Silvio Romero Fonseca Motta SIMULAÇÃO ESTRUTURAL E MODELAGEM DE FORMAS ARQUITETÔNICAS COMPLEXAS: A interação entre forma e estrutura através de ferramentas digitais. Belo Horizonte 2014 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO SILVIO ROMERO FONSECA MOTTA SIMULAÇÃO ESTRUTURAL E MODELAGEM DE FORMAS ARQUITETÔNICAS COMPLEXAS: A interação entre forma e estrutura através de ferramentas digitais. Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Teoria, Produção e Experiência do Espaço. Linha de pesquisa: Produção, projeto e experiência do espaço e suas relações com as tecnologias digitais. Orientador: Profa. Dra. Maria Lúcia Malard Belo Horizonte 2014 Agradecimentos Agradeço em especial à minha família, Eni, Rafael e Gabriel, que estiveram, estão e sempre estarão ao meu lado. Agradeço à professora Maria Lúcia pela orientação e por compartilhar seu conhecimento. Agradeço a todos que contribuíram direta e indiretamente com este trabalho: às minhas irmãs; aos meus familiares, presentes e que já se foram; à professora e amiga Teresa; a todos do NPGAU; às professoras Ana Clara e Fernanda da Escola de Arquitetura da UFMG; aos laboratórios MOM e LAGEAR da Escola de Arquitetura da UFMG; aos professores Aldo e Vecci da Escola de Engenharia da UFMG, aos professores Rose, Nunes e Lana da UEMG, ao amigo Tácito. Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES pelo apoio financeiro no desenvolvimento da pesquisa. 4 RESUMO MOTTA, S. R. F. Simulação estrutural e modelagem de formas arquitetônicas complexas: A interação entre forma e estrutura através de ferramentas digitais.. 2014, Tese (Doutorado) – Escola de Arquitetura, universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. A tese investiga como a modelagem de formas complexas e a simulação de comportamento estruturais interagem com o processo de concepção da forma arquitetônica através das tecnologias digitais. A investigação é sistematizada em dois momentos: contextualização histórica e estudos experimentais. A contextualização histórica é organizada em duas abordagens historiográficas resultando em duas sequencias histórica independentes. Na primeira sequencia são apresentados a evolução das teorias e tratados de Arquitetura, com enfoque na forma, assim como os meios utilizados e que influenciaram esse desenvolvimento. Na segunda sequencia é apresentada a evolução da prática construtiva arquitetônica, com enfoque no conhecimento estrutural, assim como os meios que influenciaram este desenvolvimento. Os estudos experimentais são realizados com diferentes métodos de interação entre concepção estrutural e forma arquitetônica, utilizando tecnologias digitais como form- finding, fabricação digital de modelo reduzido e modelagem paramétrica. A conclusão indica os aspectos críticos observados nas análises históricas e nos estudos experimentais. Por fim, trabalhos futuros são sugeridos para continuidade da pesquisa. Palavras chaves: concepção arquitetônica; concepção estrutural; processo de projeto; simulação estrutural; modelagem paramétrica; form-finding. 5 ABSTRACT MOTTA, S. R. F. Structural simulation and modeling of complex shape of architecture: The interaction between form and structure using digital tools. 2014, Tese (Doutorado) – Escola de Arquitetura, universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. The thesis investigates how modeling complex forms and simulating structural behavior interacts in the design process of architectural form through digital technologies. Research is systematized into two parts: historical contextualization and experiments. Historical contextualization has two historiographical approaches that result in two historical sequences. In the first, the evolution of architecture theories and treaties are presented, focusing on form, as well as the means that influenced their development. In the second, the evolution of construction is presented, focusing on structural knowledge as well as the means that influenced its development. Experiments are conducted using different methods of interaction between structural design and architectural form through digital technologies like form-finding, digital fabrication and parametric modeling. The conclusion indicates critical aspects observed in the historical analyses and experiments. Finally, future studies are suggested to continue the research. Key Words: architectural design; structural design; design process; structural simulation; parametric modeling; form-finding. 6 RESUMEM MOTTA, S. R. F. Simulación estructural, y modelado de formas complejas de arquitectura: La interacción entre la forma y estructura a través de herramientas digitales. 2014, Tese (Doutorado) – Escola de Arquitetura, universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. La tesis investiga cómo el modelado de formas complejas y la simulación de comportamiento estructural interactúan con el proceso de diseño de la arquitectura a través de las tecnologías digitales. La investigación está sistematizado en dos momentos: contextualización histórica y estudios experimentales. La contextualización histórica está organizada en dos enfoques historiográficos que resultan en dos secuencias históricas independientes. En la primera secuencia se presentan la evolución de las teorías y de los tratados de Arquitectura, con un enfoque en la forma, así como los medios utilizados y que han influido en esta evolución. La segunda secuencia se muestra la evolución de práctica arquitectónica constructiva, con un enfoque en el conocimiento estructural, así como los medios de comunicación que influyen en este desarrollo. Los estudios experimentales utilizan diferentes métodos de interacción entre la forma arquitectónica y el diseño estructural, el uso de tecnologías digitales, como el form-finding, la fabricación digital y modelado paramétrico. La conclusión indica los aspectos críticos observados en los análisis históricos y en estudios experimentales. Por último se sugirió trabajo futuro para la continuidad de la investigación. Palabras clave: diseño arquitectónico; diseño estructural; proceso de diseño; simulación estructural; modelado paramétrico; form-finding. 7 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Edifício CCTV ............................................................................................ 23 Figura 2 - Mediacité em Liége .................................................................................. 25 Figura 3 - Tendas do período Paleolítico ................................................................ 29 Figura 4 - Reconstituição do interior de um edificação do ano entre 7500 e 5700 a.C. em Çatalhöyük ....................................................................................................... 30 Figura 5 – Categorias de áreas e suas proporções descritas no De re aedificatoria. 47 Figura 6 - Crystal Palace em 1854 ............................................................................ 55 Figura 7 - Montagem da Galérie des Machines ....................................................... 55 Figura 8 - Villa Savoye, cidade de Poissy, França .................................................. 60 Figura 9 - Serie vermelha e serie azul do Modulor ................................................. 63 Figura 10 - Diagrama da produção da forma por Moussavi. ................................. 69 Figura 11 - Estátua de Gudea e desenho da planta de um palácio. ...................... 72 Figura 12 - Planta de uma edificação em Telloh, Babilônia – Argila, cerca de 2000 a.C........................................................................................................................... 73 Figura 13 - Planta da cidade de Nippur, Suméria - Argila, cerca de 1500 a.C. ..... 73 Figura 14 - Forma Urbis Severiana. ......................................................................... 75 Figura 15 - Planta do Mosteiro de São Galo, Suíça - século IX ............................. 76 Figura 16 - Planta da Igreja de St. Etienne - Villard de Honnecourt - cerca de 123077 Figura 17 - Desenho em elevação da catedral de Strasbourg, França - cerca de 1260. 78 8 Figura 18 - Desenho da Catedral de Reims - Villard de Honnecourt - cerca de 1230. 79 Figura 19 - Catedral de Milão - Antonio de Vicenzo – 1390 ................................... 79 Figura 20 – Detalhe da Catedral de Reims - Villard de Honnecourt - cerca de 1230. 80 Figura 21 - Reconstrução gráfica do experimento de Brunelleschi segundo Luigi Vagnetti. ................................................................................................................. 82 Figura 22 - Diagrama do experimento de Brunelleschi. ......................................... 83 Figura 23 - Esquema de perspectiva de Alberti. ..................................................... 84 Figura 24 - Reconstituição de uma vila em Köln-Lindenthal, atual Alemanha, em cerca de 5000 a.C. ................................................................................................. 93 Figura 25 – Diagrama de um arco falso e um arco verdadeiro .............................. 94 Figura 26 – Reconstrução de uma casa da época Neolítica na região dos lagos suíça. 95 Figura 27 - Três arcos de Tel Dan. ........................................................................... 96 Figura 28 – Desenho da ponte sobre o rio Assos, século V a.C. .......................... 98 Figura 29 – Tanque de água com cimento pozolânico em Rodes, 700 a.C. ......... 99 Figura 30 – Desenho da ponte sobre o Rio Dizful, cerca de 350 a.C. ................. 100 Figura 31 – Igreja São Pedro de La Nave, século VII, Espanha. .......................... 105 Figura 32 – Antiga Basílica de São Pedro. ............................................................ 106 Figura 33 - Direção dos empuxos nas abóbadas cruzadas e de berço (fonte: autor) 108 Figura 34 - Catedral de Durham, Inglaterra. .......................................................... 109 Figura 35 - Igreja Santa Maria del Fiori, Florença ................................................. 111 9 Figura 36 - Detalhe da parede da cúpula da igreja Santa Maria del Fiori ........... 112 Figura 37 - Esquemas da construção do domo de Florença ............................... 112 Figura 38 - Pontes em I quattro libri dell'architettura .......................................... 114 Figura 39 - Ponte de Hans Ulrich Grubenmann – 1757 ........................................ 118 Figura 40 - Ponte em ferro sobre o rio Severn, Inglaterra. .................................. 120 Figura 41 - Ditherington Flax Mill ........................................................................... 122 Figura 42 - Biblioteca de Sainte-Geneviève .......................................................... 123 Figura 43 - Barco de Lambot. ................................................................................. 124 Figura 44 - Patente de James Bogardus. .............................................................. 124 Figura 45 - Patente do dispositivo inventado por Otis. ........................................ 125 Figura 46 - Conversor Bessemer. ......................................................................... 126 Figura 47 - Edifício E.V. Haughwout Building. ...................................................... 126 Figura 48 - Ponte de Monier em Chazelet. ............................................................. 128 Figura 49 - Edifício Home Insurance...................................................................... 129 Figura 50 - Edifício da loja Le Bon Marché. .......................................................... 130 Figura 51 - Galerie des Machines – 1889. .............................................................. 131 Figura 52 - Torre de Shukhov - 1896. ..................................................................... 132 Figura 53 - Laje cogumelo em Giesshuebel, Suíça – 1910. ................................. 134 Figura 54 - Fabrica Fagus, Alfed, Alemanha. ........................................................ 135 Figura 55 - Sistema construtivo Dom-ino. ............................................................. 136 Figura 56 - Hangares aeroporto de Orly – 1916. ................................................... 136 10 Figura 57 - Palácio do Ministério da Educação. ................................................... 138 Figura 58 - Capela Notre Dame du Haut, Rouchamp, França. ............................. 139 Figura 59 - Palazzetto dello Sport, Roma. ............................................................. 140 Figura 60 - Centro Georges Pompidou, Paris. ...................................................... 142 Figura 61 - Edifício Hong Kong and Shangai Bank, Hong Kong. ........................ 142 Figura 62- Museu Guggenheim, Bilbao. ................................................................ 143 Figura 63 - Petronas Towers, Malásia. ................................................................... 143 Figura 64 - Jean-Marie Tjibaou Cultural Centre, Polinésia francesa ................... 144 Figura 65 - BedZed, Londres. ................................................................................. 145 Figura 66 - Viaduto Millau, França. ........................................................................ 145 Figura 67 - Complexo Olímpico em Pequim. ......................................................... 146 Figura 68 - Masdar City ........................................................................................... 147 Figura 69 - Edifício Burj Khalifa, Dubai. ................................................................ 147 Figura 70 - The Shard, Londres. ............................................................................. 148 Figura 71 - One World Trade Center, Nova Iorque................................................ 148 Figura 72 - Diagrama de esforços na seção de uma viga .................................... 158 Figura 73 - Diagrama do processo de uma análise por MEF. .............................. 164 Figura 74 - Tipos de elementos e posição de nós de uma malha para MEF. ..... 165 Figura 75 - Modelo discreto de análise bidimensional de uma barragem, incluindo o solo. ...................................................................................................................... 165 Figura 76 - Modelo discreto de uma viga em T. .................................................... 166 Figura 77 - Vista aérea da Praça de Serviço da UFMG. ........................................ 168 11 Figura 78 - Vista da tenda ....................................................................................... 169 Figura 79 - Vista do Anfiteatro. .............................................................................. 169 Figura 81 - Diagrama da malha de FEM. ................................................................ 171 Figura 80 - Altura do triângulo ............................................................................... 171 Fonte: autor ............................................................................................................. 171 Figura 82 - Diagrama da aplicação de forças na malha de MEF. ........................ 172 Figura 83 - Diagrama do comportamento das restrições na simulação ............. 173 Figura 84 – Malha da simulação 1. ......................................................................... 177 Figura 85 - Malha da simulação 2........................................................................... 177 Figura 86 - Malha da simulação 3........................................................................... 178 Figura 87 - Malha da simulação 4........................................................................... 178 Figura 88 - Malha da simulação 5........................................................................... 178 Figura 89 - Diagrama da modelagem das restrições da malha 5. ....................... 179 Figura 91 - Diagrama da modelagem das restrições das malhas. ...................... 180 Figura 91 - Diagrama de aplicação do parâmetro peso. ...................................... 181 Figura 92 - Forma final da malha 1 (fonte: autor) ................................................. 182 Figura 93 - Forma final da malha 2 (fonte: autor) ................................................. 182 Figura 94 - Forma final da malha 3 (fonte: autor) ................................................. 182 Figura 95 - Forma final da malha 4 (fonte: autor) ................................................. 182 Figura 96 - Forma final da malha 5 (fonte: autor) ................................................. 182 Figura 97 – Gráfico da escala de tensões na estrutura, considerando a inversão de funicular ............................................................................................................... 185 12 Figura 98 – Diagrama de tensões malha 1 (fonte: autor) ..................................... 186 Figura 99 – Diagrama de tensões malha 2 (fonte: autor) ..................................... 186 Figura 100 – Diagrama de tensões malha 3 (fonte: autor) ................................... 186 Figura 101 – Diagrama de tensões malha 4 (fonte: autor) ................................... 186 Figura 102 – Diagrama de tensões malha 5 (fonte: autor) ................................... 186 Figura 103 - Modelo analítico linear estrutural da grelha 4 Form-finding. ......... 188 Figura 104 - Fluxograma do ensaio em modelo reduzido. ................................... 189 Figura 105 - Fabricação digital da malha 4. .......................................................... 190 Figura 106 - Modelagem do aparelho de fixação para ensaio. ............................ 191 Figura 107 - Ensaio no modelo reduzido ............................................................... 192 Figura 108 - Ensaio no modelo reduzido ............................................................... 192 Figura 109 - Ensaio no modelo reduzido ............................................................... 192 Figura 110 – Escaneamento 3D do ensaio. ........................................................... 193 Figura 111 - Modelo analítico linear estrutural ..................................................... 194 Figura 112 - Esquema dos arcos do parabolóide. ................................................ 196 Figura 113 - Proporções de posição dos apoios. ................................................. 197 Figura 114 - Proporções dos arcos........................................................................ 198 Figura 115 - Parte do algoritmo referente à modelagem dos pontos de apoio, arcos e seus parâmetros genéticos. ............................................................................... 199 Figura 116 – Parte do algoritmo referente à geração e recorte da superfície paraboloide. ......................................................................................................... 199 Figura 117 - Sequencia algorítmica de otimização escala da superfície. ........... 201 13 Figura 118 - Parte final do primeiro algoritmo de cálculo genético. ................... 202 Figura 119 – Tela final do cálculo genético da superfície. ................................... 205 Figura 120 - Vista superior da forma final resultante do cálculo genético da superfície. ............................................................................................................ 206 Figura 121 - Vista frontal da forma final resultante do cálculo genético da superfície. 206 Figura 122 - Vista lateral da forma final resultante do cálculo genético da superfície. 207 Figura 123 - Perspectiva da forma final resultante do cálculo genético da superfície. 207 Figura 124 - Perspectiva da forma final resultante do cálculo genético da superfície. 208 Figura 125 - Algoritmo de criação da malha de contorno. ................................... 209 Figura 126 - Nós e barras de contorno. ................................................................. 209 Figura 127 - Parte do algoritmo para população de pontos sobre a superfície. 210 Figura 128 - Parte do algoritmo de ajuste na população de pontos. .................. 210 Figura 129 - Parte do algoritmo de movimentação dos pontos. ......................... 211 Figura 130 - Funções algoritmos de condição áurea das barras. ....................... 212 Figura 131 - Algoritmo genético da condição áurea. ........................................... 213 Figura 132 - Tela do cálculo genético da condição áurea. .................................. 214 Figura 133 - Vista superior grelha Alberti. ............................................................ 215 Figura 134 - Vista frontal grelha Alberti. ................................................................ 215 Figura 135 - Vista lateral grelha Alberti. ................................................................ 216 14 Figura 136 - Perspectiva grelha Alberti. ................................................................ 216 Figura 137 - Perspectiva grelha Alberti. ................................................................ 217 Figura 138 - Algoritmo completo da grelha Alberti. ............................................. 218 Figura 139 – Simulação de esforços no SAP ........................................................ 219 Figura 140 - Visão geral do algoritmo de dimensionamento das barras da estrutura. 221 Figura 141 - Parte do algoritmo para posicionamento das seções da barra. .... 221 Figura 142 - Parte do algoritmo para dimensionamento final das seções da barra. 221 Figura 143 - Parte do algoritmo de cálculo do peso total da estrutura. ............. 222 Figura 144 - Ajuste de força em cada nó. .............................................................. 223 Figura 145 - Passo recorrente no algoritmo. ........................................................ 223 Figura 146 - Definição das tensões por força axial e momentos. ....................... 225 Figura 147 - Definição da seção das barras. ......................................................... 226 Figura 148 - Planta da estrutura final form-finding. .............................................. 227 Figura 149 - Vista lateral da estrutura final form-finding. .................................... 228 Figura 150 – Vista frontal da estrutura final form-finding. ................................... 228 Figura 151 - Perspectiva da estrutura final form-finding. .................................... 229 Figura 152 - Perspectiva da estrutura final form-finding. .................................... 229 Figura 153 – Planta estrutura final ensaio modelo reduzido. .............................. 230 Figura 154 – Vista lateral estrutura final ensaio modelo reduzido. ..................... 231 Figura 155 – Vista frontal estrutura final ensaio modelo reduzido. .................... 231 15 Figura 156 – Perspectiva estrutura final ensaio modelo reduzido. ..................... 232 Figura 157 - Perspectiva estrutura final ensaio modelo reduzido. ..................... 232 Figura 158 - Planta da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. ............... 234 Figura 159 – Vista lateral da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. ..... 235 Figura 160 – Vista frontal da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. .... 235 Figura 161 - Perspectiva da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. ..... 236 Figura 162 – Perspectiva da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. ..... 237 16 LISTA DE QUADROS Quadro 01 – Correspondência entre a tríade vitruviana e a teoria de Alberti ...... 43 17 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Parâmetros de força e rigidez da simulação de otimização estrutural no SMARTForm® ...................................................................................................... 176 Tabela 2 – Dados dimensionais das simulações .................................................. 183 Tabela 3 – Dados dimensionais do ensaio no modelo reduzido ......................... 194 Tabela 4 – Descrição numérica das proporções harmônicas do De re aedificatoria 196 Tabela 5 – Parâmetros do cálculo genético 1 ....................................................... 204 Tabela 6 - Dados dimensionais grelha Alberti ...................................................... 217 Tabela 7 - Dados dimensionais dos três modelos lineares estruturais (fonte: autor) 218 Tabela 8 – Resultados dimensionais das estruturas finais. ................................ 237 18 SUMÁRIO Agradecimentos .......................................................................................................... 3 RESUMO ....................................................................................................................... 4 ABSTRACT ................................................................................................................... 5 RESUMEM .................................................................................................................... 6 LISTA DE FIGURAS ..................................................................................................... 7 LISTA DE QUADROS ................................................................................................. 16 LISTA DE TABELAS .................................................................................................. 17 SUMÁRIO ................................................................................................................... 18 1. APRESENTAÇÃO DO TRABALHO ....................................................................... 21 2. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA ................................................................... 23 3. ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO: HISTÓRICO .................................................. 28 3.1. Sobre Teoria da Arquitetura e Construção ..................................................... 28 3.1.1. O início da Arquitetura.......................................................................... 28 3.1.2. O dualismo da Arquitetura .................................................................... 31 3.1.3. O tratado de Vitruvius........................................................................... 35 3.1.4. O tratado de Alberti .............................................................................. 41 3.1.5. O tratado de Viollet-le-Duc ................................................................... 50 3.1.6. Os tratados da arquitetura modernista ................................................. 54 3.1.7. O momento atual da teoria da Arquitetura ........................................... 65 3.2. A influência dos meios: Ferramentas de Representação ............................... 70 3.2.1. Os primeiros desenhos de projeto ....................................................... 71 3.2.2. A teoria da perspectiva......................................................................... 80 19 3.2.3. A revolução da computação ................................................................. 86 3.3. Sobre a Prática da Arquitetura e Construção ................................................. 92 3.3.1. Pré-história e Idade Antiga ................................................................... 92 3.3.2. Idade Clássica: 800 a.C. ao século III .................................................. 96 3.3.3. Idade Média: século III ao século XIII ................................................ 104 3.3.4. Renascimento: século XIII ao século XVII.......................................... 110 3.3.5. A Idade da razão: século XVII e século XVIII ..................................... 114 3.3.6. Revolução Industrial: século XIX ........................................................ 121 3.3.7. Modernismo: século XX ..................................................................... 133 3.3.1. Revolução tecnológica e século XXI .................................................. 139 3.4. A influência dos meios: Ferramentas de Cálculo .......................................... 149 3.4.1. Mecânica clássica dos materiais ........................................................ 150 3.4.2. A teoria da elasticidade ...................................................................... 156 3.4.3. Métodos de aproximação numérica ................................................... 160 4. ESTUDOS DE CONCEPÇÃO DA FORMA ARQUITETÔNICA ............................ 168 4.1. Demandas arquitetônicas ............................................................................. 168 4.2. Estudos formais ............................................................................................ 171 4.2.1. Método 1: Form-finding ...................................................................... 171 4.2.1.1. Resultados formais obtidos ..................................................... 181 4.2.1.2. Análise preliminar de tensões .................................................. 185 4.2.1.3. Escolha da solução estrutural de Form-finding ........................ 187 4.2.2. Método 2: ensaio em modelo reduzido .............................................. 188 4.2.3. Método 3: Parametric Design e regras Alberti .................................... 194 4.3. Estudos estruturais ....................................................................................... 218 5. CONCLUSÕES ..................................................................................................... 239 20 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 245 7. GLOSSÁRIO ......................................................................................................... 254 21 1. APRESENTAÇÃO DO TRABALHO O objetivo desse trabalho é investigar como o conhecimento estrutural interage no processo de concepção da forma arquitetônica através das tecnologias digitais. A questão a ser explorada é se o uso integrado de algumas dessas tecnologias no processo de projeto resulta em melhores soluções de projeto. As tecnologias digitais escolhidas para o estudo são a modelagem de formas complexas e a simulação de comportamentos estruturais. Minhas hipóteses frente à questão são: o uso integrado das tecnologias no processo de projeto resulta em melhores soluções; e o aspecto crítico dessa integração envolve questões do processo de projeto e não da tecnologia em si. Essa última hipótese foi determinante para a escolha do método de investigação. Uma vez que, segundo minhas hipóteses, o processo de projeto e sua relação com as ferramentas digitais é o aspecto crítico a ser investigado na tese, decidi ser importante discutir como o conhecimento (no nosso caso o conhecimento estrutural e formal) interagiu e foi aplicado no processo de projeto historicamente. Por isso, foi realizada uma contextualização histórica dessa interação. Ela precedeu e fundamentou as observações dos experimentos de aplicação da tecnologia. Assim, a investigação é sistematizada em dois momentos: contextualização histórica e estudos experimentais. A contextualização histórica apresenta como aconteceu a interação entre o conhecimento estrutural e a concepção da forma arquitetônica. Nela são escolhidos, descritos e analisados eventos arquitetônicos relevantes, assim como os meios utilizados e que influenciaram o desenvolvimento destes. A contextualização histórica é organizada a partir de duas abordagens historiográficas, ou seja, de dois diferentes critérios de escolha dos eventos históricos. Como resultados são apresentados duas sequências históricas independentes. 22 Na primeira sequencia, os eventos históricos foram escolhidos quanto à sua relevância para as teorias e tratados que abordam os aspectos de geração da forma na concepção arquitetônica. As teorias e tratados escolhidos buscaram entender os aspectos epistemológicos do objeto arquitetônico tendo como ponto de partida a forma do espaço. Assim, essa sequencia busca representar o modo como o conhecimento construtivo e arquitetônico foi percebido e pensado. Na segunda sequencia, os eventos foram escolhidos quanto à sua relevância para a construção do objeto arquitetônico. Esses eventos mostram como a Arquitetura foi realizada pragmaticamente ao longo da história. A sequência busca representar o modo como o objeto arquitetônico foi construído. O segundo momento do trabalho apresenta estudos experimentais de concepção da forma arquitetônica através de tecnologias digitais, com diferentes métodos de interação entre a concepção estrutural e os resultados formais. Nele propõe-se uma determinada demanda arquitetônica e investigam-se as soluções projetuais para ela. As investigações ocorrem a partir do emprego de métodos de concepção que utilizem tecnologias de simulação de comportamento estrutural e tecnologias de modelagem de formas complexas. Nas conclusões são discutidos os aspectos importantes e críticos da integração das tecnologias no processo de concepção arquitetônica nos dois momentos, isto é, são considerados os aspectos observados na análise de contextualização histórica e nos estudos experimentais. Por fim são identificados e sugeridos pontos relevantes percebidos para continuidade das pesquisas e análises da interação forma/estrutura na concepção arquitetônica. 2. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA O edifício CCTV do escritório OMA apresenta uma forma com p direções formando volumes grande abertura central. Os seis volumes de volta contínua, apresentando balanços de planos inclinados que dispensam apoio por pilares em suas extremidad estrutura de malha complexa e irregular, com é uma experiência visual de diferentes e variadas perspectivas posição de equilíbrio estático De certo modo, o equilíbrio estático da forma do usuais do comportamento f parecem ganhar atualmente demonstrar nossa atual capacidade 1 O termo “forma complexa” é utilizado no presente trabalho como formas que apresenta elevada variação em sua geometria com diversas posições de seus elementos geométricos formais, podendo ser retos, curvos ou combinados. horizontais e verticais que se agrupam verticais e horizontais se unem em uma espécie es. Eles são unidos por divisões agudas variação constante. A forma final do edifício e também uma inesperada (Figura 1). Figura 1 - Edifício CCTV fonte: http://www.oma.eu/ edifício CCTV contrapõe ísico estrutural de um edifício. Contraposições contornos cada vez mais extremos. Ess de conceber formas e estruturas 23 lanos em diferentes em torno de uma , gerando uma as expectativas essas que as ousadias parecem complexas1. 24 Outro exemplo que podemos citar é o edifício Médiacité, na cidade de Liége, Bélgica, do estúdio Ron Arad Architects, que abriga um centro de compras. Ele possui uma cobertura de cerca de 350 metros de comprimento, como uma largura média de 28 metros e uma área coberta de 9750 m2. Sua estrutura é baseada em uma série de nervuras de aço de diferentes dimensões unidas em uma malha irregular e complexa. Sobre as nervuras são fixados painéis poliméricos de etileno tetrafluoretileno (ETFE2). Os painéis são inflados, funcionando como uma estrutura pneumática. A camada pneumática de painéis ETFE junto com as nervuras de aço formam a estrutura de casca da cobertura. A forma inicial da malha de nervuras e painéis foi escolhida pelo arquiteto com a intenção de criar um ritmo diferenciado na estrutura. A partir dessa malha inicial, foi realizada uma simulação computacional da posição de equilíbrio estático estrutural, definindo a posição final de cada nervura e painel e consequentemente a forma final da casca/cobertura. A simulação interagiu os requisitos de arquitetura e engenharia através da descrição matemática do comportamento físico da estrutura, em um processo conhecido como form- finding. No processo de concepção do Médiacité foram analisados diversos cenários, como, por exemplo, variações no número e dimensão das nervuras. Também foram considerados requisitos de manufatura, que definiram soluções como a seção da nervura, buscando a redução do consumo de materiais, peso e custos, tendo sempre como referência a forma inicial da malha escolhida pelo arquiteto. O resultado final é uma estrutura aparentemente caótica e estruturalmente irracional (Figura 2). 2 O ETFE é um polímero transparente e flexível usado para fechamento e transmissão de luz. O Eden project, em Cornwall, Inglaterra, do arquiteto Nicholas Grimshaw; A Alianz Arena, em Munique, Alemanha, dos arquitetos Jacques Herzog e Pierre de Meuron; e o centro aquatico Watercube, em Pequim, China, projetados pelos escritórios PTW Architects e Arup, são alguns projetos recentes que utilizam o ETFE em seus fechamentos e coberturas. Três avanços tecnológicos formas e estruturas complexas. desenhar e modelar essas formas. O segundo seria nosso conhecimento teórico estrutural assim como nossa capacidade de simular e testar complexos dos fenômenos físicos naturais. O terceiro seria nossa capacidade e conhecimento técnico de realizar uma construção, incluindo aqui aspectos de pesquisa e desenvolvimento de novos materiais construtivos assim co A incorporação desses avanços está relacionada com enquanto sociedade técnica e cultural. Ness caminhos possíveis para incorporação do conhecimento técnico e cien das diversas áreas do conhecimento possibilidades científicas e tecnológicas O desenvolvimento posterior consequente dessas diversas abordagens. No modelagem e de simulação do comportamento estrutural de diferentes tentativas e abordagens diretamente os resultados e soluções de projeto Uma questão importante na consequências de uma abor projeto. Podemos, por exemplo 3 O presente trabalho considera esta condição para o momento atual. Figura 2 - Mediacité em Liége Fonte: http://www.archdaily.com/ parecem tornar possível a concepção e con O primeiro deles seria nossa capacidade de rep os vários cenários de comportamentos mo de sistemas construtivos. nossa constante evolução, a busca, testamos diversa . Em momentos históricos singulares de grandes 3 diversas abordagens ocorrem simultaneamente. desses momentos singulares processo de projeto, o uso das vem sendo incorporado . O modo que essa incorporação ocorre . busca por melhores soluções de projeto é quais dagem fragmentada dessas tecnologias no processo de , na concepção de arquitetura, nos 25 strução dessas resentar, s abordagens e tífico na atividade é uma síntese novas tecnologias de s através influencia as limitar a modelar e 26 desenhar formas complexas, sem nos preocuparmos sobre como serão o comportamento físico, ou como serão construídas, uma vez que outra especialidade resolverá a questão? Em outras palavras, a concepção da forma arquitetônica pode se restringir a um exercício artístico e plástico, permitido pelas atuais ferramentas de modelagem? Por outro lado, uma adequada eficiência estrutural, definidora da forma através da tecnologia de simulação, seria suficiente para a qualidade do espaço construído? Em outras palavras, a forma segue a estrutura? Ou ainda a firmitas define a venustas? Como hipótese do presente trabalho, uma abordagem fragmentada prejudica as soluções de projeto. Uma abordagem integrada de ambas as tecnologias no processo de concepção é mais profícua na busca por melhores soluções. Porém, a definição desta integração não é, muitas vezes, clara. Tanto o CCTV quanto o Médiacité parecem abordar de forma integrada a modelagem de formas complexas e a simulação de comportamento estrutural. Mas, também, ambos parecem apresentar um forte traço plástico formalista ligado às intenções artísticas dos arquitetos/autores, desconsiderando aspectos do conhecimento estrutural. Talvez essa dificuldade seja intrínseca a questões epistemológicas da atividade da Arquitetura e construção. Assim, as questões epistemológicas são importantes para discutimos tanto a condição de integração da modelagem de formas complexas e simulações estruturais no processo de projeto, quanto discutirmos um recorte da definição de melhor solução. Buscamos melhores soluções, mas, qual o nosso objetivo, ou seja, concebemos a Arquitetura por qual motivo? Concebemos a Arquitetura para solucionar problemas práticos, sendo estes, em essência, o abrigo das atividades humanas. Uma vez que estas atividades acontecem fisicamente no tempo e espaço, a Arquitetura é um objeto físico. Arquitetura é, portanto, uma construção. Quando pensamos em construções, a questão crítica a ser resolvida é sua integridade estrutural, ou seja, sua estabilidade quando submetida a forças que atuam sobre as mesmas. Desse modo, um importante aspecto presente na concepção de um espaço arquitetônico é o estrutural. A viabilidade estrutural é que irá possibilitar uma construção, ou seja, a concepção estrutural irá viabilizar uma concepção arquitetônica. 27 Podemos resumir que a Arquitetura é uma construção útil, possível através de uma concepção viável estruturalmente. Através desta premissa, fica clara a importância de considerarmos o conhecimento estrutural na concepção arquitetônica. Desse modo, a integração de tecnologias de simulação do comportamento estrutural no processo de projeto pode ser profícua para realizarmos melhores soluções. Concebemos a Arquitetura para realizarmos um objeto físico útil. Mas, seria somente por este motivo? A construção útil define os aspectos objetivos da intenção na concepção arquitetônica. Porém, a Arquitetura/construção também se apresenta como um objeto estético e cultural. Nós, enquanto sujeitos, experimentamos este objeto estético e cultural principalmente através de sua forma. Ou seja, a Arquitetura é um objeto útil, cultural, estético e plástico. Assim, concebemos a forma arquitetônica também por motivos subjetivos estéticos e plásticos, explorando um repertório formal. A evolução na nossa capacidade de representar formas amplia nosso repertório formal. Desse modo, a integração de tecnologias de modelagem de formas complexas no processo de projeto pode ampliar nosso repertório formal e contribuir para realizarmos melhores soluções. Porém, os argumentos acima abrangem apenas pontualmente a discussão sobre utilidade e estética/cultura na Arquitetura. A condição útil, estética e cultural do objeto arquitetônico implica em amplas questões. Para nossa exploração é fundamental aprofundarmos nessas questões epistemológicas, de modo a dar fundamentação ao estudo. Assim, será estudado como a Arquitetura e construção foi percebida, pensada e realizada historicamente. Desse modo, procuramos dar coerência e contextualizar, em relação a momentos históricos correlatos, a nossa discussão sobre a integração de tecnologia de modelagem de formas complexas e simulação de comportamentos estruturais para melhores soluções de projeto. 28 3. ARQUITETURA E CONSTRUÇÃO: HISTÓRICO 3.1. Sobre Teoria da Arquitetura e Construção "Arquitetura é antes de mais nada construção, mas, construção concebida com o propósito primordial de ordenar o espaço para determinada finalidade e visando a determinada intenção" (COSTA, 1952). A frase de Lucio Costa em seu texto “Considerações sobre a Arte Contemporânea” exprime o pensamento do autor sobre a condição de construção presente em toda obra arquitetônica. A afirmativa é parte da delimitação do autor para o objeto Arquitetura. Porém, o debate sobre “o que é Arquitetura?” apresenta vários pontos de vistas, muitas vezes divergentes. O presente trabalho tem como premissa a afirmativa Arquitetura é construção. Porém, adota uma delimitação diferente de Lúcio Costa. Lúcio define a Arquitetura com uma construção que tem na intenção artística a sua essência. No presente trabalho a intenção artística não delimita a Arquitetura. Aqui, a materialidade de construção e sua função útil de abrigo das atividades humanas delimita a Arquitetura. A intenção artística pode, ou não, qualificar a mesma. 3.1.1. O início da Arquitetura Construção é toda atividade humana que tem por objetivo criar um objeto com uma finalidade. Os mais antigos objetos construídos pelo homem parecem ter sido os utensílios de pedra. Eles foram realizados a cerca de 2,4 milhões de anos, época em que o homem era nômade e caçador. Durante este período, chamado de pré-histórico ou Paleolítico, os homo habilis, nossos ancestrais, produziram artefatos que os ajudavam em diversas tarefas como caçar, cortar, golpear, entalhar e raspar. As tribos viviam em constantes deslocamentos para busca de alimentos e recursos. Deste modo, havia a necessidade de criação de artefatos para abrigar suas diversas atividades, como, por exemplo, a moradia. Os primeiros artefatos construídos para esta finalidade parecem (Figura 3) a cerca de 15 mil anos atrás As tendas eram construídas para proteger o homem das intempéries, substituindo a caverna. Elas utilizavam em sua construção, materiais disponíveis no local como pedras, galhos de árvores, ossos, folhas e peles de animais principais categorias de sistemas e elementos construtivos das edificações estavam presentes nas primeiras tendas. Analogamente, edificações estaria nas pedras das bases das p portante estaria nos galhos e ossos, animais e folhas. Cerca de 10 mil anos atrás, o homem e da pecuária. Com isso, não era de alimentos. Nesta nova condição, o homem um local, e surgem as primeiras origem de nossa atual sociedade (BROADBENT, 1982). Figura 3 - Tendas do período Paleolítico Fonte: (BROADBENT, 1982) . É interessante notarmos que as a origem das fundações de nossas rimeiras tendas, e a origem das vedações estaria adquire o conhecimento e tecnologia mais necessário que as tribos se deslocassem pode se assentar de aldeias. Tem-se início o nosso processo c . Com o processo civilizatório, as sociedades adquirem 29 terem sido as tendas a origem da estrutura nas peles de da agricultura em busca modo permanente em ivilizatório, conhecimentos, crenças, arte geração, definindo assim nossa cultura. De acordo com os registros entre 9 mil e 8 mil anos atrás homem primitivo as construiu abrigar suas atividades (Figura Figura 4 - Reconstituição do interior de um edificação do ano entre Fonte Durante o processo civilizatório, os ser incorporadas nas construções. Nossas edificações e ambientes construídos tornam produto da tecnologia construtiva e uma autores, as manifestações culturais artísticas humanas(HEGEL, 1996; GADAMER, 1999) 4 A definição de arte varia conforme o cont utilizada no presente texto é discutida no decorrer do mesmo. s, moral, leis, costumes, e esses são passados de geração a mais antigos conhecidos, as primeiras , formando as primeiras vilas e cidades exclusivamente como um artefato utilitário, com o objetivo de 4). 7500 e 5700 a.C. em Çatalhöyük : www.wikipedia.com, autor: Stipich Béla desejos e expressões culturais do homem passam a manifestação cultural humana. tem sua melhor representação nas atividades . Através da arte exto histórico e cultural (GOMBRICH, 1999) 30 edificações surgiram . Inicialmente, o -se Segundo alguns 4 , o homem expressa . A abordagem 31 seu entendimento subjetivo sobre o mundo em que vive, seus valores éticos, reflexões e impressões sensíveis. Em seu primórdio a Arquitetura era um artefato apenas utilitário, realizado através de uma técnica. A partir da união entre a técnica e a arte surge a Arquitetura em seu significado contemporâneo (MALARD, 2011). Um objeto/artefato cultural que, conforme premissa deste trabalho, sempre terá a finalidade primeira de abrigar as atividades humanas. Um objeto que surge através da tecnologia, de um conhecimento construtivo, e dele não pode prescindir. E que sempre será um objeto físico, uma construção. 3.1.2. O dualismo da Arquitetura Durante a história, a relação entre a Arquitetura, a técnica e a arte foi discutida em vários pontos de vistas, muitas vezes divergentes. Em alguns momentos da história, a Arquitetura pareceu estar fortemente ligada ao conhecimento tecnológico construtivo de sua época (BENEVOLO, 2005; FRAMPTON, 2008). Em outros momentos, a Arquitetura pareceu fortemente ligada a um conhecimento sensível e artístico do arquiteto/indivíduo (COSTA, 1952; NORBERG-SCHULZ, 1968). Parece haver um persistente problema epistemológico sobre a forma que a Arquitetura é realizada. A Arquitetura é técnica ou arte? É um artefato utilitário para o indivíduo/usuário ou uma expressão cultural do indivíduo/arquiteto? Ou ambas as coisas? O problema epistemológico surge do aparente dualismo entre arte e técnica. Dualismo que surge é fomentado e debatido em vários momentos da história. O conceito de arte do presente trabalho está relacionado a um conhecimento sensível, estético e metafísico. Já o conceito de técnica está relacionado a um conhecimento prático que nos permite realizar certas atividades. Ao examinarmos a etimologia das palavras técnica e arte, percebemos que o dualismo técnica x arte parece que nem sempre existiu, ou pelo menos, nem sempre existiu claramente. A palavra técnica tem origem na palavra grega tekné, cuja tradução é arte. Portanto, tanto a técnica quanto a arte tem suas origens etimológicas comuns. O surgimento, na Grécia antiga, do conceito técnica (ou arte) buscou representar nossa 32 habilidade do fazer, articulada com as demais atividades da realidade cultural e social de uma época. Apesar da etimologia das palavras técnica e arte apresentarem origem comum, os significados das palavras foram ganhando caminhos diversos ao longo da história. Já na Grécia antiga surgiram discussões sobre possíveis inconsistências e divergências sobre o significado do conceito tekné. A principal ideia que discute a questão na época é a teoria da inspiração de Platão. Em seu trabalho Íon, Platão descreve o diálogo de Sócrates com o rapsodo Íon. Os rapsodos eram indivíduos que, na sociedade grega da época, declamavam poemas para um público, principalmente poemas épicos de Homero. Homero ocupava uma posição central na cultura dos gregos, sendo referência da concepção do conhecimento humano até então. As festividades em que estas declamações aconteciam mobilizavam toda a sociedade e o rapsodo tinha papel de destaque nas mesmas. O rapsodo não se limitava a declamar e encenar o poema, mas também interpretava e explicava os sentidos das palavras do poeta. Uma vez que a sociedade grega antiga era fortemente oral, as interpretações do rapsodo assumiam uma função de transmitir e fornecer as principais referências, parâmetros, costumes e procedimentos para a coletividade. E isto incluía também, a função de transmitir os procedimentos técnicos. Nos poemas podiam ser descritos, por exemplo, os procedimentos para pescar, para praticar a medicina ou mesmo para cavalgar com maestria: “...y tú inclínate en el fuerte asiento hacia la izquierda y anima con imperiosas voces al corcel del otro lado aflojándole las rendas. El caballo izquierdo se aproxime tanto a la meta, que parezca que el cubo de la bien construida rueda haya de llegar al tronco, pero guárdate de chocar con la piedra...” (HOMERO, 2003, p. 635, XXIII, 334.) No diálogo com Íon, Sócrates questiona o rapsodo sobre o motivo de ele ser o mais capaz de falar sobre Homero e não ter interesse e capacidade de falar sobre os demais poetas que tratam do mesmo tema, mas de outro modo. Íon conclui que não possui esta capacidade ampla porque possui uma inspiração divina, sabendo diferenciar os poemas inferiores, apesar de não os conhecerem. Platão também questiona, principalmente, o motivo que faz o rapsodo acreditar ser o mais hábil para falar e interpretar as artes de 33 ofícios descritas nos poemas. Íon conclui que, através desta inspiração divina era capaz de falar com excelência dos assuntos abordados nos poemas, inclusive os procedimentos técnicos. Este mito da inspiração poética é conhecido como teoria da inspiração de Platão. A teoria da inspiração estabelece uma cadeia articuladora entre a Musa, figura mitológica onividente e onisciente, inspiradora das artes e da ciência, e os sucessivos inspirados: o poeta, o rapsodo e a plateia. No diálogo, Íon defende que é sua ligação a cadeia inspiradora e não o conhecimento técnico que o faz o melhor louvador e comentador dos temas dos poemas de Homero. Defende ainda que é esta inspiração divina que faz Homero melhor descrever os mais diversos assuntos em seus poemas. Esta visão destaca uma visão de possessão, delírio e passividade no fazer artístico, e, segundo muitas das interpretações dos textos de Homero, é contrário ao apresentado pelo poeta, onde o indivíduo seja este um cantor, um médico ou um cocheiro, apesar da inspiração da Musa, tem plena consciência e conhecimento técnico do seu ofício. No diálogo, Sócrates argumenta nesta direção: o artista, ao praticar sua arte deve buscar dominar o conjunto da mesma, tanto o que nela há de excepcional, ou “superior”, quanto o que há de medíocre, ou “inferior”. A figura de Íon representa a ideia da arte como faculdade superior do individuo ligado diretamente ao divino. Esta ideia parece ter ganhado força no século XV, com o surgimento das academias de arte. As academias de arte são consequências das mudanças trazidas do período histórico conhecido por Renascimento. Apesar das dificuldades de definição das características do período (MELVE, 2006), o consenso nas pesquisas históricas é que o Renascimento representa um importante e decisivo momento de mudanças culturais, sociais, econômicas, políticas e religiosas na nossa civilização. As ideias clássicas da Antiguidade foram redescobertas e valorizadas. O pensamento escolástico medieval foi substituído por um pensamento humanista. Estas mudanças afetaram profundamente a vida intelectual da Europa, permitindo avanços em várias áreas do conhecimento como artes, filosofia e ciências. A ciência avançou nas explicações racionais sobre o mundo natural, fundamentadas em teorias físicas e matemáticas. Algumas discussões passam a reivindicar uma separação da arte e da técnica. As teorias de arte surgidas no Renascimento definiram a arte como fruto de um trabalho reflexivo individual, conferindo superioridade ao seu autor. O artista passa a ser considerado e valorizado com um indivíduo com habilidades intelectuais superiores. Para 34 esta valorização, a arte é categorizada: os trabalhos frutos da habilidade intelectual definem uma arte superior; os trabalhos frutos de habilidades técnicas definem uma arte inferior. As artes superiores são associadas aos sentidos humanos da visão, tato e audição, sentidos estes considerados superiores. A pintura, a escultura, o poema e a música são incluídos nas categorias de arte superior. Esta mudança e valorização do artista podem ser personificadas através de Michelangelo Buonarroti. Michelangelo nasceu na Itália e viveu de 1475 a 1564. Ele desenvolveu trabalhos de pintura, escultura, poesia e arquitetura. Era considerado o maior artista de sua época e tem importância fundamental na história e teoria da arte. Michelangelo reivindicou uma independência criativa. O prestígio de seu trabalho o fez ser considerado iluminado e tocado pelo divino. Assim, o artista passou a ser visto como um gênio individual, isolado e independente do mundo cotidiano, incompreendido, a frente do seu tempo, livre das obrigações sociais e morais de sua época, preocupado apenas com a expressão de si mesmo. O artista é separado do artesão, do mestre de ofício, ou seja, a arte é, de certo modo, separada da técnica na visão moderna5 do artista. A discussão teórica sobre a arte iniciada no Renascimento envolveu a Arquitetura. Até o Renascimento a Arquitetura era entendida principalmente como uma arte aplicada, voltada para o mundo cotidiano, que produzia objetos úteis ao homem: objetos para moradias, objetos para facilitar as relações sociais, objetos simbólicos com significados. O objeto arquitetônico era um artefato. O arquiteto era o indivíduo tanto artista quanto mestre de um ofício: o ofício da construção do objeto arquitetônico. No Renascimento foi defendida uma nova condição teórica e epistemológica para a Arquitetura, com o objetivo de reivindicar a posição de artista superior ao arquiteto, utilizando para isto do suposto dualismo arte x técnica. Os novos meios surgidos com o desenvolvimento científico e com a nova condição cultural permitiram novas possibilidades na relação sujeito-objeto. Com isso, buscou-se o 5 O termo moderno é usado aqui relacionado a periodização da história, ou seja, a divisão de períodos históricos para fins didáticos. O termo moderno está relacionado com a era moderna da história, período que tem o Renascimento como um de seus eventos inaugurais. 35 reposicionamento da condição do arquiteto (sujeito) através da reivindicação do Arquitetura (objeto) como arte superior. Ao classificar o objeto, os renascentistas parecem propor uma essência para Arquitetura. Mas, ao discutimos o princípio e origem lógica de um objeto, devemos tratar dos aspectos do objeto em si mesmo, ou seja, dos aspectos objetivos. O que parece ter sido a motivação das teorias arquitetônicas renascentistas não foi o objeto arquitetônico em si mesmo, mas sim o sujeito que faz o objeto, levando a discussão para os aspetos psicológicos. Esta abordagem trouxe importantes consequências na relação sujeito-objeto influenciando o entendimento de como acontece a concepção arquitetônica. Uma das hipóteses deste trabalho é que o conhecimento construtivo faz parte da origem lógica ou natureza da concepção arquitetônica. O Renascimento parece romper com este raciocínio. Para analisarmos a questão, é importante compreendermos como o objeto arquitetônico foi pensado e percebido ao longo da história. Isto aconteceu através de tratados. 3.1.3. O tratado de Vitruvius Aproximadamente no ano de 15 a.C., foi escrito aquele que é considerado o primeiro tratado teórico de Arquitetura, os textos De Architectura libri decem, conhecido atualmente como os Dez livros da Arquitetura de Vitruvius. Seu autor, Vitruvius, foi um engenheiro militar romano e arquiteto prático. O tratado De Architetura foi escrito em grego e latim com o objetivo de registrar os conhecimentos técnicos construtivos da época para o imperador romano Augustus. A principal contribuição do tratado para a teoria da Arquitetura pode ser sintetizada no conceito proposto por Vituvius de que a Arquitetura deve buscar o equilíbrio das dimensões Firmitas (estrutura ou construção), Utilitas (utilidade ou função) e Venustas (beleza ou intenção estética). Este conceito, direta ou indiretamente, esteve associado ao objeto arquitetônico, ao longo da história, desde então. Segundo Heath(1989, p. 246), o tratado de Vitruvius tem origem nos trabalhos artesanais. Para Vitruvius, os objetos ou artefatos, mesmos os mais complexos como um navio, um piano ou um edifício, possuem características comuns a seu tipo, independente do local e da época que estes foram criados. A realização de um artefato consistia, para o autor, na reprodução de um tipo, como maiores ou menores adaptações conforme determinadas 36 circunstâncias. Vitruvius insere a Arquitetura na categoria de artefatos. Assim, no tratado, a Arquitetura é associada ao desempenho ou realização de um trabalho onde a compreensão e o conhecimento das técnicas envolvidas no mesmo leva ao melhor resultado. Para o autor, a Arquitetura é suscetível de ser apreendida e aperfeiçoada, não sendo associada a inspirações poéticas ou talentos individuais, como seriam, por exemplo, a música e a poesia. Ainda para Vitruvius, a Arquitetura é delimitada pelos requisitos técnicos inerentes a construção e pela condição do ambiente cultural em que está inserida (HEATH, 1989, p. 247). O método de concepção arquitetônica proposto por Vitruvius permite entendermos melhor como ele percebia a relação entre conhecimento construtivo e a concepção arquitetônica. Para Vitruvius, a concepção de um edifício tem início na seleção do tipo da edificação, tendo sequência na escolha dos subtipos pertinentes. Para a definição da forma da edificação a ser construída, o autor propõe a utilização de regras de proporções, de simetria e de relações entre suas dimensões. Estas regras tem importância fundamental no método vitruviano. Elas demonstram ainda a forte influência das ideias da Grécia antiga no tratado. Vitruvius propõe que uma forma visualmente bela deve possuir correspondência de suas partes com o todo, assim como “relação de uma determinada parte selecionada com um módulo”. Esta abordagem é semelhante ao pensamento de beleza ideal dos gregos. O corpo humano era considerado o modelo de beleza perfeito, possuindo proporções harmônicas, uma vez que era a principal criação superior ou divina. Ele representaria a harmonia entre as partes. Vitruvius estudou as relações presentes nas partes do corpo humano e propôs que as dimensões de um edifício deveriam estar baseadas em um módulo básico, que por sua vez deveria ser coerente com as proporções do corpo humano. Escolhendo uma dimensão da parte crítica do edifício, o desenvolvimento da forma ocorria a partir de frações e múltiplos desta dimensão e da relação entre as partes. O autor definiu esta estratégia formal como simetria. O tratado é, inclusive, considerado a origem histórica do conceito simetria (HON; GOLDSTEIN, 2005). No método vitruviano, o arquiteto devia procurar reproduzir relações e proporções harmônicas no edifício, uma vez que elas representariam a beleza perfeita. Vitruvius exemplifica algumas das regras que acreditava adequadas para alguns tipos de edificações. O arquiteto buscaria em sua concepção, a adição e subtrações das regras e 37 suas escolhas seriam baseadas em decisões racionais e em “inspirações” ou, como define o autor, em “iluminações de genialidade”: “Since, therefore, the reality may have a false appearance, and since things are sometimes represented by the eyes as other than they are, I think it certain that diminutions or additions should be made to suit the nature or needs of the site, but in such fashion that the buildings lose nothing thereby. These results, however, are also attainable by flashes of genius and not only by mere science” (VITRUVIUS, 2006, Vol 1, Ch 2, p 4). A ideia do arquiteto como um artista inspirado que aplica regras de proporções harmônicas é a mais destacada nas discussões do legado vitruviano. Este aspecto parece aproximar as ideias de Vitruvius da Teoria de Inspiração de Platão. E também parece ter sido utilizado como argumento nas discussões sobre Arte e Arquitetura iniciadas no Renascimento e na reivindicação do arquiteto como artista superior. Porém, a despeito do caráter fundamental e estético das regras de proporções, o método vitruviano possui outros aspectos que merecem ser destacados. O tratado foi uma compilação dos conhecimentos práticos da época e as regras de proporção eram baseadas em situações reais de construção. As regras descritas foram condicionadas pelas limitações técnicas e físicas inerentes de uma construção. Assim, por exemplo, a mesma proporção de um edifício não está presente em um edifício de maior ou menor dimensão, ou até mesmo em suas partes, uma vez que a situação poderia levar ao colapso ou a impossibilidade de construção. Apesar de ser o ponto central da concepção arquitetônica vitruviana, as regras de proporção não eram válidas para quaisquer situações6. Vitruvius reconheceu as contradições das regras e faz várias ressalvas da aplicação das mesmas: 6 Além das questões construtivas, a regras também podiam entrar em conflito com as necessidades funcionais (HEATH, 1989). Tanto as limitações técnicas quanto funcionais tiveram importantes consequências no método vitruviano (KRUFT, 1994). 38 “It is not possible, however, that in all theatres these rules of symmetry should answer all conditions and purposes, but the architect ought to consider to what extent he must follow the principle of symmetry, and to what extent it may be modified to suit the nature of the site or the size of the work.” ... “Again, if in the course of the work any of the material falls short, such as marble, timber, or anything else that is provided, it will not be amiss to make a slight reduction or addition, provided that it is done without going too far, but with intelligence. This will be possible, if the architect is a man of practical experience and, besides, not destitute of cleverness and skill” (VITRUVIUS, 2006, Vol 5, Ch 6, p 7). Outro aspecto importante é o fato do livro dedicar grande parte do texto para ensinar técnicas de construir. São abordados temas construtivos como: construção em tijolos, em pedras, em materiais pozolânicos, técnicas de construção de paredes (VITRUVIUS, 2006, Vol 2); execução de pisos, técnicas de revestimentos de estuco e pinturas (VITRUVIUS, 2006, Vol 7); sistemas hidráulicos como aquedutos, cisternas, fossas (VITRUVIUS, 2006, Vol 8); construções de máquinas e equipamentos. O tratado de Vitruvius é um sistema formal de proporções com intenções estéticas e artísticas. Mas também é um tutorial sobre técnicas construção. De Architetura é considerado a obra seminal da teoria da Arquitetura. Mas podemos especular que ele também é uma obra seminal da prática de construir ou, seja, da engenharia. Os condicionantes técnicos e funcionais são fundamentais nas ideias do De Architetura. As intenções do arquiteto interagem e são limitadas pelo conhecimento construtivo. Apesar da fecundidade histórica das ideias de Vitruvius, elas tiveram pouca influência em sua época. Alguns autores creditam esta situação ao fato do mesmo não abordar, ou abordar superficialmente, as principais demandas construtivas da época, como construções em tijolos, abóbadas, edifícios de múltiplos andares (KRUFT, 1994, p. 30). O tratado assim, não ajudava de modo eficiente nos problemas pragmáticos construtivos da época e, talvez por isso, foi recebido discretamente. No período seguinte da história, a Idade Média, o tratado também teve pouco interesse. De acordo com os estudos de Frankl (1945) e de Shelby (1972), a concepção da arquitetura medieval era baseada em procedimentos geométricos para representação e construção das formas, sem um sistema formal de regras de proporções. Alguns 39 pensadores medievais influentes, como, por exemplo, Santo Agostinho, defendiam as ideais da beleza proveniente da ordem, proporção e harmonia, associando-as a divindade. Apesar disto, durante o período, a arquitetura não é caracterizada pela ênfase em regras de proporções estéticas. A arquitetura medieval dos edifícios de moradia e das cidades parece ter sido motivada pela condição social da época, ou seja, os conflitos e as guerras. Muralhas e castelos eram adotados de forma pragmática. Com o crescimento do cristianismo, as edificações religiosas, especialmente as igrejas, ganharam grande importância. A arquitetura das igrejas medievais parece ter sido motivada por dois aspectos. Um deles seria a necessidade de abrigar um grande numero de pessoas reunidas em culto no edifício. Com isso, a arquitetura buscou soluções construtivas para espaços com grandes vãos. O outro seria a analogia espiritual da igreja como local do mundo terreno que representa o mundo do céu, divino. Este analogia se deu basicamente através da associação da elevação espiritual com a altura das igrejas e das naves. Assim a arquitetura medieval também buscou soluções de como construir edifícios de elevadas alturas. Os problemas enfrentados pela arquitetura medieval foram pragmáticos. Esta situação se mostrou bastante profícua na criação de novas técnicas construtivas. Apenas a partir do Renascimento, as ideia de Vitruvius ganham interesse. Ele surge através da valorização da cultura da Antiguidade Clássica, em um movimento definido como Classicismo. Como exemplo do surgimento do interesse das ideias de Vitruvius na época, temos o arquiteto Filippo Brunelleschi, considerado o primeiro expoente do Classicismo na Arquitetura. Em seu trabalho, Brunelleschi explora especialmente os aspectos formais vitruvianos como o uso da simetria, proporções e relações. Brunelleschi utiliza as ordens arquitetônicas clássicas (dórica, jônicas e iônicas) e adota um sistema de proporções baseado na escala humana. Brunelleschi possuia grande conhecimento e prática construtiva (HAUSCHILD; KARZEL, 2011, p. 7). Ele concebeu o que pode ser considerado a grande inovação construtiva do Renascimento, o Duomo de Santa Maria Del Fiori em Florença. Por mais de cem anos, o construção do Domo da Catedral de Florença foi considerada inviável tecnicamente. Brunelleschi concebeu uma técnica de construção revolucionária, testada através de um modelo físico, um método analítico inédito até então. 40 O episódio é representativo da importância fundamental da interação entre conhecimento construtivo e a concepção arquitetônica. A Arquitetura pode sair de sua fase pragmática de desenvolvimento da tecnologia, e vislubrar uma fase de possibilidade de especulações matemáticas e científicas. A criatividade e o conhecimento construtivo de Brunelleschi incorporou novas técnicas de construção para a arquitetura. As novas técnicas de construção permitiram a construção de uma obra arquitetônica considerada impossível. Apesar disto, na visão de alguns autores, Brunelleschi procura em seu método de trabalho, a separação do arquiteto e do construtor (BENEVOLO, 2005, p. 401-403). Esta separação é proviniente dos debates teoricos e epistemológicos sobre a arte. A teoria da arte reivindica a condição de ars liberalis ou superior, em oposição a sua condição até então de ars mechanicae, considerada inferior (BRANDÃO, 2003). A arte passa a explorar, as emoções, a beleza, a estética, a ética. Uma vez que transcende do mundo real para o mundo ideal, a arte minimiza a importância da técnica, afastado-se dela, buscando um conhecimento abstrato e universal. Talvés este afastamento tenha sido reforçado não por uma mudança no conhecimento teórico (episteme) ou conhecimento prático (tekné) da arte7 e sim pelo desejo do artista renascentista de se diferenciar do artesão e de se equiparar em status aos cientistas e intelectuais da época (GOMBRICH, 1999). O pensamento científico é caracterizado por grandes mudanças, passando a explorar os fenomenos naturais através de estudos e investigações sistemáticas e metódicas. O avanço em várias áreas do conhecimento, especialmente na matemática e na tecnologia, influiu diretamente no avanço da ciência. As teorias científicas passam a utilizar novos formas de cálculo matemático como ferramenta para explicação de vários fenômenos naturais. O desenvolvimento de experimentos e modelos permitem testar estas hipóteses. Abriu-se novas possibilidade para a Arquitetura: através dos cálculos matemáticos, poderíamos entender o comportamento físico e estrutural das construções antes de construí-las. Era uma oportunidade de aproximar os arquitetos de novas explorações e 7 Tanto a episteme quanto as técnicas Renascentistas eram fortemente influenciadas pela Antiguidade Clássica. Para algumas abordagens da episteme renascentista ver Foucault (1974). 41 possibilidade das técnicas construtivas. Mas as dicussões teóricas da Arquitetura pareciam mais interessadas em se afastar da construção e se aproximar das arte superior, dando grande importância a conquista deste status pelo arquiteto. Uma vez que a arte da época valorizava a Antiguidade Clássica, os arquitetos se preocupam em repetir as formas e as técnicas dos edificios clássicos. Não são propostos novos problemas técnicos e construtivos que exiguisse a criatividade do arquiteto/construtor e a arquitetura renascentista passa a ser realizada por pintores e escultores (REBELLO, 2003, p. 246). 3.1.4. O tratado de Alberti A mudança do arquiteto/construtor/artesão para o arquiteto/artista/intelectual tem como obra emblemática o tratado De Re Aedificatoria de Leon Battista Alberti. Leon Battista Alberti viveu de 1404 a 1472. Ele nasceu na Itália e foi um escritor, artista, arquiteto, poeta e filósofo, estudioso da arte e ciência. Alberti realizou importantes obras em diversas áreas do conhecimento como arte, arquitetura, pintura. Em todas estas áreas Alberti produziu trabalho que se tornaram referência (STROHER, 2006). Ele é considerado com exemplo do Uomo Universale renascentista(BURCKHARDT, 1991). O tratado De Re Aedificatoria, de 1452, é considerado o primeiro tratado moderno8 da Arquitetura. Sobre a posição do arquiteto, o autor afirma: “But before I proceed further, it will not be improper to explain what he is that I allow to be an Architect: For it is not a carpenter or a joiner that I thus rank with the greatest masters in other sciences; the manual operator being no more than an instrument to the architect” -(ALBERTI, 1987, p. ix) Parece claro a intenção do Alberti de afastar o arquiteto da construção. As consequências deste afastamento foram profundas no modo de pensar e fazer a arquitetura e construção 8 O termo moderno referisse a periodização da história, ou seja, a divisão de períodos históricos para fins didáticos. 42 a partir de então. O fascínio e toda a discussão em torno de Alberti, presente até hoje, demonstram a importância social desta ideia. Mas será que esta mudança personificada por Alberti foi profícua tanto no pensar quanto no fazer arquitetônico? Antes de compreendermos, através da análise da obra da Alberti, estes desdobramentos, cabe contextualizar o personagem Alberti. A periodização da história muitas vezes apresenta um personagem na posição de representante “heroico” das mudanças ocorridas. Alberti é associado ao herói renascentista, apesar de evidentemente não desfrutar desta posição única e privilegiada (PAYNE , 2003). Na arquitetura, Giorgio Vasari possui trabalhos teóricos e práticos relevantes. Porém o trabalho teórico de Alberti se destaca, sendo lido e discutido na Europa a partir do século XVI. Em 1860, Jacob Burckhardt escreve o livro Die Kultur der Renaissance in Italien, descrevendo Alberti como exemplo máximo do uomo universalis. É fundado o mito de Alberti e seus textos passam a ser intensamente debatidos e estudados em várias áreas do conhecimento: cultura, economia, literatura, e, especialmente, arte e arquitetura. Alberti é, provavelmente, a figura renascentista mais estudada da história. Porém, abordadas por várias áreas de conhecimento, as discussões sobre Alberti são normalmente fragmentadas. A pesquisa apresentada aqui mostra um destes fragmentos: o Alberti teórico da Arquitetura. São apresentados os principais aspectos da sua teoria da Arquitetura, sem discutir de modo amplo as ambivalências do personagem9. O tratado De Re Aedificatoria foi publicado em 1485, um ano antes da publicação impressa de uma versão do tratado De Architectura libri decem de Vitruvius. O De Re Aedificatoria foi, portanto, o primeiro livro de arquitetura impresso. O tratado é organizado em dez livros, assim como o tratado de Vitruvius. Este fato indica claramente a intenção de Alberti de contrapor seu tratado ao de Vitruvius. A contraposição está presente também no título, utilizando o termo Aedificatoria, ou construção, em oposição ao termo usado por Vitruvius, Architectura, ou arquitetura. O tratado inicia categorizando a arte em artes necessárias, artes úteis e artes agradáveis. Alberti define a Arquitetura como uma arte necessária capaz de unir utilidade, prazer e 9 Para um estudo a respeito da fragmentação e ambivalência do personagem Alberti ver Grafton (2000). 43 honra. Este conceito pode ser visto como análogo a tríade vitruviana de utilitas, venustas e firmitas, substituindo a dimensão firmitas pela dimensão honra, apesar destas terem significados diferentes. No tratado, a dimensão utilidade tem equivalência à dimensão utilitas vitruviana. Já a dimensão prazer é associada ao atendimento das necessidades físicas do abrigo, tratada dentro da dimensão utilitas por Vitruvius. A dimensão honra parece ser associada a um julgamento estético, defendendo um suposto benefício para o indivíduo e para sociedade proporcionada por uma edificação bela (STROHER, 2006, p. 47). Assim teríamos a seguinte correspondência entre as dimensões da teoria da Arquitetura de Vitruvius e a de Alberti: Vitruvius Alberti Aspectos do edifício Utilitas Utilidade e prazer Função Venustas Honra Beleza Firmitas Não existe correspondência Estrutura / Materialidade Quadro 01 – Correspondência entre a tríade vitruviana e a teoria de Alberti Fonte: autor Curiosamente a dimensão firmitas, referente aos aspectos de materialidade do objeto arquitetônico (aspectos baseados no conhecimento estrutural), não apresenta correspondência na teoria de Arquitetura de Alberti. Os aspectos de materialidade e estrutura são abordados pelo autor em sua analogia do edifício com o corpo animal10. As formas produzidas pela natureza e suas leis físicas garantiriam para o edifício a estabilidade e beleza. Em seu trabalho intelectual, o arquiteto aprenderia com a observação da natureza, aplicando este conhecimento adquirido no projeto. Cabe ressaltar que, no tratado de Alberti, a observação da natureza em busca de formas a serem manipuladas na concepção do objeto arquitetônico tem motivações fundamentalmente estéticas (BRANDÃO, 2000; STROHER, 2006), não se aprofundando nas questões físicas. 10 Vitruvius utiliza analogia semelhante, porém sua referencia era o corpo humano. 44 Assim, a dimensão estética e artística tem grande destaque no tratado de Alberti. A teoria de Alberti está sempre preocupada com os aspectos de beleza, harmonia e proporção: “And the use of edifices being various, it was necessary to enquire whether one and the same kind of design was fit for all sorts of buildings; upon which account we have distinguished the several kinds of buildings: wherein perceiving that the main point was the just composition and relation of the lines among themselves, from whence arises the height of beauty, I therefore began to examine what beauty really was, and what sort of beauty was proper to each edifice. And as we often meet with faults in all these respects, I considered how they might be altered or amended.” - (ALBERTI, 1987) “Wherein perceiving that the main point was the just composition and relation of the lines among themselves, from whence arises the height of beauty, I therefore began to examine what beauty really was, and what sort of beauty was proper to each edifice.” - (ALBERTI, 1987) “For my part, that have had no small experience in things of this nature, I indeed know the difficulty of performing a work, wherein the parts are join' d with dignity, convenience and beauty, having not only other things praise−worthy, but also a variety of ornaments, such as decency and proportion requires; and this no question is a very great matter; but to cover all these with a proper, convenient and apt covering, is the work of none but a very great master.” - (ALBERTI, 1987) Para o tratado, o objetivo da arquitetura parecem ser o de agregar uma estética a construção, privilegiando a dimensão venustas. A importância da beleza para Alberti culmina no capítulo V do livro IX, onde o autor define o termo concinnitas11, conceito do autor para a ordenação e composição plástica correta da forma arquitetônica: 11 Alberti utiliza da criação de várias expressões no tratado para definir conceitos que tinha dificuldade de expressar. Concinnitas, Lineamenti, Collocatio, Integritas, Euritmia, Ordinatio, Conjuctio, Proportio são exemplos de alguns destes termos. Muitos destes termos de Alberti são objetos de estudos acadêmicos para compreensão do seu significado, indicando um caráter subjetivo na interpretação do tratado. 45 “But there is still something else besides, which arises from the conjunction and connection of these other parts, and gives the beauty and grace to the whole: which we will call congruity12, which we may consider as the original of all that is graceful and handsome.” - (ALBERTI, 1987) No decorrer do capítulo é apresentada uma série de informações teóricas e de regras práticas para alcançar a concinnitas. A teoria e regras se baseiam em três elementos compositivos escolhidos por Alberti: o numero, o finitio e o collocatio. O numero consiste na quantidade de partes de uma determinada composição. O finitio consiste em como as partes são delineadas quanto ao seu tamanho, forma, ângulos, protuberâncias e reentrâncias13. O collocatio consiste na disposição ou colocação das partes da composição. Manipulando o numero, o finitio e o collocatio, através da concinnita, o arquiteto busca a beleza, principal objetivo da arquitetura, que lhe dá dignidade e valor: “But we need not say more upon this point, and if what we have here laid down appears to be true, we may conclude beauty to be such a consent and agreement of the parts of a whole in which it is found, as to number, finishing and collocation14, as congruity, that is to say, the principal law of nature requires. This is what architecture chiefly aims at, and by this she obtains her beauty, dignity and value.” - (ALBERTI, 1987) O tratado propõe normas objetivas para o concinnitas. Estas regras utilizam de uma linguagem matemática, em uma analogia a harmonia musical. Assim, Alberti propõe uma espécie de escrita da arquitetura, com gramáticas, parâmetros e relações entre estes. 12 A tradução do De re aedificatoria por James Leoni em 1755 utiliza o termo em inglês congruity em substituição ao termo concinnitas. A grande maioria das traduções e trabalhos acadêmicos utiliza o termo original concinnitas usado por Alberti. 13 A definição de Alberti para finitio é: “By the finitio I understand a certain mutual correspondence of those several lines, by which the proportions are measured, where of one is the length, the other the breadth, and the other the height.” (ALBERTI, 1987) 14 A tradução do De re aedificatoria por James Leoni em 1755 utiliza os termos em inglês number, finishing and collocation em substituição aos termos numero, finitio e collocatio. 46 As regras de Alberti buscam relação com a natureza. O uso de determinado numero, por exemplo, é associado a pés e patas de animais ou as partes dos rostos. Assim, segundo o autor, as colunas dos edifícios devem ser sempre em numero pares, uma vez que as patas e pés na natureza são sempre pares; e as janelas e portas das edificações devem ser sempre em numero impares, uma vez que assim são as bocas do rosto15. Nas regras, Alberti faz menção ao ritmo e simetria vitruviano, utilizando a simetria nas partes da edificação. No delineamento destas partes (finitio) o autor utiliza regras de proporções baseadas nas observações dos corpos da natureza. As regras parametrizam as razões das proporções em medidas observadas no corpo humano, principal referência de concinnitas para Alberti. Assim, relações como a presente entre a altura total e a largura frontal do corpo humano (1:6) e entre a altura e perfil do corpo (1:10) são utilizadas no gênero colunas. Alberti utiliza também a harmonia musical como referência de relações de proporções aplicando-as, por exemplo, no gênero área, categorizadas em curtas, médias e longas (Figura 5). 15 Alberti propõe portas e janelas em números impares, justificando com o fato da boca do rosto ser sempre impar. O parâmetro “boca no rosto” na natureza é, na verdade, de categoria mais restrita que a de números ímpar, ela é da categoria de número único. Percebe-se claramente a concessão de Alberti na regra, buscando interpretar a justificativa para sua própria intenção. 47 Figura 5 – Categorias de áreas e suas proporções descritas no De re aedificatoria. Fonte: autor A maior contribuição desta abordagem do tratado foi reforçar a importância da antecipação da construção, ou seja, do projeto. Porém, as regras dão ênfase nos aspectos estéticos do objeto arquitetônico, induzindo uma interpretação do arquiteto como um artista (VAN ECK, 1998). Alguns autores fazem objeção a interpretação simplista que Alberti privilegia e dá 1:1 Quadrado 4:3 Sesquitertia 3:2 Sesquialtera 2:1 Diapason ou duple 4:6:9 Sesquialtera dupla 9:12:16 Sesquitertia dupla 3:8 Sesquertia + duple 3:1 Sesquialtéria + duple ou Triple 4:1 Quadruple AR EA S CU RT AS AR EA S M ÉD IA S AR EA S LO N G AS 48 autonomia a beleza, se restringindo a uma visão estética da vida16. Brandão (2000) argumenta que Alberti valoriza a beleza, mas também a limita, advertindo ao longo do tratado do risco do critério estético ser referencia única da arquitetura. As regras de Alberti tentam dar uma objetividade ao trabalho estético do arquiteto. A arquitetura, enquanto objeto construído materializado em um mundo físico possui necessariamente problemas objetivos de construção e estrutura e serem considerados. Assim como Vitruvius, Alberti também aborda os aspectos objetivos da construção. Dedica parte do texto para discorrer sobre fundações, paredes, colunas, tetos, abóbodas, aberturas, escadas, lareiras, drenos, poços, materiais construtivos, tijolos, cal, areia, chumbo, entre outros. Em alguns momentos o tratado aborda conceitualmente a construção como fenômeno físico. Elabora algumas teorias estruturais dentro de sua analogia da construção como corpo animal. Sobre a forma estrutural, o tratado diz: 16 Diferentes interpretações do tratado podem ter origem em traduções do mesmo, ou promover diferentes traduções. Um trecho do inicio do capítulo X do livro IX, considerado representativo para a teoria do tratado, é traduzido de diferentes maneiras em diferentes versões. Na tradução de Giacomo Leoni, considerada uma das melhores traduções da obra, o trecho é descrito: “Doubtless architecture is a very noble science, not fit for every head. He ought to be a man of a fine genius, of a great application, of the best education, of thorough experience, and especially of strong sense and sound judgment, that presumes to declare himself an architect. It is the business of architecture, and indeed its highest praise, to judge rightly what is fit and decent: for though building is a matter of necessity, yet convenient building is both of necessity and utility too: but to build in such a manner, that the generous shall commend you, and the frugal not blame you, is the work only of a prudent, wise and learned architect.” (ALBERTI, 1987). Já na tradução de Ströher (2006) o mesmo trecho é descrito: “A arquitetura é um grande tema, e não é qualquer um que dela pode encarregar- se. Precisa ter a maior das habilidades, o mais agudo dos entusiasmos, a maior cultura, a mais ampla experiência, e, sobretudo, seriedade, correção de julgamento e de parecer, aquele que presumir chamar-se de arquiteto. A maior glória na arte da construção é a de ter o bom-senso daquilo que é apropriado, pois construir é o resultado da necessidade quanto da utilidade; mas construir algo que seja louvado pelo magnificente, sem ser mal visto pelo frugal, é competência apenas do artista com experiência, sabedoria e profunda deliberação”. Assim, por exemplo, o termo latino original “optima doctrina” é traduzido como “best education” por Leoni, e como “a maior cultura” por Ströher. O termo “De re enim aedificatoria” é traduzido como “business of architecture” por Leoni, e como “arte da construção” por Ströher. Já o termo “artificis” não é traduzido na versão de Leoni (é utilizado pronome geral na frase), e é traduzido como “artista” por Ströher. 49 “The philosophers have observed, that nature in forming the bodies of animals, always takes care to finish her work in such a manner, that the bones should all communicate, and never be separate one from the other: so we also should connect the ribs together, and fasten them together well with nerves and ligatures; so that the communication among the ribs should be so continued, that if all the rest of the structure failed, the frame of the work should yet stand firm and strong with all its parts and members.” O tratado ensaia em alguns momentos análises científicas sobre o fenômeno físico estrutural, como, por exemplo, o comportamento do arco descrito no capitulo XIII do livro III: “There are different sorts of arches, the entire, is the full half of a circle,” … “there is another which approaches more to the nature of a beam than of an arch, which we call the imperfect, or diminished arch”... “There is also the composite arch,” … “composed of two arches less than semi−circles;” ... “That the entire arch is the strongest of all, appears not only from experience, but reason;” ... “This makes Varro say, that in arches, the work on the right hand is kept up no less by that on the left, than the work on the left is by that on the right. And if we look only into the thing itself; how is it possible for the middle wedge at top, which is the key−stone to the whole, to thrust out either of the two next side wedges, or how can that be driven out of its place by them?” …”Therefore we have no need of a cord, or bar in an entire arch, because it supports itself by its own strength; but in diminish' d arches there is occasion either for an iron chain or bar, or for an extension of wall on both sides, that may have the effect of a bar to supply the want of strength, that there is in the diminish' d arch, and make it equal to the entire.” Em algumas passagens são descritas brevemente recomendações sobre a execução de formas estruturais: “The ancients hardly ever made their ribs of any but burnt bricks, and those generally about two foot long, and advise to fill up the interspaces of our vaults with the lightest stone, that they might not oppress the wall with too great a weight. But I have observed that some have not always thought 50 themselves obliged to make continued solid ribs, but in their stead, have at certain distances, set bricks lying sideways, with their heads jointing into each other, like the teeth of a comb; as a man locks his right hand fingers into his left; and the interspaces they filled up with any common stone, and especially with pumice stone, which is universally agreed to be the properest of all, for the stuffing work of vaults.” Mas o tratado, enquanto trabalho de exploração científica do mundo natural, é superficial. Ele não aprofunda tecnicamente nos fenômenos físicos e estruturais. Alberti valoriza o ornamento e a beleza na arquitetura em oposição a estrutura (ONIANS, 1971). A partir de então o ornamento é separado da estrutura. Esta independência do ornamento coloca a Arquitetura na condição de objeto estético. Condição esta que deve ter sido fundamental para a criação de uma situação que durou mais de quatrocentos anos, onde a Arquitetura pouco evolui nas soluções estruturais, preservando basicamente a mesma estrutura, explorando e mudando apenas os aspectos de sua vestimenta decorativa. 3.1.5. O tratado de Viollet-le-Duc Somente no século XIX surgem teorias da Arquitetura que aproxima os aspectos estéticos de ornamento aos aspectos construtivos estruturais. O interesse nos aspetos técnicos construtivos acontece dentro de um contexto de revolução tecnológica com o surgimento de novas máquinas e materiais. O principal teórico da época é o arquiteto francês Eugène Viollet-le-Duc. Viollet-le-Duc viveu em um período histórico de intensa mudança econômica, social e cultural, promovidos pela revolução industrial iniciada no século XVIII. As principais mudanças ocorreram nas atividades econômicas, alterando o modo que o homem realizava a agricultura, a manufatura e nos meios de transporte. A partir de então, o modo de vida de nossa sociedade é alterada definitivamente. A população apresenta um grande crescimento, acompanhado também de um aumento na capacidade produtiva e de 51 geração de riqueza17. Pela primeira vez na história a qualidade de vida da população comum começa a melhorar de forma contínua e sustentada (LUCAS JR., 2004). Muitos historiadores definem o período como consequência do surgimento gradual e contínuo de novos meios de produção(BERG; HUDSON, 1992; GERAGHTY, 2007)18. Assim, os novos meios surgidos alteraram a forma como o sujeito realiza o objeto. O meio de produção representativo da mudança é a máquina a vapor. Através do uso da máquina a vapor a manufatura substituiu o trabalho manual artesanal, surgindo indústrias e novos meios de transportes como ferrovias e navios. Também foram desenvolvidos novos materiais, com destaque para a metalurgia. O aço passa a substituir a madeira como principal material de construção de máquinas. A arquitetura é afetada basicamente de dois modos. Primeiro através das novas demandas (ou problemas) a partir das novas características da sociedade: uma grande quantidade populacional; uma nova classe trabalhadora, como novos hábitos e desejos; surgimento de novas atividades a serem abrigadas. Estas demandas implicaram em necessidade de novos espaços. A Arquitetura foi influenciada e afetada também pelos novos meios de produção e realização da construção. Surgem novas técnicas construtivas, como as estruturas metálicas, possíveis através do desenvolvimento da tecnologia metalúrgica. Na teoria da Arquitetura, destacam-se as ideias de Viollet-le-Duc, que aproxima novamente a Arquitetura da construção. Porém, esta aproximação presente na teoria do autor parece ser consequência não do contexto tecnológico da época, e sim do contexto cultural. Buscando resgatar uma herança cultural, surge na França um interesse em relação as construções e arquitetura medieval, tidas como símbolo da nação. Com isso, são discutidas e buscadas a preservação e a restauração destes edifícios. Viollet-le-Duc 17 Nos dois séculos seguintes ao ano de 1800, a população mundial aumentou seis vezes e a geração de riqueza per capita aumentou 10 vezes. 18 Alguns historiadores argumentam inclusive que o termo “revolução” não seria adequado ao período. 52 envolve-se em trabalhos de restauro, onde adota uma abordagem teórica e prática própria. O primeiro trabalho de restauro de Viollet-le-Duc foi a igreja de Saint Chapelle, em Paris, realizado no ano de 1836. O trabalho foi considerado um laboratório experimental pelo próprio autor (VIOLLET-LE-DUC, 2000). A partir de então o arquiteto passou a atuar em diversas obras de restauro como a Igreja de Santa Madalena em Vézelay (1840), a catedral de Notre-Dame em Paris (1844), a cidadela de Carcassone (1844), a basílica de Saint-Sernin em Toulouse (1846), e a catedral de Amiens (1849). Durante estes trabalhos o autor vai consolidando uma linha de ação e teoria sobre restauração. O sucesso de seus trabalhos e ideias levou Viollet-le-Duc a ser nomeado inspetor geral dos edifícios Diocesanos, sendo assim, responsável pela conservação e restauro de igrejas por toda a França. A prática de restauro da época buscava reproduzir fielmente o estilo original, tanto nos aspectos da aparência, quanto estrutural. Para determinar a idade e época original de uma edificação, eram realizados estudos detalhados através de métodos rigorosos de análise e classificação dos elementos arquitetônicos e da construção. O resultado destes estudos eram relatórios com grande quantidade de desenhos e registros gráficos dos elementos e sistemas construtivos do objeto de restauro (OLIVEIRA, 2007). Os principais edifícios restaurados na época eram os edifícios medievais19. Grande parte dos edifícios medievais era de arquitetura gótica. Assim, a comissão chefiada por Viollet- le-Duc dedicou-se principalmente a estudar e avaliar metodicamente os edifícios góticos. Os edifícios góticos são obras que demandaram muito tempo para serem construídas, demorando décadas ou mesmo séculos. Esta característica tornava inevitável a utilização de mais de uma técnica construtiva, causando modificações e acréscimos ao projeto ou intenção arquitetônica inicial. Estas variações ao longo do período de construção ocorriam tanto nos aspectos técnicos quanto nos aspectos estéticos. 19 Como citado, o interesse nos edifícios medievais é consequência do resgate de uma herança cultural histórica. 53 Os estudos minuciosos de Viollet-le-Duc junto com seu interesse e seu envolvimento no canteiro de obra20 proporcionaram um grande conhecimento das técnicas construtivas medievais. Enquanto arquiteto, tornou-se conhecedor da pratica construtiva e acreditava na importância deste conhecimento para a atividade de restauro. As ideias de Viollet-le-Duc sofreram influência direta do envolvimento do mesmo no canteiro de construção e da forma peculiar em que a arquitetura gótica foi construída. Na arquitetura gótica as mudanças estavam sempre presentes, condicionadas pelo contexto construtivo. A partir de sua experiência prática com a arquitetura gótica, Viollet-le-Duc teorizou um sistema de correspondência entre forma, estrutura, função e ornamento, interpretando assim as variações construtivas desta. Dentro deste sistema, o contexto histórico e tecnológico, era responsável pela lógica e coerência do mesmo. A perseguição desta lógica idealizada de Viollet-le-Duc balizou todo sua teoria e prática de restauro. Para o autor o restauro devia buscar este modelo ideal, onde a forma, a estrutura, a função e o ornamento estariam articulados conforme o contexto tecnológico de sua época. Para além da reconstituição do estado de origem aparente de uma dada edificação, Viollet-le-Duc buscava entender quais foram os problemas envolvidos na concepção, e quais seriam as soluções ideais que deveriam ou foram feitas dentro do conhecimento construtivo da época da concepção, em uma espécie de “reformulação ideal de um dado projeto” (VIOLLET-LE-DUC, 2000). Além disto, Viollet-le-Duc, defendia a reutilização funcional da edificação, retomando o caráter utilitário essencial da Arquitetura. Muitas vezes, diante da necessidade técnica estrutural de substituição de algum elemento da arquitetura, o arquiteto substituía a parte da edificação utilizando um novo material e sistema construtivo, dentro da tecnologia atual. Assim, mantinha-se coerente com a lógica forma/estrutura/função/ornamento, considerando o contexto tecnológico que a intervenção ocorria. Esta abordagem, juntamente com a intenção de resgatar uma solução/ projeto ideal, resultava em intervenções que alteravam significativamente as características encontradas na edificação. 20 Aqui é curioso notar que a dificuldade de adotar no canteiro de obra os novos modos de produção advindos da revolução industrial permitiu a Viollet-le-Duc o controle operacional sobre a atividade técnica construtiva do restauro. 54 Estas ideias, apesar de polêmicas e de terem colecionado várias opositores, tiveram grande influência na prática e teoria da restauração desde então. Ainda hoje, são consideradas uma referência em ações de restauro do patrimônio histórico. Para nossa pesquisa, é importante destacar a ideia de articulação entre a forma, estrutura, função e ornamento através de contexto histórico tecnológico da solução arquitetônica. Este conceito influenciou o entendimento do objeto arquitetônico a partir de então. Como consequência, lançou bases que foram utilizadas pelas teorias arquitetônicas que surgiram no final do século XIX e se desenvolveram no século XX, e culminaram com o movimento moderno na Arquitetura. 3.1.6. Os tratados da arquitetura modernista No final do século XIX surgiram grandes avanços tecnológicos na área da engenharia e de materiais. O ferro, o desenvolvimento do vidro plano, o cimento Portland, o alumínio e os polímeros propiciam o surgimento de novas técnicas construtivas. Edifícios como o Crystal Palace de Joseph Paxton (Figura 6), e a Galérie des Machines de Chales Dutert (Figura 7), exploram a nova técnica construtiva da estrutura metálica, concebendo novas formas do espaço e novas possibilidades arquitetônicas. Figura Figura 6 - Crystal Palace em 1854 fonte: http://www.sil.si.edu 7 - Montagem da Galérie des Machines fonte: Brown University Library 55 56 A exploração de novos materiais e técnicas construtiva permitiu novas soluções construtivas e espaciais que respondiam as necessidades da época como os grandes vãos que abrigavam grande quantidade de pessoas, atividades industriais e transporte, como a estação de trem. O crescimento das cidades e a necessidade de abrigar muitas pessoas em pouco espaço territorial levaria ao surgimento de edificações verticais, os “arranha-céus”21, permitidos através do desenvolvimento de novos sistemas estruturais. Neste contexto de transformação da sociedade, a Arquitetura busca uma teoria que representasse o espírito deste tempo. Os dilemas enfrentados pelos teóricos da Arquitetura eram muitos: a busca de um mundo moderno baseado em ideias iluministas, as incertezas do papel da arte na sociedade22, as demandas sociais proveniente das novas classes sociais e posicionamentos políticos destas (BENEVOLO, 2001). No final do século XIX, vários arquitetos começam a desenvolver edifícios utilizando novas técnicas construtivas integrada à estilos antigos como a arquitetura clássica e gótica. Desta época destacam-se os trabalhos de Louis Sullivan e Frank Lloyd Wright em Chicago, Victor Horta em Bruxelas, Antônio Gaudí em Barcelona. São trabalhos que podem ser vistos como um ponto de transição entre uma antiga arquitetura e uma nova arquitetura. A partir de então a Arquitetura passa a buscar uma representação direta e honesta do mundo contemporâneo (CURTIS, 2008). No século XX, durante a década de 1920, três importantes figuras do movimento moderno, os arquitetos Walter Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier, ganham destaque e reconhecimento, consolidando os movimentos modernista iniciados no final do século XIX. 21 Os primeiros arranha-céus foram projetados por William Le Baron Jenney e Louis Sullivan na cidade de Chicago por volta de 1890. 22 Destacam-se três movimentos artísticos da época: Arts & Crafts, Art Nouvau e Art Decó. O Arts & Crafts buscou valorizar o trabalho artesanal, afastando o objeto artístico da produção em massa. O Art Nouvau utiliza dos novos materiais como ferro, vidro e cimento, mas não adota a lógica da produção em massa. O Art Decó integra-se totalmente a lógica da produção em massa, adotando formas geométricas simples que eram mais adequadas a esta produção. 57 Através de suas ideias e trabalhos foram estabelecidas as bases teóricas do modernismo que se tornou referência para prática da arquitetura de então23. Walter Gropius foi um arquiteto alemão. Em 1920 ele fundou na Alemanha a escola Bauhaus. O ensino da Bauhaus abordava as disciplinas de arquitetura e de design24 e tinha a intenção de unificar a arte, o artesanato e a tecnologia. Sua estrutura de ensino procurou explorar e desenvolver uma teoria estética moderna. A teoria estética da Bauhaus buscava formas simples, racionais e funcionais. Gropius acreditava que as intenções artísticas do arquiteto/projetista poderiam estar integradas com a produção em massa. Além da questão artesão versus produção em massa, outro ponto fundamental presente era a discussão entre funcionalidade e beleza. Para Gropius, o principal determinante de um projeto deve ser a função que este objeto deve ter. Deste modo, procurou retomar a importância do aspecto utilitário do objeto de arquitetura e design. A dimensão funcional era abordada de forma racional, procurando identificar o que era essencial e típico da função, desenvolvendo as soluções sobre uma base tecnológica solida e atual. Assim, os aspectos funcionais e estruturais adquiriram uma importância crescente e os aspectos ornamentais e decorativos decrescentes. A teoria da Bauhaus era essencialmente uma teoria crítica da arte. Condenava a arte pela arte e buscou integrar as diversas artes plásticas, do artesanal ao industrial, superando a dicotomia entre artes aplicadas (inferiores) vs belas artes (superiores). A crítica ao ornamento e interação com as tecnologias que surgiam, originam, paradoxalmente, uma teoria estética que valoriza não a dimensão plástica, mas sim a funcional. Ela pode ser sintetizada no célebre principio modernista: “A forma segue a função”25. 23 Segundo alguns autores os preceitos modernistas ainda influenciam a prática na arquitetura. Para um estudo a respeito da influência da teoria modernista na arquitetura atual ver o livro “Ainda Moderno?: Arquitetura Brasileira Contemporânea” de Lauro Cavalcanti e André Correa do Lago. 24 A Bauhaus foi a primeira escola de design na história. 25 A frase “form ever follows function” foi cunhado pelo arquiteto Louis Sullivan no artigo “The tall office building artistically considered”, onde o autor analisou as formas naturais, orgânicas e inorgânicas, e definiu o axioma como lei (SULLIVAN, 1896, p. 408). 58 Mies van de Rohe foi um arquiteto alemão e também teve sua trajetória ligada a escola Bauhaus, onde foi professor. Utilizava os mesmos princípios funcionais na concepção arquitetônica. Este racionalismo funcional leva a utilização por parte do arquiteto de formas puras e limpas. Assim como a Bauhaus criticava o uso de ornamentos, abandonando radicalmente o uso destes em seus projetos. Utilizava de materiais modernos em suas edificações, principalmente o vidro, em grandes painéis da facha, e o aço na estrutura da construção. Com a segunda guerra mundial muda-se para os Estados Unidos, onde elabora diversos projetos de arranha-céus utilizando fachada de vidro. Esta solução tipológica é adotada em várias partes do mundo, sendo um exemplo emblemático do chamado “estilo internacional”, onde soluções arquitetônicas modernistas são reproduzidas descontextualizadas, justificadas em suposto caráter racional e essencial destas26. A essência da teoria de Mies van der Rohe pode ser compreendida em sua famosa frase: “less is more” (menos é mais). Para muitos autores, a figura mais destacada do movimento modernista e o arquiteto mais influente do século XX foi francês Le Corbusier. Assim como a Bauhaus, Le Corbusier adotou o funcionalismo como ponto de partida de suas teorias e prática na arquitetura e também condenou o ornamento na arquitetura. Le Corbusier foi muito produtivo, realizando diversos trabalhos práticos e teóricos. O arquiteto dava grande importância às bases teóricas de sua arquitetura, chegando a escrever mais livros do que projetar edifícios. O arquiteto possui uma produção bibliográfica composta de 79 livros, 511 artigos em revistas e 51 artigos científicos. Sua capacidade de síntese e sua habilidade como comunicador fizeram suas ideias serem difundidas em vários países. 26 A arquitetura moderna rompe com as referências histórias e com os ornamentos e suas soluções são muitas vezes apresentadas como “universal”. A evidente adequação ambiental necessária para a concepção arquitetônica mostra a incoerência deste posicionamento. A incapacidade de perceber esta incoerência pelos modernistas mostra o caráter fortemente estético do movimento: mesmo que possamos imaginar um valor estético abstrato e universal e, portanto, uma forma plástica universalmente bela, é pouco provável existir uma solução formal construída universal que possa atender a todos os requisitos da diversidade de ambientes e climas intermediados pela arquitetura. Esta é a principal crítica do “estilo internacional”: reproduz soluções de arquitetura incompatível com a realidade climática e ambiente local. 59 Em 1923, Le Corbusier publica o livro “Por uma nova arquitetura” (“Vers une architecture”) onde explora novos conceitos para a arquitetura moderna. Le Corbusier inicia o livro com uma forte afirmativa: a Arquitetura se encontrava desconectada de sua época e perdida no passado (CORBUSIER, 1981). Segundo o arquiteto, diante das novas possibilidades do seu tempo, os engenheiros exploram as novas tecnologias e materiais, construindo edificações simples funcionais e honestas. Já os arquitetos, para manter sua relevância e status, adotam explorações de um suposto ideal artístico e estético, desconsiderando o contexto tecnológico e social. Para Le Corbusier, a dimensão estética na arquitetura deve derivar desta nova condição, manifestando na arquitetura racionalmente e da forma mais simples possível. Em consonância com o momento da nova sociedade moderna industrial, a casa, por exemplo, concebida como uma “máquina de morar”. Suas pesquisas e práticas resultam na publicação em 1926 do texto “Cinco pontos da Nova Arquitetura”. O texto apresenta cinco princípios básicos da nova estética modernista. Eles são: 1. Pilotis: elevação do edifício do solo, permitindo a continuidade do terreno e passagem sob o edifício. 2. Terraço na cobertura: Permite uma função para cobertura, abrigando atividades e/ou jardins. Pelo jardim no terraço se recuperaria o terreno sobre o qual a edificação foi construída. 3. Planta livre: a estrutura independente permite que as paredes sejam dispostas livremente, uma vez que estas não tem função estrutural. Da flexibilidade ao uso e compartimentação interna. 4. Fachada livre: também possível devido à independência da estrutura. A fachada pode ser realizada com total flexibilidade. 5. Janelas em fita: possível devido à fachada livre. Permite grande abertura na fachada, com aproveitamento da paisagem e iluminação. Na Villa Savoye (Figura 8), construída entre 1928 e 1931, Le Corbusier utiliza plenamente os cinco pontos. A Villa Savoye foi concebida para ser uma residência de veraneio e também uma resposta às propostas teóricas do próprio Le Corbusier. Para o arquiteto, ela representava a máxima da “maquina de morar”, que repunha o homem como centro da preocupação arquitetônica, através verdadeira essência cotidiana da vida. Figura As ideias e obras de Le Corbusier sucesso no meio arquitetônico e influenciando o desenvolvimento da arquitetura em diversos países. No Brasil, suas ideias ganharam no surgimento da arquitetura modernista brasileira at e Oscar Niemeyer. Por volta da década de 1940, Le Corbusier começa a desenvolver uma teoria de proporções para arquitetura, assim como haviam feito Vitruvius e Alberti. A teoria de Le Corbusier era baseada em um sistema Os estudos de Le Corbusie arquiteto da necessidade de normatização para a indústria de construção em série. Já em 1921, Le Corbusier escrevia na revi estabelecer em séria a produção de elementos construtivos das edificações de modo a permitir a concepção e construção em série. de espaços simples e sensíveis que abrigariam a 8 - Villa Savoye, cidade de Poissy, França fonte: http://www.monuments-nationaux.fr/ trouxeram grande impacto. Foram acolhidas com grande destaque ravés de arquitetos como geométrico que o arquiteto chamou de “ r para um sistema de proporção se originam na percepção do sta L’espirit Nouveau sobre a importância da indústria 60 , sendo fundamentais Lúcio Costa Modulor”. 61 O interesse na construção em série cresceu muito na Europa durante e após as guerras mundiais, motivada pela urgência de reconstrução das cidades afetadas pela mesma. Na França foi criado em 1926 o grupo AFNOR (L’association française de normalisation ou Associação Francesa de Normalização) com o objetivo de criar normas e padrões para a indústria da construção. Em 1939 a AFNOR é oficialmente habilitada como órgão nacional de normalização. Foram convidados indústrias, engenheiros e arquitetos para trabalharem no desenvolvimento de normas, entre eles Le Corbusier. Le Corbusier esteve envolvido na normatização das medidas dos espaços arquitetônicos. Um dos primeiro problemas encontrados para a empreitada era a compatibilidade de dois sistemas de medidas: o métrico e o de polegadas. Estudando a possibilidade de conciliação dos sistemas, Le Corbusier observou que edifícios antigos como os da Grécia Clássica, e catedrais medievais, utilizavam um sistema geométrico baseado em medidas e proporções humanas: dedo, pé, braço, palmo, etc. Com o desenvolvimento da ciência e da matemática, o homem, com o objetivo de facilitar os cálculos, substituiu as complexas medidas baseadas em proporções humanas, por um sistema de medidas abstrato e simples: o metro. Porém, para Le Corbusier, o sistema métrico, apesar de sua racionalidade e simplicidade, não era adequado à escala humana e, uma vez que a arquitetura interage com o homem, um sistema de medidas que relacionasse logicamente o homem e a arquitetura seria o mais adequado para uma normalização. Le Corbusier também observou que a música, assim como a arquitetura, se desenvolve no espaço e no tempo e pode ser relacionada a sistemas de medida. Historicamente, este processo aconteceu no desenvolvimento da música, onde o som foi caracterizado como onda, fragmentado, dividido, estabelecido proporções, codificado e criado um sistema de medidas que permitiu a “escrita” da música em diferentes tons e harmônicos27. Este sistema trouxe enorme avanço para a música. Le Corbusier especulou se, em uma analogia a musica, se um sistema correlato de divisão harmônica das medidas visuais e geométricas, não seria possível na construção, permitindo a “escrita” da arquitetura e beneficiando a composição arquitetônica. 27 O temperamento musical, que busca ajustar a harmonia do som de um instrumento musical através da divisão em intervalos da oitava é um procedimento técnico que foi estudado e aperfeiçoado ao longo da história e influenciou diretamente os estilos musicais. 62 Le Corbusier já experimentava algumas regras de proporções geométricas em suas pinturas. Criticando a simples aritmética aplicada as normalizações, o arquiteto argumentou que, na natureza, como, por exemplo, nas árvores, os troncos, folhas e galhos, se desenvolvem aparentemente a partir de uma “lei do crescimento e combinações” possuindo um “laço geométrico”. Propõe então criar um modelo que sistema de medidas como uma série ilimitada de combinações e proporções. A primeira versão do modulor surge no final de 1943. O sistema proposto definia o espaço arquitetônico baseado em um critério geométrico tendo suas medidas relacionadas ao corpo humano, ou seja, era um sistema de medidas antropométrico. Nesta primeira versão, Le Corbusier definiu como referencia da escala humana a altura média do homem francês: 1,75 metros. Nas palavras do arquiteto o modulor era: “el Modulor es un aparato de medida fundado, en la estatura humana y en la Matemática. Un hombre-con-el-brazo-levantado da a los puntos determinantes de la ocupación de espacio - el pie, el plexo solar, la cabeza, la punta de los dedos estando levantado el brazo - tres intervalos que definen una serie de secciones áureas de Fibonacci; y, por otra parte, la Matemática ofrece la variación más sencilla y más fuerte de un valor: b simple, el doble y las dos secciones áureas”(CORBUSIER, 1961, p. 51-52) Le Corbusier escolhe a proporção áurea como base do sistema de proporção. Assim, estabelece as diversas medidas da escala humana a partir da presença de proporções áureas, em uma abordagem tipicamente vitruviana de simetria. O sistema possui duas séries: a série vermelha e a série azul. A série vermelha estabelece as medidas a partir do plexo solar28 e da aplicação da sequencia de Fibonacci nesta. Já a série azul utiliza a medida do homem com braço levantado (os dois quadrados) para estabelecer as proporções também a partir da sequência de Fibonacci (Figura 9). 28 O plexo solar é um agrupamento de células nervosas no corpo humano localizado atrás do estomago, abaixo do diafragma. Figura A intenção de Le Corbusier era aplicar este sistema de proporção em todo o espaço arquitetônico, assegurando uma unidade e harmonia: “El Modulor rige las longitudes, siempre la escala humana, prestándose a ilimitadas combinaciones y asegurando la unidad en lo diversidad: beneficio inestimable, milagro de los números”(CORBUSIER, 1961, p. 88) Le Corbusier acreditava que normatizando os elementos construtivos baseando Modulor, seria evitado o empobrecimento formal e a monotonia das normas. Acreditava que o sistema ainda solucionaria a incompatibilidade da medida métrica e de polegadas. Acreditava também, que, usando o arquitetônicas harmônicas. A edição do Modulor 1 teve boa receptividade nos meios profissionais e acadêmicos Vários matemáticos, engenheiros e 9 - Serie vermelha e serie azul do Modulor Fonte: www.flickr.com las superficies y los volúmenes, manteniendo Modulor como uma gramática, teríamos composições arquitetos iniciaram uma intensa 63 -se no . troca de 64 correspondência com Le Corbusier, discutindo sua ideia e buscando aperfeiçoar o sistema. As sugestões resultaram em ajustes e em 1950, Le Corbusier publica o Modulor 2, onde a referencia da escala humana muda da altura média de um homem francês (1,75 metros) para a altura média de um homem inglês: 1,8288 metros ou 6 polegadas. Não existe nenhuma razão explicita para a mudança, mas podemos especular que a medida de 6 polegadas se mostrou muito mais adequada a sequência de Fibonacci formada na série azul, quando vista em polegadas. Apesar dos ajustes, o Modulor apresentava ainda várias deficiências. As principais estavam relacionadas às aproximações numéricas na sequência de Fibonacci. Além disto, o sistema parecia privilegiar a dimensão vertical. Por fim as possibilidades de combinações eram tantas que eram difícil de perceber nas medidas as proporções áureas, justificativa estética do sistema. Assim, o interesse no sistema vem diminuindo desde então. Segundo Summerson (1997), o modulor não solucionou os muitos problemas da padronização da indústria e da harmonia compositiva dos objetos físicos. Para o autor, a importância do modulor reside na sua estrutura lógica enquanto parte da maneira singular de pensar e projetar do próprio Le Corbusier. Le Corbusier tentou, assim como os teóricos renascentistas Alberti ou Palladio, um controle total do processo de projeto através de leis e regras de proporções e harmonia. Porém, apesar da defesa dos autores, para uma universalidade destes ferramentais, eles parecem ser parte do processo particular desses autores, não sendo, talvez, adequado a mais ninguém. A tentativa de criar uma regra unificadora da forma arquitetônica é recorrente ao longo da história. Esta busca de Le Corbusier faz parte desta tradição iniciada por Vitruvius e continuada com os teóricos renascentistas, especialmente Alberti. A teoria de proporção de Vitruvius era baseada em uma geometria plana, aritmética. A teoria de Alberti introduz a harmonia musical na forma, mas ainda a partir de um mundo euclidiano e pitagórico. Le Corbusier inicia uma teoria em que busca combinar um mundo euclidiano com números irracionais, representados pela proporção áurea e as derivações através da sequência de Fibonacci. Assim, Le Corbusier ensaia uma resposta para uma 65 visão de mundo não euclidiana, visão esta que passou a ser a base do entendimento do universo a partir do conhecimento adquirido pela física no final do século XIX e século XX29. Mas as repercussões na Arquitetura da substituição das medidas absolutas de espaço e do tempo do mundo euclidiano por relações complexas de um mundo não euclidiano onde o espaço e o tempo são relativos, ainda não são compreendidas. Após as breves discussões pós-modernas (que trouxeram mais controvérsias do que esclarecimentos e não se firmaram como uma teoria consistente) surgiram algumas tentativas de criação de teorias estéticas formais baseadas na manipulação de formas e proporções complexas, possíveis graças às novas tecnologias digitais. Destas, podemos destacar o parametric design ou projeto paramétrico como a que apresenta maior potencial em contribuir para uma teoria da Arquitetura. Cabe destacar ainda que essas discussões têm sido fortemente influenciadas por mudanças sociais e as demandas decorrentes destas, principalmente o aumento da complexidade da nossa sociedade e os desafios da sustentabilidade. 3.1.7. O momento atual da teoria da Arquitetura O pós-modernismo pode ser visto hoje mais com uma crítica ao modernismo e suas ideias positivistas do que como uma proposta teórica consistente. A principal referência teórica do pós-modernismo é o livro “Complexity and Contradiction in Architecture” de Robert Venturi (1966). Obras em vários países foram realizadas buscando uma estética pós- modernista, em reação contra a impessoalidade do funcionalismo, com a retomada da ornamentação, apresentada de modo estilizado e cenográfico. Destacaram-se os trabalhos do próprio Venturi e dos arquitetos Aldo Rossi, Paolo Porthoguesi, Mario Botta, Frank O Gehry, Peter Eisenman e, no Brasil, de Éolo Maia e Sylvio Podestá. A produção pós-moderna teve o papel de questionar a preponderância do pensamento modernista na Arquitetura, indicando a possibilidade de novos rumos. 29 Até o final do século XIX a geometria euclidiana, baseada no plano, era fonte única para descrever o mundo e seus fenômenos. Diante do entendimento que determinado fenômenos seriam melhores explicados em um mundo não plano foram desenvolvidas outra geometrias como a geometria hiperbólica, a geometria esférica e a geometria fractal. A teoria da relatividade de Einstein, por exemplo, é possível de ser compreendida somente a partir destas novas ferramentas matemáticas, em um mundo não euclidiano. 66 No final do século XX surgem dois fatos que vem a influenciar os debates da Arquitetura. Estes fatos são o surgimento de novos meios de concepção da arquitetura através de tecnologias digitais de informação e a proposição de novos problemas a serem enfrentados pela arquitetura, demandados pela sustentabilidade. As tecnologias digitais de informação são resultado do desenvolvimento dos computadores. O principal benefício trazido pela tecnologia e computadores é a ampliação de nossa capacidade de geração, registro, transmissão e, principalmente, manipulação de dados e informações. Deste modo, tornou-se possível o registro, a análise e a investigação de fenômenos de elevada complexidade. Ao utilizar da tecnologia digital de informação para resolver de forma mais simples antigos problemas, nossa própria sociedade parece caminhar em direção a um aumento de sua própria complexidade social e cultural, em um aparente paradoxo. Alguns pesquisadores observam este aumento de complexidade em setores como as cidades, a educação, a medicina, a política (BYRNE, 2001). Também na Arquitetura podemos perceber o paradoxo desta dupla influência dos meios digitais: por um lado permite que através de suas ferramentas concebamos soluções cada vez mais abrangentes e precisas, por outro lado, aumentando a complexidade da sociedade contemporânea, torna o problema cada vez mais complexo e de difícil delimitação. Assim, o principal objetivo da Arquitetura, abrigar as atividades do homem, se vê diante de um problema incerto. É cada vez mais evidente que nossa sociedade não pode ser mais identificada com uma cultura homogenia e tipificada. Ela apresenta diversas formas de expressão cultural, emergindo e desaparecendo, interconectadas. Não podemos mais falar em valores culturais universais, validados e estabelecidos por práticas ou consenso. Além disto, os sistemas de produção e consumo vêm sendo transformados. Da produção em massa temos hoje sistemas de produção flexíveis que permitem atender demandas de pequenos grupos ou até mesmo individuais. O capitalismo evolui para uma forma flexível que promove a diferenciação e a inovação em oposição a sua fase de produção em massa que homogeneização e a padronização. 67 Mas a lógica do sistema de consumo capitalista permanece. O consumo ainda é o objetivo fim e a nova produção flexível contribui no sentido de aumentá-lo ainda mais, através da exploração (e promoção) de uma imensa variedade de preferências do homem. As repercussões são claras: somente no site amazon.com (e-comerce) são listados para compra 19.674 tipos de telefones celulares, 81.840 tipos de calças jeans, 234.973 livros de arquitetura e 137.675 livros de engenharia30. Porém, a exposição a esta variedade de opções e informações parece não contribuir para um melhor entendimento e conhecimento dos problemas envolvidos. A própria referência estética formal, aspecto que, analisando o presente estudo, se mostrou tão preciosa para uma teoria da Arquitetura, se dilui e se perde. Do ponto de vista do conhecimento técnico, a síntese é prejudica em detrimento da quantidade de informações. A complexidade social e econômica aliada às (incertas) demandas da sustentabilidade, tem como consequência a necessidade de formas de altos níveis de desempenho. Assim, um vasto número de áreas de conhecimento e seus profissionais estão envolvidos no processo de concepção do objeto arquitetônico: psicólogos, antropólogos, consultores de energia, engenheiros ambientais, engenheiros acústicos, consultores de incêndio, consultores imobiliários, consultores de transporte, consultores de fachada, engenheiros de segurança, light designers, engenheiros mecânicos, engenheiros de produção, gestores, paisagista, orçamentistas, além dos (ainda?) necessários arquitetos e engenheiros estruturais. Frente a esta situação ainda indefinida não podemos falar sobre uma teoria da Arquitetura consistente ao contexto atual. Percebe-se apenas algumas discussões iniciais sobre uma teoria da Arquitetura que considere as possibilidades das tecnologias de informação frente a complexidade da nossa condição social. De modo geral as discussões enfatizam aspectos plásticos e para exemplificar uma abordagem típica podemos citar o trabalho teórico de Farshid Moussavi. Farshid Moussavi é uma arquiteta iraniana e atualmente possui o escritório de arquitetura FMA e é professora da disciplina prática de arquitetura na Harvard University Graduate 30 Consulta realizada em 03/11/2013 68 School of Design. Moussavi desenvolve pesquisas que procuram identificar os meios que permitem a arquitetura conceber formas arquitetônicas criativas. As pesquisas exploram vários meios de produção arquitetônica como diagramas, tecnologia de informação, novas tecnologias construtivas. Suas pesquisas resultaram na publicação de dois livros: The Function of Ornament, em 2006 e The Function of Form, em 2009. No livro The Function of Ornament, a autora propõe que os ornamentos carregam uma função e essa função é a de produção de uma estética e de uma cultura. Ela argumenta contra a definição do ornamento como um elemento simbólico, representante superficial e decorativo de um estilo. Diz que o ornamento faz parte do conjunto formal/plástico de um edifício, contribuindo, portanto para a evolução histórica da estética e cultura. Como parte do conjunto formal, o ornamento participa dos diferentes tipos de subjetividade da forma, gerando sensações. Diferenciações no ornamento seriam responsáveis para, em uma mesma forma arquitetônica, termos diferentes subjetividades, permitindo que, em uma sociedade plural, pessoas diferentes fossem conectadas através destes. Moussavi encara a Arquitetura como um elemento artístico cultural que conecta como um tecido a complexidade social e cultural contemporânea através do ornamento (MOUSSAVI; KUBO, 2008). A ideia de Moussavi sobre o papel do ornamente parece uma clara retomada da valorização da dimensão estética. Moussavi tenta contornar o duro ataque modernista ao ornamento, utilizando da estratégia de associar o mesmo a dimensão forte (e de certo modo incontestável) da função da arquitetura, evitando diretamente o discurso simbólico que solidamente reivindicou um valor estético ao ornamento a partir de Alberti e que atingindo seu ápice no Barroco. Se, mesmo combalido, o funcionalismo ainda parece lógico para uma teoria da Arquitetura (quem defenderia uma arquitetura sem função?) porque não retomar o valor estético da arquitetura, a preponderância da venustas, através da transfiguração da função em uma intenção artística? No livro The Function of Form, Moussavi dá continuidade a sua pesquisa teórica propondo uma nova teoria da forma. Para a autora, a fim de se estimular e responder ao caráter múltiplo de nossa cultura contemporânea, as formas arquitetônicas podem ir além de seus limites aparentes de representação, rompendo com a rigidez inicial. A premissa do livro é que a sociedade é complexa e mutante, e que esta mudança vem ocorrendo de forma 69 contínua e incremental. As origens desta contínua mudança estariam tantos em aspectos relacionados ao sujeito (cultura, sensibilidade), quanto em aspectos relacionados ao objeto (técnica). Para responder a essa mudança, Moussavi propõe que as formas arquitetônicas sejam categorizadas conforme seu sistema (system), podendo ser manipulada através de suas propriedades de tessellation e affect. Os sistemas são basicamente as formas estruturais: malhas, grelhas, abóbodas, domos, placas, cascas e estruturas pneumáticas. A propriedade tessellation é utilizada para definir a repetição complexa de uma unidade básica. Já a propriedade de affect é definida como “... the pre- personal intensities transmitted by forms… processed by senses to produce individual percepts and thoughts, feelings, emotion, moods.”, ou seja, a percepção sensível e subjetiva “transmitida” pela forma. Para alcançar um affect pretendido, o sistema é manipulado através do tessellation (Figura 10) (MOUSSAVI, 2009). Figura 10 - Diagrama da produção da forma por Moussavi. Fonte: The Function of Form Moussavi apresenta no livro diversos exemplos de variação da forma arquitetônicas existentes a partir de seu método. O impressionante, pelo menos para os objetivos do presente trabalho, é que Moussavi aplica seu método gerando uma imensa gama de 70 formas complexas, sem nenhum compromisso com a forma enquanto objeto de um mundo físico. Conforme visto no diagrama da Figura 10, todas as combinações de sistemas e tessellation são a priori possíveis31. A proposta teórica de Moussavi apresenta uma perspectiva de teoria da Arquitetura que incorpora os meios tecnológicos para resultados puramente plásticos, desconsiderando a condição de objeto físico construído da Arquitetura. 3.2. A influência dos meios: Ferramentas de Representação Em seu trabalho Arte e Ilusão (2007), Gombrich nos mostra a influência dos meios no desenvolvimento das artes plásticas. Segundo o autor, a descoberta de meios para representar nos quadros os reflexos da luz natural, a luminosidade e o colorido da natureza, foi fundamental para o desenvolvimento da pintura impressionista. A própria estática de uma época era delimitada diretamente pelos meios de produção do objeto artístico. Os egípcios, por exemplo, realizavas gravuras e pinturas de modo iconográfico, esquemático e bidimensional talvez não por associar os mesmos a uma beleza, mas simplesmente por que desconheciam meios de representação da volumetria e perspectiva. Esta mesma interação pode ter acontecido no desenvolvimento das teorias e tratados da Arquitetura. As teorias e tratados apresentados tem, de modo geral, forte ênfase nos aspetos estéticos e plásticos do objeto arquitetônico. Apesar de reconhecerem e citarem aspectos objetivos (construtivos, estruturais e funcionais), a forma e o modo que ela é percebida pelo sujeito é o ponto principal destes. Desse modo, a Arquitetura se apresenta como fruto de uma intenção artística da busca de uma forma plástica esteticamente adequada. 31 Moussavi chega a ensaiar uma restrição estrutural associada a unidade básica utilizada na tessellation, incluindo inclusive desenho de cargas e reações, mas o faz de modo superficial e desconsidera qualquer restrição neste sentido nos exercícios apresentados. 71 O arquiteto exploraria através de meios de representação o repertório formal na busca da forma arquitetônica desejada. A compreensão da evolução destes meios é útil para contextualizarmos o meio, objeto de nossa investigação, de modelagem de formas complexas. 3.2.1. Os primeiros desenhos de projeto Quando concebemos um objeto, seja ele um objeto artístico ou um objeto técnico, utilizamos de um meio para representa-lo. Concebemos, projetamos uma antecipação do objeto e, através de símbolos e signos, transmitimos nossa ideia. Assim como nosso conhecimento, nossa tecnologia e capacidade de representar os objetos concebidos, ou seja, os meios de representação, também é parte de um processo evolutivo. Na Arquitetura, as técnicas de desenho surgidas no renascimento (perspectiva, desenho técnico) trouxeram clareza ao propósito principal do mesmo: transmitir com maior exatidão possível as informações formais e espaciais do objeto arquitetônico. Mas, uma vez que a atividade de concepção de um objeto arquitetônico implica na representação da ideia, mesmo antes do desenvolvimento de ferramentas e técnicas mais sofisticadas de desenho no Renascimento, formas de representação foram utilizadas nos processo de concepção da arquitetura/construção. A representação da ideia arquitetônica pelos diversos meios e ferramentas é realizada para explorarmos, comunicarmos e expressarmos nossas intenções. Por cautela devemos desassociar a origem da arquitetura da origem do processo de concepção/projeto e consequente origem das ferramentas de representação. Não possuímos evidência que os antigos construtores de tenda do Paleolítico (Figura 3) projetavam, ou seja, antecipavam mentalmente o objeto a ser construído, apesar de podermos conjecturar que assim o faziam (BROADBENT, 1982; MALARD, 2011). Mas, desde surgimento de meios de representações do objeto arquitetônico, podemos afirmar com segurança que as construções foram realizadas através de um processo de concepção, ou seja, através da antecipação de uma ideia, através de um projeto. Os primeiros registros de representação de construções conhecidos são desenhos de plantas das construções. Eles surgiram nas eras antigas da civilização do Egito e da Mesopotâmia. Entre os exemplos desenhada no colo de uma estátua de Lagash, Babilônia, datada de 2144 a.C. mesma época (Figura 12); planta de um planta da cidade suméria de um templo do faraó Akhenaten Figura 11 - Estátua de Fonte: http://www.louvre.fr destes primeiros registros temos a Gudea, governante sumério da província de (Figura 11); plantas de casas da Babilônia de Zigurate na cidade de Ur, de cerca de 1500 a.C.; Nippur, também de cerca de 1500 a.C. , no Egito, de 1352 a.C. Gudea e desenho da planta de um palácio & Marie-Lan Nguyen e Tóth Béláné, (adaptado pelo autor) 72 planta de um palácio, (Figura 13); planta de . Figura 12 - Planta de uma edificação em Fonte: Marie Figura 13 - Planta da cidade de Fonte: http://room-of-flint.tumblr.com/post/60440001131/ancient Estes primeiros desenhos e representações parecem atender somente a necessidade de orientação da construção, de forma pragmática, sem abordar explorações e buscas de soluções para problemas mais complexos Posterior às civilizações sumérias e egípcias, a civilização grega a história da Arquitetura, utilizou muito pouco do construção (HEWITT, 1985) “desenhavam” com as palavras, seguindo a tradição e costume cultural oral da sociedade Telloh, Babilônia – Argila, cerca de 2000 a.C. -Lan Nguyen / Wikimedia Commons / CC-BY 2.5 Nippur, Suméria - Argila, cerca de 1500 a.C. -mesopotamia (BROADBENT, 1982). antiga, fundamental para desenho para a . Segundo Hewitt, os arquitetos gregos da época 73 -town-plan-of-nippur poio à atividade de 74 grega. Apesar disto, existem registro de uso de modelos para apoio a construção no ano de 725 a.C., na cidade de Perachora (COULTON, 1982, p. 36). Já no século V a.C. arquitetos como Ictinos e Calícrates, projetistas do Partenon, utilizavam-se de representações para passar informações mais precisas sobre a construção de seus projetos. O mais importante registro destes desenhos é conhecido como syngraphai. Ele uma espécie de caderno de especificação para a construção de templos e seus adornos, incluindo informações sobre dimensões (COULTON, 1982, p. 54). Nele eram desenhados detalhadamente elementos construtivos como cornijas, adornos, esculturas. Estes elementos eram realizados utilizando modelos em tamanho natural, conhecidos como paradeigmas e anagrapheus (COULTON, 1982, p. 57). Os gregos desenvolveram representações das construções focando principalmente nos adornos destas. Talvez o motivo seja a relação dos gregos com a Arquitetura e construção. Segundo Courtenay (1997, p. 13) os gregos não se preocupavam em conceber o edifício, e sim de adornar os edifícios de modo a torna-los os mais “significantes” possíveis. A abordagem da civilização seguinte, os romanos, em relação à representação da arquitetura/construção difere em relação a pouca importância dada ao desenho pelos gregos. Vários registros de plantas e desenhos de construções romanas sobreviveram. Os romanos parecem que utilizaram o desenho tanto para propósitos de concepção e projeto, quanto para apoio à atividade de construção. Normalmente eram utilizados como meio desenhos esculpidos em mármore. Um dos mais importantes é um desenho da planta da cidade de Roma na época. Este registro é conhecido como Forma Urbis Severiana (Figura 14). Desta época, cerca de século IV a.C. surgem os edifícios. Os mais antigos desenhos em corte conhecidos são do Templo de Atena em Priene (cerca de 340 a.C.) e o Templo de Isis no Egito (cerca de 100 a.C.). Após a queda do império romano, a um retrocesso, adquire complexidade de formas e técnicas especialmente nas catedrais e igrejas. normalmente em modelos em tamanho natural durante a construção. Os desenhos eram basicamente representações em plantas. O desenvolvimento espacial, culminando com as repertório de desenhos em plantas. As plantas eram normalmente padronizadas e a concepção de uma catedral acontecia através da combinação dos diferentes tipos de plantas. De certo modo, os construtores e arquitetos construção frente ao sua demanda específica, e sim usava, adaptava e relacionava desenhos em plantas disponíveis para a solução arquitetônica construtiva 32 Vários autores pesquisaram estes aspectos na arquitetura e construção medieval, especialmente a gótica. Entre eles podemos citar: Branner Architectural Drawing," Gazette des Beaux Arts, Series 6, Figura 14 - Forma Urbis Severiana. Fonte: http://www.theaterofpompey.com primeiros desenhos em corte dos Arquitetura e construção, que inicialmente apresentou durante a Idade Média Os construtores medievais se apoiavam catedrais góticas, aconteceu através do aumento do góticos não “inventavam” uma , Robert "Villard d'Honnecourt, Reims, and the Origin of Gothic Vol. 61 1963 pp. 129 75 , ainda da complexidade os 32 . -146; Boucher, Francois As plantas medievais e góticas eram essencialmente desenhos geométricos Figura 16). Eram realizadas utilizam instrumentos simples como compassos e esquadro O intricado método de desenho através de compasso e esquadros se tornou o cânone da arquitetura gótica, chamada por muitos autores de “Arte da Geometria”. Figura 15 "Design in Gothic Architecture: A Preliminary Assessment," Journal of the Society of Architectural Historians, Vol. XVII, No. 4 March 1968, pp. 9 - Planta do Mosteiro de São Galo, Suíça - século IX Fonte: http://www.stgallplan.org/ -21. 76 (Figura 15 e s. Figura 16 - Planta da O desenho apoiou fortemente o projeto e a construção no período da Idade Média. Porém ele era incorporado de modo distinto ao que estamos acostumados hoje em dia. Duas diferenças podem ser destacadas. A primeira é que ele trazia em si mesmo um repertório rígido de soluções arquitetônicas e construtivas. A planta não era pensada, ela já estava dada, e cabia ao arquiteto ajustá entendemos o projeto com a flexibilidade frente ao problema/demanda posto. Não existe, a priori, a solução arquitetônica e construtiva. utilizavam de desenho de cortes e elevações representação da elevação ou corte do projeto, contrastando novamente com o entendimento atual. E, apesar disto, e góticos produziram espaços arquitetônicos significativos. Igreja de St. Etienne - Villard de Honnecourt - cerca de 1230 Fonte: Ackerman (2002) -la através do método geométrico. Atualmente, Além disto, os arquite (Figura 17). Eles davam pouca importância a mesmo assim, os arquitetos e construtores medievais 77 tos góticos raramente Figura 17 - Desenho em elevação da catedral de O meio do desenho como apoio ao processo de concepção e construção avançou de modo definitivo na Idade Média. Os desenhos medievais se desenvolveram como desenhos ortogonais. Durante a passagem da massiva arquitetura romanesca para a delicada e detalhada arquitetura gótica, o desenho ortogonal evoluiu e se sofisticou. Alguns autores como Ackerman desenho ortogonal foi imprescindível para esta passagem. Defendem ainda que desenho ortogonal seria o meio mais adequado góticas (ACKERMAN, 2002, p. 45) Apesar deste avanço na Idade Média, o desenho e formas de representar a arquitetura e construção ainda eram usados de modo muito distante da realidade do objeto arquitetônico. As construções não eram representadas em sua totalidade, não eram utilizadas escalas de desenho, o desenho ortogonal era utilizado para representar mesmo as formas não ortogonais, di mesmo desenho (Figura 18 Strasbourg, França - Fonte: http://blog.metmuseum.org/ (2002) defendem que o aprimoramento da técnica de para representar o caráter . ferentes vistas e partes do projeto eram representad e Figura 19). 78 cerca de 1260. o das catedrais as no Figura 18 - Desenho da C Figura 19 O não compromisso com a realidade do objeto projetado pode ser explicado desenhos terem sido utilizados como meras explicações ou informações para a atividade de construção e não como representação para o expectador construída. Ou seja, os desenhos eram meios de comunicação entre o arquiteto e o construtor e não eram utilizados para apresentar o projeto para o publico em geral. Uma questão presente nesta situação é que no processo de concepção a realidade imaginada atedral de Reims - Villard de Honnecourt - cerca de 1230. Fonte: Ackerman (2002) - Catedral de Milão - Antonio de Vicenzo – 1390 Fonte: Ackerman (2002) de 79 pelo fato dos uma realidade a ser ficava restrita em sua totalidade a me somente fragmentada através do meio de representação. Mas no final da Idade Média a tecnologia de desenho experiment clareza. Alguns desenhos buscavam representar como, por exemplo, as formas curvas. Figura 20 – Detalhe da Catedral de Estas explorações tiveram como conse representação que mudou significativamente o modo que o objeto projet e concebido. A partir deste novo meio, antecipadamente com adequada precisão. Este meio se condição intelectual do processo de 3.2.2. A teoria da perspectiva A perspectiva busca representar objetos tridimensionais em desenhos bidimensionais. Até o Renascimento, a representação tridimensional em desenhos bidimensionais era falha. Durante o Renascimento foram desenvolvidos método de desenho que ap obtidos. Através do desenvolvimento destes meios definimos o surgimento de uma teoria nte do arquiteto/projetista, materializando ava modos de representar a realidade formas arquitetônica Reims - Villard de Honnecourt - cerca de 1230 Fonte: Ackerman (2002) quência o desenvolvimento de um objeto arquitetônico podia ser representado mostrou projeto. Ele é a teoria da perspectiva. , de modo mais realisticamente possível rimoraram os resultados 80 -se com mais s mais complexas . meio de ado era percebido essencial para a nova , os espaços e 81 de perspectiva que deu base para as representações dos objetos e espaços, tanto na Arquitetura quanto na arte, desde então. Apesar de atribuirmos o surgimento da perspectiva ao Renascimento, não é correto afirmamos que a mesmas era desconhecida anteriormente. Existem evidencias de que os gregos antigos já conheciam os métodos de perspectiva como regras de projeção e pontos de fugas (HEATH, 1921; LANCZON, 1970). Entre estas evidências podemos citar os trabalhos de Zeuxis e Apollodorus (cerca de 400 a.C.); de Apollonius de Perga (262- 190 a.C.); e de Demócrito e Anaxágora (cerca de 400 a.C.). Demócito e Anaxágora chegaram a propor uma teoria da perspectiva. Euclides (cerca de 300 a.C.) também propôs uma teoria da perspectiva, introduzindo uma base matemática, em seu trabalho sobre ótica (SMITH, 1999). Mas foi somente na Renascença que a teoria da perspectiva ganha sua base matemática consistente. O primeiro a propor uma teoria da perspectiva matemática e validá-la foi o arquiteto e engenheiro florentino Filippo Brunelleschi, por volta do ano de 1420. Entre 1417 e 1434, Brunelleschi esteve envolvido na construção do Domo da catedral de Florença. Paralelo as atividade da construção do domo, o arquiteto buscou entender matematicamente as regras do desenho perspectivo. Brunelleschi desenvolveu um sistema onde a continuidade das linhas paralelas dos objetos e espaços convergem para um ponto na linha do horizonte do observador (PRAGER; SCAGLIA, 1970). O conceito é conhecido como ponto de fuga. Alguns autores sugerem que o arquiteto desenvolveu o conceito de ponto de fuga através da observação dos desenhos dos edifícios em Roma que o mesmo havia realizado. Brunelleschi chamou o novo método de desenho de Construzione Legittima. Para testar a validade do novo método de desenho, o arquiteto realizou um experimento. Segundo Vasari o experimento de Brunelleschi consistia em desenhar em uma tábua o Batistério da Catedral de Florença, a partir do ponto de vista da porta principal da igreja, utilizando a técnica de ponto de fuga (Figura 21). Para verificar a precisão da imagem produzida pelo método de ponto de fuga, Brunelleschi fez um furo no desenho na posição referente ao ponto de fuga e se posicionou em frente à porta principal da igreja, no mesmo local do ponto de vista do imaginado para o observador do desenho. O arquiteto pegou um espelho e fez um furo no mesmo. Assim, ele podia alinhar os furos da gravura, do espelho e o local imaginado para o ponto de fuga. Co e olhando através do furo retirar o espelho, o Batistério podia ser visto. Desse modo, era possível comparar gravura refletida com a imagem real, ve (Figura 22). Figura 21 - Reconstrução gráfica do experimento de locando a gravura de frente para o Bati da mesma, Brunelleschi podia vê-la refletida no espelho. A rificando e validando o método de ponto de fuga Brunelleschi segundo Luigi Fonte: http://www.istitutomaserati.it/ 82 stério o a Vagnetti. Figura O método de ponto de fuga se mostrou adequado para representa modo que estes são percebidos pelo olhar em um ponto de vista fixo. posteriormente aprimorado pelo artista e arquiteto Leon Baptista Alberti em seu tratado Della Pintura de 1435. O tratado Della Pintura abre com uma discussão geral sobre os princípios da visão e no decorrer do texto desenvolve estudos de como quadriculado. Partindo do conceito de ponto de fuga de mesmo, introduzindo o conceito representação convergem para um ponto de fuga único diminuição dos objetos mais distantes pode ser definida através da representação de linhas esquemáticas laterais às linhas convergentes ao ponto de fuga modo, Alberti cria um manual para os desenhista tridimensional. 22 - Diagrama do experimento de Brunelleschi. Fonte: http://www.istitutomaserati.it/ r objetos e espaços representar na tela de pintura um piso Brunelleschi de que todas as linhas perpendiculares ao plano de e o conceito de que s representarem a realidade 83 do O método é , Alberti decodifica o a progressiva (Figura 23). Desse Figura As contribuições e descobertas de artes e no modo que represent as representações bidimensionais de objetos e espaços tridimensionais, incluindo desenhos, pinturas, gravuras, Outros autores renascentistas continuaram a eles podemos destacar Piero 1519), Albrecht Durer (1471 perspectiva aprimorou suas regras culminando com a publicação do livro affranchie de l'embaras du plan geometral em 1759. O desenvolvimento da teoria outro importante meio de representação: a geometria descritiva. 33 Alguns trabalhos artísticos contemporâneos buscam rejeitar por exemplo, o Cubismo. Mas mesma esta rejeição e referenciada na oposição à perspectiva linear. 23 - Esquema de perspectiva de Alberti. Fonte: Della Pintura. Brunelleschi e Alberti tiveram um profundo efeito nas amos a realidade através do desenho passam a se referenciar na perspectiva linear desde então contribuir para a teoria da perspectiva. Entre Della Francesca (1410-1492), Leonardo da Vinci (1452 -1528) e Girard Desargues (1591-1661). Assim, o do matemático suíço Johann Heinrich de perspectiva foi fundamental para o desenvo Baseado nas regras da a representação da perspective linear, como 84 . Praticamente todas 33 . - desenho em La perspective Lambert lvimento de 85 perspectiva o matemático francês Gaspar Monge (1746-1818) desenvolveu um método de representar um objeto através da projeção do mesmo em quadrantes verticais e horizontais, dispostos ortogonalmente. Seu discípulo, o matemático e engenheiro francês Jean-Victor Poncelet (1788-1867) consolidou o método, publicando em 1822 o livro Tratado das propriedades projetivas das figuras, fundando a geometria descritiva. A geometria descritiva é a base do desenho técnico, sendo fundamental a partir de então para o desenvolvimento tecnológico. Mais do que apresentar regras de perspectiva como definição de um ponto de fuga, dois pontos de fuga, três ponto de fugas, linha do horizonte, linha terra, método de projeção, método de seção, axonometria, isometria, épura, entre outros, o importante, para o objetivo do presente trabalho, a ser destacado na análise da teoria da perspectiva são as mudanças surgidas no processo de concepção do objeto arquitetônico. Até o surgimento da teoria da perspectiva o objeto arquitetônico não podia ser representado realisticamente no desenho. As representações da Idade Antiga e da Idade Medial eram fragmentos do objeto final, descrevendo mais informações sobre os processos de construção do que o resultado formal final. A percepção do objeto arquitetônico não era apresentada antecipadamente pelos meios de representação ficando restrita a imagens de quem a concebia (se é que podemos afirmar que existia uma concepção do objeto arquitetônico em sua plenitude formal). A partir da perspectiva o objeto arquitetônico pode ser adequadamente antecipado pelo meio de representação em sua totalidade formal. A percepção do objeto arquitetônico pode comparecer no processo de concepção antes do mesmo existir. Ela se tornou um importante instrumento de antecipação intelectual da construção. Como meio de representação, a perspectiva apresenta os aspectos plástico-formais do objeto. E pode ter autonomia da realidade da construção: podemos representar e desenhar um objeto qualquer, criando uma ilusão de realidade, mesmo que fisicamente inviáveis. Assim, a perspectiva reforçou a condição de objeto plástico artístico da Arquitetura, contribuindo com a visão, reivindicada por parte dos arquitetos a partir do Renascimento, de que a Arquitetura é um trabalho intelectual de criação de um objeto estético sem compromisso com a construção. 86 Não cabe neste momento analisarmos se os resultados consequentes desta nova condição da concepção arquitetônica frente à perspectiva foram positivos ou negativos. Cabe analisarmos que a perspectiva se tornou um paradigma como meio de representação do objeto concebido e que ela descreve de modo adequado os aspectos formais e plásticos do mesmo, mas se limita a isto. Os processos da atividade de construção, seus aspectos temporais e técnicos não se fazem presente através dela. De certo modo, talvez pelas limitações do meio de representação em relação aos aspectos formais, a representação temporal e técnica da construção eram mais evidentes na Idade Média e Antiga. Os meios de representação destas destacava a atividade de construção e não a forma final. A partir do Renascimento e da perspectiva passa-se a destacar a forma e não a atividade de construção34. Somente no século XX novos meio de representação surgem com potencial de abranger simultaneamente e adequadamente a representação da forma e dos demais aspectos envolvidos quando concebemos uma construção. Estes meios surgem a partir do desenvolvimento da tecnologia da computação. 3.2.3. A revolução da computação Estamos acostumados a associar a computação aos computadores e softwares de desenho. Para nossa análise não seria adequado restringirmos a computação a máquinas e softwares. Nem tão pouco descrevermos as características técnicas destas ferramentas. E adequado procurarmos entender, através dos fundamentos da computação, qual a relação e contribuição do meio digital para o processo de concepção e possibilidades de representação do objeto projetado. Assim a categorização da computação utilizada aqui é abrangente e coerente como a mesma é utilizada na ciência da computação. Ela pode ser entendida a partir da definição de Flemming (1992) em sua análise da obra de Mitchel (2008): computação são operações ou sequencia de operações efetuadas sobre representações simbólicas. E estas operações incluem a avaliação crítica sobre o fenômeno representado. 34 Evidentemente que não queremos afirmar aqui que as atividades de construção deixaram de ser representadas. O que queremos dizer é que a partir de então a construção e suas representações (detalhes, cálculos, etc.) se tornaram subordinadas a concepção formal total da arquitetura. Anteriormente, a forma final é que era resultado de um processo fragmentado limitado pelo meio de representação. 87 Vimos que a teoria de perspectiva permitiu a representação do aspecto formal da construção em sua plenitude com adequada precisão. Vimos ainda que o fato parece deslocar a preocupação de representar as informações da construção, presentes nas eras anteriores, para o objetivo maior de apresentar a forma plástica com liberdade artística. Mesmo o desenho técnico tradicional nos parece subordinado a este objetivo maior. Com o surgimento da tecnologia de computação surge também a possibilidade de integrarmos tanto as intenções plásticas quanto analise objetivas (construtivas, estruturais, ambientais, urbanas, entre outras) no processo de concepção através de modelagem matemático desses fenômenos. Isto ocorre devido a capacidade de abstração da computação que permite operar sobre representações simbólicas matemáticas do fenômeno. Podemos, através da computação, incorporar novas linguagens no processo de representação, e não somente a linguagem direta visual, intrínseca da representação através da teoria da perspectiva. Os arquitetos estiveram envolvidos com a computação desde o início do surgimento desta área do conhecimento. Este envolvimento começou nos anos de 1960s, mas possui suas origens na aproximação da Arquitetura e das pesquisas em edificação, aproximação consolidada nos anos 1930s. A aproximação da Arquitetura das pesquisas em edificações pode ser vista como a busca de princípios científicos para a base teórica da Arquitetura. Dois fatores tiveram forte influência nesta busca, sendo estes o ambiente intelectual e o ambiente social. O ambiente intelectual da época possuía forte influencia lógico-positivista. Também no campo teórico da Arquitetura, o positivismo lógico ganhou influencia, buscando dar um caráter rigoroso de ciência para a Arquitetura35 (SIROWY, 2012; ARPAK, 2012; GELERNTER, 1995; PÉREZ GÓMEZ, 1983). Já no campo social, dois fatores se destacam na aproximação da Arquitetura e ciência. Um deles foi a incorporação dos cursos de arquitetura no ambiente acadêmico, onde as 35 O rigor científico citado está relacionado às ideias lógico-positivista de método científico e verificabilidade. Outros autores como Durand, Palladio e até mesmo Alberti procuraram sistematizar a arquitetura, o que pode ser interpretado como propostas de dar um caráter científico à mesma. 88 ciências naturais e exatas já possuíam uma estabelecida tradição científica. O outro está relacionado às demandas provenientes das guerras mundiais. A primeira Guerra Mundial trouxe a demanda urgente por construção de novas edificações. Esta demanda foi respondida pela indústria da construção com a busca por novos processos construtivos e por padronização das construções. Já na segunda Guerra Mundial, além da mesma demanda por novas edificações, aconteceram ainda demandas para minimizar os danos provenientes dos ataques nas edificações. As pesquisas em edificações buscaram responder a estas demandas através de equipes multidisciplinares de arquitetos, engenheiros e cientistas. Na Inglaterra, país pioneiro nesta aproximação, o Departamento de Ciência e Tecnologia e o Real Instituto de Arquitetos Britânico – RIBA promoveram diversos comitês e seminários para incentivar essas pesquisas e consolidá-las como área do conhecimento. Com o surgimento da computação a mesma foi naturalmente adotada nas pesquisas em edificações e arquitetura. A iniciativa pioneira de uso de computação na arquitetura pode ser atribuída ao trabalho de Lionel March e John Leslie Martin no projeto Whitehall: a Plan for a National and Government Centre, em 1965 (MARTIN; MARCH, 1972). Lionel March havia entrado na universidade de Cambridge para estudar matemática por recomendação do pioneiro da ciência da computação Alan Turing. Durante o curso de matemática ele se interessou por teatro e arquitetura. Acabou graduando no curso de matemática e arquitetura. Em 1967, junto com Leslie Martin funda o Centre for Land Use and Built Form Studies (LUBFS) no departamento de arquitetura da Universidade de Cambridge, Inglaterra. O centro foi fundamental nas primeiras investigações de uso de computador assistindo o processo de projeto, ou seja, do computer-aided design – CAD. A abordagem do LUBFS era de promover na arquitetura o rigor técnico das áreas de engenharia e planejamento. March explorou sua habilidade em matemática e computação para incorporar o uso de informações no processo de concepção. As pesquisas do laboratório incluíam novas teorias da forma, teorias de fluxos de informação, modelos matemáticos de fenômenos, entre outros. 89 As pesquisas do LUBFS introduziram uma análise objetiva e quantitativa no processo de projeto. Elas envolveram arquitetos, engenheiros e cientistas da computação no desenvolvimento de novas ferramentas de CAD a fim de analisarem problemas arquitetônicos e urbanos específicos. Os objetivos iniciais do desenvolvimento deste novo meio de representação não era substituir o desenho e a representação formal do objeto concebido sim representar os vários aspectos envolvidos e dar apoio a tomada de decisão pelo projetista. Em 1972, March disse (ROCHA, 2004): “It’s now possible to represent a proposed design in mathematical terms [...]. In this form, the engineering model [model to improve practice] becomes compatible with the related scientific models [models to aid the understanding of a system], a direct coupling between the art and the science becomes possible, and the two unifying paradigms - the computer program and the mathematical model - themselves unite” O desenvolvimento da tecnologia de computação iniciado pelo LUBFS teve sequencia nos trabalhos do Center for Configurational Studies - CCS, na The Open University, em Milton Keynes, Inglaterra. O próprio March foi um dos fundadores do centro em 1978. Durante 10 anos as pesquisas buscaram novas teorias de aplicação dos meios digitais e desenvolveu diversas ferramentas. Na mesma época o uso da tecnologia de computação na arquitetura começou a ser explorado nos Estados Unidos. Entre os nomes pioneiros nas pesquisas como a nova tecnologia podemos citar o arquiteto Nicholas Negroponte, que fundou o laboratório Architecture Machine Group36.do Massachusetts Institute of Technology, em 1967, o arquiteto William John Mitchell, que lecionou na Universidade da Califórnia – UCLA em 1970 e escreveu a importante obra A Lógica da Arquitetura, e Charles Eastman, que desenvolveu pesquisas na área da computação, arquitetura e construção a partir de 1970s. 36 O Architecture Machine Group foi sucedido pelo atual MIT Media Lab em 1985. A abordagem do grupo caminhou em uma direção sociológica, explorando os aspetos da interação entre o homem e a máquina/computador e como inseri-la na vida cotidiana e arquitetura. 90 Charles Eastman coordenou os trabalhos do Design Research Center – DRC da Carnegie Mellon University, fundado em 1974 tendo por influência as ideias de Herbert Simon37. O DRC de certo modo deu continuidade e complementou os trabalhos do LUBFS. Atualmente Eastman desenvolve pesquisas em modelagem da informação da construção ou Building Information Modeling – BIM, modelagem orientada a objetos e banco de dados para engenharia. Já o DRC deu origem ao Institute for Complex Engineered System – ICES que desenvolve pesquisas multidisciplinares na área. Apesar de algumas semelhanças do desenvolvimento da computação iniciado na Inglaterra e nos Estados Unidos, eles possuem uma diferença fundamental em seus princípios. Enquanto as pesquisas desenvolvidas na Inglaterra estavam interessadas no desenvolvimento de conhecimento e métodos analítico de avaliação da construção de modo a apoiar o processo de concepção de forma que respondessem adequadamente a estas análises, as pesquisas dos Estados Unidos buscavam uma teoria científica o processo de projeto baseada em teorias de processo de informações e inteligência artificial. Esta ênfase americana pode ser exemplificada através das propostas de categorizar o processo de concepção com caráter gerativo através de regras representáveis por algoritmos computacionais, presente, por exemplo, na obra A Lógica da Arquitetura de Mitchell. Ambas as linhas apresentadas aqui foram importante para o desenvolvimento da discussão da incorporação do meio digital no processo de concepção e representação do objeto arquitetônico. Porém, de modo geral, podemos dizer que esta incorporação possui mais incertezas do que avanços. O meio digital vem sendo adotado como mero substituto das tecnologias e meios de representações anteriores, usando da mesma lógica destas. Esta nova “prancheta”, agora “digital”, amplia ainda mais as possibilidades de explorações formais e plásticas do objeto arquitetônico. Podemos desenhar e modelar parábolas, hipérboles, hélices, hiperplanos, paraboloides, entre outros, com facilidade de precisão. Mas também podemos modelar espaços topológicos aparentemente de difícil compatibilidade com a arquitetura como, por exemplo, fitas de Möbius, garrafas de Klien, 37 Simon apresenta suas ideias no trabalho The Sciences of the Artificial (SIMON, 1996). 91 3D supershape. Esta exploração de formas complexas tem acontecido com liberdade de critérios. Recentemente, as demandas provindas da sustentabilidade retomam o interesse na incorporação de métodos analíticos objetivos apoiando a concepção da forma arquitetônica. O meio digital é o mais propício à integração destas análises, através de simulações físicas, construtivas, estruturais, ambientais, térmicas, acústicas, entre outras. Porém, como mencionamos, esta integração apresenta mais incertezas e dicotomias. As simulações digitais analíticas são vistas, de modo geral, complementares ao processo de projeto do objeto arquitetônico, não comparecendo na concepção. Assim, a computação que tem o potencial de integrar através de meios de representação os aspectos subjetivos e objetivos presentes na concepção arquitetônica, mantendo a percepção sensível destacada a partir da teoria da perspectiva, retomando, de certo modo, a comunicação com a temporalidade e contexto da atividade da construção e seus resultados, trazendo, também, novas informações de análise de outras áreas do conhecimento, parece, hoje, trazer antigas e novas dúvidas para teoria e para a prática arquitetônica. O uso do potencial do meio digital na concepção arquitetônica parece ainda tímido. O caminho correto para exploração deste potencial nos parece passar pela reflexão dos fundamentos destes meios e a discussão de como seria a adequada incorporação destes no processo de projeto. 92 3.3. Sobre a Prática da Arquitetura e Construção Nos capítulos anteriores descrevemos e analisamos como a Arquitetura foi pensada e percebida através de suas teorias e tratados. Descrevemos e analisamos ainda os meios utilizados para representação do objeto arquitetônico sobre o aspecto destacado, conforme percebido em nossa análise, nas discussões teóricas: o aspecto formal e plástico do objeto arquitetônico. Para sequencia da análise, os eventos e meios serão escolhidos conforme nossa premissa Arquitetura é construção. Assim, será apresentada a sequencia histórica de como o objeto arquitetônico foi construído. A sequencia aborda a prática da arquitetura sem preocupação de destacar os aspectos estéticos ou simbólicos das obras. O objetivo é explorar os aspectos pragmáticos presentes na Arquitetura enquanto atividade humana de construção de ambientes. São apresentados fatos que buscam explicar como o homem resolveu historicamente seus problemas construtivos. Os dados são categorizados em sequência cronológica, mesmo que, eventualmente, assuntos correlatos possam ser apresentados desencontrados. O objetivo desta estratégia é permitir identificar possíveis relações entre assuntos aparentemente não conexos. 3.3.1. Pré-história e Idade Antiga Conforme nossas análises anteriores, a origem da Arquitetura pode ser definida a partir do início da construção pelo homem de ambientes para sua moradia. Abrigamos-nos inicialmente em ambientes naturais como cavernas. Posteriormente, por volta de 15.000 a.C. aprendemos a construir tendas (Figura 3), e, por volta de 8.000 a.C., começamos a construir edificações (Figura 4). As primeiras edificações eram basicamente escavações nos ambientes naturais, como escavações no solo e nas montanhas. Estas podiam ser acrescidas de alguns elementos construtivos, como coberturas. Materiais disponíveis no local, como galhos, ossos e peles, eram utilizados em sua construção (Figura 4 e Figura 24). Figura 24 - Reconstituição de uma vila em Estas primeiras construções apoio de desenhos ou registros de técnicas autores, como Rudofsky (REBELLO, 2003, p. 233) primitivo já utilizava o desenho construtivo, argumentando que encontradas em Laucaux apresentam figuras porém pesquisas conclusivas sobre os significados destes símbolos geométricos pinturas rupestres. Com o desenvolvimento civilizatório, o homem passo edificações de modo mais sofisticado. antiga que existiu na região construir suas edificações desenvolvimento do tijolo pelos Sumérios de argila no local e a ausência Na mesma época surgem formas problemas estruturais das construções aberturas em suas edificações e arco pela técnica de arco “falso” sucessivos formando o arco Köln-Lindenthal, atual Alemanha, em cerca de 5000 a.C. Fonte: UCL Institute of Archeology eram realizadas de modo artesanal, aparentemente sem construtivas anteriormente usadas , acreditam, porém semelhantes a pilares e vigas. u a elaborar os materiais para Por volta de 3.500 a.C., os Sumérios, civilização do rio Eufrates, atual do Iraque, já utilizava . Os tijolos eram feitos de barros se deveu, provavelmente de outros materiais como madeira e pedra. construtivas que buscam melhores resultados para . Os sumérios utilizam a forma de para vencer maiores vãos. Inicialmente eles construíam o , onde os tijolos são empilhados em balanço (Figura 25). 93 . Alguns , que o homem pinturas rupestres Não existem, das suas tijolos para e secos ao sol. O , pela disponibilidade os arco para criar s (mísulas) Figura 25 De mesma época temo outra civilização os egípcios. A civilização egípcia surge por volta construtores e muitos de seus intensa atividade de construção dos egípcios, n edifícios e registros das técnicas construtivas que utilizavam acredita-se que os egípcios antigos davam pouca importância ao projeto Os grandes monumentos egípcios nas construções de outras civilizações (COWAN, 1977, p. 1) e de de blocos de pedra (REGOURD, assim com os primeiros sumérios, vencer grandes vãos. Talvez por argamassas utilizadas eram de baixa resistência e egípcios construíram intensamente em pedra novas geometrias e formas promissores para o uso nesta técnica construtiva poucas inovações construtiva madeira, barro e tijolo (REBELLO, 2003) 38 Os poucos registros de desenho de edificações egípcias antigas Arco falso – Diagrama de um arco falso e um arco verdadeiro Fonte: Wikipédia, adaptado pelo autor. importante na história da arquitetura e construção de 3000 a.C. Eles grandes monumentos sobrevivem ão foram encontrados desenhos desta época são construções em pedra, técnica da época. Neles encontramos alguns argamassa de cal e gesso, precursora do cimento et al., 1988). Nestes elementos estruturais utilizavam a técnica de arco “falso”, pouco eficiente para isso, preferiam o uso de viga e também foram pouco utilizadas. , mas exploraram pouco (p. ex. arco) e de novos materiais . Por isso, os egípci s, se limitando a repetir em pedra o que . conhecidas são de época posterior. Arco verdadeiro 94 : foram grandes até hoje. Apesar da de seus , e por isso 38 . raramente usada usos de arcos para união , os egípcios, pilar. As misturas de Os do potencial de (p. ex. argamassas), os desenvolveram era feito em Por volta de 2.500 a.C. surge nos lagos suíços comunidades que utilizam intensamente a madeira para construção de suas habitações material abundante na região. A pilar e muitas dessas eram construídas sobre o lago. Esta situação levou a construção de plataformas de madeiras e ao uso de estacas de madeiras cravadas no lago, imitando, talvez as construções das primeiros registros de fundações profundas. Nessa simples de treliça onde a cobertura de telhas de madeira era apoiada em duas bar inclinadas travadas em triân do uso de treliças, explorando triângulo, possível através da condição construtiva Figura 26 – Reconstrução de uma casa da época Neolít Fonte: Museum at Unteruhldingen Em 2.144 a.C. temos o mais antigo registro conhecido de um desenho de uma planta de uma construção. No colo de uma estátua Lagash, encontra-se um desenho da planta de um Segundo os registros conhecidos, p (FRANCES, 2012). O registro é um conjunto de três arcos em tijolos que fazem parte de uma habitação da antiga cidade de (JACOMET, 2009) forma básica de suas edificações era o sistema de viga e pontes da época. Estas estacas podem ser casa também foi utilizado um sistema gulo nos pilares (Figura 26). Estes são os primeiros registros a possibilidade formal e estruturalmente eficiente do do material madeira. ica na região dos lagos suíça on Lake Constance, Alemanha; foto de Gudea, governante sumério da província de de seus palácios or volta de 1800 a.C. surge o Tel Dan no norte de Israel. 95 . A madeira era um consideradas os ras . : S. Jacomet. (Figura 11). arco verdadeiro Em cerca de 1.400 a.C. o alfabeto é c possibilitou o registro de vários conhecimentos da época, contribuindo também para o registro do conhecimento construtivo. 3.3.2. Idade Clássica: 800 a.C. a Aproximadamente em 800 a.C. etruscas e romanas, começam a s consideradas a base de nossa atual civilização Inicialmente, a civilização que mais se era composta por vários povos que habitavam a de 800 a.C. estes povos prospe Figura 27 - Três arcos de Tel Dan. Fonte: Frances, 2012 riado pelos fenícios. A escrita pelo alfabeto fenício o século III algumas civilizações, como as civilizações gregas, e destacar na Europa. Estas ocidental. desenvolveu foram os gregos. s regiões costeiras do mar Egeu. Por volta ram economicamente e passam a utilizar o alfabeto. Com 96 civilizações são A civilização grega 97 isso surgem as polis ou cidades, onde são construídas várias edificações para abrigar as atividades de seus habitantes. Muitas das edificações da civilização grega clássica existem ainda hoje e são os principais registros das técnicas construtivas utilizadas para construção das polis. Acredita-se que o fato é devido desejo dos arquitetos e mestres-pedreiros da época de manter em segredos suas técnicas. As técnicas dos arquitetos eram fruto de seus conhecimentos empíricos e práticos. Assim, eles evitavam os registros e desenhos dos edifícios, resguardando para si este conhecimento. As edificações da polis utilizam basicamente blocos de pedras em sistemas estruturais de viga e pilar. Alguns fatos podem ter levado a esta predominância. Os gregos eram grandes navegadores, utilizando principalmente o transporte marítimo e raramente o transporte terrestre. Por isso, diferente de outros povos, eles tinham pouca necessidade construção caminhos terrestre e como consequência, construíram poucas pontes. Assim, os gregos raramente se viram diante de uma real necessidade de vencer grandes vãos. Mesmo as poucas pontes construídas eram quase sempre sobre pequenos rios, onde o sistema estrutural de viga e pilar atendia ao vão necessário (Figura 28). Esse fato explica, segundo alguns autores, a predominância do sistema estrutural de viga e pilar no repertório construtivo dos gregos, que raramente usavam formas mais eficientes como arcos (REBELLO, 2003). Apesar do destaque histórico e recorrente na arquitetura grega para suas formas estéticas, sob uma abordagem do conhecimento construtivo, as formas das edificações gregas clássicas são singelas, restritas as formas simples de uma estrutura de viga e pilar. Figura 28 Fonte O principal material construtivo utilizado explicado pela disponibilidade do material na região. artesões na cantaria. Os blocos de pedras eram cuidadosamente cortados e aparelhados e normalmente unidos com tarugos de ferros argamassa e o cimento pozolânico em 700 a.C. foram encontrados na ilha de Rodes ( tarugos se deve, possivelmente embarcações pelos gregos de cimento pozolânico (mais resistente somente nas colônias gregas da península itálica, distantes – Desenho da ponte sobre o rio Assos, século V a.C. : History of bridge engineering, Tyrrell, 1911 pelos gregos foi a pedra. Os gregos t ou madeira, apesar destes . Registros de uso de cimento pozolânico pelos gregos Figura 29). O fato , pela habilidade técnica adquirida na construção de e o fato das cinzas vulcânicas necessária que a argamassa de cal e gesso) das principais 98 Este uso pode ser ornaram-se grandes conhecerem a de preferirem os s para a argamassa estar disponíveis polis gregas. Figura 29 – Tanque de água com cimento Fonte: Robert Pitt, Por volta de 600 a.C. a civilização grega passa a buscar respostas para diversas questões sobre o mundo natural. A princípio, esta busca tinha bases filosóficas, sem uma preocupação de uma investigação científica. os fenômenos naturais, levou a adquiridos. Com isso surge a primeira escola de base científica, fundada por Thales Mileto. O fato representa o inicio da ciência. A investigação científica dos fenômenos naturais irá permitir o avanço do nosso conhecimento, incluindo o conhecimento construtivo e estrutural. Na mesma época, em 600 a.C. a civilizaçã península itálica, começam a se desenvolver técnico através do trabalho com diversos metais, entre eles o bronze, o ferro, o ouro e a prata. Diferente dos gregos, os etruscos utilizavam o transporte terrestre e por isso tinha necessidade de construir estradas. uma grande quantidade de suportavam grandes cargas. Considerando a tecnologia e materiais disponíveis na época as formas estruturais mais adequadas túneis eram os arcos e abóbada conhecimento construtivo em pozolânico em Rodes, 700 a.C. University of Alabama, em http://www.nap.edu/ Com o tempo, o interesse dos gregos sobre uma preocupação de sistematizar o o Etrusca, povos que ocupavam o norte da . Os etruscos adquiriram conhecimento Para adequar as estradas ao relevo, e pontes e túneis. As pontes venciam grandes vãos. Os túneis para vencer grandes vãos e suportar as cargas de s. Como consequência, os etruscos adquiriram grande técnicas que usam estas formas. 99 s conhecimentos em m les construíram Assim como a sociedade de modo gera, as da cultural grega. A Grécia era de base para as demandas estilo da arquitetura grega à arcos e abóbadas. As formas estruturais em arco verdadeiro pelos gregos, conforme pode ser visto a.C. Porém, este conhecimento foi pouco desenvolvimento ocorria através dos etruscos. Assim, os etruscos exploraram novas soluções estruturais para suas edificações, tendo como consequência uma arquitetura de grande riqueza formal e características estéticas próprias O desenvolvimento cultural e econômico da civilização grega ganhou novo impulso com a criação das escolas de ciência, ou academias da civilização acontece no Sócrates, Platão e Aristóteles para a matemática e geometria, fundamentais no desenvolvimento do conhecimento estrutural. Na Pérsia, por volta de 350 a.C., uma ponte que foi construída sobre persas utilizavam intensamen construíam inúmeras pontes. Figura 30 – Desenho da ponte sobre o Fonte Também por volta do ano de 350 a.C., o grego Aristóteles realiza diversos experimentos que buscavam entender o comportamento fís edificações etruscas tinham grande influência culturalmente avançada, influente em toda e estilos das construções etruscas. Os s suas próprias técnicas construtivas, utilizando também foram conhecidas na ponte de Pergamon construída em utilizado nas construções gregas (STIERLIN, 1996) gregas, a partir do no século VI a.C século IV a.C., com o surgimento de pensadores como . Surgem diversas áreas do conhecimento com destaque surge o arco ogival, como mostra o registro rio Dizful (Figura 30). Assim como os etruscos, os te o transporte terrestre e, por este motivo, necessitavam e Rio Dizful, cerca de 350 a.C. : History of bridge engineering, Tyrrell, 1911 ico dos objetos e materiais. Ess 100 região, e serviu etruscos adaptavam o principalmente cerca de 500 e seu . . O auge conhecido de es foram os 101 primeiros trabalhos científicos sobre mecânica e podem ser considerados a origem dos estudos sistemáticos e das teorias sobre o mundo físico, base do conhecimento estrutural. Eles foram as primeiras grandes contribuições para o desenvolvimento do conhecimento estrutural. Também foram importantes diversas teorias como, por exemplo, os princípios da alavanca e centros de gravidades desenvolvidos por Arquimedes (287-210 a.C.). Apesar das possibilidades trazidas pelos estudos científicos, eles pouco repercutiram na arquitetura e construção grega, que parecia mais interessada em questões metafísicas e estéticas dos edifícios do que sobre o comportamento físico destes. Assim, as construções da Grécia Antiga não apresentaram inovações construtivas e pouco utilizaram dos avanços científicos da época. Em cerca de 250 a.C., no oriente, a civilização chinesa se desenvolvia simultaneamente às civilizações ocidentais. Com características culturais próprias, a civilização chinesa da época tinha uma relação singular com um tipo de construção: as pontes. Elas eram consideradas locais sociais de encontro, análogos às praças do ocidente. Assim, eram muito valorizadas, não somente pelo seu aspecto prático de ligação, mas, principalmente, pelo seu aspecto comunitário e social. Como ambiente importante para vida social oriental, a construção de uma ponte era considerada uma arte de elevado e esta era considerada um objeto cultural, social e estético (TYRRELL, 1911, p. 22). O interesse e dedicação na construção de pontes levaram os chineses a construírem com grande audácia estrutural para a época. As primeiras pontes construídas pelos chineses eram de madeira. Posteriormente, passaram a utilizar pedras para sua construção. As primeiras pontes de pedras imitavam a forma das de madeiras, ou seja, utilizavam um sistema estrutural de viga e pilar. Aproximadamente no ano de 250 a.C. os chineses passam a adotar os arcos de pedras em suas pontes. Acredita-se que os chineses já conheciam a técnica de arcos desde o século XVIII a.C., através do contato com os sumérios. Também existem registros de uso de cimento em edificações chinesas por volta do ano de 250 a.C. A arte ou atividade de construção tinha um simbolismo religioso na China. Sua correta execução era vista como uma representação do bom trabalho e da intenção ética do homem. Porém, por estar inserida em um dogmatismo religioso, inovações no processo construtivo eram evitadas. O conhecimento prático e empírico era passado de pai para 102 filho e buscava-se respeitar e manter as técnicas aprendidas, como uma tradição. Diferente do ocidente, não parece ter havido a preocupação em restringir a divulgação do conhecimento técnico construtivo. Segundo Rabello (2003, p. 237), os chineses desenhavam as pontes em escalas nas paredes próximas a construção. Os antigos chineses foram uma das civilizações mais ousadas de sua época nas construções. A grandeza dessas construções são presentes ainda hoje como, por exemplo, a Grande Muralha da China, o maior objeto construído pelo homem na história. Na mesma época, no ocidente, uma civilização começa a se destacar: os romanos. Os romanos viviam na península itálica e, a partir do século III a.C., passaram a anexar as províncias vizinhas incluindo os etrusco e posteriormente, em 146 a.C., os gregos. A civilização romana se tornou rapidamente um império de grande extensão territorial. O império romano surge formalmente em 27 a.C. com a proclamação do mesmo pelo imperador Augustus. A extensão, distância e grande população do império trouxeram a necessidade de construção de muitas estradas e de muitas cidades. Tirando os dias atuais, durante a existência do império romano, foi a época histórica de maior atividade de construção. Os romanos receberam grande influência das civilizações gregas e etruscas. Os gregos influenciaram principalmente a cultura, incluindo as referências estéticas. Dos etruscos eles incorporaram a tecnologia, com destaque para as técnicas construtivas. Esta incorporação da tecnologia etrusca é natural, uma vez que as condições e desafios enfrentados pelo império romano eram próximos dos da civilização etrusca. A necessidade de estradas demandavam pontes de grandes vão. As cidades populosas demandavam grandes edifícios. As formas estruturais de arcos e abóbadas dos etruscos se mostraram adequadas para responderem estas demandas e foram amplamente utilizadas e exploradas. A tecnologia construtiva grega foi pouco utilizada nas construções, sendo incorporados apenas os adornos gregos nas edificações, como estátuas e revestimentos. As construções do império romano utilizavam a pedra como material construtivo. Além da pedra, os romanos fizeram grande uso das cinzas vulcânicas em argamassas de cimento pozolânico. As cinzas vulcânicas com utilidade construtiva foi descoberta em cerca de 250 a.C. na região de Pozzuili, próximo ao vulcão Vesúvio. O material era semelhante ao já conhecido por outros povos como os gregos. Devido boa propriedade da cinza vulcânica 103 de Pozzuili e, principalmente, devido a disponibilidade do material próximo as cidades romanas, seu uso foi intenso, diferente do acontecido por outras civilizações em épocas anteriores. Isto levou a um grande desenvolvimento na tecnologia da argamassa pozolânica. A grande população romana também trouxe um desafio para a infraestrutura das cidades. Explorando novos usos para as formas estruturais etruscas (como arcos e abóbadas) e para os materiais construtivos (como o cimento), os romanos criaram novas soluções construtivas para suas necessidades, como os aquedutos, canais, cisternas, calidariuns e ipocaustos. Todos esses fatores fizeram os romanos serem inovadores em suas construções e grandes promotores da tecnologia construtiva. Outra contribuição importante dos romanos foi o registro do conhecimento construtivo. A rapidez de crescimento do Império e as grandes distâncias das províncias levaram os romanos a buscar meios de controlar de modo eficiente a execução das construções. Os romanos passam então a registrar de forma escrita as normas de construção e em desenhos as edificações, sistematizando as técnicas construtivas e as tipologias e formas arquitetônicas. O mais famoso destes registros é o livro Da Architectura de Marcus Vitruvius Pollio. O livro Da Architectura foi escrito no ano 15 a.C. Como visto nos capítulos anteriores, ele é uma obra fundamental na teoria e história da Arquitetura, considerado o primeiro tratado desta. O livro também é um tratado fundamental para a engenharia e construção de edifícios. Seu objetivo principal era registrar o conhecimento construtivo do império romano, através da descrição e representação em desenhos das técnicas e métodos construtivos. Suas principais características foram descritas no capítulo anterior. Vale ressaltar aqui, os estudos e teorias de comportamentos físicos das vigas e pilares do edifício (VITRUVIUS, 2006, Liv. 6, Cap. 11), ensaiando uma abordagem científica dos fenômenos físicos para a concepção das edificações. Os romanos exploraram e ampliaram o uso de diversas técnicas construtivas. Suas obras levaram a um novo nível as construções em arcos abóbadas, domos e em concreto. A obra que melhor representa a inovação e legado romano para a história da Arquitetura e construção é o Panteão em Roma. 104 O Panteão de Roma teve sua construção finalizada no ano de 126. Sua função inicial era de templo romano. Ele é uma edificação de planta circular coberta com um grande domo, possuindo um pórtico de colunas coríntias na entrada. O diâmetro interior do domo possui 43 metros e a altura total é de também 43 metros. São números impressionantes para a época e a obra é considerada um marco na Arquitetura e engenharia. Sua realização só foi possível pelo elevado conhecimento técnico dos romanos da forma estrutural do arco e do uso do cimento pozolânico. Durante mais de 1.300 anos o Panteão permaneceu como o maior domo construído pelo homem, sendo superado apenas no ano de 1436 pelo domo da Igreja de Santa Maria del Fiori em Florença, outra obra marcante de engenharia e Arquitetura. O ano de 285 marca a divisão do Império Romano em Império Romano Ocidental e Império Romano Oriental. A sede do Império Romano ocidental permanece em Roma e a sede do Império Romano Oriental muda para Constantinopla, atual Istambul. Na prática o fato significou a queda do Império Romano no Ocidente. 3.3.3. Idade Média: século III ao século XIII Com a queda do Império Romano ocorreram mudanças nas condições políticas e sociais no mundo ocidental. Este período, iniciado no século IV, é conhecido como Idade Média. A Idade Média foi caracterizada pela ascensão da Igreja Católica e profundas mudanças culturais. A Igreja passa a centralizar a cultura e o conhecimento. Ela impõe o latim como sua língua oficial e os escritos passam a ser feitos nesta língua. A consequência desta decisão é a pouca difusão do conhecimento na época, uma vez que os escritos e livros em latim só eram acessíveis a poucos que conheciam a língua. Esta nova condição repercutiu especialmente na atividade científica. O dogmatismo imposto pela igreja levou a diminuição das investigações científicas e a época foi de poucas descobertas. Apesar do desestímulo da Igreja da Idade Média à ciência, e da época aparentemente perdida para a geração de novos conhecimentos, alguns autores destacam a importância do fato de que na Idade Média foram reunidos, catalogados e organizados os conhecimentos das épocas anteriores. O ambiente cultural da Idade Média alterou bastante o cenário da arquitetura e construção. Foram perdidos vários dos conhecimentos construtivos adquiridos pelos romanos. As construções deixam de utilizar importantes formas estruturais e materiais explorados pelos romanos, como Em seus anos inicias, do século atividade de construção. As poucas edificações construídas eram feitas de pedras e tinham pequenas dimensões. elementos estruturais exagerados. paredes grossas e pesadas, pouca iluminação e ventilação Figura 31 No período do século IV ao século conservadorismo estrutural monumentais. O conservadorismo e receio estrutural limitou a construção de grandes edificações. Porém, ocorreram algumas exceç Basílica de São Pedro e a Basílica de Santa Sofia em Constantinopla. A antiga Basílica de São Pedro Ela foi construída na cidade de Roma com a função de ser a principal Possuía uma planta retangular abóbadas, domos e o concreto. IV até o século IX, A Idade Média Apesar das pequenas dimensões, De modo geral elas eram construídas com poucas aberturas, gerando ambientes internos com (Figura 31). – Igreja São Pedro de La Nave, século VII, Espanha. Fonte: http://www.romanicoatlantico.org/ IX, a perda do conhecimento construtivo levou a um quando comparamos ao período romano e suas edificações ões. Entre elas se destacam (Figura 32) tem sua construção por volta do ano de 321. com comprimento de 110 metros. Ela era um complexo de 105 apresentou pouca as edificações tinham apoiadas em a Antiga Igreja Católica. edificações comum átrio na entrada edifício possuía uma nave baixas, sendo duas em cada lado. treliças de madeira. O edifício planta em forma de cruz. O estratégia muito utilizada pelas igrejas A antiga basílica de São Pedro sofreu muitos problemas estruturais durante sua história. Certamente a perda do conhecimento construtivo foi o fator crítico para a situação. Po fim, no século XV, devido ao estado precário de sua estrutura, sendo construída em seu lugar a atual basílica de São Pedro. No ano de 537 foi finalizada outra grande edificação do período do início da Idade Média, a Basílica de Santa Sofia em Constantinopla, Construída com a intenção de ser a princip um planta retangular de 76,2 metros de comprimento. Na lateral domos que apoiam um grande d diâmetro. Diferente dos domos romanos domo da Basílica de Santa Sofia foi construído apoiado domos. Esta solução formal e um grande edifício para o culto religioso. central com altura de 30 metros, e quatro naves laterais A cobertura das naves era apoiada possuía ainda uma espécie de trans transepto e a planta em forma de cruz tornaram a partir de então. Figura 32 – Antiga Basílica de São Pedro. Fonte: http://www.studyblue.com/ a basílica sede do Império Romano do al Igreja do Império Oriental, a omo central de 55,6 metros de altura e 31 , que eram apoiados em um círculo completo, o nos arcos transversais gerou diversos problemas estruturais. 106 Este mais em tesouras e epto, ensaiando a -se uma r foi demolida Oriente. Basílica possui se encontram semi- ,8 metros de dos semi- 107 No ano de 553 apareceram as primeiras rachaduras no domo principal. No ano de 557, novamente aparecem significativas rachaduras no domo principal e no semi-domo lateral. As causas das rachaduras foram atribuídas ao peso da estrutura e a construção em uma morfologia estrutural inadequada. Também contribuíram para as rachaduras alguns tremores e terremotos ocorridos. No ano de 558, o domo principal da Basílica de Santa Sofia desaba. Com isso, em 562 é construído um novo domo principal alterando sua forma e os materiais utilizados. O Domo fica com maior curvatura e mais leve, buscando amenizar os problemas estruturais recorrentes. No século VII surge na França uma nova dinastia real, os Carolíngios. No século IX, os reis Carolíngios se aliam a Igreja Romana buscando retomar o Império Romano do Ocidente. Esse fato marca uma mudança nos rumos da arquitetura da Idade Média. O novo Império Carolíngio incentiva e estimula a construção de grandes e suntuosos edifícios, especialmente de Igrejas e edifícios eclesiásticos. Estes grandes edifícios levam ao desafio de construir grandes estruturas. Do século IX ao século XIV, as construções eram basicamente realizadas por grupos itinerantes de pedreiros, carpinteiros e serralheiros. Estes construtores tinha pouco acesso aos conhecimentos construtivos antigos, perdidos durante o período inicial da Idade Média. Eles adquiriam o conhecimento através de sua prática, ou seja, de modo empírico, buscando aprender novas técnicas. A busca por estas novas técnicas eram realizadas por tentativa e erro. O desafio de construção de grandes edifícios e estruturas levava a experimentações de novas formas arquitetônicas e materiais, com frequentes colapsos. As igrejas construídas no século IX adotam principalmente a forma de planta em cruz, ensaiada inicialmente na antiga Basílica de São Pedro. As plantas em cruz implicam na criação de um transepto, ou seja, duas naves cruzando perpendicularmente. Com o uso de abóbadas de berço nas naves, o cruzamento do transepto é coberto por um módulo de abóbadas cruzadas. A abóbada cruzada parece ter sido descoberta de um modo empírico, através da construção de duas naves cobertas com abóbadas de berço. As abóbadas cruzadas são mais eficientes estruturalmente do que as abóbadas de berço. Elas necessitam de menor contraforte para estabilizar os empuxos nos apoios laterais dos arcos esforços são conduzidos verticalmente para o solo abóbada cruzada a partir da forma arquitetônica de planta em cruz permitiu as futuras naves centrais elevadas das igrejas No ano de 1088 é fundada na cidade de Bologna, Itália, a Universidade de Bologna. As universidades medievais adotam como método de ensino em Trivium e Quadrivium. A categoria do Gramática e da Retórica, sendo estas consideradas disciplinas relacionadas espírito. A categoria do Quadrivium Astronomia e Música, sendo consideradas disciplinas relacionadas a matéria. O ensino nas universidades medievais enfatizava o aprendizado intelectual, distinguindo do aprendizado de técnicas manuais as futuras discussões sobre as arte consequências na arquitetura e construção. Em 1130 foi finalizada a construção de uma importante obra arquitetônica: a catedral de Durham, na Inglaterra. A construção trouxe uma importante inovação arquitetônica e estrutural ao substituir as abóbadas naves laterais à nave principal por arcos botantes. Os arcos botantes fazem o contraforte dos empuxos laterais da abóbada da nave principal, através de uma estrutura leve. Abóbada cruzada Figura 33 - Direção dos empuxos nas abóbadas cruzadas e de berço . A descoberta da forma estrutural góticas, cobertas com abóbadas cruzadas. a categorização Trivium incluía as disciplinas da Lógica, da incluía as disciplinas da Aritmética , considerado inferior. Esta filosofia serviu de base para s liberais no Renascimento que trouxeram Além disto, a catedral utilizou nervuras nas arestas das Abóbada de berço 108 , uma vez que os de das disciplinas à mente e ao , Geometria, importantes (fonte: autor) abóbadas cruzadas. Apesar de aparentemente estas terem função estrutural, as nervuras não desempenham esta função, sendo inseridas apenas por motivos estéticos. Figura Fonte: http://commons.wikimedia.org/ A inovação estrutural de abóbadas cruzadas possibilidade de substituição de estruturas pesadas por estruturas leves na sustentação das edificações. Isto foi um marco na história da formais que culminaram com o O estilo Gótico, surgido no sé edifícios medievais para estruturas leves, discretas, compostas por um esqueleto estrutural formado por relativamente finos elementos estruturais ou barras. A edificação não era mais suportada pela elementos estruturais. O comportamento físico das barras se torna comportamento estrutural da edificação. A complexidade de comportamento dificulta o conhecimento estrutural empírico. Assim comportamento das estruturas ganham tentativa e erro das abordagens práticas. Porém, um evento ocorrido em 1241, muda o rumo da arquitetura baseada nas leves estruturas surgidas no Gótico. Nesse atacam os húngaros utilizan 34 - Catedral de Durham, Inglaterra. e http://www.pitt.edu/ , associada a arcos botantes Arquitetura permitindo novas explorações estilo Gótico. culo XII representa a transição das estruturas pesadas dos sua massa construída e sim pelas resistências , as teorias e experimentos científicos do importância em substituição aos processos de ano, na cidade de Mohi, Hungria, os mongóis do armas de pólvora. O poder de destruição da pólvora leva 109 , mostrou a dos crítico para o à 110 necessidade de construções resistentes a nova arma. O fato teve duas importantes consequências para a arquitetura. Uma delas é a retomada do uso de estruturas pesadas nas edificações com o objetivo de resistir aos ataques das novas armas de fogo, como o canhão. A outra foram os estudos de novos materiais e técnicas construtivas eficientes para realizar ataques. Destes estudos surge o engenheiro militar, precursor do engenheiro civil, que passa a investigar de forma sistemática o comportamento físico das construções. 3.3.4. Renascimento: século XIII ao século XVII No século XIII, com o surgimento do engenheiro militar, temos, em certo modo, o primeiro movimento de afastamento da Arquitetura e do conhecimento construtivo, ou, em linguagem contemporânea, do afastamento da Arquitetura e da Engenharia. O novo engenheiro militar era o profissional escolhido para a concepção e construção das fortificações da época e o tradicional arquiteto, afastando-se das preocupações do comportamento físico frente aos ataques de armas de fogo, era o profissional escolhido para a concepção e construção dos palácios. Caba ressaltar que até então, o arquiteto era o responsável pelos diversos tipos de construção, incluindo as fortificações. O próprio Vitruvius, que escreveu o tratado Da Architetura no ano 15 era um engenheiro militar romano. Também no século XIII, ocorreram importantes mudanças culturais, políticas e econômicas na Europa. As mudanças, que significaram historicamente o fim da Idade Média, ocorreram principalmente nas cidades italianas de Florença e Veneza. O período é caracterizado pela valorização do homem livre, buscando a acesso ao conhecimento a todos, antes restrito a igreja. O ensino, as universidade, as bibliotecas e as academias florescem e são redescobertas a filosofia, ideias e estéticas da Grécia Clássica. O homem passa a se interessar pelo mundo natural em contraste as preocupações medievais com o mundo espiritual. O humanismo e o interesse no mundo físico real levaram a um desenvolvimento notável na Ciência. Em 1436 foi finalizada a construção do domo da Igreja de Santa Maria del Fiori em Florença (Figura 35). O primeiro projeto da igreja Santa Maria del Fiori foi realizado por Arnolfo di Cambio em 1293. A construção começou no mesmo ano. Em 1349 o projeto teve suas dimensões ampliadas por Francesco Talenti, resultando em uma edificação de dimensões enormes. A igreja tem comprimento, 34 metros de largura da edificação possui diâmetro de no ano 126, e altura de 114,5 metros. A construção das naves foi finalizada em 1380, mas o domo não foi realizado neste momento. sua elevada altura e a dificuldade de estrutura. No final do século XIV domo. Em 1418 foi lançada uma co do domo. Fillipo Brunelleschi construtivo prático, propôs um método construtivo inovador sem apoio ou cimbramento, utiliz de assentamento dos tijolos permitiu que compressão, mesmo durante a construção construção foi iniciada em 1420 presente no canteiro de obra durante del Fiori é o maior domo de Figura planta em cruz com nave principal de e um transepto de 90 metros de comprimento 45,5 metros, superando o Panteão de Roma construído Sua execução foi considerada inviável, devido a realizar um apoio provisório houve várias tentativas de viabilização da construção mpetição buscando novas propostas para construção , arquiteto e engenheiro que possuía onde o domo ando tijolos e argamassa (Figura 36 os mesmos trabalhassem . Seu projeto foi escolhido vencedor e a , finalizando com sucesso em 1436. toda a execução. Ainda hoje o Domo de Santa Maria tijolos e argamassa construída pelo homem. 35 - Igreja Santa Maria del Fiori, Florença Fonte: Wikipédia. 111 153 metros de . O domo (cimbramento) para a do grande conhecimento seria construído e Figura 37). A forma estruturalmente sobre Brunelleschi esteve Figura 36 - Detalhe da parede da cúpula d Figura 37 Os novos pensamentos humanistas da época repercutem na teoria da 1450, Leon Battista Alberti fundamentos teóricos da condição de criação intelectual superior para a obra arquitetônica, arquiteto em seu ateliê, em detrimento ao arquiteto construtor discutidas no capítulo anterior) projeto e da atividade de construção. consequência a reivindicação, a partir de então, liberal por muitos arquitetos buscas do conhecimento construtivo a igreja Santa Maria del Fiori Fonte: http://archinect.com/ - Esquemas da construção do domo de Florença fonte: www.studyblue.com e Paolo Rossi escreve o tratado De Re Aedificatoria Arquitetura. Como visto anteriormente, Alberti valorizando o papel do (apesar das contradições . O tratado de Alberti marca a separação da atividade de Esta nova visão do papel do arquiteto trouxe da condição de , que se afastam do canteiro de obra e das explorações e . 112 Arquitetura. Em estudando os reivindica a como artista e profissional 113 Na mesma época, apesar do movimento de posicionamento do arquiteto como artista, sem preocupações com questões pragmáticas, temos o surgimento das explorações teóricas e científicas modernas sobre o comportamento físicos dos corpos, o que irá contribuir para nosso conhecimento construtivo e estrutural e aplicações práticas. Em 1452, Leonardo da Vinci realiza estudos das forças em arcos, estudos sobre resistências de vigas, estudos do comportamento de treliças e também realizada testes e ensaios mecânicos em diversos materiais. Estes podem ser considerados os primeiros trabalhos buscando teorias científicas de comportamento físico ou de mecânica. Estes trabalhos, porém não tiveram repercussão na concepção estrutural das edificações uma vez que permaneceram desconhecidos pelo fato de Leonardo da Vinci escrever de modo espelhado39. Com isso a concepção estrutural das edificações continuou empírica. Em 1570, Andrea Palladio escreve seu tratado sobre Arquitetura: I quattro libri dell’architettura. O trabalho de Palladio apresenta regras de estética, de proporções e de aparências das edificações, coerentes com a linha de pensamento que defende a posição do arquiteto como artista e profissional liberal. Porém, o tratado também possui regras de construção, o que indica a importância, para autor, do conhecimento construtivo na Arquitetura. Entre os estudos de Palladio sobre teorias de comportamento físico das construções estão suas teorias estruturais sobre pontes, presentes no livro III. As pontes propostas a partir destas teorias são conhecidas com a primeira, segunda e terceira invenções de Palladio (Figura 38). 39 Existem várias teorias para os motivos de Leonardo da Vinci escrever de forma espelhada. A mais aceita é de ele simplesmente utilizava a escrita espelhada por ser canhoto e escrever da direta para esquerda, a fim de passar a mão sobre a tinta e manchar a escrita. Para outros pontos de vista ver Schott (1979). Figura 3.3.5. A Idade da razão: século XVII No ano de 1638, o cientista, engenheiro e matemático Sobre duas Novas Ciências moderna. O trabalho continha importantes estudos sobre comportamento físico e estrutural. Galileu estudou a resistência dos materiais, a mecânica dos corpos elásticos e buscou definir algumas propriedades físicas de alguns materiais de construção. utiliza das ferramentas matemáticas para tentar descrever os fenômenos observados. causa destes estudos científicos, Galileu pode ser considerado o primeiro teórico 38 - Pontes em I quattro libri dell'architettura Fonte: Palladio (1945). e século Galileu Galilei . Historicamente, o fato representa o início da ciência e física 114 XVIII publica o trabalho Galileu Por do 115 comportamento estrutural das construções. Apesar da importância de seus estudos, suas conclusões são hoje consideradas equivocadas em aspectos como, por exemplo, o comportamento das vigas submetidas a tensões. Em 1637 é criada por René Descartes, uma ferramenta matemática fundamental para compreendermos fenômenos de variáveis interdependentes: as coordenadas cartesianas. As coordenas cartesianas permitiram uma revolução tanto na representação espacial quanto na modelagem matemática de diversos fenômenos. Através dela, os edifícios puderam ser desenhados de modo mais adequado a percepção real, e o comportamento estrutural pode ser modelado de modo matemático mais preciso. No ano de 1651 foi finalizada a construção do Château de Maisons, na França. O edifício busca representar em seu estilo os sentimentos anticlássicos ou maneiristas surgidos na época. Esses sentimentos eram expressos pelos arquitetos nos adornos e decorações dos edifícios, ou seja, em sua aparência. O arquiteto maneirista não incorpora em suas críticas a arquitetura clássica novas explorações espaciais, construtivas e estruturais para as edificações. Reivindicando a condição de artista, os arquitetos maneiristas (e sua sequência o arquiteto barroco) se restringem a adornar e decorar fachadas. Em parte a situação pode ser explicada pelo desinteresse do arquiteto/artista pela construção e pela ainda incipiente conhecimento construtivo teórico. Em 1665, Isaac Newton, matemático e cientista inglês, publica importantes estudos de sobre comportamento físico dos corpos. Seus resultados fora as conhecidas Três Leis de Movimento de Newton. Elas se tornaram bases importantes para a nossa compreensão dos fenômenos físicos naturais, incluindo o comportamento estrutural das edificações. As Leis trouxeram a necessidade prática de determinar numericamente alguns fenômenos complexos. A busca por solução matemáticas para estas situações levou a descobertas de duas importantes ferramentas matemáticas. Buscando determinar a taxa de variação da quantidade de movimento utilizada nessas leis, o próprio Isaac Newton e o filósofo, matemático e cientista alemão Gottfried Leibniz desenvolveram, aparentemente de forma simultânea e independente40, métodos de cálculos conhecidos como cálculo integral. Os 40 A polêmica entre Newton e Leibniz sobre a descoberta do cálculo diferencial e integral é uma das mais famosas da história da ciência. Para maiores detalhes ver Hall (2002). 116 mesmos matemáticos desenvolveram o seu inverso, ou seja, o cálculo integral, aparentemente também de forma simultânea e independente. Esse é usado para calcular o efeito total de uma variável que muda com o tempo. Estas ferramentas de cálculo ainda hoje são fundamentais para os estudos e projetos do comportamento estrutural das edificações. No ano de 1666, a L’Academie des scienes foi fundada pelo rei Luiz XIV. A academia tinha o objetivo de desenvolver as pesquisas científicas na França. Ela promoveu o conhecimento científico, incluindo estudos de comportamento físico dos materiais. Diversos engenheiros participaram e estudaram na L’Academie des scienes, entre eles François Blondel, matemático, engenheiro civil, engenheiro de fortificações e arquiteto militar francês. No ano de 1671, o mesmo rei Luiz XIV funda na França a Academie Royal d’Architecture. O primeiro diretor da Academie Royal d’Architecture foi François Blondel, oriundo da L’Academie des scienes. Em 1678, o cientista experimental inglês Robert Hooke publica seu trabalho sobre o comportamento físico dos corpos quando da aplicação de forças. Segundo sua teoria, em algumas condições, alguns materiais sólidos apresentam comportamento de deformação proporcional a força aplicada, comportamento este definido como elasticidade. A característica define a conhecida Lei de Hooke e categoriza alguns materiais, em determinadas circunstâncias. O comportamento elástico hookeano pode ser expresso matematicamente e significou um importante auxilio nas análises e estudos do comportamento estrutural e nas soluções construtivas. No ano de 1679, o padre e físico experimental francês, Edme Mariotte, membro da L’Academie des scienes, apresenta seus resultados sobre os estudo de tensão em vigas fletidas. Marriotte foi um dos fundadores doa mecânica dos sólidos e suas conclusões sobre o comportamento de tração e compressão ao longo da seção transversal de uma viga se aproximou do atual entendimento do fenômeno. Em 1687, o matemático suíço Jacob Bernoulli realizou estudos dobre as tensões em vigas submetidas à flexão. Suas conclusões propunham um modelo em que as seções da viga 117 estavam submetidas e tração e compressão, sendo a primeira teoria próxima ao atual entendimento do comportamento. No ano de 1690, outro matemático da família Bernoulli, Johann Bernoulli, estuda as estruturas hiperestáticas, onde o número de incógnitas e maiores que as incógnitas das equações da estática, impossibilitando o cálculo dos esforços por esta. Para realizar o cálculo de estabilidade destas estruturas, Johann Bernoulli propõe o princípio dos deslocamentos virtuais, onde podemos determina os esforços através das simulações de deslocamento da estrutura. Em 1695, o matemático francês Philipe de la Hire, membro da L’Academie des scienes, publica o livro Traité de mecanique. Nele, la Hire apresenta diversos métodos geométrico para estudos e cálculos dos fenômenos físicos. Entre eles, temos o método geométrico para estimar aos esforços em um arco, chamado de funicular de forcas ou polígono funicular. Em 1735, o matemático suíço Leonhard Euler propõe uma teoria das estabilidades de peças contínuas. Os estudos de Euler permitiram o entendimento do fenômeno de flambagem em barras comprimidas por tensões axiais. No ano de 1747 foi fundada em Paris a primeira escola de engenharia civil do mundo, a École nationale des ponts et chaussées. As primeiras disciplinas do primeiro curso de engenharia foram geometria, álgebra, mecânica e hidráulica. O primeiro diretor da escola foi Jean-Rodolphe Perronet, engenheiro civil estrutural, famoso pelas construções de pontes em arco de pedra, como a Pont de la Concorde. Em 1756, Jean-Rodolphe Perronet recebeu diploma honorário da Academie Royal d’Architecture, e em 1765 da L’Academie des scienes. Perronet foi ainda um dos colaboradores da Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers. A Encyclopédie foi realizada do ano de 1751 até 1772. Organizada por Denis Diderot, a obra tinha como objetivo ser a compilação de todo o conhecimento humano até então. Ela é representativa do movimento cultural Iluminista da época, que buscava disseminar a informação e conhecimento a todos, a fim de mudar a sociedade através da razão. Apesar dos objetivos revolucionários Iluministas, no campo das artes foram retomados os ideais clássicos, buscando associa-los a tecnologia da época, definindo um “novo classicismo” ou neoclassicismo. Os arquitetos arte, afastada da ciência e tecnologia, Em 1757, temos um importante fato histórico na busca de entendimento e verificação do comportamento das cons pertencente a uma famosa família de marceneiros, conhecida pela inovação nas construções de pontes, projeta uma ponte de treliça de madeiras sobre o Rio Reno em Schaffhausen, Suíça (Figura de 25 tf, a ponte foi um desafio inédito até então, e nenhum método científico conhecido na época foi possível para dimensiona reduzido da ponte, ensaiando condições de carga necessária para mesma. O método de ensaio obteve sucesso e tornou auxílio nos estudos e dimensionamentos estruturais das construç Figura Fonte: http://www.zeughausteufen.ch/ e http://rdk.zikg.net/ da época mantiveram a posição da adotando o estilo neoclássico. truções. Hans Ulrich Grubenmann 39). Com vãos de 52,00 e 58,80 metros e carga de serviço -la. Grubenmann realizou então um modelo a fim de determinar a estrutura ões. 39 - Ponte de Hans Ulrich Grubenmann – 1757 118 Arquitetura como , engenheiro suíço, -se um importante 119 Em 1758, John Smeaton, construtor inglês, conclui empiricamente que a mistura de calcário com argila tem maior poder aglomerante que o calcário puro, usado eventualmente como argamassa até então. O calcário e a argila são, ainda hoje, os principais componentes do cimento moderno. Em 1765, um fato veio trazer uma nova revolução no mundo ocidental, desta vez proporcionado por uma nova tecnologia. James Watt, engenheiro mecânico escocês, realiza importantes aprimoramentos no motor atmosférico Newcomen, inventado em 1712. Os aprimoramentos dão origem ao motor a vapor e tem como consequência a Revolução industrial, alterando radicalmente a capacidade produtiva da economia, repercutindo em toda sociedade. A revolução trazida pela tecnologia do motor a vapor foi a mais radical da história. A revolução industrial trouxe uma alta demanda de conhecimento tecnológico e científico pela sociedade. Na Arquitetura, a atitude tradicionalista e o academicismo das escolas reforçaram a defesa da Arquitetura como arte, limitando a explorar a dimensão artística do objeto arquitetônico, evitando qualquer aproximação e interferência de discussões científicas e tecnológicas do conhecimento construtivo. As escolas de engenharia, por sua vez, utilizavam cada vez mais uma linguagem excessivamente técnica e matemática, dificultando o entendimento dos fenômenos físico pelos arquitetos. Com isso, os arquitetos não conseguem atender a demanda técnica e científica da época, perdendo, assim, o seu valor profissional e social (REBELLO, 2003, p. 252). Em 1773, Charles Augustin Coulomb, engenheiro e físico francês, publica o estudo “Aplicação das regras de máximos e mínimos aos problemas de estática relativa à arquitetura”. No trabalho, Coulomb propõe uma nova teoria de distribuições de tensões nas seções transversais de uma viga, uma nova teoria de arcos e apresenta estudos de torção. Sua teoria de distribuição de tensões em seções transversais de uma viga propôs regiões compressão e tração, semelhante às conclusões de Bernoulli em 1687. Já a teoria de arcos de Coulomb apresentou conclusões divergentes da teoria de Hire de 1695. No ano de 1775 foi construída uma ponte sobre o rio Severn na Inglaterra, utilizando um novo material de construção para a época: o ferro fundido (Figura 40). O fato marca o início do uso de estruturas metálicas nas construções. Inicialmente, o desenho das primeiras pontes de ferro fundido imitava o desenho das pontes de pedras e madeira. Figura Em 1789 tem início na França social no país, e que repercutiriam em vários outros locais. Conhecido como Revolução Francesa, o movimento surgia com bases cult racionalismo do Iluminismo. No ano de 1791 é registra a primeira patente de cimento produzido artificialmente. O “Romans cement” foi inventado por James Parker, clérig Parker se associa a Samuel Parker & Wyatt. Em 1793, as academias francesas, incluindo a d’Architecture, foram fechada No ano de 1795 as academias francesas são reabertas e reunidas no sciences et des arts. Foram Polytechnique, que incorporava o ensino da engenharia civil. Já o ensino da arquitetura foi definido como um departamento da A Polytechnique reuniu engenheiros e cientistas que buscavam aplicar os conhecimentos científicos nas construções. Entre eles se destacou o matemático criou o método gráfico da Geometria Descritiva, onde podemos representar objetos tridimensionais em planos bidimensionais. A Geometria Descritiva foi fundamental para o 40 - Ponte em ferro sobre o rio Severn, Inglaterra. Fonte: Wikipedia. uma série de acontecimento que alteram o quadro político e urais Românticas, se opondo ao o religioso Wyatt e funda a primeira indústria produtora de cimento, a L’Academie des Scienes s pelos governantes da Revolução Francesa. criadas novas escolas e entre elas se destacam a École de Beaux Arts. Gaspard 120 britânico. Mais tarde, e a Academie Institut national des École Monge. Monge 121 desenvolvimento de máquinas e diversos objetos manufaturados e construídos desde então, incluindo os edifícios. O fato de podermos representar de forma inteligível objetos tridimensionais de relativa complexidade permitiu a geração de grande variedade de objetos. A Geometria Descritiva foi, mais tarde, adotada como disciplina no ensino de engenharia e de arquitetura. Já o ensino de arquitetura, ocorrendo dentro da École de Beaux Arts, reunia os mesmos professores e acadêmicos da Academie d’Architecture. Assim, o ensino continuou com a mesma resistência as inovações científicas e tecnológicas. A École de Beaux Arts foi apoiada pela nova burguesia da época, utilizada por esta como instrumento de afirmação social. Desde o início as diferenças e disputas entre as abordagens da Polytechnique e da École de Beaux Arts foi evidente. Os engenheiros das Polytechnique consideravam os arquitetos da Beaux Arts incompetentes para construção, uma vez que não possuíam conhecimento técnico. Já os arquitetos da Beaux Arts consideravam os engenheiros da Polytechnique incompetentes para a arquitetura, uma vez que só possuíam conhecimento técnico. 3.3.6. Revolução Industrial: século XIX Em 1797 foi construída na cidade de Shrewsbury, Inglaterra, a fábrica de moinho de linho conhecida como Ditherington Flax Mill (Figura 41). Construído pelo industrial John Marshall e projetado pelo arquiteto britânico Charles Bage, o edifício utilizou pela primeira vez de forma clara um sistema independente de estrutura portante para a edificação, ou seja, um esqueleto estrutural (JONES, 2005). A estrutura era composta por colunas de ferro. A família de Charles Bage esteve envolvida na fabricação de ferro e o arquiteto tinha interesse na utilização do ferro nas construções. Hoje, o Ditherington Flax Mill é considerado, através de sua contribuição do esqueleto estrutural independente, o bisavô dos arranha-céus modernos. No ano de 1804, o arquiteto considérée sous le rapport de l'art, des mœurs et de la législation diversas proposta de projetos do autor e no Neoclassicismo, Ledoux diversos ideais a serem buscados pela arquitetura. Os resultados foram muitas propostas utópicas, injustificáveis e inviáveis construtivamen arquitetos acadêmicos da época em relação Em 1807, o cientista e matemático inglês Thomas Young relaciona a tensão e a deformação, constatando que vários materiais em determinada uma relação constante para as duas grandezas, caracterizando a elasticidade do mesmo. Define a constante E como módulo de elasticidade (também conhecido como módulo de Young) e a equação tensão = E x deformação fenômeno. Em 1817, o engenheiro francês Louis sur les chaux de construction primeiro método de fabricação artificial do cimento. O cimento hidráulico de Vicat seria mais tarde suplantado pelo cimento No dia 21 de outubro de 1821, o industrial inglês Joseph método de fabricação de cimento artificial, conhecido como cimento Portland. Este é, ainda hoje, o principal método de fabricação do cimento. Figura 41 - Ditherington Flax Mill Fonte: http://news.bbc.co.uk/ francês Claude-Nicolas Ledoux publica o livro . Baseados em ideias Iluministas, reivindica a liberdade artística do arquiteto, te, representando a alienação dos à tecnologia e ao conhecimento construtivo. s condições apresentam como a equação que representa o Vicat, publica o artigo, “Recherches expérimentales , les bétons et les mortiers ordinaires Portland. Aspdin 122 L'Architecture . O livro apresenta no Academicismo propondo ”, onde apresenta o registra a patente do No ano de 1822, o engenheiro i on the Strength of Cast Iron and other Metal de Thomas Young e é considerada a primeira obra que buscou incorporar o conhecimento científico nos procedimentos de cálculo de estruturas. Em 1822, o engenheiro e matemático francês Claude Louis Marie Henri o matemático e físico irlandês Stokes que descreve os movimentos dos fluidos, tornando possível entender matematicamente o fenômeno de deformação dos fluidos e materiais com comportamento não hookeanos. A equação permitiu foram fundamentais para a análise estrutural. Na década de 1840 nos Estados Unidos são construídas as primeiras pontes de estrutura metálica. As pontes foram utilizadas em substituição as pontes de treliça de madeira e adotavam a mesmo sistema de treliça. Em 1843, o arquiteto francês Henry Paris (Figura 42). O edifício utiliza arcos de ferro. O arquiteto deixou os pilares acadêmicos da Beaux Arts na época. Figura Em 1847 o engenheiro civil norte gráfico de cálculo de forças em treliças. O engenheiro também patenteou um modelo de treliça utilizado para construção de nglês Thomas Tredgold publica o livro s”. O livro é baseado na teoria da elasticidade George Gabriel Stokes desenvolve uma teoria geral da elasticidade. Suas contribuições Laboustre projeta a Biblioteca um esqueleto estrutural independente de pila à mostra e enfrentou grande resistência dos 42 - Biblioteca de Sainte-Geneviève Fonte: Wikipédia. -americano Squire Whipple desenvolveu um método pontes. 123 “A Practical Essay Navier junto com m a equação Navier- Sainte-Geneviève em r, vida e No ano de 1848, o agricultor francês Joseph Lo de construção de tanques de água, um barco utilizando d (Figura 43). A tecnologia, precursora do concreto armado, foi considerada inviável economicamente na época. Em 1850 o arquiteto americano James ferro fundido (Figura 44). Com o novo sistema construtivo, estrutura aparente. uis Lambot constrói, a partir de experiência e argamassa reforçada Figura 43 - Barco de Lambot. Fonte: http://www.brignoles.fr/ Bogardus patenteia estruturas pré Bogardus Figura 44 - Patente de James Bogardus. Fonte: http://www.mechanicalbanks.org/ 124 com ferro -fabricadas de constrói edifícios com No ano de 1853, o engenheiro francês publica o artigo “Sobre Torção”, onde revisa toda a teoria da elasticidade, dando possibilidades práticas do seu uso na engenharia. Também em 1853 foi inventado um dispositivo que trouxe grande impacto para a construção e engenharia desde então. O industrial americano desenvolveu um dispositivo de segurança pa rompimento dos cabos (Figura difundindo essa tecnologia transporte de pessoas. Figura Em 1856 foi patenteado pelo inventor inglês Henry aço em grande quantidade e baixo custo de Bessemer, deu início a moderna produção de aço construção. Bessemer não de conhecimento empírico. Na mesma época o engenheiro metalúrgico americano Willian Kelly desenvolveu processo semelhante, patenteando seu processo em 1857. Adhémar Jean Claude Barré ra elevador que freava o 45). A invenção permitiu o uso seguro do elevador, , inicialmente para transporte de cargas e depois para 45 - Patente do dispositivo inventado por Otis. Fonte: Wikipédia. Bessemer um método de produção de (Figura 46). O método, conhecido como , impulsionando a atividade de possuía educação formal e desenvolveu seu processo a partir 125 de Saint-Venant Elisha Graves Otis mesmo no caso de processo Fonte: Museu de No ano de 1857 foi construído em Nova (Figura 47). Com 24 metros de altura e cinco andares, ele foi o primeiro a utilizar um elevador de passageiros. Figura Figura 46 - Conversor Bessemer. Kelham Island, Sheffield e Wikipedia. Iorque, EUA, o edifício E.V. 47 - Edifício E.V. Haughwout Building. Fonte: Guide to NYC Landmarks. 126 Haughwout Building 127 Em 1857, o engenheiro e físico-químico francês Benoit Paul Émile Clapeyron desenvolve um método de cálculo de esforços em vigas contínuas. O método é conhecido como teorema (ou equação) dos três momentos. Em 1863 o arquiteto e teórico francês Eugène Emannuel Viollet-le-Duc publica Entretiens sur l'architecture onde sistematiza sua abordagem sobre a teoria da Arquitetura. Nele, Le- Duc defende o conhecimento prático do canteiro de obra, retomando a abordagem medieval em oposição ao academicismo renascentista da Beaux Art. No ano de 1873, o engenheiro e matemático italiano Carlo Alberto Castigliano formula o Teorema de Castigliano: "A derivada parcial do trabalho das forças internas em relação a uma força atuante fornece o deslocamento corresponde à força considerada na direção de ação da força em questão." Qi = ∂U ∂qi . O teorema introduziu uma aplicação útil pra cálculos de mecânicas do sólido na engenharia. Também em 1873 é fundada em Chicago, EUA, a empresa de construção Le Baron, do engenheiro Willian Le Baron Jenney. A empresa nasce durante um período de grande atividade de construção na cidade de Chicago. A intensa atividade era fruto das demandas para reconstrução da cidade após o grande incêndio de 1871. Interessado no uso do aço nas construções, Le Baron decide contratar arquitetos para desenvolver projetos baseados em novas tecnologias construtivas. Para isto, envolve os arquitetos nas atividades práticas da construção, onde estes podiam conhecer as novas técnicas construtivas. Entre os arquitetos que trabalhavam na construtora estava o arquiteto Louis Henry Sullivan. Ele passa a explorar novas tecnologias em seus projetos, sendo figura principal no surgimento dos modernos arranha-céus, e se tornando um dos principais arquitetos americanos. O movimento é conhecido como “Escola de Chicago” e foi influenciado pelas ideias de Le-Duc. Em 1875, o jardineiro francês Joseph Monier construiu a primeira ponte de concreto armado, onde o concreto trabalha a compressão e a armadura a tração. Monier desenvolve a tecnologia a partir de suas experiências com vasos de plantas. A ponte foi construída no castelo de Chazelet e possui 13,8 metros de comprimento e 4,25 metros de largura e seus elementos simulam galhos e troncos de árvores (Figura 48). Esquerda Fonte: IME Em 1877 o industrial americano Thaddeus Hyatt publica o experiments with Portland-Cement with reference to economy of metal in construction, and for making of roofs, floors and walking surfaces” concreto armado. No ano de 1882, o engenheiro alemão Christian Otto de cálculo de tensões conhecido como círculo de Em 1885 é finalizada a construção do edifício construtor foi o engenheiro William Le Baron edifício alto suportado, tanto internamente quanto em sua envoltória, por uma estrutura independente de aço. Enquanto o Figura 48 - Ponte de Monier em Chazelet. : ano de 1875 – Direita: ano de 2000. - Eduardo Christo Silveira Thomaz- notas de aula livro -Concrete combined with iron, as a building material, security against fire in the no qual desenvolve uma teoria para o uso do Mohr desenvolve um método Mohr. Home Insurance (Figura Jenney. O Home Insurance Ditherington Flax Mill de 1797 po 128 “An account of some gráfico 49). Seu arquiteto e foi o primeiro ssui 5 pavimentos, o Home Insurance possuía dez pavimento e 42 me “Escola de Chicago” e é considerado o Em 1887 foi finalizada a obra de ampliação do Projetada em 1870 pelos arquitetos ampliação teve, após algumas dificuldades de execução, sua estrutura projetada engenheiro estrutural Gustave cobrir seu vão central. Ele foi o primeiro edifício a utilizar um átrio central iluminado naturalmente (Figura 50). tros de altura. Ele é um exemplo da início da era dos grandes arranha Figura 49 - Edifício Home Insurance. fonte: http://memory.loc.gov/ Le Bon Marché, em Paris franceses Louis-Charles Boileau Eiffel em 1879. A obra utiliza estrutura metálica e vidro para 129 -céus. (Figura 50). e Armand Moisant, a pelo No ano de 1889 foi finalizada a construção da universal de 1889 em Paris Ferdinand Dutert e pelo engenheiro Victor em arcos, apoiada diretamente no solo em vão de 115 metros e vedações independentes. Figura 50 - Edifício da loja Le Bon Marché. Fonte: Wikipédia commons. Galerie des Machines (Figura 51). Ela foi projetada pelo arquiteto Charles Contamin. O edifício possuía estrutura 130 , para a exposição -Louis metálica Fonte: Também em 1889 foi construída projetada pelo engenheiro Gustav o conhecimento tecnológico da época. O monumento possui uma altura de 324 metros sendo a estrutura mais alta con Figura 51 - Galerie des Machines – 1889. Library of Congress - http://www.loc.gov/ para a exposição universal de Paris a Torre Eiffel, Eiffel. O objetivo da construção da torre foi representar struída pelo homem até então. 131 Em 1893 o projeto de Louis Sullivan para Feira Mundial de Chicago é recusado. O evento que representa o “fim” do movimento da “Escola de Chicago” No ano de 1896 o engenheiro uma caixa d’água na cidade de hiperbólica, sendo a primeira estrutura hiperbólica construída. Em 1896 o francês François de edificações. Hennebique baseadas em conhecimento empírico. O envolvimento de começou com o uso do material como proteção contra incêndio em construções metálicas. Nestas experiências ele percebeu o benefício do uso do concreto junto com o aço na construção de edificações. No ano de 1898 o arquiteto espanhol colônia Güell. A cripta era parte da construção da igreja d Coloma de Cervelló em Barcelona. A igreja nunca foi finalizad russo Vladimir Shukhov projeta e constrói Novgorod (Figura 52). A torre utiliz Figura 52 - Torre de Shukhov - 1896. Fonte: Wikipédia commons. Hennebique inicia o uso de concreto armado para construção não possuía educação formal e suas experiências Hennebique Antoni Gaudí finaliza a construção da cripta da o bairro operário de Santa a e a cripta permanece 132 uma torre para a uma forma eram com o concreto 133 como um fragmento da intenção da construção da mesma. Hoje ela é vista como objeto representativo do trabalho de Gaudí. Ela utiliza uma estrutura em abóbada de alvenaria hiperbólica. Representa não apenas uma forma próxima e análoga à natureza, como muitos analisam em suas obras, mas principalmente, é representativa da abordagem medieval de concepção da arquitetura de Gaudí. O arquiteto buscava inspirações e soluções para o projeto durante e através da atividade de construção. 3.3.7. Modernismo: século XX Em 1905, o arquiteto francês Auguste Perret funda uma empresa construtora que utilizava o concreto armado como técnica construtiva. O trabalho pioneiro de Perret não explora novas possibilidades do material e apenas substitui aço pelo concreto armado, mantendo a mesma morfologia estrutural. No ano de 1907, o engenheiro francês Eugène Freyssinet constrói a ponte Prairéal na cidade de Vaumas, França. A ponte utiliza o concreto armado e tem a forma de arco, iniciando a exploração das propriedades plásticas do material. Em 1908 o arquiteto franco-suíço Charles-Édouard Jeanneret-Gris, conhecido como Le Corbusier, inicia estágio no escritório de August Perret. Le Corbusier iniciava seus estudos em arquitetura e no escritório de Perret tem contato e adquire conhecimento no sistema construtivo de concreto armado. Le Corbusier estudou na Beaux Arts, que considerava o concerto armado um material “inferior”, adequado apenas a obras de engenharia e não de arquitetura. Mas, através do contato com o concreto armado, Le Corbusier desenvolveu suas próprias ideias sobre arquitetura e o material se tornou essencial em seus trabalhos. No ano de 1909, o engenheiro alemão Emil Morsch, professor da Universidade de Sttugart, publica o livro Concrete-steel construction - Der Eisenbetonbau, onde apresenta os primeiros estudos teóricos e científicos sobre o comportamento do concreto armado. Morsch propôs uma analogia à treliça para caracterizar comportamento de vigas de concreto armado submetidas à flexão e torção. Em 1910 o engenheiro suíço Robert uma laje de concreto armado apoiada diretamente sobre pilares de concreto armado. A laje foi a primeira laje cogumelo construída ( Figura 53 Também em 1910, o arquiteto tcheco Adolf obra, Loss ataca o excesso de ornamento da arquitetura acadêmica vigente, condenando uma abordagem artística e estilista da arquitetura. arquitetura moderna. Em 1911 foi finalizada a construção da fábrica Projetada pelo arquiteto alemão Eduard Werner, a fábrica teve suas fachadas desenhadas pelos arquitetos alemães Walter Gropius e Adolf Meyer. Gropius e Meyer utilizam o vidr na fachada de forma inovadora técnicas do material (Figura Maillart constrói, na cidade de Figura 53). - Laje cogumelo em Giesshuebel, Suíça – 1910. Fonte: http://de.academic.ru/ Loss publica o livro Ornament O livro teve grande influência na Fagus na cidade de , explorando novas possibilidades formais, funcionais e 54). 134 Giesshuebel, Suíça, and Crime. Na Alfeld, Alemanha. o Figura No ano 1914 é proposto pelo arquiteto Le Corbusier, o sistema construtivo Dom (Figura 55). O sistema buscava explorar as pos construção. 54 - Fabrica Fagus, Alfed, Alemanha. Fonte: http://de.academic.ru/ sibilidades de pré 135 -ino -fabricação na Em 1916 o engenheiro francês aeroporto de Orly, França, utilizando uma casca única de concreto armado plissado. O material é usado em uma forma estrutural plásticas. Figura Figura 55 - Sistema construtivo Dom-ino. Fonte: PALERMO (2006). Eugène Freyssinet projeta e constrói hangares no inovadora, possível devido suas características 56 - Hangares aeroporto de Orly – 1916. Fonte: http://www.columbia.edu/ 136 137 No ano de 1919 foi fundada na cidade de Weimar, Alemanha, a escola Bauhaus. A Bauhaus foi a primeira escola de design do mundo e teve grande influência na teoria e prática da arquitetura no século XX. Seu nome foi inspirado na palavra alemã Bauhütten, que era a associação dos construtores e artesões da Idade Média. Este fato aparente singelo é bastante significativo: representa a intenção de aproximar a Arquitetura novamente de seu caráter utilitário/artefato. No ano de 1921 o engenheiro ucraniano Stephen Timoshenko desenvolve uma teoria de flexão em vigas onde aprimora a o modelo Euler-Bernoulli. A teoria de Timoshenko considera o efeito de rotação da seção da viga na equação que descreve o comportamento estrutural a flexão. Em 1923 Le Coubusier publica Vers une architecture. No livro o arquiteto critica o academicismo e abordagem estilística da Arquitetura e defende que a mesma deve representar a condição cultural e tecnológica de sua época. No ano de 1924 o engenheiro dinamarquês Asger Skovgaard Ostenfeld publica a edição expandida de seu livro Teknisk Elektricitetslære, cuja primeira edição é de 1898. Nela o autor consolida seus estudos de teoria de elasticidade de formas complexas, relacionando os métodos de força e os métodos de deslocamentos. A teoria representou um avanço no conhecimento estrutural e previa a análise estrutural a partir da divisão da estrutura em elementos finitos. Só foi possível usar a teoria de modo prático depois do surgimento dos computadores. Em 1927 George Erle Beggs, professor da universidade de Princeton, publica o artigo The Use of Models in the Solution of Indeterminate Structures. Nele o autor propõe um método de análise estrutural através de modelos reduzidos. Em 1929 é finalizada a construção da Villa Savoye (Figura 8), projetado por Le Corbusier. Na obra o arquiteto utiliza seus principais princípios teóricos. Em 1930 o engenheiro americano Hardy Cross publica o artigo Analysis of Continuous Frames by Distributing Fixed-End Moments onde desenvolve um método de cálculo de grandes estruturas através da distribuição de momentos. O método permitiu, na época, o cálculo seguro e eficiente de estruturas de concreto armado. No ano de 1931 o engenheiro inglês Ernest George Napoleon George Filon publicam o artigo determinar as tensões em objetos físicos através da difração da luz polarizada. Ele permitiu investigar as tensões em modelos estruturais reduzidos. Em 1936 Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Le Corbusier projetam Educação na cidade do Rio de Janeiro ( no Brasil. Figura Em 1943 Le Corbusier publica Coker e o matemátic A Treatise on Photo-Elasticity o Palácio do Minist Figura 57). A obra inaugura 57 - Palácio do Ministério da Educação. Fonte: http://www.vitruvius.com.br/ a primeira versão do seu sistema Le Modulor 138 o francês Louis . O método permite ério da a arquitetura moderna . Em 1954 é finalizada a construção da capela França, projetada por Le Corbusier concreto armado em formato curvo e plástico. Suas paredes são de alvenarias grossas. As paredes, porém não apoiam a cobertura: existe separando as paredes da cobertura. Colunas de concreto embutidas nas paredes sustentam a cobertura. A forma geral do edifício é um cubo retorcido. a obra representa uma um regresso trajetória racionalista de Le Corbusier. Curtis crise do modernismo e racionalismo na Arquitetura. Figura 58 Fonte 3.3.1. Revolução tecnológica e No ano de 1956 é construído o engenheiro estrutural italiano com uma forma inovadora. Notre Dame du Haut (Figura 58). O edifício possui uma cobertura em uma fenda de cerca d à plasticidade. O fato é mais signific (2008) considera a obra como o início da - Capela Notre Dame du Haut, Rouchamp, França. : Cemal Emden em http://europaconcorsi.com/ século XXI Palazzetto dello Sport em Roma, Itália. Projetado pelo Pier Luigi Nervi, o edifício alia uma racionalidade estrutural 139 , em Ronchamp, e cerca de 10 cm Para muitos autores ativo devido a Em 1956, os engenheiros americanos Ray William universidade de Berkeley e de Washington J. Topp publicam o artigo Stiffness and deflection analysis of complex structures busca um novo método de análise de estruturas Boeing. Os autores propõe um método de aproximação numérica. O artigo é considerado o início do atual método de elementos finitos A partir da segunda metade do século XX e início do século XXI a tecnologia da construção apresentou inúmeras inovações tanto nos métodos e sistemas construtivos quanto no desenvolvimento de novos materiais. Parece haver uma interação cada vez maior entre ciência, desenvolvimento tecnológico, E devido a grande quantidade histórica, é arriscado identificarmos citar exemplos que indicam algumas tendências na r Dentre esses temos: o centro George Figura 59 - Palazzetto dello Sport, Roma. Fonte: http://multi-purpose.tumblr.com/ Clough e Harold Martin, professores na , junto com os engenheiros de aeronaves demandada pela fabricante - MEF. ngenharia e Arquitetura e velocidade de mudanças e em parte devido aqui fatos históricos representativos. Podemos apenas elação Arquitetura e Tecnologia. Pompidou de 1977 (Figura 60 140 M. Jon Turner e L. . O artigo . Em parte à proximidade ), construído em Paris, 141 projetado pelo arquiteto italiano Renzo Piano e arquiteto inglês Richard Rogers, onde a forma da arquitetura segue a solução tecnológica com destaque para a estrutura; o edifício Hong Kong and Shanghai Bank de 1985 (Figura 61), construído em Hong Kong, projetado pelo arquiteto inglês Norman Foster, destacando novas soluções tecnológicas e a estrutura; a construção do Eurotunel em 1994, que representa a grande evolução da capacidade da tecnologia de construção; o Guggenheim Museum Bilbao de 1997 (Figura 62), construído na cidade de Bilbao, projetado pelo arquiteto canadense Frank Owen Gehry, que utilizou novas tecnologias digitais no processo de projeto e novos materiais na construção, como titânio na fachada; o edifício Petronas Tower de 1998 (Figura 63), construído em Kuala Lumpur, projetado pelo arquiteto Cesar Pelli, com 452 metros de altura, representativo da recente corrida por altos arranha céus; o centro cultural Jean- Marie Tjibaou de 1998 (Figura 64), construído na Polinésia francesa, projetado por Renzo Piano, representando a aproximação da Arquitetura, Construção, Tecnologia e Ecologia; o condomínio BedZed de 2002 (Figura 65), construído em Londres, representativo da nova abordagem da sustentabilidade; o viaduto Millau no sul da França (Figura 66), construído em 2004, que representa a capacidade atual de construção e desenvolvimento tecnológico do concreto; o complexo olímpico de Pequim de 2008 (Figura 67), representando a possibilidade liberdade formal das construções atuais; a cidade Masdar City de 2011 (Figura 68), trazendo a sustentabilidade para as premissas da concepção; o edifício Burj Khalifa de 2012 (Figura 69), construído em Dubai, projetado pelo escritório Skidmore, Owings and Merrill, sendo a mais alta estrutura já construída pelo homem com 829 metros; e, por fim, os edifícios The Shard em Londres (Figura 70), e One World Trade Center em Nova Iorque (Figura 71), cuja finalização está prevista para 2014. Eles representando a atual união entre Arquitetura, Engenharia, Tecnologia e Sustentabilidade. 142 Figura 60 - Centro Georges Pompidou, Paris. Fonte: http://www.archdaily.com/ Figura 61 - Edifício Hong Kong and Shangai Bank, Hong Kong. Fonte: http://www.archdaily.com/ 143 Figura 62- Museu Guggenheim, Bilbao. Fonte: http://www.archdaily.com/ Figura 63 - Petronas Towers, Malásia. Fonte: http://www.archdaily.com/ Figura 64 - Jean -Marie Tjibaou Cultural Centre, Polinésia francesa Fonte: http://pt.wikiarquitectura.com/ 144 145 Figura 65 - BedZed, Londres. Fonte: http://en.wikipedia.org/ Figura 66 - Viaduto Millau, França. Fonte: http://www.fosterandpartners.com/ 146 Figura 67 - Complexo Olímpico em Pequim. Fonte: http://www.standard.co.uk/ 147 Figura 68 - Masdar City Fonte: http://www.archdaily.com/ Figura 69 - Edifício Burj Khalifa, Dubai. Fonte: http://fj.ikafan.com/ 148 Figura 70 - The Shard, Londres. Fonte: http://www.archdaily.com/ Figura 71 - One World Trade Center, Nova Iorque. Fonte: http://www.fosterandpartners.com/ 149 Duas tendências parecem se destacar atualmente na prática da Arquitetura e Construção. Uma é a Sustentabilidade que traz novas demandas e busca de inovação. A outra é a incorporação ampla da ciência e inovação tecnológica nos métodos construtivos e uso de materiais. Esta incorporação da inovação tecnológica na construção vem trazendo uma importante consequência: a aproximação de arquitetos e projetistas estruturais. Alguns autores defendem inclusive o surgimento de um novo momento na Arquitetura através desta aproximação, definindo este momento como um Novo Estruturalismo (OXMAN; OXMAN, 2010). Escritórios de projetos como Arup, Skidmore, Owings and Merrill e Buro Happold, desenvolvem seus projetos com colaboração direta entre arquitetos e engenheiros de estruturas nas explorações da forma, estrutura e tecnologia construtiva. De certo ensaiam um caminho que poderia ter tomado a Arquitetura e Engenharia quando, no renascimento, começaram as primeiras explorações e busca de entendimento do fenômeno físico estrutural. 3.4. A influência dos meios: Ferramentas de Cálculo O Renascimento foi um período histórico de revolução no conhecimento e que trouxe novos meios para exploração de diversos fenômenos. Os fenômenos físicos passaram e ser sistematicamente estudados e buscamos meios de calcularmos e prevermos seu comportamento. O fato marca o surgimento da física moderna. Um importante objeto de pesquisa da física moderna são as estruturas das construções e seus materiais. Os primeiro estudos científicos sobre o comportamento de materiais e de estruturas foram realizados por Galileu Galilei e apresentados em sua obra Discursos sobre Duas Novas Ciências em 1638. Estes estudos foram motivados principalmente pela nova condição das construções. Nesta época, inicia-se o uso intenso de estruturas esbeltas, onde as tensões sobre os elementos estruturais e materiais se tornam críticas para a integridade e estabilidade das edificações (HEYMAN, 1998). Até então, as construções eram geralmente baseada em resistência pela massa do material, sendo pouco solicitadas quanto às tensões nos elementos e materiais construtivos. As dimensões e massas estruturais eram significativamente superiores às tensões que a estrutura era submetida. Raramente um colapso estrutural era proveniente da ruptura do elemento ou material estrutural. Normalmente os colapsos ocorriam devido ao deslocamento dos elementos 150 estruturais. Com isso, o problema estrutural era garantir um correto caminho para as forças através do sistema estrutural, estando basicamente relacionado à morfologia estrutural (HEYMAN, 1998). A partir desta nova condição limite da estrutura das construções, diversos cientistas e engenheiros passam a investigar os fenômenos físicos nas mesmas, propondo teorias científicas, e utilizando ferramentas de cálculos para representar estes fenômenos. Surge, então, a área do conhecimento formalmente conhecida como engenharia estrutural ou ainda análise de estrutural. Ela passa a ser fundamental para que os arquitetos e construtores determinem os materiais e formas adequadas para o sistema estrutural de suas construções. Os métodos evoluíram de modo a permitem análises cada vez mais complexas. Sob o ponto de vista da complexidade das análises realizadas pelo cálculo estrutural, três métodos de análise se destacam, sendo eles os métodos de mecânica clássica dos materiais, a teoria da elasticidade e os métodos de aproximação numérica. Os métodos de mecânica dos materiais permitem análises de comportamentos relativamente simples. Os métodos de teoria de elasticidade introduzem certo nível de sofisticação e complexidade nos comportamentos dos materiais e elementos estruturais. Os métodos de aproximação numérica permitem um elevado grau de sofisticação e complexidade dos comportamentos estruturais, ganhando grande desenvolvimento atual pelo uso dos computadores. 3.4.1. Mecânica clássica dos materiais O método da mecânica clássica dos materiais é de certo modo a origem moderna das análises e cálculos de estruturas. Apesar dos relevantes estudos mecânicos de Leonardo da Vinci41 no século XV, podemos atribuir o início da mecânica moderna a Galileu e seu 41 Leonardo da Vinci tinha grande interesse em mecânica e matemática. Ele utilizou métodos de momento para solução de problemas de equilíbrio estrutural, realizou experimentos físicos sobre a tensão em materiais, entre outros. Como grande parte do trabalho de da Vinci, estes estudos ficaram desconhecidos e os engenheiros da época continuaram a dimensionar os elementos estruturais com base na experiência. 151 livro Discursos sobre duas Novas Ciências (TIMOSHENKO, 1953). Até Galileu, a concepção estrutural era baseada em regras geométricas. Segundo as teorias de estruturas usadas nas épocas anteriores, o comportamento estrutural era definido apenas pela geometria, ou seja, pela morfologia da estrutura. Assim, os arquitetos e construtores antigos acreditavam que a proporção e escala eram suficientes para determinar a concepção estrutural de um edifício. Deste modo eles procuravam reproduzir em escalas maiores formas estruturais que funcionavam em certas dimensões, utilizando muitas vezes de estratégias de padrões de dimensões de blocos estruturais (ACKERMAN, 1949; HEYMAN, 1998). Estes objetivos estruturais podem, inclusive, terem sido a motivação de regras de proporção interpretadas como estéticas. Na interpretação de Frankl (2000), a proporção divina de Vitruvius significava um módulo de medida construtivo. Por exemplo, Vitruvius recomendava que o diâmetro de uma coluna de um templo deveria ser igual ao módulo de uma de suas ordens arquitetônicas e que a distância entre elas poderia ser de no máximo duas vezes e um quarto módulo, exceto no vão central em que poderia ser de três módulos. As colunas em si poderiam ter até no máximo nove módulos e meio de altura e as bases deveriam ter no mínimo meio módulo de espessura. Nos argumentos de Frankl, estas regras foram criadas pela experiência que asseguraram a estabilidade estrutural dos templos gregos e romanos (HEYMAN, 1998). As bases teóricas do comportamento estrutural baseado exclusivamente na morfologia pode ter tido algum sucesso nas estruturas baseadas em resistência pela massa, mas são inadequadas para entender o comportamento de estruturas esbeltas. O trabalho iniciado por Galileu representa não apenas uma simples aplicação de novas ferramentas de cálculo e matemática sobre os estudos e análise dos fenômenos físicos, mas também uma nova teoria do comportamento estrutural dos objetos. A intenção de Galileu de fundar uma nova teoria é vista já no início do Discurso, onde o autor contesta as bases teóricas estruturais descritas acima. Galileu apresenta no primeiro diálogo42: 42 O Discurso sobre Duas Novas Ciências é composto por quarto diálogos. Os interlocutores dos diálogos são Sagredo, Simplício e Salviati. Sagredo realizava os questionamentos. Simplício defendia e buscava explicações em ideias tradicionais e, segundo o julgamento de Galileu, equivocadas. As explicações eram contestadas e propostas novas teorias por Salviati (HAWKING, 2005). Na edição de 1644 foi adicionado um quinto diálogo ao livro. 152 “Here I trust you will not charge me with arrogance if I say that imperfections in the material, even those which are great enough to invalidate the clearest mathematical proof, are not sufficient to explain the deviations observed between machines in the concrete and in the abstract. Yet I shall say it and will affirm … correspond with exactness to the smaller in every respect … the larger the machine, the greater its weakness.” … “For we can demonstrate by geometry that the large machine is not proportionately stronger than the small.”(GALILEI, 1914, p. 51 - Diálogo 1) Com esta nova teoria, Galileu ataca o ponto principal das teorias de estruturas até então e introduz uma series de conceitos necessários para o entendimento de suas ideias. Estes conceitos são coerentes com um mundo físico teórico representado pelos diversos axiomas propostos pelo autor. As observações e testes realizados por Galileu comprovaram a capacidade explicativa de suas novas teorias, apesar de, frente ao nosso conhecimento atual, boa parte de suas conclusões serem equivocadas. Porém, estas foram um importante avanço que serviram de bases para as teorias e conhecimentos seguintes (HAWKING, 2005). A teoria de Galileu é o início da busca de explicação precisa, simples e elegante, ou seja, científica, para uma série de fenômenos físicos. Ela fundou duas novas “ciências”: o estudo dos movimentos ou cinemática, um ramo da matemática; e a resistência dos materiais43, um ramo de engenharia. O método de mecânica dos materiais é baseado na capacidade de resistência física do elemento estrutural para a análise da estrutura. Esta resistência é influenciada pelo material e pela forma do elemento estrutural. Estes são os aspectos básicos manipulados na concepção estrutural pelo método: a morfologia e os materiais construtivos. 43 A mecânica clássica dos materiais é apresentada aqui como a primeira abordagem da Resistência dos Materiais. Em algumas abordagens, inclusive acadêmicas e didáticas, os métodos de mecânica clássica de materiais são nomeados apenas como Resistência dos Materiais. O objetivo do trabalho aqui é subcategorizar a categoria Resistência dos Materiais conforme a complexidade de fenômenos da mesma. As subcategorias apresentadas em sequência são: mecânica clássica, teoria da elasticidade de aproximação numérica. Todas fazem parte da área de conhecimento Resistência dos Materiais. 153 Os elementos estruturais resistem a fenômenos físicos conceituados de forças. As forças são abstrações teóricas criadas para auxiliar a compreender os fenômenos observados nas estruturas. O conceito força está diretamente ligado a sua origem na fundação da física moderna, da ciência dos materiais e da cinemática. Esta ligação está explicita na representação matemática da força: F = m . a Na equação acima a força F é uma grandeza determinada pelo movimento de um corpo, ou seja, uma massa m em movimento com uma aceleração a. Para compreender o movimento podemos utilizar do conceito de espaço vetorial, que pode ser uma abstração coerente como a experiência do mundo real44. Com a ampliação do conhecimento matemático, a possibilidade de representação de um espaço vetorial adquiriu grande complexidade, permitindo várias propostas de modelos abstratos45 com consequências no conceito de força (CARSON, 1996; BOKULICH, 2004; CANESSA, 2007). Enquanto fenômenos de um espaço vetorial, as forças são associadas a conceitos de direção e sentido. Com uma intensidade, direção e sentido, assumimos que as forças aplicam esforços nos materiais dos corpos. Estes esforços são proporcionais à amplitude da força (que é uma grandeza vetorial, ou seja, não existe no mundo físico) e a quantidade física de material submetido ao esforço. Na mecânica dos materiais, considera-se que os esforços acontecem na seção do material. Em outras palavras, os esforços geram tensões na seção do material. Uma vez que estes são proporcionais à quantidade física do material, uma mesma intensidade de força irá gerar tensões diferentes de acordo com a morfologia do material. Quanto maior a quantidade de material para suportar a força, menor a tensão. Assim, o comportamento provável de um corpo, em nosso caso, dos elementos estruturais, será determinado pelas tensões a que está submetido, sendo estas determinadas pela força (direção e sentido) e pela quantidade de material (seção). A 44 Cabe aqui ressaltar que esta abstração matemática também pode representar um fenômeno incoerente com a experiência do mundo real. 45 O espaço de Hilbert, por exemplo, expande a noção de espaço euclidiano de três dimensões, para um espaço de infinitas dimensões (HILBERT, 1950). 154 expressão matemática abaixo representa o esforço de tensão, onde σ é a tensão, F é a força e A é a área da seção do material. σ = F / A Conforme a direção e sentido das forças sobre a seção do material, temos as categorias de tensões utilizadas nos métodos de cálculo baseados na mecânica de materiais: tensões de compressão, tensões de tração e tensões de cisalhamento. As tensões de compressão provocam um movimento no sentido de aproximar as seções do material em uma direção normal da mesma, ou seja, comprimem o material. As tensões de tração provocam um movimento no sentido de afastar as seções do material em uma direção normal da mesma. As tensões de cisalhamento provocam um movimento de afastar as seções do material em sentidos opostos, em direção paralela as mesmas. Enquanto modelo teórico a mecânica dos materiais prevê comportamento simples dos materiais e objetos, sendo adequada a análise estrutural simples. Nestas análises são definidos e imaginados os modelos estruturais e os modelos discretos da construção. No modelo estrutural, a análise escolhe os prováveis comportamento esperados da estrutura real. Baseados no conhecimento físico teórico, assim como na experiência, são adotados hipóteses simplificadoras que buscam representar a geometria da estrutura, as condições de apoio da estrutura, os vínculos dos elementos estruturais, as propriedades mecânicas dos materiais estruturais e os esforços atuantes sobre a estrutura. Assim, o modelo estrutural simplifica uma estrutura real de modo a conceber um modelo hipotético coerente. Podemos citar algumas categorias desta simplificação como os pórticos, arcos, grelhas, treliças, cascas, cabos, entre outros. Interessantes categorizações de modelos estruturais foram desenvolvidas por Engel (2013) e Rebello (2003). Engel sistematiza as categorias de estruturas de acordo com a distribuição de forças no material da estrutura. O autor propõe cinco mecanismos básicos de atuação de forças, sendo: ajustamento de força; separação de forças; confinamento de forças; dispersão de forças; e coleta e dispersão de cargas. As categorias de modelos estruturais foram definidas de acordo com estes mecanismos. Assim as estruturas submetidas a 155 mecanismos de ajustamento de força têm a adequação de sua forma como principal agente de ação estrutural, definindo a categoria de modelos de estruturas de cabos, tendas, arcos e pneumáticas. As estruturas submetidas a mecanismos de separação de forças têm a sua capacidade de direcionar o vetor de força como principal agente de ação estrutural, definindo a categoria de modelos de estruturas das treliças. As estruturas submetidas a mecanismos de confinamento de forças têm a sua capacidade de resistir a esforços de cisalhamento de sua seção como principal agente de ação estrutural, definindo a categoria de modelos de estruturas de vigas, pórticos, grelhas e lajes. As estruturas submetidas a mecanismos de dispersão de forças têm a sua capacidade de distribuir e resistir a esforços através de sua superfície como principal agente de ação estrutural, definindo a categoria de modelos de estruturas de placas e cascas. Por fim, as estruturas submetidas a mecanismos de coleta e dispersão de cargas têm a sua capacidade de redistribuir os esforços ao longo de sua altura como principal agente de ação estrutural, definindo a categoria de modelos de estruturas de arranha-céus. Ainda mais simples e elegante é a proposta de categorização estrutural de Rabello. Para o autor, os elementos estruturais são categorizados conforme sua forma geométrica tridimensional. Os elementos que possuem as três dimensões geométricas próximas são definidos como blocos. Os que possuem duas dimensões geométricas predominante são definidos como planos. E os que possuem apenas uma dimensão predominante são definidos como barras. Cada uma desta categoria de elementos estruturais é adequada a uma determinada condição de esforços estruturais, como compressão, tração e cisalhamento. As combinações dos elementos estruturais junto com os esforços estruturais esperados e/ou desejados definiria a concepção do modelo estrutural. A partir da escolha de um modelo estrutural, concebe-se um modelo discreto para realização do cálculo do comportamento estrutural frente às condições de esforços imaginadas. Para isto são definidos valores discretos a alguns parâmetros que representam o comportamento esperado do modelo estrutural. Este processo é chamado de discretização. A escolha destes parâmetros vai ser definida conforme o método de cálculo adotado. Os principais métodos que são adotados são o método de forças e o método de deslocamento. 156 O método de forças utiliza como parâmetros para discretização as forças e momentos atuantes e de reação presentes na estrutura para garantir o equilíbrio estático. Já o método de deslocamentos utiliza como parâmetros para discretização os movimentos de translação e rotação, ou seja, os deslocamentos, dos nós e vínculos do modelo estrutural. O comportamento estrutural desejado nas edificações é sua integridade estrutural, ou seja, que a mesma não entre em colapso. Os cálculos do modelo discreto buscam garantir esta integridade estrutural a partir da condição de equilíbrio estático do modelo. Para o calculo da condição de equilíbrio são imaginadas ações das forças atuantes e reações a estas forças pelo modelo estrutural. No método de forças, por exemplo, existem três categorias de ações/reações: verticais, horizontais e de momento. Estas categorias definem as três equações de equilíbrio estático do modelo discreto. O equilíbrio estático acontece quando as somatórias das resultantes dos parâmetros do modelo discreto (forças e momentos; ou deslocamentos e rotações) nas equações de equilíbrio estático for igual a zero. 3.4.2. A teoria da elasticidade A mecânica clássica dos materiais possui uma abordagem física e generalista do comportamento estrutural. A estrutura é imaginada em um modelo estrutural analítico linear simplificado e geral. Na análise estrutural pela mecânica clássica não são, por exemplo, considerados os comportamentos variados dos materiais constituintes dos elementos estruturais. Desde o ano 1678, o comportamento elástico dos materiais pode ser descrito a partir da lei de Hooke, onde a deformação elástica do material é proporcional à força aplicada. Apesar de essa generalização ser observada apenas em determinados materiais e em determinadas condições, ela possui um grande utilidade prática. Até o século XIX, a mecânica dos materiais considerava que os materiais das estruturas tinham comportamento que seguiam a lei de Hooke em um comportamento elástico uniforme ao longo da seção do elemento estrutural. No começo do século XIX, estudos trouxeram novos fundamentos para o comportamento elásticos dos elementos estruturais (TIMOSHENKO, 1953). A ideia, existente desde a época de Newton, era de que o 157 comportamento elástico do material poderia ser explicado a partir das forças de atração e repulsão de suas “partículas internas”, ou seja, das forças de atração e repulsão dos átomos. Já na época, alguns autores como Roger Joseph Boscovich propunham que as forças entre os átomos de um material são relacionadas à distância entre os mesmos. Segundo a teoria de Boscovich, em certas distâncias, as forças entre os átomos são atrativas e em outras e menores distâncias as mesmas se tornam repulsivas, sendo que existe uma distância que os átomos estão em equilíbrio, portanto a força é nula. Em 1812, matemático e físico francês Siméon Denis Poisson realiza estudos sobre a flexão de vigas utilizando as ideias de Boscovich. Em 1821, Claude Louis Marie Henri Navier, engenheiro e matemático francês, adota a teoria de Boscovich em seu modelo de comportamento de vigas, considerando que as força entre os átomos das seções da viga em flexão é proporcional à distância entre as seções. Uma vez que, na flexão a parte inferior da viga alonga, afastando os átomos das seções, a parte inferior é tracionada em uma força proporcional a este alongamento e a propriedade elástica do material. O contrário ocorre na parte superior, ela encurta e sofre compressão. A originalidade da abordagem de Navier foi considerar dois sistemas distintos de equilíbrio de forças: um interno, atuando sobre os átomos do material estrutural; e outro externo, equilibrando os esforços e carregamentos. Assim, ele pode aplicar a lei de Hooke a este sistema interno, definindo um modelo teórico matemático adequado ao comportamento de elementos estruturais a flexão. Este modelo corrigiu o erro da teoria de vigas de Galileu e é utilizado até hoje (Figura 72). 158 Figura 72 - Diagrama de esforços na seção de uma viga Fonte: autor Os trabalhos de Navier são considerados os fundadores da moderna análise estrutural. Também a partir de Navier, a análise estrutural passa a incorporar fortemente uma abordagem matemática. Os fenômenos físicos descritos e estudados nas análises passam a ser representados por equações matemáticas. Como exemplos desta relação tem a introdução controversa da constante elástica nos cálculos e análises estruturais. Navier assumiu em sua teoria da elasticidade que a força elástica de um material era diretamente proporcional a distância de seus átomos. Deste modo, considerando um material isotrópico, ou seja, um material que mantém suas propriedades em diferentes direções, é possível estabelecer relações entre um determinado material e sua propriedade de resistir a uma determinada força. Assim, nesse caso, poderia ser introduzida uma constante elástica referente a esta propriedade intrínseca do material. Inicialmente autores como o matemático francês Augustin-Louis Cauchy utilizou duas constantes para os estudos de elasticidade. Mais tarde o próprio Cauchy junto com Poisson, adotaram seis componentes para as tensões do material, introduzindo 36 constantes elásticas. Com o desenvolvimento dos estudos, Poisson demonstrou que nos materiais isotrópicos existia uma relação entre as tensões axiais e laterais, relacionando as mesmas e simplificando a constante elástica para situações de simples compressão ou tração. COMPRESSÃO TRAÇÃO SE Ç Ã O D O E LE M E N TO ES TR U TU R A L LINHA NEUTRA FO R Ç A 159 A ideia de uma única constante elástica para materiais isotrópicos foi amplamente aceita nos primeiros anos da teoria da elasticidade. Porém, em 1828, o matemático e físico inglês George Green, apresenta estudos sobre a eletricidade e magnetismo, introduzindo a função potencial para descrever os fenômenos físicos. A função potencial representava as forças naturais como potências matemáticas que satisfaziam a equação de Laplace46. Assim, surgem estudos de derivações da representação matemática da teoria da elasticidade substituindo o espaço vetorial por funções potenciais. A conclusão desses trabalhos obtém duas constantes elásticas para materiais isotrópicos e 21 constantes para materiais não isotrópicos. A partir de então a teoria da elasticidade inicia uma controvérsia entre duas escolas: os seguidores de Navier e Chachy, que utilizam 1 constante para materiais isotrópicos e 15 para os demais; e os seguidores de Green, que utilizam 2 constantes e 21 constantes para as mesmas condições47. Nesta época, iniciou-se na universidade de Cambridge, um grupo de estudos sobre elasticidade que trouxeram inúmeras contribuições para o desenvolvimento da teoria. Entre elas destacam-se as contribuições de George Gabriel Stokes, vindas das investigações do autor sobre a dinâmica de fluidos. Na escola francesa, podemos destacar as contribuições do engenheiro Adhémar Jean Claude Barré de Saint-Venant. Saint- Venant que introduzem a questão da torção, cargas dinâmicas e vibração na teoria da elasticidade. O autor investigou a aplicação da teoria da elasticidade na prática da engenharia e arquitetura. A teoria da elasticidade permitiu que a análise estrutural obtivesse adequados resultados frente às condições físicas as que as estruturas são submetidas. É um importante método 46 A equação de Laplace é uma equação diferencial desenvolvida a partir doe estudos astronômicos do matemático, astrônomo e físico francês Pierre Simon Marquis de Laplace. A equação busca descrever através de modelos matemáticos o comportamento de diversos fenômenos físicos como a astronomia, eletricidade, fluidos, a partir de funções matemáticas destes fenômenos. 47 Apenas por curiosidade, vale destacar que a polêmica entre as escolas da teoria de elasticidade dos franceses Navier e Cauchy e a do inglês Green, repete muitas outras polêmicas França/Inglaterra observadas na Ciência, como, por exemplo, Racionalista versus Empiristas. Talvez, aqui, tenhamos a indicação da influência psicológica subjetiva do ser mesmo em questões objetivas. 160 com boa aproximação da realidade do fenômeno. Mas, como todo conhecimento teórico, possui suas limitações, inerentes as simplificações necessárias. Entendemos, hoje, que a rigor, nenhum material tem um comportamento isotrópico absoluto. Nosso próprio entendimento dos sistemas das forças naturais muda e evolui. Hoje, por exemplo, descrevemos forças e espaços por equações diferenciais não lineares48, adequadas a determinadas condições observadas nos diversos fenômenos físicos. As estruturas têm comportamentos complexos e variados e, apesar da boa aproximação pela teoria da elasticidade, elas podem ser descritos com mais rigor. Além disto, as soluções analíticas pela teoria da elasticidade são possíveis para estruturas de geometria simples. Quando as estruturas tem geometria complexas e comportamentos não lineares o método não é adequado. Para estes objetivos foram desenvolvidos novas ferramentas de análises estruturais, como os métodos de aproximação numérica. 3.4.3. Métodos de aproximação numérica Em 1904, o engenheiro mecânico australiano Anthony George Maldon Michell publicou o trabalho The limits of economy of material in frame-structures onde discute a otimização da forma de estruturas em grelha (MICHELL, 1904). O objetivo do trabalho foi propor um método de deduzir formas de estruturas que seriam econômicas para determinadas condições de esforços. Partindo do teorema de Maxwell sobre a transformação dos corpos submetidos à flexão, Michell propõe um modelo matemático de comportamento de vigas para uso na análise estrutural. Associando o modelo matemático às condições de esforços, o autor buscou determinar as formas que implicavam em menor quantidade de material para suportar aos esforços previstos, otimizando assim a forma estrutural. O trabalho é representativo por dois motivos. O primeiro motivo é que é uma obra seminal para a otimização estrutural. Através da otimização estrutural sintetizamos o conhecimento em análise e comportamento estrutural na busca de uma forma ótima da estrutura. O segundo motivo é que ele é um exemplo claro da ligação fundamental entre o desenvolvimento de teorias de estrutura e a matemática. 48 Um exemplo bem conhecido é a equação da Relatividade Geral de Einstein. 161 A medida que fomos explorando o fenômeno físico estrutural, a nossa compreensão do mesmo se tornou cada vez mais complexa. Nessas explorações buscamos descrevê-lo de forma adequada e precisa. A capacidade de generalização e abstração da matemática se mostrou o melhor meio para a exploração e evolução do nosso conhecimento do mundo físico e por consequência, do nosso conhecimento do comportamento estrutural. Não cabe aqui discutirmos a relação entre a complexidade de nossos atuais modelos teóricos estruturais e o desenvolvimento do conhecimento matemático. Ou seja, discutir se os novos meio de representação matemática permitiu percebermos novos aspectos dos fenômenos físicos estruturais ou se, ao contrário, ao percebemos novos aspetos do fenômeno, desenvolvemos novos meios de representação do mesmo através da matemática. Cabe aqui discutirmos que a ampliação da compreensão e descrição dos fenômenos físico estrutural por modelos teóricos complexos implica em cálculos matemáticos complexos. Assim, avançamos na compreensão dos fenômenos físicos estruturais através da ampliação de nossa capacidade de cálculo. Dois fatos foram fundamentais para a ampliação de nossa capacidade de cálculo. O primeiro, bastante evidente e direto, foi o surgimento dos computadores. O computador permitiu realizarmos diversos e complexos cálculos que por outros meios seriam demorados ou mesmo impossíveis. O outro fato é o próprio processo de desenvolvimento teórico da matemática. Através dele são propostos e desenvolvidos de novos métodos de cálculos. O desenvolvimento, por exemplo, da probabilidade na matemática permitiu diversos métodos de cálculos que influenciaram diversas áreas do conhecimento como economia, filosofia e também áreas do conhecimento objetivas como a própria computação e, curiosamente a física. Na física, a aplicação da teoria da probabilidade matemática e seus métodos de cálculo permitiu o desenvolvimento teórico da física quântica. Apesar da controvérsia sobre uma teoria quântica baseada em probabilidade matemática, controvérsia esta que pode ser representada pela polêmica entre Niels Bohr, fundador da teoria quântica, e Albert Einstein, opositor ao uso da probabilidade na teoria, a mesma teve como consequência a mecânica quântica, corrigindo certos aspectos da mecânica clássica e permitindo a compreensão e estudo mais preciso de fenômenos físicos em escalas próximas ou abaixo da atômica. 162 Com relação a estrutura de uma construção, o desenvolvimento da aproximação numérica trouxe novas possibilidade de compreensão e estudos do fenômeno. Assim como a probabilidade, a aproximação numérica tem origem nos trabalhos de matemático francês Pierre-Simon Laplace, no século XVI. E também, assim como a probabilidade, a aproximação numérica não possui uma base precisa e exata que normalmente associamos a matemática. Na aproximação numérica estimamos uma solução através de uma aproximação matemática da equação do fenômeno. A necessidade da estimativa de uma solução para uma determinada equação de um fenômeno ocorre basicamente por dois motivos. O primeiro é que o próprio fenômeno pode ser impreciso como. O segundo motivo é que o fenômeno pode ser muito complexo para ser reduzido a uma equação ou função única e primitiva. Como já discutido, o desenvolvimento teórico do fenômeno estrutural levou a uma complexidade do mesmo. Para compreensão do fenômeno complexo, a aproximação numérica se mostrou útil. Baseada matematicamente nesta temos atualmente importantes métodos de estudo, análise e representação do fenômeno físico. Entre eles se destaca a Análise por Elementos Finitos ou Método de Elementos Finitos (MEF). O MEF é um método para a solução numérica na análise de diversos problemas. Estes problemas incluem transferência de calor, análises de fluidos, campos magnéticos e análises estruturais de tensões (COOK, et al., 2002). O desenvolvimento do MEF aconteceu a partir dos anos 1950s, coincidindo com o desenvolvimento dos computadores. Apesar do artigo “Stiffness and Deflection Analysis of Complex Structures” dos autores engenheiros americanos M. Jon Turner, Ray William Clough, Harold Martin e L. J. Topp ser considerado o início do atual MEF, ele foi consequência dos estudos de diversos autores sobre mecânicas dos sólidos, mecânicas dos fluidos, termodinâmica, entre outros. Podemos destacar outros pioneiros no MEF como o matemático e engenheiro polonês Olgierd Cecil Zienkiewicz, o engenheiro chinês Yau Kai Cheung, o engenheiro grego John Hadji Argyris, o engenheiro russo Alexander Hrennikoff, o matemático alemão Richard Courant e o matemático chinês Feng Kang. 163 Estes estudos deram origem a diversos métodos de numéricos de análise de fenômenos físicos como o método de elementos de contorno, método de diferenças finitas, método de volumes finitos e métodos numéricos sem malha. Porém, o MEF mostrou vantagens sobre vários destes métodos através de sua adaptação ao estudo de grande variedade de fenômenos com resultados adequados. As principais vantagens da aplicação do MEF na análise de estrutura são a não restrição de geometrias da mesma, a não restrição de condições de carregamento, a não restrição das propriedades do material da estrutura, a possibilidade de combinação de elementos de diferentes geometrias e materiais e a simplificação do cálculo através da aproximação numérica. Assim, pelo MEF podemos analisar de forma relativamente simples e com bons resultados estruturas complexas, com geometria variada, condições de carregamento e esforços diversos (por exemplo, combinações de cargas concentradas e distribuídas), compostas de combinações de materiais de diferentes comportamentos (por exemplo, isotópicos e anisotrópicos) e com diferentes tipos de elementos estruturais (por exemplo, estruturas com vigas, pilares, cascas, cabos, planos, etc.). O uso do MEF também apresenta desvantagens. A primeira é intrínseca a sua própria fundamentação matemática. O MEF usa métodos numéricos de aproximação, não sendo uma solução analítica, portanto os resultados são aproximados. Deste modo, apesar de, em geral, os resultados serem adequados, eles podem, mesmo com a aplicação rigorosa do método, virem a ser incorretos em relação à realidade. A segunda desvantagem é em relação ao caráter subjetivo da aplicação do método. A aplicação do MEF envolve a idealização, discretização e solução do fenômeno estudado. Pra isto são realizadas certas etapas. Apesar de alguns protocolos, as decisões destas etapas são responsabilidades do sujeito da análise, ou seja, são subjetivas. As etapas de uma análise por MEF são: classificação do problema; modelagem matemática; modelagem discreta; e interpolação para solução discreta. A Figura 73 apresenta um diagrama do processo de uma MEF. Figura 73 Na classificação do problema são definidas analisado como a categoria os comportamentos esperados (por exemplo, linear, ou não), o grau d ou desejada, e os tipos de resultados previstos. essenciais do fenômeno são descrit detalhados e desnecessários para a análise. A caracterização do problema e estrutura. Esta idealização é uma simulação da realidade, representando diversas equações simples carregamentos, as condições de contorno No modelo discreto, o modelo matemático é estrutura é dividida em vários “pedaços”. não contínuos, independentes, finitos são reconectados uns aos outros através de nós. geometrias de elementos e posição de unidimensionais, bidimensionais e tridimensionais discreto de análise bidimensional de uma barragem, incluin apresenta um modelo discreto de uma viga em T. Classificação do problema IDEALIZAÇÃO - Diagrama do processo de uma análise por MEF. Fonte: autor adaptado de FELIPPA - 2004 as características do fenômeno (por exemplo, estrutural, fluido ou combinado No modelo matemático as as através de equações, retirando o modelo matemático representam uma idealização da , a geometria, as propriedades dos materiais, , entre outros aspectos da discretizado, ou seja, a geometria da O modelo discreto é uma malha de elementos ou seja, finitos. Para simular a continuidade, os A Figura nós utilizados nos modelos discretos de análises . A Figura 75 apresenta um modelo do o solo. Modelo matemático Modelo discreto DISCRETIZAÇÃO SOLUÇÃO 164 do fenômeno a ser ), e acuidade possível características os aspectos , através de os estrutura. elementos 74 apresenta algumas Já a Figura 76 Solução discreta Figura 74 - Tipos de elementos e posição de nós de uma malha para MEF Figura 75 - Modelo discreto de análise bidim Unidimensional Bidimensional Bidimensional Tridimensional Fonte: autor adaptado de FELIPPA (2004) ensional de uma barragem, incluin Fonte: FELIPPA (2004) 165 . do o solo. 166 Figura 76 - Modelo discreto de uma viga em T. Fonte: DUARTE, et al. (2001) Este processo tem como consequência uma serie de equações algébricas simples que representam os elementos finitos, os nós, a relação dos elementos através dos nós, as condições de carregamento e contorno. As equações são funções que determinar como o fenômeno físico irá se comportar no cálculo. A variação espacial ou movimento dos elementos e nós, por exemplo, acontece de acordo com equações que determinam o grau de liberdade destes. Assim, a variação de um elemento ou nó, governada pela matriz de rigidez de seu grau de liberdade tem como consequência uma ação, que no caso da análise estrutural são ações de vetor de força. Interpolando os dados oriundos dos cálculos das diversas equações podemos caracterizar uma análise análoga à condição contínua do fenômeno. Apesar das equações serem simples, a interpolação dos dados requer grande poder de processamento. Por isso o desenvolvimento da aplicação dos MEF em estudos físicos e estruturais teve grande influência do surgimento e desenvolvimento dos computadores. A partir da década de 1970 surgiram diversos softwares que aplicavam o MEF nas análises estruturais. Com os softwares o MEF ficou acessível aos projetistas estruturais que muitas vezes aplicam o mesmo sem a devida consideração de seus princípios fundamentações e limitações discutidas aqui anteriormente. Atualmente, a capacidade de análises por MEF através da computação é imensa, mas, de modo geral este potencial 167 pouco contribui no processo de concepção estrutural. As informações geradas por estas simulações parecem serem suficientes por si só, não participando e alimentando as fases de concepção. Mesmo a otimização estrutural, que a princípio interage a forma da estrutura/espaço com os resultados estruturais, fica restrita a uma concepção simplista da forma, não interagindo com os demais aspectos presentes na concepção formal de um objeto arquitetônico. Assim, as análises e simulações estruturais, mesmo sofisticadas como o MEF, são adotadas como meras ferramentas de cálculo ou “calculadoras”. De certo modo, a situação repete as dúvidas e incertezas observadas no uso dos sistemas CAD para modelagem digital com o discutido problema da “prancheta digital”. As simulações de comportamento estrutural podem ser utilizadas para explorarmos possíveis soluções para o problema espacial arquitetônico. Assim como na modelagem digital, o uso deste potencial da simulação estrutural na concepção arquitetônica parece ser ainda tímido. Também como no caso da modelagem digital, o caminho correto para exploração deste potencial nos parece passar pela reflexão dos fundamentos destes meios e a discussão de como seria a adequada incorporação destes no processo de projeto. Para atender o objetivo do presente trabalho de explorar e discutir esta incorporação é proposto um estudo aplicado de uso destes meios no processo de projeto. 168 4. ESTUDOS DE CONCEPÇÃO DA FORMA ARQUITETÔNICA O estudo tem por objetivo investigar algumas possibilidades de integração de simulação de comportamento estrutural e modelagem de formas complexas no processo de concepção de um espaço arquitetônico através de ferramentas digitais. 4.1. Demandas arquitetônicas Foi escolhida uma demanda arquitetônica com potencial de geração de forma e estrutura complexa. A demanda escolhida foi uma cobertura em grelha. A cobertura seria utilizada para substituir uma tenda situada na Praça de Serviço do campus universitário da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (Figura 77 e Figura 78). Figura 77 - Vista aérea da Praça de Serviço da UFMG. Fonte: Google Earth® 169 Figura 78 - Vista da tenda Fonte: autor. A nova cobertura terá a mesma demanda arquitetônica da tenda existente, ou seja, cobrir um anfiteatro circular de 27,5 metros de diâmetro, utilizado para eventos e apresentações diversas. Figura 79 - Vista do Anfiteatro. Fonte: Vinícius Adriano Metz, Panoramio. O apoio da nova cobertura deverá ser no perímetro do anfiteatro, de modo a retirar o apoio central existente na tenda. Assim, toda a área interna do anfiteatro ficará disponível para 170 uso, sem interferência de estruturas de apoio na mesma. O acesso ao interior do anfiteatro deverá ser o mais amplo possível, assim, o perímetro deverá ter o menor número de apoios possíveis, evitando impedimentos no acesso à área interna do anfiteatro. Considerando esta demanda, foi definida a condição de dois pontos situados no perímetro como o apoio da estrutura. A demanda arquitetônica prevê o aproveitamento da luz natural. Com isso, o principal material escolhido para os painéis de cobertura foi o vidro. Para realizar o experimento e observar a integração de simulações de comportamento estrutural e modelagem de formas complexas na concepção do espaço foi necessário definir o comportamento físico básico dos painéis de vidro. Para isso foi escolhido o vidro de 10 mm a ser utilizado nos painéis. Cabe ressaltar que esta definição é uma simplificação da escolha e definição desejável em um processo de concepção mais amplo. Na concepção técnica da cobertura seria importante considerar, por exemplo, a insolação e carga térmica nos painéis, definindo um desempenho de conforto para a mesma. Porém, a simulação apresentada aqui é um estudo teórico que considera apenas o objetivo de otimização estrutural e definição formal, não discutindo as adequações necessárias à cobertura de vidro frente ao desempenho de conforto. Além disso, a própria interação entre a otimização estrutural e definição do material do painel poderia resultar em escolhas diferentes. Mas a definição do vidro 10 mm se mostrou necessária para o inicio e prosseguimento do estudo. Assim, as dimensões dos painéis deverão obedecer às máximas flechas de flexão do material escolhido: vidro 10 mm. Os cálculos de flechas de flexão de placas de vidro 10 mm indicaram que os painéis deverão ter apoio de no máximo 1 metro. Para maior facilidade de fabricação, os painéis de vidro deverão utilizar chapas planas. E, para maior liberdade formal, deverão permitir formas de diversas curvaturas. A forma geométrica que dá maior liberdade de planificação de curvaturas complexas é o triângulo. O triangulo é a definição mais simples de um plano (três pontos), podendo portando abrigar qualquer planificação de curvaturas. Assim, as grelhas simuladas serão compostas de malhas triangulares. Considerando as flechas máximas dos painéis e a morfologia triangular, as malhas das grelhas a serem simuladas deverão ser compostas por triângulo com altura máxima de 1 metro (Figura 80). 171 4.2. Estudos formais 4.2.1. Método 1: Form-finding A otimização da morfologia estrutural foi realizada com a ferramenta de Form-finding SmartForm® desenvolvida em pesquisas da universidade de Cambridge e do escritório Buro Happold. As pesquisas envolveram estudos de modelos numéricos para estruturas, baseados em cálculos por métodos de elementos finitos - MEF. Por ser baseado em um modelo de elementos finitos o carregamento de forças em uma superfície acontece através da aplicação e decomposição de forças em uma malha equivalente da superfície. A malha é dividida em células unitárias através de nós e barras (Figura 81). As forças são aplicadas nos nós e nos centros das barras da malha (Figura 82). Figura 81 - Diagrama da malha de FEM. Fonte: autor Altura de 1 metro Figura 80 - Altura do triângulo Fonte: autor Barra Célula Nó 172 Figura 82 - Diagrama da aplicação de forças na malha de MEF. Fonte: autor Os cálculos são realizados em modelos virtuais de superfícies e curvas NURBS49. Para realizar a simulação é necessário modelar o cenário inicial contendo a superfície e as restrições de movimento desta superfície. O modelo virtual da simulação foi realizado no software Rhinoceros3D®. Após a modelagem da superfície, ela deve ser dividida em malha para a realização dos cálculos pelo programa. A divisão da superfície em uma malha pode ser feita automaticamente pelo software ou definida na modelagem. O presente estudo definiu que a malha da superfície na modelagem deve ser composta de triângulos com no máximo 1 metro de altura (Figura 80), de acordo com as restrições construtivas e de flexão dos painéis. Foram modeladas diferentes malhas para simular o comportamento estrutural da grelha. As restrições definem se o nó de uma malha modelada é fixo (Figura 83-a); ou que o mesmo se movimente ao longo de uma reta ou curva (Figura 83-b); ou ainda que se movimente no espaço até uma região determinada por outra superfície (Figura 83-c). 49 NURBS ou Non Uniform Rational Basis Spline são um modelo matemático de representação de curvas e superfícies usadas em computação gráfica baseado em splines. 173 As restrições foram modeladas de modo que a variação da forma da estrutura mantenha a condição de dois pontos de apoio e o perímetro da malha cobrindo toda a área do anfiteatro. Portanto foram definidas restrições em alguns nós da malha que garantiram a condição acima. Na decomposição das forças na malha é utilizado um método de cálculo desenvolvido pelos programadores do SmartForm50 e um algoritmo genético de multiobjetivos – MOGA51. O aspecto singular do método utilizado pelo SmartForm é que as funções das matrizes de força e rigidez são definidas a partir da angulação das células da malha e da anisotropia destas. Assim as forças atuantes em cada nó e barra vão estar relacionadas com a angulação de sua célula, facilitando o cálculo de equilíbrio pelo algoritmo genético. Na simulação de form-finding são alteradas as posições tridimensionais dos nós e barras da malha e consequentemente da forma tridimensional da mesma. Os deslocamentos dos nós são limitados pela matriz de rigidez das barras através do MOGA. Durante a simulação o deslocamento dos nós interage com as novas posições das barras. O resultado final indica qual a posição de nós e de barras (e consequentemente da superfície) apresenta maior equilíbrio estático de forças dentro das condições estabelecidas de apoio, aplicação de forças e rigidez da malha. 50 Para descrição detalhada do método ver Winslow, et al. (2010). 51 MOGA ou multi-objective genetic algorithms (algoritmos genéticos de múltiplos objetivos) são algoritmos de cálculo evolucionários que consideram mais de uma função objetivo. Para mais detalhes ver: (KONAK, COIT e SMITH, 2006); (MURATA, ISHIBUCHI e TANAKA, 1996) e (FONSECA; FLEMING, 1005) Nó fixo Nó movimenta em uma reta Nó movimenta em um plano Figura 83 - Diagrama do comportamento das restrições na simulação (a) (b) (c) 174 Na simulação do SMARTForm® podem ser controlados alguns parâmetros que influem nas condições de aplicação de forças e rigidez da malha, sendo: • Variação da matriz de rigidez do MEF (stiffness - rigidez); • Folga inicial das barras da malha (slack length - folga da barra); • Força vertical nos nós (weight - peso); • Força de atração dos nós a um determinado ponto (attractor - atração); • Força normal no centro dos painéis da malha (inflation - pressão). Os valores dos parâmetros são normalizados, não possuindo unidades. Os valores dos parâmetros peso, atração e pressão podem variar de 1 a -1. A definição positiva ou negativa do parâmetro altera o sentido das forças. O parâmetro peso produz forças na direção vertical (eixo z). Valores positivos do mesmo produzem forças na direção vertical e sentido negativo (para baixo). Valores negativos produzem forças na direção vertical e sentido positivo (para cima). O parâmetro atração produz forças na direção de cada nó a um determinado ponto de atração modelado. Valores positivos do mesmo produzem forças de atração ao ponto. Valores negativos produzem forças de repulsão ao ponto. O parâmetro pressão produz forças aplicadas perpendicularmente ao centro geométrico do painel da malha, ou seja, paralelas às normais do mesmo. Valores positivos produzem forças no mesmo sentido da normal. Valores negativos produzem forças em sentido contrário a normal. Os valores do parâmetro rigidez podem variar de 0.01 até 100. Para valores de 0,01, a simulação irá utilizar matriz que permite que o nó se desloque até 100% (dobro) da distância inicial em relação ao nó que o mesmo está ligado. De modo simplificado essa distância equivale à barra da malha/grelha. Assim, definindo o parâmetro rigidez em 0.01, ao aplicarmos uma força normalizada de unidade 1 em nós ligados a distancias de 100 unidades, os mesmos poderão se deslocar até 100 unidades para encontrar o equilíbrio estático. Em outras palavras, a simulação permitirá deslocamentos até 100%. 175 Já valores de parâmetro de rigidez de 100 utilizam matrizes que permitem o deslocamento do nó até 0,01% da distância inicial em relação ao nó que o mesmo está ligado. Utilizando o valor de 100, a aplicação de uma força normalizada de unidade 1 em nós distantes de 100 unidades, os mesmos poderão se deslocar até 0,01 unidades da distância inicial para encontrar o equilíbrio estático. Em outras palavras, a simulação permitirá deslocamentos até 0,01%. Os demais valores do parâmetro de rigidez permitem deslocamentos proporcionais ao descrito acima. Utilizando, por exemplo, rigidez de 1, a matriz permitirá deslocamentos de 1% sobre uma força normalizada 1; utilizando rigidez de 10, permitirá deslocamentos de 0,1% sobre uma força normalizada 1. Através do parâmetro rigidez podemos relacionar a forma obtida na simulação com o equilíbrio estático de uma estrutura real. O resultado final da simulação indica a forma ótima que, diante das condições de apoio, restrições e esforços modelados, os nós estariam em equilíbrio estático. Essa posição implica em forças internas de compressão e/ou tração na estrutura. A forma ótima é aquela que a somatória desses esforços é a menor possível. Assim, uma estrutura real com a mesma forma estaria, teoricamente, em equilíbrio estático e sujeita a menor condição combinada de esforços. Já o parâmetro folga da barra permite variações de valores de 0 a 2. Ele é utilizado para definir a folga inicial da barra entre nós antes da ação da matriz de rigidez. De modo simplificado, o parâmetro permite controlar a possibilidade de deslocamentos dos nós sem a matriz de rigidez oferecer resistência à aplicação de esforços. Analogamente é como se a barra que prende os nós estivesse esticada ou folgada. O valor do parâmetro de 1 implica que os nós podem se deslocar em distâncias de até uma vez a distância entre os mesmos sem a matriz de rigidez oferecer resistência aos esforços. Já utilizando o valor de 2, os deslocamentos dos nós sem ação da matriz de rigidez será de até duas vezes a distância entre os mesmos. E, utilizando o parâmetro de folga da barra de 0, a matriz de rigidez atua imediatamente à aplicação da força. A Tabela 1 apresenta os valores dos parâmetros utilizados na simulação da otimização da morfologia estrutural da cobertura da praça de serviço. 176 Tabela 1 - Parâmetros de força e rigidez da simulação de otimização estrutural no SMARTForm® Parâmetro Valor utilizado Stiffness - Rigidez 10 Slack length – Folga da barra 1 Weight – Peso; - 1 Attractor - Atração 0 Inflation - Pressão 0 Fonte: autor O valor do parâmetro peso foi definido negativo para utilizar a estratégia do método conhecido como inversão do funicular de forças. A inversão do funicular de forças é um método que foi muito utilizado na idade média (e também por arquitetos recentes como Antoni Gaudi) para simulação da forma estrutural em determinada condição de carga. Ele surgiu através de experimentos práticos e posteriormente evolui para o método geométrico de polígonos de funiculares. O experimento prático consiste em utilizar cordas (funículos) presas em suas extremidades, e introduzir diversos pesos nos pontos referentes a cargas. As cordas serão tracionadas e adotarão a forma de equilíbrio estático para a situação. Se espelharmos verticalmente a forma obtida, podemos dizer que as direções das forças foram mantidas e seus sentidos invertidos. Assim, o método funicular permite conhecermos uma forma otimizada estruturalmente, onde as forças atuantes possuem uma direção, independente do sentido. Deste modo, a posição das cordas é coerente com a forma estruturalmente eficiente de uma estrutura rígida sendo comprimida na mesma situação de cargas. Adotando o valor negativo para o parâmetro peso as forças verticais são aplicadas no sentido vertical e na direção positiva (para cima). Considerando o método de inversão de funiculares, a forma obtida será análoga ao equilíbrio estático de uma estrutura submetida a cargas de peso na direção vertical e sentido negativo (para baixo), desde que invertido o sentido das forças internas da estrutura, ou seja, onde a simulação indicar tração significa compressão, e onde indicar compressão, significa tração. Para otimização da morfologia estrutural foram estudados cinco desenhos para a grelha da estrutura. A malha para os cálculos do MEF foi modelada coincidindo com cada desenho. As malhas, e consequentemente Figura 84 à Figura 88. o desenho das grelhas, Figura 84 – Malha da simulação 1. Fonte: autor. Figura 85 - Malha da simulação 2. Fonte: autor. 177 são apresentadas nas Figura 86 - Malha da simulação 3. Fonte: autor. Figura 87 - Malha da simulação 4. Fonte: autor Figura 88 - Malha da simulação 5. Fonte: autor. 178 Foram escolhidos dois nós simétricos nas malhas como apoio da estrutura. Suas restrições de movimento foram modeladas movimentassem durante a simulação. Nos nós modeladas restrições que permitiram de seu eixo z, mantendo a condição de cobertura da praça. N modeladas restrições, permitindo o eixos x, y e z (Figura 89 e Figura Figura 89 - Malha engastadas, não permitindo que estes apoios das extremidades que estes nós se movimentassem os demais nós não foram s mesmos se movimentassem 90). Diagrama da modelagem das restrições da malha Fonte: autor. 179 das grelhas foram apenas na direção livremente em seus 5. Ponto: fixo Retas verticais: movimento apenas no eixo z Foram aplicadas somente forças na direção do eixo z parâmetro peso no sentido positivo considerando que cada nó será estrutura, sem nenhuma outra estrutura auxiliar dos nós atirantado, o parâmetro vez que parte da carga seria absorvida pela estrutura auxiliar d todos os nós recebem a totalidade da aplicação de força do parâmetro Figura 90 - (Figura 91). e com o valor de 1. Este valor foi adotado solicitado na totalidade da força aplicada . Caso, por exemplo, fosse modelado um peso teria que ser considera uma fração dos demais, uma e tirante. No nosso caso Diagrama da modelagem das restrições das malhas. Fonte: autor. 180 Para isto, utilizou-se o verticalmente na peso. Figura O parâmetro rigidez foi definido em 10. Assim, a simulação considerou que entre nós ligados poderia aplicação de força peso de 1 para encontrar a melh 4.2.1.1. R As figuras Figura 92 à Figura estático para cada malha simulada. 91 - Diagrama de aplicação do parâmetro peso. Fonte: autor. sofrer deslocamentos de até 0,1% da distância inicial sob or forma de equilíbrio estático esultados formais obtidos 96 apresentam o resultado da forma final de equilíbrio 181 a distância a . Figura Figura Figura Figura Figura Planta Planta Planta Planta Planta 92 - Forma final da malha 1 (fonte: autor) 93 - Forma final da malha 2 (fonte: autor) 94 - Forma final da malha 3 (fonte: autor) 95 - Forma final da malha 4 (fonte: autor) 96 - Forma final da malha 5 (fonte: autor) Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva 182 183 A Tabela 2 apresenta algumas características dimensionais das formas iniciais e finais. Tabela 2 – Dados dimensionais das simulações Malha 1 Malha 2 Malha 3 Malha 4 Malha 5 Forma inicial Numero barras 848 848 1452 848 848 Comprimento total das barras (cm) 136561,64 136561,64 165534,31 136561,64 136561,64 Comprimento médio das barras (cm) 161,04 161,04 115,50 161,04 161,04 Numero de painéis 548 548 942 548 548 Área total dos painéis (m2) 548,00 548,00 530,01 548,00 548,00 Área média dos painéis (m2) 1,00 1,00 0,58 1,00 1,00 Forma final Numero barras 848 848 1452 848 848 Comprimento total das barras (cm) 142055,73 141979,35 173677,95 141946,98 141712,96 Comprimento médio das barras (cm) 167,52 167,43 119,61 167,39 167,11 Numero de painéis 548 548 942 548 548 Área total dos painéis (m2) 592,64 589,21 578,52 582,91 611,39 Área média dos painéis (m2) 1,08 1,08 0,61 1,06 1,12 Altura máxima da estrutura (cm) 780,46 775,88 833,66 665,84 959,93 Fonte: autor As malhas 1, 2, 4 e 5 apresentam o mesmo perímetro e a mesma área, definida conforme a forma dos painéis e a disposição necessária para cobrir toda a praça de serviço. Elas possuem o mesmo módulo básico de painel, apenas dispostos de modo diferente. O modulo básico das malhas 1, 2, 4 e 5 é um triângulo retângulo com altura de 100 centímetros (altura definida pela restrição da flexão da placa de vidro). Os triângulos possuem catetos de 141,42 centímetros de comprimento e hipotenusa de 200 centímetros de comprimento. Assim, as malhas 1, 2, 4 e 5, utilizam dois comprimentos de barras: 141,42 centímetros e 200 centímetros. As malhas apresentam ainda a mesma quantidade e proporção de barras de 141,42 e de 200 centímetros, alterando somente suas posições e direções, conforme a disposição de seus painéis. As malhas 1, 2, 4 e 5, possuem as mesmas características dimensionais inicias: área igual; quantidade, proporção e dimensões de barras iguais; restrições de apoio e movimento iguais. As diferenças entre elas são as direções e posições das barras (Figura 84, Figura 85, Figura 87 e Figura 88). As malhas 1, 2, 4 e 5 possuem 548 painéis, 848 184 barras, área inicial de 548 m2 e comprimento inicial das barras somadas de 1.365,62 metros. A malha 3 apresenta um módulo de painel menor. A forma e dimensão do painel permite uma maior eficiência para cobrir a área da praça. Por isso a área inicial da malha 3 é de 533,01 m2, cerca de 3,28% menor que a área inicial das malhas 1, 2, 4 e 5. Porém, esta área menor não é suficiente para uma menor quantidade de números de painéis, e a malha 3 possui 942 painéis, quantidade 71,9% maior que as malhas 1, 2, 4 e 5. O módulo da malha 3 é um triângulo equilátero de altura de 100 centímetros, com lados de 115,50 centímetros de comprimento. Assim, a malha 3 utiliza somente um comprimento inicial de barra: 115,5 centímetros. Ela possui 1452 barras, quantidade 71,2% maior que a quantidade das demais malhas. O comprimento inicial das barras somadas da malha 3 é de 1.655,34 metros, cerca de 21,21% maior que o das malhas 1,2, 4 e 5. Apesar das malhas 1, 2, 4 e 5 possuírem mesmas características dimensionais iniciais, a forma final da simulação mostrou alguns dados finais com diferenças significativas. Os resultados simulados das malhas 1, 2 e 4 apresentaram superfície final dos painéis somados com áreas próximas. A maior área foi a da malha 1 com 592,64 m2, apenas 0,6% maior que a área obtida para a malha 2 (589,21 m2) e 1,6% maior que área obtida para a malha 4 (582,93 m2). Já a área obtida na malha 5 apresentou maior diferença em relação aos resultados das malhas inicialmente semelhantes. Os resultado da malha 5 foi de uma superfície com 611,39 m2 de área, cerca de 4,9% maior que o da malha 4. A percentagem de aumento da área da superfície inicial em relação a área final obtida oscilou entre 6,4% (malha 4) e 11,6% (malha 5). A malha 3 apresentou resultado de uma área final de 578,52 m2, cerca de 9,2% maior que sua área inicial. Em relação ao comprimento final das barras somadas, as malhas apresentaram dados semelhantes. O maior comprimento foi da malha 1 com 1420,56 metros, apenas cerca de 0,2 % maior que o menor comprimento obtido de 1417,13 metros da malha 5. A malha 3 obteve um comprimento final das barras somadas de 1736,78 metros, cerca de 4,9 % maior que o comprimento inicial. O acréscimo sobre o comprimento inicial é ligeiramente superior aos obtidos pelas demais malhas que variaram entre 3,8% (malha 5) e 4% (malha 1). Cabe esclarecer que esse acréscimo no comprimento é um processo do SmartForm de 185 alterar o modelagem das barras, aumentando ou diminuindo seu comprimento, de modo a obter a forma otimizada. Os acréscimos de comprimento não tem relação com as deformações ou escoamento dos elementos de uma estrutura real análoga. O dado dimensional que apresentou maior variação entre as malhas foi a altura máxima final da estrutura. A malha 1 e 2 apresentaram altura final semelhantes sendo 7,80 metros para a malha 1 e 7,75 metros para a malha 2. A malha 3 apresentou uma altura um pouco maior de 8,34 metros. Já as malhas 4 e 5 apresentaram grande diferença sendo o resultado da malha 4 de 6,66 metros e da malha 5 de 9,60 metros. A diferença entre as alturas finais da forma estrutural otimizada para a malha 4 e 5 foi de 2,94 metros ou cerca de 44,1%. As duas malhas possuem áreas, quantidade, proporções e dimensões de barras iguais. Porém a morfologia da malha, ou seja, a direção e posição de suas barras, teve um resultado de simulação com altura máxima menor da forma otimizada estrutural sob mesmas condições de cargas. 4.2.1.2. Análise preliminar de tensões O software SmartForm pode gerar diagramas que permitem visualizar o sentido das forças na estrutura. Estes diagramas indicam o sentido das forças nos elementos de acordo com um gráfico de escala de cores. Eles indicam se o elemento estrutural sofreu encolhimento ou alongamento para a situação de equilíbrio, ou seja, se está sendo submetido a compressão ou a tração. O gráfico vai da cor azul, indicando tração, passando pele verde, indicando ausência de tensões até a cor vermelha, indicando compressão. Uma vez que utilizamos o método de inversão do funicular de forças na simulação, o gráfico da escala de cores tem indicação invertida, ou seja, a cor azul indicará compressão, a cor verde indicará tensão neutra e a cor vermelha indicará tração (Figura 97). Compressão Neutro Tração Figura 97 – Gráfico da escala de tensões na estrutura, considerando a inversão de funicular Fonte: autor A Figura 98 à Figura 102 apresentam os resultados de tensões observados na forma final simulada para cada malha. Figura Figura Figura 100 Figura 101 Figura 102 Planta Planta Planta Planta Planta 98 – Diagrama de tensões malha 1 (fonte: autor) 99 – Diagrama de tensões malha 2 (fonte: autor) – Diagrama de tensões malha 3 (fonte: autor) – Diagrama de tensões malha 4 (fonte: autor) – Diagrama de tensões malha 5 (fonte: autor) Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva Elevação Perspectiva 186 187 A análise preliminar de tensões realizada pelo SmartForm está baseada em uma condição onde todos os nós estão articulados. Assim os diagramas apresentados consideram esforços apenas de tração e compressão, diferente do que ocorreria se os nós fossem considerados engastados. A validação da condição articulada ou engastada dos nós será feita posteriormente no dimensionamento dos elementos estruturais. 4.2.1.3. Escolha da solução estrutural de Form-finding A escolha do exemplar representante da solução final da simulação de Form-finding foi baseada no requisito de menor área da superfície e menor quantidade de barras, ou seja, critérios de otimização da forma. Apesar de ser um critério formal, o mesmo pode ser relacionado à carga sobre a cobertura, uma vez que uma menor área de vidro implica em uma menor carga devido ao peso do vidro. De acordo com a Tabela 2, a malha 3 apresentou a menor área final, com 578,52 m2, porém, apresentou o maior comprimento final total das barras, com 173.677,95 centímetros. Já a malha 5 apresentou o menor comprimento final total das barras, com 141.712,96 centímetros, mas apresentou a maior área final, com 611,39 m2. A malha 4 apresentou a segunda melhor área final, com 582,93 m2, e o segundo melhor comprimento final total das barras, com 141.946,98 centímetros. Assim, a malha 4 (Figura 103) foi escolhida como resultado do modelo estrutural analítico linear da simulação de Form-finding. Os estudos dos esforços na malha 4 em uma situação hipotética da estrutura real, assim como uma proposta de dimensionamento dos elementos estruturais são apresentados no item 4.3. Figura 103 - Modelo analítico linear estrutural 4.2.2. Método 2: No método 2 foi realizado um em um modelo reduzido. A solução da malha 4 da simulação como objeto de estudo do ensaio física real de um protótipo da malha 4 plana, simuladas digitalmente. O processo de concepção foi organizado de acordo com o fluxograma Figura 104: da grelha 4 Form Fonte autor. ensaio em modelo reduzido processo de concepção através de um form . O objetivo foi obter o resultado através da em condições semelhantes as que foram 188 -finding. experimento físico -finding foi escolhida deformação apresentado na Figura A partir da escolha da malha 4 sendo escolhido o material EVA utilizada uma placa de EVA com espessura de 3 mm A placa de EVA foi fabricada utilizando uma máquina de CNC de cor 105). 52 Ethylene Vinyl Acetate conhecido como Espuma Vinílica Acetinada. É um polímero de baixa densidade macio e flexível. Escolha da malha inicial: MALHA 4 Seleção do material do protótipo Fabricação digital da malha (CNC -corte a laser) 104 - Fluxograma do ensaio em modelo reduzido. Fonte: autor foi definido o material para fabricação digital da mesma, 52 . Para fabricação do modelo reduzido da malha . Realização do ensaio Escaneamento 3D Geração do arquivo CAD para simulação dos esforços Concepção do aparelho para o experimento Definição das condições de ensaio Fabricação digital do aparelho (CNC -corte a laser) 189 foi te a laser (Figura 190 Figura 105 - Fabricação digital da malha 4. Fonte: autor. A concepção do aparelho de fixação para o ensaio foi feita com base nas restrições utilizadas na simulação digital de form-finding. A simulação digital aplicou uma força em cada nó da malha 4. As condições de restrições dos nós foram: dois nós de apoio engastados; nós das extremidades movimentando somente no eixo z (para garantir a cobertura desejada da área); demais nós movimentando livremente nos eixos x, y e z. Em cada nó do modelo reduzido foi fixada uma haste metálica para que o peso da mesma provocasse o deslocamento do nó. O aparelho de fixação do modelo reduzido foi concebido de modo que os movimentos das hastes metálicas apresentassem as mesmas restrições da simulação digital sendo: fixo nos dois nós de apoio; movimentos verticais nas extremidades; livre movimento nas demais hastes/nós. O aparelho foi modelado digitalmente no software Rhinoceros (Figura 106) e fabricado digitalmente na máquina CNC de corte a laser. 191 Figura 106 - Modelagem do aparelho de fixação para ensaio. Fonte: autor O ensaio foi então realizado em três etapas. Na primeira etapa o modelo reduzido foi montado com as hastes metálicas e o mesmo fixado no aparelho para ensaio. As hastes ficaram apoiadas em um suporte abaixo do aparelho de modo a não aplicaram a carga devido a seu peso (Figura 107) Na segunda etapa o suporte das hastes foi retirado e o modelo reduzido sofreu a deformação (Figura 108 e Figura 109). Na terceira etapa o modelo reduzido deformado foi escaneado tridimensionalmente utilizando um aparelho de scanner3D de mão (Figura 110). Para o escaneamento foi necessária a colocação de um tecido sobre a grelha uma vez que o scanner não consegui focalizar a grelha vazada. 192 Figura 107 - Ensaio no modelo reduzido Figura 108 - Ensaio no modelo reduzido Figura 109 - Ensaio no modelo reduzido Suporte apoio das hastes Suporte apoio das hastes 193 Figura 110 – Escaneamento 3D do ensaio. Fonte: autor Através do arquivo escaneado foi definido digitalmente a posição de cada um dos nós após a deformação do modelo reduzido. A posição dos nós após o ensaio apresentou uma inesperada assimetria. Após avaliação conclui-se que a assimetria acorreu devido a falhas de deformações no aparelho de fixação do modelo reduzido, que não suportou as cargas do ensaio. Considerando um rigor científico para exploração de uma solução técnica da estrutura da cobertura, o fato inviabilizaria o ensaio realizado como meio investigativo. Porém, o objetivo do presente trabalho é observar a interação de tecnologias digitais de análise do comportamento estrutural e modelagem de formas no processo de concepção e não a busca de uma solução técnica rigorosa. Por esse motivo decidiu-se prosseguir com as analises contornando o problema com a devida resalva. As deformações do aparelho sugerem atenção em futuras explorações de soluções técnicas. Assim, sem prejuízo ao objetivo do presente trabalho de observação do processo de concepção, decidiu-se utilizar somente um quadrante da posição escaneada dos nós, completando a totalidade da estrutura com o duplo espelhamento deste quadrante, nos eixos x e y. Após o ajuste no arquivo digital escaneado, foi gerado um modelo analítico linear estrutural digital do estado de equilíbrio observado no ensaio. O resultado do modelo analítico linear estrutural é apresentado na Figura 111. 194 Figura 111 - Modelo analítico linear estrutural Fonte: autor A Tabela 3 apresenta os resultados dimensionais do modelo analítico linear. Tabela 3 – Dados dimensionais do ensaio no modelo reduzido Forma inicial Forma final Numero barras 848 848 Comprimento total das barras (cm) 136561,64 142785,41 Comprimento médio das barras (cm) 161,04 168,38 Numero de painéis 548 548 Área total dos painéis (m2) 548,00 592,43 Área média dos painéis (m2) 1,06 1,08 Altura total da estrutura (cm) 665,84 647,03 fonte: autor Os estudos dos esforços nesse modelo analítico linear, considerando a situação hipotética de uma estrutura real, assim como uma proposta de dimensionamento dos elementos estruturais são apresentados no capítulo 4.3. 4.2.3. Método 3: Parametric Design e regras Alberti No método 3 a cobertura foi concebida tendo como parâmetros de referência aspectos estéticos, sem considerar inicialmente qualquer requisito relacionado a questões estruturais. Os parâmetros estéticos de referência definem as relações entre as diversas medidas da casca, incluindo sua estrutura e elementos estruturais. Como base destas relações formais entre os elementos da casca foi escolhida as proporções harmônicas propostas por Leon Battista Alberti (ALBERTI, 1987). 195 A modelagem digital utilizou os softwares Rhinoceros3D e Grasshooper. Estas ferramentas foram escolhidas porque permitem a incorporação de parâmetros diversos na modelagem de formas. O Rhinoceros3D é um software de modelagem versátil, especializado em formas complexas baseadas em curvas e superfícies NURBS. O software Grasshopper é um aplicativo do Rhinoceros para incorporar parâmetros de entrada e saída nas modelagens. Através do Grasshopper podemos relacionar diversos parâmetros, como, por exemplo, quesitos ambientais, quesitos estruturais ou quesitos urbanos, à forma final modelada. Podemos, ainda, incluir no processo de projeto cálculos genéticos para otimização do resultado formal frente a objetivos específicos e desejados que possam ser escritos nos algoritmos. Resalvasse que o processo paramétrico de projeto realizado aqui considerou intencionalmente apenas parâmetros e objetivos estéticos, abdicando das possibilidades de análises ambientais, estruturais e urbanas. A forma escolhida para a casca foi um paraboloide hiperbólico com os seguintes requisitos: a superfície paraboloide seria recortada de modo que sua projeção fosse o mais próximo possível da área necessária a ser coberta; o perímetro do paraboloide deveria tocar o piso apenas nos dois pontos de apoio; os dois pontos de apoio definiriam o primeiro arco do paraboloide; o arco invertido seria posicionado centralizado e perpendicular ao primeiro arco. A Figura 112 apresenta um esquema geral de posição dos arcos geradores do paraboloide. 196 Figura 112 - Esquema dos arcos do parabolóide. Fonte: autor As posições dos arcos dos paraboloides deveriam seguir uma lógica baseada em aspectos estéticos. A base estética escolhida foram as proporções harmônicas propostas no De re aedificatoria (Figura 5). Para escrever o parâmetro dessas no algoritmo as proporções foram transformadas em uma descrição numérica. Em termos numéricos elas podem ser descritas como (Tabela 4): Tabela 4 – Descrição numérica das proporções harmônicas do De re aedificatoria Quadrado (1:1) 1/2 0,500 Sesquitertia (3:4) 3/7 0,429 Sesquialtera (2:3) 4/10 0,400 Diapason (1:2) 1/3 0,333 Sesquitertia dupla (9:12:16) 9/25 0,360 Sesquialtera dupla (4:6:9) 4/13 0,308 Sesquertia duple (3:8) 3/11 0,273 Sesquialtera duple (1:3) 1/4 0,250 Quadruple (1:4) 1/5 0,200 Fonte: autor 197 Assim, as relações harmônicas de Alberti caracterizam uma faixa numérica que vai de 0,200 até 0,500. No algoritmo da casca foi definido que algumas proporções entre as partes da mesma deveriam estar dentro desta faixa harmônica, ou seja, entre 0,200 e 0,500. Foram escolhidas partes da forma da casca que poderiam de se relacionar diretamente em proporções. Assim, as parte e proporções harmônicas escolhidas foram: • Razão entre os segmentos de comprimento de arco definidos pelos pontos de apoio, considerando a projeção da forma da casca, ou seja, a razão c1 / c2 da Figura 113. • Razão entre a distância no eixo z e distancia no eixo x ou y dos pontos iniciais dos arcos e o ponto da altura do arco, ou seja, as razões h1 / d1; h2 / d2; h3 / d3; h4 / d4 apresentadas na Figura 114. Figura 113 - Proporções de posição dos apoios. Fonte: autor 198 Figura 114 - Proporções dos arcos. Fonte: autor No algoritmo da modelagem, as relações de proporções foram escritas como parâmetros genéticos, ou genes, de modo a permitir que fossem feitos cálculos genéticos que definiriam o valor final dos parâmetros frente às funções-objetivo previstas53. A Figura 115 apresenta a parte do algoritmo referente à modelagem dos pontos de apoio, arcos e seus parâmetros genéticos. 53 As explicações sobre estas funções serão apresentadas adiante uma vez que as mesmas relacionam vários parâmetros do algoritmo, além dos genes Alberti e, para melhor entendimento, é necessário apresentar os demais genes. 199 Figura 115 - Parte do algoritmo referente à modelagem dos pontos de apoio, arcos e seus parâmetros genéticos. Fonte: autor Na sequencia, o algoritmo foi escrito de modo a gerar uma superfície paraboloide hiperbólica a partir dos arcos. No passo seguinte, o algoritmo prevê que a superfície seja recortada através de uma linha de contorno, sendo esta linha referente à projeção de um arco que passa pelos apoios e pelas extremidades superiores da superfície. Além disto, a linha de contorno pode se adequar aos requisitos das funções-objetivo previstas54. Esta parte do algoritmo é apresentada na Figura 116. Figura 116 – Parte do algoritmo referente à geração e recorte da superfície paraboloide. Fonte: autor 54 Ver nota 43. 200 O algoritmo escrito é capaz de gerar várias superfícies paraboloides hiperbólicas recortadas. Por exemplo, variando os genes das proporções Alberti, o software gera inúmeras superfícies. Para definir qual das superfícies é mais adequada a nossos propósitos, foram escritas funções-objetivo e algoritmos genéticos. A primeira função-objetivo busca adequar à escala da superfície gerada. Uma vez que variando a proporção dos arcos, a forma final da superfície varia a área projetada, podendo gerar situações em que esta área projetada não abrange a área a ser coberta, tornou-se necessário ajustar a escala da superfície gerada de modo a garantir a correta cobertura da área. A projeção da superfície gerada esta determinada pela posição inicial dos apoios. Assim, o algoritmo genético para solução específica desta questão inseriu um gene referente a esta posição inicial dos pontos de apoio [função1A] e a função-objetivo de o contorno da superfície gerada, projetado no plano x, tangenciar a área a ser coberta [função1B]. A posição dos apoios já eram determinadas pela razão entre os segmentos de arcos de circulo que estes formavam (gene Alberti 1) e foi inserido mais um parâmetro/gene para permitir maior flexibilidade do posicionamento dos apoios. O parâmetro utilizado foi o raio de um circulo de referência inicial para a geração da casca. Este gene e função-objetivo são apresentados na Figura 117. 201 (a) (b) (c) Figura 117 - Sequencia algorítmica de otimização escala da superfície. Fonte autor A segunda função-objetivo [função2] adotada no algoritmo genético da geração do paraboloide hiperbólica foi relativa à eficiência de área da curvatura da superfície gerada. As proporções entre a altura e abertura do arco do paraboloide podem adotar inúmeros valores dentro da faixa harmônica. Determinadas proporções implicam em curvaturas mais agudas da superfície com consequente aumento de área. A função-objetivo de eficiência da área da curvatura visa identificar quais situações combinadas minimizam a razão entre a área da superfície gerada e a área a ser coberta. Quanto menor esta razão mais eficiente é a curvatura sobre este aspecto. A terceira função-objetivo [função3] adotada no algoritmo foi em relação à excentricidade da superfície gerada. Em uma exceção a premissa inicial de não considerar aspectos estruturais, esta função-objetivo está diretamente ligada às condições de equilíbrio estático da forma gerada. Ou seja, não havendo excentricidade, a forma gerada está teoricamente em equilíbrio estático. A função-objetivo foi escrita de modo a minimizar a 202 distância da projeção no plano x do ponto de centro geométrico da superfície gerada e o centro geométrico da linha entre os dois apoios. Esta função-objetivo, sozinha, parece indicar que a melhor forma gerada para atendê-la seria uma superfície completamente simétrica, nos eixos x e y. Porém, os resultados do cálculo genético, conforme serão apresentados adiante, não apresentaram uma superfície simétrica no eixo y. Este fato pode ser explicado em parte pela interferência dos requistos das demais funções-objetivo do cálculo genético e em parte pelas próprias limitações do cálculo através de algoritmo genético ou, até mesmo, da ferramenta de cálculo genético utilizada. Não foi possível no presente estudo concluir sobre os motivos que geraram o fato. Assim, o primeiro algoritmo genético é composto de três funções-objetivos55. A parte final deste é apresentada na Figura 118. Figura 118 - Parte final do primeiro algoritmo de cálculo genético. Fonte: autor Inicialmente foram feitas tentativas de um algoritmo de cálculo genético que englobasse a forma da superfície paraboloide e também as definições de posicionamento de nós e barras. Porém, os cálculos deste algoritmo não concluíam em resultados coerentes e por isso foi decidido separar o cálculo genético da forma da superfície do cálculo genético da posição dos nós e barras. O algoritmo genético de posicionamento de nós e barras será apresentado na sequência. 55 A primeira função-objetivo foi desmembrada em dois algoritmos para facilitar o cálculo genético. 203 O algoritmo genético da forma da superfície (Figura 118) utilizou o software Galapagos para realização dos cálculos. O Galapagos é uma ferramenta de cálculo genético de uma função, podendo maximar ou minimizar a mesma. Uma vez que o Galapagos não realiza cálculos genéticos de multi-objetivos foi necessário escrever uma equação que relacionasse as funções-objetivos escritas. A equação utilizada é apresentada abaixo: x + y + (1-z) + u onde: x = função 1A y = função 1B z = função 2 u = função 3 No cálculo genético é possível através de uma equação relacionar as funções-objetivo de modo a priorizar uma delas. Podemos, por exemplo, colocar um quociente no termo de uma determinada equação dando maior ou menor importância nesta. Podemos ainda tornar a importância de um determinado termo/função-objetivo uma função não-linear, usando polinômios de segunda ou mais ordem. Estas características da função (importância dos termos; comportamento linear ou não-linear) direcionam a evolução do cálculo genético. No presente algoritmo genético foi adotada a mesma importância em todos os termos e um comportamento linear da evolução do cálculo. O cálculo genético pelo Galapagos pode acontecer através de soluções evolucionárias diretas ou soluções de recozimento. Nas soluções evolucionárias diretas o software seleciona a população genética seguinte no entorno do indivíduo com valor de simulação mais próximo ao buscado na função-objetivo. Neste método pode ser configurado o percentual de alteração do gene, os limites do grupo de entorno, a quantidade de indivíduos mantidos para a próxima geração, e o nível de semelhança entre estes indivíduos. O percentual de alteração indica o quanto de alteração o cálculo realiza em cada gene na mudança de geração. O grupo de entorno define quais indivíduos poderão evoluir para a geração seguinte. No Galapagos podemos adotar um método incestuoso ou zoofílico para determinar o grupo de indivíduos que poderão ser selecionadas. No método incestuoso são selecionadas as espécies próxima-similares ao indivíduo de valor mais próximo a função-objetivo. No método zoofílico são excluídas as espécies mais próxima- semelhantes. Por fim, é definida qual a percentagem de indivíduos, dentro do grupo do 204 entorno determinado, irão evoluir para a próxima geração. Assim, no cálculo genético por evolução direta as alterações nos genes são graduais e constantes no método incestuoso e graduais e variáveis no método zoofílico. Já no cálculo genético por recozimento as alterações apresentam variação em sua intensidade, de acordo com as similaridades dos indivíduos formados nas gerações. Este método faz uma analogia ao resfriamento de metais, onde a velocidade de resfriamento é diferente nas diversas porções do material. Assim, no método por recozimento as alterações nos genes são abruptas e variáveis. O presente cálculo genético é uma equação linear e simples. Por isso foi definido que a evolução adequada para o cálculo seria a gradual e constante, ou seja, através do método incestuoso. Foi definida a população de 50 indivíduos a cada geração de cálculo. O grupo de indivíduos passível de serem selecionados foi definido a partir dos 75% indivíduos mais próximos à minimização da equação escrita. Dentro do grupo selecionável, 5% permaneceriam para a geração seguinte, escolhidos de randomicamente pela ferramenta. Por fim foi definido que o limite de gerações estáveis, ou seja, gerações sem evolução na aproximação da minimização da equação, para abortar o cálculo seria de 50 gerações. A Tabela 5 apresenta o resumo dos parâmetros genéticos utilizados: Tabela 5 – Parâmetros do cálculo genético 1 População de cada geração 50 indivíduos Definição do grupo de indivíduos selecionáveis 75% - incestuoso Porcentagem de indivíduos mantidos em cada geração 5% Número de gerações estáveis antes de abortar o cálculo 50 gerações Fonte: autor O cálculo genético da superfície realizou 84 gerações de 50 indivíduos cada, totalizando 4.200 simulações. O mínimo resultado possível da equação é o valor de 1 e o calculo genético alcançou o valor de 1,000275. A Figura 119 apresenta a tela final do cálculo genético. 205 Figura 119 – Tela final do cálculo genético da superfície. Fonte: autor A Figura 120, Figura 121, Figura 122, Figura 123 e Figura 124 apresentam a forma final resultante do cálculo genético da superfície. 206 Figura 120 - Vista superior da forma final resultante do cálculo genético da superfície. Fonte: autor Figura 121 - Vista frontal da forma final resultante do cálculo genético da superfície. Fonte: autor. 207 Figura 122 - Vista lateral da forma final resultante do cálculo genético da superfície. Fonte: autor. Figura 123 - Perspectiva da forma final resultante do cálculo genético da superfície. Fonte: autor. 208 Figura 124 - Perspectiva da forma final resultante do cálculo genético da superfície. Fonte: autor. Após a definição da superfície da casca da cobertura buscou-se definir a malha estrutural a ser lançada sobre a mesma. Para definição da malha estrutural foram escolhidos como requisitos apenas aspectos estéticos. O aspecto estético escolhido foi a dimensão das barras estarem o mais próximo possível do número áureo em metros, sendo 1,618033989 metros. Inicialmente foram posicionados pontos na linha da extremidade da superfície em distancia áurea aproximada e sucessiva, a partir dos pontos de apoio e nas duas direções. Estes pontos definiram os nós da extremidade e a reta de ligação entre eles definiram as barras da extremidade da casca. A Figura 115 apresenta o algoritmo de criação dos nós e barras de contorno da casca e a figura Figura 116 apresenta os mesmos. 209 Figura 125 - Algoritmo de criação da malha de contorno. Fonte: autor. Figura 126 - Nós e barras de contorno. Fonte: autor. Para definição dos nós internos da casca, foi criada uma população de 10.000 pontos sobre a superfície, dispostos de modo randômico pela ferramenta de modelagem (Figura 127). Foram então selecionados os pontos que permitiam o maior numero possível de nós distante conforma o aspecto estético escolhido, ou seja, o conjunto de escolha de pontos com maior quantidade de distancia próxima a 1,618 metros. 210 Figura 127 - Parte do algoritmo para população de pontos sobre a superfície. Fonte: autor. Para escolha desse conjunto foram realizados inicialmente três procedimentos. O primeiro foi remover da população de pontos aqueles que se encontrava a uma distância menor que 1,618 metros dos pontos já definidos da extremidade (Figura 128). O segundo foi a criação de um algoritmo para remover pontos que estivessem a uma distância menor de um determinado ponto (Figura 128). O terceiro foi a criação de um algoritmo para variação da posição de cada ponto da população de pontos (Figura 129). Figura 128 - Parte do algoritmo de ajuste na população de pontos. Fonte: autor. 211 Figura 129 - Parte do algoritmo de movimentação dos pontos. Fonte: autor. A triangulação da superfície utilizando os pontos sobre a superfície a serem escolhidos definiria a grelha estrutural da casca. Para evitar a triangulação com triângulos com ângulos internos muito pequenos foi escolhido o método Delaunay para triangulação, uma vez que este maximiza os ângulos da malha triangulada formada. A escolha dos pontos foi feita através de um algoritmo genético. O algoritmo criado (Figura 130) variava a posição de cada ponto sobre a superfície e tinha como funções: [a] proximidade do comprimento médio das linhas da triangulação Delaunay atendendo a condição áurea - 1,618 metros; [b] quantidade absoluta de linhas atendendo a condição áurea; [c] percentual de linhas atendendo a condição áurea em relação à quantidade total de linhas. 212 Figura 130 - Funções algoritmos de condição áurea das barras. Fonte: autor. A função objetivo final do algoritmo genético (Figura 131) relacionou as funções anteriores pela maximização da seguinte fórmula: - a + b + c 213 Figura 131 - Algoritmo genético da condição áurea. Fonte: autor O cálculo genético da condição áurea das barras realizou 19 gerações de 50 indivíduos cada, totalizando cerca de 950 simulações de 600 genes. O valor maximizado alcançado no cálculo genético foi de 590,93. O resultado apresentou 544 barras áureas de um total de 1001 barras, ou 54,35 %. A Figura 132 mostra a tela do cálculo genético. 214 Figura 132 - Tela do cálculo genético da condição áurea. Fonte: autor. Os pontos e as linhas da triangulação final representam os nós e as barras da malha estrutural. A Figura 133, Figura 134, Figura 135 e Figura 136 apresentam o resultado final. 215 Figura 133 - Vista superior grelha Alberti. Fonte: autor. Figura 134 - Vista frontal grelha Alberti. Fonte: autor. 216 Figura 135 - Vista lateral grelha Alberti. Fonte: autor. Figura 136 - Perspectiva grelha Alberti. Fonte: autor. 217 Figura 137 - Perspectiva grelha Alberti. Fonte: autor. A Tabela 6 apresenta os resultados dimensionais do modelo analítico linear da grelha Alberti. Tabela 6 - Dados dimensionais grelha Alberti Forma final Numero barras 1001 Comprimento total das barras (cm) 154550,48 Comprimento médio das barras (cm) 154,39 Numero de painéis 649 Área total dos painéis (m2) 630,40 Área média dos painéis (m2) 0,97 Altura total da estrutura (cm) 1140,11 Fonte: autor Os estudos dos esforços nesse modelo analítico linear, considerando a situação hipotética de uma estrutura real, assim como uma proposta de dimensionamento dos elementos estruturais são apresentados no capítulo 4.3. A Figura 138 apresenta o algoritmo completo da grelha Alberti no Grasshopper. 218 Figura 138 - Algoritmo completo da grelha Alberti. Fonte: autor 4.3. Estudos estruturais Os estudos formais definiram os três modelos lineares estruturais a serem analisados. A Tabela 7 apresenta um resumo dos dados dimensionais dos três modelos lineares estruturais. Tabela 7 - Dados dimensionais dos três modelos lineares estruturais (fonte: autor) Form-finding Modelo reduzido Modelagem paramétrica - Alberti Numero barras 848 848 1001 Comprimento total das barras (cm) 141946,98 142785,41 154550,48 Comprimento médio das barras (cm) 167,39 168,38 154,39 Numero de painéis 548 548 649 Área total dos painéis (m2) 582,91 592,43 630,40 Área média dos painéis (m2) 1,06 1,08 0,97 Altura total da estrutura (cm) 665,84 647,03 1140,11 fonte: autor Os estudos estruturais abrangeram a definição dos esforços no modelo linear e a criação de um algoritmo para calcular a seção dos elementos estruturais das grelhas. Para o cálculo dos esforços nas barras da viga foi utilizado o software SAP 2000. A simulação no SAP aplicou uma força vertical de 100 kgf em cada nó da grelha (Figura 139). Este esforço tem o caráter apenas referencial uma vez que a força prevista na estrutural real será ajustada no algoritmo. 219 Figura 139 – Simulação de esforços no SAP Fonte: autor. Para definição dos esforços foi considerada na simulação do SAP uma barra de seção retangular 10 x10. Esta seção foi utilizada apenas para viabilizar a simulação uma vez que o objetivo foi obter dados de força axial e momentos e não de tensões. As tensões foram definidas no algoritmo considerando as forças e momentos do SAP. 220 Inicialmente realizou uma simulação no SAP com os nós articulados, buscando uma situação apenas de esforços axiais. Porém todos os três modelos apresentaram deslocamentos altos quando em condições de nós articulados, chegando ao colapso. Assim, a simulação considerou nós rígidos, o que levou a esforços de força axial e momentos nas seções. Nessa situação, todos os modelos tiveram deslocamento máximo nos nós de 7,5 cm. A simulação do SAP gerou uma tabela com os esforços axial e momento longitudinais e transversais das seções das barras para cada um dos três modelos estudados. Dessa tabela foram extraídas as forças axiais de cada barra e selecionados os momentos longitudinais máximos e momentos transversais máximos de cada barra. Esses dados foram utilizados como parâmetros de entrada em um algoritmo escrito no Grasshopper. Os dados do SAP consideraram uma carga de 100 kgf. O algoritmo do Grasshopper foi escrito de modo a fazer o ajuste dos esforços considerando que tanto as forças axiais quanto os momentos são diretamente proporcional a carga aplicada. Além dos dados de esforços em cada barra provenientes da análise pelo SAP, foi necessário definir outros parâmetros de entrada para o algoritmo. O parâmetro de peso do vidro foi de 250 kg por m2. O material da estrutura escolhida foi a madeira. A resistência mecânica adotada para a madeira foi de 80 kgf/cm2. A densidade da madeira adotada foi de 920 kg por m3. Além disto, foi definido que as seções das barras de madeira teriam altura fixa de 30 cm e a largura iria variar conforme as tensões obtidas em cada barra, com dimensão mínima de 10 cm. Essa escolha (fixar a altura e variar a largura da seção) é menos eficiente estruturalmente, pois a altura impacta mais a modulo de resistência da seção (b*h2 / 6). A escolha se baseou na facilidade que a padronização da altura proporciona na fixação entre as barras, ou seja, na fixação de seus vínculos. Assim, foi desenvolvido um algoritmo que calcula as tensões em cada barra e as dimensionam conforme esta tensão (Figura 140). Cada barra da grelha possui uma seção proporcional à tensão calculada (Figura 141 e Figura 142). 221 Figura 140 - Visão geral do algoritmo de dimensionamento das barras da estrutura. Fonte: autor Figura 141 - Parte do algoritmo para posicionamento das seções da barra. Fonte: autor. Figura 142 - Parte do algoritmo para dimensionamento final das seções da barra. Fonte: autor. 222 O algoritmo identifica o peso total da estrutura e o mesmo e dividido igualmente em cada nó (Figura 143). A força resultante da divisão é relacionada a carga vertical de 100 kg aplicada no SAP (Figura 144). Se, por exemplo, no cálculo do algoritmo o esforço em cada nó apresentar o resultado de 200 kg isto implicaria em uma proporção de duas vezes em relação ao que foi considerado no SAP e a tabela de forças axiais e momentos do SAP seria ajustada através da multiplicação por 2. Uma vez que a situação implica em uma relação de recorrência (o peso da estrutura influi nos esforços, os esforços influem na seção e a seção influi no peso) foi utilizada uma ferramenta específica para cálculo de dada função em relação a um dado inicial antecessor (Figura 145). Figura 143 - Parte do algoritmo de cálculo do peso total da estrutura. Fonte: autor. 223 Figura 144 - Ajuste de força em cada nó. Fonte: autor. Figura 145 - Passo recorrente no algoritmo. Fonte: autor. 224 Além do passo recorrente para definir a carga vertical incluindo o peso próprio da estrutura, o desenvolvimento do algoritmo enfrentou outros pontos críticos. Um deles é definir a tensão máxima em cada seção. Uma vez que as barras se encontram engastadas, a tensão máxima na seção de cada barra é definida pela força axial e pelo momento na mesma. O momento da seção implica em tração ou compressão com valores diferentes em cada um dos quatro cantos da seção. A definição da seção ocorreu através do maior valor absoluto de tensão presente na seção de cada barra combinando a força axial e as forças devido ao momento. O algoritmo identifica automaticamente o canto da seção de maior valor de forças combinadas, considerando as forças axiais e de momento. Para definição da tensão devido ao momento na seção é necessário calcular o módulo de resistência da seção. Uma vez que cada seção possui dimensão proporcional aos esforços, cada seção possuirá seu próprio módulo de resistência. Foi utilizada a seguinte formula para cálculo do módulo de resistência: b*h2 / 6 sendo: b = base h = altura De acordo com a formula, os cálculos dos os módulos são diferentes quando avaliados na horizontal e na vertical. O algoritmo considerou ambas as situações (Figura 146). Por fim, o cálculo do módulo de resistência também implica em uma relação de recorrência (a dimensão da seção define o módulo, o módulo define a tensão e a tensão define a dimensão da seção) e o algoritmo utilizou também aqui um passo recorrente para a solução. 225 Figura 146 - Definição das tensões por força axial e momentos. Fonte: autor. A tensão em cada barra é então calculada e relacionada com a resistência do material da mesma (no nosso caso a madeira) para obtenção da seção de cada barra. A estrutura é então modelada considerando a seção calculada (Figura 142). 226 Figura 147 - Definição da seção das barras. Fonte: autor. A Figura 148, Figura 149, Figura 150, Figura 151 e Figura 152 apresentam o resultado final para a grelha obtida através do form-finding. 227 Figura 148 - Planta da estrutura final form-finding. Fonte: autor. 228 Figura 149 - Vista lateral da estrutura final form-finding. Fonte: autor. Figura 150 – Vista frontal da estrutura final form-finding. Fonte: autor. 229 Figura 151 - Perspectiva da estrutura final form-finding. Fonte: autor. Figura 152 - Perspectiva da estrutura final form-finding. Fonte: autor 230 A Figura 153, Figura 154, Figura 155, Figura 156 e Figura 157 apresentam o resultado final para a grelha obtida através do ensaio em modelo reduzido. Figura 153 – Planta estrutura final ensaio modelo reduzido. Fonte: autor. 231 Figura 154 – Vista lateral estrutura final ensaio modelo reduzido. Fonte: autor. Figura 155 – Vista frontal estrutura final ensaio modelo reduzido. Fonte: autor. 232 Figura 156 – Perspectiva estrutura final ensaio modelo reduzido. Fonte: autor. Figura 157 - Perspectiva estrutura final ensaio modelo reduzido. Fonte: autor. 233 A Figura 158, Figura 159, Figura 160, Figura 161 e Figura 162 apresentam o resultado final para a grelha obtida através da modelagem paramétrica baseado em regras de proporções estéticas de Alberti. 234 Figura 158 - Planta da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. Fonte: autor. 235 Figura 159 – Vista lateral da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. Fonte: autor. Figura 160 – Vista frontal da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. Fonte: autor. 236 Figura 161 - Perspectiva da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. Fonte: autor 237 Figura 162 – Perspectiva da estrutura final do modelo paramétrico Alberti. Fonte: autor. A Tabela 8 apresenta os resultados dimensionais das estruturas finais obtidas nos estudos Tabela 8 – Resultados dimensionais das estruturas finais. Material: Madeira Form-finding Modelo reduzido Modelagem paramétrica - Alberti Barra - seção mínima: base x altura 10 cm X 30 cm 10 cm X 30 cm 10 cm X 30 cm Barra - seção máxima: base x altura 30,02 cm X 30 cm 27,32 cm X 30 cm 1048,03 cm X 30 cm Volume total da estrutura (barras) 44,882 m3 44,871 m3 95,71 m3 Peso total da estrutura com vidro 187018,44 Kg 189389,07 Kg 245654,20 Kg fonte: autor Os resultados indicam que é possível estruturalmente construir em madeira as formas geradas pelo form-finding e pelo ensaio reduzido e que não é possível estruturalmente construir em madeira a forma gerada pela modelagem paramétrica baseado em regras de proporções estéticas de Alberti. A modelagem paramétrica baseada em regras estéticas 238 produziu esforços enormes em algumas das barras da estrutura da casca, chegando a valores necessários de seção de 10 x 1048 cm de base, que são inviáveis construtivamente. Ressalta-se que não foram realizados estudos com propostas de outros materiais para estrutura e que poderiam validar a forma do modelo paramétrico estuda aqui. Também não foram especificados e dimensionados os vínculos/nós das barras verificando sua rigidez e seus deslocamentos, questões críticas em estruturas de madeira. O objetivo da tese não é concluir com uma solução técnica da estrutura e sim refletir sobre o uso de tecnologias digitais na concepção da arquitetura e da estrutura. Para este objetivo o estudo estrutural apresentado aqui se mostrou suficiente. 239 5. CONCLUSÕES A questão explorada em minha tese é a integração de tecnologias digitais de modelagem de formas complexas e de simulação de comportamento estrutural no processo de concepção e sua influência na qualidade da solução arquitetônica. Para tornar mais claro a apresentação de minhas conclusões proponho algumas reflexões precedentes a questão. A primeira reflexão que proponho é: as tecnologias digitais devem ser incorporadas no processo de projeto? A minha resposta a esta questão é sim, sua incorporação é importante. Existem pertinência e benefício na utilização das tecnologias digitais no processo de projeto. Através da minha análise histórica da teoria da Arquitetura e da evolução do conhecimento construtivo e estrutural, encontrei evidências de influência dos meios no desenvolvimento dos mesmos. A teoria da perspectiva, por exemplo, teve influência direta na abordagem e postura artístico-plástica renascentista do fazer arquitetônico, pois permitiu o domínio formal adequado do resultado completo pretendido. Assim, o desenvolvimento de novos meios de representação influenciou o desenvolvimento teórico e formal da Arquitetura. Já o surgimento, por exemplo, de métodos matemáticos de cálculos diferencias, permitiu representar e compreender com mais precisão e complexidade os fenômenos físicos, dando aplicações práticas a teorias como a teoria da elasticidade. Assim, o desenvolvimento de novos meios de cálculo influenciou a evolução do conhecimento construtivo. Desse modo, minha análise sobre teoria, prática e meios, observa que os meios influenciam o desenvolvimento do conhecimento e, consequentemente, influenciam o processo de projeto. 240 As tecnologias digitais são a síntese da evolução desses meios. A modelagem de formas complexas representa a evolução de nossa capacidade de representar a forma com precisão. Já a simulação digital de comportamento estrutural representa a síntese do nosso conhecimento científico estrutural. Assim, quando incorporadas no processo de projeto, ambas podem influenciar o mesmo. Em meus estudos de concepção da forma arquitetônica, as tecnologias digitais se mostraram uma ferramenta útil e importante. Apesar das formas estudadas poderem ser representadas por outros meios e as análises estruturais das mesmas poderem ser executadas sem as tecnologias digitais, as ferramentas digitais trouxeram fundamentais informações e benefícios. Assim, minhas análises, tanto históricas quanto nos estudos práticos realizados, confirmaram que os meios são importantes para explorarmos possibilidades na concepção. Os meios digitais se mostraram ferramentas capazes de ampliar significativamente nossas possibilidades de explorar soluções e opções na concepção. A modelagem de formas complexas e a simulação de comportamento estrutural trazem diversas informações para o processo de concepção e por isso é importante sua incorporação no mesmo. Isso mostra a pertinência da pergunta da tese. Podemos então partir para uma segunda reflexão: A modelagem de formas complexas e simulações de comportamentos estruturais são importantes no processo de concepção, mas essas devem estar integradas? A minha resposta para esta questão é sim. A minha resposta deve ser entendida a partir da categorização que faço dos dois meios. No presente trabalho, a modelagem de formas complexas é visto com principal apoio nas explorações formais/plástico-estéticas do objeto arquitetônico. Já a simulação de comportamento físico é o principal apoio nas explorações de viabilidade construtiva da solução arquitetônica. Ou seja, ambos intermediam a relação entre Arquitetura e construção. As minhas análises históricas reforçam a afirmativa Arquitetura é construção. A Arquitetura tem a intenção primeira de ser utilitária, satisfazer nossa necessidade de abrigar nossas atividades. Para abrigar nossas atividades ela deve ser um objeto físico. Portanto, o objetivo principal da arquitetura é uma construção. 241 A forma arquitetônica surge, então, para criar uma construção. Podemos explorar e até mesmo conceber formas desconsiderando a viabilidade construtiva, mas assim, o objeto concebido não se materializaria no mundo físico e, em minha opinião, não é arquitetura. Minha tese recorta o aspecto estrutural da construção. Com relação a este aspecto, posso dizer que, frente a premissa “Arquitetura é construção”, não existe forma arquitetônica sem estrutura, assim como também não existe uma estrutura sem uma forma. Desse modo, forma é estrutura e estrutura é forma. No objeto arquitetônico que tem, necessariamente, forma e estrutura, não faz sentido estas serem consideradas dissociadas, já que forma é estrutura e estrutura é forma. Ambas estão integradas e devem ser coerentes. Por isso minha conclusão à segunda reflexão é: sim, a modelagem de formas complexas e as simulações de comportamentos estruturais devem estar integradas no processo de concepção. Chegamos então a terceira e última reflexão ante da conclusão sobre a questão principal da tese. A tese explora a questão se meios digitais resultariam em melhores projetos. Mas o que seriam estes melhores projetos? Ou, em outras palavras, quais os objetivos qualitativos de uma concepção arquitetônica? A minha intenção nas análises históricas e nos estudos práticos não foi identificar aspectos específicos de uma qualidade do objeto arquitetônico. Não foi, por exemplo, identificar como a arquitetura poderia representar a espacialidade de uma sociedade contemporânea digital, ou identificar como a otimização estrutural permite um menor consumo de material construtivo. A minha intenção foi refletir sobre aspectos qualitativos em níveis categóricos. Observei que no objeto arquitetônico estão presentes qualidades de percepções objetivas e subjetivas, ambas expressadas pela forma. A categoria de qualidades de percepção subjetivas é definida pela expressão estética, artística e cultural da forma arquitetônica. A categoria de qualidades objetivas é definida pela utilidade, uso e os aspectos técnicos construtivos, incluindo aqui a estrutura. Minha análise buscou entender como que, enquanto categorias, a subjetividade e a objetividade estão presentes na qualidade do objeto arquitetônico. 242 Conforme minha premissa, a Arquitetura é necessariamente um objeto físico, uma construção, útil. Assim, os aspectos objetivos relacionados à condição de objeto físico útil da arquitetura são essenciais. Desse modo, em minha premissa, a estrutura e utilidade são essências que demarcam a Arquitetura. Também conforme minha premissa, a expressão estética, artística e cultural da Arquitetura, mesmo quando presentes, não são necessárias, ou seja, essenciais. Isto acontece porque acredito que essas expressões são sempre percebidas contextualizadas e contemporizadas. Se um objeto arquitetônico, feito em determinada época, por determinada sociedade e com determinadas intenções estéticas e artísticas se mostrar útil em outra época e para outra sociedade ele será Arquitetura, mesmo que as percepções sejam diferentes, estranhas ou inexistentes em relação à intenção original. Desse modo, em minha premissa, a beleza e arte são qualificadoras, mas não essencial, elas dão valor a Arquitetura. Como hipótese, nas minhas análises de melhores soluções de projetos, as características objetivas e subjetivas e a qualidade do objeto arquitetônico se relacionaram do seguinte modo: • Construção útil, bem resolvida estruturalmente e bela é boa Arquitetura. • Construção útil, bem resolvida estruturalmente e feia é Arquitetura ruim. • Construção útil, mal resolvida estruturalmente e bela é Arquitetura ruim. • Construção não útil, mesmo que bem resolvida e/ou bela, não é Arquitetura. Não analisei o problema da estética ou beleza da Arquitetura. O que é importante para a tese é a possibilidade de expressão estética e cultural da concepção da forma arquitetônica. Essa possibilidade permite uma boa Arquitetura. Deste modo, quando analiso se a integração de tecnologias de modelagem de formas complexas com simulações de comportamentos estruturais permitiriam melhores projetos, significa se aqueles resultariam em soluções úteis, bem resolvidas estruturalmente e com possibilidades de expressões estéticas e culturais. Esclarecida as premissas e hipóteses, posso apresentar os aspectos observados referentes à possibilidade de melhores projetos. Minhas observações nos estudos de concepção indicaram que existe uma facilidade de exploração apenas dos aspectos 243 estéticos e plásticos pelas ferramentas de modelagem de formas complexas. Desse modo existe o risco de abstração da condição de objeto físico na concepção e o consequente afastamento de minha definição de melhores soluções de projeto. Assim, se minha pergunta fosse somente se a modelagem de formas complexas resulta em melhores soluções de projeto a resposta seria não, a tecnologia apresenta forte tendência de uma alienação na estética/arte, tendo assim, prováveis resultados ruins ou mesmo a concepção de uma “não Arquitetura”. Com relação à simulação de comportamentos estruturais, minhas observações nos estudos de concepção indicaram uma dificuldade de exploração dos aspectos estéticos e plásticos do objeto arquitetônico pelas ferramentas. Desse modo existe o risco de uma negligencia na concepção da condição cultural do objeto arquitetônico, o afastando, também, de minha definição de melhores soluções de projeto. Assim, se minha pergunta fosse somente se a simulação de comportamento estrutural resulta em melhores soluções de projeto a resposta seria não, a tecnologia apresenta forte tendência de uma alienação da estética/arte, tendo, também, prováveis resultados ruins. As observações reforçam as conclusões da análise histórica sobre a pertinência da integração da modelagem de formas complexas e simulação de comportamento estrutural na concepção e, além disso, acrescentam outros aspectos para conclusão da questão principal. As tecnologias devem estar integradas, mas o modo que estas interagem é que vai determinar o potencial de melhores resultados. Após essas reflexões posso então concluir sobre a questão principal da tese. Nas reflexões conclui que a incorporação das tecnologias é importante; que elas devem estar integradas; que as melhores soluções consideram os aspectos úteis, aspectos estruturais/construtivos, e aspectos culturais/estéticos; e que o modo que as tecnologias interagem é que permitiram alcançar estes objetivos. A questão não se mostrou de resposta única e simples. Para respondê-la proponho a transformação da pergunta em uma afirmativa com nova formulação que representa a minha conclusão da pesquisa. 244 A integração e interação de tecnologias de modelagem de formas complexas com simulações de comportamento estrutural permitem obtermos informações para realizarmos melhores soluções de projeto. Concluída a questão da tese, cabe fazer sugestões para trabalhos futuros. Diretamente relacionado com a conclusão sugiro a continuidade de estudos teóricos e práticos de interação entre modelagem de formas complexas e simulações de comportamento estrutural. Um aspecto que me pareceu crítico foi a facilidade e tendência do uso da modelagem digital como uma “prancheta eletrônica” e do uso da simulação como uma “calculadora”. Percebi, inclusive, certa semelhança do contexto atual como o contexto vivido no Renascimento. Em minhas observações, o contexto renascentista trouxe consequências posteriores negativas para a relação arquitetura e construção e o mesmo pode acontecer agora. Essa possibilidade merece ser explorada e estudada. Um modo de entendermos os melhores caminhos para a incorporação e integração dessas tecnologias é através do estudo de momentos históricos onde a tecnologia e conhecimento científico influenciaram a arquitetura e construção. Além do Renascimento, um momento histórico importante observado foi o século XIX. A revolução industrial e desenvolvimento científico da época foram decisivos para o surgimento a arquitetura moderna, sendo esta o mais profícuo momento histórico da arquitetura e construção desde o período gótico. Do período posso citar figuras pontuais que ajudariam a esclarecer o momento como, por exemplo, engenheiro russo Vladimir Shukhov, que já no século XIX antecipava formas complexas de aparência tão contemporânea. Estes momentos e figuras merecem ser explorados e estudos. Por fim, sugiro o estudo de um aspecto que se mostrou crítico para o uso, manipulação e interação das tecnologias no processo de concepção: a matemática. Os arquitetos parecem fugir da matemática, com receio do cálculo. Já os engenheiros parecem se limitar aos cálculos. Mas a matemática é mais ampla que isto e permite a representação de fenômenos diversos em uma linguagem apropriada. O fato se mostrou fundamental para a interação das tecnologias na concepção. O modo correto de habilitar matematicamente os profissionais envolvidos no processo de concepção me parece crítico para a aplicação das novas tecnologias digitais no processo de projeto. Este é outro aspecto importante a ser explorado em trabalhos futuros. 245 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACKERMAN, J. S. "Ars Sine Scientia Nihil Est" Gothic Theory of Architecture at the Cathedral of Milan. 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Algoritmo genético – algoritmos em que o procedimento para busca das soluções de cálculo e processamento é realizado de modo evolutivo, ou seja, através da otimização da solução com bases em aproximações de soluções anteriores. Aproximação numérica – procedimento matemático pra estimar o valor numérico de determinadas funções, suficientemente próximos para serem usados. Building Information Modeling ou Modelagem de informação da construção – Tecnologia de CAD para geração e gerenciamento e representações de informações voltadas para a construção de edifícios. Cálculo genético – cálculo matemático realizado de modo evolutivo, ou seja, através da otimização da solução com bases em aproximações de soluções anteriores. Cálculo genético multi-objetivos – cálculo matemático de duas ou mais funções realizado de modo evolutivo, ou seja, através da otimização da solução com bases em aproximações de soluções anteriores. CNC de corte a laser – Máquina automatizada de fabricação digital que utiliza um controlador computadorizado e como tecnologia de corte o raio laser. Computação - operações ou sequencia de operações efetuadas por computadores a partir de uma linguagem ou representações simbólicas. Computer-aided design ou CAD – Tecnologia de computação de auxílio ao projeto. Diagramas – Representações esquemáticas de processos e fenômenos. 255 Equação linear – equação algébrica de primeira ordem. Seus resultados/saídas são diretamente proporcionais aos seus termos/entradas. Equação não-linear - equação algébrica de duas ou mais ordens. Seus resultados/saídas não são diretamente proporcionais aos seus termos/entradas. Espaço vetorial – representação abstrata matemática de um sistema espacial que utiliza uma coleção de elementos de vetor, sendo estes elementos abstratos com intensidade, direção e sentido. Form-finding – processo de otimização estrutural que busca a partir das condições de esforços previstas, a definição computacionalmente da morfologia da estrutura com menor tensões internas. Função-objetivo (algoritmo genético) – função matemática a ser otimizada em um cálculo genético. Funicular ou catenária – representação de morfologia de uma curva em equilíbrio quando submetida a esforços. Gen (algoritmo genético) – Dados de entrada em um algoritmo de cálculo genético Geração (Cálculo genético) – Conjunto de soluções/indivíduos de um cálculo genético Gerações estáveis (Cálculo genético) – Sequencia de gerações de um cálculo genético sem evolução em direção a função-objetivo Grasshopper (software) – Aplicativo do software Rhinoceros que permite escrever algoritmos de parametric design (projeto paramétrico) Individuo (Cálculo genético) – Solução de um cálculo genético Método de elementos finitos ou MEF – método matemático de resolução de conjuntos de equações diferenciais lineares através de aproximação numérica. Modelo discreto – Representação esquemática de uma estrutura e seus esforços. 256 Modelo discreto (MEF) - Modelo matemático onde a geometria da estrutura é dividida em elementos não contínuos, independentes. Modelo reduzido – Protótipo em escala reduzida de um objeto para realização de um ensaio físico. Modelos matemáticos de fenômenos – Representação matemática de fenômenos. MOGA ou multi-objective genetic algorithms ou algoritmos genéticos de múltiplos objetivos - Algoritmos de cálculo evolucionários que consideram mais de uma função objetivo. NURBS ou Non Uniform Rational Basis Spline – Modelo matemático de representação de curvas e superfícies usadas em computação gráfica baseado em splines. Parametric Design (Modelagem paramétrica) – Processo de projeto em que a partir de parâmetros são geradas soluções através da computação Parâmetros (Modelagem paramétrica) – Dados de entrada para a modelagem paramétrica. População (Cálculo genético) – Conjunto de soluções/indivíduos de um cálculo genético. Probabilidade (matemática) – método matemático para estimar a solução de eventos e fenômenos incertos. Relação de recorrência (matemática) – equações matemáticas que possuem uma sequencia de cálculo onde um termo depende do resultado do termo precedente. Para sua solução é utilizada uma técnica matemática onde é definida uma regra para calcular um termo em função de seu antecessor. Rhinoceros3D (software) – Software de CAD para modelagem digital baseada em curvas e superfícies NURBS SAP2000 – Software de CAD para análise estrutural baseada em MEF. Spline – curva definida matematicamente por uma função polinomial.