, sindicalismo-cooperativista e cristianismo social no pensamento militar pré-golpe de 1964. Antíteses, Londrina, Paraná, v.8, n.16, p.327-352, jul./dez. 2015. 1120 A Razão, 27 de outubro de 1930, p.2. 252 No período que o mestre de música João Baptista Brandão regeu a banda, os jornais passaram a registrar um tipo de prática promovida por este mestre de música e que se tornou bastante comum no fim da década de 1920. Consistia na execução de marchas e dobrados em desfile, ou seja, a banda de música chegava e deixava o local do concerto tocando esse gênero de música. As músicas escolhidas para este momento eram marchas e dobrados, próprios para a execução em movimento, imprimiam uma ordem militar ao desfile e facilitavam o desempenho musical. Era uma forma de chamar atenção e atrair o público, uma maneira simpática e alegre de começar e terminar a apresentação. Por exemplo, em abril de 1931 o jornal A Razão mencionou que a banda da “Força Pública” chegaria ao local com o dobrado Major Peggy e iria retirar-se com o dobrado Sonhador1121. As músicas não tinham indicação do nome dos compositores, apontando para uma prática de autoria anônima comum neste gênero de música. O período que o mestre João Baptista passou a frente da banda parece ter sido de aprovação do público, sendo o único mestre de música da polícia que recebeu uma composição em sua homenagem, um dobrado intitulado Tenente João Baptista escrito por M. Sobral. As composições oferecidas com o título ligado ao nome de uma pessoa eram sinônimos de respeito, admiração e homenagem. Em 1930, o mestre João Baptista regeu na abertura do programa executado na Avenida 7 de Setembro a referida composição1122. Alguns contramestres ocuparam apenas temporariamente o lugar de mestre de música sem nunca chegar realmente a ascender ao posto. O exercício desta função ocorria apenas ocasionalmente, durante os impedimentos do titular. Foi o caso de Antonio Pinheiro Filho, natural do estado da Paraíba, descrito como de “côr branca, cabelos castanhos, olhos castanhos, boca pequena, rosto regular”. Como outros músicos brancos, o seu perfil era o de uma pessoa com mais instrução pelo fato de saber ler, escrever e possuir o ofício de músico1123. Alistou-se em agosto de 1914 na polícia cearense, sendo considerado uma “praça pronta” por já ter servido anteriormente na “classe armada”1124. Ele assumiu o cargo de mestre de música adido na 1ª Companhia, embora de forma temporária. Este “salto” de cargos, de “praça pronta” direto para um cargo mais elevado, no caso o de “mestre de música”, era possível quando o praça já havia servido no Exército 1121 A Razão, 04 de abril de 1931, p.8. 1122 Jornal A Razão, 30 de março de 1930, p.10. 1123 Músico de 1ª classe Antonio Pinheiro Filho. Livro dos Muzicos – 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1124 Músico Antonio Pinheiro Filho. 1ª Cia. – 2º Livro – 1914-1915, documento não catalogado, IHPMCE. 253 ou nas Forças Armadas1125. Já no fim do mesmo ano de 1914, Pinheiro Filho foi transferido para o Estado Menor, companhia onde se localizava a banda de música da polícia, retornando para o cargo de músico de 3ª classe. Em 1917, recebeu as “insígnias” de 2º Sargento contramestre de música. Depois de uma apresentação paga da banda da polícia na cidade de Canindezinho, por ocasião de festejos religiosos, Antonio Pinheiro Filho foi afastado da escala de tocatas fora da cidade por ter ficado indevidamente com dinheiro do contrato desse dia1126. Sobre João Alves dos Santos, sabe-se apenas que foi graduado no posto de 2º sargento contramestre em novembro de 1918, trabalhando nesta posição até abril de 1919 quando foi transferido para a 1ª Companhia do 2º Batalhão1127. Luiz Saldanha Moreira também veio transferido da 1ª Companhia do Batalhão de Infantaria para a unidade do Estado Menor no ano de 1922 quando foi graduado a 2º sargento contramestre da banda de música1128. A transferência entre companhias, comum na trajetória destes três contramestres, aponta para uma flutuação do número de músicos na banda também durante a Primeira República. A flutuação dos músicos no tempo do Império foi motivada pela característica híbrida civil-militar e das atividades por contratos. Já as do período republicano foram motivadas porque os músicos nesta época estavam integrados à vida do quartel e à função policial. Por isso, a flexibilidade numérica na banda se devia a questões internas de promoções e transferências, que objetivaram atender as necessidades das atividades policiais e não as necessidades musicais do grupo musical. 6.1.2 Menores aprendizes e músicos da banda. O regulamento de 1894 legalizou a presença de até 20 crianças, com faixa etária mínima de 12 anos, que integravam a banda de música como aprendizes. Seu tempo de serviço só passaria a ser contado quando fizessem 18 anos, recebendo até lá somente soldo1129 e fardamento1130. As leis de fixação da Força Policial aumentaram o número de 1125 BARBOSA, op. Cit.,2014, p.92-93 1126 Músico de 1ª classe Antonio Pinheiro Filho. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1127 2º Sargento Contramestre João Alves dos Santos. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1128 Luiz Saldanha Moreira. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1129 Inicialmente receberam gratificação, depois a etapa. Em 1903 passaram receber soldo, etapa e gratificação embora a soma dos valores manteve-se basicamente a mesma de antes. Retornaram a receber só a etapa em 1911 (Fundo das Leis e Resoluções Provinciais, APEC e da Coleção das Leis do Estado do Ceará, ALCE). 1130 Artigo 29º do Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1. 254 aprendizes para até 241131, reduzindo-o para 16 em 19081132. Os aprendizes tinham prioridade no preenchimento das vagas abertas na banda da polícia, mas somente quando atingissem a idade legal e se os superiores os julgassem merecedores do lugar1133. A presença de menores esteve regulamentada até 1912 quando deixaram de ser aceitos. A partir desse momento, “aprendizes” eram somente os praças alistados na polícia que pretendiam um lugar de músico e que eram escolhidos pelo corneteiro-mor e mestre para participarem das aulas de música. Estes aprendizes eram preparados para serem futuros corneteiros ou integrantes da banda de música1134. A lei de 1932 novamente permitiu a presença de menores dentro da corporação, provavelmente sendo aceitos na banda também1135. A existência dos jovens aprendizes na polícia seguia o modelo que existia na Escola de Aprendizes Marinheiros do Ceará1136 ou nas companhias de artífices do Arsenal da Marinha e da Guerra, existentes em outros estados do Brasil1137. A presença de menores na banda e na polícia servia para formar futuros músicos e praças que poderiam ser posteriormente incorporados em funções formais. No período inicial de existência da banda, a contratação de civis serviu para fundamentar e consolidar este grupo no seio da instituição policial, suprindo a falta de músicos dentro da própria corporação. Durante a Primeira República, por outro lado, a presença de menores serviu para formar os músicos policiais no interior da própria corporação ajudando a suprir a necessidade de elementos que cumprissem esta função especializada na banda e no quartel. Mesmo que músicos civis ainda fossem contratados depois de 1889, essa prática foi sendo paulatinamente substituída pelo músico formado no interior da própria instituição. 1131 Artigo 1º, § único do Projeto nº20 sancionado e publicado como lei em 08 de agosto de 1899. Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livros 25, 28, 30, data: 1897-1899, APEC. 1132 Atigo 1º da Lei nº 927 de 28 de julho de 1908. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1908. Fortaleza: Typographia a vapor, 18º volume, 1908, p.10. 1133 Artigo 29º, §1º do Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1. 1134 Artigo 56º, nº 4 e artigo 57º nº3 do Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 1135 Artigo 40º, § único do Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio. Recife: Imprensa Oficial, 1933, p.177, ALCE (Coleção das Leis do Estado do Ceará). 1136 Criada por decreto em 26 de novembro de 1864 e instalada em 26 de fevereiro de 1865 a Companhia de Aprendizes Marinheiros do Ceará recebia crianças órfãs e desvalidas às quais eram dadas instrução de primeiras letras e exercícios militares. Em 25 de março de 1890 passou a funcionar sua banda de música (Falla do presidente da província do Ceará João Antonio de Araujo Freitas Henriques, 01de setembro de 1870, Companhia de Aprendizes Marinheiros, 20-21; Gazeta do Norte, 18 de março de 1890, p.2). 1137 A Companhia de Artífices do Arsenal da Marinha e da Guerra existiam no Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, não havendo nenhuma unidade em Fortaleza (Relatório do presidente da província do Ceará João de Souza Mello e Alvim, 06 de maio de 1867, Collegio dos Educandos, p.12). 255 Em 1894 o ensino dos aprendizes era de responsabilidade do contramestre1138. Depois, em 1922, essa função passou a ser exercida por todos os músicos de 1ª classe1139. A mudança sugere o aumento das turmas de iniciantes que acarretou um aumento do número de “professores”. O percurso de José Augusto Pinto dos Prazeres exemplifica bem o que representou para a banda da polícia e para o próprio jovem este período em que a presença de menores na polícia era permitida. José Augusto Pinto dos Prazeres nasceu em 18841140 em Ipu, filho de Joaquim José Pinto dos Prazeres. Seus sinais físicos eram descritos como de “cor parda, cabelos pretos crespos, olhos pretos”, analfabeto e sem ofício. Os dados registrados de José Augusto deixavam claro o lugar social de onde ele vinha: um jovem vindo do interior do Ceará, pardo, analfabeto, sem qualificação. José Augusto não representava uma exceção em relação aos que se alistavam na polícia. Afinal, a realidade comum que se via nas cidades do interior cearense era de poucas escolas, pouca instrução formal e com poucas oportunidades de trabalho ocasionadas pelas secas. Esta situação precária era principalmente sentida por aqueles que eram afrodescendentes e pobres (mesmo sendo brancos). Dos 16 soldados menores registrados no livro da 1ª Companhia de 1895, 8 vinham das cidades interioranas com apenas 4 de Fortaleza, 3 das cidades circunvizinhas da capital, 1 de fora do estado. Todos foram descritos como sem ofício e apenas 2 sabiam ler e escrever. Dos 16, apenas 4 eram brancos, os outros foram descritos como pardos (7), morenos (3) e pretos (2). A oportunidade de trabalho, de aprendizagem e de um salário apresentaram-se como uma chance para estes jovens ascenderem socialmente e melhorarem suas condições de vida. José Augusto entrou na polícia voluntariamente em 03 de fevereiro de 1897 sendo considerado recruta no ensino, soldado menor, aprendiz de música e aluno da Escola Regimental1141. O que se observa no relato de sua trajetória é que ao longo do tempo ele foi aproveitando as oportunidades de instrução nas letras e na música para construir sua “carreira” dentro da polícia. Rapidamente passou a “pronto” como praça, tendo sido elogiado por sua aplicação na Escola Regimental. Subiu novamente de posto em 1898, 1138 Artigo 109º, §1º do Regulamento de 1894. A República, 04 de maio de 1894, p.2. 1139 Artigo 58º, parágrafo 1º do Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 1140 Os livros de assentamento registram duas datas distintas para o ano de nascimento de José Augusto: 1884 e 1886. Optamos pela primeira porque em 1897 José Augusto teria 13 anos, enquanto que no segundo caso, ele teria apenas 11 anos, idade não considerada a mínima permitida (12) para entrar na polícia. (Soldado menor José Augusto Pinto dos Prazeres. Livro da 1ª Cia - 1895, f.163, documento não catalogado, IHPMCE; 1º Sargento Mestre de Música José Augusto Pinto dos Prazeres. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE). 1141 Soldado menor José Augusto Pinto dos Prazeres. Livro da 1ª Cia - 1895, f.163, documento não catalogado, IHPMCE. 256 mas como não tinha idade para assumir tarefas de “maior”, sua graduação de Cabo e Anspeçada foram revogadas. Até 1916 não temos mais informações sobre o seu percurso. Em 1917, no entanto, ele assumiu o cargo de mestre de música, posto mais alto da hierarquia da banda policial. José Augusto Pinto dos Prazeres fez todo um ciclo de vida dentro da polícia, aposentando-se depois de 23 anos de serviço. Para uma parcela da população cearense que possuía perspectivas de mobilidade social limitada, o percurso de vida de José Augusto dentro da instituição policial comprovou ser uma significativa oportunidade de ascensão social, cultural e econômica. José Augusto passou da condição de analfabeto, sem instrução, sem ofício, para uma pessoa letrada, com ofício, atingindo o posto mais alto da carreira de músico na polícia. Esta posição implicava dizer que ele possuía prestígio entre os músicos e dentro da corporação. Somando a isto, José Augusto dos Prazeres ainda conseguiu o direito de se aposentar pela polícia. Desde a criação da banda até sua desativação em 1865, com a eclosão da Guerra do Paraguai, são poucas as informações sobre os músicos que fizeram parte do conjunto musical. Deste período sabemos apenas da participação do então músico João Moreira da Costa e Antonio Mattoso da Silva Vieira como voluntários na Guerra do Paraguai1142. A estruturação da banda da polícia reinicia-se a partir de 1871 com o retorno das atividades após o fim da Guerra do Paraguai. Pela primeira vez estabelece-se a subdivisão dos músicos em três classes com soldos diferenciados para cada um1143, sendo garantida esta nova organização no regulamento de 18731144, situação que permanecerá até quase o fim da Primeira República. Nos anos iniciais da década de 1870 foram contratados vários músicos conforme atestam dois ofícios expedidos pela Secretaria do Governo ao comandante da polícia tratando do assunto. Os tempos difíceis da guerra ainda estavam na memória e devem ter sido obstáculo para a contratação de músicos no tempo normal de engajamento de quatro anos1145. O grupo musical ainda não tinha uma organização consolidada dentro da polícia, por isso, o compromisso a longo prazo poderia não ser vantajoso para os músicos. Somente depois da diminuição do tempo de 1142 Ofício do dia 13 de fevereiro de 1865 ao comandante de polícia. Ofícios ao Corpo de Policia (1863- 1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 82, APEC. 1143 Tabelas nº1 e 2 do Projeto nº37 sancionado e publicado como lei em 23 de setembro de 1871, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 02, data: 1871, APEC. 1144 Artigo 4º do Regulamento de 1873. Lei nº 1548 de 02 de setembro de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC. 1145 Ofício ao Comandante da Polícia em 16 de fevereiro de 1871. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.194, APEC. 257 engajamento para dois anos é que se conseguiu novamente reestruturar a banda de música com uma situação que se mostrou mais viável na contratação dos músicos1146. Em 1873 a relação dos integrantes da banda da polícia contava com 17 nomes tendo a frente o mestre de música João Moreira da Costa1147. Quadro 7 – Relação dos músicos da banda da Polícia do Ceará em 1873. Músico Classe Praça assentada em João de Paula Viana 1ª 14 de março de 1871 Vidal Alves Pereira 1ª 17 de março de 1871 José Antonio de Barros 1ª 26 de maio de 1871 Vicente Borges de Araujo 1ª 22 de julho de 1871 Hermenegildo Theotonio de Paula 1ª 24 de setembro de 1872 Manoel Joaquim da Conceição 2ª 14 de março de 1871 Manoel Nascimento Braga 2ª 03 de abril de 1871 José Paulo da Silva 2ª 11 de outubro de 1871 Raimundo Gomes de Melo 2ª 10 de janeiro de 1872 Conrado Pereira da Silva 2ª 20 de maio de 1871 Antonio Siqueira de Andrade 2ª 21 de março de 1872 Jorge Francisco Ribeiro 3ª 14 de março de 1871 Trajano Francisco de Paula Brazil 3ª 15 de março de 1871 Francisco Antonio da Silva Filho 3ª 01 de julho de 1871 Jose Francisco dos Santos 3ª 02 de outubro de 1872 José Leite de Lima 3ª 20 de fevereiro de 1873 Vicente Ferreira Gadelha 3ª 01 de março de 1873 Fonte: Almanak Administrativo, Mercantil, Industrial da Província do Ceará para o anno de 1873. Edictor João Batista Vieira. Fortaleza: [s.e.], 1973, p. 322-323, segundo anno. Para o período imperial não foram localizados os livros de assentamentos dos músicos, descrevendo suas trajetórias no interior da banda. A ausência deste livro impede- nos de estabelecer um retrato social mais completo destes músicos. Desta forma, a fotografia de 1879 apresenta-se como uma fonte fundamental para compreendermos a importância e a situação dos músicos na cidade de Fortaleza durante o Império. Situando a imagem no seu tempo, a fotografia de 1879 nos remete ao fim da grande seca iniciada 1146 Ofício ao Comandante da Polícia em 13 de março de 1871. Ofícios ao Corpo de Polícia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.200, APEC. 1147 ALMANAK Administrativo, Mercantil, Industrial da Província do Ceará para o anno de 1873. Edictor João Batista Vieira. Fortaleza: [s.l.], 1973, p. 322-323, segundo anno. 258 em 1877. Este período foi um tempo de muita fome, de grande êxodo rural de pessoas que vieram do interior para a capital da província em busca de comida, um tempo de doenças e insegurança. Nestes anos de extrema dificuldade social e econômica a banda da polícia poderia ser vista como um sinônimo de “contradição”. Afinal, a presença na imagem de músicos a empunharem instrumentos caros, importados e “modernos” poderia significar uma ostentação desnecessária em um período de calamidade. Olhando por outro ângulo, esta imagem servia de “vitrine” para a própria polícia. Se, por um lado, a má imagem que muitas vezes recaía sobre a polícia era de uma instituição violenta, a imagem positiva da banda da polícia ajudava a propagar um outro grupo policial que mantinha relações mais próximas com a população. A fotografia de 1879 reflete a organização policial estampada na disposição dos músicos e seus instrumentos, o “asseio” dos músicos, termo bastante citado nos jornais para demonstrar o grau de “civilização” da polícia, a postura física e a constatação de que eram homens bem alimentados, a clareza na disposição dos integrantes e a ordem interna estabelecida com a percepção clara de quem é o mestre e contramestre de música. Todos estes aspectos ajudaram a afirmar a importância da banda de música no seio da polícia e nas relações mantidas com a população da cidade. Neste mesmo ano de 1879, o grupo musical deve ter recebido um número significativo de pessoas alistadas vindas do interior do Ceará. Tomando por base o livro de assentamentos da Guarda Cívica, que registra a entrada de interessados a partir de 18811148 e dos alistamentos dos músicos na década de 18951149, é possível concluir que o número de pessoas que se alistavam vindas do interior do Estado representava mais de 50% do total dos alistamentos. Além disso, o livro da Guarda Cívica indica também que a maior parte dos alistados não tinha ofício. Portanto, estes números poderiam já ser aplicados em 1879 se pensarmos no imenso êxodo rural que ocorreu nos anos da seca de 1877, com a diminuição de oportunidades de trabalho e a falta de comida no interior. Sendo assim, para os aspirantes a músicos ou os declarados com o ofício de músico no momento do alistamento, o grupo musical se mostrava como uma grande oportunidade de emprego e de oportunidade para usufruir dos benefícios que a polícia oferecia. Para uma província que passava por um grande abalo social a fotografia da banda de 1879 era sinal de luxo, mas também sinal de esperança e oportunidade. 1148 Livro de assentamento da Guarda Cívica – livro 77, 1890-1892, documento não catalogado, IHPMCE. 1149 Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado, IHPMCE. 259 Outra importante questão que a fotografia de 1879 revela é a presença de um grupo cultural miscigenado no qual conviviam negros, brancos e “pardos” (e suas variantes classificatórias utilizadas pela polícia como “morenos”, “morenos claros”, “mulatos”). Antes de tratarmos da questão cultural representada por este grupo miscigenado, é importante compreendermos o lugar social destas pessoas que compunham a banda da polícia. Além do aspecto sobre a naturalidade dos participantes, mencionada no parágrafo anterior, outro importante dado foi a descrição física dos integrantes. No levantamento de 42 músicos adultos inscritos no livro da 1ª companhia de 1895 quase que a totalidade foi descrita na documentação como “parda” (17), seguindo por 6 descritos como “pretos”, 2 descritos como “morenos” e apenas 1 da “cor” branca, com 16 não contendo nenhuma informação1150. Concluímos destes números que o alistamento de brancos foi diminuto e o elemento miscigenado foi o sujeito predominante1151. Essa situação não destoava do censo de 1872 em que o número de “pardos” e “caboclos” contados na população do Ceará era de 56%1152. O número predominante de miscigenados na população do Ceará, descrito no censo de 1872, apareceu refletido no número de músicos alistados em 1895. A situação mesclada dentro da polícia era algo notório, descrita e discutida nos jornais1153. Observando a imagem de 1879, é possível afirmar que a presença do elemento miscigenado também foi predominante na banda da polícia. Ao dizer isto, é possível confirmar que todos eram homens livres? Partindo da premissa que os pardos eram considerados de descendência negra e podiam ser escravizados1154, e que muitos escravos fugiam para assentar praça com outro nome1155, é possível que existissem escravos no meio da banda de música. Por 1150 Idem. 1151 Sobre as diversas denominações resultantes das diferentes “misturas” biológicas ocorridas ao longo do século XVI e XVIII no Brasil e na América espanhola conferir PAIVA, op.cit., 2012. 1152 FUNES, op. cit., 2007, p.105. 1153 “Vae ser escolhido o pessoal da policia, sendo chamados para os cargos, nas localidades, os homens da situação. E desde logo começão as difficuldades do governo para o sr. Calmon. […] Ha de ser tudo isso uma lutta, capaz de torturar o espirito a um homem do sul, que não conhece o tété teté [tête-à-tête] da política do norte, tão pouco o pele méle da do Ceará. Basta considerar, que em poucas nomeações, declarou- se logo um conflicto entre o sr. Souza Mendes e o seu chefe de policia! […]” (Gazeta do Norte, 03 de outubro de 1885, p.1). 1154 MILES, Tshombe L. A luta contra a escravatura e o racismo no Ceará. Tradução: Denise Costa. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2001, p.55. 1155 O jornal Cearense publicou na parte das notícias oficiais do governo uma nota da Secretaria Militar do Ceará em que o referido órgão respondeu ao requerimento feito por Rita Maria de Jesus acerca de um pedido de indenização do valor referente ao seu escravo Raymundo que assentou praça no 15º Batalhão de Infantaria. A comunicação foi expedida pelo ministério de guerra com sentença favorável a reclamante na qual mencionava a questão do referido escravo ter sido inscrito como praça com seu nome devido ou suposto. Sidney Chaloub menciona casos semelhantes de escravos e até libertos que recorreram a polícia com objetivo de conseguir proteção ou simulando um crime para “escapar a um destino indesejável”, como 260 outro lado, o autor Tshombe Miles constata que no Ceará os homens livres que trabalhavam era na sua maioria brancos ou de “sangue misto”, com uma minoria classificada de negra e em menor participação, o índio1156, situação refletida na imagem de 1879. Portanto, sendo escravos ou livres, o que a fotografia da banda da polícia de 1879 aponta é a forte característica miscigenada do grupo de música policial. Mesmo depois da abolição no Ceará, em 1884, e analisando o livro de assentamentos de 1895 e o livro de assentamentos dos músicos de 1917, constatamos que houve uma permanência da predominância dos “pardos” em relação aos brancos e negros para todo o período estudado. Se antes da abolição a banda de música policial representava oportunidades de emprego, benefícios de instrução e mobilidade social, essa situação não mudou depois da abolição e durante a Primeira República. A falta de medidas promotoras da integração dos libertos na sociedade fez com que a corporação policial continuasse a ser um lugar almejado pelos afrodescendentes e brancos pobres depois de 1888. Os aspectos de ascensão econômica e social e os benefícios culturais que serviram de “atrativos” para que muitos ingressassem na polícia no período anterior a abolição se mostraram igualmente interessantes no período seguinte. Após a proclamação da República, a instituição policial permaneceu concedendo direitos “trabalhistas” aos seus integrantes, como assistência de saúde, licenças, férias, promoções existentes desde o período do Império1157. A continuidade da predominância de um grande número de pessoas vinda do interior do estado, do grupo denominado de “pardos”, “negros”, “morenos”, e daqueles ditos sem ofício na banda da polícia foi consequência de uma situação socioeconômica cearense, mas também brasileira, que não se preocupou nem com a integração do ex- escravo na sociedade nem com a camada da população também marginalizada por sua descendência africana e pobre1158. A esfera miscigenada da banda da polícia reflete uma forma de convivência cultural e um tipo de expressão artística que não foi considerada nos estudos sobre os o de serem vendidos para um lugar que não queriam, como, por exemplo, as fazendas de café (Cearense, 16 de março de 1879, p.1, grifo nosso; CHALHOUB, op. cit., 2011, p.35, 219). 1156 MILES, op. cit., 2001, p.51. 1157 “[…] ao longo das três primeiras décadas do século XX, […]. Diferentemente de outras categorias de trabalhadores do país, algumas forças policiais do Brasil, como a cearense, possuíam direitos que lhes asseguravam serviços médicos, férias, aposentadoria e licenças” (BARBOSA, op. cit., 2014, p.117-118). 1158 “Entrando na sociedade livre com pouco ou nenhum capital, muitos deles com habilidades profissionais que somente se adaptavam à decadente economia de grande lavoura, e enfrentando a contínua discriminação de cor e ou da condição de ex-escravos, boa parte dessa população teve dificuldades para ascender socialmente da classe trabalhadora” (LUNA, Francisco Vidal, KLEIN, Herbert S. O fim da escravidão. In: Escravismo no Brasil. São Paulo: Edusp: Imprensa Oficial do estado de São Paulo, 2010, p.338; MORAES; op. cit., 1997, p. 57-67) 261 negros no Ceará. As pesquisas sobre este tema levam normalmente em consideração as expressões culturais ditas de origem africana, como os autos de rei congo, os “sambas” e os maracatus1159. Neste sentido, a banda de música da polícia, com seu repertório de cunho europeu, militar, urbano, contemplando os trechos de óperas, os dobrados e marchas os vários tipos de danças instrumentais, foi colocada de lado como não representativa de uma realidade cultural de origem africana. Contudo, o fato de se constatar a presença de negros e de afrodescendentes miscigenados na banda de música da polícia cearense em um tipo de manifestação artística que normalmente não foi mencionada nas pesquisas culturais cearenses como também sendo uma forma de expressão dos negros e dos descendentes miscigenados, demonstra uma redução do tema e exigindo uma ampliação sobre a compreensão do assunto. Como mencionamos no capítulo 2, a “banda de música” enquanto grupo esteve associada às práticas musicais dos negros e miscigenados em todo o Brasil desde o século XVI. O que aconteceu com as bandas policiais militares instauradas a partir da primeira metade do século XIX é que elas deram continuidade a essa tradição ao alistar em suas fileiras principalmente os negros e miscigenados pobres. Portanto, a realidade que se observa na banda policial cearense não foi diferente do que aconteceu no restante do Brasil1160. O grupo musical da polícia do Ceará representou tanto uma face “erudita” quanto “popular” de um repertório por ela executada. A compreensão do que era ser “erudito” para este grupo e para os próprios músicos precisa ser entendida na relação com as músicas tocadas por eles. A execução das peças de obras teatrais de origem operática, por exemplo, escritas principalmente por compositores europeus como Rossini, Verdi, Wagner, exigia dos músicos da polícia um conhecimento musical mais acadêmico. Por outro lado, as músicas de salão, as marchas e dobrados, poderiam ser consideradas “populares” porque não exigiam dos músicos conhecimento musical tão específico e uma habilidade técnica tão aprimorada para que fossem executadas a contento, visto que a tessitura, as variações de dinâmicas e o controle técnico do instrumento eram menos exigentes do que as das composições baseadas nas óperas. A simplicidade de escrita musical relacionava-se também ao próprio desconhecimento formal de música de muitos compositores locais, já que a maior parte deles não possuía estudos regulares em escolas 1159 Ver a discussão sobre esse assunto e a bibliografia citada na Introdução, NR 133. 1160 Vide o caso do “pardo” Areré no início do século XIX que entrou como praça no Regimento de Mílicia dos Homens Pardos do Ceará e depois foi graduado a oficial para ser mestre de música da banda do batalhão de1ª linha, assunto que foi discutido no capítulo 3. 262 de música, diferentemente dos compositores de música europeia que a banda da polícia executava. A “erudicidade” do grupo poderia ser identificada também nos instrumentos “modernos” que eles tocavam. Era necessário conhecimento técnico para produzir som corretamente. Os vários gêneros de composições elencadas anteriormente e as composições dos mestres de música comprovam quão produtiva e importante foi esta atividade para os participantes deste grupo miscigenado e para o seu impacto na vida cultural da cidade de Fortaleza. Para os músicos que fizeram parte da banda da polícia, o grupo agregou um grau de reconhecimento e distinção aos seus integrantes. O fato de executarem músicas de linguagem elaborada, de saberem tocar um instrumento que exigia conhecimentos técnicos especializados, de participar em uma banda bastante requisitada para tocar em eventos políticos frequentados pela elite cearense, dava aos seus participantes uma sensação de diferença e prestígio por participar do conjunto. Contudo, este reconhecimento foi, de certa maneira, limitado. A carreira de músico, vista a partir da elite intelectual e econômica de Fortaleza, não era uma das mais influentes ou importantes. Se por um lado, os músicos tinham uma relação diferenciada com as autoridades, participavam de festas das elites, mantinham contatos com autoridades superiores, por outro lado, seu lugar na sociedade estava próximo ao patamar dos pobres. Esta situação é bem explicitada no “banquete dos pobres” realizado por ocasião da festa da abolição em 1884, em que a fartura da mesa foi tão grande que as “sobras do jantar” alimentaram os músicos que prestavam homenagem aos pobres1161. Se as sobras foram tão abundantes porque os organizadores não se juntaram aos músicos da polícia? A diferença social não os “permitia” sentarem-se em conjunto. Para a elite social de Fortaleza, para as autoridades políticas e religiosas, foi realizado um jantar em que os músicos da polícia estavam presentes, mas tocando1162. Na sociedade de Fortaleza, os músicos exerciam uma arte “divina” e como tal o seu lugar não era o mesmo dos pobres; por outro lado, no entanto, os músicos não compartilhavam das benesses da mesa dos cavalheiros e senhoras pois estavam “a serviço” da elite da qual não faziam parte. O historiador Tim Blanning traz a tona a discussão sobre a distância existente entre a posição assumida pelo músico na sociedade e o prestígio que eles adquiriram por 1161 Libertador, 01 de abril de 1884, p.2. 1162 Libertador, 02 de abril de 1884, p.2-3. 263 exercerem uma arte considerada divina1163. Em vários momentos da história o músico foi tido como escravo embora a arte musical tenha sido “venerada como o meio ideal de transmitir ordens divinas e agradecer por elas”1164. A presença de compositores, cantores e músicos trabalhando em festas de corte sem gozarem das regalias das festas eram também situações comuns encontradas em vários países da Europa1165. O lugar dos músicos era um lugar “entre” grupos e situações, uma posição intermediária, da mesma forma que a banda com o repertório que tocava ocupou um lugar intermediário, entre fronteira, assunto que veremos adiante. 6.2 A BANDA NA CIDADE. 6.2.1 Espaços de atuação. A vida cultural da cidade de Fortaleza começou a ganhar um grande impulso a partir da segunda metade do século XIX. A construção do primeiro teatro, o Concórdia, no fim da primeira metade do Oitocentos, constituiu um marco precursor de transformação da vida cultural da cidade ajudando a fazer de Fortaleza um local de produção e exibição de espetáculos locais e lugar de passagem para as produções de fora se exibirem1166. Foi o caso da Companhia dos irmãos Uguccioni, a primeira companhia de fora a se apresentar em Fortaleza no ano de 1852. Os dois irmãos italianos permaneceram por algum tempo na cidade dando aulas de canto e instrumento1167. Segundo o memorialista Raimundo Girão, o “calor artístico” advindo da presença dos Uguccioni serviu de estímulo para a fundação da banda de música do Corpo de Polícia em 18541168. Mais importante, no entanto, é notar que a criação da banda da polícia foi verdadeiramente um marco no desenvolvimento na vida musical e cultural de Fortaleza. A partir de meados da década de 1850 a cidade passou a ter um conjunto financeiramente estável e atuante, tanto em eventos ligados ao governo quanto os de cunho particular. A banda foi fundamental na forma como fomentou o aprendizado de instrumentos de sopro 1163 BLANNING, Tim. O triunfo da música: a ascensão dos compositores, dos músicos e de sua arte. Tradução Ivo Korytowski. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p.21-31. Título original: The triumph of music: the rise of composers, musicians and their art. 1164 BLANNING, op. cit., 2011, p.21. 1165 Idem, p, 28. 1166 Pedro II, 09 de junho de 1852, p.4. 1167 GIRÃO, op. cit, 1997, p.139. 1168 Idem. 264 e percussão. Mesmo com a organização das primeiras escolas formais de música em Fortaleza: em 1919 pelo maestro Henrique Jorge1169 e em 1927 com a Escola Carlos Gomes1170, o ensino de instrumentos de sopro e percussão foi sempre muito limitado, restringindo-se a flauta e o clarinete. O aprendizado dos instrumentos de “banda” aconteceu, durante muitos anos, somente dentro do grupo da polícia. O conjunto musical policial constituiu-se, nos dois períodos políticos estudados, no único grupo artístico mantido pelo governo, existindo de forma quase contínua, sem desativações, após 1871, sempre bastante presente nas atividades políticas, sociais e culturais da cidade, especialmente durante o Segundo Reinado. Seu grau de atuação diminuiu durante a Primeira República em decorrência do aparecimento de outros grupos (bandas e orquestras civis), da diminuição paulatina da contratação de músicos civis pela banda da polícia e do endurecimento da militarização adotada pela instituição policial que limitaram a banda as atividades oficiais militares em detrimento de eventos civis. O principal campo de atuação da banda da polícia foi o espaço urbano, sobretudo na cidade de Fortaleza, onde ensaiava e fazia a maioria de suas apresentações. Sua participação em eventos no interior da província durante o Império resumia-se mais a apresentações oficiais do governo, onde havia a participação do presidente da província ou, pelo menos, a presença do comandante ou chefe de polícia. As inaugurações das estações de ferro e seus prolongamentos eram sempre motivo para a realização de festas políticas e cívicas com fogos de artifício, discursos, almoço, às vezes seguidos de danças, sendo normalmente a banda da polícia solicitada para tocar no dia. Algumas vezes outra banda local se juntava à solenidade. Como exemplo, podemos citar a visita à linha da estrada de ferro de Baturité até Pacatuba pelo presidente da província, desembargador Estellita, em 1877. Saindo de Fortaleza às 7 horas da manhã com várias famílias e a banda da polícia, a comitiva chegou ao local onde foi servido um “lauto almoço” e onde “antes e depois da mesa dançou-se no espaçoso salão da câmara”. É provável que neste evento tenham estado presentes duas bandas de música, já que o jornal menciona que a banda da polícia tocava nos “intervallos lindas e escolhidas peças”. Às 6 horas a comitiva retornou à capital1171. Em outra ocasião, no ano de 1889, a banda da polícia acompanhou o 1169 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1922. Director: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Gadelha, 1922, p.192 (CD-ROM). 1170 ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1930. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typographia Progresso, 35º anno, 1930, p.73 (CD-ROM). 1171 Cearense, 08 de março de 1877, p.2. 265 presidente, Conselheiro Ávila, no expresso que seguiu para a cidade de Canôa, onde este se encontrou com o príncipe consorte Conde D’eu em seu regresso para Quixadá (sertão central cearense)1172. Fora deste âmbito oficial, o conjunto deslocou-se em algumas ocasiões para as cidades circunvizinhas de Fortaleza como Maranguape1173, Arronches1174 e Soure1175. Em eventos não oficiais, a banda esteve bastante presente em todos os tipos de situações, tocando em bailes, inaugurações diversas, festas de cunho particular, enterros, procissões religiosas, festas de padroeira, Semana Santa, Corpus Christi, teatros, circo, passeatas, manifestações cívicas e políticas. Por ser um conjunto pago pelos cofres provinciais e possuir uma natureza civil-militar, a banda da polícia era tida como um grupo que existia para ser usufruído pela população. Algumas vezes era paga, outras vezes era necessário apenas solicitar sua presença no evento, pedindo ao comandante da polícia ou presidente da província que podia ou não liberar o grupo. Durante a Primeira República, com a acentuação da militarização e das funções próprias do trabalho policial, os músicos passaram a “tirar” mais serviço no quartel e a deslocar-se em diligências para o interior, situação que não ocorria no regime político anterior1176. Observa-se uma diminuição pouco a pouco de sua atividade nos eventos civis registrados nos jornais de Fortaleza no período compreendido entre1889 a 1932. No livro de registros dos pagamentos feitos à banda da polícia para o período de junho de 1891 a abril de 1894, é possível observar que a banda tocou em 74 lugares e, em alguns deles, mais de uma vez1177. Quase todas as apresentações aconteceram em Fortaleza, seguindo uma rotina já registrada durante o Segundo Império: bailes, enterros, festas religiosas, casas de particulares, passeatas, teatro, circo, clubes. Nas regiões vizinhas, a banda tocou por contrato algumas vezes na cidade Parangaba e Maranguape1178. A cidade mais distante da capital em que tocou por ajuste financeiro foi, numa única ocasião, em setembro de 1893, quando a banda seguiu para Canindé (cerca de 120 quilômetros de Fortaleza) apresentando-se alguns dias na festa religiosa desta 1172 Gazeta do Norte, 06 de agosto de 1889, p. 2. 1173 Cearense, 17 de dezembro de 1876, p.3. 1174 Cearense, 06 de julho de 1879, p.4. 1175 Cearense, 16 de dezembro de 1884, p.1. 1176 Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1177 Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, APEC. 1178 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica no mez de dezembro de 1893, janeiro de 1894, fevereiro de 1894. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.24 (verso), 25 (verso), 26 (frente), APEC. 266 cidade1179. Nos anos seguintes a banda diminuiu pouco a pouco a sua presença em eventos de natureza civil, aparecendo mais em tocatas pagas nas regiões circunvizinhas, englobando além das cidades já mencionadas, as cidades de Guaiúba e Messejana1180. Mesmo que o campo de atuação da banda tenha por vezes ampliado, ela continuou a ter a característica de uma banda urbana, atuante especialmente em Fortaleza. Outra evidência da redução da atuação da banda em atividades civis, sociais e culturais da cidade de Fortaleza, foi o pedido, enviado por intermédio de um jornal, em 1905, de algumas senhoras ao comandante da polícia, solicitando apresentações da banda nas praças da cidade. O pedido foi aceito pelo comandante que determinou que a banda da polícia tocasse “sempre” às terças-feiras na Avenida 7 de Setembro e às quintas no Passeio Público, das 7 às 9 da noite. A resposta sugere um retorno da banda, particularmente às apresentações no Passeio Publico que havia sido reaberto em 02 de julho de 19051181. O pedido revela a boa ligação que a banda da polícia mantinha com uma parte da população, que reconhecia nas atuações da banda em praças públicas um elemento significativo para a vida cultural da cidade1182. Na década de 1920, o evento que contava com a participação da banda mais divulgado nos periódicos locais foram as “retretas”, designação frequente dada as apresentações da banda da polícia em praças públicas e que permanece até hoje no vocabulário das bandas de música1183. Os eventos em que a banda participava podem ser resumidos em dois tipos: os oficiais e os não oficiais. Ambos podiam ocorrer em espaços abertos (ao ar livre) ou fechados (dentro de edifícios). Os oficiais eram aqueles ligados ao exercício da função militar da polícia e aos compromissos oficiais do governo. Estes eventos contavam com a presença das autoridades políticas e policiais da época, ou seja, o presidente da província e, posteriormente, do estado do Ceará, seus secretários, o comandante da Força Militar de Polícia e do Batalhão do Exército além do chefe de polícia. Os eventos ligados às funções militar e policial podiam ser trabalhos internos ao quartel e externos a ele. Em todos os casos, nos eventos oficiais, a banda tocava de graça, afinal era o exercício de uma função que lhe era própria. Os desfiles e paradas militares resumem bem o seu serviço, mas o trabalho da banda não se reduzia a estes dois tipos. Todo e qualquer evento em que 1179 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de setembro de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.22 (verso), APEC. 1180 Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 1181 Jornal do Ceará, 30 de junho de 1905, p.2. 1182 Jornal do Ceará, 02 de junho de 1907, p.2. 1183 A Razão, 26 de maio de 1929, p.2. 267 estivessem presentes as autoridades políticas e ou policiais podia contar com a presença do grupo. A participação do conjunto em eventos oficiais ocorria especialmente nos que contavam com a presença do presidente da província, como as inaugurações diversas de estradas de ferro1184, praças1185, estátuas1186 entre outros. Quanto aos eventos não oficiais, eles tinham uma natureza civil, solicitada e promovida por particulares, sendo a banda normalmente paga pelo serviço ou cedida mediante autorização do comandante. Estes trabalhos podiam ser desde enterros, festas religiosas, mas também passeatas e recepções a políticos no âmbito de atividades partidárias, apresentações em teatros, restaurantes, bailes e inaugurações. Depois de 1889 tornou-se mais comum a execução de alvoradas pela banda da polícia. As alvoradas eram apresentações em que a banda tocava bem cedo pela manhã, no alvorecer do dia, executada dentro ou fora do quartel, como parte de algum tipo de comemoração, estadual ou nacional. Estes eventos podiam contar com a presença conjunta da banda do Exército ou da banda da Escola de Aprendizes Marinheiros, situação que ocorreu sobretudo na primeira década após a proclamação da República. Por exemplo, na ocasião da comemoração do dia 14 de julho de 1890, data do aniversário da Revolução Francesa, a banda do Corpo de Segurança tocou uma alvorada juntamente com a banda do 11º Batalhão na praça General Tibúrcio, em frente a casa do governador, percorrendo depois as ruas da cidade1187. No dia 21 de abril de 1892 ocorreu uma alvorada festiva seguida de passeata pelas ruas da cidade tocada pelas bandas do 11º Batalhão de Infantaria e do Corpo de Segurança. A data celebrava a festa nacional em honra dos precursores da Independência brasileira, resumida em torno da figura de Tiradentes. Neste dia, de tarde, a banda da Escola de Aprendizes tocou no Passeio Público e à noite as duas bandas militares, a de Aprendizes e a da Polícia1188. Em outro momento, a alvorada musical que a banda da polícia tocou no quartel abriu a programação de dois dias de festa em comemoração a proclamação da República1189. Normalmente essas festas nacionais continuavam ao longo do dia com passeatas e à noite com tocatas ou bailes no Passeio Público. Com a assinatura do Convênio Federal, em 1918, o regulamento policial seguinte, de 1922, estabeleceu algumas situações de serviço dentro do quartel que 1184 O Patusco, 14 de dezembro de 1890, p.2 – Inauguração da Estação de Riachão e Caganty. 1185 Constituição, 31 de julho de 1888, p.2 – Inauguração da Avenida Caio Prado no Passeio Público. 1186 Constituição, ‘6 de abril de 1888, p.2 – Inauguração da estátua do General Tibúrcio. 1187 Libertador, 15 de julho de 1890, p.2. 1188 A República, 19 de abril de 1892, p.1. 1189 A República, 12 de novembro de 1894, p.3. 268 deveriam contar com a participação da banda. Os exercícios para “aperfeiçoamento especial dos movimentos e evoluções militares”, os dias de festa nacional, o tocar nas formaturas, a festa da bandeira1190 faziam parte destes tipos de serviços. Em resumo, durante o Império a banda da polícia esteve mais presente na vida social e cultural civil de Fortaleza, enquanto que, na Primeira República, aumentaram as apresentações em eventos oficiais ou mais diretamente ligados ao cumprimento da função policial. O fato da banda ter passado por um processo de transformação de sua condição, de civil-militar para uma banda estritamente militar-policial, esta mudança alterou seu grau de participação e relação com a sociedade de Fortaleza. Esta transformação atingiu também o plano visual do grupo que adotou, a partir de 1892, os uniformes de “grande gala” para os músicos, seguindo o plano geral de reformulação dos fardamentos policiais baseado nos utilizados pelo Exército nacional1191. A mudança da condição da banda é uma questão primordial para compreender a sua atuação e o grau do impacto do conjunto policial na esfera social e cultural da cidade. Analisando os diversos lugares em que a banda esteve presente, é possível compreender que ela teve uma participação singular na vida cultural, social e econômica da população de Fortaleza, embora sentida de maneira diferenciada ao longo dos anos. Os concertos ocorridos em praça pública e espaços abertos como jardins foram o tipo de apresentação mais regular que a banda da polícia manteve ao longo dos anos. Somente durante o governo do Coronel Ferraz (1889-1891), em que ela parou de tocar por ordem do mesmo governo, sem motivo informado, retornando em 1892 após a deposição de Ferraz, a banda não tocou em espaços públicos. Tocar em praça pública foi o primeiro compromisso não oficial firmado por lei que a banda executou1192. A praça que inicialmente a banda se apresentou foi a Pedro II1193, futura praça do Ferreira. 1190 Regulamento de 1922. Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. O Regulamento dispõe que as formaturas e as de festa nacional deveriam ser feitas pela banda de cornetas. Entendemos, porém, que na falta deste grupo, a banda da polícia era a responsável por realizar o evento. 1191 RODRIGUES, op. cit., 1955, p.53. 1192 Artigo 3º da lei nº 853 de 23 de agosto de 1858. CEARÁ, op. cit, Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa (org.), p.214, Tomo III. 1193 O historiador Sebastião Ponte menciona que na praça do Passeio Público tocava a “banda municipal” às quintas e domingos. No seu livro sobre Fortaleza na Bélle Époque, este autor escreve que o intendente de Fortaleza, Ildefonso Albano (1912-1914), “criou uma banda municipal para, uma vez por semana, tocar nas retretas dos logradouros públicos” (PONTE, op. cit., 2010, p.60). Em nossas pesquisas, não localizamos nenhum documento que indique que uma “banda do município de Fortaleza” tenha existido durante todos os períodos da pesquisa. Contudo, no Almanaque do Ceará para o ano de 1918, o editor lista que na avenida- jardim General Tibúrcio havia “música aos sábados”, além das tradicionais “músicas” no Passeio Público às quintas e domingos e terças-feiras na praça Marquês de Herval. Para este ano o editor não listou atividade musical na praça do Ferreira, o que pode indicar um deslocamento da banda que tocava neste espaço para 269 Quando a construção do Passeio Público foi concluída, em 1880, foi aprovado um artigo na lei orçamentária da Polícia obrigando o conjunto musical a ir tocar no Passeio nos dias santificados e de festa nacional de 7 de setembro às 9 da noite1194. Na realidade, para além dos dias estipulados, a banda tocou nos domingos do ano no mesmo horário. O Regulamento da polícia expedido em 1894 incluiu esta obrigação em artigo, ampliando e deixando explícito no texto que a banda deveria tocar todas as quintas-feiras, domingos e dias de festa nacional e estadual, entre 7 e as 9 da noite no Passeio Público 1195. Para além deste espaço, outras praças receberam a banda da polícia, como foi o caso da praça General Tibúrcio, antigo Largo do Palácio1196. Em 1888 aconteceu aí a inauguração do monumento em honra ao general Tibúrcio sendo realizado uma imponente marcha cívica que partiu do Passeio Público em direção à praça General Tibúrcio. O evento envolveu as bandas do Corpo de Polícia, do 11º batalhão e vários membros da sociedade e prolongou-se pelos dois dias seguintes, sempre com a apresentação das duas bandas militares1197. A programação de inauguração do Parque da Liberdade, em 13 de maio de 1890, foi aberta com banda da polícia a tocar. No relato deste evento, o jornal menciona que o povo foi atraído ao local porque a banda da polícia estava tocando, mostrando a importância que este grupo tinha no contexto cultural da cidade. Sua presença era sinônimo de festa, de alegria e diversão1198. Outra praça que recebeu várias vezes o conjunto policial foi a Marquês de Herval, que ostentava um jardim com o nome de Nogueira Accioly1199. Por ocasião da estreia do Gremio Sportivo a associação promoveu uma corrida com amadores nesse local durante a qual tocou a banda do Corpo de Segurança1200. Na década de 1920 a praça escolhida para as apresentações regulares da banda da polícia foi do Ferreira, chamada por esta época de Avenida 7 de Setembro1201. a praça General Tibúrcio O emprego da expressão “banda municipal” para antes de 1912 não era o mais correto, visto que neste período anterior só existia as bandas da Polícia, do Exército e da Escola de Aprendizes Marinheiros, esta depois de 1890, tocando no Passeio Público. Se a expressão foi utilizada, ela pode ser decorrente do fato da banda da polícia ter tocado assiduamente nos anos iniciais em que a praça Pedro II foi também chamada de “praça municipal”. A associação do espaço com a banda que frequentemente se apresentava por lá pode ter gerado a denominação confusa de “banda municipal”. (PONTE, op. cit., 2007, p.170; ALMANACH Estatistico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Literario do estado do Ceará para o anno de 1918. Director e organizador: Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Typ. Moderna-Carneiro & Cia, 1918, p.177-178, 21º anno (CD-ROM); GIRÃO, op. cit,1997, p.125; 129). 1194 Artigo 8º do Projeto nº29 sancionado e publicado como lei em 03 de setembro de 1880, Fundo Leis e resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 10, data: 1880, APEC. 1195 Artigo 36º do Regulamento de 1894. A República, 20 de abril de 1894, p.1. 1196 NIREZ, op. cit., 2006, p.26. 1197 Constituição, 06 de abril de 1888, p.2 1198 Libertador, 13 de maio de 1890, p.3. 1199 A República, 13 de novembro de 1895, p.1. 1200 Jornal do Ceará, 19 de junho de 1905, p.1. 1201 A Razão, 26 de maio de 1929, p.2. 270 A permanência da atividade de “tocar em praça pública” está relacionada com o objetivo proposto na origem dessa atividade que remonta ao ano 1858. O motivo para que a banda da polícia tocasse na praça da Municipalidade aos domingos e dias santos era promover o entretenimento, principalmente para a camada da população economicamente pobre e com menos possibilidade de ter acesso a espetáculos musicais considerados mais cultos1202. Durante a década de 1850, Fortaleza resumia-se artisticamente às representações pagas no Teatro Thaliense. A proposta do deputado Gustavo Barroso era fornecer entretenimento não pago aos não frequentadores deste Teatro. A ideia dele não era original, se juntava a uma prática mundial em que as bandas exerciam o papel de “educadores públicos e animadores”1203 culturais. Numa cidade em transformação, os concertos da banda neste espaço ao ar livre serviram para educar ou “civilizar” musicalmente toda a população que ali acorria ou que por ali casualmente circulava. O Passeio Público representou desde a década de 1880, quando de sua inauguração, até à década de 1930, um teatro público com concertos ao ar livre. A organização estrutural do espaço era dividida em três planos. O primeiro plano era frequentado pelas elites, o segundo, pela classe média, e o terceiro, pelas classes populares. Embora não fosse proibido transitar pelos planos diferentes, o código de posturas da cidade acabava impondo essa permanência de cada um em seu espaço contribuindo para estabelecer uma divisão da população em cada um deles1204. Se a segregação social fomentada pela disposição estrutural da praça em três planos existia de fato, os concertos da banda da polícia e do exército, que se alternavam em dias pré- estabelecidos, promoviam uma atração socialmente mais ampla que ajudou a ultrapassar essa divisão. Os concertos das bandas da polícia e do exército contribuíam para fomentar um espaço de convivência e circulação de pessoas de diferentes extratos socioculturais em um espaço comum. O Passeio Público personificou o que Rancière chama de “partilha do sensível”, isto é, “o comum partilhado”. Neste sentido, a praça tanto é encarada como um todo, partilhado, mas que contém, ao mesmo tempo, suas partes exclusivas, os três planos1205. A competência para esta estratificação foi sancionada pela esfera política a 1202 Ordem do dia da sessão de 11 de agosto de 1858 da Assembleia Provincial do Ceará. Jornal Pedro II, 09 de setembro de 1858, p.4. 1203 HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p. 176. 1204 FARIAS, op. cit., 2012, p.182. 1205 RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Ed. 34, 2005, p.15. 271 alguns que determinaram quem podia andar, locomover-se, estabelecendo em quais espaços e momentos que esses encontros podiam acontecer1206. Na imagem abaixo, vemos o plano principal do Passeio chamado de Caio Prado onde, em princípio, deveriam circular somente as “damas e moças formosas” da cidade e os cavalheiros, enquanto as “morenas e mulatas” deveriam passear pelo segundo plano recebendo galanteios de sua própria “rapaziada”1207. Observando os dois senhores à esquerda na imagem e comparando seus trajes e “qualidades” físicas com os senhores ao fundo à direita, evidencia-se que a mistura e interação entre camadas sociais existia neste espaço público, mesmo que mantivesse as relações de poder preexistentes. Nos dias em que a banda da polícia tocava, seja aos domingos ou em festejos públicos, as notícias dos jornais indicavam para uma circulação entre as pessoas de camadas sociais diferenciadas no mesmo plano. Por exemplo, na Festa da Liberdade, realizada no dia 25 de março de 1881, quando ocorreu a libertação de 35 escravos, o programa no Passeio Público agrupou uma multidão de três mil pessoas, juntamente com os abolicionistas Antonio Bezerra, Frederico Severo, João Cordeiro, além do Clube dos Libertos, poetas, estudantes jovens, senhoras, a banda da polícia e a banda do exército, todos circulando no mesmo local e cantando o hino da Sociedade Libertadora1208. Figura 1 – Praça do Passeio Público no início do século XX [c. 1919]. Fonte: Foto de autor desconhecido - Arquivo Nirez. Edição: Inez Martins. Disponível em: http://www.blogdoevandomoreira.com/fortaleza-antiga-2/. Acesso: 17 jun. 2017. Nos dias em que a banda tocava, o conjunto atraía os “intelectuais” da cidade, os ativistas da abolição, jornalistas, autoridades, políticos e o “povo” em geral que se 1206 RANCIÈRE, op. cit., 2005, p.15-17. 1207 GIRÃO, op. cit., 1997, p.130. 1208 Libertador, 03 de abril de 1881, p. 1-3 272 divertiam com as músicas apresentadas. Em virtude do repertório tocado, muitos dos elementos de “elite” compareciam ao espaço para prestigiar a música a ser tocada. Foi o que aconteceu no ano de 1887, quando o então contramestre da polícia, Pedro Gomes do Carmo, compôs a peça Miuças a Granel inspirado em uma seção do jornal Libertador escrita por Miguel do Meio. A música foi executada no dia 19 de junho contando com a presença dos redatores do Libertador e atraindo também o público leitor da seção1209. Nos anos de 1930, a senhora Lucy Barroso compôs a marcha-canção Juarez Távora, tocada pela banda da polícia no Passeio em homenagem ao general cearense e sua atuação junto ao governo provisório do Brasil. O “sucesso” de sua execução frente ao público presente fez com que a composição fosse executada mais duas vezes1210. Esta aparente “democracia que cultivam sem abuso” os frequentadores do Passeio Público1211, foi um aspecto que chamou à atenção de um jovem “carioca” que passava uma temporada em Fortaleza para tratamento de sua saúde. O jovem escreveu em carta endereçada a seu amigo da capital federal mencionando esta e outras impressões sobre Fortaleza de 1896. Sobre o Passeio Público, acrescentou ainda que “o escol da sociedade e o elemento plebeu ali circundam satisfeitamente, sem confusão, sem atritos, sem que resulte humilhação ou ofensa aos melindres deste ou daqueles”1212. O Passeio Público foi palco de muitas primeiras audições das obras dos compositores locais. Vicente Guilherme d’Azevedo, Pedro Gomes do Carmo, Manuel Magalhães, Euclides da Silva Novo e Fran Barroso foram alguns dos compositores que tiveram suas obras tocadas pela primeira vez pela banda policial1213. Neste sentido o grupo policial serviu como espaço de experimentação e estímulo para que muitos artistas locais escrevessem para ela. Ao executar as músicas de seus artistas conterrâneos, a banda colaborou com o comércio musical de partituras e sua circulação por meio de cópias manuscritas e impressas, comercializadas nas livrarias e lojas. O mesmo já ocorria com o comércio de instrumentos de sopro e percussão. Outro impacto que a banda da polícia produziu indiretamente, foi o do surgimento de um comércio informal nos dias em se apresentava no Passeio Público. Às quintas, domingos e dias santos havia em volta do 1209 “[…] Estaremos hoje rentes no Passeio, para ouvir a bem empregada composição de Pedro Gomes, […]. A redação vae esperar o Miguel na Avenida… […]” (Libertador, 18 de junho de 1887, p.2; Libertador, 19 de junho de 1887, p.2; Libertador, 26 de junho de 1887, p.2). 1210 A Razão, 22 de novembro de 1930, p.2; A Razão, 27 de dezembro de 1930, p.7; A Razão, 24 de janeiro de 1931. 1211 O PÃO da Padaria Espiritual, nº33, “Carta de um carioca”, 15 de setembro de 1896, p.2. 1212 Idem. 1213 Gazeta do Norte, 12 de junho de 1881, p.4; Cearense, 17 de fevereiro de 1884, p.2; Libertador, 21 de novembro de 1889, p.3; A Razão, 3 de abril de 1930, p.9; A Razão, 3 de setembro de 1931, p. 3. 273 coreto da música, venda de “sorvete, gelo, cerveja gelada, gasoza, licor, vinho, diferentes refrescos” no “botequim volante” do senhor Pedro Hypolito Girard, conforme este anunciava nos jornais cearenses do ano de 18821214. Outro contributo que a banda da polícia influenciou, principalmente com suas frequentes apresentações na cidade, foi a valorização da banda enquanto conjunto e forma de expressão musical no meio cultural de Fortaleza. Os vários espaços por onde a banda atuou, a constante presença de um grupo de formação instrumental de sopros e percussão nos eventos públicos ajudou a contribuir para o surgimento de bandas independentes, como a do músico Candido José de Carvalho que oferecia sua pequena banda de música para tocar em qualquer soirée dançante, novenas e missas cantadas1215. As bandas civis, algumas organizadas por ex-músicos da polícia, como foi o caso do ex-mestre de música Pedro Alves Feitosa, que dirigiu a banda de Quixadá1216 ou ex-mestre de música Manoel Luiz de França Lima que, em 1905, seguiu para Canindé para dirigir a banda de música do Convento dos Franciscanos1217, são exemplos de como o grupo de música da polícia impactou na cultura musical da cidade de Fortaleza. Quase sempre as praças possuíam coretos, espaços fixos ou móveis, instalados nestes locais e de onde as bandas realizavam suas apresentações. Em Fortaleza esses espaços foram sendo construídos ao longo da segunda metade do século XIX. No início dos anos de 1880, o coreto do Passeio Público era móvel. Um destes coretos móveis foi colocado nesta praça pela diretoria da Sociedade Cearense Libertadora para servir na programação festiva realizada no Passeio Público em comemoração ao aniversário da lei de emancipação do ventre livre1218. É provável que ele tenha se tornado fixo em torno de 1885, quando o Cearense mencionou que os músicos desceram do coreto para realização de um 2º intervalo durante a programação “de costume” da banda no Passeio1219. Na década inicial do século XX, o coreto fixo foi registrado na fotografia feita pela casa Nice da França num livro publicado sobre Fortaleza em 19081220. Na Igreja da Sé, era comum colocar um coreto móvel e cadeiras avulsas para a realização da celebração da Semana 1214 Gazeta do Norte, 26 de Maio de 1882, p.4; Cearense, 01 de junho de 1882, p.3. 1215 Cearense, 28 de maio de 1882, p.3. 1216 A República, 22de janeiro de 1897, p.1. 1217 Jornal do Ceará, 12 de julho de 1905, p.2. 1218 Libertador, 01 de outubro de 1881, p.2 1219 Cearense, 23 de junho de 1885, p. 3. 1220 1908 - Vistas do Ceará. Álbum fotográfico de Fortaleza. Ruas, prédios e praças. Publicado em Nice- França, 1908. Disponível em: Acesso em: 20 abr 2014. 274 Santa1221. Na praça General Tibúrcio, a banda da polícia tocou em um coreto instalado para comemorar a instalação do novo pedestal da estátua do General1222. O coreto fixo foi instalado somente na reforma feita nesta praça em 1914 pelo então intendente Ildefonso Albano, ganhando também um ajardinamento1223. No pavilhão construído na praça Marquês de Herval, na urbanização que deu origem ao Jardim Nogueira Accioly em 19031224, este espaço servia de coreto para a banda da polícia se apresentar nos dias marcados pela Intendência Municipal1225. Na praça da Liberdade foi construído um coreto onde a banda da polícia realizou algumas apresentações nos domingos durante a década de 18901226. Ao que tudo indica, sua presença neste parque aos domingos se deveu ao fato de a banda ter sido proibida pelo governo do Coronel Ferraz de tocar no Passeio Público. Quando este governo foi deposto, em 1892, a banda voltou a fazer apresentações no Passeio1227. Na década de 1920, a banda da polícia tocou na praça do Ferreira, espaço que recebeu a instalação de um coreto definitivo somente na reforma do prefeito Godofredo Maciel, em 1920, coberto em 1925 e destruído em 19331228. Mesmo não tendo informações diretas de que a banda tocou na Praça de Pelotas, esse espaço também recebeu coretos avulsos, como na festa de comemoração do primeiro aniversário da proclamação da República brasileira, em 1890, organizada por alunos da Escola Militar do Ceará. No largo da praça reuniram-se em revista algumas tropas, dentre elas a do 11º Batalhão, do Corpo de Segurança e Escola de Aprendizes1229. Somente nos anos de 1900 é que foi construído um coreto no lado oeste desse espaço. O coreto representava um lugar de destaque, atribuía importância à solenidade, pois diferenciava aqueles que organizavam dos que participavam, e transformava o espaço em um teatro ao ar livre com seu “palco” montado. 1221 Libertador, 01 de abril de 1884, p.4; Libertador, 27 de fevereiro de 1886, p.4. 1222 A República, 25 de maio de 1893, p.2. 1223 PONTE, op. cit., 2010, p.60-61. 1224 GIRÃO, op. cit., 1997, p. 148. 1225 AZEVEDO, op. cit. 1992, p.40, 70-71. 1226 Libertador, 30 de agosto de 1890, p.3; Libertador, 06 de setembro de 1890, p.2; Libertador, 13 de setembro de 1890, p.2; Libertador, 11 de outubro de 1890, p.2; Libertador, 25 de outubro de 1890, p.2; Libertador, 22 de novembro de 1890, p.2; 1227 Libertador, 22 de fevereiro de 1892, p.2. 1228 NIREZ, op. cit., 2006, p.53 (CD-ROM). 1229 O Estado do Ceará, 17 de novembro de 1890, p.2. 275 Figura 2 – Coreto do Passeio Público Figura 3 – Coreto da praça Marquês de (c.1908). Herval (c.1908). Fonte: Álbum de vistas do Ceará – 1908. Fonte: Acervo Carlos Augusto Rocha. Edição: Inez Edição: Inez Martins. Disponível em: Martins. Disponível em: praca-marques-de-herval-jose-de-alencar.html> Acesso em: 18 jun. 2017. Acesso em: 18 jun. 2017. Figura 4 – Coreto da praça General Figura 5 – Coreto coberto da praça do Tibúrcio (c.1922). Ferreira (c.1925). Fonte: Revista Ilustrada – 1922 Fonte: Foto de autor desconhecido – Arquivo Edição: Inez Martins Nirez. Edição: Inez Martins. Disponível em: Disponível em: Acesso em: 18 jun. 2017 Acesso em: 18 jun. 2017. Outro importante espaço em que a banda da polícia se apresentou frequentemente, foram os teatros. O número de teatros em Fortaleza cresceu de forma significativa a partir da segunda metade do século XIX passando a ser um importante espaço de sociabilidade para diversão e recreação da população da cidade. Na segunda metade do século XIX o Teatro Thaliense funcionou até 1872, abrindo, em seguida, o Teatro São José, o Teatro de Variedades, espaço ao ar livre e o Teatro S. Luiz, em 1879. 276 Fechado o S. Luiz em 1896, surgiram vários pequenos teatros nos clubes antes da fundação do José de Alencar em 1910: o Grêmio Dramático Familiar dirigido pelo teatrólogo Carlos Câmara, o teatrinho João Caetano do Club Atlético e o teatro do Club Iracema1230. Neste tipo de espaço a banda da polícia atuou bastante até o ano de 1910, data da inauguração do grande teatro público José de Alencar, quando praticamente parou de se tocar nos teatros. O grupo musical da polícia apresentou-se principalmente no teatro S. Luiz. Dentro dele havia um espaço interno mais bem planejado, com cadeiras, diferente do interior do Teatro S. José. No S. Luiz, informava o anúncio do Cearense, não se admitia “plateia”, numa menção a ficar em pé, porque “tudo é cadeira”, com assentos ad libitum, ou seja, de livre escolha, sem marcação de nomes. Quanto aos espetáculos, o S. Luiz alternava a programação entre produções de companhias locais e companhias vinda de fora, atraindo um público diferenciado da cidade, a elite econômica alcunhada de “fina flor da sociedade”1231. No Teatro S. José, as acomodações eram mais simples, onde o público levava suas cadeiras para o próprio espaço interior e cujos espetáculos eram mais “populares”, porque eram mais simples, sem muita suntuosidade, produzidos especialmente pelas companhias locais1232. As programações dos teatros eram variadas. Em 1881, o S. Luiz reuniu ao mesmo tempo, uma festa literária, uma soirèe dramática e um concerto em benefício das sociedades Recreio Familiar e Associação Militar contando com a presença do presidente da província1233. O comparecimento da autoridade maior da província era uma situação bastante comum nesta época, normalmente com a participação da banda da polícia a executar o hino nacional, alguma ouverture ou outras composições no decorrer do espetáculo. Em Aronches, região vizinha à Fortaleza, existia o teatro Guarany no qual era comum os diretores do estabelecimento contratarem a banda da polícia para tocar no trajeto do trem que saía de Fortaleza em direção ao teatro, levando os espectadores para dentro do lugar1234. Era uma forma de animar o público a se deslocar para esta cidade, pois a banda da polícia era uma importante atração que ajudava a chamar o público a deslocar-se até lá. A banda animava então o público não só no próprio teatro, mas também no trajeto até à cidade. 1230 BARROSO, op. cit, 2002, p.163; GIRÃO, op. cit., 1997, p.142-146. 1231 Cearense, 15 de março de 1882, p.3. 1232 GIRÃO, op. cit., 1997, p.140-141; Libertador, 18 de outubro de 1883, p.1. 1233 Gazeta do Norte, 09 de julho de 1881, p.4. 1234 Cearense, 06 de julho de 1879, p.4. 277 Mesmo tendo participado na inauguração do Teatro José de Alencar, em 1910, a banda da polícia diminuiu drasticamente as suas atuações neste tipo de espaço após esta data. Como equipamento que representava “modernidade, civilidade e elitismo”, o Teatro José de Alencar acabou recebendo e prestigiando mais as companhias de fora em detrimento das locais1235. Essa inversão no fluxo das companhias afetou diretamente a participação da banda da polícia nos espetáculos, praticamente desaparecendo a sua participação neste tipo de espaços em relação ao que acontecia durante o período Imperial. A imprensa local sugere que os espetáculos das companhias de fora não usavam música nas suas encenações ou então que as companhias se encarregavam de trazer o seu próprio conjunto, não necessitando chamar um conjunto local para tocar o hino, as aberturas ou alguma composição ao longo do espetáculo1236. Outro tipo de evento em que a banda da polícia esteve presente ao longo de todo o período estudado foram os eventos religiosos, ligados a ocasiões como a Semana Santa1237, a procissão de Corpus Christi1238, a bênção de imagens1239, as procissões de santos padroeiros1240, as novenas1241 e missas diversas1242. De uma maneira geral, a banda participava em eventos religiosos de forma gratuita, sendo apenas necessário que o grupo fosse solicitado ao comandante da polícia ou ao presidente da província mediante um pedido oral ou escrito. Os festejos que celebravam os padroeiros das Igrejas e que normalmente aconteciam durante mais de um dia eram, no entanto, considerados eventos pagos com contrato estabelecido, exemplo da festa religiosa de Canindezinho em que a banda tocou regida pelo contramestre Antonio Pinheiro Filho1243. A anuência por parte 1235 VIEIRA, Carla Manuela. O Espetáculo Social em um signo de sociabilidade excludente. In: O Theatro José de Alencar no início do século XIX: modernidade e sociabilidades (1908-1912). Fortaleza: Secult, 2011, p.122. 1236 Jornal do Ceará, 26 de janeiro de 1907, p.3; Jornal do Ceará, 26 de setembro de 1910, p.[2]. A diminuição da participação da banda da polícia nos espetáculos teatrais pode ser constatada pelo silêncio dos jornais em anunciar a presença da banda nas chamadas dos espetáculos das companhias de fora do estado. No Império a participação da banda da polícia nos espetáculos foi sempre informada nos anúncios. Depois da inauguração do José de Alencar em 1910, quando a orquestra e a banda da polícia tocaram nas festas de inauguração do espaço, as notícias envolvendo os espetáculos das companhias de fora que se apresentaram no Teatro José de Alencar não mencionam a participação do conjunto policial, apontando para uma exclusão da participação desse grupo nesse espaço. Além disso, a pouca frequência de público no Teatro fez com que ele fosse encerrado em 1915 e iniciado um reforma em 1918, o que contribuiu para essa não participação (BARROSO, op. cit., 2002, p.175). 1237 Pedro II, 31 de março de 1887, p.2. 1238 Pedro II, 20 de junho de 1889, p.1. 1239 Constituição, 29 de abril de 1888, p.2. 1240 Constituição, 02 de maio de 1888, p.2. 1241 Constituição, 25 de outubro de 1889, p.1. 1242 Constituição, 29 de abril de 1888, p.2, Gazeta do Norte, 04 de fevereiro de 1886, p.2. 1243 Músico de 1ª classe Antonio Pinheiro Filho. Livro dos Músicos - 1917-1922, documento não catalogado, IHPMCE. 278 destes ficava, no entanto, a critério da pessoa que exercesse o comando na época. Foi o que aconteceu no pedido do juiz da irmandade de Nossa Senhora do Patrocínio, que se dirigiu primeiramente ao comando do Corpo Policial para solicitar que a banda tocasse no ato de transladação das imagens da Igreja de Nossa Senhora do Patrocínio que, por motivo de reformas do templo, precisavam ser retiradas da Igreja. O pedido não foi aceito pelo comandante da corporação, fazendo com que o juiz pedisse à banda do 15º de Infantaria. Por ter sido prontamente atendido na cessão do grupo, o juiz veio a público, em nota publicada na imprensa, demonstrar sua gratidão pelo ato praticado. Noutro caso semelhante, o presidente da província “fez ouvido de mercador” e negou o pedido de presença da banda da polícia e de uma guarda de honra durante a procissão de Corpus Christi em Fortaleza nos anos de 18801244. A negação a solicitação de participação em eventos religiosos era, no entanto, rara. A Igreja Católica e suas festividades tinham uma significativa carga cultural e simbólica na sociedade cearense da época o que levava as autoridades políticas a facilitar a participação da banda. Os eventos de natureza política e cívica também solicitaram a presença da “música” da polícia. A banda tocou assim em eventos de recepção de políticos1245, homenagens a personalidades da sociedade brasileira1246 e cearense1247, passeatas diversas1248, comemoração de datas comemorativas públicas1249, festividades de colégios1250, entre outros. Outro tipo de evento em que a banda se fez bastante presente foram nos circos, espaço que se difundiu muito na cidade, principalmente na década de 1880. O grupo musical da polícia tocou em vários deles como o Campestre1251, o grande Circo Zoológico, com companhia equestre e de ginástica1252, o Cuyabano1253. Nos circos a banda normalmente tocava uma overture inicial ou algumas peças ao longo do 1244 Libertador, 10 de dezembro de 1880, p.2. 1245 Cearense, 22 de julho de 1880, p.2 – Recepção do Sr. Cincinato Pinto da Silva, presidente da província do Maranhão organizado pelas autoridades do governo cearense. 1246 Constituição, 01 de dezembro de 1882, p.1 – Recepção ao jornalista José Carlos do Patrocínio organizado pela Sociedade Libertadora Cearense. 1247 Cearense, 25 de janeiro de 1882, p.1 – Passeata pelo anúncio de reconhecimento como senadores os cearenses Conselheiro Vicente Alves de Paula Pessoa, Dr. Liberato de Castro Correia e Dr. João Ernesto Viriato de Medeiros organizado por amigos dos senadores. 1248 Cearense, 13 de junho de 1880, p.1 – Passeata comemorando o tricentenário de morte de Camões organizada pelos estudantes do Liceu. 1249 Cearense, 16 de julho de 1884, p.1 – Passeata em comemoração ao dia 14 de julho, aniversário da tomada da Bastilha, organizada pelos franceses residentes em Fortaleza. 1250 Gazeta do Norte, 07 de dezembro de 1886, p.1. 1251 Gazeta do Norte, 18 de setembro de 1880, p.4. 1252 Gazeta do Norte, 20 de outubro de 1882, p.4. 1253 Libertador, 13 de dezembro de 1886, p.3. 279 espetáculo1254. O conjunto também marcou presença em funerais1255 e dia de finados1256. O acervo de partituras da Polícia registra a existência de algumas marchas graves1257, sinal da presença do conjunto nestes eventos. Como exemplos citamos as marchas graves Porto Alegre e General Barbosa, ambas de autores desconhecidos, Santa Lídia de J. Cardoso e a marcha grave da ópera Abul de Alberto Nepomuceno com instrumentação de Luigi Maria Smido. O período imperial mostrou sempre uma ampla variedade de locais onde a banda da polícia foi contratada para tocar. A requisição por parte de particulares foi uma marca deste período. Sua presença era um chamariz para atrair as pessoas, além de trazer imponência ao ato. O restaurante Bemfica, por exemplo, localizado em uma área afastada da cidade, costumava informar os leitores dos jornais locais que a banda estaria lá tocando1258. Para além de atuações rotineiras em dias comuns em que ela era um chamariz de clientes, o conjunto também foi contratado para tocar no dia de São João a polca Restaurant Bemfica composta pelo então contramestre de música Pedro Gomes do Carmo1259, na abertura da apresentação de ginástica da Madame Maria Felly Jessans1260. Fortaleza recebeu um tipo de evento curioso para a região: as touradas1261. Mesmo sem que os jornais mencionem a presença da banda da polícia nesta ocasião é bastante possível que tal tenha acontecido, pois existe uma peça no arquivo da banda da polícia, Gallito, um passo-doble toureiro de Santiago Lope Gonzalo bem característico deste tipo de evento, o que sugere a participação da banda1262. Tudo era motivo para chamar a banda da polícia e transformar a ocasião em uma cerimônia solene. A chegada de uma máquina de fazer gelo, uma invenção da modernidade e “preciosa” para uma cidade quente como Fortaleza, precisava ser comemorada com uma festa. Foi isso que fez Pierre Hypolit Girard (o mesmo do botequim volante que assinava Pedro Hipolito Girard) dono do Hotel l’Univers. Para comemorar tão importante invento o proprietário programou uma cerimônia de bênção do equipamento com a presença do vice-reitor do seminário episcopal, o presidente da província, membros da assembleia provincial, chefe de polícia, 1254 Gazeta do Norte, 20 de outubro de 1882, p.4. 1255 Constituição, 04 de junho de 1889, p.1. 1256 Estado do Ceará, 02 de novembro de 1891, p.3. 1257 Pedro Marquês de Sousa menciona que a marcha grave era própria para os cortejos fúnebres, lenta, com cadência de 76 passos por minuto (ppm), de caráter triste (SOUSA, op.cit. 2013, p.123). 1258 Libertador, 25 de junho de 1887, p.2. 1259 Gazeta do Norte, 21 de junho de 1887, p.2; Libertador, 23 de junho de 1887, p. 2. 1260 Gazeta do Norte, 03 de setembro de 1887, p.2. 1261 Cearense, 10 de junho de 1875, p.4. 1262 LOPE GONZALO, Santiago. Gallito - Passo-Doble [sic] Torero, para banda de música. ABMPMCE. 280 o presidente da comissão médica, representantes da imprensa, entre outros cavalheiros e multidão servindo depois da solenidade um banquete no qual a banda da polícia fez as “honras” da reunião1263. Outro tipo de divertimento era o chamado “trem de recreio”, programado pela administração da Estação de Ferro de Baturité, que contratava a banda da polícia para tocar em um dos vagões durante uma viagem recreativa. Em julho de 1880, os administradores da estação programaram este passeio partindo da estação central de Fortaleza às 7:15 indo até a Cânoa Fístula e retornando às 17:15. O passeio foi descrito como “muito interessante e divertido”1264. Finalmente, um outro tipo de divertimento bastante comum, que contou com a participação em todo o período estudado, foram as festas dançantes organizadas tanto por particulares quanto por instituições ou até mesmo pelo próprio governo. Eram os bailes, as festas de carnaval ou algum festejo específico que logo após uma cerimônia contendo seus discursos de praxe e sessões de poesia, seguia para a parte dançante. Em 1876 a banda policial fez a recepção aos convidados à porta do edifício do Atheneu Cearense para a festa de distribuição de prêmios deste estabelecimento de instrução. Logo depois da entrega, seguiu-se a “parte dançante da festa”, sendo provável que a banda policial tenha feito também a música da festa1265. Quanto ao Carnaval, a banda da polícia tocou tanto nas ruas1266 quanto dentro dos clubes. Em 1885, as duas bandas militares da cidade se dividiam entre os dois clubes existentes. De um lado, a banda da polícia ficava responsável pela animação no Club Cearense, do outro, a banda do 11º Batalhão, responsável pelo baile no Club Iracema, rivalizando-se ambas para ver qual festa era a mais “chique”. Satirizando todo este requinte de decoração, toilettes, bebidas, surgia uma festa paralela, popular, organizada pelos excluídos destes ambientes. O jornal conclamava então o “Zé Povinho” para que se fizesse presente ao “enterro” de todo este espetáculo “luxuoso e exagerado” existentes nos clubes1267. Os repertórios tocados pelas bandas nos carnavais passavam por quadrilhas, valsas, polcas e galopes1268. Embora não existam referências diretas a apresentações da banda em cinemas, espaços que começaram a surgir no início do século XX, existe uma forte possibilidade de isso ter acontecido algumas 1263 Cearense, 10 de agosto de 1879, p.3. 1264 Gazeta do Norte, 27 de julho de 1880, p.1. 1265 Cearense, 30 de novembro de 1876, p.3. 1266 Cearense, 12 de fevereiro de 1880, p.2. 1267 Gazeta do Norte, 14 de fevereiro de 1885, p.2-4. 1268 Pedro II, 11 de fevereiro de 1872, p.4. 281 vezes. Em 1907, por exemplo, os jornais fizeram menção a uma banda de música que tocou na exibição de uma “fita móvel”1269. 6.2.2 Críticas. Na leitura do material levantado na imprensa local de Fortaleza é comum encontrar pequenos comentários apreciativos sobre a música tocada pelo conjunto policial. De uma maneira geral, eles permaneciam na esfera de elogios subjetivos e sem dimensão musical, intensificando os qualificativos numa linguagem comum à época. O conjunto era descrito como uma “briosa”1270 banda que tocava “lindas e escolhidas músicas”1271, “maviosas peças”1272 de seu “variado”1273, “escolhido repertório”1274. Em alguns momentos esses qualificativos apontavam sensações de sua execução, como quando ela tocava peças “arrebatadoras”1275, “agradavelmente”1276 executadas. Quando a banda da polícia tocava em atos públicos era sinal de uma maior imponência ao evento, sua presença “abrilhantava” mais o ato1277. Os qualificativos intuíam que a banda da polícia caprichava em suas apresentações de forma esmerada1278. Os comentários mais comuns sobre a banda que saíram na imprensa demonstram que o grupo era percebido como um “bem comum” que as pessoas da cidade de Fortaleza tinham o direito de usufruir. Em uma seção do jornal Libertador, o redator transparece essa relação com a banda da polícia lançando um pedido ao comandante da instituição. Ele solicitava a autoridade um “olhar crítico” sobre a situação da banda. O problema, segundo o jornal, não estava no mestre de música, mas sim no número reduzido de músicos. A solução, para o redator, estava no aumento dos músicos, cuja ação beneficiaria toda a província “dotando-a de uma musica digna de ser ouvida” e acudindo- a em todas suas as festas, “em qualquer canto ou ângulo” da cidade1279. Intercedendo pelos interesses da banda da polícia, o redator “defendia” os interesses da cidade, mas não da província, uma vez que o campo de ação da banda era Fortaleza. O grupo musical 1269 Jornal do Ceará, 23 de setembro de 1907, p. 1. 1270 Libertador, 19 de abril de 1884, p.2. 1271 Cearense, 08 de março de 1877, p.2. 1272 Jornal do Ceará, 19 de junho de 1905, p.1. 1273 Gazeta do Norte, 30 de abril de 1888, p.1. 1274 Gazeta do Norte, 18 de setembro de 1880, p.4. 1275 Vanguarda, 04 de agosto de 1887, p.3. 1276 O Patusco, 14 de dezembro de 1890, p.2. 1277 Cearense, 07 de janeiro de 1862, p.3. 1278 Gazeta do Norte, 18 de setembro de 1880, p.4. 1279 Libertador, 21 de junho de 1884, p.3. 282 retornaria em benefícios para os cidadãos da cidade tocando em todos os tipos de eventos solicitados. A banda de música, mesmo ligada à polícia e devendo exercer sua atividade na esfera das obrigações policiais e governamentais, era tida como um grupo de usufruto da população da cidade e para atender às suas necessidades particulares. Outros comentários transpareceram uma ligação “afetiva” com o conjunto, tanto estabelecida entre a banda e sua instituição, a Polícia, como entre ela e a população de Fortaleza. Foi com o adjetivo de “estimada música” que o secretário do governo se dirigiu ao comandante da polícia para informar os procedimentos de descarte dos instrumentos velhos da banda1280. Um exemplo dessa relação com a sociedade apareceu no relato da viagem do bispo da capital para Aquiraz. Na notícia, o redator exaltou a dedicação da banda que tocou na casa do capitão Bento. Sua participação foi compreendida como indo para além de um mero trabalho, visto que a “incansável música de polícia” deu “provas” de sua “consideração e amor” ao recepcionar o bispo no retorno à sua casa na noite seguinte1281. Na segunda metade do século XIX, a banda recebeu duas longas apreciações sobre sua atuação, uma negativa e outra positiva. As duas críticas debruçaram-se sobre o Passeio Público e os conjuntos musicais que ali tocaram. A primeira, escrita em 1885 por um “passeiante” anônimo, exaltava o Passeio, comparando-o ao do Rio de Janeiro e de outras províncias1282. O segundo, escrito por um jovem carioca, considerou o espaço com pouca imponência se comparado com o do Rio, embora sendo um dos melhores e mais interessantes lugares de Fortaleza1283. O que diferencia o relato dos dois “apreciadores” é a forma como analisaram a atuação das bandas neste espaço. O primeiro teceu críticas na esfera musical, o segundo ressaltou a importância cultural do grupo para a cidade. O “passeiante” analisou de forma negativa a execução da banda da polícia na sua apresentação de domingo. Criticava primeiramente o início atrasado do concerto, as poucas músicas tocadas (quatro), o longo intervalo entre as peças, a escolha das músicas e a repetição das mesmas obras em várias apresentações. O autor anônimo questionava o motivo pelo qual o mestre da banda não ensaiava óperas, fantasias, valsas de Strauss, trechos de Rossini, Bellini, Donizetti, Verdi entre outros compositores europeus. A partir daí o “crítico” faz uma análise musical depreciativa da execução da abertura de O 1280 Ofício 19 de novembro de 1866. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.100, APEC. 1281 Cearense, 07 de janeiro de 1862, p.3; Pedro II, 03 de janeiro de 1862, p.3. 1282 Cearense, 05 de fevereiro de 1885, p.2. 1283 CARTA de um carioca. O Pão da Padaria Espiritual, Fortaleza, nº33, p.2, set., 1896. 283 Barbeiro de Sevilha de Rossini, mencionando-a ironicamente como uma execução “divertida”, com uma primeira seção tocada extremamente lenta, uma segunda parte “allegro” executada como um “galope furioso”, julgando “assistir a chamada de algum palhaço n’uma feira”1284. Ao comparar a banda policial com a banda do 11º Batalhão, o “passeiante” tece comentários positivos ao grupo indicando que a banda do exército continuava a se aprimorar, tendo tocado recentemente a valsa de Angot [a ópera La fille de Madame Angot de Charles Lecocq] e o Danúbio Azul [An der schönen blauen Donau, op. 314 de Johann Strauss Jr.], “muito bem executada”1285. Por fim, lançou um questionamento provocador para o leitor sobre a possibilidade de a banda da polícia ser capaz de trazer “novidades” de cunho musical no carnaval e nos bailes do ano corrente. É difícil mensurar o quão real é esta crítica musical sobre o conjunto da polícia visto não termos gravações sobre sua execução. Contudo, levantando a hipótese de que fosse precisa esta apreciação, ela não deve ser estendida para todo o período de existência da banda, visto que o conjunto mudou de forma significativa ao longo dos anos em relação aos músicos que o compunham, no seu maestro e no repertório tocado. As mudanças constantes, numéricas e musicais, geraram um grupo com sonoridades diferentes em cada época. Como vamos discutir mais adiante, as diferentes formações instrumentais da banda, o repertório tocado e suas escolhas produziram resultados sonoros também distintos. Em momentos posteriores, a banda incluiu em suas apresentações várias peças de Verdi, Rossini, Strauss, listados pelo “passeiante”. O principal objetivo desta crítica não era, a nosso ver, a apreciação musical de um repertório específico por parte da banda, mas diminuir a sua “reputação”. A apreciação do escritor anônimo revela, na realidade, que ele era frequentador e apreciador do Club Iracema, e de seus carnavais animados pela banda do exército, clube concorrente do espaço onde tocava a banda da polícia. O ano de 1885 foi um tempo de muitas rivalidades entre os dois clubes Iracema e Cearense, com o carnaval destes dois espaços recebendo bastante destaque nos jornais da época. Assim, nos comentários do “passeiante” transparecia sobretudo a rivalidade entre os clubes e suas bandas. Depreciar o grupo musical policial ajudaria a elevar a importância e imponência do carnaval no Clube Iracema e de sua banda1286. 1284 Cearense, 05 de fevereiro de 1885, p.2. 1285 Idem. 1286 Ibidem. A questão das rivalidades é um fenômeno típico da época, fosse entre cantoras de ópera, virtuoses ou agrupamentos musicais. 284 Na apreciação do jovem carioca, o autor não se detém em questões musicais sobre as bandas que tocam no Passeio. Para o autor, a importância das bandas estava naquilo que elas representavam para a cultura e o entretenimento local. Em 1896, a cidade é descrita como um lugar “silencioso” e “deserto”, com “noites monótonas”, com seus habitantes agrupados em rodas nas calçadas, ocupados a discutir assuntos corriqueiros. Este “tédio” só era quebrado nas noites de quinta e domingo, quando “uma banda de música” ia tocar no Passeio Público. Sem mencionar o nome, um dos conjuntos que tocava aos domingos e, em alguns momentos também à quinta-feira, era a banda da polícia. O autor carioca frisa a importância destes dois dias para vida cultural da cidade, porque na falta do Teatro São Luiz as apresentações musicais no Passeio Público tornaram-se elementos essenciais da cidade. Para ele, a sociedade cearense podia ser compreendida ali no Passeio Público, onde todas as pessoas iam exibir suas toilettes, “ouvir música e conviver com suas amizades”1287. Além dos qualificativos dirigidos à banda da polícia demonstrarem uma relação “afetiva” e de reconhecimento da importância da banda na vida cultural da cidade de Fortaleza, os comentários e apreciações que a banda recebeu no século XIX não carregavam normalmente um teor de hierarquização da música tocada, classificada como “erudita” ou “popular”. Boa parte das críticas subentendiam que aquilo que a banda fazia era levar a música enquanto arte “sublime” a “toda população cearense”. Neste período, o estudo da música na Europa começa a estabelecer categorizações que se traduzem no surgimento de palavras-chave, tais como “grandes obras”, “grandes compositores”, “músicas sublimes”. Neste mesmo tempo vai ganhando corpo em países como a Inglaterra a ideia de se fazer uma “historiografia sistemática da música”1288. Esta sistematização gerou a concepção de que havia um conjunto de composições e compositores considerados do mais alto nível e grandeza1289. Estabeleceu-se assim, o “cânone musical”, termo usado para descrever esta “lista de compositores e composições” atribuídos pelo “consenso”1290. A consequência desta valoração foi a hierarquização da música em categorias que estabeleceram uma binariedade entre o que se chamou de música “erudita”, considerada a de nível mais “alto”, e todas as novas formas de música 1287 O PÃO da Padaria Espiritual, nº33, “Carta de um carioca”, 15 de setembro de 1896, p.2. 1288 HERBERT, BARLOW, op. cit., 2013, p.197. 1289 BEARD; KENNETH, Canon. In: op. cit, 2005, p.24. 1290 SAMSON, Jim. Canon (iii). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 25 ago. 2017; WEBER, William. The History of Musical Canon. In: COOK, Nicholas; EVERIST, Mark (ed.). Rethinking Music. Reprinted. New York: Oxford University Press, 2001, 336-355. 285 popular que foram surgindo, classificadas como de nível “baixo”1291. O que se percebe na leitura das críticas dos jornais cearenses é que houve uma difusão implícita deste tipo de categorização, imprimindo a concepção de que as obras escritas por Verdi, Wagner, Massenet, Rossini, Bellini, Donizetti, por exemplo, estavam em um patamar superior de qualidade por terem sido escritas por “grandes” compositores. Quanto as músicas dos compositores locais foram consideradas de menor valor por não estarem incluídas dentro deste “cânone”1292. As críticas musicais na imprensa cearense introduzem termos nos seus textos como “grandes óperas”, “grandes compositores”1293, “óperas bonitas” com seus “trechos sublimes”1294, no sentido de composição grandiosa, termos que revelam concepções mais amplas do pensamento musical da segunda metade do século. A crítica do “passeiante” sobre o repertório tocado pela banda da polícia demonstra esta hierarquização. O dobrado marcial, as três polcas e o tema popular do “Zé-Pereira” executadas pela banda da polícia eram “marmeladas” que qualquer “moleque sabe e está assobiando nas ruas”, ou seja, era uma música fácil1295 Já as óperas de Rossini, Bellini, Verdi, Meyerbeer, Gounod, Wagner, Gomes, eram composições “bonitas” com “trechos sublimes”1296. A inclusão do nome de Carlos Gomes pelo crítico sugere que a questão não estava no fato de ser brasileiro, mas nos conhecimentos musicais, nos estudos acadêmicos de arte e no prestígio adquirido por cada compositor. Era este conhecimento acadêmico que podia fazer a composição tornar-se “superior” e “sublime”. Além disso, o conhecimento musical especializado tinha um modelo: o europeu. A citação de Carlos Gomes dava-se justamente porque sua formação musical tinha decorrido na Europa, com composições apresentadas na Itália e aí recebendo o reconhecimento do público. Em outra crítica musical da mesma época, o redator não direciona sua apreciação diretamente para a execução da banda de polícia, mas reflete este pensamento 1291 HERBERT, BARLOW, op. cit., 2013, p.197. 1292 Se por um lado o cânone musical criou este patamar mítico de que alguns compositores tinham “o domínio do seu ofício”, uma habilidade de compor artisticamente, por outro, o estabelecimento do cânone musical ajudou a preservar músicas de vários compositores para além da sua própria geração. Até o fim do século XVI não havia uma circulação das composições para além de sua época contemporânea. Elas permaneciam isoladas ou formavam parte de tradições pedagógicas conhecidas por poucos músicos. O estabelecimento do cânone fez com que muitas músicas deixassem de ser apenas estudadas para serem apresentadas, circulassem por mais espaços, permanecessem por mais tempo sendo tocadas e ouvidas pois passaram a ser recriadas nas salas de concerto, fazendo parte do repertório da vida dos concertos (WEBER, William. The History of Musical Canon. In: COOK, Nicholas; EVERIST, Mark (ed.). Rethinking Music. Reprinted. New York: Oxford University Press, 2001, 336-355. 1293 Libertador, 16 de agosto de 1886, p.2. 1294 Cearense, 05 de fevereiro de 1885, p.2. 1295 Idem. 1296 Ibidem. 286 musical hierarquizado dos “grandes” compositores com suas “grandes” composições que vai se infiltrando no pensamento sócio-musical da época. Esta hierarquização polarizada que se foi estabelecendo, de um lado, uma música “culta”, e de outro, uma música “popular”, acabou por refletir e classificar o repertório que a banda de música tocou, não sendo o repertório da banda considerado nem como uma, nem como outra, nesses anos iniciais de sistematização da história da música1297. No ano de 1884, o Club Iracema passou a organizar soirées musicais regulares uma das quais organizada pelo maestro cearense Manuel Magalhães, antigo colaborador da banda da polícia1298. No jornal Libertador, Steno Cantarini destaca que os participantes daquele evento faziam parte de um “pequeno mundo artístico” existente em Fortaleza, o qual havia desenvolvido o “gosto musical”. Deste “mundo artístico” faziam parte os cantores, os pianistas, os flautistas e os violinistas que atuavam nestes concertos. Mais adiante, ao comentar sobre o organizador Manuel Magalhães, descreve sua formação musical na Europa, seu conhecimento sobre “os bons autores quer clássicos, quer modernos” da música, suas escolas e o melhor de sua produção, lamentando o fato de Magalhães não possuir um “lugar adequado” para exercer seus conhecimentos. Cantarini relembrava que no retorno de Magalhães a Fortaleza, a cidade não dispunha de orquestra e que “as festas sacras eram feitas por fanfarras que produziam verdadeiro mal a audição pela acrobacia musical”. Agora, Magalhães tinha sua orquestra de “amadores” e se ele não alçava voos para espalhar seu talento era porque faltava-lhe espaço1299. A apreciação de Cantarini baseava- se em “sentimentos” e “sensações” e em sua concepção do que percebia como “belo musical” e “agradável”. Baseado nessa concepção, colocava os compositores europeus Meyerbeer, Beethoven1300, Lecocq ou Planquette como os “belos” e “agradáveis” de 1297 REILY, op. cit, 2009, p. 23. 1298 Libertador, 16 de outubro de 1884, p.2. 1299 Idem. 1300 É interessante ver o nome de Beethoven nesta relação de compositores listados nas críticas. Quase todos os nomes relacionados são compositores de óperas, com a exceção de Beethoven, um compositor mais voltado a música instrumental. Esta questão demonstra o quanto o gênero operístico se disseminou pelo mundo. Segundo o musicólogo Roger Parker, as partituras de música vocal se expandiram no século XIX e ajudaram a disseminar o texto das óperas nos ambientes públicos e privados. Como a impressão das partituras completas das óperas eram raras, uma importante invenção do século XIX foram as transcrições. Na Itália e na França, uma ópera bem-sucedida na metade do século XIX logo ganhava arranjos para piano solo, canto e piano, para vários instrumentos com piano, versões as mais criativas, entituladas como Fantasias, como por exemplo as escritas por F. Liszt. No Ceará muitas versões para piano, piano e canto e para banda das óperas chegaram nas lojas de música de Fortaleza como a do livreiro Joaquim José de Oliveira (conferir capítulo 3) (PARKER, Roger. §V: 19th Century: Stylistic and formal changes. In: Howard Mayer Brown, et al. Opera (i). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017. 287 ouvir. Para o crítico, as soirées musicais do Club Iracema produziam apresentações “agradáveis” aos ouvintes, ao contrário do “mal” aos ouvidos que as apresentações realizadas pelas fanfarras faziam ao público. A apreciação de Cantarini expõe o pensamento circulante das categorizações. Mesmo que na sua apreciação, temas como o “repertório” das bandas de música, as ideias de uma “música erudita” diferenciada de uma “música popular” não fossem literalmente expostas e discutidas, estas começam a aparecer, não só na crítica de Cantarini, mas em outros comentários nos jornais, sobretudo aqueles que faziam as críticas sobre os espetáculos músico-teatrais. Um exemplo interessante foi descrito em 1886 no jornal Libertador, quando da representação da ópera Aida de Verdi no Teatro S. Luiz. A ópera Aida pertencia, para o redator do jornal, à “classe de composições denominadas - grandes óperas” 1301. Na sequência, o crítico desenvolve acerca daquilo que entende por “uma grande ópera”. Dos vários compositores europeus que o redator elenca, ele destaca Verdi na escola italiana, Wagner na escola alemã e Massenet na escola francesa, sendo estes os compositores que “têm composto - grandes óperas - na acepção actual da palavra”1302. Este processo de “categorização” da história da música que vai ocorrendo na Europa, o estabelecimento do cânone musical foram questões que contribuíram para que a banda de música, de um modo geral, assumisse um lugar intermediário na música, sem que o seu repertório fosse categorizado como uma música “culta, erudita” ou “popular”1303. A banda assumiu um espaço de “fronteira”, mantendo contato com essas duas dimensões polarizadas. Na diversidade de espaços físicos que a banda se apresentava, ela tocava sempre “escolhidas peças de seu repertório”. Chama-nos à atenção, portanto a questão da diferença de repertório tocado nos diferentes espaços em que o grupo atuou. Ao dizer que a banda “escolhia” as peças a serem executadas no evento, significava dizer que ela tinha consciência do lugar, da ocasião, das pessoas que lá estariam, e selecionava o repertório a partir desse conhecimento. Sua escolha passava por composições específicas, que poderiam ou deveriam ser tocadas obrigatoriamente em determinado espaço, por exemplo, o caso dos hinos oficiais brasileiros ou de outros países. Era o evento e ou o repertório que determinava a erudicidade ou a popularidade da apresentação musical da 1301 Libertador, 16 de agosto de 1886, p.2. 1302 Idem. 1303 HERBERT, BARLOW, op. cit., 2013, p.197; REILY, op. cit., 2009, p.23; LUCAS, op. cit., 2009, p.54- 63. 288 banda. No Passeio Público era comum os bailes populares e a presença da banda da polícia a animar estas festas, o que ajudou a caracterizá-la como grupo popular. No clube e no teatro, lugares de “elite”, da “fina flor da sociedade”, o evento seria compreendido como “erudito”. Mesmo que os músicos da banda não tenham se autointitulado conscientemente como músicos populares ou eruditos, a escolha do repertório traduzia essa diferença dos eventos. Sua posição de fronteira pode ser compreendida neste momento, no ecletismo conferido pela variedade do repertório da banda, contemplado por marchas, dobrados, polcas, valsas, quadrilhas, passando pelas ouvertures, seleções de ópera, fantasias, variações. Contudo, se no Império essa variedade é mais acentuada, no fim da Primeira República a banda parece ficar mais confinada ao quartel e ao Passeio Público, diminuindo a variedade do seu repertório, limitando-se mais a músicas de salão e marchas. Este assunto será abordado mais profundamente no próximo capítulo. 6.3 INSTRUMENTOS MUSICAIS. O século XIX foi bastante profícuo para o desenvolvimento dos instrumentos de metal. Com o surgimento dos processos industriais no fim do século XVIII, foi possível diversificar os materiais metálicos que permitiram aos construtores fazer experimentações na construção de novos instrumentos. A necessidade de melhorar a eficiência técnica, a efetividade musical e a potência sonora estimularam construtores e proporcionou a evolução de muitos instrumentos. A orquestra, como grupo musical, fortaleceu-se cada vez mais e ampliou-se como um importante conjunto instrumental. A busca por timbres diferentes foi a mola propulsora para a experimentação de novos instrumentos e a melhoria dos já existentes. Neste caso, alguns instrumentos passaram a formar famílias. É o caso da clarinete que foi ampliado para oito modelos em tamanhos diferentes: requintas, clarinetes pequenos, sopranos, contraltos, basset horns, clarinete baixo, contrabasset horns e clarinetes contrabaixos1304. Diferentemente dos instrumentos de cordas friccionadas, os instrumentos de metais sofreram mais experimentações em diversos lugares. Países como França, Bélgica, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos construíram ou adaptaram instrumentos similares entre si. Com isso instrumentos iguais ou semelhantes foram recebendo nomes diferenciados quando adotados em países 1304 SACHS, Curt. The History of Musical Instruments. New York: Dover Publications, Inc. 2006, p.388- 389. A publicação da Dover é uma republicação integral do trabalho de Sachs originalmente editado pela W. W. Norton & Company, Inc. no ano de 1940. 289 diferentes. Com o surgimento de novos instrumentos, as melhorias na produção sonora e inclusão de novos mecanismos nos instrumentos, muitos se tornaram obsoletos, perdendo paulatinamente espaço para os que atendiam melhor as composições compostas. O contexto de transformações urbanas que ocorreram na cidade de Fortaleza no século XIX apresenta sinais concretos de uma cidade moderna ou se modernizando. Inserido neste contexto, o instrumental que a banda de música do Corpo Policial do Ceará adquiriu no período simboliza também esta modernidade florescente. As bandas militares, em particular, foram lugares de produção de músicos de sopro durante o século XIX e excelentes espaços para o mercado de instrumentos de metal e de madeira e para os luthiers1305 testarem seus desenvolvimentos. Na análise das fontes iconográficas da banda da Polícia e do acervo musical dessa corporação, é possível constatar que o conjunto musical compartilhava dessa modernidade, possuindo instrumentos ditos “modernos” para a época, como os saxhorns, saxofones, oficleides, trompetes, helicon e sousafone. A presença destes instrumentos indica também a existência de músicos que soubessem manejá-los e de um repertório que poderia ser executado com eles. A inclusão de válvulas nos instrumentos de sopro representaram uma marcante invenção do século XIX que possibilitou que a família dos trompetes e das trompas passassem a ser instrumentos cromáticos1306. O princípio básico da válvula era alterar o tamanho do tubo do instrumento de metal de forma fixa e predeterminada por meio de um recurso mecânico1307. Dessa forma, além dos benefícios sonoros proporcionados, o instrumentista conseguiria tocar em vários tons evitando o “transtorno” de ter que carregar seções de tubo, as voltas1308, que seriam acrescentadas ao instrumento durante o concerto a fim de poder executar peças ou movimentos de diferentes tonalidades. Dentre as inovações experimentadas, as válvulas de pistões e as rotativas foram as que deram melhor resultado nos instrumentos de sopro1309. Em 1886, Fortaleza conheceu essas transformações de perto em uma exposição organizada por dois trompistas que apresentaram o novo mecanismo nas trompas1310 e promoveram audições 1305 Construtores de instrumentos. 1306 SACHS, op. cit., 2006, p.425. 1307 BATE, Philip; TARR, Edward H. Valve (i). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017. 1308 Em Portugal, os termos usados para as voltas ou seções de tubo que se acoplavam aos instrumentos de sopro são as bombas ou roscas. 1309 BATE, TARR. Valve (i). 1310 A reportagem não menciona qual tipo de válvula foi apresentada pelos trompistas ou se tinham mais instrumentos além da trompa. 290 para mostrar a sonoridade dos instrumentos1311. A exposição já havia passado por Paris, Berlim, Londres, S. Petersburgo, Nova York e, no Brasil, já tinha estado no Pará, Amazonas e Maranhão. Em Fortaleza, os trompistas passaram seis dias, seguindo depois para o Rio de Janeiro e outras cidades das “republicas do Prata”1312. A ideia de “modernidade” estava refletida na nova invenção, frisando o jornal que “tudo no mundo moderno é arte”1313. Conclamava o público a se fazer presente a exposição que demonstrava ser a “synthese da experiência maravilhosa do século XIX”1314. Nas imagens da banda da polícia, a “modernidade” aparece representada nos novos instrumentos de sopros que refletem as experimentações, as modificações e as inclusões de novos mecanismos. Nas duas imagens de 1897 e 1910, constatamos a presença de uma trompa “de harmonia” na banda, provável modelo de instrumento apresentado durante a exposição de 1886. A questão que aqui se coloca é: como financiava a banda os seus instrumentos, levando em consideração que deviam ser importados e caros? Quase todos os anos as leis orçamentárias da província e do estado previram uma quantia voltada para a compra de instrumentos novos e o seu conserto. Boa parte desse dinheiro veio dos contratos da banda que entravam na caixa da música, regulada pelos regulamentos expedidos em 1864, 1873, 18941315. A autorização tanto de compra1316 como para o descarte1317 do material deveria ser solicitada e autorizada pela presidência do governo. Por exemplo, em 1864 o Colégio dos Educandos recebeu os instrumentos da banda da polícia na sequência da sua desativação1318, retornando o instrumental para a polícia no ano seguinte1319. Nessa ocasião, o instrumental foi descrito como um material velho, estragado. Com a reativação das atividades da banda, o comandante solicitou ao governo 1311 Libertador, 09 de abril de 1886, p.3. 1312 Idem. 1313 Ibidem. 1314 Ibidem. 1315 Artigo 39º do Regulamento de 1864. Regulamentos, 1835-1879, APEC apud RODRIGUES, op. cit., 1955, p.24; Artigo 125º do Regulamento de 1873, Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais, ala 5, estante 3, prateleira 16, livro 03, data: 1872-1873, APEC; Artigo 37º e 39 do Regulamento de 1894. Jornal A República, 20 de abril de 1894, p.1. 1316 Ofício 11 de abril de 1864. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.35, APEC. 1317 Ofício 19 de novembro de 1866. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p.100, APEC. 1318 Pedro II, 13 de novembro de 1862, p.1 1319 Ofício 16 de janeiro de 1864. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 21, APEC. 291 dinheiro para substituição do mesmo, mas este foi-lhe negado1320. No seu relatório anual, o comandante citou a importância do dinheiro vindo dos descontos dos soldos dos praças, previsto no regulamento de 1864, vez que, segundo ele, era uma forma da banda comprar e consertar seus instrumentos sem precisar dispender este dinheiro pelos cofres provinciais. Ao dinheiro que entrou através dos descontos dos praças, somou-se os valores recebidos pelos contratos particulares da banda. Esta receita total demonstrou ser um dinheiro bastante vantajoso para uso da banda, conforme analisamos no capítulo 5. Durante os anos de 1891 a 1894 a quantia que entrou no caixa da música serviu para comprar instrumentos e acessórios e pagar consertos dos mesmos. Com base na análise deste livro-caixa, pudemos concluir que o dinheiro dos contratos e dos descontos dos soldos dos praças constituiu em uma receita fundamental para a compra e conserto dos instrumentos. Mesmo assim, a polícia não deixou de prescindir do dinheiro do governo para adquirir material novo. O elevado custo dos instrumentos obrigava a banda a recorrer a mais de uma fonte de financiamento, neste caso, o dinheiro dos contratos de festas particulares e os recursos provenientes do governo. Nos anos de 1881, o governo expediu ordem de compra de um jogo de pratos e mais 05 instrumentos não especificados1321. Em seguida, no ano de 1885, lançou um edital de compra discriminando os instrumentos e que foi completado com um novo edital em 18871322. Em 1890 foi informado no ofício proveniente do governo provisório que houve duas novas aquisições de instrumentos, sem especificação de quais foram adquiridos1323. Depois disso, somente em 1929 é que registramos uma nova compra para substituir os instrumentos antigos1324. Entre 1929 e a compra anterior que se tem informações, realizada em 1893 e paga com o dinheiro da caixa da música1325, passaram-se cerca de 36 anos. Tal fato indica o quão difícil era adquirir novos instrumentos pela banda da polícia. Entre as principais razões para esta dificuldade estava o fato de os mesmos serem importados, o que onerava ainda mais os custos totais. 1320 Ofício 11 de abril de 1864. Ofícios ao Corpo de Policia (1863-1875), Fundo Governo da Província do Ceará, Livro 152, p. 35, APEC. 1321 Cearense, 14 de setembro de 1881, p.1. 1322 Gazeta do Norte, 14 de maio de 1885, p.3; Libertador, 29 de março de 1887, p.3. Estes instrumentos serão relacionados mais adiante. 1323 Libertador, 24 de janeiro de 1890, p.2. 1324 ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1931. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 36º anno, 1931, p.65-66 (CD-ROM). 1325 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de agosto de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.21 (verso), APEC. 292 A análise da formação instrumental da banda da polícia, quais instrumentos que a formavam e suas quantidades serão analisadas por meio das imagens registradas, partituras do acervo e dos editais de compra publicados nos jornais. Para a discussão desta questão recorreremos principalmente à análise das fotografias da banda, comparando-as, em alguns momentos, com uma partitura do acervo datada do mesmo ano da imagem. As partituras do acervo da polícia foram consideradas fontes de apoio para a análise da instrumentação. Os vários acréscimos de cópias às partituras originais com datas diferentes dificultaram a precisão em determinar qual a formação instrumental proposta para uma determinada época. Além disso, a flutuação de músicos mencionada no capítulo anterior pode ter gerado o uso de partes acrescentadas, o que também contribuiu para a indeterminação na formação instrumental. A primeira formação instrumental da banda da polícia de que se tem conhecimento é a retratada na fotografia de 18791326 (conferir figura 1 do anexo A). Na imagem aparecem 28 músicos mais o maestro ao centro segurando um maço de papel, suas partituras. É bastante provável que este indivíduo seja João Moreira da Costa que, nesta mesma época, era o mestre de música. Ao seu lado, segurando uma corneta de pistões, um modelo francês desse instrumento, está o 1º pistonista da banda e contramestre, provavelmente Pedro Gomes do Carmo1327. Sua presença segue a prática de colocar o ajudante ao lado do maestro. Nesta imagem, identificamos 26 instrumentos assim distribuídos1328: Flauta (2) Requinta (2) Clarinete1329 (3) Oficleide (4) Flicorno soprano (1) 1326 Conferir figura 1 do Anexo A. 1327 Comparar a imagem do instrumento de Pedro Gomes do Carmo (figura 1 do Anexo A) com a imagem do cornet à pistons publicada no catálogo da fábrica francesa de Jérome Thibouville-Lamy de 1878 (conferir figura 2 e 13 do anexo B). 1328 Identificação dos instrumentos na figura 1 do Anexo A, da esquerda para a direita: primeira fila embaixo temos o oficleide, trombone de pistão, eufônio, maestro, corneta de pistões, saxhorn barítono, tuba, oficleide. Na segunda fila: saxhorn alto, corneta de pistões, corneta de pistões, (?), eufônio, flicorno soprano, saxhorn alto, oficleide. Terceira fila: (?), flauta transversa, corneta de pistões, requinta, clarinete, clarinete, requinta, oficleide. Quarta fila (no alto): flauta, pratos, [provável tocador de caixa], [tocador de bombo], clarinete. Agradeço ao musicólogo Rui Magno Pinto a colaboração pela definição dos instrumentos das imagens de 1879 e 1897. 1329 É provável que a afinação desse clarinete seja em “sib” levando em consideração o edital de compra dos instrumentos de 1885 através do qual foram adquiridos 6 clarinetes em sib. Além disso, o clarinete em sib era mais comum de ser usado na banda do que o de “láb”, de uso mais frequente nas orquestras sinfônicas. Por fim, as partituras existentes na banda indicam prioritariamente o clarinete em sib. 293 Corneta de pistões (4) Saxhorn mib (2) Saxhorn barítono (1) Eufônio [Saxhorn baixo] (2) Trombone de pistão (1) Bombardão [Tuba] (1) Bombo [1] Par de pratos [1] [Provável percussionista – 1 Caixa] Não identificado (2) Em 1885 o Tesouro Provincial publicou um edital de compra de novos instrumentos1330. A relação constava da compra de 1 flautim de ébano, 1 requinta de ébano, 6 clarinetes em sib de ébano, 2 “pistons” sib1331, 2 trombones, 3 oficleides em dó, 4 oficleides em sib1332, 2 bombardões1333 em sib, 2 saxhorns em mib, 1 bombo, 1 par de prato, 1 caixa de rufo e alguns acessórios. Dois anos depois houve uma nova licitação de instrumentos e acessórios que estabeleceu a compra de 1 saxofone, 1 flauta, 1 saxofone barítono, peles para bombo e tambor, palhetas para clarinetas e requintas1334. Neste mesmo edital foram compradas partituras, sendo a primeira vez que localizamos este tipo de compra1335. Com estas duas relações de material, a banda da polícia agrega novos instrumentos à lista de 1879, como o flautim e os saxofones, além de aumentar a quantidade dos já existentes, como no caso dos oficleides, saxhorns em mib e bombardões. A reivindicação pública feita pelo redator do jornal Gazeta do Norte ao comandante da polícia no ano de 1884, pedindo mais investimento humano e material para a banda surtiu o efeito desejado. O redator sugeria o aumento do número dos músicos 1330 Gazeta do Norte, 14 de maio de 1885, p.3 1331 O edital menciona somente “pistons” em sib. É provável que o instrumento se refira ao cornet à pistons, sendo, portanto, uma redução de sua denominação. Não podemos confirmar em definitivo que seja esse instrumento visto que o cornetim ser também afinado em sib e contendo pistões. A banda da polícia possuía alguns exemplares, conforme demonstra a imagem de 1879 (conferir figura 1 do Anexo A). 1332 Com a compra destes 7 oficleides em 1885 a banda ficou com 11 instrumentos no total contando os quatro que ela já possuía anteriormente. Essa quantidade de oficleides parece um pouco estranha e exagerada. Havia mais oficleides do que clarinetes (9) no grupo policial, instrumento melódico de maior quantidade na banda e que se assemelha a função do violino na orquestra sinfônica. Não existem informações que expliquem o motivo dessa compra. Como não se vê todos esses instrumentos retratados na fotografia de 1897 é possível supor que tenham sido usados como uma rubrica para desviar dinheiro, semelhante ao caso das peles de bombo que mencionamos capítulo 5, como um material solicitado, mas não comprado. 1333 Bombardão representa o flicorno contrabasso em sib para os italianos, também chamado nas partituras alemães de bombardon ou contrabass-tuba em sib. Sua presença é detectada na imagem de 1897 pelo Helicon, instrumento de formato espiral, próprio para ser usada nas marchas em desfile (VESSELA, Alessandro. Studi di Strumentazione per Banda. GIAMPIERI, Alamiro (Org. Compêndio e Apêndice). [s.l.]: Ricordi, [1894/1954], p.58). 1334 Libertador, 29 de março de 1887, p.3. 1335 O assunto sobre as partituras será abordado no próximo capítulo. 294 como a solução para a melhoria do grupo. Um ano depois, a banda recebeu novos instrumentos, melhorando e ampliando seu material1336. Com alguns dos instrumentos antigos que foram deixados num depósito da polícia, a Colônia Christina, um espaço de recolhimento e ensino de meninos e meninas órfãs, instituiu o ensino de música no orfanato. Logo em seguida, a Colônia formou uma banda de música com 14 meninos1337. Tal como no caso dos músicos, também no caso dos instrumentos, a banda constituiu em um centro formador da música de sopros. A disposição completa do instrumental adquirido com os dois editais foi a seguinte: Flautim (1) Flauta (1) Requinta (1) Clarinete em sib (6) Saxofone (1) Saxofone barítono (1) Oficleide em dó (3) Oficleide em sib (4) Pistons em sib [possível corneta de pistões] (2) Saxhorn mib (2) Trombone (2) Bombardões em sib (2) Bombo (1) Par de pratos (1) Caixa de rufo (1) Total de instrumentos comprados: 29 Não existem informações sobre o local onde a banda da polícia adquiriu esses instrumentos ou qual loja ganhou a licitação. Contudo, duas evidências de compra de instrumentos pelo governo sugerem que, pelo menos uma parte do material tenha sido comprado na França. Em 1861, o governo substituiu o antigo instrumental da banda do Colégio dos Educandos, por “um novo e bem surtido” vindo da França pela quantia de 1:858$800 réis1338. Três anos depois, em ofício datado de 1864 remetido pelo Presidente da Província à Comissão de Orçamento da Assembleia Provincial, um novo pedido do diretor do colégio dos Educandos solicitou a compra de instrumentos para montar uma orquestra. O ofício apresentava uma relação de instrumentos, acessórios e métodos com suas respectivas quantidades, preços e numerações, tomado como referência o catálogo da loja de Bluthord [Buthod] & Thebouville [Thibouville] localizada na rua Sain [Saint] 1336 Libertador, 21 de junho de 1884, p.3. 1337 Cearense, 02 de julho de 1887, p.2. 1338 Cearense, 23 de julho de 1861, p.2. 295 Martin em Paris1339. No catálogo de vendas da loja de Thibouville-Lamy de 1867, percebemos que o pedido do Colégio dos Educandos segue as mesmas descrições dos instrumentos, seus tipos e afinações, número de referência de material da fábrica, preços, acessórios, contidas no catálogo de 18671340. Os instrumentos de sopro solicitados foram 1 flauta, 1 flautim, 2 oboés, 2 flageolés, 4 clarinetes, 2 cornes inglês, 2 trombones tenor, 2 trompetes, 2 trompas de harmonia, 1 saxofone soprano, 1 saxofone alto, 1 saxofone tenor. É provável que estes instrumentos não tenham sido comprados, visto que nos relatórios e nos jornais não existem indícios que esta orquestra tenha sido formada no colégio. O mais importante aqui, é saber que os instrumentos vendidos na França eram de conhecimento dos músicos cearenses, uma vez que o catálogo da empresa de Thibouville de 1864, com sua relação dos instrumentos, acessórios, novidades e mecanismos, circulou entre os músicos de Fortaleza e os da própria banda da polícia. O “piston” que Pedro Gomes do Carmo segura em sua mão na imagem de 1879 é um modelo francês de cornet à pistons1341. Além disso, a designação francesa para os saxhorns que aparece no edital e nas partituras sugere a adoção do modelo francês em detrimento dos modelos americanos e da nomenclatura italiana – flicorni – presente nas partituras depois da chegada do italiano Luigi Maria Smido na banda da polícia na década de 1890. Não podemos, contudo, afirmar que houve uma origem única dos instrumentos da banda da polícia sendo possível que tenham sido importados instrumentos fabricados por diferentes luthiers, até mesmo de países distintos. A menção a “marcas diferentes”1342 como um dos motivos para a compra e substituição do instrumental da banda na década de 1930 parece ser um indício de que a falta de uniformização sonora era uma questão antiga na banda, provocada pelo uso de instrumentos de fabricação diversa os quais possuíam suas afinações específicas1343. Os dados que possuímos, porém, apontam para que tenha 1339 Ofício à Comissão do Orçamento da Assembleia Provincial do Ceará constando de uma relação de orçamento de instrumentos, acessórios e métodos. Documento não catalogado, 1964, APEC. 1340 CATALOGUE Jérome Thibouville-Lamy, 1867. 1341 CATALOGUE Jérome Thibouville-Lamy, 1878, p.119-121; CATALOGUE Couesnou & Cie. Paris, 1912, p.26, 29 (Conferir Anexo B). 1342 “O Commando da Força acaba de encomendar na Europa instrumental completo, typo Monopole, da fabrica Couesnou, de Paris, para sua Banda de Musica, que actualmente se serve de 63 instrumentos, na sua maioria estragados pelo tempo de uso e já submetidos a vários concertos, alem de oferecerem o inconveniente de marcas diferentes, prejudicando a harmonia do conjunto” (ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1931. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 36º anno, 1931, p.65-66 (CD- ROM) (grifo nosso). 1343 SOUSA, op. cit., 2013, p.95-98. BAINES, Anthony; TEMPERLEY, Nicholas. Pitch. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2017. Esse assunto será retomado no capítulo seguinte. 296 havido uma predominância da importação dos instrumentos da França em relação a outros países durante o século XIX. A imagem da banda de 1897 (conferir figura 2 no anexo A) apresenta alguns dos instrumentos novos comprados, sugerindo que nem todos os instrumentos estavam sendo usados ou que alguns foram descartados. Embora não seja claro quem era o mestre de música, é possível que seja o músico que está na fila de baixo segurando o clarinete, já que era comum que o mestre de música tocasse esse instrumento1344. Nesta imagem surgem 34 músicos, sendo 31 adultos, 3 crianças postadas no alto e o maestro ao centro. Identificamos os seguintes instrumentos1345: Flautim (1) Flauta (1) [Requinta – 1 (?)] Clarinete (2) e [clarinete – 1 (?)] Saxofone barítono (1) Oficleide (2) Corneta de pistões (3) Saxhorn alto (4) Trompa (1) Saxhorn barítono (6) Eufônio (5) Helicon (2) Lira (1)1346 [Provável percussionista] Bombo (1) [Provável percussionista] Caixa (1) Não identificado (1 – Helicon (?)) Analisando a lista acima chama-nos à atenção os instrumentos comprados que não aparecem, casos de um saxofone não especificado, das clarinetas e oficleides, sem que saibamos explicar o motivo da ausência. A partir dos instrumentos que aparecem, é difícil dimensionar a sonoridade do grupo. Se, por um lado, a quantidade de instrumentos 1344 SOUSA, op. cit., 2013, p.59, NR146. 1345 Identificação dos instrumentos na figura 2 do Anexo A, da esquerda para a direita - fila debaixo: oficleide, eufônio, eufônio, eufônio, saxhorn barítono, clarinete (maestro), sax barítono, oficleide, helicon, helicon. Na segunda fila atrás: [helicon?], clarinete, eufônio, saxhorn barítono, saxhorn barítono, saxhorn barítono, eufônio, saxhorn barítono. Terceira fila: [requinta?], flauta, [clarinete?], saxhorn alto, saxhorn barítono, corneta de pistões, flautim, saxhorn alto. Quarta fila (no alto): corneta de pistões, trompa, corneta de pistões, [percussionista], [percussionista], saxhorn alto, saxhorn alto e lira. 1346 O instrumento “lira”, como chamamos no Brasil, é um metalofone tocado na vertical em formato de lira. No acervo da banda não foram localizadas partes direcionadas para a lira. Observando a imagem (figura 2 do anexo A), vemos que existem ornamentos no instrumento que sugerem que ela possa ter funcionado como um estandarte nos desfiles militares. Sendo tocada, a possibilidade é que ela tenha dobrado a parte (ou partes) de algum (ns) instrumento (s) que executasse (m) a melodia principal da composição. 297 médio-graves é em número bastante acentuado, 20, contra 11 dos de registro médio- agudo, por outro lado, a presença do flautim, requinta, lira e 3 instrumentos da família dos trompetes parecem garantir o equilíbrio da região aguda e, consequentemente, das melodias. O que é curioso também nesta formação é o número de instrumentos da família dos saxhorns (altos, barítonos e baixo – o eufônio). No total são 15 instrumentos destes três naipes. Aliado a esta questão, essa imagem apresenta pela primeira vez 3 menores de 18 anos facilmente perceptíveis na fila do alto. Como vimos, foi a partir de 1894 que a corporação policial passou a aceitar jovens menores de 18 anos para fazerem parte do grupo como aprendizes. O número mais elevado de saxhorn alto e barítono nesta imagem (total de 10), pode ser sinal da estruturação do ensino de música no interior da polícia. Esses dois instrumentos, por serem menores e mais leves do que os trombones e bombardões (tubas), são mais apropriados a iniciação musical de crianças e jovens. As exigências físicas necessárias para soprar um bocal de maior diâmetro ou a necessidade de que o aprendiz tenha um comprimento de braço capaz de executar as posições que o êmbolo do trombone exige, apresentam-se como limitadores iniciais para a aprendizagem musical em instrumentos de maior porte de sopros para as crianças e jovens. Portanto, se, por exemplo, faltam nessa formação músicos tocando trombone, instrumento mais apropriado para os adultos tocarem por questões físicas de execução, veem-se mais saxhorns altos e barítonos, instrumentos que sinalizam a organização das classes de menores aprendizes dentro da banda da polícia. A comparação das duas imagens reforça a ideia da flutuação de músicos no interior da banda. Enquanto a de 1879 existe uma disposição mais comum da estrutura instrumental, uma banda de música de porte médio, mais equilibrada nos sons agudos e graves, a de 1897 aparece mais desbalanceada na sua instrumentação. É possível que esta banda fosse apenas um grupo que tirou a fotografia ou um grupo ocasional, não representando na realidade o conjunto que atuava. Essa questão é um aspecto sobre o qual, por enquanto, não foi possível tirar conclusões. No acervo de partituras da Polícia Militar do Ceará a peça mais antiga está datada de 1897, o mesmo ano desta segunda fotografia da banda. A composição denominada Corporação, marcha de Euclides Paiva, não possui a partitura do maestro, somente as partes separadas. Estas partes foram copiadas por três copistas: o futuro mestre de música Raimundo Egydio de Lima em 1897, Martinho Jozé Pereira, sem data, e por Pedro Domingues, em 1928. As partes datadas de 1897 são compostas de requinta, 1°, 2° 298 e 3° clarinetes em sib, saxofone soprano, 1° e 2° bombardino (no caso, o eufônio1347), saxhorn barítono em sib e baixo em mib. Comparando com a disposição da formação instrumental da fotografia de 1897, estariam faltando as partes de flautim, flauta, saxofone barítono, cornetim, oficleide, helicon e lira. As partes copiadas de 1928 por Pedro Domingues mais as de Martinho Jozé Pereira, poderiam ser uma nova cópia do material de 1897, mas não é o que se observa. Nas partes copiadas por estes dois músicos existem instrumentos que não aparecem na imagem de 1897 como o sax alto, sax tenor e partes para três trombones. Comparando com outras partituras do fim da década de 1920 e início de 1930, vemos que passou a ser comum a indicação de partes para saxofones alto, tenor e trombones. Esta escolha parece ser consequência de uma instrumentação mais “moderna” que fixou a família dos saxofones e do trombone na formação instrumental das bandas de música. Como esses instrumentos já constavam do instrumental da banda da polícia desde 1879, outra possibilidade para esta disposição instrumental da marcha Corporação de 1897 é que ela representasse uma redução do tamanho da banda para a execução em algum evento específico. Como discutimos anteriormente, a banda da polícia formou subgrupos de vários tamanhos, situação registrada no livro da Caixa da Música de 1891-18941348. Por outro lado, juntando todas as partes cavadas podemos perceber que, olhando pelo lado da fotografia, alguns instrumentos que aparecem na imagem também não foram contemplados na instrumentação da peça como flautim, flauta, saxofone barítono, oficleide, lira. Com exceção da flauta, que parece não ter tido parte escrita diretamente para ela em quase todas as partituras do acervo da banda, e a lira, que pode ter sido usada apenas como um estandarte em 1897, o flautim, o saxofone barítono e o oficleide continuaram tendo partes indicadas no repertório do grupo policial até a década de 1930. Mesmo sendo a instrumentação de 1897 e a de 1928 diferente da formação instrumental registrada na foto de 1897, as partituras da década de 1930 1347 Como discutiremos no próximo capítulo, o bombardino e o eufônio são dois instrumentos diferentes em sua origem e que, com o passar dos anos, passaram a ser sinônimos do mesmo instrumento. O primeiro representa o flicorno (ou saxhorn) barítono, também chamado na Itália em fins do século XIX de bombardino. Já o eufônio era o nome italiano dado ao flicorno baixo. Os dois instrumentos são semelhantes em sua forma, com diferença na extensão das notas e no calibre do tubo. As partituras escritas em clave de sol passaram a ser especificadas para serem tocadas pelo barítono e as escritas em clave de fá, especificadas para o “bombardino”, devendo ser, na realidade, tocadas por um eufônio. No texto, informaremos em parêtensis retos o real instrumento a ser tocado (conferir VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.56). 1348 Os grupos variavam de 3 a 8 músicos. Conferir capítulo 5 (Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de junho de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.19 (verso), APEC; Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de janeiro de 1894. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.25 (verso), APEC). 299 demonstram que os instrumentos existiam na banda, sendo provável que houvessem músicos que pudessem tocá-los. Portanto, as diferenças instrumentais entre imagem e fundo documental podem ter sido ocasionadas não somente pelas escolhas de época para a instrumentação da peça, ou pela redução do tamanho do grupo para a execução em eventos específicos, como também pelas perdas das partes de flautim, saxofone barítono e oficleide. A instrumentação da peça Corporação com todas as cópias presentes no seu fundo documental é a seguinte: Requinta 1º Clarinete em sib solo 2º Clarinete em sib 3º Clarinete em sib Saxofone soprano Saxofone alto Saxofone tenor 1º piston 2º piston 3º piston 1ª trompa [saxhorn mib] 2ª trompa [saxhorn mib] 3ª trompa [saxhorn mib] Saxhorn barítono (7) 1º bombardino [eufônio] 2º bombardino [eufônio] 1º trombone 2º trombone 3º trombone Contrabaixo mib Contrabaixo sib Pancadaria A primeira questão que surge com a leitura da fotografia de 1910 é a composição e disposição espacial dos instrumentos (conferir figuras 3 e 4 do anexo A). Os instrumentos de cordas friccionadas estão dispostos em primeiro plano na imagem, de forma bastante visível. É interessante observar o lugar em que estes instrumentos ocupam na imagem: bem a frente de todo o grupo, no chão, sem que nenhum músico os segure. Se, por um lado, a inscrição da fotografia remete para a “Banda de Música do Batalhão de Segurança”, com o registro claro dos instrumentos de sopro e percussão que a caracterizam (como os saxofones, clarinetas, trombones, bumbo, caixa e pratos), por outro lado, de forma também bastante visível, é possível observar instrumentos como os violinos, o violoncelo e os contrabaixos, numa clara proposição de orquestra sinfônica. Como dissemos anteriormente, para além da banda de música do Batalhão de Segurança, 300 existia também a “Orquestra do Batalhão de Segurança”, ativa na cidade de Fortaleza nos anos iniciais do século XX1349. Em 1910, os maestros Luigi Maria Smido e Henrique Jorge regeram dois concertos por ocasião das festividades de inauguração do Teatro José de Alencar com os referidos grupos da Polícia. O primeiro, em 17 de junho de 1910, no concerto inaugural, em que os dois maestros regeram hinos com a banda do Batalhão de Segurança1350; e o segundo, em 10 de setembro de 1910, com um “grande concerto symphonico regido pelo maestro Luigi Maria Smido”1351. O Almanaque do Ceará menciona que o concerto de setembro foi feito pelas “bandas” da polícia. Nesta fonte, a Força Policial no ano de 1910 possuía duas “bandas” de 30 figuras cada1352. A menção “banda de música”, descrita na fotografia de 1910, reforça nosso argumento quanto à flexibilidade do emprego dos termos “banda” e “orquestra” nas fontes, usados neste período sem o sentido diferenciado que empregamos hoje: conjunto de sopros e percussão para banda e conjunto que contém os arcos friccionados, além de outros instrumentos, em sua composição de orquestra. Entendemos assim que a imagem de 1910 reúne as duas “bandas” da polícia, representando, na realidade, a grande “Orquestra do Batalhão de Segurança”, sendo este o grupo que tocou no concerto sinfônico de setembro de 1910. O registro fotográfico da banda da polícia como um conjunto sinfônico, representado pela disposição instrumental de uma “orquestra”, relaciona-se também com a questão da instituição dos cânones musicais. Ao estabelecer quem era “os grandes compositores e suas obras”, as categorizações privilegiaram uma sonoridade de orquestra sinfônica que esta imagem reflete. Sendo a banda da polícia o grupo mais estável e permanente da cidade, responsável pela execução musical nos eventos solenes e oficiais que ocorriam em Fortaleza, era natural pensar em muni-la das condições necessárias para transformá- la em um conjunto sinfônico que respondesse aos novos paradigmas estéticos. 1349 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.152-153. ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1904. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Typ. Economica, 1903, p.88, anno 10º (CD-ROM); ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1905. Confeccionado por João Camara. Fortaleza: Empreza Typographica, 1904, p.86, anno 11º (CD-ROM). 1350 Conferir: Acesso em: 06 jan 2017; AZEVEDO; Miguel Ângelo de (NIREZ). Cronologia Ilustrada de Fortaleza: roteiro para um turismo histórico e cultural. Fortaleza, 2006, p. 42 (CD-ROM). 1351 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1919. Organizado por João Camara. Fortaleza: Typ. Moderna Carneiro & C., 1919, p.83-84, anno XXII (CD-ROM). 1352 ALMANACH Administrativo, Estatístico, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1910. Organizado por João Camara. Fortaleza: Typo’Lythographia a vapor, 1910, p.50, anno XVI (CD-ROM). 301 Outra questão que a fotografia de 1910 levanta é a quantidade de instrumentistas. Ela retrata um conjunto composto de 60 pessoas sendo 57 músicos, 50 adultos e 7 crianças, mais três indivíduos sentados no centro da imagem sem instrumentos. No meio está o maestro Penido, conforme informado no texto da fotografia (conferir figura 3 do anexo A). Ele está mencionado com a função de “ensaiador” indicando que foi ele quem preparou o grupo antecipando o trabalho para o maestro Luigi Maria Smido assumir a regência principal na segunda apresentação. À sua direita, supomos ser o violinista Henrique Jorge e à esquerda de Penido, um oficial da polícia, provavelmente não músico (conferir figuras 5, 6 e 7 do anexo A). Este oficial pode ser o comandante da Companhia de Estado Menor, na qual a banda da polícia estava inserida pela lei. Em 1910 este comandante acumulava o cargo de inspetor de música, recebendo uma gratificação por este exercício1353. E os outros músicos, quem eram? Todos policiais? Analisando a lei de 1910, vemos que só houve dotação orçamentária para 30 músicos adultos, sem contar os aprendizes menores, mestre e contramestre da banda. Observando mais atentamente a fotografia, percebemos que a banda apresenta músicos trajando roupas diferentes. Como a imagem não está perfeitamente nítida é possível perceber essa diferença por meio dos chapéus, artigo usado por todos os homens dessa imagem. Com isso conseguimos identificar três tipos diferentes que demonstram a composição deste conjunto: o primeiro tipo, adotado por aqueles que são militares policiais, perceptível nos aprendizes de música e na maioria dos músicos, um boné de linhas mais retas. Um segundo tipo que aparece em alguns homens, num formato em “cartola” e “chapéu de coco”, que definem um tipo civil. Um terceiro tipo de chapéu que aparece em poucos integrantes, no formato de chapéu militar do exército. Esse grupo parece ter sido formado a partir da base de instrumentos que a polícia dispunha, somando ao grupo pessoas que tocavam os instrumentos que faltavam para completar a formação de orquestra. A fotografia da “banda” da polícia de 1910 registra claramente a característica híbrida de seus músicos e o agrupamento de civis e militares em seu seio. A visão da mescla de diferentes condições da banda comprova a dinâmica cultural e social que o grupo musical da polícia representou para a cidade de Fortaleza e as relações de cooperação musical mantidas entre policiais e não policiais. 1353 Artigo 4º, §3º da Lei nº 971 de 30 de Julho de 1909. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1909. Fortaleza: Typo- Lithographia a vapor, 19º volume, 1909, p.13. 302 Figura 6 – Boné de linhas retas da Força Policial. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição: Inez Martins. Figura 7 – Cartola ou chapéu de “coco” usado por civis. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição: Inez Martins. Figura 8 – Chapéu militar usado pelo exército. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição: Inez Martins. 303 Mesmo a fotografia de 1910 não estando perfeitamente nítida, identificamos os seguintes instrumentos sem especificar suas quantidades1354: Violino Violoncelo Contrabaixo acústico Flautim Flauta Requinta Clarinete em sib Clarinete alto (?) Clarinete baixo Saxofone soprano Saxofone alto Saxofone tenor Saxofone barítono Corneta a pistões e/ou flicorno soprano (?) Saxhorn alto Trompa Saxhorn barítono Eufônio Trombone Bombardão (?) Bombo Caixa Par de pratos Tímpano A única partitura encontrada no acervo da banda da polícia com data de 1910 é a Polonaise op. 40, nº1 de Chopin, com partes incompletas. Esta Polonaise foi batizada de “militar”1355 depois de composta por Chopin e adaptada para banda em versões diferentes por músicos distintos1356. A partitura existente no acervo da polícia indica que 1354 Identificação dos instrumentos na figura 3 e 4 do Anexo A, da esquerda para a direita - fila debaixo, sentados, iniciando com as crianças: bombo, caixa, par de pratos, (?), saxofone alto, flauta (?), saxofone soprano, violino, Henrique Jorge com o violino, maestro Penido, oficial, clarinete alto (?), corneta de pistões ou flicorno soprano, requinta (?), clarinete sib, clarinete sib, clarinete sib, clarinete sib, (4 crianças na frente de 2) tímpanos. Na segunda fila atrás em pé: bombardão (?), trombone, trombone, trombone, trombone, (?), (?), (?), sax tenor, (?), (?), (?), (?), (?). Terceira fila: contrabaixo acústico, corneta de pistões ou flicorno soprano (?), trompa, saxhorn barítono, saxhorn barítono, (?), saxhorn alto, saxhorn alto, flautim, (?), eufônio, clarinete baixo, contrabaixo acústico. Quarta fila (no alto): (?), (?), (?), (?), saxofone barítono, (?), (?), percussionista bombo, (?), (?), (?). 1355 LATHAM, Alison (ed.). Military Polonaise. The Oxford Companion to Music. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: Acesso em: 02 out. 2017. 1356 As versões mais antigas que pudemos determinar desta Polonaise foram uma versão para orquestra escrita pelo compositor russo Alexander Glazunov (1865-1936) e uma versão, sem indicação de autor, gravada pela banda da US Marine Band em 1921 (Disponível em: ; Acesso em: 02 out.2017). 1357 CHOPIN, F. / CHIBBARO, Salvatore. Polonaise op.40 nº1. Para banda de música. ABMPMCE. 1358 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.115. 305 Boehm, tornando possível tocar o clarinete em todas as tonalidades1359. O clarinete alto já existia na afinação de sol desde 1792, mas o de mib foi construído somente no século XIX1360. Ele nunca foi admitido nas orquestras, mas executou um papel especial nas bandas da Alemanha e na Inglaterra como um clariente tenor1361. Ainda hoje sua presença é pouco comum nos grupos de sopro e percussão, estando normalmente presente mais nos conjuntos que tocam repertório sinfônico e que têm um número maior de instrumentistas. A presença do clarinete alto na banda da polícia reforça a característica do grupo como espaço de experimentação, de conhecimento e acolhimento das modificações europeias dos instrumentos. Assim como os saxofones, oficleides, trompetes e saxhorns que a banda da polícia adquiriu representaram símbolos de uma cidade que se modernizava durante a segunda metade do século XIX e início do XX, a presença do clarinete em mib na polícia deve também ser encarado nesta esfera representativa. Mesmo que partitura possa ter sido atribuída ao clarinete em mib depois de 1910 (uma vez que a descrição do seu nome na parte aparece com tinta diferente da tinta da cópia da música no restante da partitura), a mera referência a este instrumento comprova que foi executado em algum momento pela banda. Além disso, uma vez que era um instrumento típico de grupos de sopro e que foi identificado um provável exemplar na imagem sugere-nos sua existência no grupo de 1910. Outra cópia interessante é a que apresenta o contrabaixo acústico. Na mesma partitura vem escrito a indicação para oficleide. Mesmo não tendo visualizado nenhum oficleide na “banda” de 1910, é possível que tenha sido usado já que a banda também possuía esse instrumento e, em fins da década de 1920, aparece partes de oficleide em algumas partituras da época. O uso do contrabaixo acústico pode indicar que tenha sido incluído violino e o violoncelo nesta música. Como é comum que os instrumentistas levem suas partes para estudar em casa, especialmente nesta época de poucas cópias, a falta destas partes no fundo documental pode ser consequência dos músicos terem ficado com elas. A instrumentação completa da Polonaise op. 40, nº1, juntando a proposição da partitura editada com a das partes cavadas foi a seguinte: Flautim em mib [indicação a lápis na parte editada] Clarino in mib [requinta na parte manuscrita, clarinete em mib] 1º clarino in sib [clarinete em sib] 2º, 3º clarino in sib [clarinete em sib] 1359 FORSYTH, op.cit., 1982, p.252; KENNEDY, Michael. Clarinet. The Oxford Dictionary of Music, 2. Ed. Rev. Oxford Music Online.Oxford University Press. Disponível em: . Acesso: 02 out. 2017. 1360 SACHS, op. cit., 2006, p.414. 1361Idem. 306 Clarone [clarinete alto] em mib [somente na parte manuscrita] Saxofone soprano [somente na parte manuscrita] Saxofone alto [somente na parte manuscrita] Saxofone barítono [somente na parte manuscrita] Oficleide [somente na parte manuscrita] 1º Piston [cornetta em sib na parte manuscrita, provável cornet à pistons] 2º Piston [cornetta em sib na parte manuscrita, provável cornet à pistons] 1ª, 2ª, 3ª corni in mib [1ª, 2ª trompa / sax in mib na parte manuscrita] 1º, 2º, 3º bombardini [1º, 2º bombardino na parte manuscrita, ou seja, 1º e 2º eufônio] Bassiflicorni ou barytono [somente na parte manuscrita] 1º, 2º, 3º tromboni [1ª, 2ª trombone na parte manuscrita] 1º, 2º baixi [contrabaixo em sib na parte manuscrita] Contrabaixo “a corda” [somente na parte manuscrita] Barulho [grande cassa na parte manuscrita, representa a caixa de rufo] A imagem da banda de música da polícia que está datada de 1924 é descrita como sendo a “banda de corneteiros do Regimento Policial do Ceará”1362 (conferir figura 9 do anexo A). Num primeiro momento podemos tirar a conclusão precipitada de que a banda de música já não mais existia em sua formação de metais, madeiras e percussão. Tomando por base as leis estaduais desse espaço de tempo (1910-1924) constata-se que a banda não foi desativada e a dotação orçamentária para ela manteve-se prevista em todo o período. O que aconteceu foi uma reorganização da estrutura da polícia que afetou os objetivos e a visão da corporação sobre seu próprio conjunto musical. Mais do que retratar a diminuição de músicos e instrumental, essa imagem representa uma mudança de paradigma no seio da corporação policial que se refletiu numa reorganização das atividades da banda. A imagem de 1924 demonstra um processo que teve início durante a República, o aumento gradual do número de corneteiros e tambores, a ponto de formarem sua banda marcial1363, para além da banda de música tradicional, com sopros e percussão. O grupo formado pelos corneteiros e tambores é bastante representativo da organização militar, pois eles aparecem na estrutura do exército e da polícia muito antes das bandas de música entrarem na composição militar do século XIX, podendo ser constatados tanto nas tropas da província do Ceará quanto em vários regimentos espalhados pelo Brasil. Com a mudança da estrutura da polícia para um formato mais militarizado, a figura dos corneteiros ganhou uma dimensão mais importante dentro do ambiente interno do quartel. Esse grupo ficou responsável pelos diversos toques de 1362 Conferir as figuras 9 e 10 do Anexo A. 1363 “Artigo 143º: […] Os corneteiros e tambores formarão nas companhias, e quando o Bam. se reunir irão constituir a banda” (Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC). Durante o Império o Corpo de Polícia não formou banda marcial. 307 ordenança ao longo do dia, toque de alvorada e de recolher, toques para entrar em forma, as paradas, formaturas, festas, hora do rancho e vários outros indicativos dos serviços internos e externos ao quartel1364. Neste momento, o corneteiro torna-se uma presença mais simbólica e representativa da instituição policial militar do que a banda de música. Mesmo assim a banda de música não desaparece de dentro da polícia, vê, no entanto, a sua função e objetivo ser transformado. Se a imagem de 1910 retrata a condição híbrida do conjunto musical, constituída por civis e militares, a imagem de 1924 afirma a condição de grupo inserido na esfera de uma instituição policial militar na qual a presença de corneteiros e tambores são sua principal expressão instrumental e musical. No ano de 1924 a lei previu a presença de um 3º sargento corneteiro-mor, 20 corneteiros e dois clarins1365. A presença de tambores era menos especificada na lei, sem necessidade de quantificá-los já que as ordens de comando eram dadas pelos corneteiros1366. O tambor servia apenas para a manutenção da cadência da marcha nas paradas e desfiles. A leitura da imagem de 1924 traz, num primeiro momento, a ideia de um grupo desorganizado e musicalmente desbalanceado. Que banda de corneteiros é essa com um trompete e quatro tambores? O ex-maestro da banda militar da Polícia Militar do Estado da Guanabara, Dalmo Reis, apresenta em seu livro sobre o tema das bandas de música, uma disposição de banda de corneteiros e tambores que denomina também de banda marcial e que ajuda a entender a disposição desta imagem da banda marcial da polícia1367. Em uma das formações possíveis ele propõe um grupo de 16 músicos dispostos em fila de 4, vertical e horizontal, tendo à frente o corneteiro mór. As duas primeiras filas seriam de tambores e as duas atrás de cornetas. Voltando a imagem de 1924 (conferir figura 10 do anexo A), percebe-se uma semelhança entre a disposição de Reis e esta da polícia. Observando cuidadosamente, vemos a figura de 16 músicos dispostos em 4 filas, na horizontal e vertical. A desorganização aparente que identificamos no início indica, na realidade, a intenção dos músicos de aparecerem na imagem. O instrumento de bocal que aparece na fotografia, aparenta ser uma corneta, 1364 Regulamento da Força Pública Militar do Estado – 1922, APEC. Para um maior aprofundamento sobre o tema dos toques de ordenança e o grupo formado pelos corneteiros e tambores ver: SOUSA, Pedro Alexandre Marcelino Marquês de. Toques de ordenança militar. Parede (Portugal): Tribuna da História / Princípia Editora, 2013. 1365 Lei nº2128 de 26 de outubro de 1923. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1923. Fortaleza: Typ. Gadelha, 32º volume, 1924, p.67-73. 1366 Lei nº 1.395 de 2 de outubro de 1916. In: CEARÁ, Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1916. Fortaleza: Estabelecimento Graphico A.C. Mendes, 25º volume, 1916, p.69-80. 1367 REIS, Dalmo da Trindade. Bandas de Música: fanfarras e bandas marciais. Rio de Janeiro: Eulensteins Música S.A., 1961, p.38-39. 308 devido ao tamanho do instrumento e por não se notar os pistões. O oficial que está ao lado do grupo, pelo fato de não possuir um instrumento, é provável que seja o ajudante do Batalhão, responsável pela instrução militar de movimentos e evoluções da banda de música e da banda de corneteiros e tambores1368. O instrumentista que aparece em primeiro plano aparenta ser o corneteiro-mor, o responsável pelo grupo de corneteiros, visto ter sido o único instrumentista claramente identificado na imagem. Neste caso, exercia a função de “maestro” da banda marcial. Como havia um número elevado de corneteiros na polícia do Ceará é possível que os instrumentos que não apareçam sejam, em sua maioria, cornetas. Como as formações de desfile militares são bastante regulares é provável que o instrumentista da 2ª fila fosse um tambor ou caixa completando, assim, a uniformidade do quadro instrumental e ajudando no balanceamento sonoro do grupo de desfile. Para deixar mais clara a disposição apresentada na imagem de 1924, apresentamos o quadro abaixo indicando a referida organização da banda de corneteiros e tambores da Polícia do Ceará de 1924. Quadro 8 – Disposição da banda de corneteiros e tambores de 1924. 4ª fila Músico [corneta?] Músico [corneta?] Músico [corneta?] Músico [corneta?] 3ª fila Músico [corneta?] Músico [corneta?] Músico [corneta?] Músico [corneta?] 2ª fila Músico [caixa ou tambor?] Corneta Caixa Corneta Ajudante do Batalhão Caixa Tambor Caixa Corneta Fonte: Elaborado pela autora. Nas duas imagens seguintes, é bastante difícil identificar os instrumentos. Na fotografia de 1929 conseguimos contar 48 pessoas (eram mais integrantes conforme veremos a seguir), sendo 45 músicos e 3 oficiais1369 (conferir figuras 11 e 12 do anexo 1368 Artigo 32º e 33º do Regulamento de 1922. Decreto nº 434 de 14 de outubro de 1922. Fundo Governo do Estado do Ceará, grupo Secretaria de Justiça, série regulamentos, caixa 77, livro 257, data: 1896-1922, APEC. 1369 Conferir as figuras 11 e 12 do Anexo A. 309 A). O maestro pode ser um dos oficiais sentados à frente do grupo já que neste ano ele já possuía a patente de 1º sargento. Outra probabilidade é ele ser o músico que está segurando o clarinete, podendo ser tanto o da direita quanto o da esquerda dos oficiais. Os instrumentos identificados foram os seguintes: Requinta in mib Clarinete Corneta a pistões ou flicorno soprano Saxhorn mib Saxhorn barítono Eufônio Helicon Não decifrável: vários Na lei de fixação da Força Policial para 1929 foi prevista a substituição do instrumental da banda. O material foi importado de Paris da fábrica Couesnou, do tipo Monopole, aumentando para 63 instrumentos o total de seu instrumental1370. A compra desta quantidade de instrumentos indica que o grupo poderia ter 63 músicos, sem contar com aqueles que possuíam seu próprio instrumento e os antigos, que poderiam ainda estar em condições de uso e fossem compatíveis com a afinação dos novos. Mesmo que a dotação orçamentária do período mantivesse o pagamento para 40 músicos, esse número poderia ser completado pelos aprendizes de música1371. A quantidade de 63 músicos no grupo representou a maior banda que a polícia teve em todo o período estudado, indicando que, no fim da década de 1920, a banda da polícia ainda mantinha sua vitalidade musical enquanto grupo. Dos sete modelos vendidos pela fábrica de Paris, entre os escolares, de ópera, do exército, o catálogo de Couesnou destacava em primeiro lugar o modelo Monopole com uma longa descrição. Este modelo era uma série dotada de “qualidades especiais de justeza”, de sonoridade, de facilidade de emissão e forma”, sendo um tipo “absolutamente incomparável”1372. A importância deste modelo é evidenciada pelo fato de ter sido adotado pela Guarda Republicana Francesa e pela Escola de Música da França, entre outros. A compra de um mesmo modelo adotado por destacadas bandas da Europa 1370 ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1931. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 36º anno, 1931, p.65-66 (CD-ROM). 1371 Lei nº 2739 de 04 de novembro de 1929. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1929. Fortaleza: [?], [s.d]. 1372 CATALOGUE Couesnou & Cie. Paris, 1912, p.08. 310 demonstra a importância que o grupo continuava a ter dentro da corporação uma vez que se dispendeu 9 contos de réis na compra desse material1373. Analisando as peças contidas no acervo datadas de 1929, periodo para o qual é possível encontrar várias partituras, escolhemos a valsa Os teus olhos por ter sido composta nesse mesmo ano pelo mestre da banda de música, João Baptista de Souza Brandão, tendo sido tocada pela banda de música da polícia neste mesmo ano. Portanto, a instrumentação escolhida representava, em príncipio, os intrumentos existentes na banda, embora não fosse obrigatório escrever para todos eles. Comparando os instrumentos elencados na imagem com a da partitura de João Baptista pode-se acrescentar os seguintes para o ano de 1929: clarone em sib, saxofone soprano, alto e tenor, trombone e percussão. Em outras peças deste mesmo ano do acervo da PMCE para o qual possuímos o score, como Margarida Saldanha do cearense Francisco Barroso e os Filhos do Regimento de Luigi Maria Smido, chama-nos à atenção a ausência da flauta em todas elas. Como a banda possuía o instrumento é possível que estas estivessem inutilizadas para o uso, desafinadas ou quebradas e, por isso, a não inclusão de uma parte, ou ainda, que nenhum músico estivesse disposto a tocá-lo. A instrumentação tanto na imagem quanto na música mantém-se quase a mesma com o acréscimo do clarone em sib, os saxofones soprano, alto e tenor, trombones e o trio de percussão. A comparação da instrumentação da valsa Os teus olhos com as duas peças anteriores ajuda-nos a concluir que a disposição instrumental adotada pela banda da polícia no fim da década de 1929 é a seguinte: Requinta 1º, 2º, 3º, 4º clarinete em sib Clarinete baixo em sib [clarone] Saxofone soprano Saxofone alto Saxofone tenor 1º, 2º, 3º, 4º piston 1ª, 2ª, 3ª saxhorn mib Saxhorn barítono 1º, 2º,3º bombardino (1º, 2º, 3º eufônio], 1º, 2º trombone Contrabaixos em mib e sib Pancadaria: bombo, caixa e prato 1373 Lei nº 2739 de 04 de novembro de 1929. In. ________. Collecção das Leis do Estado do Ceará do anno de 1929. Fortaleza: [?], [s.d], p.152 311 A imagem de 19321374 também não é muito nítida para a identificação dos instrumentos, embora seja possível dizer que existem 33 homens nesta imagem, mesmo com a dotação orçamentária deste ano reduzindo o pagamento de músicos para 24 pessoas1375 (conferir figuras 13 e 14 do anexo A). O preenchimento das vagas deve ter sido feito com as participações eventuais dos músicos aprendizes, músicos transferidos e outros ocasionais que foram aparecendo no alistamento da polícia. A realidade da flexibilidade numérica no interior da banda mais uma vez demonstra a circulação de músicos no interior do grupo musical, em um movimento de entrada e saída de participação na banda. A fotografia retrata já os novos instrumentos vindos da França. Por isso, chama-nos à atenção a presença de 4 sousafones, um modelo americano de helicon, sugerido pelo mestre de banda militar e compositor John Philip Sousa1376, havendo quatro deles na banda da polícia. Notadamente, este é um reflexo da influência americana na corporação policial e na cidade de Fortaleza que se observa a partir dos anos 19201377. A imagem não deixa claro quem é o maestro, visto que os dois oficiais a frente não possuem instrumentos. O mestre de música podia ser um deles ou um dos clarinetistas que ladeam esses oficiais. Os instrumentos identificados foram os seguintes1378: Requinta Clarinete em sib Clarinete baixo em sib [clarone] Saxofone alto Saxofone Tenor Corneta a pistões ou flicorno soprano (?) Saxhorn mib Saxhorn barítono Eufônio Sousafone Não decifrável: vários 1374 Além da banda de música, passou a existir também no ano de 1932 a “jazz-band” da polícia, grupo que, juntamente com a banda de música, podia ser contratado para todo o tipo de eventos (Artigo 15º do Decreto nº881 de 29 de dezembro de 1932 reorganizando o Corpo de Segurança Publica. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio, de 1 de julho a 31 de dezembro de 1932 (ns 655 a 889). Recife: Imprensa Official, 1933, p.311-312). 1375 Decreto nº 568 de 15 de abril de 1932. “Dá nova organização á Força Publica do Estado”. In: CEARÁ, Decretos do Governo Provisorio. Recife: Imprensa Oficial, 1933, p.168-201, ALCE (Coleção das leis do estado do Ceará). 1376 SACHS, op. cit, 2006, p.431. 1377 PONTE, op. cit., 2010, p.153. 1378 Identificação dos instrumentos na figura 13 e 14 do Anexo A, da esquerda para a direita da imagem, sentados: (?), (?), requinta (?), requinta, oficial, oficial, (?), clarinete em sib, clarinete em sib, clarinete baixo em sib, clarinete em sib (?), clarinete em sib. Na segunda fila atrás em pé: saxofone tenor (?), saxofone tenor (?), saxofone alto (?), (?), (?), eufônio, saxhorn barítono (?), saxhorn alto, saxhorn alto. Terceira fila: sousafone, sousafone, (?), (?), (?), corneta de pistão ou flicorno soprano (?), saxhorn alto, sousafone, sousafone. 312 O que vai se percebendo nestas duas últimas fotografias e nas músicas datadas de 1929 e 1932 é que a banda vai estabelecendo uma padronização na instrumentação com a presença quase necessária de alguns instrumentos, embora outros apareçam de forma menos recorrente como o flautim réb, clarinete alto em mib, oboé1379, oficleide1380, ou mesmo violinos1381 e petit bugle em mib1382. Como iremos mencionar no próximo capítulo, a padronização instrumental nos grupos de sopro e percussão aconteceu de forma localizada, diferente de grupo para grupo. Músicos e editoras ao longo do século XIX propuseram disposições instrumentais de banda, mas de uma maneira geral, elas não foram adotadas de forma universal. Neste caso particular, nem pela banda da polícia cearense. Diferente do que ocorreu com a orquestra de arcos friccionados, a escolha da instrumentação por um determinado grupo foi motivada principalmente pela disponibilidade dos instrumentos e dos instrumentistas. Cada grupo foi encontrando a sua sonoridade e determinando a sua formação instrumental. As imagens e partituras da banda nestes últimos anos de 1920 e começo de 1930 mostram uma repetição na escolha dos instrumentos o que sugere que a banda da polícia tenha encontrado sua padronização instrumental. O dobrado Coronel Valdemar Monteiro, de Anísio Manoel dos Santos, por ter sido escrita por um músico integrante da banda neste ano de 1932, serve como exemplo para indicar quais os instrumentos que a banda possuía nesse momento, a escolha instrumental mais recorrente e o padrão de instrumentação que foi se estabelecendo na banda da polícia neste período: Requinta em mib 1º, 2º, 3º clarinete em sib Clarinete baixo em sib [clarone] 1º saxofone soprano 1º saxofone tenor 1º, 2º piston 1ª, 2ª saxhorn mib Saxhorn barítono 1º, 2º,3º bombardino [1º, 2º, 3º eufõnio] 1º, 2º trombone Contrabaixos em mib e sib Bateria [Bombo, caixa e prato] 1379 SOBRAL, Francisco. Dr. Fernandes Távora, para banda de música. 1931. ABMPMCE. 1380 Idem. 1381 MEZZACAPO, E. Sympathie, para banda de música. 1932. ABMPMCE. 1382 GUERREIRO, Heráclito. 142 – Dobrado, para banda de música. 1930. ABMPMCE. 313 Na instrumentação acima sente-se a falta do saxofone alto. Na realidade, a parte deste instrumento deve ser entendida como perdida já que em composições do mesmo ano que possuem instrumentação semelhante como Lágrimas de Homem de Nelson Ferreira, com instrumentação do músico da banda Justino Marinho1383, aparecem com as partes deste instrumento. Alguns instrumentos que surgem em cópias dos anos de 1929 a 1932, não apareceram na instrumentação acima, mas indicam a presença do instrumento da banda, embora tendo sido usados de maneira menos regular. É o caso dos flautins em réb e mib (sendo o primeiro mais utilizado na banda), indicados nas partes dos últimos anos, mas utilizados de forma menos regular1384. A escolha por um ou outro instrumento foi atrelada à tonalidade adotada na peça para facilitar a execução da música para o instrumentista. A flauta em dó neste período era pouco utilizada, visto que aparecem poucas partes direcionadas para este instrumento. Algumas músicas apresentam partes para oboé1385, instrumento ainda hoje dificilmente adotado nas bandas de música do Ceará. A presença deste instrumento em 1932 demonstra um grupo atento às “novidades” musicais e “desejoso” de manter sua diferença como grupo no meio cultural da cidade. As diversas disposições instrumentais retratadas pelas fotografias da banda e nas formações elencadas das partituras tocadas pelo grupo policial demonstram o quão flexível foram as instrumentações do repertório da banda da polícia ao longo do Império e da Primeira República. É possível supor também que tenham existido outras variantes dessas formações discutidas. Essas variações podem ter ocorrido pela necessidade de redução do grupo para tocar em um evento específico, pela falta de instrumentistas ou do instrumento disponível para execução em uma apresentação ou, por simples questão de “gosto” do maestro. As variações na instrumentação deram origem a novas “versões” da mesma música. Esta flexibilização instrumental reforça a dinamicidade musical que o conjunto de sopros e percussão demonstrou ao longo do século XIX e início do XX, aspecto aqui evidenciado pela banda da polícia do Ceará. 1383 FERREIRA, Nelson. Lágrimas de Homem, 1932. ABMPMCE; MEZZACAPO, E. Sympathie, para banda de música. 1932. ABMPMCE. 1384 SMIDO, Luigi Maria. Cel Edgar Facó, 1929. ABMPMCE; MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho d’Albuquerque, 1931. ABMPMCE. 1385 MEZZACAPO, E. Sympathie, para banda de música. 1932. ABMPMCE. 314 7 A IDENTIDADE “SONORA” DA MÚSICA DA POLÍCIA MILITAR CEARENSE Este capítulo retoma as colocações feitas no capítulo precedente sobre a “identidade musical”, um conjunto de elementos chave que caracterizaram a música militar no século XIX ao início do XX, focando-se nas questões identitárias da banda em seu aspecto sonoro. Para isso, analisaremos as partituras preservadas no arquivo da banda da Polícia Militar do Ceará e um inventário das composições que constituíram o repertório da banda registrado nos jornais de época. O intuito neste capítulo é explorar essa “identidade sonora” da banda a partir das escolhas das músicas que constituíram o seu repertório, os compositores escolhidos, o gênero musical das peças, sua instrumentação e orquestração. Partindo da partitura como objeto desse estudo “sonoro”, identificamos a existência de uma espécie de copisteria não oficial no interior da banda. Este argumento baseia-se, em primeiro lugar, na grande quantidade de cópias existentes no arquivo da banda, em segundo, porque a ação de copiar as partituras foi fundamental para que a banda pudesse tocar um repertório tão diversificado. Afinal, para um grupo que não tinha previsão orçamentária para a compra de músicas, seu acervo é bastante rico e variado. As partituras acabaram por revelar também, para além do âmbito musical, quotidianos e rotinas da própria banda. Elas eram uma espécie de “bloco de anotações” nas quais os músicos comunicaram entre si, expressaram sentimentos, aprenderam teoria musical, assinaram nas partes, deixando seus registros de participação na execução da referida música. As partituras circularam entre os músicos, registrando e somando à prática musical da banda, as “histórias” pessoais dos músicos, nos comentários e assinaturas daqueles que fizeram parte do grupo musical. O pouco material impresso existente no arquivo apontou para uma mescla na adoção das nomenclaturas utilizadas dos instrumentos. Sua elucidação é necessária pois ajuda-nos a perceber as diferentes tradições culturais e musicais que influenciaram a banda da polícia do Ceará bem como contribui para que essa música possa ser recriada de forma clara e precisa. Na segunda parte do capítulo procede-se a uma análise sobre os gêneros musicais que a banda executou durante o Império e na Primeira República. O objetivo foi estabelecer um perfil dessas músicas, pela análise dos gêneros tocados e seus compositores, traçando comparações entre os dois períodos elencados, além de destacar as mudanças ocorridas na cidade e na banda que podem ter afetado essas escolhas. Na última parte, escolhemos a figura de Luigi Maria Smido para observar as modificações percebidas na 315 instrumentação e orquestração das músicas da polícia cearense, compreendendo também como sua trajetória pessoal de professor, compositor e maestro influenciou a banda militar cearense. Com certeza Smido não foi o único responsável por influenciar a banda da polícia em seu percurso musical. Contudo, é possível perceber que o maestro italiano manteve uma ligação com a cidade e com a banda policial, situação demonstrada pelas notícias dos jornais, pelo envio de partituras instrumentadas e compostas por ele presentes no acervo da banda da polícia. Dentre esse material existente no arquivo da corporação escolhemos a única partitura autoral de Smido dedicada ao comandante da instituição policial para realizar uma análise de instrumentação e orquestração da obra. Devido a inexistência de registros sonoros em áudios da música que a banda da polícia tocou nesta época, estas análises ajudam a dar uma ideia do que foi a sonoridade dos músicos militares da polícia cearense tentando recriar em nossas mentes a paisagem sonora1386 do período. 7.1 AS PARTITURAS E O REPERTÓRIO DA BANDA DA POLÍCIA. Em todas as fontes trabalhadas poucas vezes foi referenciado que a polícia comprou oficialmente partituras ou direcionou dinheiro para a sua aquisição. Ao contrário dos instrumentos musicais, para os quais foi sendo destinado dinheiro para a renovação, conserto e compra, tanto nas leis e nos regulamentos, quanto no orçamento provincial, a compra de partituras nunca foi mencionada. É, no entanto, provável que a banda tenha adquirido partituras com o dinheiro vindo do pagamento dos contratos, visto existir no arquivo uma quantidade significativa de material impresso de editoras, principalmente europeias. Oficialmente, só encontramos a menção de compra em dois momentos: por ocasião do edital lançado em março de 1887 para aquisição de instrumentos e acessórios1387 e na referência a compra de duas polcas instrumentadas em fevereiro de 1386 O termo “paisagem sonora” é a tradução portuguesa em uso nos países latinos para o neologismo soundscape criado pelo compositor e autor canadense Murray Schafer (FONTERRADA, Marisa Trench. Nota de rodapé 1. In: SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. Tradução Maria Fonterrada.São Paulo: Editora UNESP, 2001). Schafer chama a atenção com esse termo para o ambiente acústico que nos rodeia, sua dinamicidade, ressaltando que os sons atuais diferem em “qualidade e intensidade daqueles do passado”. Em seu livro A afinação do mundo o autor faz um “relato histórico da paisagem sonora até 1975”, demonstrando por meio de documentação alguns sons existentes em épocas passadas. Tomando de empréstimo essa ideia nossa intenção nesta parte da tese foi trazer à tona esses sons passados, tocados pela banda da polícia, recriando assim uma parte do que foi esse ambiente acústico na segunda metade do século XIX e início do XX (SCHAFER, R. Murray. A afinação do mundo. Tradução Maria Fonterrada. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p.11, 13, 17, 23). 1387 A lista constou de 13 peças: 1 ouverture do Oberto, Conde de S. Bonifacio de Verdi, 1 fantasia da ópera O Trovador de Verdi, 1 cavatina da ópera Norma de Bellini, 1 cavatina da ópera Boccacio de Suppé, 1 ouverture da ópera Gazza Ladra de Rossini, e as seguintes peças sem autores mencionados: 1 dobrado 316 18931388. Ao mesmo tempo, observa-se que nunca existiu um arquivo da banda de música como espaço institucionalizado, com um arquivista designado. O que se observa, no entanto, é que o arquivo existiu de fato e que a figura do arquivista apareceu em um determinado momento na história da banda. No livro de receita da caixa da música em agosto de 1893, é mencionada a compra de uma lata de tinta para pintar o espaço do arquivo1389. A existência de um grupo de música permanente, a tocar pelo menos uma ou duas músicas novas por mês, implicou a constituição e manutenção de um espaço para acomodar as partituras contendo o material tocado. Na lista do repertório constante do Apêndice B é possível observar que muitas músicas foram executadas em épocas distintas. Logo, estas peças faziam parte do repertório da polícia, estando disponíveis para execução a qualquer momento. A constatação deste retorno às músicas em diferentes períodos deixa claro que a banda de música constituiu de fato seu arquivo de música sem que ele tenha tido uma existência formal. Se houve a criação de um espaço de fato (mesmo que pequeno) para guardar as músicas da banda, por que a corporação não destinou verbas fixas ou mais frequentes para a compra de partituras? A questão da não existência oficial do arquivo de músicas da banda pode sugerir que a noção de repertório e sua importância para um grupo musical fosse totalmente alheia aos que comandavam a instituição policial. Outra possibilidade para essa ausência de destinação de recursos pelo governo pode ter sido que a compra de partituras não fosse vista como um item tão necessário se comparado com os instrumentos, tendo em vista que o costume de fazer cópias das partituras e a troca e doações de materiais possam ter sido práticas corriqueiras e conhecidas pelos dirigentes policiais. A presença de um arquivo de música, mesmo que não oficializado, gerou a necessidade de haver pessoas responsáveis por organizar e gerir o espaço. A figura do arquivista em uma banda tem como tarefa básica o papel de guardar as partituras e distribuir as partes das músicas para os músicos e o maestro. Por isso, é provável que essa fosse também a tarefa do arquivista da polícia. Como copista sua função era providenciar as cópias do material impresso ou o fornecimento de mais partes do mesmo instrumento Triumpho, 1 dobrado Ventura, 1 variação para requinta, 1 bolero, 1 cavatina original de piston, 1 variação de piston, 1 valsa Conchita, 1 mazurka (Libertador, 29 de março de 1887, p. 3). 1388 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de fevereiro de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.15 (verso), APEC. 1389 Conta corrente da receita e despeza da Caixa da Musica, no mez de agosto de 1893. Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, p.21 (verso), APEC. 317 quando necessário, novas cópias quando as anteriores estivessem perdidas ou em mau estado de leitura. Em períodos diferentes alguns músicos assumiram a função de “copista e arquivista” sem receber qualquer tipo de acréscimo salarial pela função. A existência desta dupla função é dada a conhecer por meio das partituras do acervo de música da Polícia em que alguns músicos as assinavam desta forma. Os que assinaram como arquivistas foram em menor número. Apenas Júlio Marinho da Silva registrou na cópia da música Adorée que era “cop. e arq.” [copista e arquivista], datando de “16 de maio de 1912”. Depois, somente em 1948 é que aparece novamente esta indicação, com o 2º sargento músico Alberto Mendes da Rocha assinando também como “copista e arquivista” da banda1390. Existe, por outro lado, uma maior diversidade de nomes que assinam como “cópia de”, indicando que o trabalho de copista podia ser feito por qualquer músico. Alguns nomes, porém, repetem-se mais do que outros, sugerindo que existia um “copista” principal em determinado momento responsável pela reprodução do material da banda. É o caso de Justino Marinho de Souza que copiou músicas sem especificar claramente que era o “copista e arquivista”. É provável que tenha assumido esta função por volta das décadas de 1920-30 uma vez que neste período surgem muitas cópias de partituras, tanto de scores quanto de partes1391 de uma mesma música assinadas por ele. As partes avulsas de uma partitura – também numerosas no arquivo da banda – sugerem que os copistas eram muitas vezes os músicos do instrumento específico, que realizavam esta tarefa para suprir a falta de uma parte para o seu instrumento. A prática de copiar as partes musicais dentro da banda da polícia e a existência de um número significativo deste tipo de material demonstra que a banda montou sua própria copisteria, em caráter informal, e que havia um fluxo e uma demanda de material para que tais espaços e práticas se fossem constituindo. À semelhança dos teatros europeus, onde estes espaços eram comuns, embora oficializados, também no interior da banda policial se constituiu, de fato, um repositório musical, sem, contudo, ter tido uma existência formal. O número e a diversidade de gêneros musicais contidos no inventário das partituras e no inventário do repertório1392 demonstra que a banda policial foi um espaço 1390 Alberto Mendes da Rocha assinava com a rubrica “Albermerocha” que pode ser conferida na parte de 2º clarinete da Dança das Horas da ópera La Gioconda (PONCHIELLI, Almicare. Grande seleção da ópera La Gioconda. Para banda de música. 1948, ABMPMCE). 1391 Neste texto chamamos de “score” a partitura do maestro que contém todos os instrumentos da composição e de “partes” as partituras de cada instrumento em separado. 1392 Na comparação entre as partituras listadas a partir do arquivo da banda constantes do apêndice C e o inventário do repertório listados no Apêndice B, feito a partir do levantamento dos programas da banda da polícia publicados nos jornais, observamos que boa parte das músicas listadas nos dois inventários não são coincidentes. Tal situação pode sugerir algumas hipóteses: nem todo material listado no acervo da banda 318 de captação de músicas e partituras. Muitas obras foram tocadas pela primeira vez pela banda da polícia e, como agradecimento ou pagamento, o material entrava para seu acervo. É o caso, por exemplo, da peça Ceará Revolucionário de Fran Barroso1393, composição tocada pelo conjunto policial em 19311394 e que foi oferecida pelo autor ao interventor estadual que encaminhou, em seguida, a partitura para o mestre de música da polícia, João Baptista Brandão. O enriquecimento do arquivo musical da polícia pode também ter ocorrido através da doação de material feita pelos próprios músicos policiais que possuíam os originais e faziam cópias. Um exemplo deste caso foi registrado na Polonaise op. 40, nº1 de F. Chopin, cujo material contêm o score impresso pela editora italiana G. Ricordi e C. e as partes manuscritas pertencentes ao “bombista do 1º Batalhão Luiz S. Cordeiro Pax”, assinadas em 19101395. Algumas cópias chegaram à banda através da circulação de pessoas que passavam por Fortaleza e deixavam seu material no acervo do grupo. Outra possibilidade era o envio de partituras originárias de outras cidades e destinadas diretamente ao arquivo de música policial ou destinadas a algum dos membros da banda cearense. No inventário das partituras apresentada no Apêndice C é possível constatar as diferentes origens das cópias. Existe no arquivo da banda material que foi produzido em outras cidades do estado como Aracati e Maranguape, como também fora do Ceará, a citar Manaus, Rio de Janeiro e Natal1396. Por fim, havia uma prática de doação de partituras constatada nas dedicatórias de oferecimento para a banda da polícia, como na Valsa Doce Enlevo de Antônio Moreira oferecida “à Harmoniosa Banda de Musica do Regimento Militar”, ao maestro Luigi Maria Smido, que fez a instrumentação, e aos mestres de música Luiz Saldanha e Pedro Domingues1397. A atração e a captação de material musical reforçam a questão de quão influente foi a banda da polícia para a vida musical da cidade de Fortaleza, demonstrando sua importância enquanto responsável pela propagação, divulgação e estudo de composições para sopros e da formação de bandas de música. pode ter sido de fato tocado pela banda da polícia; outra possibilidade é que muitas partituras possam ter sido perdidas pela ausência desse espaço arquivístico oficial; é possível que algumas partituras usadas fossem de particulares, ou seja, pertencesse aos compositores tocados, fossem dos músicos ou do próprio maestro e, por isso, não entraram para o arquivo da banda. 1393 A peça não está assinada, mas remete a mesma caligrafia do compositor na comparação com outras obras de sua autoria no arquivo da banda (BARROSO, Fran. Ceará Revolucionário. Para banda de música. 1931, ABMPMCE). 1394 A Razão, 03 de setembro de 1931, p.3. 1395 CHOPIN, F. / CHIBBARO, Salvatore. Polonaise op.40 nº1. Para banda de música. 1910, ABMPMCE. 1396 Conferir Apêndice C. 1397 MOREIRA, Antonio / SMIDO, Luigi Maria. Doce Enlêvo. Para banda de música. 1928, ABMPMCE. 319 Comparando a relação das composições presentes no inventário do repertório com a listada no inventário das partituras nota-se que existem muitas composições que não foram preservadas no acervo. A explicação para este fato pode ser sugerida pela prática comum do músico em ficar com sua própria parte, levando-a para casa para estudar e acabando por não devolver o material para o fundo documental. Além disso, o material de uma composição desta época possuía somente a parte destinada ao músico do instrumento específico, sem cópias extras, o que facilitava sua perda. É por isso que existem no arquivo da banda da polícia muitas cópias feitas por copistas diferentes e assinadas em anos distintos. Outra possibilidade é que o material tocado fosse pessoal, acabando por não entrar para o acervo de música da instituição. Em muitas partituras existem anotações extramusicais, não diretamente relacionadas com a música em causa, como anotações teóricas musicais, que sugerem o uso do papel da partitura para o ensino (informal) de música. Podemos citar a anotação no fim da parte do 3º clarinete (s.d.) da valsa Norma Thearer, de Pedro Nimac1398, onde surge uma sequência da ordem de sustenidos e bemóis indicando o ensino da ordem dos acidentes pelo ciclo das quintas1399. Em outros casos, existem anotações de aviso sobre a execução da peça como “atenção”, “preparem-se para virar! [a página]”, “tenham cuidado com estes pulos!”,“o mais depressa possível”, “a musica compreheendida entre A e B é somente para um dos C.Baixo fazer [sic] e tenham cuidado nos saltos. Bem!”1400. Alguns destes comentários mostram também que a recepção da música pelos músicos da banda nem sempre era aceita. J. [João] Gomes mencionou na partitura que Tannhäuser de Wagner não era a preferida dos músicos, “portanto, é inútil botar na estante”1401. Esta última frase pode sugerir que a peça fosse de difícil execução e por isso os músicos sentiram dificuldade em tocá-la de forma satisfatória, criando assim uma resistência em tocar a música. 1398 Segundo o dicionário Cravo Albin, Pedro Nimac é um dos pseudônimos de Pedro Ângelo Camin, nascido em Meolo na Itália em 1870 e falecido em São Paulo no ano de 1933. Escreveu músicas para teatro de revista e operetas. Usou em torno de 26 pseudônimos sendo Pedro Nimac o mais utilizado. Não existem informações sobre essa peça, sendo possível que o título “Thearer” escrito na partitura esteja grafado de forma errada (DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Pedro Ângelo Camin. Disponível em: < http://dicionariompb.com.br/pedro-angelo-camin> Acesso em: 17 set. 2017). 1399 NIMAC, Pedro. Norma Thearer. Parte de 3º clarinete em sib. [s.d.], ABMPMCE. 1400 WALDTEUFEL, Émile. Le Patineurs. [s.d.], ABMPMCE. Esta peça não entrou no inventário das partituras por não aparecer nenhum registro de data em suas partituras, embora o papel e a caligrafia sugerem que tenham sido executada no período anterior a 1932. 1401 WAGNER, Richard. Tannhäuser. Impressa: G. Ricordi e C. / manuscrito. Parte de Barítono em sib. 1915, ABMPMCE. 320 Para além dessas indicações musicais, a partitura e seu suporte material, o papel, ganharam uma dimensão de comunicação que ultrapassou o significado musical. Anotações do tipo - “Luiz! Quantas rolinhas matei hoje? 1000”1402, ou o registro da “recordação” da “virgem” que José Baptista Carneiro mais amou quando ele tocou a valsa “Olga Rosa” de Silva Novo1403, indicam que a partitura era usada como suporte de comunicação entre os músicos, circulando portanto entre eles. A partitura ultrapassou sua função de registro escrito de uma composição para registrar também ordens, pensamentos, sentimentos, brincadeiras, situações ordinárias da vida dos músicos da banda, aspectos de suas personalidades e da vida privada de cada um. Da mesma forma que as anotações pessoais (dedicatórias, notas pessoais, fragmentos) em muitos livros contam uma história paralela à registrada pelo editor, as anotações escritas nas partituras usadas pela banda da polícia, como as dedicatórias, os comentários musicais e não musicais, as assinaturas ou as datações, revelam que as partituras contêm vestígios das relações dos músicos no interior da banda. Todas estas informações extra partitura revelam a comunicação pessoal dos músicos entre si, seus gostos pessoais para além da decodificação de signos musicais1404. Quase todas as 148 peças listadas para o período de 1897 a 1932 do arquivo da banda da PM são manuscritas, sendo poucas autógrafas. Destas, apenas vinte e uma foram impressas, entre scores e ou partes dos instrumentos. Este valor representa apenas cerca de 14% do total listado no inventário das partituras. Examinando com atenção os nomes das peças dos compositores europeus listadas nos dois inventários e comparando com a relação das obras vendidas pela editora Ricordi italiana1405 observa-se que existe uma coincidência de títulos que sugere que outras partituras tenham sido importadas de editoras europeias além destas vinte e uma. É o caso das peças Mefístole [Mefistofele] de Arrigo Boito, fantasia La Bohème e fantasia da Tosca, ambas baseadas na ópera de G. Puccini, que aparecem na relação de peças vendidas pela editora Ricordi, mas que existem no arquivo da banda apenas as partituras manuscritas. Em Tosca, por exemplo, aparece o nome de um instrumentador italiano chamado Giovane Pennacchio, sugerindo que o 1402 WAGNER, Richard. Tannhäuser. Impressa: G. Ricordi e C. / manuscrito. Parte de corno em mib. [s.d.], ABMPMCE. 1403 “Recordação de Serrinha de J. B. Carneiro. Outubro de 1928. Esta valsa para mim e o Hiq (?) de Serrinha porque recordame (sic) da virgem que mais amei. Esta é a primeira peça do concerto as 6 horas da tarde! Voscer (sic) estava muchado quando escreveu. José Baptista Carneiro 1º Piston”. Anotação feita atrás da parte do 1º Piston da valsa Olga Rosa de Euclides Silva Novo, 1928, ABMPMCE. 1404 Agradeço ao historiador Cândido Gonçalo Gonçalves a discussão sobre esse assunto. 1405 Lista de músicas vendidas pela editora G. Ricordi e C. Editori de Milão disposta na contracapa da partitura Abruzzi de S. Nasalli-Rocca. ABMPMCE. 321 manuscrito tenha sido copiado de uma partitura provavelmente impressa na Itália. É possível que a não existência de várias partituras em formato impresso, somente manuscrito, no arquivo da banda possa remeter mais uma vez para a possibilidade de extravio do material original. Outra possibilidade é que a não localização dos originais impressos possa sugerir também que várias músicas não tivessem sido de fato compradas pela polícia, mas eram de pessoas externas à polícia cearense que disponibilizaram o seu material para ser copiado. Tal situação pode ter sido uma forma encontrada pela banda policial de poder tocar as músicas de compositores europeus, já que ela não dispunha de dinheiro pré-estabelecido em lei para comprar as respectivas partituras. As vinte peças impressas localizadas no arquivo vieram de 4 países europeus: Alemanha (8), Itália (7), França (4), Espanha (1). A vigésima primeira partitura contabilizada é uma peça para piano do provável compositor cearense Aristoteles Ribeiro, cuja música Ayrtes teve sua impressão feita pela Casa Editora Torre Eiffel de Paulo Moraes e Filhos. Desta parte de piano foi feita a adaptação para a banda de música da polícia pelo músico Justino Marinho na década de 19301406. 1406 AMOROSO, Francesco. Palermo – Marcha Militar. Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / cópias manuscritas. ABMPMCE; BALFE, Michael William. Die Zigeunerin – Ouverture [versão em alemão]. Instrumentação: G. Goldschmidt / Impresso: [Alemanha] – [s.d.] / cópias manuscritas. ABMPMCE; CHOPIN, Frederic. Polonaise. Op. 40, nº1 – Militar. Instrumentação: Salvatore Chibbaro. Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / cópias manuscritas; ABMPMCE; DONIZETTI, Gaetano. Sinfonia da ópera Fausta. Instrumentação: Ettori Ricci / impresso - G. Ricordi e C. Editori Stampatori, Milano, Itália – [s.d.] / cópias manuscritas; ABMPMCE; FETRÁS, Oscar. Strand-Idyllen, walzer / Sea-shore Idyls, waltz, op.80. Impresso: Edition Louis Oertel, Hannover, Alemanha – [s.d.]) / cópias manuscritas, ABMPMCE; FLOTOW, Friedrich de. L’ombre – grande valse par Emile Ettling, op.155. Impresso: MARGUERITAT, Paris – [s.d.]/ cópias manuscritas, ABMPMCE; HÉROLD, Louis. Abertura da Ópera Zampa. Instrumentação: Luigi Maria Smido. Impresso: Edition Peters [Alemanha] – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; MEISTER, Georges. Sedan - Pás-redoublé [sic]. Impresso: Millereau, Editr., Paris – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; MEZZACAPO, E. Sympathie – valse melodique. Impresso: Alliance Musicale A.ne M. on Lafleur, E. GAUDET, Luthier Editeur, Paris – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; NASALLI-ROCCA, S. Abruzzi - Marcha. Instrumentação: Angelo Chibbaro. Impresso: G. Ricordi e C. Editori Stampatori, Milano, Itália – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; PENELLA, Manuel. El gato Montês – Gran Fantasia para Banda sobre motivos de La ópera populae Espanha Del Maestro Penella. Instrumentação: R. Soutullo / Impresso – Madrid – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; PUCCINI, Giacomo. Corazatta Sicília – marcia d’ordinanza nell’Opera La Bohéme. Instrumentação: Pio Nevi. Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; RIBEIRO, Aristoteles. Ayrtes– valsa lenta. Arranjo: Justino Marinho / impresso – parte piano: Edição da Casa Editora TORRE EIFEL de Paulo Moraes e Filhos. Fortaleza, Ceará – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; VOLLSTEDT, Robert. Violette des Bois, valse / Veilchen aus dem Wienerwalde, walzer, op. 38. Impresso: Hamburg, Aug. [August] Cranz., Alemanha – [s.d.] /cópias manuscritas, ABMPMCE; WALDTEUFEL, Émile. Estudiantina, Op. 191 – walzer über spanische National – Melodien. Impresso: Edition Louis Oertel, Hannover & London. W., Alemanha – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; WALDTEUFEL, Émile. Mein Traum, Op.151 – walzer. Impresso: Edition Louis Oertel, Hannover, printed by M. Dreisste, Hamburg, Alemanha – [s.d.]/ cópias mansucritas, ABMPMCE; WALDTEUFEL, Émile. Un jour à Seville, valse / Ein Tag in Sevilla, walzer, op. 252. Impresso: [Hamburg, Aug. [August] Cranz., Alemanha – [s.d.]] / cópias manuscritas, ABMPMCE; WALDTEUFEL, Émile. La Berceuse – valse. Arranjo /transcrito por G. Wittmann. Impresso – EVETTE E SCHAEFFER Ed.rs P.ge du G.d Cerf. [editeurs Passage du Grand Cerf nº]18 & 20., avec l’autorization de M.M.A. Durand e Fils Edic.rs 322 As partituras impressas existentes no arquivo da banda foram encomendadas de diferentes lojas e editores. Somente da Itália é que as composições vieram de um mesmo lugar, a G. Ricordi e C. Editori, a mais antiga e importante casa de venda de música. A diversidade de importação de partituras de diferentes lugares trouxe algumas questões observadas nas composições e que estão atreladas à execução deste material pela banda da polícia: a diferença de nomenclatura dos instrumentos, a adoção ou não do instrumento indicado com a consequente adaptação da parte para o instrumental disponível no grupo da polícia cearense. Estes aspectos tiveram um reflexo direto na sonoridade do grupo policial, uma vez que, em todos esses pontos, foi necessário fazer escolhas para adaptar a instrumentação requerida, caso o grupo não possuísse o instrumento específico. Antes de entrar nesta discussão é preciso mencionar que as bandas de música não padronizaram sua instrumentação. Enquanto a orquestra foi firmando sua estrutura básica constituída pelo quinteto de arcos friccionados, quarteto das “madeiras” (flauta em dó, clarinete em sib, oboé, fagote), trio dos “metais” (trompetes naturais e depois em sib, trompas naturais e depois em fá, ou fá e sib, trombones) e o tímpano, a disposição da banda permaneceu flexível englobando várias possibilidades de formação instrumental. A diferença de afinação dos instrumentos usados também colaborou para que a orquestra padronizasse seu grupo, visto que a afinação geral dos instrumentos da orquestra permaneceu em “dó”. A banda, pelo contrário, com a presença de diversos instrumentos transpositores e suas afinações particulares, estabeleceu o desafio de os fazer soar juntos, ao mesmo tempo que abria um leque de possibilidades de combinações instrumentais No século XIX, a flexibilidade da disposição instrumental na banda foi mais acentuada, com as diversas modificações e alterações dos mecanismos instrumentais, a citar a inclusão do sistema de válvulas nos trompetes e trompas, bem como a construção de novos instrumentos de sopros, a exemplo da família dos saxofones e saxhorns. A intensa atividade de construção dos instrumentos de sopro, motivada pela expansão das bandas de música no Oitocentos, promoveu um lucrativo negócio, o das patentes de instrumentos. Sendo o instrumento criado bem recebido pelo meio musical, o autor da criação poderia Propres , Paris – [s.d.] / cópias manuscritas, ABMPMCE; ZIEHRA, C.M [ZIEHRER, Carl Michael]. Boules de Neige - valse op. 471 (em alemão “Schneeballen” - walzer). Impresso: [Alemanha] – [s.d.], ABMPMCE. WAGNER, Richard. Lohengrin – Fantasia. Instrumentação: G. Manente. Impresso: A. Lapini – Editore Stamptore – Firenze / redução autorizada pela G. Ricordi & C. di Milano, Itália / cópias manuscritas, ABMPMCE; WAGNER, Richard. Tannhäuser – Marcia nell’Opera. Impresso: G. Ricordi e C., Itália / cópias manuscritas, ABMPMCE. 323 receber muito dinheiro patenteando sua experiência. Com isso, houve um aumento da quantidade de novos instrumentos de sopros a disposição dos músicos e das bandas para serem utilizados. Essa maior oferta de instrumentos colaborou para que as bandas de música do século XIX não possuíssem uma padronização instrumental. Outros fatores que contribuíram para essa flexibilização foi o fato das próprias editoras musicais dos diferentes países seguirem as disposições usadas pelos compositores de seus países. Cada compositor e arranjador escreveu para um grupo específico ou seguiu a instrumentação que lhe conviesse. Outro fator importante foi que a constituição das bandas de música em instituições militares fez com que a fixação de um grupo instrumental não fosse considerada uma prioridade. Os grupos militares dependiam de pessoas para tocarem um instrumento específico dentro de seu próprio quadro de efetivos o que constituía uma situação bastante imprevisível. O soldado-músico poderia estar em um momento naquele espaço e ser depois transferido ou sair da instituição sem que ninguém viesse substituí- lo. Trevor Herbert e Helen Barlow concluíram no seu estudo sobre a música militar no exército britânico que, nas últimas décadas do século XVIII e em todo o século XIX, as bandas militares não padronizaram sua instrumentação1407. No caso da banda policial cearense, essa maleabilidade na disposição instrumental pode ser conferida nas partituras e imagens da banda até o início da década de 1920 quando se inicia uma padronização da instrumentação conforme apresentamos na parte final do capítulo anterior. As duas famílias de instrumentos que trazem maior confusão na nomenclatura são as dos saxhorns e dos trompetes. São instrumentos que participam da base de uma banda de sopros. Sua compreensão facilita a recriação sonora do material. A adoção de nomes diferentes para o mesmo instrumento dificulta a identificação precisa do instrumento em causa e, consequentemente, como a música soará com a definição dos instrumentos escolhidos. A discussão que se segue aponta essas diferenças de origem com intuito de poder refletir sobre a instrumentação como um todo. É preciso frisar que, nem sempre a banda possuía o instrumento designado na partitura e tinha por isso de o substituir. O saxhorn é uma família de instrumentos criada pelo construtor franco-belga Adolph Sax, considerado um instrumento híbrido, associado por alguns especialistas como parente da família do bugle1408. O saxhorn foi construído tanto com válvulas a 1407“There was no standard instrumentation for military bands in the period of this book, and music manuscripts and photographs of bands confirm the variety of instrumentations used” (HERBERT; BARLOW, op. cit., 2013, p.302). 1408 BATE, Philip; HERBERT, Trevor; MYERS, Arnold. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set.. 2017. Para o musicólogo português Ernesto Vieira, a origem deste instrumento vem da trompa – horn – numa alusão a inclusão de “cilindros com pistões” na trompa “de harmonia” realizado pelo alemão Heinrich Stöelzel em 1814. Alessandro Vessela e Cecil Forsyth entendem que a experimentação partiu do instrumento inglês “bugle”. Para além das discordâncias sobre o inventor, as divergências demonstram a riqueza de experimentações pela qual o século XIX passou com relação aos instrumentos de sopro, indicando também que as informações sobre essas alterações circulavam entre os países, cada um realizando suas modificações particulares. (VIEIRA, Ernesto. Diccionario musical. 2 ed. Lisboa: Lambertini, 1899, p. 452-454; VESSELA, Alessandro. Studi do Strumentazionie per Banda. Organização do Compêndio e Apêndice: Alamiro Giampieri. [s.l.]: Ricordi, [1894/1954], p.52; FORSYTH, Cecil. Orchestration. 2 Ed. New York: Dover Publications Inc., 1982, p.163. A edição da Dover é uma republicação da segunda edição de 1935, impressa pela Macmillan and Co., Limited de Londres, cuja primeira edição saiu em 1914). 1409 BATE, Philip; HERBERT, Trevor; MYERS, Arnold. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set.. 2017. 1410 FORSYTH, op. cit., 1982, p.163. 1411 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.52. 1412 FORSYTH, op. cit., 1982, p.163. As questões envolvendo a nomenclatura, afinação e design do saxhorn mostra-se um assunto complexo, como podemos observar nos três textos que tratam do verbete saxhorn no dicionário Grove, em que os autores apresentam discordâncias entre si sobre esses pontos. Conferir: BATE, Philip; HERBERT, Trevor; MYERS, Arnold. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: ; MONTAGU, Jeremy. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: ; THE OXFORD Dictionary of music. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: Acesso em: 17 set.. 2017. 1413 FORSYTH, op. cit., 1982, p.163. 1414 No nosso texto usaremos a denominação da família de saxhorn como usado pelos italianos porque eles receberam a mesma denominação de flicorno para todos os seus instrumentos, fazendo diferença apenas na tessitura e afinação (VESELLA, op. cit., [1894/1954], p. 52-60). 325 impresso pela editora italiana e cópias das partes manuscritas1415. No score, o flicorno sopranino não consta da instrumentação, aparecendo somente nas partes manuscritas sem data como petite bugle. Como não existe na edição impressa o flicorno sopranino, a parte de petite bugle corresponde a uma transposição do flicorno em sib do score editado. O acréscimo da parte de flicorno sopranino à instrumentação original da peça impressa sugere que o instrumento francês existia no grupo ou que a denominação francesa foi usada para indicar um instrumento semelhante disponível no instrumental da polícia e que pudesse tocar a parte específica. São estas adaptações, feitas no interior da própria banda, que queremos apontar nesta parte, chamando a atenção para sua existência e mostrando como elas interferem e modificam a sonoridade da execução da peça. Além disso, apontar também como as adaptações e imprecisões tornam difícil, por vezes, perceber com exatidão o tipo de sonoridade que banda teria. O segundo instrumento da família do saxhorn, o flicorno soprano em sib é ainda hoje usado nas bandas de sopro brasileiras mantendo a denominação alemã de flugelhorn. A classificação francesa se diferenciou da italiana denominando o instrumento de saxhorn “contralto” com campana horizontal. A classificação de soprano em um país e contralto em outro é uma das confusões ligadas à nomenclatura dos instrumentos na qual Forsyth chama à atenção1416. Nas partituras do inventário o instrumento apareceu frequentemente denominado na forma portuguesa cornetim1417 e 1415 NASALLI-ROCCA, S / CHIBBARO, Angelo. Abruzzi – Marcha. Milão: G. Ricordi e C. Editori Stampatori / manuscritos, 1926. ABMPMCE. 1416 FORSYTH, op. cit., 1982, p.163. Bate, Herbert e Myers informam uma afinação dos instrumentos agudos diferente de Forsyth, Vessela e do próprio texto que está no Grove sem indicação de autoria. Para Bate, Herbert e Myers a afinação dos saxhorns sopranino, soprano, contralto e tenor estão respectivamente afinados em Dó/Sib, Fá/Mib, Dó/Sib e Fá/Mib ao invés de Mib, Sib, Mib e Sib como propõem os outros autores. Observando o catálogo de Thibouville-Lamy de 1878, as afinações dos saxhorns seguem mais proximamente ao disposto por Vessela. A diferença estava no saxhorn contralto que poderia ser encontrado nas duas afinações informadas - Sib e Mib - e o saxhorn tenor fabricado afinação de Fá e Mib (não levando em consideração as afinações em “dó”) (BATE, Philip; HERBERT, Trevor; MYERS, Arnold. Saxhorn. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set.. 2017; VESELLA, op.cit., [1894/1954], p.52 ; CATALOGUE Jérome Thibouville-Lamy, Paris, 1878, p.127). 1417 ENCARNAÇÃO, M. J. Cenas Espanholas. 1921, ABMPMCE; MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho de Albuquerque. 1901, ABMPMCE. O musicólogo Ernesto Vieira apresenta no seu dicionário a corneta de pistões como sendo o saxhorn contralto francês, o mesmo flicorno em sib (p.452). Observando a entrada do verbete “corneta de pistões” e o verbete “cornetim” no mesmo dicionário observamos que as imagens dos instrumentos indicados estão trocados. A informação que vem descrita em “corneta de pistões” na realidade se refere ao que está no “cornetim” e vice-versa. As imagens dos respectivos instrumentos podem ser conferidos no catálogo de instrumentos de Jerôme Thibouville-Lamy de 1878 demonstrando que o saxhorn contralto in sib, também chamado de bugle, é o cornetim, ou seja, o flugelhorn em sib no Brasil (VIEIRA, op. cit.,1899, p.188-189, 452; CATALOGUE Jérôme Thibouville-Lamy. Instruments de Cuivre: Cornets, Saxhorns Gros Pistons Longs, Saxhorns Pistons System P, Saxhorns Qualité Supérieure. Paris, 1878, p.119-127). 326 nas várias entradas da forma italiana flicorno em sib1418. Em outras partes, apareceu com a outra designação francesa: bugle1419. A nomenclatura alemã do flicorno soprano (flugelhorn) apareceu mais frequente nas partes impressas das editoras alemãs, como na valsa Strand-Idyllen e da valsa Violete de Bois1420. Contudo, observando a partitura editada de Tannhäuser pela editora Ricordi vemos que a designação alemã aparece entre parêntesis, abaixo da designação italiana1421. A partitura impressa na Itália indica a denominação alemã provavelmente visando atingir a comercialização desta partitura no universo das bandas alemãs, uma vez que a peça editada foi escrita por um importante compositor alemão. O que é interessante no caso do Brasil é que a denominação flugelhorn foi a predominante. Se pensarmos que a circulação de música de compositores italianos no país foi maior do que a de alemães, poderíamos achar essa situação incomum. Por outro lado, se pensarmos que esta predominância tenha decorrido da compra e utilização mais acentuada desses instrumentos vindos da Alemanha, a adoção desta nomenclatura pode ser encarada como normal. Tal hipótese não pode ser aqui comprovada, uma vez que extrapola o âmbito desta pesquisa. No entanto, as partituras da banda da polícia podem ser um importante contributo para futuros debates sobre esta questão. O terceiro instrumento da família bastante presente no instrumental da polícia foi o flicorno contralto em mib. Seu nome mais comum é saxhorn em mib, embora seja o instrumento da família dos saxhorns que mais denominações diferentes recebeu: corno ou corni in mib, clavicorno em mib e genis na Itália; bugle alto, saxhorn tenor em mib, saxtromba em mib na França; trompa [em mib] em Portugal; althorner Es na Alemanha1422. A denominação genis é uma particularidade da nomenclatura italiana1423 1418 PUCCINI, Giacomo. Corazatta Sicília. 1927, ABMPMCE; VERDI, Giuseppe. Falstaff. 1921, ABMPMCE. AMOROSO, Francesco. Palermo. 1928, ABMPMCE. 1419 EYSLER, Edmund. Amor de Príncipes, 1913, ABMPMCE; MEDEIROS, Anacleto de. Dr. Pinheiro Freire 1931, ABMPMCE. No catálogo de Thibouville-Lamy de 1878 o instrumento é apresentado pelos dois nomes: saxhorn contralto em sib ou bugle. Pelo catálogo francês da casa Margueritat de 1911, o instrumento apareceu com o nome de grand bugle em sib para diferenciar do petite bugle em mib. Norman del Mar menciona que o termo é confuso e que bugle foi também comumente usado pelos ingleses em sentido mais amplo, para referir-se a diferentes espécies de instrumentos, inclusive os keyed bugles (CATALOGUE Jérôme Thibouville-Lamy. Instruments de Cuivre: Saxhorns Gros Pistons Longs System P, Saxhorns Qualité Supérieure. Paris, 1878, p.122; CATALOGUE d’instruments de musique Margueritat. Paris, 1911, p.6; MAR, Norman Del. Anatomy of the orchestra. California: University of California Press, 1983, p.331). 1420 FETRÁS, Oscar. Strand-Idyllen, walzer / Sea-shore Idyls, waltz, op.80. Hannover: Edition Louis Oertel / manuscrito, 1905. ABMPMCE; VOLLSTEDT, Robert. Violette des Bois, valse / Veilchen aus dem Wienerwalde, walzer, op. 38. Hamburgo: Aug. [August] Cranz, 1929. ABMPMCE. 1421 WAGNER, Richard. Tannhäuser. Impressa: G. Ricordi e C. / manuscrito. 1915, ABMPMCE. 1422 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.54; VIEIRA, op.cit.,1899, p.454. 1423 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.54. 327 para este instrumento, adotada na banda da polícia1424 e que permanece ainda hoje sendo usada em bandas de música no Nordeste do Brasil. Em algumas partituras a denominação do flicorno em mib levanta dúvidas sobre qual o instrumento que está sendo pedido e por isso é necessário ter alguma precaução. Em alguns lugares este instrumento surge indicado somente como “trompa”, como visto no score das Cenas Espanholas1425. Para diferenciar da trompa de “harmonia” em fá é preciso ler a tonalidade e assim determinar a afinação do instrumento. Em outros, a confusão se deu com o saxofone alto que possui a mesma afinação em mib, de acordo com o apresentado na partitura Madame de Thebes1426. Neste caso, foi preciso analisar a extensão que se empregou do instrumento e a forma como foi composta a linha melódica. O formato de acompanhamento caracterizava mais o saxhorn em mib enquanto que o formato de melodias caracterizou mais o saxofone alto. Outra denominação particular que surgiu no estudo das partituras da polícia foi o termo “coralto”. Na parte copiada por Justino Marinho, em 1931, da peça Mousinho de Albuquerque, o músico usou a denominação francesa de “cor alto”, juntando os dois termos e formando uma só palavra. De acordo com o catálogo do fabricante Couesnon de 1912, o termo “cor alto” indicava, na realidade, a trompa de “harmonia” em Mib e não o instrumento da família dos saxhorns1427. Nas imagens da banda de 1897 e 1910 pode-se conferir um exemplar da trompa de “harmonia”. Como não localizamos nenhuma partitura de trompa em F, é possível que o instrumento das duas imagens seja um “cor alto” em mib. As imagens da banda da polícia demonstram que o saxhorn em mib foi um instrumento importante no grupo por ter sido usado para o iniciar os menores aprendizes de música no estudo dos instrumentos de sopro, conforme mencionamos anteriormente. Além disso, pelo fato de ser um instrumento de fácil execução em relação a outros de sopro, de ter um menor tamanho e soar na região média da tessitura dos sopros, este instrumento foi bem recebido pelos compositores estando bastante presente nas formações instrumentais de diversos países. Os três flicorni seguintes tiveram um significativo processo de alteração na banda da polícia. As modificações se deram tanto ao nível da nomenclatura do instrumento quanto na clave utilizada. O flicorno tenor em sib não parece ter sido usado na banda embora, em algumas peças, exista a indicação do instrumento. As imagens não 1424 PUCCINI, Giacomo. Corazatta Sicília. 1927, ABMPMCE. WAGNER, Richard. Il Maestri Cantori di Noremberga. 1903, ABMPMCE. 1425 ENCARNAÇÃO, M. J. Cenas Espanholas. 1921, ABMPMCE. 1426 LOMBARDO, Carlo. Madame de Thebes. 1932, ABMPMCE. 1427 CATALOGUE Couesnon & Cª. Paris, [1912], p.36. 328 apontam a presença desse instrumento e as partituras manuscritas também não indicam sua utilização1428. Mais frequentemente utilizado no conjunto da polícia foi o flicorno barítono e o baixo em sib. Segundo Vessela, os três instrumentos, embora sendo afinados em sib, não são considerados instrumentos transpositores, devendo para isso suas linhas estarem escritas na clave de fá1429. Quando escritos na clave de sol eles atuaram como instrumentos transpositores, prática que ocorria em países como a França1430. Além da questão da clave, a nomenclatura dos instrumentos também sofreu uma profunda modificação. Nas partituras da polícia, o flicorno barítono aparece comumente designado com seu nome italiano de bombardino, ou pelas suas variantes baryton, barytono, sem origem específica. O flicorno basso, chamado de bassiflicorno na Itália, foi também chamado de eufônio tanto pelos italianos como pelos alemães1431, aparecendo as duas denominações na partitura. Contudo, mesmo usando o mesmo nome - eufônio -, a perspectiva de criação do instrumento foi distinta: os italianos entendiam o eufônio como um instrumento da família do flicorno, os alemães da família da tuba1432. Mesmo que aparentemente iguais, as tubas já existiam antes da uniformização dos modelos proposto por Adolph Sax1433. Por isso, algumas diferenças de construção e mecânica deviam existir. Nas partituras das edições italianas, a editora segue a explicação anterior. Na partitura da marcha Palermo, por exemplo, a editora utiliza a designação flicorno para todos os instrumentos da família com suas respectivas afinações. No caso do flicorno barítono e basso, põe entre parêntesis os nomes bombardino e eufônio respectivamente, utilizando a clave de fá e acrescentando que são os “sons reais” que estão escritos1434. Na banda da polícia, a falta de clareza para a execução destes instrumentos acontece mais nas partituras manuscritas, as quais não seguem um padrão. Em algumas partes, como no score de Mousinho de Albuquerque, está escrito apenas a indicação de dois barítonos1435. Segundo a recomendação de Vessela, a indicação da linha do flicorno barítono e do baixo deveria ser feita em um única linha escrita na clave de Fá1436. Neste caso, portanto, era possível utilizar tanto o bombardino quanto o eufônio, executando as mesmas linhas1437 1428 AMOROSO, Francesco. Palermo. 1928, ABMPMCE. 1429 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.54. 1430 FORSYTH, op. cit., 1982, p.165. 1431 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.56. 1432 Idem. 1433 SACHS, op. cit., 2006, p.431-432. 1434 AMOROSO, Francesco. Palermo. 1928, ABMPMCE. 1435 MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho de Albuquerque, 1901, ABMPMCE. 1436 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.54. 1437 Idem. 329 e separando apenas quem iria tocar o 1º instrumento e o 2º. Em outros momentos, como na partitura instrumentada pelo italiano Luigi Maria Smido - Il Maestri Cantori di Noremberga [Os Mestres Cantores de Nuremberg], a partitura está organizada com os dois bassiflicorni (eufônio) escritos na clave de sol e os bombardini escritos na clave de fá. Neste caso, o próprio instrumentista que tocaria o eufônio deveria fazer a transposição das notas para o instrumento em sib, tendo em vista que a escrita da linha do eufônio na clave de sol implicava executar a parte como um instrumento transpositor. A confusão maior que aparece em boa parte das cópias manuscritas é que o barítono e bombardino surgem como sendo dois instrumentos diferentes ao invés de serem sinônimos do flicorno barítono em sib1438. A separação foi acentuada escrevendo a parte de barítono em sol, para leitura de transposição, e o bombardino em clave de fá, leitura de som real. Além da clave que já indicava a transposição, foi sendo escrito nas partes a informação “bombardino em dó” (ut, C) e “barítono em sib” para acentuar quando era leitura real ou transpositora. Portanto, o bombardino foi sendo pensado como um flicorno baixo e, por isso, a sua denominação passou a ser sinônimo de “eufônio” nas cópias das partituras da banda da polícia. Os flicorni basso-grave em mib e o contrabasso em sib representaram os instrumentos mais graves da família dos saxhorns na banda. Na imagem da banda da polícia de 1879 podemos identificar um exemplar deste instrumento. A imagem de 1910 também sugere a presença de um exemplar vertical semelhante na segunda fila. O instrumento grave que predomina na polícia são as tubas no modelo espiral, chamadas também de helicon, conforme aparece nas imagens de 1897 e 1929. O modelo espiral era um instrumento mais fácil de carregar nas marchas e desfiles. Seu formato maior, chamado de sousafone, aparece registrado na imagem de 1932. O uso de um ou de outro exemplar não alterou a instrumentação. Quanto a nomenclatura, houve algumas divergências. Os italianos denominaram o flicorni baixo (basso-grave) em mib de bombardoni e o baixo em sib de contrabassi1439. Nas partituras da polícia o baixo em Mib passou a ser chamado de bombardão1440 e o mais grave apenas de contrabaixo ou baixo em sib1441. Ambos realizavam as partes mais graves da banda e poderiam vir em partes 1438 ANÔNIMO. 12 (Recordação do José). 1929. ABMPMCE; SOBRAL, Francisco. Dr. Fernandes Távora. 1931, ABMPMCE. 1439 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.57-58. 1440 COLLAZO, Ramon. Mamã yo quiero un novio. 1929, ABMPMCE; ANÔNIMO. 12 (Recordação do José). 1929. ABMPMCE; GUERREIRO, Heráclito. 142. 1930, ABMPMCE. 1441 SOBRAL, Francisco. Dr. Fernandes Távora (ou Dr. Manoel do Nascimento Fernandes Távora). 1931, ABMPMCE. 330 separadas no som real. Nas partes manuscritas é mais comum separar as partes escrevendo-as com suas devidas alterações para a afinação. Quando escritas juntas, numa mesma linha, indicam apenas que era a linha dos baixos em som real1442 deixando para os instrumentistas a realização de suas respectivas transposições. A família dos trompetes também foi outro instrumento que provocou confusão quanto a definição de qual instrumento a partitura indicou. A presença dos vários tipos de instrumentos como o clarim, a corneta, os trompetes naturais e sua versão com pistões além do seu emprego na vida militar com as indicações muitas vezes sem distinção do instrumento a ser usado ajudou a aumentar a indefinição. Nas partituras da banda a imprecisão terminológica foi menor do que a da família dos flicorni visto terem sido usadas apenas três denominações diferentes. A mais comum foi o termo piston, mas também apareceram os nomes cornetta em sib e o trompete em mib. Cruzando as informações das partituras com as fotos de 1879 e 1897, deduz-se que o termo “piston” representava o cornet à pistons, um instrumento em sib, pequeno, de característica mais brilhante que o trompete. As imagens seguintes não mostram claramente se a banda teve ou não o trompete em sib. Na fotografia de 1924, o instrumento que o praça da direita segura em sua mão parece ser uma corneta (presente nesta época na polícia) e não um trompete, uma vez que o instrumento não aparenta ter os pistões. Nas imagens de 1929 e 1932 também não é possível determinar claramente. Como o instrumento “trompete” exerce importantes funções de comando dentro da vida militar é possível supor que existissem os novos trompetes a pistão na polícia. A indicação da nomenclatura italiana de cornetta em sib pode ser um indicativo dessa situação, embora a parte de trompete pudesse também ser executada por uma corneta de pistões sem maiores problemas1443. Da família do trompete a pistão, as cópias manuscritas apontam para a presença do modelo contralto, o trompete em mib que apareceu nas músicas do ano de 1931, como nas partes manuscritas de Mousinho de Albuquerque e Dr. Pinheiro Freire1444. A denominação italiana de tromba indicativa de trompete não deve ser confundida com a denominação que o editor alemão deu de tromba in Es, descrita por exemplo na peça Estudiantina1445. Neste caso, a parte se refere ao flicorno contralto em mib e não ao 1442 ENCARNAÇÃO, M. J. Cenas Espanholas. 1921, ABMPMCE; DONIZETTI, Gaetano. Sinfonia da ópera Fausta. 1917, ABMPMCE. 1443 NASALLI-ROCCA, S / CHIBBARO, Angelo. Abruzzi – Marcha. Milão: G. Ricordi e C. Editori Stampatori / manuscritos, 1926. ABMPMCE; BETTINELLI, Ângelo. Ars Italica. 1918, ABMPMCE. 1444 MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho de Albuquerque. 1901, ABMPMCE; MEDEIROS, Anacleto de. Dr. Pinheiro Freire. 1931, ABMPMCE. 1445 WALDTEUFEL, Émile. Estudiantina, op. 191. 1909, ABMPMCE. 331 trompete em mib como foi escrito na anotação à lápis feita por algum músico da banda1446. Para indicação em alemão o trompete em mib seria escrito como cornett’s alt in Es1447. De uma maneira geral, os outros instrumentos não causaram dúvidas nas suas escolhas aos músicos da banda. Podemos, no entanto, levantar outras questões sobre a instrumentação da banda. A ausência da flauta em boa parte das cópias é uma situação que nos causou espanto, já que nas imagens da banda o instrumento é retratado pelo menos nas três fotografias iniciais. O flautim foi mais referenciado na instrumentação das peças do que a flauta. Não existe uma explicação clara do motivo porque isso aconteceu. O que se supõe, no entanto, é que havendo os dois instrumentos eles deveriam tocar a mesma parte. Por isso, a afinação dos dois devia ser a mesma, soando apenas a diferença de oitava entre os dois instrumentos. A maior parte das peças em que aparece o flautim na banda da polícia estão descritas na tonalidade de réb, uma menor quantidade em mib e, apenas nas partes impressas, a flauta em dó, sendo pouco provável que tenham sido executadas. As flautas em réb e mib se adequavam mais a banda devido à presença dos vários instrumentos transpositores em bemóis. Para ajudar o flautista e facilitar a execução da composição optava-se pelo instrumento em réb ou mib ao invés do afinado em dó. A não utilização da flauta em dó teve como objetivo evitar o “inconveniente” de se tocar em tonalidades com muitos bemóis, questão que seria facilmente resolvida com o uso do instrumento de transposição. Para o musicólogo François-Joseph Fétis, a flauta em mib ajustava-se melhor aos clarinetes em sib do que a afinada em réb1448. No caso da banda da polícia, a escolha recaiu na flauta em réb, escolha que provavelmente se baseou na questão de compra e disponibilidade no instrumental da banda. Em seu livro de instrumentação escrito em 1894 Vessela menciona que a flauta em mib e o flautim em mib tinham caído em desuso e os dois afinados em réb ainda eram usados, embora raramente. Segundo o autor, a flauta e o flautim em dó já eram de uso geral na época1449. A realidade das músicas na banda da polícia foi um pouco diferente, podendo constatar- se o uso mais frequente do flautim tanto na afinação em réb quanto em mib até à década de 19301450. 1446 Idem. 1447 FETRÁS, Oscar. Strand-Idyllen. 1905, ABMPMCE. 1448 FÉTIS, F.J. Manual dos compositores, directores de musica, chefes de orchestra e de banda militar. Lisboa: [s.n.], 1858, p.41. 1449 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.6. 1450 SOBRAL, Francisco. Dr. Fernandes Távora. 1931, ABMPMCE; KÉLER, Béla. Lustspiel. 1931. ABMPMCE. 332 Outro instrumento interessante presente na banda da polícia foi o figle em ut que surge, por exemplo, na parte manuscrita da valsa Alice1451, peça apresentada pela banda da polícia em 1890. Este instrumento é o mesmo que o oficleide1452, instrumento que a banda da polícia usou até a década de 19301453. O oficleide é um instrumento da família cujo membro mais agudo era o bugle de chaves1454. Mesmo tendo sido desenvolvido a partir do serpentão – em grego “ophis” serpente e “kleis” cobertura – o oficleide diferenciava-se dele por ter seus buracos fechados por meio de chaves e não com os dedos1455. Foi sempre bastante utilizado pelas bandas militares. Dentre os tamanhos os seis tamanhos construídos o oficleide baixo em dó e sib foram os mais usados1456. É certo que a banda da polícia teve o oficleide em dó conforme atesta a parte manuscrita da valsa Alice e a cópia de 1931 do Mousinho de Albuquerque. Fétis era favorável ao uso do figle alto, instrumento que ele achava que era mal compreendido pelos compositores em geral, uma vez que as partituras apresentavam mais o fagote no lugar do alto. Para ele o instrumento tinha melhor resposta quando associado com os bugles e figle baixo1457. Os compositores Artur Napoleão e Leopoldo Miguez, pelo contrário, apoiavam o uso do saxhorn barítono com o fim de “expulsar” o oficleide das bandas militares do exército brasileiro, afirmando que este instrumento já havia sido abandonado pelos “países civilizados”, sendo considerado um instrumento pré- histórico1458. A percussão foi designada nas partituras da banda com a denominação de pancadaria, bateria e barulho. Os instrumentos percutidos eram o bombo, caixa, prato, e algumas vezes o triângulo, formando o trio básico da percussão das bandas militares deste período. A miscelânea de nomenclaturas originárias de países diferentes sugere a existência de instrumentos comprados em lugares distintos e que foram construídos com padrões de afinação diferentes. A questão da adoção de um diapasão padrão foi motivo de conflito entre diversos países da Europa e dos Estados Unidos. A Inglaterra, por 1451 ANÔNIMO. Alice. [1890],ABMPMCE. 1452 VIEIRA, op.cit.,1899, p.64. 1453 BOITO, Arrigo. Mefístole (sic) [Mefistofele], 1931, ABMPMCE; MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho de Albuquerque.Cópias manuscritas de Justinho Marinho, 1931, ABMPMCE. 1454 MORLEY-PEGGE, Reginald et al. Ophicleide. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set.. 2017. 1455 Idem. 1456 Ibidem. 1457 FÉTIS, op. cit., 1858, p.64. 1458 ARTHUR NAPOLEÃO & MIGUEZ (ed.). Revista musical e de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1879, p.2. 333 exemplo, adotou o diapasão em 433 Hz nos anos de 1813 a 1842, subindo para 452,5 até 1890, padrão utilizado pelas bandas militares britânicas, tendo depois fixado em 452 Hz nos anos de 1890 a 1928. A França adotou em 1859 a referência de 435 Hz que foi seguida na Espanha e pela ópera de Viena, ambos apenas no ano de 1879. Os Estados Unidos passaram a adotar o padrão dito normal, de 440 Hz, apenas no ano de 19171459. As diferenças de afinação ocorriam tanto nos instrumentos usados nas orquestras como nos utilizados pelas bandas de música1460. Muitos instrumentos de sopro adotaram diapasões mais altos com o intuito de valorizar o timbre, fazendo-os soar de forma “brilhante”1461. A existência de instrumentos comprados em diferentes países resultou, portanto em diferenças nas afinações que não foram ajustadas simplesmente com a abertura ou o fechamento do instrumento ou corrigidas diretamente na produção sonora do instrumentista. Essas diferenças não solucionadas resultaram em problemas nas sonoridades dos conjuntos musicais em várias partes do mundo. Por “oferecerem o inconveniente de marcas diferentes, prejudicando a harmonia do conjunto”1462 é que o instrumental da banda da polícia foi substituído em 1930. A miscelânea da nomenclatura, o desafio de usar instrumentos com afinações diferenciadas ou não presentes no instrumental da banda, apontam as dificuldades que os músicos da polícia enfrentaram para poder executar a música que tinham à sua disposição. Por outro lado, essas dificuldades ajudam também a compreender como esse grupo musical conseguiu assimilar as diferenças e adaptar-se a elas a partir do instrumental e do material que estavam à sua disposição. 7.2 TIPOLOGIAS MUSICAIS. Nesta parte o objetivo é compreender a identidade do grupo musical da polícia a partir do repertório tocado pelo conjunto ao longo dos anos. Para isso, analisamos a lista do inventário das músicas que fizeram parte do repertório da polícia, ou seja, as peças que foram tocadas pela banda policial a partir da menção dos programas registrados nos 1459 SOUSA, op. cit., 2013, p.97-98. 1460 Idem, p.95-96. 1461 BAINES, Anthony; TEMPERLEY, Nicholas. Pitch. Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 17 set. 2017. 1462 ALMANACH Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial e Litterario do estado do Ceará para o anno de 1931. Organizado por Sophocles Torres Camara. Fortaleza: Est. Graphico Urania, 36º anno, 1931, p.65-66 (CD-ROM). 334 periódicos, o que resultou em um total de 338 peças. Tomando por base a listagem do repertório foi realizada uma análise das tipologias das composições a partir dos títulos das músicas e dos gêneros musicais mais tocados em cada época, relacionando-os com os compositores que as escreveram. O inventário das partituras serviu de apoio à análise das tipologias de forma comparativa a complementar às questões suscitadas na análise do inventário do repertório. A análise permitiu a classificação e agrupamento das músicas em cinco tipologias diferentes: peças de obras teatrais (ou de origem teatral), danças, marchas, peças diversas e hinos. Essa classificação baseou-se na catalogação feita pela Editora Ricordi de Milão, principal editora de músicas impressas utilizada na banda da polícia cearense. Acrescentamos o item “hinos”, uma vez que a banda tocou este tipo de peça, não podendo estas músicas serem incluídas nas outras classificações. Reunimos todas as peças de caráter de dança em um só grupo, diferente da catalogação feita na relação da editora, separada por cada tipo de dança. Os dois períodos para os quais temos mais informações são as décadas de 1880, com 168 músicas, e as décadas de 1920-30, com 136 músicas. Sendo o número de músicas levantadas semelhantes e por corresponderem a momentos distintos da história da banda da polícia, cada período correspondendo a uma organização específica do grupo musical, resolvemos observar de forma comparada as mudanças percebidas nestas duas décadas. A tipologia “peças de obras teatrais” agrupou todas as composições criadas a partir de uma obra operística. Neste sentido, reunimos neste grupo as peças de danças, marchas, hinos que tiveram sua base de criação nas composições operísticas. As peças denominadas “seleção”, “fantasia”, “pot-pourri” foram comuns neste grupo e representam composições sobre fragmentos de temas de uma ópera específica. Nos anos de 1880, além deste formato de medley, existiram outras composições que apresentaram uma parte específica da ópera como as cavatinas, as árias, as ouvertures, marchas, valsas e uma polca. Todos estes tipos foram composições especificamente arranjadas para banda de música por outro compositor que não o autor da ópera, visto não terem sido escritas originalmente para esta formação instrumental de sopros e percussão. Um gênero interessante que aparece na lista das composições da década de 1880, não somente no grupo operístico como também no denominado “peças diversas”, foram as “variações”. Diferente das seleções que baseavam a composição em mais de um tema da mesma ópera, a variação tem como característica utilizar um único tema, transformando-o 335 melodicamente, harmonicamente e ou ritmicamente1463. Neste grupo foi incluído a peça “Variação” da ópera Martha do compositor alemão Friedrich von Flotow1464 tocada em 1887. O grupo das “peças de dança” reuniu todos os tipos de dança que não tiveram origem nas óperas. No grupo das “peças diversas” agrupou-se as composições que não mencionaram seu gênero e as composições em formas “eruditas” de curta duração, não relacionadas diretamente com alguma ópera como as ouvertures, as fantasias, o recitativo e a arieta. Em um inventário onde não aparecem peças de concerto para um instrumento, as variações para requinta e oficleide1465 surgem como exceções nesse gênero solístico. A indicação do instrumento sugere a presença de bons oficleidistas e tocadores de requinta que pudessem realizar a parte solística a contento. Afinal, uma peça solista tem sempre o intuito de mostrar as habilidades do instrumentista, mesmo que apresente graus diferentes de dificuldade. Curiosamente vemos dois compositores cearenses escrevendo nesta forma musical neste período. Os dois mestres de música da banda da polícia, Pedro Gomes do Carmo e Manoel Luiz de França Lima, composeram algumas variações. Existem ainda mais quatro exemplos na lista sem indicação de autor, podendo eventualmente ser de autoria dos dois. O “tema com variações” é uma forma bastante antiga de compor, sendo uma maneira interessante que o compositor tem de desenvolver a prática composicional pelo fato de usar um único tema como base para trabalhar as transformações melódicas, rítmicas e harmônicas de uma composição. A adoção desta forma por Gomes e França Lima parece sugerir uma tentativa de compor para além dos gêneros da dança, tipo de composição que caracterizou praticamente toda a produção musical dos dois mestres. Associado a isso, deve ter contribuído o fato de existir na banda ou em Fortaleza solistas habilidosos no seu próprio instrumento capazes de executarem estas peças solísticas. A falta de partituras preservadas destes compositores nos impede de traçar uma análise mais aprofundada acerca de suas habilidades como compositores. No grupo das “marchas” reunimos todos os tipos distintos de marchas descritos com ou sem adjetivos, mais os dobrados e seus nomes estrangeiros derivados. 1463 KENNEDY, Michael (ed.). Variation. The Oxford Dictionary of Music - Oxford Music Online. 2 Ed. rev. Oxford University Press. Disponível em: Acesso em: 27 jul 2017. 1464 FLOTOW, Friedrich von. Variação da ópera Martha [Martha, ópera cômica], 1887. Esta variação pode ser a mesma “Variação” de ópera não identificada chamada “Maicha” ou “Mastra”com autor não informado, tocada nos anos de 1883 e 1884. 1465 Variação de oficleide, tocada em 1886 e 1887; variação obrigado a requinta, tocada em 1887 e bolero obrigado a oficleide, os dois tocados em 1887 e todos os três de autores não informados. No ano de 1890 foi feita uma variação para clarinete sobre tema da ópera “Sonâmbula” de Vicenzo Bellini. 336 É possível constatar no material das partituras do acervo da banda da polícia e nas notícias de jornais que o grupo tocou uma diversidade de tipos de marchas entre as militares, as processionais (marcha grave), as de desfiles, as fúnebres, nupciais além daquelas que usaram qualificativos e intensificaram sua atuação como “grande marcha”, “grande marcha real”, “marcha cantada”. Às marchas agruparam-se ainda os dobrados. Segundo o pesquisador Francisco Javier Gutiérrez Juan, o dobrado é um tipo de marcha militar que teve sua origem no pas double ou redoublé francês, ou seja, um passo dobrado de marcha para diferenciar do passo ordinário1466. Neste tipo particular de marcha entraram os dobrados de desfile, dobrado sinfônico, pas redoublé. Gutiérrez Juan distingue o pasodoble de origem espanhola com característica de dança do pas double ou pas redoblé de origem francesa que tinha o objetivo de marcar a movimentação de um grupo de pessoas em um ritmo regular e contínuo1467. Dentre os pasodobles coreográficos existe o pasodoble torero utilizado nas corridas de touros e construído sob melodias, ritmos e harmonia do folclore espanhol em geral e do flamenco em particular1468. No inventário das partituras do acervo encontramos dois exemplares do pasodoble, um de origem espanhola e outro francês. No primeiro caso situa-se a peça Gallito, um pasodoble torero do autor Santiago Lope Gozalo1469; o segundo, o pas redoublé Sedan, impresso pela editora Millereau de Paris1470. Sobre as marchas, existem duas descritas como “marchas cantadas” que foram agrupadas na categoria danças. Analisando as obras dos dois compositores, Nelson Ferreira e Joubert Carvalho, observa-se que suas produções se situavam na esfera das músicas de danças cantadas como marchas de carnaval, sendo os títulos que aparecem descritos no inventário do repertório da banda exemplos de gênero de dança cantado. Por outro lado, a marcha de Silva Novo, descrita como “cantada”, mesmo apontando para a ideia de uma marcha de carnaval e por isso a descrição de “marcha cantada”, permaneceu na categoria “marchas” por causa do título - Pátria Nova - sugerir um caráter cívico, achando mais apropriado incluí-la na tipologia das Marchas. Neste caso a ideia de ser “cantada” poderia indicar que a marcha tinha uma letra. Por fim, no grupo dos Hinos observou-se a existência de três subtipos que foram reunidos no conjunto: os hinos de caráter religioso, feitos para serem cantados nas 1466 GUTIÉRREZ JUAN, Francisco Javier. La forma marcha. Sevilla: ABEC – Álvarez-Beigbeder editores Y consultores, D.L.[2009], p.44. 1467 Idem, p.23; 44. 1468 Ibidem, p.45-46. 1469 LOPE GONZALO, Santiago. Gallito - Passo-Doble [sic] Torero. Manaus 1913, Fortaleza 1931, ABMPMCE. 1470 MEISTER, Georges. Sedan - Pás-redoublé [sic]. 1931, ABMPMCE. 337 igrejas, como o hino D. Joaquim composto por João Moreira da Costa e o padre José Maria Mantéro em homenagem ao bispo do Ceará D. Joaquim José Vieira1471; os hinos das sociedades e instituições diversas, como por exemplo o Hino da Sociedade Cearense Libertadora, composto pelo autor cearense de peças teatrais Frederico Severo, e os diversos hinos patrióticos nacionais como os do Brasil e de Portugal, tocados em diversas solenidades. Quadro 9 – Tipologias do repertório da banda da polícia da década de 1880. TIPOLOGIAS QUANTIDADES PORCENTAGENS Peças obras teatrais 36 21,43% Músicas de danças 66 39,29% Peças diversas 25 14,88% Marchas 27 16,07% Hinos 14 8,33% TOTAL 168 100% Fonte: Inventário do repertório da Força Militar de Polícia do Ceará segundo os periódicos cearenses publicados de 1854 a 1932 (Apêndice B). Quadro 10 – Tipologias do repertório da banda da polícia da década de 1920-30. TIPOLOGIAS QUANTIDADES PORCENTAGENS Peças de obras teatrais 19 13,87% Músicas de danças 68 49,63% Peças diversas 6 4,38% Marchas 43 31,39% Hinos 1 0,73% Total 137 100% Fonte: Inventário do repertório da Força Militar de Polícia do Ceará segundo os periódicos cearenses publicados de 1854 a 1932 (Apêndice B). A primeira constatação que se pode tirar destes quadros é que o tipo de repertório que a banda da polícia tocou neste período é semelhante ao repertório que outras bandas militares vinham tocando dentro e fora do Brasil. Ao mencionar os 1471 Libertador, 17 de maio de 1884, p.2. 338 compositores que escreveram para bandas de música em Belém do Pará, o musicólogo Vicente Salles observa que os gêneros de “dobrados, marchas, polcas, maxixes, valsas, fantasias, pot-pourri” estiveram presentes no repertório das bandas em “quase todo o Brasil”1472. Pedro Marquês de Sousa realizou um levantamento de inventários de repertórios de bandas de Portugal, França, Inglaterra e Estados Unidos e verificou que em todos eles havia uma proximidade de repertório também formado de marchas, dobrados, peças baseadas em óperas e músicas de dança1473. A semelhança do repertório tocado pelas bandas nos diferentes países mais uma vez confirma como as práticas que envolveram os conjuntos de sopro e percussão, particularmente os conjuntos militares, circularam em diferentes culturas e deixaram sua marca na história da música desses países. As peças que a banda tocou retiradas de trechos de óperas foram representativas de uma música “erudita” de base acadêmica. Elas representaram também um repertório que começava a ser formado a partir de um conjunto de compositores que foram vistos como “consagrados” devido ao seu sucesso. Por causa disso, as composições foram ganhando arranjos diversos, sendo a peça original refeita e trabalhada. Mesmo que as “seleções”, as “fantasias”, os “pot-pourris” das óperas representassem apenas partes ou inspirações das composições originais, elas eram baseadas nos temas dos personagens, das aberturas, interlúdios musicais e de trechos marcantes das mesmas óperas cujos fragmentos musicais rememoravam a obra em sua origem e o compositor que as fez. As “fantasias”, “seleções” e “pot-pourris” de óperas e operetas de Giuseppe Verdi, Giacomo Puccini, Oscar Strauss, Franz Lehár, Charles Lecocq entre outros, mesmo sendo transcrições de uma música feita para orquestra, composições arranjadas por um instrumentador, apresentando apenas fragmentos da obra completa, elas apresentavam a “essência” da composição escrita por estes compositores. Por outro lado, é preciso mencionar que as transcrições e adaptações de óperas e operetas para as mais diversas formações instrumentais foram uma importante invenção do século XIX. A diversidade de arranjos ajudou a disseminar e popularizar as óperas e operetas, visto que a impressão e comercialização da partitura completa de uma ópera era rara1474. Portanto, as “seleções”, “fantasias” e “pot-pourris” foram formas mais baratas de difundir as operetas e as óperas 1472 SALLES, op. cit., 1985, p.64. 1473 SOUSA, op. cit. 2013, p.117-121. 1474 PARKER, Roger. §V: 19th Century: Stylistic and formal changes. In: Howard Mayer Brown, et al. Opera (i). Grove Music Online. Oxford Music Online. Oxford University Press. Disponível em: . Acesso em: 16 set. 2017. 339 entre as bandas de música. Se as transcrições operísticas não foram em alguns momentos consideradas como música “erudita” em seu sentido mais estrito, uma vez que eram adaptadas, transcritas e arranjadas para instrumentos que não o de sua formação instrumental de origem para a qual a obra foi pensada e concebida e por não ter sido composta pelo próprio autor da peça, essas junções temáticas podem ser consideradas “eruditas” para o público de Fortaleza não acostumado com a sonoridade de orquestras sinfônicas, das representações operísticas e de toda a diversidade musical de concertos existentes em várias cidades da Europa ou mesmo nas cidades mais desenvolvidas culturalmente dos Estados Unidos. Somado a isto, esta era uma época anterior a era dos discos. Portanto, para ouvir estas composições era necessário estar presente no lugar para ouvir, conhecer e apreciar. O conhecimento e divulgação deste material europeu tinha origem nas partituras que a banda comprava e ou copiava das editoras europeias. Se para a população de algumas cidades da Europa como Paris, Londres, Lisboa, essa música tocada pelas bandas tinha um caráter “popular” por ser adaptado do original, para os habitantes de Fortaleza, as músicas das óperas representaram uma sonoridade melódica e rítmica de certa forma estilizada e, por isso, “erudita”, em uma concepção distinta à sonoridade melódica e rítmica das danças, dos hinos, das marchas compostas pelos músicos locais. A ideia de “erudito” pode ser compreendida também na ligação com a questão da “importação” de música europeia, sendo esta música percebida como aquela que foi feita por um “povo civilizado”. Do mesmo modo que os modelos europeus de comportamento e urbanismo eram ambicionados por, pelo menos, uma elite “intelectual” e política no Ceará, as composições feitas por esse “povo civilizado” também representavam modelos de música “elevada”. Ao mencionar essa questão não estamos a afirmar que era uma música mais aceita e “compreendida” do que a outra. Ao contrário, o que se observa é que ambas eram aceitas pela população. Em seu livro de memórias sobre a cidade de Fortaleza, Otacílio Azevedo recorda das retretas tocadas na década de 1910 as operetas e valsas vienenses, mencionando a valsa Norma Thearer de Pedro Nimac como a mais querida de todas e também a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni como a mais popular1475. Observando o quadro de 1880 é possível concluir que as diferentes tipologias se mantêm, de certa maneira, equilibradas entre si, com uma certa predominância das danças sobre as outras categorias. A presença maior de danças é explicada pela marcante 1475 AZEVEDO, op. cit, 1992, p.70-71,103,106. 340 atuação da banda em festas como carnavais, todos os tipos de comemorações que finalizavam com bailes e pela própria produção local dos compositores cearenses. A quase totalidade da produção musical dos músicos de Fortaleza girou em torno das músicas de dança como valsas, polcas, schottish, mazurcas, galopes, quadrilhas, habanera (havaneira)1476. Somado a esta produção, os compositores que produziram as músicas que a banda da polícia tocou, retirando os compositores estrangeiros e os não informados, foram quase exclusivamente compositores cearenses. Este fato demonstra a importância da banda da polícia no apoio aos compositores locais que tinham aí um espaço para ver suas músicas executadas. Um elemento central na profissão do compositor é constatar que suas músicas são tocadas, circulam e são ouvidas pelo público em geral. Neste sentido, a banda da polícia ajudou a difundir a música dos compositores cearenses durante o Império. No caso do quadro de 1920-30, percebe-se que o repertório escolhido estabeleceu uma polaridade. De um lado, as músicas de danças e as marchas se distanciaram em número do repertório de óperas, de peças diversas e dos hinos, as quais diminuíram muito sua influência. O aumento das marchas foi um reflexo da mudança de organização no interior da polícia que gerou também mudanças no interior da banda de música. O caráter mais militar da instituição se fez sentir no repertório escolhido e tocado pelo conjunto. Mesmo assim, o repertório principal tocado continuou sendo o das danças. O aumento acentuado deste tipo de música esteve ligado ao crescimento do mercado de discos e ao início da radiotelefonia na década de 1920 que difundiu uma variedade de novos tipos de danças que constituíram uma música urbana “reclamada” pelo público. Se antes o repertório de danças estava relacionado ao compromisso da banda em tocar festas públicas e privadas, o aumento deste tipo de repertório foi acentuado na década de 1920 em Fortaleza pelo aumento do comércio de discos e as transmissões de rádio. A difusão das gravações sonoras com sua variedade de grupos musicais nacionais e internacionais fizeram com que formações instrumentais das mais diversas passassem a ser ouvidas, conhecidas e apreciadas. Com isso, ampliou-se uma escuta antes voltada quase exclusivamente para a formação instrumental de sopros e percussão, ouvida de forma presencial principalmente nas praças de Fortaleza, para uma escuta de formações diversas, com sonoridades também diversificadas. Com os discos e a rádio passou a ser possível ouvir os trechos das óperas no original para canto e orquestra, mas também uma 1476 Os tangos e boleros que apareceram não foram mencionados os seus autores. 341 variedade de outras formações instrumentais, dos pequenos grupos às grandes orquestras, cujo repertório ia das músicas de salão às peças eruditas diversas. As formações instrumentais abrangiam desde pequenos grupos formados de piano, violino, violão, flauta, flautim, saxofone, as orquestras “típicas” do Brasil, até às orquestras estrangeiras de dança como a de Berlim e as orquestras sinfônicas1477. Mesmo sendo os discos um produto caro e acessível a poucos1478, ele acaba divulgando um outro tipo de música que passa a ser tocado, neste caso, pela banda da polícia. A diminuição na execução das peças operísticas e de caráter “erudito” pela banda esteve diretamente ligada a mudanças na escolha do repertório tocado pela banda na década de 1920 e que acentuou a execução de danças. A polca, que junto com a valsa, dominavam o repertório de 1880, na década de 1920 só foi tocada uma vez, em 1928. O maxixe e o samba substituíram a execução da polca. A valsa permaneceu sendo a mais popular de todas as danças, tocada em 22 ocasiões. O samba “cantado” (samba-canção) vai ganhando destaque e passa a ser o terceiro ritmo mais tocado (13). Ao mesmo tempo houve uma “invasão” dos ritmos americanos, fox-trot e ragtime em sua maioria, mas também com apresentações únicas de one-step e charleston. Por fim, essa intensa quantidade de músicas de fora promoveu um aumento da execução de músicas de compositores nacionais e estrangeiros, com uma queda acentuada de composições dos músicos locais. A quase totalidade das músicas agrupadas no grupo das danças na década de 1920 são de compositores não cearenses. O consumo de uma música “estrangeira” diminuiu a influência que a banda exercia sobre a produção local musical. As gravações não necessitavam da execução do grupo da polícia para serem vendidas. Como consequência, elas diminuíram a influência da banda da polícia junto ao comércio de produtos musicais na cidade de Fortaleza. 7.3 LUIGI MARIA SMIDO: TRAJETÓRIA E A MARCHA CORONEL EDGAR FACÓ. Dentre os mestres de música que assumiram a banda da polícia do Ceará, civis e militares, destacamos o italiano Luigi Maria Smido como uma figura que influenciou e estabeleceu mudanças musicais no conjunto. Smido esteve à frente de orquestras e bandas em várias partes do Brasil como Recife, Belém, Natal e Rio de Janeiro. No Ceará, esteve 1477 CATÁLOGO Parlophon, Discos. Publicados de junho de 1928 a julho de 1929. In: FRANCESCHI, Humberto Moraes. A Casa Edison e seu tempo. Rio de Janeiro: Sarapuí, 2002. 1478 TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. Lisboa, Caminho da Música, 1990, p.198 apud BASILE, op.cit, 2013, p. 239. 342 em Baturité e em Fortaleza. Mesmo quando morou fora do Ceará, manteve contato com a banda, enviando ou deixando suas composições e adaptações no arquivo musical da polícia. Segundo Veríssimo, no período que o grupo musical foi regido por Smido a banda policial teve “repercussão dentro e fora do Estado”1479. A passagem de Smido pela banda da polícia causou mudanças no grupo, observadas por meio do repertório preservado no arquivo, na instrumentação adotada nas partituras depois da sua passagem pela banda e na maneira de orquestrar os instrumentos, aspectos verificáveis nas partituras de sua autoria e em comparação com outras existentes no acervo policial. As evidências sugerem que Smido tenha contribuído para promover mudanças musicais ocorridas no interior grupo musical da polícia cearense, colaborando para a padronização de instrumentação que se vê no final da década de 1920. Ao mesmo tempo, percebe-se, a partir das partituras, que o próprio Smido mudou sua maneira de orquestrar como resultado das diferentes formações instrumentais que foi encontrando nos outros grupos que regeu. Para entender as mudanças na instrumentação e orquestração das músicas tocadas pelo conjunto policial é importante conhecer a trajetória de Smido, analisando estas questões por meio de algumas partituras existentes no acervo da banda. As primeiras notícias sobre Luigi Maria Smido em solo brasileiro são do ano de 1894. Smido aparece como responsável pela orquestra da Companhia Dramática Italiana de Modena, dirigida por Cerutti e Lotti, que estava em Recife para uma temporada no Teatro Santa Isabel1480. Estes concertos deviam atrair um bom público uma vez que os jornais informavam a disponibilidade de bondes e trens para os habituées das apresentações vindos de Olinda, Apipucos e Caxangá1481. Além dos concertos com a Companhia italiana, Smido esteve bastante ativo como maestro em outros eventos na cidade, como o concerto que realizou no salão do Liceu de Artes e Ofícios1482 ou, durante o recesso da temporada da Companhia de Modena, a direção de uma série de matinées1483, “concertos clássicos populares”, realizadas no teatro Santa Isabel1484. Este evento consistia em apresentações instrumentais e vocais realizadas por uma orquestra formada por 60 professores1485. Em paralelo a sua estada em Recife, Luigi Maria Smido aparece 1479 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151. 1480 Diário de Pernambuco, 30 de dezembro de 1894, p.3. 1481 Diário de Pernambuco, 05 de janeiro de 1895, p.2. 1482 Diário de Pernambuco, 16 de dezembro de 1894, p.2. 1483 Diário de Pernambuco, 28 de fevereiro de 1895, p.2. 1484 Diário de Pernambuco, 03 de março de 1895, p.6. 1485 Diário de Pernambuco, 10 de fevereiro de 1895, p.2; Diário de Pernambuco, 03 de março de 1895, p.2. 343 referenciado pelo jornal A República de Fortaleza como maestro convidado em um concerto de música vocal e instrumental no Teatro S. Luiz1486. Para esta apresentação Smido deslocou-se de Baturité, região norte do Estado, para a capital. Não se sabe se o maestro já morava em Baturité, antes mesmo de ter trabalhado em Recife. O que é certo é que em maio de 1895 Smido voltou para Baturité onde passou seis meses tratando de sua saúde para, em seguida, fixar residência na capital pernambucana1487. Nos três anos seguintes ele permanece em Recife sendo possível que tenha voltado a assumir o cargo de regente da orquestra do teatro Santa Isabel e continuado a dar aulas de piano e harmonia, embora não existam muitas informações sobre suas atividades neste período. Na volta a Baturité, em 1898, ele criou e regeu uma orquestra de 40 pessoas ligada ao Liceu Municipal de Música de Baturité, no qual também exerceu o cargo de diretor1488. No fim do ano de 1898 reapareceu novamente em Recife regendo uma orquestra no teatro Santa Isabel1489 e organizando concertos sinfônicos “nos moldes” do que se fazia na Europa, ou seja, escolhendo para o programa as peças consideradas de “alto valor” e “que attraem as attenções dos centros artísticos do mundo civilizado”1490. Em 1899, montou um curso de música em sua própria residência1491. A partir deste retorno a Recife percebe-se um constante deslocamento de Smido por várias cidades brasileiras. Em todos os lugares por onde foi passando, o maestro italiano empreendeu sempre um importante papel de promotor musical, criando e regendo novos grupos, organizando novos eventos, divulgando a música europeia, particularmente a francesa, alemã e italiana1492 ou ensinando e formando novos músicos. Outra atividade que desenvolveu com bastante intensidade, paralela a seu trabalho como regente, foi a de compositor e arranjador1493. Nestes anos de trabalho em Recife, Smido já se dedicava a compor músicas e a fazer adaptações de obras, especialmente para orquestra. Neste período, escreveu peças curtas como uma marcha de concerto para orquestra chamada Cavalheiros da Cruz1494, a mazurca de concerto para orquestra 1486 A República, 26 de julho de 1894, p.2. 1487 Diário de Pernambuco, 17 de dezembro de 1895, p.2. 1488 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p.151; Jornal do Recife, 23 de janeiro de 1898, p.2; Jornal do Recife, 22 de maio de 1898, p.2. 1489 Jornal do Recife, 05 de novembro de 1898, p.2. 1490 Jornal do Recife, 07 de dezembro de 1898, p.1. 1491 Jornal Diário de Pernambuco, 03 de janeiro de 1899, p.3. 1492 Jornal do Recife, 01 de março de 1895, p.3. 1493 Diário de Pernambuco, 23 de março de 1895, p.2; Diário de Pernambuco, 30 de março de 1895, p.2. 1494 Diário de Pernambuco, 03 de abril de 1895, p.2. 344 Bindisck (?)1495, a suíte para orquestra Historiette d’amour1496, uma berceuse para quarteto de violino, flauta, clarinete e piano intitulada Sonha Comigo e uma elegia para piano denominada Adeus Saudoso1497. Ao mesmo tempo, Smido demonstrou também sua capacidade para compor peças de maior porte como a Missa em Sol contendo Kyrie, Gloriam, Laudamus, Gratias, Quoniam, Credo, Incarnatus, Sanctus, Benedictus e Agnus Dei1498, e a opereta encomendada Os amores de um operário com libreto do pernambucano José Jorge1499. A instrumentação desta opereta foi pensada para uma orquestra sinfônica de pequeno porte, compondo-se de primeiro e segundo violino, violetas, violas, violoncelo, contrabaixo, flautas, primeiro e segundo clarinetes, pistons, trompas, trombones, oficleide, tímbales e “bateria” (percussão)1500. O instrumento que queremos chamar a atenção nessa disposição instrumental é o oficleide. Seu uso tinha a intenção de substituir o fagote e auxiliar a parte grave das madeiras1501, demonstrando que o oficleide era usado na orquestra ainda em fins do século XIX. Das adaptações que Smido fez por esta época destacamos a Balada Brasileira, da ópera Lo Schiavo de Carlos Gomes e a instrumentação para banda do Prelúdio do 1º ato, da ópera Lohengrin de Wagner, único trabalho que levantamos direcionado para a formação de sopros e percussão. A atividade de composição de Luigi Maria Smido foi construída tendo por base sua formação como pianista, instrumento que ensinou em Recife e Fortaleza, mas também no seu conhecimento de contraponto e harmonia, disciplinas que cursou durante sua frequência no conservatório de música de Leipzig e em “outros conservatórios europeus”1502. No ano de 1899 o maestro se mudou para Belém, inicialmente a convite do Conservatório de Música Carlos Gomes do Pará1503, mas onde acabou sendo contratado também para reger as bandas da Força Pública do Estado1504. É a partir desse momento que Smido começa a traçar uma relação mais direta com várias bandas de música brasileiras, compondo e instrumentando para esse tipo de grupo. Entre 1899 e 1903, período em que Luigi Maria Smido permaneceu em Belém à frente da banda de música 1495 Jornal do Recife, 10 de janeiro de 1895, p.3. 1496 Diário de Pernambuco, 06 de dezembro de 1898, p.3. 1497 Diário de Pernambuco, 17 de dezembro de 1895, p.2. 1498 Jornal do Recife, 15 de setembro de 1906, p.2. 1499 Jornal do Recife, 01 de novembro de 1894, p.3. 1500 Idem. 1501 FÉTIS, op. cit., 1858, p.64-65. 1502 A Esquerda, 08 de maio de 1928, p.2. 1503 Diário de Pernambuco, 09 de março de 1899, p.2; República (PA), 08 de fevereiro de 1900, p.3. 1504 SALLES, op. cit., 1985, p.45. 345 da Regimento Militar Estadual, ele foi responsável pela organização de “concertos populares”1505 reunindo as três bandas do Regimento1506. Escolhendo os melhores instrumentistas dessas bandas, Smido montou um orquestra com 100 integrantes1507. Esse grupo orquestral excedia bastante a quantidade normal de músicos em bandas militares pelo Brasil, que variava em torno de 30 a 50 músicos no máximo. A orquestra sinfônica de Recife da época em que Smido organizou as matinées agregava 60 músicos. Com uma massa orquestral tão grande, Smido pode montar excertos adaptados de obras de Richard Wagner, compositor que aparecia frequentemente em seus concertos. O acervo da banda da polícia cearense possui um exemplar assinado por Luigi Maria Smido da época em que morava em Belém, datado de 1903. É a obra Il Maestri Cantori di Norimberga de R. Wagner, título que aparece no frontispício da peça, em uma adaptação do 3º Ato da ópera contendo o Preludio, Sfilata dei Maestri Cantori, Canzone di Walther e Concertato finale. Tendo como referência a execução dos Mestres Cantores de Nuremberg no original para orquestra e realizando uma leitura da partitura é possível perceber a sonoridade “grandiosa” que a execução desta peça exige bem como as dificuldades de execução. Sua instrumentação é a seguinte: Flauta e Ottavino réb Clarini mib Clarinetti sib 1º Clarinetti sib 2º Clarinetti sib 3º Clarinetti sib 4º Saxofoni (ad lib) soprano Saxofoni (ad lib) contralto Saxofoni (ad lib) tenor + clarone Saxofoni (ad lib) barítono Cornette sib Flicorni sib Cornis e genis mib 1º, 2º Cornis e genis mib 3º, 4º Bassiflicorni sib Trombone 1º, 2º, 3º Bombardini 1º Bombardini 2º, 3º Bombardoni mib C. Bassi sib Batteria 1505 República (PA), 12 de agosto de 1899, p.2. 1506 SALLES, op. cit., 1985, p.45-46. 1507 República (PA), 12 de agosto de 1899, p.2. 346 Na disposição da instrumentação chamamos a atenção para o uso da flauta na afinação de réb e não em dó, afinação usada mais comumente para o flautim. A indicação do cornette em sib deve ser tocado por uma corneta de pistões e o flicorni em sib por um flugelhorn, ambos de sonoridade menos brilhante do que o trompete, diminuindo assim a sonoridade mais “penetrante” dada por este instrumento. A menção de cornis e genis em mib na mesma peça, sugere que o primeiro seja uma trompa circular em mib e, o segundo, um saxhorn em mib. Não haveria necessidade de usar os dois instrumentos ao mesmo tempo, já que eles fariam a mesma linha e função na música. Esta indicação pode sugerir que existisse os dois instrumentos na banda. O bassiflicorni ou eufônio foi escrito na clave de sol, sendo, portanto, lido como instrumento transpositor e por isso sua indicação na tonalidade de SibM. Já o bombardino, escrito na clave de fá, deve ser lido em seu som real. A bateria aqui indicada representou o tambor, prato a dois e triângulo. A interpretação desta peça dos Mestres Cantores de Nuremberg exigia alguns requisitos do grupo para que se obtivesse uma execução satisfatória da obra. Primeiro, a quantidade necessária de músicos para interpretá-la. O original para orquestra prevê a presença mínima de 67 a 77 músicos (levando em consideração o número de instrumentistas de arcos para uma orquestra de maior porte) apontando para o tamanho do grupo “ideal”. A disposição instrumental era uma indicação do próprio compositor, tendo em vista a sua pretensão de como deveria soar a referida música. Mesmo não sendo um requisito imprescindível, a banda do Regimento Estadual de Belém preenchia este quantitativo de músicos. O segundo ponto importante é que essa composição apresenta um grau de dificuldade técnica e de sonoridade que exige que o grupo que vai tocá-la tenha um nível técnico avançado do instrumento. A peça apresenta uma textura contrapontística horizontal complexa, com um emaranhado de melodias que se contrapõem umas as outras, associado a solos dos instrumentos, especialmente na parte do prelúdio, sonoridades extremadas de pianos e fortes, que exigem muito controle de ar dos instrumentistas de sopros e dificulta a correta manutenção da afinação. Todos estes aspectos exigiam bons instrumentistas para sua perfeita execução. Ao escrever a transcrição da obra ainda em Belém, é provável que o grupo da polícia desta cidade fosse o conjunto para o qual Smido pensasse em reger. Afinal, a peça não é de fácil execução conforme se observa na adaptação de Smido. A transcrição do maestro italiano sugere que os músicos integrantes da banda do Regimento Militar Policial de Belém tivessem uma boa qualidade técnica a ponto de poderem executar a contento essa composição. Entretanto, é provável que essa peça não tenha sido executada pela banda de Belém, pois 347 a assinatura é de maio de 1903 e Smido deixa a cidade em julho do mesmo ano em direção a Fortaleza1508, seguindo posteriormente para Natal1509. Essa peça parece ter sido executada somente mais tarde, no Rio de Janeiro, com a banda de música da Escola Militar do Realengo no ano de 19141510. No Ceará, ela pode ter sido tocada pela banda da polícia do Ceará somente no ano de 1931, uma vez que existem cópias datadas desta época e porque nos anos de 1931-1932 a banda possuía um maior número de músicos, o que tornaria possível a execução dessa peça. Figura 9 – WAGNER, Richard. Il Maestri Cantori di Norimberga - Prelúdio do 3º ato – Página nº 2 da partitura, c.10 a 22. Instrumentação para banda de Luigi Maria Smido. Belém, 24 de maio de 1903. Fonte: Arquivo da Banda de Música da Polícia Militar do Ceará. Foto: Inez Martins. 1508 SALLES, op. cit., 1985, p.45. 1509 FONTOURA, op. cit., 2011, p.46, nota de rodapé. 1510 Gazeta de Notícias (RJ), 25 de dezembro de 1914, p.7 348 Luigi Maria Smido chegou em Fortaleza no ano de 1908, “vindo do sul do país”1511, contratado pelo presidente do estado Nogueira Accioly para reger a banda da polícia1512. Sua passagem por Fortaleza se deu depois ter regido durante um ano a banda da Força Policial do Rio Grande do Norte (1903-1904)1513 e ter dado aulas na escola de Música desse mesmo estado no ano de 19081514. É possível que tenha ficado em Fortaleza até 1911, período em que ainda aparece regendo uma orquestra de sete professores no cinema Rio Branco1515. Sua saída deve ter coincidido com a deposição de Nogueira Accioly no ano de 1912. Em 1908 e 1909 regeu concertos sinfônicos na Assembleia Estadual e na praça Sete de Setembro. A menção a “concertos sinfônicos” na notícia, sugere que o grupo que Smido regeu tenha sido o mesmo representado pela fotografia da banda de 1910, ou seja, a “Orquestra do Batalhão” que, desde 1904, já estava ativa em Fortaleza. À semelhança dos mestres anteriores da banda, Smido foi também professor dos músicos da banda da polícia1516. Qual o impacto e influência de Smido no ensino musical e no grupo de música policial em geral? Em primeiro lugar, na nomenclatura dos instrumentos, com muitas indicações dos instrumentos em italiano. Segundo, no repertório que se preserva na banda, com um número considerável de partituras retiradas de trechos de óperas. Excluindo as marchas e dobrados, composições que sobressaíram nos programas da década de 1920, são as peças de origem teatral as que mais se conservam no arquivo da banda da polícia. Muitas delas são composições que surgem nos programas dos concertos orquestrais que foram dirigidos por Smido em Recife. Fazia parte do “ensino” de Smido difundir os conhecimentos da “música moderna” tocada e ouvida nas cidades da Europa1517. Essas peças eram a marcha de Tannhäuser, Fantasia de Lohengrin, ambas de R. Wagner, Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni, Mefistófeles de Arrigo Boito, A Força do destino e O Baile de Máscaras, de G. Verdi ou O Guarani de Carlos Gomes, entre outras, que existem também no arquivo da banda da polícia e estavam presentes nos programas de Luigi Maria Smido em outras cidades. Mesmo que todas essas composições não tivessem sido tocadas durante o período que Smido ensaiou a banda da polícia, elas demonstram que o italiano teve um papel de difusor das composições musicais europeias, 1511 Gazeta de Notícias (RJ), 17 denovembro de 1908, p.3. 1512 VERÍSSIMO, op. cit., 1954, p. 151. 1513 FONTOURA, op. cit., 2011, p.46, nota de rodapé. 1514 Jornal do Recife, 15 de julho de 1908, p.1. 1515 Jornal do Ceará, 20 de setembro de 1911, p. 2. 1516 O Ceará, 02 de fevereiro de 1928, p.2. 1517 Jornal do Recife, 07 de dezembro de 1898, p.1. 349 visto que quase a totalidade dessas peças foram tocadas no ano em que ele estava aqui ou posterior. Este material serviu para ensinar os músicos da banda, dando-lhes a conhecer esse tipo de repertório, sua execução e entender as implicações teóricas envolvidas. O maestro italiano manteve uma ligação indireta com Fortaleza e a banda da polícia, mesmo depois de ter ido morar no Rio de Janeiro, onde permaneceu quase toda a sua vida, falecendo em 19431518. Mesmo depois de sua partida, Smido continuou a enviar partituras para o Ceará de várias de suas composições e instrumentações. No arquivo da banda existem dezoito peças assinadas por Luigi Maria Smido entre cópias, instrumentações e composições de sua autoria. Destas, quatorze são instrumentações que Smido fez, três partes copiadas e uma peça escrita por ele. Tomando por base a análise de algumas peças instrumentadas enviadas por Smido é possível constatar que ele mudou sua maneira de orquestrar, simplificando sua escrita para uma textura menos contrapontística, mais harmônica, com os instrumentos fixando-se entre aqueles que faziam melodias e os que faziam o acompanhamento na música. Esta definição entre o instrumento que realiza melodias e os que fazem bases harmônicas é bem diferente da escrita orquestral mais contrapontística, de linhas horizontais que se fundem uma nas outras como aparece na transcrição dos Mestres Cantores. Mesmo que existam diferenças no estilo de compor entre a peça de Wagner e as instrumentadas por Smido, a sua composição, a marcha Coronel Edgard Facó, seguiu o modelo de escrita em bloco de três linhas, reduzindo os instrumentos para aqueles que fizeram as melodias, aqueles que fizeram o acompanhamento e os que realizaram o contracanto. Esse “modelo” de orquestração vai sendo percebido em outras partituras da banda da polícia, da mesma forma que a disposição instrumental vai ganhando uma padronização. Essas questões vão se tornando cada vez mais presentes nas partituras do fim da década de 1920. Tal fato pode estar associado também ao retorno de Luigi Maria Smido a Fortaleza no ano de 1928 como diretor artístico da recém fundada Escola Carlos Gomes e com o ensino das matérias de harmonia e contraponto nesta Escola1519. A presença de Smido como professor destas disciplinas pode ter contribuído para estabelecer essa “padronização”, com alguns músicos da banda da polícia como seus alunos. Este modelo de instrumentar e orquestrar foi reflexo de sua própria experiência com os grupos musicais do Rio de 1518 NIREZ, op. cit., 2001, p.101. É possível conferir a imagem de Luigi Maria Smido que está publicada no site “Sentinelas do Apodi”. Disponível em: Acesso em: 05 nov. 2013. 1519 A Esquerda, 08 de maio de 1928, p.2. 350 Janeiro, como se constata nas partituras instrumentadas pelo maestro nesta cidade em 19131520. Em 1929, Smido escreve a marcha Coronel Edgard Facó, única peça de sua autoria que se encontra no arquivo da banda da polícia e que ele oferece ao comandante da Força Pública do Ceará, Coronel Edgard Facó1521. É esta peça que vamos analisar a instrumentação e orquestração em comparação com outras existentes no arquivo. Antes de discutir a questão da instrumentação a partir das partituras do arquivo da banda é preciso mencionar que alguns músicos e mesmo editoras apresentaram propostas de padronização da disposição instrumental ao longo do século XIX e começo do XX. Apresentamos nesta parte quatro propostas de padronização da instrumentação de banda, duas por dois músicos europeus, outra por brasileiros e a última por uma editora de música do Brasil. Devido a alguns motivos que vamos explicando juntamente com as proposições, essas sugestões não foram acolhidas pelas bandas brasileiras em sua totalidade ou, pelo menos, na banda da polícia do Ceará. Nas propostas apresentadas foi possível perceber que, em algum momento, elas não contemplaram algum instrumento ou família de instrumentos ou propuseram alguns instrumentos que não foram adotados localmente. A primeira proposta é a do teórico e compositor belga François-Joseph Fétis que sugeriu no seu Manual de teoria e instrumentação de 1858 uma disposição instrumental para uma banda de pequeno porte, com 24 integrantes1522. Sua formação elencava 1 flautim, 1 requinta, 3 vozes de clarinetes com 3 instrumentistas para cada voz, 2 trompas, 1 clarim, 1 figle alto em mib, 1 corneta em sib ou uma corneta de pistões, 3 trombones, 3 baixos e 2 percussões1523. Se alguma banda adotou a proposta de Fétis deve ter sido por pouco tempo, devido a limitação mecânica de dois instrumentos listados: o clarim e o figle alto. Sua opção pelo clarim deve ter sido pelo timbre “brilhante” do instrumento, como menciona no Manual1524. Contudo, era um instrumento limitado, pois não se podia tocar nos tons de lá e láb1525, tonalidade frequentemente adotada para os instrumentos de sopro. Além disso, devido a falta de válvulas, era preciso que o instrumentista possuísse mais de um clarim e os carregasse consigo para poder executar 1520 STRAUSS, Oscar. O Soldado de Chocolate e CRÉMIEUX, Octave. Enchantement. 1521 “Exmo. Sr. Coronel Edgard Facó D. D.Commandante da Força Publica do Estado do Ceará homenagem de gratidão do autor”. Dedicatória autógrafa escrita por Luigi Maria Smido na capa da partitura da marcha Cel Edgard Facó de sua autoria. ABMPMCE. 1522 FÉTIS, op. cit., 1858, p.87. 1523 Idem. 1524 FÉTIS, op. cit., 1858, p.58. 1525 Idem. Fétis não explica se a execução das tonalidades de “lá” e “láb” referem-se ao som real ou som escrito. Mas independente de qual seja a tonalidade, som real (tonalidade de Láb) ou som escrito (tonalidade de Sib), as duas tonalidades eram bastante empregadas nas composições para os instrumentos de sopro. 351 as peças1526, o que se mostrava um incômodo. Quanto ao figle ou oficleide alto, Fétis achava que esse instrumento compunha um sistema intermediário composto pelo bugle, no caso aqui especificado pela corneta e o oficleide baixo que na sua proposta ele denominou apenas de baixo1527. Ele mesmo menciona que era um instrumento pouco usado e que os compositores usavam mais o fagote para realizar sua linha1528. Sua proposta não contemplava ainda a família dos saxofones e nem os dos saxhorns, recém- construídos, instrumentos que entraram de forma vital na formação instrumental das bandas de sopro. Todos estes fatores contribuíram para que a proposta de instrumentação de Fétis não tenha vigorado. A segunda proposição partiu dos músicos Artur Napoleão e Leopoldo Miguez, editores do periódico Revista Musical e Bellas Artes, que publicaram na edição de 18 de janeiro de 1879 uma dura crítica à organização das bandas militares do exército1529. A crítica dos autores centrava-se principalmente no desequilíbrio sonoro das bandas militares causado pelo excesso de músicos e de uma instrumentação desequilibrada, aspecto apresentado no capítulo anterior. A proposta dos editores era reduzir esse conjunto para um número de 27 músicos, contemplando os seguintes instrumentos: 1 flautim, 1 requinta, 8 clarinetes, 2 cornetins de cilindros, 2 cornetas de cilindros, 2 saxhorns trompas,1 saxhorn barítono, 3 trombones, 2 saxhorns contrabaixos em mib, saxhorn contrabaixo em sib e quatro instrumentos de percussão1530. Essa disposição instrumental assemelhou-se mais ao que foi adotado pela banda da polícia, embora a ausência do quarteto de saxofones (soprano, alto, tenor e barítono) tenha enfraquecido a formação. O problema maior dessa proposta está nas dobras de alguns instrumentos. A duplicação das cornetas e cornetins, intensifica a sonoridade aguda produzida pelo timbre destes instrumentos em um grupo pequeno que não teria necessidade dessa intensificação. A disposição ficaria melhor se tivesse incluído outros instrumentos, como a flauta ou o saxofone alto e tenor, que ajudariam a compor a sonoridade do grupo, seja pelo reforço dos timbres agudos ou na composição dos timbres diferentes característicos de cada instrumento. No caso dos contrabaixos, não haveria necessidade de uma dobra dos baixos em mib que pareceu também excessiva. A formação 1526 FÉTIS, op. cit., 1858, p.59. 1527 Idem, p.62-64. 1528 Ibidem, p.64. 1529 ARTHUR NAPOLEÃO & MIGUEZ (ed.). Revista musical e de Bellas Artes. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 1879, p.1-2. 1530 Idem. 352 poderia contemplar a inclusão do fagote, clarinete baixo em sib ou saxofone barítono, ganhando em timbres de outras famílias ao mesmo tempo que reforçaria os baixos gerais do grupo. Mesmo sendo linhas da composição diferentes, o uso de algum destes instrumentos enriqueceria a sonoridade final da banda. A disposição instrumental que Alessandro Vessela descreve em seu livro de instrumentação de 1894 apresenta três modelos diferentes de banda de acordo com o número de instrumentistas1531. Sua proposta difere dos outros em particular porque Vessela era maestro de banda e por isso entendia, pela sua prática, qual a sonoridade que queria ouvir e como equilibrar os instrumentos para atingir essa sonoridade. Sua sugestão compreendia a pequena banda de 28 músicos, a média banda de 45 integrantes e a grande banda de 65 músicos1532. A característica em comum dos três modelos foi usar a família do flicorni como base para a sonoridade do conjunto. Sua concepção de quantidade de instrumentos, as disposições de suas famílias nos três tamanhos de banda, incluindo a família dos saxofones nos modelos das bandas de médio e grande porte, eram bem equilibradas timbristicamente e complementavam-se nas alturas musicais. A não adoção destes modelos na banda da polícia do Ceará foi motivada mais pelo uso da base instrumental estabelecido sobre a família do flicorni, que não existia em sua totalidade no instrumental da banda. As diversas influências instrumentais que a banda da polícia recebeu vieram de vários lugares como a França (cornet à pistons, saxhorn em mib), a Itália (flicorno barítono), a Alemanha (helicon) e Estados Unidos (sousafone). Essa diversidade de origens produziu uma mescla instrumental no interior do conjunto. É interessante observar que nem Smido adotou a disposição instrumental de Vessela em suas partituras. O motivo se explica porque Smido compunha e arranjava suas composições respeitando as disposições instrumentais dos grupos que regia, as quais não pareceram ter a família do flicorni completa. Por fim, a quarta proposta, a da Casa Editora de José Mendes Leite do Pará, no ano de 1902 apresentou a sugestão de 6 modelos diferentes de instrumentação para “as bandas de música do norte do país”1533. Sua composição variava de 10, 16, 22, 28, 35 e 40 músicos1534. A proposta da editora vinha com a descrição da afinação e, por isso, representava um catálogo de venda dos instrumentos existentes na loja. Segundo o 1531 VESSELA, op. cit., [1894/1954], p.115. 1532 Idem. 1533 SALLES, op. cit., 1985, p.100. 1534 Idem. 353 anúncio, os modelos foram “calculados rigorosamente segundo as leis da acústica e do bom gosto moderno” e baseavam nas composições das bandas nacionais1535. A proposta para 28 executantes contemplava 1 flautim em réb, 1 flauta em dó, 1 requinta em mib, 5 clarinetes em sib, 1 saxofone soprano em sib, 1 saxofone alto em mib, 2 pistões em sib, 1 trompa de harmonia com 3 pistões em fá e mib, 3 saxhornes altos ou saxtrompas em fá, com três pistões em fá e volta de mib, 2 barítonos em dó, com três pistões e volta de sib, 2 trombones em dó com três pistões e volta de sib, 1 contrabaixo em fá com três pistões e volta de sib, 1 contrabaixo em dó com três pistões e volta de sib, 1 par de pratos, 1 bombo e 1 caixa de rufos1536. Essa composição assemelhou-se mais com o que foi adotado pela banda da polícia diferindo apenas na afinação dos instrumentos. A flauta não foi usada com tanta regularidade aparecendo poucas vezes; o uso da trompa de “harmonia” parece ter existido, como discutimos anteriormente e talvez na afinação de mib; os contrabaixos em dó e fá eram mais comuns na orquestra do que na banda, sendo os existentes na banda policial o de mib e sib. Em dezembro de 1929, a marcha Coronel Edgard Facó foi dedicada ao comandante da Força Pública do Estado do Ceará como “homenagem de gratidão”. A dedicatória de homenagem demonstra a relação de proximidade entre Smido e a instituição policial. O gênero marcha tem sua origem associada à vida militar, com a intenção de produzir uma música que ajudasse grupos de pessoas a caminhar de forma compassada1537. As marchas podem ser tocadas como peças de concerto ou executadas pelo grupo marchando. A distinção principal entre um ou outro tipo consiste em observar se o compositor introduz mudanças de agógica na peça. As variações de andamento, rallentando ou acellerando, são indicações impossíveis de ocorrer em marchas destinadas a desfile de um grupo. As marchas de desfiles podem ser usadas como peças de concerto, mas o contrário nem sempre é possível. Na peça de Smido, o compositor não escreve essas mudanças de agógica, sendo, portanto, uma peça destinada para que o grupo tocasse marchando. Esta possibilidade é reforçada com a prática que a banda da polícia adotou em fins da década de 1920 de chegar ao lugar do concerto tocando um dobrado ou uma marcha de passo ordinário e retirar-se da mesma maneira1538. A marcha Coronel Edgard Facó está escrita em compasso binário, 2/2, ao invés do compasso usual 2/4. A adoção 1535 Ibidem. 1536 Ibidem. 1537 GUTIÉRREZ JUAN, op. cit., [2009], p.23. 1538 O Ceará, 09 de setembro de 1928, p. 4; A Razão, 29 de novembro de 1930, p.7. 354 do compasso alla breve não foi exceção e pode ser conferido em outras composições como na marcha nº1 em dó Maior para música militar de L. van Beethoven, composta em 18091539. A marcha Coronel Edgard Facó está composta na forma de minueto ternário com trio da capo, com introdução e seções ternárias em sua estrutura interna conforme especificado abaixo: Quadro 11 – Análise formal da Marcha Coronel Edgard Facó Estrutura Introdução A Seção a b c Compasso 1-4 5-20 [: 8+8 :] 21-36 [: 8+8 :] 37-54 [: 8+ (7+1):] +1 Tonalidade Mib M Mib M Mib M Mib M Estrutura TRIO – B Seção Intermezzo d e d’ Compasso 56-57 1ª parte: 58 -73 [8+(7+1)] 2ª parte: 74-89 [8+8] 90-101 [4+4+4] 1ª parte: 102-117 [8+(7+1)] 2ª parte: 118-133 [8+8] Tonalidade Láb M Láb M Fá m Láb M Estrutura Introdução A Seção a b c Compasso 1-4 5-20 [: 8+8 :] 21-36 [: 8+8 :] 37-54 [: 8+ (7+1):] +1 Tonalidade Mib M Mib M Mib M Mib M Fonte: Elaborado pela autora. 1539 GUTIÉRREZ JUAN, op. cit., [2009], p.154; L.V. BEETHOVEN, Zwei Märsch für Militärmusik nº1, 1809, IMSLP. 355 A instrumentação da marcha é a seguinte: Flautim e requinta [mib] 1º Clarinete [em sib] 2º e 3º Clarinete [em sib] [Saxofone] soprano [Saxofone] alto 1º Pistões 2º e 3º Pistões Saxhornes [em mib] Trombones [Saxofone] tenor, 1º e 2º Barítonos Bombardinos Baixos Batteria (Bombo, caixa e pratos) Luigi Maria Smido usa nesta partitura uma instrumentação que já vinha adotando nas peças instrumentadas no Rio de Janeiro em 1913. As peças baseadas em O Soldado de Chocolate de Oscar Strauss e Enchantement de Octave Crémieux1540 são exemplos dessa mesma instrumentação. Existem apenas duas diferenças entre estas partituras e a marcha: ao invés do flautim em mib, as peças instrumentadas no Rio de Janeiro usam o flautim em réb. A indicação do uso de pistões e bugles (flugelhorn), que surge nas peças de 1913, não aparece na partitura Edgard Facó. Analisando outra peça deste mesmo ano, o tango Mamã yo quiero um novio de Ramon Collazo com instrumentação do músico da banda Justino Marinho1541, esta música usa o flautim em réb. Neste caso, a escolha do instrumento foi para facilitar a execução do músico, já que a tonalidade da peça está em SibM. De qualquer maneira, existia a presença dos dois instrumentos na banda. Outro instrumento que não aparece nem na marcha nem no tango são os bugles, indicando que esse instrumento já não era usado na banda da polícia. Justino Marinho segue o mesmo padrão de instrumentação usado por Smido com o acréscimo apenas do clarone em sib e do trompete em mib, instrumentos que foram usados ocasionalmente na banda da polícia. O que se observa desta disposição instrumental de Smido é que ela contempla uma estrutura básica da família dos sopros e consegue estabelecer um equilíbrio sonoro entre as alturas graves, médias e agudas dos instrumentos. A semelhança de instrumentação entre Smido e Justino Marinho não é simples coincidência. Nas partituras dos anos de 1928 a 1932 existe uma repetição dessa 1540 STRAUSS, Oscar. O soldado de chocolate. 1913. ABMPMCE; CRÉMIEUX, Octave. Enchentement. 1913, ABMPMCE. 1541 COLLAZO, Ramon. Mamã yo quiero un novio. 1929, ABMPMCE. 356 estrutura de instrumentação que vai criando uma padronização na disposição instrumental do conjunto da polícia. Isso pode ser consequência da troca de informações entre as partituras de Smido e daqueles que compõem no fim da década de 1920, visto que em peças do período anterior, da década de 1910, não se observa essa padronização. Como exemplo citamos a peça Ars Italica de Angelo Betinelli instrumentada por Júlio Marinho da Silva em 19181542. A instrumentação é bem reduzida se comparada com as duas composições de 1929: Requinta 1º,2º,3º clarinetes em sib 1º, 2º saxhorns em mib 1º, 2º cornetas em sib 1º, 2º trombones Contrabaixo em mib Pancadaria A orquestração da marcha Coronel Edgard Facó e o tango de Justino Marinho mostram o uso dos instrumentos em blocos de acompanhamentos, melodias e contracantos, numa estrutura que, de uma maneira geral, contemplou texturas verticais, harmônicas e menos texturas horizontais, contrapontísticas. Frequentemente o acompanhamento foi feito pelos baixos, trombones e saxhorns que faziam a harmonia em acordes; as madeiras ficaram com a melodia, alternando, em alguns momentos, com o primeiro trombone e o bombardino nos contracantos. Como esta composição foi pensada como peça de desfile, Smido se utilizou dos tutti para tornar a textura densa e criar os grandes fff da peça. Os instrumentos foram usados em tessituras cômodas para os instrumentistas não necessitando de grandes habilidades técnicas para sua execução. O que se observa na composição das três grandes partes, é a maneira como Smido reduziu para essas três linhas a composição. A introdução e o intermezzo foram construídos com o tutti orquestral definindo bem as seções. A exposição centrou a melodia nas madeiras e, em alguns compassos, reforçou com o primeiro pistão (c.21-24). Os barítonos e bombardinos, foram instrumentos versáteis, ora fazendo a melodia e, em outros momentos, os contracantos ou a harmonia em acordes. A parte “c” (c. 37-54) da exposição, trouxe uma novidade, os baixos apresentaram a melodia, juntamente com barítonos e bombardinos, situação única nesta composição. A parte do trio saiu da textura densa da primeira seção para uma mais rarefeita, mas não deixou de ser construída sobre 1542 BETTINELLI, Angelo. Ars Itálica. 1918, ABMPMCE. 357 o bloco da melodia, acompanhamento e contracanto. A seção do trio apresentou quatro períodos de 8 compassos com a melodia sendo tocada, na primeira parte da seção, pelo primeiro clarinete, barítono e bombardino (c.58-73) e, na segunda parte, pelo primeiro piston e barítono. Os contracantos foram mais aparentes devido à própria clareza e simplicidade rítmica da melodia, com notas longas, que ajudou a deixar toda a parte mais clara. A parte intermediária dessa seção (c.90-101) foi curta e voltou a ser feita com uma orquestração mais densa, usando o tutti orquestral e dividindo basicamente a seção em instrumentos que fizeram a melodia (flautim, requinta, clarinetes, sax alto, pistons, primeiro barítono) com todos os outros instrumentos fazendo a base harmônica. Na última seção “ d’ ” (c.102-133), Smido introduziu um contracanto do trombone. Era muito comum nas partes das bandas de música aparecer a indicação “trombone de canto”, dando a este instrumento solos de melodias ou contracantos. Esta seção foi também foi dividida em duas partes de 16 compassos, com a mesma melodia anterior agora realizada pelo flautim, requinta e primeiro clarinete seguido pelo contracanto do trombone de canto. Na segunda parte da seção (c.118-133), a melodia foi reforçada com os pistões porque, embora a melodia fosse tocada em ff, surgiu também o contracanto harmônico dos barítonos e bombardinos até o fim, para haver o retorno ao início da peça. Este mesmo padrão de orquestração em três linhas pode ser conferida no tango de 1929 Mamã yo quiero um novio que, mesmo sendo uma peça mais curta, com 36 compassos, mantém uma estrutura geral em que as melodias são feitas pelas madeiras e, algumas vezes, o piston, os contracantos feitos pelos bombardinos, barítonos e algumas vezes o trombone que, juntamente com os saxhorns e baixos fazem a harmonia em acordes. 358 8 CONCLUSÃO Na trajetória da banda de música da Força Policial Militar do Ceará, desde sua criação em 1854 até o fim da Primeira República, podemos concluir que o grupo musical passou por quatro fases dentro da instituição policial. A primeira fase, entre a sua fundação e o ano de 1871, quando se deu o fim da Guerra do Paraguai, foi um período em que o conjunto passou por um período de instabilidade, questionada especialmente pelos deputados da Assembleia Provincial sobre sua existência e manutenção dentro de uma corporação pública. Os insistentes questionamentos dos deputados tiveram como consequência a desativação da banda em 1863 e entre 1865 e 1870. A fase inicial marca também o começo de uma atividade que passou a ser a mais característica da banda da polícia e das bandas de música em geral: as apresentações musicais feitas em praça pública, neste caso, na praça da Municipalidade, a futura praça do Ferreira. A atividade de tocar em praça pública foi um denominador comum de toda a história da banda da polícia, local privilegiado onde ela exerceu seu papel como agente “civilizador”. Para além disso, a banda foi o ponto de contato que muitas pessoas da cidade de Fortaleza tiveram com a música de compositores locais, nacionais e estrangeiros, de estilos de composições que foram comuns nos programas de bandas militares de diversos países. Dentro da instituição policial, a banda foi marcada por uma espécie de proto-história, visto que nas disposições legais quase não são mencionadas diretrizes sobre sua organização e funções. A segunda fase, iniciada com a reativação da banda no ano de 1871 e finalizada em torno do ano de 1889 com a proclamação da República, caracterizou-se pela fixação da banda de música dentro da instituição por meio de regulamentação publicada nas leis provinciais e nos regulamentos específicos da instituição policial. É neste período que se dá a fixação do quadro de efetivos da corporação, a quantidade de músicos e dos respectivos soldos, situação que ajudou a firmar a banda dentro da estrutura organizacional da polícia. Além disso, assistiu também à definição, de forma um pouco mais clara, de questões centrais para a banda como a possibilidade de contratar civis para compor o grupo e a possibilidade de a banda tocar em eventos públicos e privados mediante pagamento. Estes dois aspectos delinearam uma banda de música de formato mais civil do que militar e uma banda cuja presença em vários espaços da cidade, tocando em eventos oficiais ou particulares, ao ar livre ou em espaços fechados, se alargou de forma significativa. A lucratividade que o dinheiro das contratações particulares trouxe à 359 banda acabou por provocar irregularidades na utilização do dinheiro. O montante que entrou deveria ser utilizado somente para o pagamento dos músicos, em consertos e compra de novos instrumentos. Porém, não foi isso que aconteceu. Os desvios do dinheiro da caixa da música foram feitos de forma não autorizada e para fins diferentes aos estipulados, irregularidades que foram facilitadas pela má escrituração dos livros de receita e despesa e pela descontinuidade nos registros. Nesta fase existem indícios do início do processo de aprendizagem musical no interior da banda com o objetivo de formar novos músicos para o grupo a partir das praças alistadas. Esta situação é evidenciada pela permissão dada às praças interessadas de ingressar na banda e pela menção à organização de classes de aprendizes de música. Na terceira fase, iniciada em torno de 1889 e indo até à deposição do governo Accioly em 1912, a banda da polícia passa por um momento de transição em que principia um processo de delineamento do formato militar pela imposição mais rígida das normas, disciplina militar, subordinação hierárquica e do exercício das funções policiais aos músicos. Desde o primeiro Regulamento expedido na Primeira República, o qual excluiu de sua organização os músicos contratados, que o processo de mudança se foi evidenciando. Na prática, no entanto, observou-se que a banda manteve civis no seu interior trabalhando, de graça ou ainda por contratos. A alteração do perfil da instituição teve sua primeira evidência clara na adoção de patentes para o mestre e contramestre de música que passaram a equivaler, na hierarquia militar, ao Primeiro-sargento e Segundo- sargento respectivamente. Em relação às práticas musicais da banda percebeu-se uma mudança com uma maior concentração da participação da banda em eventos oficiais militares em detrimento dos civis. O processo de aprendizagem musical interna da banda estruturou-se de forma plena com o alistamento de menores na corporação que assumiram o cargo de “aprendizes de música”, tendo sido atribuída ao contramestre a organização das aulas. A efetivação de um programa de formação musical, juntamente com a entrada de menores aprendizes contribuíram para que o grupo formasse seus próprios músicos e começasse a prescindir da ajuda de civis trabalhando na banda por contrato, assegurando assim uma perfeita transição da condição civil para uma condição estritamente militar da banda da polícia. Além disso, a dimensão formadora da banda ajudou também a formar mestres de música e a estimular a composição musical no interior da banda. Na quarta e última fase, iniciada por volta do ano de 1912 e indo até cerca de 1930, a banda completa sua mudança de condição civil para militar. Essa situação é demarcada pela assinatura do Convênio Federal em 1918 que transformou a corporação 360 da Polícia em Força Auxiliar do Exército Nacional. O grupo musical, que já vinha passando por alterações em sua condição, completa essa mudança definitiva com a adoção de patentes para todos os músicos, a utilização do uniforme do Exército, a participação dos músicos na Escola de formação de Sargentos e superiores, a integração nas atividades cotidianas do quartel, nas paradas e evoluções militares, nos eventos internos e até mesmo na execução das funções policiais. A contratação da banda permanece, mas pelo regulamento de 1932 esse dinheiro deixa de ser distribuído entre os músicos, que passaram a ganhar somente gratificações. Ao mesmo tempo, o controle desse dinheiro passou a ser feito de forma mais rigorosa e diretamente pelo Tesouro Estadual. Na introdução deste trabalho questionamos os motivos da existência de uma banda de música numa instituição policial, questão respondida ao longo do texto. Em primeiro lugar, ancorou-se no fato da banda de música estar inserida em uma instituição policial militar que adaptou uma matriz policial portuguesa à realidade brasileira. No sistema português de polícia, por sua vez adaptado de uma estrutura que vinha do Exército, a banda de música já se encontrava incorporada na organização militar desde o fim do século XVIII como um grupo que continha, além do tambor, trombeta e pífano, oboé, fagote e trompa. A partir do fim do Setecentos a banda de música ampliou o número de instrumentos fixando-se como uma formação instrumental típica dos regimentos militares, difundindo-se por vários países. Essa expansão envolveu a circulação de práticas musicais fazendo com que as realidades musicais locais se conectassem a processos transnacionais. A semelhança das práticas musicais executadas pelas bandas de música das instituições militares de diversos países ao longo do século XIX, fez com que a abrangência desta atuação fosse entendida por alguns musicólogos, a citar David Whitwell, Suzel Ana Reily, Katherine Brucher, Trevor Herbert e Helen Barlow, como um fenômeno musical de abrangência mundial. Esses conjuntos produziram práticas musicais com muitos aspectos semelhantes entre si. Por exemplo, a estrutura híbrida do conjunto com a presença de músicos civis e militares a atuarem conjuntamente; a inclusão de menores aprendizes em seus quadros de efetivos; a promoção de um comércio de música de partituras e instrumentos; o incentivo ao mercado de construção de instrumentos e consequente aquisição dos novos modelos; a intensa atuação das bandas na esfera pública, especialmente em concertos ao ar livre como os jardins públicos; a divulgação e incentivo as músicas e aos compositores locais. Desta forma, a presença de uma banda de música na Força Policial Militar do Ceará e no Brasil no século XIX não foi uma experiência local desenvolvida nas regiões brasileiras, mas seguiu um contexto 361 mais amplo, de uma tradição que se inventou e se espalhou nas realidades militares de vários lugares, adquirindo características próprias em sua esfera específica. Outro importante aspecto da difusão global das “bandas de música” é que coube aos militares a responsabilidade de patrocinar e desenvolver a música de sopros no século XIX. No Ceará, essa responsabilidade recaiu sobre a corporação policial militar que abrigou a banda de música e a conformou dentro de seus regulamentos policiais. Mesmo que a banda policial tenha servido aos propósitos do pensamento Oitocentista de “civilizar” a população por meio do entretenimento, objetivo primeiro da manutenção da banda pela corporação policial e pelo governo cearense, a influência do grupo musical policial no meio social local serviu para além deste pensamento “civilizador”, constituindo-se num polo de fomento cultural da cidade de Fortaleza. Esta contribuição pode ser conferida com o desenvolvimento de um comércio local de música, na participação da banda e dos seus elementos nos espaços de sociabilidade da cidade, no apoio aos compositores locais e na difusão de suas composições, no fomento a aprendizagem dos instrumentos de sopro. A estrutura híbrida das bandas militares foi também uma característica comum encontrada em bandas militares de países como Inglaterra e Portugal. Contudo, essa organização não foi uma mera transposição de práticas, mas se conformou à realidade particular da instituição policial do Ceará e da cidade de Fortaleza na segunda metade do século XIX. A falta de grupos musicais estáveis na “capital” cearense durante o Império, a boa relação mantida entre a banda da polícia e a população, a facilidade em contratá-la para eventos, a falta de escolas especializadas em música, todas estas questões ajudaram a fortalecer o grupo dentro da polícia e perante a opinião de uma parte da população da cidade. Como havia uma ausência interna na polícia de músicos que pudessem iniciar um conjunto musical, foi necessário contratar pessoas externas à instituição para poder fundar uma banda de música. Durante o Império, os músicos integrantes da banda não exerceram funções policiais uma vez que ela era formada por uma maioria de músicos civis. Contudo, esta situação mudará durante a Primeira República. Com a adoção de uma feição militarizada da Polícia neste período, a banda irá gradativamente distanciar sua participação na sociedade civil, tornando-se um grupo mais endógeno, voltado primeiramente para as necessidades internas da corporação. A banda passa a tocar principalmente em eventos ligados ao governo e de interesse da instituição diminuindo a participação nos eventos particulares. Foi a partir da diminuição da participação da banda nos acontecimentos da vida cultural de Fortaleza que se observa 362 um aumento do número de bandas e orquestras civis na cidade durante a Primeira República. Mesmo assim, os grupos que foram criados não se mantiveram ativos por muito tempo devido a falta de estabilidade financeira, o que demonstra a importância que foi o sustento dado pelo governo como base para a longevidade da banda da polícia cearense. Além disso, diferente do que ocorreu em outros países como a França e a Inglaterra, onde as bandas militares ajudaram a instituir escolas de música que futuramente formaram músicos de sopros civis e suas orquestras, os espaços de ensino de música estabelecidos em Fortaleza não se consolidaram como formadores de instrumentistas de banda. A escola de música fundada por Henrique Jorge no ano de 1919 e a dirigida por Edgard Nunes e Euclides da Silva Novo em 1926 ensinavam apenas alguns instrumentos de sopro como flauta e clarinete. Assim, nem a instituição de escolas de música formais ou os novos grupos musicais civis que surgiram no início do século XX, nem a atividade formadora da banda da polícia conseguiram instituir um ensino formal dos instrumentos de sopro que extravasasse o âmbito da polícia militar. A diminuição da participação da banda da polícia nos eventos civis não foi acompanhada pela ocupação desses eventos por conjuntos musicais não militares a longo prazo nem mesmo ajudou a fomentar a criação de instituições de música que se ocupassem da formação de novos instrumentistas de sopro. Os músicos que desejassem aprender instrumentos de sopro para além da clarinete e flauta continuaram a ter na banda de música da Força Policial Militar seu principal espaço de aprendizagem. A inserção de um grupo musical em uma instituição policial carregou em si implicações profundas de objetivos, ações, atuação e identidade, que foram mudando com o decorrer dos anos, tanto na relação mantida com a instituição policial quanto em sua relação com a população de Fortaleza. As práticas musicais e sociais vividas no interior do grupo foram se conformando ao longo dos anos com as modificações e reorganizações da Força Militar Policial aliado as mudanças de regimes políticos, provocando transformações naquilo que se entendeu por uma banda de música na polícia. Mesmo assim, as reorganizações não aconteceram de forma abrupta, como uma ruptura, mas foram feitas de forma gradual, como uma transição. As seis imagens da banda da polícia demonstram que ela se manteve em contínuo exercício ao longo dos anos, embora tenha mudado de aspecto, até incorporar definitivamente sua feição de policial militar. O regulamento de 1922 pode ser entendido como um ponto limite para as mudanças ocorridas em seu interior. Com a publicação deste regulamento a banda passa a suprir as necessidades internas da vida policial, atuando mais diretamente no quartel e os músicos 363 exercendo funções policiais. Contudo, para que isso acontecesse, foi necessário que o conjunto encontrasse seus próprios meios de subsistir sozinha enquanto grupo musical, sem a ajuda externa, ou seja, sem as contratações de músicos civis. A aprendizagem informal que se processa no seio da banda ainda no período do Império vai se organizando na Primeira República com o completo estabelecimento de classes de iniciação musical e da aprendizagem dos instrumentos de sopro. Com isso, o conjunto conseguiu suprir uma necessidade básica de qualquer grupo musical: a reposição de instrumentistas. Se no Império esta questão era menos sentida por ser possível contratar pessoas “prontas” externas, a “rigidez” que vai se estabelecendo na Primeira República com o processo de militarização fez com que novas alternativas surgissem neste período. A organização das classes de aprendizes de música, inicialmente de responsabilidade do mestre de música, depois do contramestre e músicos de 1ª classe, demonstrou ser uma solução viável para o aparecimento de novos instrumentistas. O impacto das bandas militares na vida cultural dos países não se limitou a uma linguagem “marcial” caracterizada pelos uniformes, pela sonoridade das marchas e dobrados, pelas evoluções em desfiles, mas deve ser compreendida em uma visão mais ampla, naquilo que Trevor Herbert e Helen Barlow traduziram por “identidade musical” das bandas militares. Neste conceito os autores incluíram outros temas que identificaram a sonoridade da música militar como o perfil dos músicos que integraram o grupo, os instrumentos que eles usaram, o repertório tocado, a instrumentação escolhida nas partituras e a forma de orquestrá-las. Em relação ao perfil dos músicos, o conjunto policial cearense pode ser caracterizado como uma banda miscigenada, conforme se constata na fotografia de 1879. A composição de uma banda de música formada por uma maioria de negros e, principalmente, do elemento miscigenado, indica a continuidade de uma prática existente desde o período colonial. A entrada de negros, miscigenados e brancos livres pobres na banda da polícia indica uma continuidade no envolvimento destes indivíduos na esfera do trabalho artesanal, constituindo a “banda de música” uma das opções disponíveis. Além do significado de qualificação, de aprendizagem de um ofício que o trabalho manual representava para essas pessoas, a participação em um grupo musical nos séculos XVI a XVIII significou também oportunidades de distinção social. Durante o século XIX, até o período anterior a abolição da escravidão, a banda da polícia cearense foi encarada como espaço de oportunidades. Ela continuou sendo um lugar de qualificação e aprendizagem de um ofício, mas também uma oportunidade de estudo, de inserção em uma cultura letrada, oportunidade de trabalho, de ascensão social e 364 econômica, ou seja, um espaço de reconhecimento, distinção pessoal e profissional. O caso de Pedro Gomes do Carmo, um cearense “pardo” que foi músico civil na polícia, contramestre, mestre de música e compositor bastante atuante e solicitado em Fortaleza na década de 1880 é significativo da representatividade da banda policial para esta camada da população cearense. Pedro Gomes trabalhou cerca de 17 anos na corporação policial a ponto de conseguir obter o direito a aposentadoria, concessão que foi dada a poucos músicos policiais. Sua trajetória indica que ele ascendeu aos postos mais altos da carreira de músico dentro da instituição, obteve reconhecimento tanto das autoridades policiais quanto da “elite” econômica e intelectual da cidade de Fortaleza por seus trabalhos como músico, mestre de música, professor, compositor e destaque pelo número significativo de composições. Depois da Abolição e durante a Primeira República o perfil socioeconômico dos indivíduos que se alistaram na banda da polícia não mudou, continuando a ingressar nas fileiras da instituição musical policial principalmente afrodescendentes de baixa renda vindos do interior. Esta situação esteve associada à situação econômica vivida no Ceará, baseada numa economia agroexportadora, frequentemente afetada por secas que atingiram principalmente a população do interior. As oportunidades de trabalho, as garantias “trabalhistas” oferecidas pela polícia, o direito a aposentadoria associado a possibilidade de aprender e exercer o ofício de músico fez com que muitos homens afrodescendentes continuassem a migrar para a capital para ingressar na Força Policial Militar depois de 1888. Além disso, a banda de música da polícia permaneceu sendo vista como um espaço de inclusão, de atração, de oportunidades e de mobilidade, principalmente para os das classes economicamente desfavorecidas do Ceará. A falta de trabalho e a carestia de vida do interior fez com que as oportunidades oferecidas pela instituição policial continuassem a ser um importante atrativo para os alistamentos da camada de renda mais baixa da população cearense. A atuação da banda da polícia se uniu às mudanças urbanas introduzidas em várias cidades brasileiras durante a segunda metade do século XIX e início do XX. Nesta realidade de transformações e modernização dos espaços públicos, a banda da polícia também foi encarada como símbolo de progresso e modernidade. As seis fotografias da banda policial apontam a importância dos instrumentos musicais para a corporação e como eles representaram “insígnias” de modernidade para a instituição. Os diversos novos modelos de instrumentos construídos com suas alterações mecânicas inovadoras registrados nas fotografias da banda, conectaram o conjunto policial com as inovações 365 instrumentais europeias e americana. É interessante observar como instrumentos recém- criados ou remodelados na Europa, como por exemplo os diversos modelos de saxhorns, saxofones, trompetes, aparecem no instrumental da banda da polícia, demonstrando como o grupo estava atento as novidades do meio musical de países como a França, Itália e Alemanha. A banda divulgou esses instrumentos e sua sonoridade por meio dos concertos públicos, principal meio de difusão desta sonoridade “moderna”. A compra dos instrumentos e de partituras de países diferentes acabou por provocar uma mistura na nomenclatura dos instrumentos usados pela polícia cearense. Esta miscelânea terminológica ocasionou em uma readaptação dos nomes dos instrumentos na polícia de forma distinta ao empregado no país de origem de fabricação e compra. A questão da importação de instrumentos de diferentes lugares acarretou também problemas na sonoridade da banda policial, uma vez que ela possuía instrumentos construídos em países que adotavam padrões de afinação distintos. Esta situação parece ter sido resolvida ou minimizada no ano de 1930, quando a Força Policial trocou seu instrumental importando de uma mesma fábrica, a Couesnou de Paris, adquirindo todos os instrumentos de um mesmo modelo, o Monopole. O catálogo se referia a linha Monopole como de alta qualidade, usada por vários músicos, inclusive pela Banda da Guarda Republicana de Paris. O fato de ser uma série usada por músicos e grupos considerados de destaque demonstra a importância para a banda da polícia do Ceará, e consequentemente para sua sonoridade, a uniformização do instrumental e a compra deste modelo da fábrica francesa. À semelhança do que ocorreu em outros lugares onde a banda militar foi atuante, também na banda cearense se notou a ausência de uma padronização dos instrumentos nas composições. Apenas no fim da década de 1920 é que se percebe uma mudança desse aspecto com a tendência a repetir uma instrumentação específica nas peças. A padronização na escolha dos instrumentos nas partituras ajudou a fomentar uma maneira específica de orquestrar observada nas músicas compostas na e para a polícia cearense em fins da década de 1920, baseada em uma textura em três partes onde alguns instrumentos fizeram as melodias, outros o acompanhamento e outros os contracantos. A padronização instrumental foi consequência também de um melhor equilíbrio sonoro entre as sonoridades graves, médias e agudas da banda, dispostas na formação instrumental escolhida nas músicas de fins da década de 1920, constatada pela inclusão mais constante da família dos saxofones e na escolha e distribuição mais balanceada das partes entre os instrumentos de palhetas e bocais. 366 Quanto ao repertório tocado pela banda policial cearense, observa-se uma semelhança com o repertório tocado por outras bandas brasileiras e estrangeiras. A execução de trechos de óperas, músicas de dança, marchas de passo ordinário e dobrado foram os gêneros musicais mais presentes nos programas das bandas militares do século XIX. A flexibilidade em tocar músicas baseadas em composições consideradas “eruditas” ao mesmo tempo que tocava composições consideradas “populares” colocou a “banda de música” em uma posição “intermediária” do cânone musical. Ao incluir em seus programas peças “eruditas” e “populares” a banda de música não foi definida em um lugar específico pelos estudiosos que iniciaram a sistematização da historiografia musical na segunda metade do século XIX. A definição dos cânones musicais que estabeleceram quais compositores e quais obras seriam representativas de uma cultura elevada, “erudita”, e quais as obras seriam consideradas “populares”, não incluíram o repertório tocado pelas bandas de músicas como representativo nem de uma cultura, nem de outra. A indefinição por um estilo de música específico colocou a banda de música nessa posição intermediária, de “fronteira”. Ao contrário do que se tentou concluir com esta indefinição, a posição “fronteiriça” da banda de música demonstrou muito mais versatilidade e ecletismo do grupo, pois indicou que ela transitou por espaços diferentes, manteve contato com duas culturas “aparentemente” distintas, circulando entre elas. A análise do repertório apontou que a banda policial deu, durante Império, mais ênfase à divulgação das obras dos compositores locais, à divulgação das danças europeias como as polcas, mazurcas, schottishes, valsas e a trechos baseados nas óperas de compositores europeus. Com o surgimento do cinema e das ondas radiofônicas esse repertório irá se modificar. Na década de 1920, a banda policial diminui a execução dos trechos de óperas de compositores europeus, troca as danças importadas de origem europeia pelas de origem americana, executando os fox-trots e ragtimes. O tango argentino entra em voga e as valsas vão adquirindo um caráter cada vez mais brasileiro. Começa a se ouvir mais maxixes e sambas ao invés da polca, gênero de dança que dominava no período do Império. Esta mudança estética está diretamente relacionada ao surgimento da mídia gravada que produz um novo tipo de escuta que não necessita da execução ao vivo para a difusão das composições e nem da presença do público em espaços e tempos determinados. Esta flexibilização da reprodução das músicas vai afetar o grupo musical da polícia. Com o crescimento do alcance cultural do rádio a partir da década de 1930 esse meio de comunicação vai pouco a pouco enfraquecendo as bandas de música como principais organismos divulgadores de música no seio da sociedade 367 cearense, especialmente nos espaços públicos das praças. As músicas reproduzidas pelas rádios tornar-se-ão mais influentes do que as músicas tocadas in loco pelas bandas de música. A partir deste momento outro período da história da banda policial do Ceará se inicia. 368 FONTES 1 Manuscritas: Arquivo Histórico Ultramarino AHU_CU_Cod 1522, fl. 08, 08v, 09, 09v, 10. Relação do que emportão anual-m.te as fardas, q. vencem os Officiais inferiores, e soldados dos dous Regimentos pagos de Infantaria desta Praça do R.e e cidade de Olinda, Comp.a da Artilharia, Fortalezas, e maiz Prezidios destas Capitanias do Perm.co AHU_CU_006, Cx 15, D.841. Anexo: 2ª VIA, relação das folhas eclesiásticas, civil e militar e mapas do Regimento Miliciano. SOUZA, Antônio Wilson Silva de. Figurinos Militares: iconografia manuscrita sobre o Brasil no Arquivo Histórico Ultramarino. Brasília: Arquivo Histórico Ultramarino, 2007. Arquivo Público do Estado do Ceará Ofício sobre a compra de instrumentos musicais para o Colégio dos Educandos. Data crônica: 1864, documento avulso não catalogado. Livro de “Registro da Receita e despesas da caixa da Musica do Corpo”, Data crônica: 1891-1894, documento avulso não catalogado. Fundo Leis e Resoluções provinciais e estaduais de 1868 a 1928. Governo da Província, Série Ofícios. Governo da Província, Série Minutas de Ofícios. Guia das Fontes da Polícia do Ceará, Série: Ofícios expedidos e recebidos. Guia das Fontes da Polícia do Ceará, Série: Matrículas. Guia das Fontes da Polícia do Ceará, Série: Regulamento Força Pública Militar. Guia das Fontes da Polícia do Ceará, Série Assentamento, Guia das Fontes da Polícia do Ceará, Série Folhas de Pagamento. Instituto Histórico da Polícia Militar do Ceará Livro 77 do Corpo de Segurança Pública (1890 à 1892), manuscrito não catalogado. Livro dos Músicos -1917 a 1922, documento não catalogado. 369 Livro da 1ª Cia - 1895, documento não catalogado. 3º Livro – Praça Estado menor, 1912- 1945, documento não catalogado. 1ª Cia. – 2º Livro – 1914-1915, documento não catalogado, 2 Documentos eletrônicos: Câmara dos Deputados Federais (disponível em: ) BRASIL. Colleção das Leis do Império do Brazil de 1831 - primeira parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1875. BRASIL. Colleção das Leis do Império do Brazil de 1834 - primeira parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. BRASIL. Colleção das Leis do Império do Brazil de 1839 - primeira parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1866. BRASIL. Colleção das Leis do Império do Brazil de 1850 - primeira parte. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, [s.d.]. BRASIL. Colleção das Leis do Império do Brazil de 1850 - Tomo XIII, parte II. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1851. Assembleia Legislativa do Ceará CEARÁ. Leis Provinciais: Estado e Cidadania (1835-1861). Compilação das Leis Provinciais do Ceará – comprehendendo os annos e 1835 a 1861 pelo Dr. José Liberato Barroso. Organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa. ed. Fac- similada da edição publicada em 1862. Fortaleza: INESP, 2009. 550p. 3 v. (Coleção Assembleia Histórica: Memória, Estado e Sociedade. Tomo I). CEARÁ. Leis Provinciais: Estado e Cidadania (1835-1861). Compilação das Leis Provinciais do Ceará – comprehendendo os annos e 1835 a 1861 pelo Dr. José Liberato Barroso. Organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa. ed. Fac- similada da edição publicada em 1862. Fortaleza: INESP, 2009. 730p. 3 v. (Coleção Assembleia Histórica: Memória, Estado e Sociedade. Tomo II). CEARÁ. Leis Provinciais: Estado e Cidadania (1835-1861). Compilação das Leis Provinciais do Ceará – comprehendendo os annos e 1835 a 1861 pelo Dr. José Liberato Barroso. Organizadores: Almir Leal de Oliveira, Ivone Cordeiro Barbosa. ed. Fac- similada da edição publicada em 1862. 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New York: Oxford University Press, 2001, 336-355. 392 DOCUMENTO SONORO BANDA do Corpo de Bombeiros. Banda do Corpo de Bombeiros e banda da Casa Edison.[Rio de Janeiro]: Biscoito Fino, [2002], 1 CD. 393 APÊNDICES 394 APÊNDICE A – Relação das despesas escrituradas no “Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo” - 1891-1894. Data Mês Compra Despesa (em réis) 1891 Junho Compra de utensílios para a musica 16$400 1891 Julho Compra de utensílios para a musica, e concerto de um tambor 32$000 1891 Julho Concerto de uma meza 8$000 1891 Julho Compra de tintas e parafuzos 3$400 1891 Julho Desconto de dinheiro na Thesouraria 1$000 [1891 Agosto a Dezembro Sem escrituração __________ ] [1892 Janeiro Sem escrituração __________ ] 1892 Fevereiro Importancia paga ao soldado 12$425 1892 Fevereiro Compra de 5 metros de corda para o tambor 1$000 1892 Março Concerto de uma estante para a musica 3$000 1892 Março Concerto de 14 lampeões 7$000 1892 Abril Compra de 2 ½ duzias de pares de luvas para os musicos 20$000 395 1892 Abril Compra de 1 par de pratos e 1 trombone 181$000 1892 Abril Compra de 1 clarineto em si bemol 40$000 1892 Abril Compra de velas para a musica 8$200 1892 Maio Compra de velas para a musica 2$100 1892 Maio Concerto na massêta do bombo $640 1892 Maio Importancia paga de uma palheta para clarineto $500 1892 Junho Compra de uma pele para o bombo 15$000 1892 Junho Compra de mais objetos para a musica 8$700 1892 Julho Compra de duas peles de camurça, 1 dúzia de palhetas e 1 boião de tinta 19$000 1892 Julho Concerto na masseta do bombo $800 1892 Agosto Compra de um bombo 120$000 1892 Setembro Compra de uma pele para o bombo 15$000 1892 Setembro Compra de uma fechadura 1$500 1892 Setembro Compra de cola e parafusos para consertos no Quartel 3$300 396 1892 Outubro Pago a Antonio Façanha Sobrº [Sobrinho] de objetos para a oficina de coronheiro (breu, pregos e outros objetos) 2$900 1892 Outubro Pago a Costa e [?] Cia [Companhia], de objectos para a mesma oficina de coronheiro 2$500 1892 Outubro Pele para o bombo 15$000 1892 Novembro Compra de 8 braças de corda para a cacimba $800 1892 Novembro Compra de um balde 3$000 1892 Novembro Compra de 12 metros de cabo de linho 3$800 1892 Novembro Uma pele para o bombo 15$000 1892 Novembro Duas peles para a caixa 13$000 1892 Novembro Uma pele para o bombo 15$000 1892 Novembro Concerto na masseta do bombo 1$500 [1892 Dezembro Sem movimentação _________ ] 1893 Janeiro Compra de um par de pratos e 1 dúzia e meia de palheta 117$500 1893 Janeiro Compra de um vidro para o relógio 8$000 397 1893 Janeiro Compra de 25 metros de torçal de seda 7$500 1893 Janeiro Compra de diversos objetos para a oficina de coronheiro 9$640 1893 Janeiro Compra de 3 fechaduras, 1 tijolo inglês e 2 folhas lixa 4$400 1893 Janeiro Compra de pregos dourados 1$800 1893 Fevereiro Compra de música 22$000 1893 Fevereiro Compra de duas polkas instrumentadas 20$000 1893 Fevereiro Compra de 20 cadernos de papel de musica 10$000 1893 Fevereiro Compra de 30 metros de torçal seda 9$000 1893 Fevereiro Compra de duas bandeiras 6$000 1893 Fevereiro Compra de duas reguas 5$000 1893 Fevereiro Compra de pregos de cabeça dourada 2$000 1893 Fevereiro Compra de 5 argolas e 11 metros de torçal seda 3$900 1893 Fevereiro Compra de uma fechadura para gaveta 1$000 1893 Março Compra de 2 peças cabo de linho para caixa e bombo 8$100 398 1893 Março Compra de uma pelle para o bombo 15$000 1893 Março Compra de um funil e concerto de 4 canecas para carregar água 4$000 1893 Abril Compra de uma fechadura para a Arrecadação 10$000 1893 Abril Conserto na pele do bombo 2$500 1893 Abril Compra de cinco vassouras 2$500 1893 Abril Conserto nas alças do bombo 3$500 1893 Abril Compra de vidro, argolas e verniz para um quadro 3$000 1893 Abril Compra de uma pele para o bombo 15$000 1893 Maio Compra de um par de pratos 70$000 1893 Maio Compra de torçal, lixa, tijolo, pregos e argolas 4$800 1893 Maio Compra de uma lata vazia para trabalhos no Quartel 14$000 1893 Maio Compra de material para conserto da mobilia do Quartel $400 1893 Maio Compra de dois galões de alcatrão 2$000 399 1893 Maio Importancia paga de uma carroça para carreto de umas botinas para a Arrecadação $500 1893 Maio Compra de quatro talhas para as Companhias 12$000 1893 Maio Compra de um pincel $640 1893 Maio Compra de 2 dúzias de palhetas e corda para o bombo 15$000 1893 Junho Compra de duas vassouras 1$200 1893 Julho Conserto de um relogio de parede do estado Maior 5$000 1893 Julho Compra de uma argola para o bombo 1$500 1893 Julho Compra de uma maceta para o bombo 2$000 1893 Julho Pago à duas carroças para conduzir botinas 2$000 1893 Julho Concerto na mobilia do Quartel 12$000 1893 Agosto Compra de instrumentos 229$000 1893 Agosto Compra de um metrônomo para a música 25$000 1893 Agosto Conserto de oito instrumentos 8$000 400 1893 Agosto Compra de 13 metros de cabo de linho 5$200 1893 Agosto Compra de 2 regadores para o Quartel 5$000 1893 Agosto Compra de 3 porcas para o talabarte da bandeira 2$000 1893 Agosto Compra de 1 boião de tinta para o arquivo da música 2$000 1893 Agosto Compra de uma maceta para o bombo 1$500 1893 Agosto Compra de uma barrica para a limpeza do quartel $800 1893 Setembro Compra de 1 pele para o bombo e 4 palhetas 17$000 1893 Setembro Compra de 1 pele para o bombo 15$000 1893 Setembro Compra de 4 latas vazias para o serviço do Quartel 1$300 1893 Setembro Compra 2 barris vazios para o serviço do Quartel 6$000 1893 Setembro Compra de 12 arriatas para o bombo 3$600 1893 Setembro Importancia paga por uma carroça para conduzir objetos para o Quartel 1$000 401 1893 Setembro Importancia paga por uma carroça para conduzir objetos para o Quartel [outra] 1$000 1893 Outubro Conserto de uma armação para conduzir canecos d’água 3$500 1893 Outubro Compra de 5 galões de alcatrão para o Quartel 5$000 1893 Outubro Compra de 5 galões de alcatrão para o Quartel [outro] 5$000 1893 Novembro Compra de um cadeado 13$000 1893 Dezembro Compra de 1 dúzia de palhetas e 1 corda para o bombo 10$000 1893 Dezembro Importancia paga a duas carroças para conduzir fardamento 2$000 1894 Janeiro Pago á Joaquim José de Oliveira [?] e Companhia por objetos para a Escola Regimental 97$960 1894 Fevereiro Compras para aceio da Escola Regimental 23$850 1894 Fevereiro Compra de 1 dúzia de tábuas para os bancos da Escola Regimental 12$000 1894 Fevereiro Compra de 1 funil e caneco para condução d’água 5$000 402 1894 Fevereiro Importancia paga pelo feitio de um quadro para a Secretaria 5$000 1894 Fevereiro Compra de objetos para o Quartel 4$650 1894 Fevereiro Compra de 1 moldura dourada para um quadro da Secretaria 5$000 1894 Fevereiro Compra de 3 garrafas alcool para verniz 5$000 1894 Fevereiro Compra de objetos para bancos da Escola 1$000 1894 Fevereiro Importancia paga pelo aluguel de uma carroça para conduzir botinas 1$000 1894 Março Pago a Costa e Companhia por objetos para a Arrecadação 30$200 1894 Março Pago a Manuel Moraes pelo conserto na mobília do Quartel 30$200 1894 Março Pago a Gualter R. Silva pela compra de giz para a Escola Regimental 2$000 1894 Março Pago a A. [?] do Amaral e Filho pela compra de um serrote para o Quartel 2$000 1894 Abril Pago a José Rodrigues por uma barra fixa para o Quartel 48$000 403 1894 Abril Pago por uma colher de pedreiro 3$000 1894 Abril Pago pelo feitio de 4 chapas de ferro para as solitárias 3$000 1894 Abril Pago por uma saca de cal para consertos no Quartel 2$500 1894 Abril Pago por uma cola e parafuso para consertos no Quartel $800 1894 Abril Pago por cinco canecos de flandres $700 Fonte: Livro de Registro da Receita e Despesas da Caixa da Musica do Corpo”, documento não catalogado, data limite: 1891-1894, APEC. 404 APÊNDICE B – Inventário do repertório da Força Militar de Polícia do Ceará segundo os periódicos cearenses publicados de 1854 a 1932. Entrada das composições por década. Total de composições levantadas: 341. Composições tocadas ao longo de todas as décadas: 1. [FRANCISCO MANUEL DA SILVA] - HINO Nacional do Império Brasileiro – [1854-1889]. 2. [OSORIO DUQUE ESTRADA/FRANCISCO MANUEL DA SILVA] - HINO Nacional Brasileiro – [1889-1932]. Década de 1870: 1. [?] - HINO de D. Maria I – 1873. 2. [?] - Variação – 1874, 1887. 3. [D. PEDRO I/ EVARISTO DA VEIGA] - HINO da Independência – 1879. 4. [?] – “Marcha Retour” – 1879. 5. [CHARLES LECOCQ]- Valsa “M.me Angout” [La fille de Madame Angot, ópera] – 1879, 1880, 1886, 1887. 6. [?] - Ária da Ópera “Beatira” – 1879. 7. [GIUSEPPE VERDI] – Ária da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1879. 8. [ROBERT PLANQUETTE] - Valsa dos “Cloches de Corneville” ou “Os sinos de Corneville” [Les cloches de Corneville, ópera] – 1879,1880. 9. [GIUSEPPE VERDI] - “Luiza Miller” [Luisa Miller, ópera] - 1879 10. [?] - Dobrado “Marvocio” – 1879. Década de 1880: 1. [?] – Tango – 1880. 2. MANOEL LUIZ DE FRANÇA LIMA – Galope “Ferro Carril” – 1880. 3. [ROBERT PLANQUETTE] - Valsa dos “Cloches de Corneville” ou “Os sinos de Corneville” [Les cloches de Corneville, ópera] – 1879, 1880. 4. MANOEL MAGALHÃES – Batalha “Um assalto á noite” – 1880. 5. MANOEL MAGALHÃES – “Liberdade e Heroísmo” – 1880. 6. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Polca “Cavalleiros do prazer” – 1880. 405 7. [GAETANO DONIZETTI] – Cavatina da ópera “Lucia” – [Lucia di Lammermoor, ópera] – 1880, 1884, 1886,1887. 8. JOÃO MOREIRA DA COSTA – – Schottish “Perseverança e Porvir” – 1880, 1881. 9. [?] – Marcha – 1880, 1884, 1886, 1887, 1890. 10. [CHARLES LECOCQ] - Valsa “M.me Angout” [La fille de Madame Angot, ópera] – 1879, 1880, 1886, 1887. 11. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Polca – 1880, 1887, 1890. 12. [?] – Dobrado – 1880, 1887. 13. [?] – HINO de Portugal – 1880, 1900. 14. VICENTE GUILHERME D’AZEVEDO – Valsa “A desventura de um expatriado” – 1881. 15. HERMINO GOMES PIMENTA FILHO – “Fa-fou-fa” – 1881. 16. FREDERICO SEVERO - Ouverture da opereta "Viagem a lua" – 1881. 17. FREDERICO SEVERO – Hino da “Sociedade Cearense Libertadora” – 1881, 1882. 18. JOAQUIM CAHN – Polca “Candinha” – 1881, 1883. 19. JOÃO GONÇALVES DIAS SOBREIRA – Dobrado – 1882. 20. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Aguiar” – 1882. 21. MANOEL NAPOLEÃO DE LAVOR – Polca “Izabel” – 1882. 22. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Club Familiar” – polca – 1882. 23. MANOEL LUIZ DE FRANÇA LIMA – Schottish “Reform Club” – 1882. 24. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Ibiapaba” – 1882. 25. VICENTE SIDON / Arr. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Menina” – 1882. 26. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Tito Rocha” – 1882, 1886. 27. SURANO SEPÚLVEDA – Valsa “Sinhá” – 1883. 28. [?] – Marcha “Ignacia” – 1883. 29. [?] – Marcha “Évora” – 1883. 30. [?] – Recitativo – 1883, 1884, 1886, 1890. 31. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “União” – 1883. 32. MANOEL LUIZ DE FRANÇA LIMA – Batalha “24 de Maio” - 1883. 33. CAPELL – Valsa “Saudades” – 1883. 34. [?] – Valsa “Saudades do Maranhão” – 1883. 35. [?] – Variação da ópera “Mastra”(?) ou “Maicha” (?) – 1883, 1884. 36. MANOEL NABUCO DE OLIVEIRA – Valsa “Orphã” – 1883. 37. [?] – Galope “Sinimbá” – 1883. 406 38. HERMINO GOMES PIMENTA FILHO – Mazurca “A Flôr do Baile” – 1883. 39. EUPHRASIO ANTONIO GONSALVES – Polca “As lanternas” – 1883. 40. [GEORGE FRIDERIC HANDEL] - Ária da ópera “Ptolomeu” [Tolomeo, re d’Egitto, ópera] – 1883. 41. EUPHRASIO ANTONIO GONSALVES – Havaneira “Despedida” – 1883. 42. ANTONIO MARTINS / PEDRO GOMES DO CARMO – Hino da Libertação de Canindé – 1883. 43. HERCULANO JOSÉ DE ALMEIDA – Fantasia “Romper d’Alva” - 1883. 44. [?] – Marcha nº 2 – 1883. 45. GAETANO DONIZETTI – Cavatina da ópera “Torquato Tasso” [Torquato Tasso, ópera] – 1883, 1884. 46. HERMINO GOMES PIMENTA FILHO – Fantasia “A Camponeza” – 1883, 1887. 47. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “A moça” – 1883. 48. PEDRO GOMES DO CARMO – Variação “Florzinha” – 1883. 49. [?] – Marcha nº1 – 1883. 50. HERCULANO JOSÉ DE ALMEIDA – Valsa “Rendez-vous des amis” – 1883. 51. MANOEL NAPOLEÃO DE LAVOR – Dobrado “Saudades” – 1883. 52. [?] – Marcha “18 de agosto” – 1883. 53. PEDRO GOMES DO CARMO – Marcha “24 de maio” – 1883. 54. HERMINO GOMES PIMENTA FILHO – Polca “23 de Outubro” – 1883,1884. 55. [?] – Marcha “Victoria” - 1883, 1884, 1886. 56. [?] – Ouverture – 1883, 1886, 1889, 1890. 57. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Phenix Caixeiral” – 1884. 58. [?] – Marcha “Conceição” – 1884. 59. PADRE JOSÉ MARIA MANTÉRO/JOÃO MOREIRA DA COSTA – Hino “D. Joaquim” – 1884. 60. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Bellinho” – 1884. 61. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Severo” – 1884. 62. [?] – Valsa “Amores” – 1884. 63. MANOEL MAGALHÃES – Hino “Reform Club” – 1884. 64. OLIVEIRA PAIVA/PEDRO GOMES DO CARMO – Hino religioso – 1884. 65. ANTONIO MARTINS/ PEDRO GOMES DO CARMO – Hino da “Redempção” – 1884. 66. H. GOMES [HERMINO GOMES PIMENTA FILHO] – “A moreninha” – 1884. 407 67. MANOEL NAPOLEÃO LAVOR – Dobrado – 1884. 68. FREDERICO SEVERO – “Leopoldina” – 1884. 69. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Marcha – 1884. 70. PEDRO GOMES DO CARMO – Variação – 1884. 71. MANOEL LUIZ DE FRANÇA LIMA – Variação – 1884. 72. MANOEL F. L. DOS SANTOS – Polca “Gloria dos cearenses” – 1884. 73. [?] – Grande Marcha Real – 1884. 74. [FRANZ VON] SUPPÉ – Marcha “Juanita” [Donna Juanita, opereta] – 1884. 75. GIOACHINO ROSSINI – Arietta – 1884. 76. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Saudades do 15º” – 1884. 77. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Club Iracema” – 1884. 78. [?] – Hino “25 de março” – 1884. 79. FREDERICO SEVERO – Habanera – 1884. 80. [?] – Ouverture da Ópera “Os três capitães” – 1884, 1886, 1887,1890. 81. [JOHANN STRAUSS JR.] – Valsa “Danúbio Azul” [An der schönen blauen Donau, op. 314, valsa] – 1885. 82. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Valsa “Club Cearense” – 1885. 83. [?] – “Zé Pereira” – 1885. 84. [GIOACHINO ROSSINI] – Trechos da ópera “Barbeiro de Sevilha” [Il Barbieri di Siviglia, drama jocoso] – 1885. 85. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Leopoldo” – 1885. 86. HERCULANO JOSÉ DE ALMEIDA – Valsa “Ernestina” – 1885. 87. HERCULANO JOSÉ DE ALMEIDA – Polca “Lindina” – 1885. 88. PEDRO GOMES DE CARMO – Polca “24 de junho” – 1885. 89. ANTONIO MARTINS/PEDRO GOMES DO CARMO – Hino da sociedade “Rocha Lima” – 1885. 90. [JOÃO MOREIRA DA COSTA] – Valsa “Bello sexo” - 1885, 1887. 91. RODOLPHO GARCIA – Polca “Diva” – 1886, 1887. 92. [?] – Grande Marcha – 1886. 93. [MERCADANTE, Saverio] – Cavatina da ópera “Regente” [Il Regente, drama lírico] – 1886. 94. [FRANZ VON SUPPÉ] – Valsa da opereta “Boccacio” [Boccaccio, opereta] – 1886. 95. [GAETANO DONIZETTI] – Cavatina da ópera “Favorita” [La Favorite, ópera] – 1886. 408 96. [GIUSEPPE VERDI] – Pot-pourri da ópera “Il Trovatore” [Il trovatore, ópera] – 1886, 1887. 97. [GIUSEPPE VERDI] – Fantasia da ópera “Aida” [Aida, ópera] – 1886. 98. PEDRO GOMES DO CARMO – Dobrado “Casa Severo” (ou “A Casa do Severo”) – 1886. 99. [?] – Valsa “Bem poderás ser minha” – 1886. 100. [?] – Valsa “Le Bernard” – 1886. 101. [?] – Habanera “Silverio” – 1886. 102. [?] – Valsa “Saudades da Leonora” – 1886. 103. [GIOACHINO ROSSINI] – Cavatina da ópera “Barbeiro de Sevilha” [Il Barbieri di Siviglia, drama jocoso] – 1886. 104. [?] – Variação de oficleide – 1886, 1887. 105. [?] – “Polonesa” – 1886, 1887. 106. GIUSEPPE VERDI – Cavatina da ópera “Ernani” [Ernani, drama lírico] – 1886, 1887. 107. [E. MARIE] – Ouverture “Un coeur d’or” ou “Um coração de ouro” – 1884, 1886, 1887. 108. CARLOS GOMES – Pot-pourri da ópera “Guarani” [Il Guarany, ópera] – 1886, 1887. 109. [GAETANO DONIZETTI] – Ária da ópera “Gemma” [Gemma di Vergy, tragédia lírica] – 1886, 1887. 110. [GIUSEPPE VERDI] – Fantasia da ópera “Nabucodonossor” [Nabucco, drama lírico] – 1886, 1887, 1929. 111. [?] - Variação – 1874, 1887. 112. [?] – “Saudades de Leonor” – 1887. 113. PEDRO GOMES DO CARMO – Variação “Gymnasio Cearense” – 1887. 114. GIUSEPPE VERDI – Mizerere da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1887, 1890. 115. FRANZ VON SUPPÉ – Fantasia da opereta “Boccacio” [Boccaccio, opereta] – 1887. 116. GIUSEPPE VERDI – Cavatina da ópera “Atila” [Attila, drama lírico] – 1887. 117. [?] – Valsa “Carolina” – 1887. 118. PEDRO GOMES DO CARMO – “Miuças a granel” – 1887. 119. [?] – Marcha “Amalia” – 1887. 409 120. [E. MEZZACAPO] – Valsa “Sympathie” – 1887. 121. [?] – Valsa “Bem pudera ser minha” – 1887. 122. [GIOACHINO ROSSINI] – Ouverture da ópera “Barbeiro de Sevilha” [Il Barbieri di Siviglia, drama jocoso] – 1887. 123. [GIUSEPPE VERDI] – Marcha da ópera “Um baile de máscara” [Un ballo in maschera, drama lírico] – 1887. 124. [GIUSEPPE VERDI] – Cavatina da ópera “La traviata” [La Traviata, ópera] – 1887. 125. [FRIEDRICH VON FLOTOW] – Variação da ópera Martha [Martha, ópera cômica] – 1887. 126. [?] – Polca “Luiz entrando no baile” – 1887. 127. PEDRO GOMES DO CARMO – Valsa “Libro-papelaria” – 1887. 128. [GIUSEPPE VERDI] – Ouverture da ópera “O conde de São Bonifácio” [Oberto, Conte di San Bonifacio, ópera] – 1887. 129. [?] – Valsa “Conchita” – 1887. 130. [?] – Dobrado “Saudades do Crato” – 1887. 131. [?] – Dobrado “Ventura” – 1887. 132. [?] – Valsa “Maria” – 1887. 133. [?] – Polca “Talvez não queira” – 1887. 134. [GIUSEPPE VERDI] – Pot-pourri da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1887. 135. [GIUSEPPE VERDI] – Fantasia da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1887, 1890. 136. [GIOACHINO ROSSINI] – Fantasia da ópera “Barbeiro de Sevilha” [Il Barbieri di Siviglia, drama jocoso] – 1887. 137. [GILBERT-LOUIS DUPREZ] – Polca da opereta “D. Joanita” [Joanita, ópera] – 1887. 138. [?] – Dobrado “Barradas” – 1887. 139. [?] – Bolero obrigado a oficleide – 1887. 140. [?] – Tango “É castigo ou não é” – 1887. 141. [?] – Marcha grave – 1887. 142. [JOSEF GUNG’L] – Valsa “Die Hydropaten” – 1887. 143. [?] – Dobrado “De graças estou farto” – 1887. 144. [?] – Pot-pourry carnavalesco – 1887. 410 145. [?] – Valsa “Terezinha” – 1887. 146. [?] – Habanera “Honorata chorou…” – 1887. 147. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Valsa “Separação” – 1887. 148. [?] – Valsa – 1887, 1890. 149. [?] – Variação obrigado a requinta – 1887. 150. [?] – Dobrado “Apulcho de Castro” – 1887. 151. [GIUSEPPE VERDI] – Cavatina da ópera “Nabucodonossor” [Nabucco, drama lírico] – 1887 152. [?] – Valsa Dinorah – 1887. 153. [?] –Valsa “Estrella do Norte” – 1887. 154. [?] – Dobrado “Triumpho” – 1887 155. [?] – Quadrilha histórica do Affonso Duque – 1887. 156. [?] – Boleiro [ou Bolero ?] – 1887. 157. [VINCENZO BELLINI] – Dueto da ópera “Beatriz da Tenda” [Beatrice di Tenda, tragédia lírica] – 1887. 158. [?] – Dobrado “Espírito Santo” – 1887. 159. [GIUSEPPE VERDI] – Seleção da ópera “Macbeth” [Macbeth, ópera] – 1887. 160. [?] – Hino “Iracema” – 1887. 161. [?] – Dobrado “Espírito Santo” – 1887. 162. PEDRO GOMES DO CARMO – Polca “Restaurant Bemfica” – 1887. 163. [GIUSEPPE VERDI] – Cavatina da ópera “Um baile de máscara” [Un ballo in maschera, melodrama] – 1887 164. PEDRO GOMES DO CARMO – “Alda” – 1888. 165. JOAQUIM PACÍFICO DE SOUZA – Polca “Joaninha Rossas” -1888. 166. JOÃO FRANCISCO GOMES – Polca “Gerardinho” – 1888. 167. [CLAUDE JOSEPH ROUGET DE LISLE] - Hino “Marselhesa” [La Marseillaise] – 1889. 168. MANOEL MAGALHÃES – Hino Republicano Cearense – 1889. Década de 1890: 1. [?] – Ouverture da Ópera “Os três capitães” – 1884, 1886, 1887,1890. 2. [?] – Valsa – 1887, 1890. 3. [?] – Marcha – 1880, 1884, 1886, 1887, 1890. 411 4. GIUSEPPE VERDI – Mizerere da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1887, 1890. 5. [?] – Ouverture – 1883, 1886, 1889, 1890. 6. [GIUSEPPE VERDI] – Fantasia da ópera “O Trovador” [Il trovatore, ópera] – 1887, 1890. 7. JOÃO MOREIRA DA COSTA – Polca – 1880, 1887, 1890. 8. JOSÉ G. JUSTA – (Grande) Valsa “Evangelina” – 1890. 9. [CARLOS GOMES] – Sinfonia da ópera “Il Guarany” [Il Guarany, ópera] – 1890. 10. R. BELLINI – Grande marcha republicana “Quinze de novembro” – 1890. 11. [?] – Marcha “Progresso da República” – 1890. 12. [?] – Dobrado “Corpo de Segurança” – 1890. 13. [?] – Grande valsa “Alíser” – 1890.- [?] – Valsa “Gato Preto” – 1890. 14. [VICENZO BELLINI] – Variação da ópera “Sonâmbula” para clarinete [La sonnambula, ópera] – 1890. 15. [?] – Dobrado “Corpo de Segurança” – 1890. 16. [?] – Cavatina “ O anjo supremo” – 1890. 17. [?] – Grande Valsa “Les Faunes” – 1890. 18. [?] – Polca “Os teus encantos” – 1890. 19. [?] –Valsa “Alice” – 1890. 20. [?] – Marcha “Continência” – 1890. 21. CARLOS GOMES – Ave Maria da ópera “Guarani” [Il Guarany, ópera] – 1890. 22. [?] – Polca “Camponez” – 1890. 23. [?] – Cavatina – 1890. 24. [?] – Polca “Parangaba” – 1890. 25. [?] – Valsa “Gato-preto” – 1890. 26. [?] – “Gran-via” – 1890. 27. MANOEL LUIZ DE FRANÇA LIMA – Dobrado “Corpo de Segurança” – 1890. 28. MARIANA JUSTA MENDES – Polca “Club União” – 1891. 29. PEDRO ALVES FEITOSA – Valsa “Pomone” – 1893. 30. PEDRO ALVES FEITOSA – Valsa “Expressiva” – 1893. 31. PEDRO ALVES FEITOSA – Polca “Julieta” – 1893. 32. JOAQUIM PACÍFICO DE SOUSA – Polca “Não vae nada” – 1897. 412 Década de 1900: 1. [?]- HINO de Portugal – 1880, 1900. Década de 1910: [NENHUMA REFERÊNCIA] Décadas de 1920-30: 1. L. [LUIGI] M.[MARIA] SMIDO – Marcha “Porto Alegre” – 1928. 2. V. MUGUAI – Fox-trot “Soberano” – 1928. 3. L. [LUIGI] M.[MARIA] SMIDO – Marcha “Folle” – 1928. 4. P. MONTEROSO – Polca varista “Yspirazione” – 1928. 5. J. M. ABREU – Fox-trot “Allah” – 1928. 6. M. SILVA – Dobrado retirato “Tenente Christovam” – 1928. 7. A: [ANTONIO] MOREIRA – Valsa “Doce Enlevo” – 1928, 1929. 8. L. [LUIZ] SALDANHA – Valsa “Hilda Jucá” – 1928, 1930. 9. A.THOMAZ – Ouverture “Raymundo” – 1928, 1930. 10. [GIUSEPPE VERDI] – Fantasia da ópera “Nabucodonosor” [Nabucco, drama lírico] – 1886, 1887, 1929. 11. CARLOS GOMES – Romance “Noite do Castelo” [A noite do castelo, ópera] – 1929. 12. JACOMINO – Maxixe “Carnaval á noite” – 1929. 13. J. SOBREIRA – Maxixe “Papagaio Falador” – 1929. 14. J. MARINHO – Dobrado “Cap. Dourado” – 1929. 15. J. BICUDO – Maxixe “Pra ter sabor” – 1929. 16. E. SOUTO – Maxixe “É sim Sinhô” – 1929. 17. G. ALLIER – Marcha “Le Conscrit” – 1929. 18. R. ELLEMBERG – Marcha “Veneziana” – 1929. 19. F. [FRANCISCO] LÉO – Valsa “Revivendo o passado” – 1929. 20. J F. [FRANCISCO] BARROSO – Valsa “Aos que sonham” – 1929. 21. J. [JOUBERT] CARVALHO – Maxixe “Eu gosto de você” – 1929. 22. M. [MANUEL] JULIÃO – Marcha “Rosa Chaves” – 1929. 23. A. C. ADAM – Ouverture “Se fora lei” – 1929. 24. T. [TONHECA] DANTAS – Valsa “Delírio” – 1929. 25. PADILHA – One-step “Les Cocardes” – 1929. 26. CARLOS GOMES – Fantasia “O Escravo” [Lo Schiavo, ópera] – 1929. 413 27. N. DONIZETTI – Valsa lenta “Tua imagem” – 1929. 28. J. [JOUBERT] CARVALHO –Toada sertaneja / samba “Sacy Pereré” – 1929. 29. J. SOBREIRA – Fox-trot “Lacaio” – 1929. 30. F. DESGRANDES – Marcha “Paulettes” – 1929. 31. ALMICARE PONCHIELLI – Terceto e dueto da ópera “La Gioconda” [La Gioconda, ópera] – 1929. 32. A. C. ADAM – Fantasia “Se fora rei” – 1929. 33. G. GRAF – Marcha “Of the seasons” – 1929. 34. J. B. LIMA – Tango “Eu ouço falar” – 1929. 35. RICHARD WAGNER – Marcha “Tannhauser” [Tannhäuser und der Sängerkrieg auf Wartburg, ópera] – 1929. 36. TONHECA DANTAS – Valsa “Novinha” – 1929. 37. S. [SILVA] NOVO – Marcha “Rosa Maia” – 1929. 38. S. [SILVA] NOVO – Valsa “Zenaide [Ramos]” – 1929. 39. N. S. – Tango argentino “Ouço Falla” – 1929. 40. J. F. CHAGAS – Valsa “Ruth Benevides” – 1929. 41. R. MORENO – Tango argentino “De regresso” – 1929. 42. R. [RAMON] COLLAZO – Tango argentino “Mamã, yo quiero um novio” – 1929. 43. QUIRINO MAIA – Valsa “Vôo da saudade” – 1929. 44. F. [FRANCISCO] ALVES – Samba “Amor de Malandro” – 1929. 45. N. S. - Dobrado “Saudades de minha terra” – 1929. 46. FRANZ VON SUPPÉ – Ouverture “Poet and Peasant” – 1929. 47. CARLOS GOMES – Ouverture “Invocação aos Aymorés” [Il Guarany, ópera] – 1929. 48. S. [SILVA] NOVO – Rag-time “Miss Fortaleza” – 1929. 49. G. [GIUSEPPE] VERDI – Grande fantasia “Falstaff” [Falstaff, comédia lírica] – 1929. 50. F. [FRANCISCO] BARROSO - Dobrado “Saudades do Ramal” – 1929. 51. J. TESCARI – Fox-trot “Rouge” – 1929. 52. J. [ZEQUINHA] ABREU – Rag-time “Parinando” [Patinando] – 1929, 1930. 53. J. GAYA – Cena de apache “Tango da Morfina” – 1929, 1930. 54. S. [SILVA] NOVO – “Miss Prainha” – 1929,1930. 55. F. [ou E.?] SOUTO – Valsa “Um beijo ao luar” – 1929,1930. 56. A. [ANTONIO] MOREIRA – Valsa “(Miss) Maria Luiza” – 1929,1930. 414 57. R. VIEIRA – Rag-time “Senhorinha Brasil” – 1929, 1930. 58. A. COUTO – Valsa “Aida” – 1929, 1930. 59. N. S.- Dobrado “Sonhador” – 1929, 1930 60. [?] - Dobrado “4 dias de viagem” – 1929,1930. 61. J. F. CHAGAS – Samba “As massadas da Trindade” – 1929, 1930. 62. N.S. – Hino cantado “João Pessoa” – 1929, 1930. 63. J.THOMAZ – Samba cantado “Caiu de podre” – 1929, 1930. 64. F. [FRANCISCO] BARROSO - Dobrado “Saudades do Ramal” [ou “rama” ? ou “Senador Ramal” ?) – 1929, 1930. 65. PARAGUASSÚ – Samba “Triste Cabocla” – 1929, 1930. 66. R. VIEIRA – Marchinha “Miss Brazil” – 1929, 1930. 67. G. [GIOACCHINO] ROSSINI – Sinfonia “La gazza ladra” [La gazza ladra, ópera] – 1929, 1930. 68. CARLOS GOMES – Final do 3º Ato “Invocação aos Aymorés” [Il Guarany, ópera] – 1929, 1930. 69. S. NASALLI-ROCCA – Marcha “Abruzzi” – 1929, 1930. 70. LIMA PESCE – Tango argentino “Esqueça-me” – 1929, 1930, 1931. 71. N. S.- Dobrado simfônico “Major Poggy” – 1929, 1930, 1931. 72. [?] - Dobrado “Padre Adonias Villar” – 1929,1930,1931. 73. T. [TONHECA] DANTAS – Valsa “Odete” – 1929, 1930, 1931. 74. F. FUCIK – Marcha “Os filhos do Regimento” – 1929,1930,1931. 75. SIDNEY JONES – Fantasia “Geisha” – 1929,1930, 1931. 76. M. RIBEIRO – Valsa “Ayrtes” – 1929, 1930, 1931. 77. [CHARLES] LECOCQ – Fantasia “O Duquesinho” [Le petit duc, ópera cômica] – 1929,1930, 1931. 78. M. RIBEIRO – Valsa “Saudades” – 1929,1930,1931. 79. S. [SILVA] NOVO – Marcha cantada “Patria Nova” – 1929, 1930, 1931. 80. J. BAPTISTA – Valsa “Os teus olhos” – 1929, 1930, 1931. 81. JEAN GILBERT – Grande seleção “Casta Suzana” [Die keusche Susanne, opereta] – 1929,1930, 1931. 82. LÉO FALL/OSCAR FETRÁS– Fantasia “Princeza dos Dollars” [Dollarprinzessin, operetta] – 1929, 1930,1931. 83. S. [SALVADOR] GRANATA – Fox-trot “Marabú” – 1929, 1931. 84. FRANCESCO AMOROSO – Marcha “Palermo” – 1929, 1931. 415 85. J. BAPTISTA – Fox-trot “Caçador de Ilusões” – 1929,1931. 86. [GIUSEPPE VERDI] – Sinfonia da ópera “Nabucodonossor” [Nabucco, drama lírico]- 1929,1931. 87. A. PERENOCO –Tango argentino “Pidad” (ou tango salão “Piedade”) – 1929, 1931. 88. J. BASTOS – Samba “Assim é que é” – 1929, 1931. 89. L. [LOUIS] GANNE/L. GOMEZ – Marcha “Le père la victorie” – 1929, 1931. 90. NELSON FERREIRA – Marchinha (cantado)“Lalá” – 1929, 1931. 91. FRANZ LEHÁR – Fantasia da “Viúva Alegre” [Die liustige Witwe, opereta] – 1929, 1931. 92. M. [MANOEL]FELIX [DO NASCIMENTO FILHO] – Marcha “Sophia” – 1929, 1931. 93. J. [JOHN] T. [HALL] – Valsa “Die hochzeit der Winde” ou “Casamento dos Ventos” – 1929, 1930, 1931. 94. LUCY BARROSO – Marcha “Juarez Távora” – 1929, 1930, 1931. 95. BÉLA KELER - Ouverture “Lustspiel” – 1929, 1930, 1931. 96. RAYMUNDO GUILHERME - Dobrado “Os voluntarios” – 1929, 1930, 1931. 97. [MANUEL PENELLA/] R. SOUTULLO – Grande fantasia “O gato montês” [El gato montés, ópera] – 1929, 1930, 1931. 98. R. TORRES – Samba cantado (samba-canção) “Verde e Amarello – 1930, 1931. 99. ALMICARE PONCHIELLI / G. MARINI – Terceto e dueto final da ópera “La Gioconda” [La Gioconda, ópera] – 1930. 100. M. [MARTINHO] J. [JOSÉ] MONTEIRO – Valsa “Chá-Concerto”, solo de piston – 1930,1931. 101. [MOMMÉJA] - Dobrado “Fend l’air ” – 1930. 102. MONAY - Dobrado “56º Brigada” – 1930. 103. A.VEIGA – Valsa “Canção das ondas” – 1930. 104. JOUBERT [CARVALHO] – Marcha (cantado) “Pra você gostar de mim” (tahi cantado) – 1930. 105. N.S. - Dobrado sinfônico “Severino (Severiano?) Gomes” – 1930. 106. J.[JOHN] P. [PHILIP] SOUSA – Marcha “Um dem Sternenbanner” – 1930. 107. A. EYSLER – Valsa “Amor de Príncipe” – 1930. 108. S. [SILVA] NOVO – Fox-trot “Ninita” – 1930. 109. H. MARCIANO – Samba (cantado) “Maria” – 1930. 110. N. S.- Dobrado “Capitão Francisco Alves” – 1930. 416 111. G. [GIOACHINO] ROSSINI – Sinfonia “Simiramis” [Semiramide, ópera] – 1930. 112. J. REDONDO – Samba (cantado) “Mas que trapaiada” – 1930. 113. G. HORU – Marcha “São Paulo” – 1930. 114. [JOHN] PH. [PHILIP] SOUSA – Marcha “Viva a Liberdade” – 1930. 115. M. SOBRAL – Dobrado “Tenente João Baptista” – 1930. 116. A. THOMAS – Ouverture “Raymond” – 1930. 117. Z. [ZEQUINHA DE] ABREU – Rag-time “É sopa” – 1930. 118. G. [GIUSEPPE] VERDI – Grande seleção da comédia “Falstaff” [Falstaff, comédia lírica] – 1930. 119. N. S. – Tango argentino “Piedade” – 1930. 120. H. MANCINE – samba (cantado) “Maria” – 1930. 121. [?] – Dobrado “José da Guia” – 1930. 122. [?] - Dobrado “Severino Villar” – 1930. 123. [?] – Dobrado “Capitão Francisco Alves” – 1930. 124. MANOEL JOAQUIM - Dobrado “Tenente Abelardo” – 1930. 125. S. MORAES – Samba “P’ra ter sabor” – 1930. 126. JUSTINO MARINHO – Tango argentino “Adeus” – 1930. 127. J. ANNUNCIAÇÃO – Samba “Na Pavuna” – 1930. 128. B. TREED – Fox-trot “Broadway melody” – 1930 129. M. BREANES – Fox-trot Charleston “Mulher sem coração” – 1930. 130. [?] – Dobrado “Anibal Freire” – 1930,1931. 131. C. [CARLO] LOMBARDO - Fantasia “Madame de Thebes” [Madama di Tebe, opereta] – 1930, 1931. 132. N. S. – Marcha “Catharinense” – 1930, 1931. 133. [?] - Dobrado “Bahiano 2” – 1931. 134. S.[SILVA] NOVO – Marcha “Brasil Novo”- 1931. 135. L. MARIA – Dobrado “João Pessoa” – 1931. 136. J. NASCIMENTO – Dobrado “Bello Horizonte” – 1931. 417 APÊNDICE C – Inventário das partituras da banda de música da Polícia Militar do Ceará (1897-1932). Entrada por ano - da mais antiga para a mais nova. Quando não indicado, a data indica a presença da cópia no arquivo da banda da polícia em Fortaleza. 1. PAIVA, Euclides. Corporação – marcha (Arr. Jm [Joaquim] de Aguiar e Affonso Modesto (?)) (manuscrito) (Copistas: Raymundo Egydio de Lima, Pedro Domingues Ribeiro, Martinho Jozé Pereira). 1897, 1903, 1928, 1931. 2. MORAES, João Carlos de Souza. Mousinho d’Albuquerque – grande marcha característica e concertante [Marcha triunfal concertante a Mouzinho de Albuquerque, marcha, 1901(?)*] (manuscrito) (Copista: [J. C. de Souza Moraes - autógrafa (?)], Justino Marinho). (Assinado: José Carneiro, Cleóbulo Maia, Pedro Domingues Ribeiro, Luiz Carolino de Souza, Leopoldo, Adauto Gonçalves da Silva, T.T. AB - bateristas, José Aires (?), A. R. Barros, J. Pereira) [Porto] 1901, 1931. 3. WAGNER, Richard. Il Maestri Cantori di Norimberga - 3º Ato: Preludio, Sfilata dei Maestri Cantori – Canzone di Walther e Concertato finale – neli Opera [Die Meistersinger von Nürnberg, ópera, 3, 1868] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (manuscrito) (Copista: Luigi Maria Smido, Justinho Marinho, José Franco [Francisco] Chagas, Pedro Domingues Ribeiro). [Belém] 1903, 1931. 4. BARRÊTTO, João D. Phenix Caxeiral – valsa (manuscrito) (Copistas: [João D. Barrêto autógrafa (?)], Justino Marinho). 1905, 1931. 5. FETRÁS, Oscar. Strand-Idyllen, walzer / Sea-shore Idyls, waltz, op.80 [Strandidyllen, op.80, valsa, (?)*] (Impresso: Edition Louis Oertel, Hannover, Louis Oertel & Cº London W. 69 Berners Street; Stich und Druck von W. Benecke in Leipzig [gravura e impressão de … ], printed in Germany) / manuscrito). [Assinado no impresso: Lourenço, José B. Carneiro, J. Mendes Pereira e Ant. [Antonio] (?), Francisco Pereira) (Copistas: [Justino Marinho ?]). 1905, 1931, 1935. 6. VERDI, Giuseppe. Seleção da Ópera MacBeth [Macbeth, ópera, 4, 1847]. (Manuscrito) (Copistas: Júlio Marinho, Joaqm [Joaquim] Alves Ribe º [Ribeiro]) (Assinado e provável cópia: João Gomes, Martiniano José Monteiro). 1905, 1909, [Aracati em] 1911, 1915. 7. WALDTEUFEL, Émile. Estudiantina, Op. 191 – walzer über spanische National – Melodien [Estudiantina, valsa, 1883] (Impresso: Edition Louis Oertel, Hannover & 418 London. W. / manuscrito) (Copistas: João Gomes, Justino Marinho, A. Rocha). 1909, 1915, 1931, 1941. 8. WALDTEUFEL, Émile. Mein Traum, Op.151 – walzer [Mon rêve, valsa, 1877] (impresso: Edition Louis Oertel, Hannover/ Louis Oertel & C.º, London W, 54 Great Marlborough Street/ printed by M. Dreisste, Hamburg, Alemmaha/ mansucrito) (assinado no impresso: (Francisco (?), o Pedro do flautim, Elesbão Carneiro (?) e (?), Pedro Domingues Ribeiro) (copistas: Justino Marinho, J. F. Chagas, J. Gomes, Jumarinho [Júlio Marinho?], Manoel, Romão Zé A(?)). 1909, 1921 (?), 1931, 1937. 9. FETRÁS, Oscar. La Morena – valsa espagnole [La morena, op.90, valsa, c.1898*] (manuscrito) (copistas: João F. de Moura, Henrique Brito (?), Rolim, Justino Marinho, N [Nemistel](?)). [Manaos em] 1907, [Fortaleza em] 1912, 1917, 1932. 10. CHOPIN, Frederic. Polonaise. Op. 40, nº1 - Militar [Polonaise, op.40 nº1, polonesa, 1838/1840] (Instrumentação: Salvatore Chibbaro) (Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / manuscrito) (Assinado impresso:. Luiz S. [de Sousa] Cordeiro Pax) (Copistas: Júlio Marinho Jumarinho, Antônio Moura Cabral, Francisco Façanha) (Assinado: Francisco Lamparina, José Batista Carneiro, Adauto Gonçalves da Silva, João Batista Vieira, A. Romeu (?) Mendonça, Mozart, A.Gomes (?), Luiz S. [de Sousa] Cordeiro Pax, Temistocles, Elesbão, Francisco Florencio). 1910, 1918, 1919, 1929, 1943, 1947, 1958. 11. LEGRAND, E. Adorée – valse lente para banda marcial [Adorée, valsa, 1903*] (manuscrito). (Copista: Júlio Marinho) (Assinado: François Laurent, Fausto, Letícia, Jose Augusto, Aguiar Pé (?) Ergido (?), Luiz). 1912, 1917, 1922. 12. STRAUS, Oscar. O soldado de chocolate – Valsa da opereta [Der tapfere Soldat, opereta, 3, 1908] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (manuscrito) (Copistas: Luigi Maria Smido – grade/ J. Corcineiro (?)). [Rio de Janeiro em] 1913. 13. CRÉMIEUX, Octave. Enchentement (Encanto) – valse. [Enchantement, valsa cantada, 1910*] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (manuscrito) (Copista: Luigi Maria Smido, Albermerocha [Alberto Mendes da Rocha]). [Rio de Janeiro em] 1913. 14. NEPOMUCENO, Alberto. Marcha grave da ópera Abul [Abul, ópera, 3, 1913] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (manuscrito) (Copistas: Luigi Maria Smido, Justino Marinho) (Assinado: José Domingues). [Rio de Janeiro em] 1913, 1931. 15. Kéler, Béla. Lustspiel – ouverture. [Lustspiel-Ouverture, op.73, ouverture, c. 1863-1870] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). [Rio de Janeiro em] 1913, [Fortaleza em] 1931. 419 16. [LOPE GONZALO, Santiago]. Gallito - Passo-Doble Torero – Dobrado [Gallito, passo-doble, 1905*]. (Instrumentação: Arthur Napoleão Soares) (manuscrito) (Copista: Paulo Neves, Justino Marinho). [Manaus em] 1913, 1931. 17. EYSLER, Edmund. Amor de Príncipes - Valsa da Opereta. [Pufferl, opereta, 3, 1905] (manuscrito) (Copista: José Francisco das Chagas). 1913, 1929. 18. ANÔNIMO. Colóquio d’Amor - Duetto. (manuscrito). (Copista: Hinêo Santos, BBB). [Mossoró, RN em] 1914, [Aty [Aracaty (?)]] 1915. 19. MARINHO, Justino. Ernesto Cezar – dobrado de desfile. (manuscrito). (Copistas: José Bento Rolim, J. Xavier, Francisco Lourenço [de Melo (?)], Joseph Genísie; assinado: Adauto Gonçalves da Silva, Façanha e Bezerra). 1915, 1945. 20. NASCIMENTO FILHO, Manoel Félix do. Ovídio Verçosa – Dobrado de desfile. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho, Francisco Botêlho Façanha, Arthur Moreira, Luiz Cordeiro Paes, José Gonçalves, (assinado): Francisco Mendonça, Leopoldo José Diniz de Lima). 1915, 1933, 1935, 1942, 1944, 1994. 21. PUCCINI, Giacomo. Tosca - Fantasia [Tosca, melodrama, 3, 1900] (Instrumentador: Giovane Pennacchio / manuscrito). (Copistas: Justino Marinho, Francisco Botelho Façanha, C. de Sebastião Rodrigues, Lourenço, (assinado): Francisco Pereira Pinto, “Leopoldo apredizes (sic)” , Façanha Bacalhau, José Pereira, ). 1915, 1925, 1931, 1935 (?), 1942. 22. PUCCINI, Giacomo. La Bohème – Fantasia [La Bohème, ópera, 4, 1896] (Instrumentação: G. Manente / manuscrito). (Copistas: Arlindo Gonçalves da Cruz, Cleóbulo Maia das Chagas, M. F.[Fernando] (?), Antônio Luiz Nascimento, José Rosendo (?)) (Assinado: Pedro Domingues Ribeiro, Adauto Gonçalves da Silva, José Mendes Machado, J. B. Carneiro, Alfredo Sobral). 1915, 1918, 1924, 1934, 1940. 23. WAGNER, Richard. Tannhäuser – Marcia nell’Opera [Tannhäuser und der Sängerkrieg auf Wartburg, ópera, 3, 1845] (Impresso: G. Ricordi e C./ manuscrito) Assinado nas partes impressas: J. M. Pereira, Thomaz Antonio Luiz, Luiz André, Temistocles Souza, F. A. Mendonça, João Listron, Sgt. Augusto Aires, J. M. Braz, Cleóbulo Maia, Terêncio, Saldanha, Mozart, Maciel, Francisco Pereira da Silva, Araujo, J. Gomes, Napoleão, Thomaz, Luiz Carneiro Paz, J. Baptista) (Copistas: José Francisco das Chagas, Justino Marinho) (Assinado no manuscrito: Benoni Pimenta, Raym. [Raymundo] Ferro, Maciel, Romão e Soares, João Listron, Gaston, Souza Lima). 1915, 1922, 1931, 1932, 1936, 1937, 1957. 420 24. OLIVEIRA, Francisco Barroso de. Sonho de um Artista – Fantasia nº1. (manuscrito – provável partitura autógrafa). 1916. 25. GOMES, Antônio Carlos. Salvador Rosa - Sinfonia. (manuscrito) (Copista: Justino de Souza Marinho, Ernani de Barros Lima, Manoel Marinho). 1916, 1932,1956. 26. DANTAS, Antonio Pedro (Tonheca) – Delírio – valsa (manuscrito) (Copistas: Raymundo da Costa Araujo, Justino Marinho, Albermerocha [Maranguape], José Bento de Farias Torres [Teresina], Arisval Ribeiro de Moura [Natal], Mel [Manuel] Leite; assinado: Leopoldo, José Domingos Filho, José dos (?), Madiel, Barreto). [Fortaleza em] 1916, 1920, [Teresina em] 1928, [Fortaleza em] 1929, 1937, 1945, [Maranguape em] 1948 e 1949, [Natal em] 1957, 1959, 1960, 1961, 1962, 1965, 1968, 1982, 1983, 1985, 1989, 1991. 27. WALDTEUFEL, Émile. Amour et Printemps – valse [Amour et printemps, valse, 1880] (Arranjo: Justino Marinho) (manuscrito) (Copista: Justino Marinho) (Assinado: Maria Baptista Silva, Maria Amelia Nobre, José Xavier). 1916, 1917. 28. ANÔNIMO. Olha o telegrama – dobrado (manuscrito) (Copistas: Raymundo da Costa Araujo, Arisval Ribeiro de Moura [Natal],). 1916, [informações da mesma música (?), 1957, 1960]. 29. OLIVEIRA, Francisco Barroso de. Iracema – Sinfonia (manuscrito), 1917. 30. DONIZETTI, Gaetano. Sinfonia da ópera Fausta [Fausta, melodrama, 2, 1832] (Instrumentação: Ettori Ricci / impresso - G. Ricordi e C. Editori Stampatori, Milano, printed in Italy / manuscrito). (Copistas: Capitão Abílio Coêlho, Justino Marinho, Façanha) (Assinado: F. P. Pito [Francisco Pereira Pinto], J. B. Rolim, J. M. Pereira,). 1917, 1923, 1926. 31. JULIÃO, Manuel. Rosa Chaves – marcha (manuscrito) (Copistas: Soter Batalha de Araújo, Justinho Marinho, Raymundo da Costa Araújo, Pedro Domingues). 1917, 1930, 1934. 32. PONCHIELLI, Almicare. Grande seleção da ópera La Gioconda. [La Gioconda, drama lírico, 4, 1876] (manuscrito) (Copistas: Manuel Caldeira Ramos, Alberto Mendes da Rocha, (assinado): Pedro Domingues e Dudú, Gustavo Figueira Costa, J. M. Pereira, Luiz B. Moraes, Napoleão). 1917,1920, 1922 (?), 1926, 1948. 33. LUSTRE, Henrique. Maria Alonso – valsa. (manuscrito) (copistas: Jumarinho [Júlio Marinho (?)], Justinho Marinho, Alberto Mendes da Rocha, Antonio Rodrigues Freire, Melo, Alaíde, Leopoldo, Cleóbulo Maia, Façanha, assinado: João Luiz Alves, Leopoldo e Cabo Braga, Adauto Gonçalves da Silva, José Batista, Sgt Bastos, Manoel 421 Pereira de Melo, Antonio Rodrigues Menezes, Sgt Batista e (Dindim?) ). 1918, 1934, 1942, 1948, 1956, 1957, 1959, 1962. 34. ZIEHRA, C.M [ZIEHRER, Carl Michael]. Boules de Neige - valse op. 471 (em alemão “Schneeballen” - walzer). [Schneeballen, op.471, walzer, (?)] (Impresso: [Alemanha] ). 1918. 35. ANÔNIMO. Tenente Furtado - Dobrado (manuscrito) (Copistas: Jumarinho, Júlio Marinho Ferreira, A. M. Cabral, Luiz Baptista de Moraes, Anysio M. dos Santos; assinado: J.B. Carneiro, Antonio Rodrigues Pereira, JMP (?)). 1918, 1924, 1927, 1948. 36. BETTINELLI, Ângelo. Ars Itálica – marcha. (Instrumentador: Jumarinho [Júlio Marinho (?)]/ manuscrito) (Copista: A. M. Cabral, Façanha, Jumarinho [Júlio Marinho (?)], assinado: José Maria, Carneiro). 1918, 1934, 1935, 1944. 37. STRAUS, Oscar. Seleção (Pot-pourri) da Opereta Sonho de Valsa [Ein Walzertraum, opereta, 3, 1907] (manuscrito) (Copistas: Josué Pinto dos Prazeres [J. Pinto], Oscar Pereira, Justino Marinho, Façanha) (Assinados: José Rolim, J.M.F., J.B.C.). 1919, 1921, 1923, 1926 (?), 1928, 1932. 38. SILVA NOVO, Euclydes da. Santa Cecília – Marcha. (manuscrito) (copista: Justino Marinho, (assinado) Pedro Domingues, L.B.Moraes, José Domi[ngues?]) . 1919, 1925, 1929, 1938. 39. BAPTISTA, João. Coração de creança- valsa (manuscrito) (Assinado: José Carneiro). 1919, 1932. 40. FARINA, Francisco. El sueño de Carmencita – valsa. (manuscrito) (Copistas: Façanha, Justino Marinho, Gustavo Vieira Costa, José Rilieu). 1920. 41. SILVA NOVO, Euclydes da. Olga Rosa - valsa (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, José Baptista Carneiro, C. Maia [Cleóbulo Maia], João Batista do Nascimento Silva, (assinado:) Romão, Euclides Silva Novo, Manoel Pereira de Melo). 1920, 1928, 1935, 1969. 42. GOMES, Carlos. Prelúdio Noturno e Fecho da Ópera Condor. [Condor, ópera séria, 3, 1891] (manuscrito) (Copistas: Francisco Façanha, Justino Marinho, Otacílio Anselmo). 1920, 1922, 1927. 43. LOMBARDO, Carlo. A Duquesa do Bal Taborin – valsa da opereta - pot- pourri [La duchessa de Bal Tabarin, opereta, 3, 1917*] (manuscrito). (Copista: Francisco Façanha, (assinado:) José Rolim, (pertence a:) João F. de Moura). 1920. 422 44. OFFENBACH, Jacques. La Grande-Duchesse di Gérolstein – Sinfonia de Ópera.[La Grande-Duchesse de Gérolstein, ópera bufa, 3, 1867] (manuscrito) (Copista: Napoleão Soares, assinado: João F. de Moura). 1920. 45. FARINA, Francisco. Quando Verdadeiramente se Ama - Fantasia. (manuscrito) (Copista: Francisco Façanha, (assinado:) J. Marinho, José Monte). 1920, 1955, 1956. 46. MORNAY [MONAY?]. 56ª Brigada – marcha (manuscrito) (Assinado: José Batista Vieira, (?) Rocha, Adauto Gonçalves da Silva, B. Vieira, Justino, Alcides, Florencio, M.Joaquim, Aphrodiso).1921, 1942. 47. ENCARNAÇÃO, M. J. da. Cenas Espanholas – Fantasia (manuscrito) (Copista: Justino Marinho) (Assinado: Sgt. Ajudante Pedro Domingues). 1921, [Maranguape] 1923. 48. VERDI, Giuseppe. Grande Selection da Comédia em 3 actos Falstaff [Falstaff, comédia lírica, 3, 1893] (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Benedito Pereira dos Santos, Antônio Luiz [Neto ou Santos]). 1921, 1922, 1930, 1931. 49. MACHADO, J. Silvio Romero – dobrado. (manuscrito) (Copistas: Zé Maria, Temistocles S. Lima, Francisco Augusto de Mendonça, José Henrique de Almeida, Joaquim Justino de Sousa, Claudio, João Batista do Nascimento Filho, José Maria Braz, S.N. [Silva Novo (?)] ou P.N, Jerizelton (?), Dorgival Pereira Lima, (assinado) Antonio Rodrigues de Menezes, Maciel, Domingos, (?) Santos, João Batista (?) e Sales, João Batista Filho, Vasques, Isaias Pereira de Matos, Rolim (?) Teixeira, José Avelino do Nascimento, Amorim). 1922, 1939, 1946, 1950, 1961, 1962, 1964, 1966, 1968, 1970, 1979, 1984, 1985, 1989, 1994,1998. 50. MONTEIRO, Martiniano. Chá – concerto – valsa (manuscrito) (Copista: J. Marinho, Justino Marinho, Façanha, Pedro Domingues, (assinado) José de Lima de Oliveira Sgt (ajudante), “pertence a José Carneiro” – José Baptista Carneiro, Jesus (?) Alves Feitosa, Antonio Germano e José Maria Braz, Luiz Carolino (?) de Souza, Thomaz Anto Luiz). 1922, 1928, 1930, 1932, 1933, 1934, 1935, 1951. 51. HÉROLD, Louis. Abertura da Ópera Zampa. [Zampa, ópera, 3, 1831] (Instrumentação: Luigi Maria Smido) (Impresso: Edition Peters [Alemanha] / manuscrito). (Copistas: Assinado: Alfredo Sobra, J. Gomes, João Apuí Junior, José Pedro, Pedro Domingues). 1922, 1930, 1937, 1949,1952. 423 52. MORAES, João Carlos de Souza. Hilariana – rapsódia [Hilariana, rapsódia, s.d.*] (manuscrito) (Copistas: A. Carvalho [Portugal], Cícero Baptista Américo, [Pedro Domingues Ribeiro], Justinho Marinho). [Portugal] 1922, 1928, 1935. 53. WALDTEUFEL, Émile. Soberana – Mazurka. [Souveraine, op. 255, mazurca, 1893] (manuscrito) (Assinado: Romão e Soares, Pedro Domingues Ribeiro, J. F. Chagas). 1923 (?), 1933. 54. MORAES, João Carlos de Sousa. Devaneios Campestre – pot–pourri [Devaneios campestres, fantasia, s.d.*] (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, José Neves Filho (?), J. [João] Gomes) (Assinado: M. T (?), Pedro Domingues, B. Trindade (?)). 1923, 1935. 55. FARINA, Francisco. Astúcias de Mulheres – Valsinha (manuscrito) (Copista: C. B. Américo [Cícero Batista]), 1924. 56. FARINA, Francisco. Roleiros – Ragtime (manuscrito), 1924. 57. FALL, Leo. Fantasia da “Princesa dos Dollars” [Die Dollarprinzessin, opereta, 3, 1907] (Instrumentação: Francisco Farina) (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Albermerocha [Alberto Mendes da Rocha], Leopoldo, João Arraes de Oliveira, Cícero Baptista Américo) (Assinado: F.P. Pto [Pinto], J.M. Pereira, J. B. Carneiro [José Baptista Carneiro], Boanerges Pinto, Sobrinho, Jesus Alves Feitosa, João Listron, A. Mendonça, (?) Couto, Sgt Chichico, José Baptista Vieira, “Ensaiada por” – pistons: José Maria da Silva, Francisco Rodrigues Maia, José Ribamar Tavares, Francisco Pereira da Silva, José Baptista Vieira, Julio Marinho da Silva, “Concertada por” A. (?) Nascimento, L.M.S. – Luigi Maria Smido, Afrodisio Leopoldo). 1924, 1926, 1927, 1928, 1930, 1934, 1946, 1954,1956. 58. MENDELSSOHN, Félix. Marcha Nupcial. [A Midsummer Night’s Dream, música incidental, 1843] ,(manuscrito) (Copista: J. Morais Benevides). 1924. 59. LEHÁR, Franz. A Viúva Alegre – ópera Fantasia. [Die lustige Witwe, opereta, 3, 1905] (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1924. 60. MASCAGNI, Pietro. O Sol – Introdução da ópera Iris. [Iris, melodrama, 3, 1898] (Instrumentação: Francisco Farina / manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1924. 61. LEONCARVALHO, Ruggero. Os Palhaços – Grande Fantasia. [Pagliacci, drama, 2, 1892] (Instrumentação: Francisco Farina / manuscrito) (Copista: Justino Marinho, Francisco Farina, Cleóbulo Maia, Alberto Mendes da Rocha). 1924, 1929, 1935, 1957. 424 62. SALDANHA, Luiz. Hilda Jucá – valsa. (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Antonio Carlos de Sousa, Cicero Batista Americo). 1926, 1927. 63. BOITO, Arrigo. Mefístole (sic) - ópera. [Mefistofele, ópera, 5/4, 1868/1875] (manuscrito). (Copistas: Justino Marinho, José Francisco Chagas, Arsênio Come [Recife]; assinado: J. Baptista, Mendonça (?), Antonio Sobrinho, Heleno Antenor, J. Marinho [Justino Marinho], Sgt Fco Pedro, Pedro Domingues Ribeiro, José Peba, José Chichico, João Lopes, Lulu, Lauro). [1926 (?)]; 1931, 1932, 1944, 1955, 1957, [Recife em]1960, 1974. 64. SCHLITTLER, J. Beijo de anjo – valsa (manuscrito) (Copistas: Antônio Carlos Souza, José Cícero Batista Américo, José Batista Carneiro, outro copista não identificado). 1926. 65. NASCIMENTO, P. (?) ou L. (?). Bello Horisonte – dobrado de desfile. (manuscrito) (Copistas: Pedro Domingues, Domingos, José Olegário, Justino Marinho, Assinado: Adauto Gonçalves da Silva, João (?), Fco Pedro, M. Melo, Antonio R. de Menezes, alguns ilegíveis). 1926, 1931, [1942?], 1963, 1965, 1968, 1969. 66. NAPOLEÃO, Arthur. Major Abel Galvão – dobrado. (manuscrito). (Copistas: F. Campos [São Luiz], Anísio, J. Marinho, Justino Marinho). [São Luiz em] 1926, 1931. 67. NASALLI-ROCCA, S. Abruzzi - Marcha. (instrumentação: Angelo Chibbaro). (Impresso: G. Ricordi e C. Editori Stampatori, Milano / manuscrito) (Copistas: Antônio Carlos de Souza, Lima Baptista, M. F [Fernando ?]) (Assinado: Justino Marinho). 1926, 1927, 1928, 1931. 68. ESPÍRITO SANTO, Antonino Manoel do. Aldeião (n° 203) Dobrado Sinfônico. (manuscrito) (Copistas: Pedro Domingues Ribeiro, Justino Marinho, Francisco Antonio de Sousa). 1926, 1930, 1931. 69. FARINA, Francisco. Coração Brasileiro - dobrado sinfônico (manuscrito) (Copista: Justino Marinho), 1926. 70. VERDI, Giuseppe. Os Lombardos – trio [I Lombardi alla prima crociata, drama lírico, 4, 1843] (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho / Ju Marinho, J. Arrais, Aloysio Ferreira (?)) (Assinados: F.P. Pto [Francisco Pereira Pinto], Pedro Domingues [Ribeiro], L.B. Moraes, José Domingues, Adauto Gonçalves da Silva, José Batista Vieira, Edmilson Matos Cruz, Manoel Pereira de Melo, Napoleão, Luiz Carolino(?) de Souza). 1924, 1926, 1929 (?), 1932, 1940, 1956, 1964. 71. NASCIMENTO FILHO, Mel [Manoel] Felix. Major Martins Ribeiro – dobrado. (manuscrito). (Copistas: Justino Marinho; assinado: Afrodisio Soares, (?) 425 Matos, Antonio Carlio (?) Souza, J. Gomes, J.M. Pereira, José Diogo, Adalito [Adauto] Gonçalves da Silva, JB Freire (?), M. Gomes). 1927, 1942, 1946. 72. SOBRAL, Francisco. Virgílio Moraes - dobrado. (manuscrito) (Copistas: [Justino Marinho -provável], assinado: Sgt. Fco Pedro). 1927, 1931. 73. SALDANHA, Luiz. Margarida Weyne – Valsa. (manuscrito). (Copistas: Cícero Batista Américo; José Francisco das Chagas, Antonio Carlos de Souza). 1927, 1928. 74. PUCCINI, Giacomo. Corazatta Sicília – marcia d’ordinanza nell’Opera La Bohéme [La Bohème, ópera, 4, 1896] (Instrumentação: Pio Nevi) (Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / manuscrito) (Copistas: Pedro Domingues, José Francisco das Chagas). 1927. 75. SALDANHA, Luiz. 26 de junho – Valsa. (manuscrito) (Copista: Pedro Domingues Ribeiro, Francisco da Chagas, Cícero Américo). 1927. 76. MOREIRA, Antonio. Doce Enlêvo – valsa lenta para piano [ou valsa “miss Maria Luiza” (?) ou “miss Prainha” (?)] (Instrumentação: Luigi Maria Smido/ manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Cícero Baptista Américo, Romão e Soares - copista (?), Lima Baptista). 1928, 1932. 77. BARONY, Luiz – Odette – valsa (manuscrito) (Copistas: José Bento de Farias Torres [Teresina], vários sem assinatura, Justino Marinho, Bahe (?), Antonio Luiz, Albermerocha – [Alberto Mendes da Rocha - Maranguape], Leopoldo, Isaías Pereira da Matos, assinado: J. Carneiro, José Batista Vieira, Souza Lim(?), Adalito [Adauto] Gonçalves da Silva, (?) Alves). [Teresina em] 1928, 1929, 1932, [Bahia em] 1936, 1942, 1944, [Maranguape em] 1948 e 1949, 1959, 1962,1981, 1983. 78. AMOROSO, Francesco. Palermo – Marcha Militar. [Palermo, marcha militar, s.d.*] (Impresso: G. Ricordi e Editori Stampatori, Milano – [s.d.] / manuscrito) (Copistas: Cícero B. Américo, Lima Baptista, Justino Marinho) (Assinados: L. Matias, Heleno, Leopoldo, Antenor, Afrodizio, Pinheiro, Paulo Arroz(?), José Batista Viriry (?)).1928, 1933, 1944. 79. DANTAS, Antonio Pedro (Tonheca). Odette – grande valsa. (manuscrito) Copista: José Bento de Farias Torres [Teresina], José Domingos Filho, José Batista Vieira). [Teresina em] 1928, 1937,1942, 1944. 80. CARDOSO, J. Santa Lidia – marcha grave (manuscrito) (Copistas: José Francisco das Chagas, várias assinaturas). 1928, 1934, 1946 (?), 1947, 1953, 1965, 2012. 81. MOMMÉJA. Fend l’air – dobrado (manuscrito) (Copistas: sem especificação; assinado: Afrodisio, Leopoldo, Manuel Joaquim, J.P., Adalito [Adauto] Gonçalves da 426 Silva, Mel [Manuel] Paz, Raimundo Rodrigues). 1928, 1931, 1938, 1941, 1942, 1944, 1946. 82. HORN, G. São Paulo – marcha (manuscrito) (Copistas: vários assinam, nenhuma indicação copista). 1928, 1942. 83. NIMAC, Pedro. Norma Thearer – valsa lenta (manuscrito). [1928 ?]. 84. ANÔNIMO. José da Guia – dobrado (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). [1928 ?] 85. FARINA, Francisco. O echo da floresta – dobrado. (manuscrito). (Copistas: Cicero Baptista Americo). 1928, 1940. 86. GUILHERME, Raymundo. Os voluntários – dobrado. (Arranjo do piston: Albermerocha / manuscrito). (Copistas: Cicero Baptista Americo, Alberto Mendes da Rocha). 1928, 1957. 87. ANÔNIMO. Rio de Janeiro Moderno. – dobrado (manuscrito / copistas: José M. Carneiro / Pedro Domingues). [Rio de Janeiro] 1928, 1936. 88. ANÔNIMO. Rosa Desfolhada – Valsa. (manuscrito) (Copista: Pedro Domingues). 1928. 89. ANÔNIMO [MANOEL FÉLIX DO NASCIMENTO FILHO?]. Porto Alegre – marcha grave. (Instrumentador: Luigi Maria Smido / manuscrito) (Copista: Cícero Batista Américo, Lima Baptista). 1928. 90. GILBERT, Jean. Casta Suzana - Grande Seleção [Die keusche Susanne: 1910 - opereta em 3 atos] (manuscrito) (Copistas: Façanha, Justino Marinho, Luigi Moraes, assinado: Pedro Domingues Ribeiro, Anísio Manoel dos santos). 1928, 1929, 1930. 91. NASCIMENTO FILHO, Manoel Félix do. Sophia – marcha. (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Cleóbulo Maia, Themistocles S. Lima, Cícero Américo, Pedro Domingues). 1928, 1931,1935. 92. ANÔNIMO. General Barbosa – marcha grave. (manuscrito) (Copistas: J. Gomes, Henrique Eustachio, Pedro Domingues, Júlio Marinho). 1928, 1935. 93. CHAGAS, José Francisco das. Ruth Benevides – valsa. (manuscrito). (Copista: José Francisco das Chagas). 1929. 94. SOUSA, John Philip. Hail to the spirit of Liberty (Viva o espírito da Liberdade) – marcha [Hail to the spirit of Liberty, marcha, 1900] (manuscrito) (Assinado: Luigi Maria Smido). 1929. 95. VOLLSTEDT, Robert. Violette des Bois, valse / Veilchen aus dem Wienerwalde, walzer, op. 38. [Veilchen aus dem Wienerwalde, op. 38, valsa, (?)*] 427 (Impresso: Hamburg, Aug. [August] Cranz., Alemanha /manuscrito). (Assinado: José Carneiro). 1929. 96. SILVA NOVO, Euclides da. Rosa Maia – marcha (manuscrito) (Copista: Justino Marinho, Leopoldo, Carneiro, José Maria da Silva, A. Carlos de Sousa, F. Pto (?), JMP (?), Ninito, Romão Tavares, José Francisco das Chagas, Mel [Manuel] Marcos da Paz, Isaias Pereira), 192?, 1931, [Pelotas em] 1933, 1934, 1945, 1969. 97. SILVA NOVO, Euclides da. Zenaide Ramos - Valsa (?) (manuscrito). (Copistas: (?). 1929 (?)). 98. BAPTISTA [DE SOUSA BRANDÃO], João. Os teus olhos – valsa (Arranjo: João Baptista [de Sousa Brandão] / manuscrito) (Copistas: João Baptista de Sousa Brandão], José Francisco Chagas, assinado: João Soares). 1929, 1932. 99. BARROSO, Francisco. Margarida Saldanha – valsa. (manuscrito). 1929. 100. SILVA NOVO, Euclides da. Miss Fortaleza – marcha. (manuscrito) (Copistas: Pedro Domingues, [Justino Marinho (?)]). 1929, 1931, 1933. 101. LECOCQ, Charles. Fantasia da opereta “Le petit duc” (“O Duquesinho”) [Le petit duc, ópéra cômica, 3, 1878] - fantasia (Arranjo e instrumentação: Luigi Maria Smido / manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, J. Marinho [letra do Justino Marinho]; assinado: Romão e Soares, soldado Batista, Chico Pedro e Melo, José Batista Vieira, Manoel Pereira de Melo, João Arrais de Oliveira). 1929, 1931, 1956, 1961, 1971, 1974. 102. COLLAZO, Ramon. Mamã yo quiero un novio – tango argentino. (Instrumentação: Justinho Marinho / manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Jumarinho). 1929, 1931, 1932, 1936. 103. WALDTEUFEL, Émile. Un jour à Seville, valse / Ein Tag in Sevilla, walzer, op. 252. [Un jour à Seville, op.252, valsa, 1893] (Impresso: [Hamburg, Aug. [August] Cranz., Alemanha] / manuscrito) (Assinado nas partes impressas: José Carneiro, mencionado José Rolinho, José Carneiro, José Lopes, José Mendes, Julio Marinho, João Lestron, Jozino (?)) (Copista: Justino Marinho). 1929, 1931. 104. ANÔNIMO. 12 (Recordação do José) – dobrado. (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Cleóbulo Maia) (Assinado: Adauto Gonçalves da Silva). 1929,1935, 1945. 105. SMIDO, Luigi Maria. Coronel Edgard Facó – marcha para Banda Marcial. (manuscrito).1929. 106. PUCCINI, Giacomo. La Bohème – Fantasia [La Bohème, ópera, 4, 1896] (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1929. 428 107. VERDI, Giuseppe. La Forza del Destino - Ato IV (Duetto) [La forza del destino, ópera, 4, 1862] [(manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1929. 108. LEHÁR, Franz. A Mazurka Azul (Sobre motivos da Opereta). [Die blaue Mazur, opereta, 1920] (Instrumentação: Luigi Maria Smido / manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1929, 1931. 109. FUCIK, Júlio. Os Filhos do Regimento – Marcha. (Instrumentação: Luigi Maria Smido / manuscrito) (Copista: Luigi Maria Smido, Justino Marinho). 1929, 1931. 110. ANÔNIMO. Severino Gomes – Dobrado de desfile. (manuscrito). (Copistas: [Vila Velha] Antonio José da Silva, A.B.Souza, Justino Marinho, Pedro Domingues, Pipina Fuzeira, assinado: João Luiz (?), A.C. Bza [Bezerra ?], Temistocles de Souza Lima). [Vila Velha em] 1930, [Fortaleza em] 1930, 1931, 1947, 1964. 111. BARROSO, Francisco. Melodia dos sinos – dobrado (Instrumentação: [Francisco Barroso (provável)] / manuscrito). Copista: [Francisco Barroso (provável)]). 1930, 1934, 1970. 112. GUERREIRO, Heráclito. 142 - dobrado. (manuscrito) (Copistas: Pedro Domingues, Justino Marinho, AMR [Alberto Mendes da Rocha] Tantan (?), Furão, assinado: A. Sobrinho, João (?) Luiz Oli _ [Oliveira?], Antonio dos Santos Filho, Manoel Pereira de Melo). 1930, 1931, 1942, 1969. 113. ROSSINI, Gioachino. Semiramide – Sinfonia. [Semiramide, melodrama trágico, 2, 1823] (Instrumentação: Luigi Maria Smido / manuscrito). (Copistas: [Luigi Maria Smido], [Justino Marinho], assinado: Pedro Domingues e Anizio). 1930, 1931. 114. RIBEIRO, Aristoteles. Ayrtes– valsa lenta (Arranjo: Justino Marinho / impresso – parte piano: Edição da Casa Editora TORRE EIFEL de Paulo Moraes e Filhos. Rua Major Facundo 152, Fortaleza, Ceará / manuscrito). (Copistas: Justino Marinho, Gonzaga, Praça J. Alma (?)). 1930, 1934, 1945. 115. HALL, John T. Die Hochzeit winde [Miragem dos ventos] – valsa (Arranjo: Justino Marinho / manuscrito) (Copistas: Justinho Marinho, Pedro Domingues Ribeiro, J. Baptista). 1930, 1931, 1933. 116. BARROSO, Fran [Francisco]. Ceará Revolucionário – marcha (manuscrito) (Copistas: [Fran Barroso (?), Justinho Marinho (?)]). 1931. 117. MAIA, Quirino. Voz da Saudade – valsa. (manuscrito) (Copista: José Homero Bantim). 1931. 118. SOBRAL, Francisco. Dr. Fernandes Távora [Dr. Manoel do Nascimento Fernandes Távora] – dobrado. (manuscrito) (Copistas: José Alves (?), J. Marinho 429 [Justino Marinho]; assinado: Romão Soares, Ezequiel, José Maria (?), Amaro Romão (Buita (?Jorge Lopes). 1931, 1935. 119. FLOTOW, Friedrich de. L’ombre – grande valse par Emile Ettling, op.155 [L’ombre, ópera cômica, 3, 1870] (Impresso: Ed. Boult. Bonne Nouvelle 21, MARGUERITAT, Paris / manuscrito) (Copistas: José Fr.co [Francisco] Chagas, André), 1931. 120. WALDTEUFEL, Émile. La Berceuse – valse [La Berceuse, op.161, valse, 1879] (Arr. par /Transcrito por G. Wittmann; impresso – EVETTE E SCHAEFFER Ed.rs P.ge du G.d Cerf. [editeurs Passage du Grand Cerf nº]18 & 20., avec l’autorization de M.M.A. Durand e Fils Edic.rs Propres - 4 Place de la Madeleine, Paris / manuscrito). (Copistas: Justino Marinho, Jumarinho [Júlio Marinho (?)]) (Assinado: J.M., Bellarmino (?), Pedro Domingues Ribeiro, [Salvador] M. da Silva). 1931, 1932, 1933, 1936. 121. PENELLA, Manuel. El gato Montês – Gran Fantasia para Banda sobre motivos de La ópera populae Espanha Del Maestro Penella [El gato montés, ópera, 3, 1916] (Instrumentação: R. Soutullo / Impresso – Madrid / manuscrito) (Copista: Luigi Maria Smido). 1931. 122. GANNE, Louis Gustave. Le Père la Victorie – marcha. [Le père la victoire, marcha, 1888]. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho).1931. 123. MEDEIROS, Anacleto de. Dr. Pinheiro Freire - Marcha (manuscrito) (copista: Justino Marinho).1931. 124. MEISTER, Georges. Sedan - Pás-redoublé. (Impresso: Millereau, Editr., 66, Rue d’Angoulême, Paris / manuscrito) (copistas: [Justino Marinho]) (Assinado: F.P. Pinto [Francisco Pereira Pinto]). 1931. 125. MILLS, Herry. Sun Bird – intermezzo (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1931. 126. MASSENET, Jules. Le Cid - ópera. [Le Cid, ópera, 4, 1885] (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1931. 127. GOMES, Antônio Carlos. O Guarani (Seleção da Ópera). [Il Guarany, ópera, 4, 1870]. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1931. 128. MASCAGNI, Pietro. Cavalleria Rusticana – Intermezzo. [Cavalleria Rusticana, melodrama, 1, 1890] (Instrumentação: Luigi Maria Smido / manuscrito) (Copista: [Luigi Maria Smido], (Justino Marinho], José Francisco das Chagas, João Pimenta). 1930, 1931, 1935. 430 129. ESPÍRITO SANTO, Antonino Manoel do. Bahiano 2° - dobrado (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, José Francisco das Chagas). 1931. 130. PANSINI, E. La Ritirata (O recolher) – marcha. (manuscrito). 1931. 131. SIQUEIRA, Batista. Padre Adonias Villar – Dobrado. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1931. 132. VERDI, Giuseppe. Pot-pourri da ópera Rigolêtto [Rigoletto, melodrama, 3, 1851] (manuscrito) (Copistas: Justino Marinho (J. Marinho), Leopoldo (1º Sgt músico) (Manoel Leopoldo Pereira), Ferreira Lima) (Assinado: Pedro Domingues Ribeiro, Sgt Afrodisio F. de Lavôr). 1931, 1933, 1947, 1956, 1964, 1974. 133. GOMES, Antônio Carlos. O Guarani (Invocação e 3° ato final). [Il Guarany, ópera, 4, 1870]. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1931, 1935. 134. WAGNER, Richard. Lohengrin – Fantasia [Lohengrin, ópera, 3, 1850]. (Instrumentação: G. Manente) (Impresso: A. Lapini – Editore Stamptore – Firenze / “La presente riduzione è autorizzata dalla ditta G. Ricordi & C. di Milano / manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Arsênio Cosme) (assinado: Cleóbulo Maia). 1931, 1958, [Recife em] 1960. 135. BARROJO, Firmino. Capitão João Pereira – Dobrado sinfônico (manuscrito) (Copistas: sem assinatura, assinado: Adauto Gonçalves da Silva). 1932, 1933, 1944. 136. GUERRA, Solsol (?). Iracy – valsa lenta (Instrumentação: Justinho Marinho / manuscrito) (Copistas: Justino Marinho, Pedro Domingues Ribeiro). 1932. 137. MARINHO, José Ferreira. Tenente Luiz Gonçalves – dobrado (manuscrito) (Copistas: J.P., E.A., Adauto Gonçalves da Silva). 1932, 1940. 138. MEZZACAPO, E. Sympathie – valse melodique (impresso: Alliance Musicale A.ne M. on Lafleur, E. GAUDET, Luthier Editeur, 9 Faub.g St [Saint] Dennis, Paris / manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1932. 139. SANTOS, Anísio Manoel dos. Cel Valdemar Monteiro – dobrado. (Arranjo: Anísio Manoel dos Santos / manuscrito) (Copistas: Anísio Manoel dos Santos, Antonio Sobrinho, Justino Marinho; assinado: Romão Soares). 1932, 1933. 140. SILVA NOVO, Euclydes da. Brasil Novo – marcha. (manuscrito). 1932. 141. BALFE, Michael William. Die Zigeunerin – Ouverture [versão em alemão] [The Bohemian Girl, grande ópera, 3, 1843] (Instrumentação: G. Goldschmidt / Impresso: [Alemanha] / manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1932. 142. THOMAS, A. Raymond (Ouverture da ópera). (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1932. 431 143. LOMBARDO, Carlo. Madame de Thebes - Fantasia sobre motivos da Opereta. [Madama di Tebe, opereta, 3, 1918*] (Instrumentação: Luigi Maria Smido). 1932. 144. ANÔNIMO. Ídolo – dobrado. (manuscrito) (Copista: Justino Maria [Marinho (?)]). 1932. 145. OFFENBACH, Jacques. Geneviève de Brabant - Fantasia. [Geneviève de Brabant, ópera bufa, 2, 1859] (manuscrito). 1932. 146. COSTA, Mario. La Scugnizza – Pot-pourri. (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1932. 147. BIZET, Georges. Carmem - Fantasia Brilhante. [Carmen, ópera cômica, 4, 1875] (manuscrito) (Copista: Justino Marinho). 1932. 148. FERREIRA, Nelson. Lágrimas de Homem – Valsa sentimental. (manuscrito) (Instrumentação:Justino Marinho) (Copista: [Justino Marinho]). 1932. Obs: Todos os títulos das peças colocadas entre parêntesis retos foram pesquisados do Dicionário Grove de Música. Os indicados com “*” foram consultados das páginas abaixo listadas: IMSLP, BNF, NAXOS, MUSICALION, The Johann Strauss Society of Great Britain, Asociación cultural de Las Alcublas A.C.L.A., Sociedade Chopin em Varsóvia, Biblioteca dela chitarra e del mandolino, The Guide to Light Opera and Opereta, Universität Hamburg; Casa editrice Musicale Lombardo, Archive.org. 432 APÊNDICE D – Partitura editada (edição não crítica) da marcha Coronel Edgar Facó de Luigi Maria Smido. 433 434 435 436 437 438 439 440 441 442 443 444 445 446 447 448 449 450 451 452 453 454 455 456 457 458 459 ANEXOS 460 ANEXO A – Imagens da Banda de Música da Força Militar de Polícia (1879-1932) Figura 1 – Banda de Música do Corpo Policial do Ceará – 1879. Maestro ao centro de barba: João Moreira da Costa (provável), à sua direita segurando um cornet à pistons ou simplesmente “piston”, Pedro Gomes do Carmo (provável). Fonte: Arquivo Nirez. Reprodução e edição da fotografia: Inez Martins. 461 Figura 2 – Banda de Música do Corpo Policial do Ceará – 1897. Fonte: Arquivo Nirez. Reprodução e edição da fotografia: Inez Martins. 462 Figura 3 – Banda de Música do Batalhão de Segurança – 1910. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Imagem digitalizada e cedida por Sgt. Jardilino (PMCE). Figura 4 – Banda de Música do Batalhão de Segurança – 1910. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Imagem digitalizada e cedida por Sgt. Jardilino (PMCE). Edição de imagem: Inez Martins. 463 Figura 5 – Recorte da imagem da Banda de Música do Batalhão de Segurança, 1910. Ao centro, maestro Penido, a esquerda (provável) Henrique Jorge, à direita, um (provável) oficial da Força Policial. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição de imagem: Inez Martins. 464 Figuras 6 e 7 – A esquerda, recorte da imagem da banda da Polícia de 1910 com o maestro Penido e um violinista à esquerda que supomos ser o maestro Henrique Jorge, também violinista, o qual irá reger a banda da Polícia em 1910, por ocasião da inauguração do teatro José de Alencar. A direita,o maestro Henrique Jorge com esposa e filha no Passeio Público de Fortaleza, na década de 1900. Comparando as duas imagens vemos semelhanças como o uso do bigode, vestimenta, cartola e orelhas levemente proeminentes. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Fonte: Arquivo Nirez. 465 Figura 9 – Banda de Corneteiros do Regimento Policial do Ceará – 1924. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Imagem digitalizada e cedida por Sgt. Jardilino (PMCE). Figura 10 – Banda de Corneteiros [e Tambores] do Regimento Policial do Ceará – 1924. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição de imagem: Inez Martins. 466 Figura 11 – Banda de Música da Força Pública do Estado (PMCE) – 1929. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Imagem digitalizada e cedida por Sgt. Jardilino (PMCE). Figura 12 – Banda de Música da Força Pública do Estado (PMCE) – 1929. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição de imagem: Inez Martins. 467 Figura 13 – Banda de Música do Corpo de Segurança Pública – 1932. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Imagem digitalizada e cedida por Sgt. Jardilino (PMCE). Figura 14 – Banda de Música do Corpo de Segurança Pública – 1932. Fonte: Arquivo da Banda de Música da PMCE. Edição de imagem: Inez Martins. 468 ANEXO B – Catálogos das fábricas Jérome Thibouville-Lamy (1878) e Couesnou & Cie (1912) de Paris. Figura 1 – Capa do Catálogo de Thibouville-Lamy de 1878. Fonte: . 469 Figura 2 – Instrumentos de “cobre” (metal) – Cornets a 3 pistons, p.119. O modelo número 1855 é semelhante ao usado pelo contramestre Pedro Gomes do Carmo na fotografia de 1879. Fonte: . 470 Figura 3 – Instrumentos de metal – Cornets a 3 pistons, p.120. Fonte: . 471 Figura 4 – Instrumentos de metal – Cornets a 3 pistons, p.121. Fonte: . 472 Figura 5 – Instrumentos de metal – Saxhorns, p.122. Fonte: . 473 Figura 6 – Instrumentos de metal – Saxhorns, p.124. Números de referência dos instrumentos relacionados com as informações da página 125. Fonte: . 474 Figura 7 – Instrumentos de metal – Saxhorns, p.125. Fonte: . 475 Figura 8 – Instrumentos de metal – Saxhorns, p.127. Fonte: . 476 Figura 9 – Instrumentos de metal – Cors d’Harmonie (trompa de harmonia) com a indicação das tonalidades construídas – sib, láb, sol, fá e mib; p.131. - Fonte: . 477 Figura 10 – Folha de rosto do Catálogo de Couesnou & Cie (1912) de Paris. Fonte: . 478 Figura 11 – Modelos de instrumentos comercializados pela loja Couesnou & Cie no catálogo de 1912, p.8. O tipo Monopole foi adquirido pela banda da polícia do Ceará em 1930. Fonte: . 479 Figura 12 – Relação dos instrumentos Monopole comercializados pela fábrica Couesnou, p.26. Fonte: . 480 Figura 13 – Modelo Monopole de Cornet à pistons da fábrica Couesnou, p.29. Fonte: . 481 Figura 14 – Modelo Monopole de Cor alto em mib da fábrica Couesnou, p.36. Fonte: .