UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo - Teoria, Produção e Experiência do Espaço Diogo Ribeiro Carvalho A CONDIÇÃO ORNAMENTAL: as origens e os fundamentos do ornamento arquitetural contemporâneo Belo Horizonte 2016 DIOGO RIBEIRO CARVALHO A CONDIÇÃO ORNAMENTAL as origens e os fundamentos do ornamento arquitetural contemporâneo BELO HORIZONTE | 2016 ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG DIOGO RIBEIRO CARVALHO A CONDIÇÃO ORNAMENTAL as origens e os fundamentos do ornamento arquitetural contemporâneo Tese apresentada ao Programa de Pós- graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFMG, como requisito à obtenção do título de Doutor em Arquitetura. Área de Concentração: Teoria, Produção e Experiência do Espaço. Orientador: Dr. Stéphane Huchet BELO HORIZONTE | 2016 ESCOLA DE ARQUITETURA DA UFMG FICHA CATALOGRÁFICA C331c Carvalho, Diogo Ribeiro. A condição ornamental [manuscrito] : as origens e os fundamentos do ornamento arquitetural contemporâneo / Diogo Ribeiro Carvalho. - 2016. 274 f. : il. Orientador: Stephane Denis Albert Rene Huchet. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura. 1. Decoração e ornamento (Arquitetura) - Teses. 2. Estética arquitetônica - Teses. 3. Arquitetura - Teses. 4. Historiografia - Teses. I. Huchet, Stéphane. II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Arquitetura. III. Título. CDD 745 Ficha catalográfica: Biblioteca Raffaello Berti, Escola de Arquitetura/UFMG AGRADECIMENTOS Agradeço primeiramente meu orientador prof. Stéphane Huchet pelo apoio, pela generosidade, pelas considerações feitas ao longo da construção dessa tese e, sobretudo, pela compreensão e paciência. Agradeço a CAPES pela concessão da bolsa REUNI e o NPGAU por permitir e incentivar minha proximidade do corpo docente e discente da Escola de Arquitetura da UFMG. Agradeço o professor Mateus Pontes, supervisor e amigo, e os professores Cristiano Cezarino e Roberto Andrés, que se dispuseram a me receber como colaborador na disciplina de fundamentação do curso noturno de Arquitetura da UFMG e me acompanharam no período inicial do processo. Agradeço a professora Daniele Caetano que esteve sempre aberta a discutir os problemas da tese para além de sua generosa contribuição na banca de qualificação. Agradeço profundamente a professora Celina Borges, que foi a pessoa responsável pelo meu ingresso na área acadêmica e docente, e pelo incentivo incondicional. Agradeço o professor Mário Lúcio, que enquanto coordenador do curso de Arquitetura da PUC Minas, me deu total suporte e apoio. Da mesma maneira, agradeço a equipe de dedicação ao curso que sempre esteve presente. Agradeço aos vários amigos que acompanharam esse processo e me apoiaram sempre. Agradeço a Surjeet Kaur, cujo apoio espiritual foi determinante na fase final da escrita da tese. Agradeço todas as minhas famílias pela compreensão da importância dessa etapa em minha formação e pela paciência e pelo apoio incondicionais. Por fim, agradeço minha esposa Cris pelo amor, cuidado e respeito ao longo do desenvolvimento dessa tese. Seu companheirismo foi fundamental para sobrevivermos juntos nesse tempo, pois apesar do empreendimento ser pessoal, ele acaba sendo também das pessoas mais próximas. Portanto, dedico essa tese a ela. RESUMO A tese aborda um problema de ordem estética na arquitetura, isto é, um problema de sensação e percepção, entre aquele que percebe e aquilo que é percebido. A disposição para esta empreitada surge a partir do interesse e de uma série de dúvidas acerca de uma das manifestações arquitetônicas mais instigantes e radicais que tem sido desenvolvida nos últimos anos; uma que reinstala o corpo no espaço e que tem sido categorizada como exuberante e excessiva. A produção experimental acadêmica e projetual de Marcos Cruz, Marjan Colletti e Hernan Diaz Alonso é um exemplo. Apesar de distintas em suas abordagens, observam-se três condições que fundamentam suas práticas: (1) o corpo como fundador da arquitetura; (2) o retorno do ornamento e do figural; (3) poética como elemento relacional. Essas condições apontam a emergência de uma condição ornamental na contemporaneidade, a qual exige uma reavaliação e ampliação das possibilidades fenomenológicas e experienciais para a arquitetura. Se se reconhece a condição ornamental na arquitetura atual, faz-se necessário delimitar qual é a sua agenda, isto é, seus fundamentos e suas prerrogativas; e como está posto o seu sistema: que metodologias, que processos, que modos de apresentação? A teorização e a categorização dessa condição só poderão ser construídas com certo rigor metodológico se forem precedidas por um procedimento de desvelamento de suas origens. Portanto, um tratamento genealógico será dado na primeira parte dessa tese e pretende costurar as práticas ornamentais do final do século XIX ao início da pós-modernidade, para ver se há um corpo mais denso, com uma agenda e sistemas operativos que podem ter influenciado a condição ornamental da arquitetura recente. Palavras-chave: ornamento; estética; arquitetura; historiografia; ornamento contemporâneo. ABSTRACT The thesis deals with a problem of aesthetics in architecture, therefore, a problem of sensation and perception between the perceiver and what is perceived. The provision for this endeavour arises from the interest and a number of questions about one of the most exciting and radical architectural manifestations that has been developed in recent years; one that reinstalls the body in space and which has been categorized as exuberant and excessive. The experimental design and teaching productions of Marcos Cruz, Marjan Colletti and Hernan Diaz Alonso is an example. Although different in their approaches, one can observe three conditions that support their practices: (1) the body as founder of architecture; (2) the return of ornament and the figural; (3) poetics as relational element. These conditions indicate the emergence of an ornamental condition in the contemporary world, which requires re-evaluation and expansion of the phenomenological and experiential possibilities for architecture. If one recognizes this ornamental condition in current architecture, it is necessary to define its agenda, that is, its foundations and prerogatives; and how its system is structured: what methodologies, which processes, what kind of modes of presentation? The theory and categories of this condition can only be built with a certain methodological rigor that is preceded by an unveiling of its origins. Therefore, a genealogical treatment will be given in the first part of this thesis and plans to establish connections from the ornamental practices of the late nineteenth century up to the beginning of postmodernity, to see if there is a more dense body, with an agenda and operating systems that may have influenced the current ornamental condition of recente architecture. Key-words: ornament; aesthetics; architecture; historiography; contemporary ornament. LISTA DE FIGURAS Fig. 1 | 3&1/2D The POrnaMental One, 2009, de Marjan Colletti. Fig. 2 | 3&1/2D The POrnaMental One, 2009, de Marjan Colletti. Fig. 3 | Projeto para Museu na Patagonia, 2008, de Hernan Diaz Alonso. Fig. 4 | Instalação PS1 – MoMA, NY, 2005, de Hernan Diaz Alonso. Fig. 5 | The Peacock Skirt, ilustração para a peça de Oscar Wilde Salomé (1892). Fig. 6 | Interior do Hôtel Tassel (1892-1293) de Victor Horta. Fig. 7 | Gravura de Radiolários, “Kunstformen der Natur” (1904), de Ernst Haeckel. Fig. 8 | Owen Jones: detalhe de arco do Patio de los Leones, Alhambra. Fig. 9 | Porte Monumentale de René Binet para a Exposition Universelle, 1900, Paris. Fig. 10 | Detalhe de fachada, Casa Vicens (1883-1888), de Antoni Gaudí. Fig. 11 | Maquete polifunicular da Iglesia de la Colonia Güell, de Antoni Gaudí (1898-1908) Fig. 12 | Detalhe do pórtico de entrada da Casa El Capricho (1883-1885), de Gaudí. Fig. 13 | Detalhe do pórtico da Lavadeira, Parc Güell (1900-1914), de Gaudí. Fig. 14 | Detalhe do interior da Casa Batlló, (1904-1906), de Gaudí. Fig. 15 | Detalhe da fachada da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fig. 16 | Estrutura acostelada do ático da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fig. 17 | Detalhe do portão de entrada da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fig. 18 | Detalhe de chaminés no terraço da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fig. 19 | Sagrada Família em obras, dois anos depois da morte de Gaudí, 1928. Fig. 20 | Fachada da Natividade, Sagrada Família, Gaudí. Fig. 21 | Vista interior da estrutura da nave da Sagrada Família, Gaudí. Fig. 22 | “A manipulação do orgânico” - reprodução de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fig. 23 | “O inorgânico” - reprodução de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fig. 24 | “A geometria fluente” - reprodução manual de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fig. 25 | Ornamento do Carson, Pirie, Scott, & Company Building (1899), de Louis Sullivan. Fig. 26 | Desenho de Mackintosh da sala de música para a Hill House (1902-1904). Fig. 27 | Desenho de Mackintosh do exterior da Hill House (1902-1904). Fig. 28 | Detalhe de fachada do Palais Stoclet. Fig. 29 | Detalhe da torre do Palais Stoclet. Fig. 30 | Interior do Palais Stoclet. Fig. 31 | Detalhe de fachada, Millard House (1923) Fig. 32 | Interior da Millard House (1923). Fig. 33 | Fachada frontal, Ennis House (1924). Fig. 34 | Storer House (1923) Fig. 35 | Detalhe, Storer House (1923) Fig. 36 | Taliesin West (1937-). Fig. 37 | Taliesin West (1937-). Fig. 38 | Detalhe, Taliesin West (1937-). Fig. 39 | Desenho em “Projective Ornament”. Fig. 40 | Desenho em “Projective Ornament”. Fig. 41 | Desenho em “Projective Ornament”. Fig. 42 | Fachada frontal da Casa Sowden na década de 40. Fig. 43 | Portão de acesso da Casa Sowden na década de 40. Fig. 44 | Pátio interno da Casa Sowden na década de 40. Fig. 45 | Fachada da rua lateral. Showroom Olivetti. Fig. 46 | Detalhe no acesso pela Piazza San Marco. Showroom Olivetti. Fig. 47 | Detalhe da escada. Showroom Olivetti. Fig. 48 | Vista superior da escada. Showroom Olivetti. Fig. 49 | Vista exterior da capela Thorncrown, Fay Jones. Fig. 50 | Vista da estrutura no interior da capela Thorncrown, Fay Jones. Fig. 51 | Vista do interior da capela para a natureza, Fay Jones. Fig. 52 | Maison-atelier de André Bloc, Meudon, França. (1951-1953) Fig. 53 | Escultura Habitável (1962-1964) Fig. 54 | Maison-Paysage em Costa Smeralda Fig. 55 | Maison-Paysage de Monte-Mano. Fig. 56 | Ford Residence (1947-1950) Fig. 57 | Fotografia do Interior da Ford Residence em 1951. Fig. 58 | Fotografia do Interior da Ford Residence em 1951. Fig. 59 | Bavinger House (1950-1955). Fig. 60 | Interior da Bavinger House (1950-1955). Fig. 61 | Detalhe da cobertura, Bavinger House (1950-1955). Fig. 62 | Modelo digital da Cidade da Cultura da Galicia. Fig. 63 | Musée du Quai Branly (1999), Paris. Fig. 64 | Musée des Confluences (2001), Lyon. Fig. 65 | Abstract Lines. Fig. 66 | Detalhe dos discos de revestimento, Selfridges (1999-2003). Fig. 67 | O ameboide Selfridges (1999-2003). Fig. 68 | Abrigo do teleférico, DobogókőImre (1979), Makovecz. Fig. 69 | Exterior da capela Saint Benedict (1985-1988), Zumthor. Fig. 70 | Estrutura no interior da capela Saint Benedict (1985-1988), Zumthor. Fig. 71 | Prairie Chicken House (1961), Herb Greene. Fig. 72 | Interior de shingle da Prairie Chicken House (1961), Herb Greene. Fig. 73 | Cemitério de Igualada, (1984-1994), Miralles/Pinós. Fig. 74 | Cemitério de Igualada, (1984-1994), Miralles/Pinós. Fig. 75 | Exterior da Son-O-House (2000-2004) Fig. 76 | Vista aérea da Son-O-House (2000-2004) Fig. 77 | Maquete de processo da Son-O-House (2000-2004) Fig. 78 | Modelo digital da Son-O-House (2000-2004) Fig. 79 | Vista externa da Son-O-House (2000-2004) Fig. 80 | Interior da Son-O-House (2000-2004) Fig. 81 | Capa da ARCH + 129/130, 1995: Minimalismus und Ornament. Fig. 82 | Vista externa com painéis ornamentais, Ricola-Europe (1992-1993). Fig. 83 | Padrão aleatório gerado pela água na parede externa de concreto, Ricola-Europe (1992-1993). Fig. 84 | Vista externa no começo de noite, Ricola-Europe (1992-1993). Fig. 85 | Detalhe do painel de policarbonato, Ricola-Europe (1992-1993). Fig. 86 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, vista do outro lado da rua. Fig. 87 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, vista de perto. Fig. 88 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, em detalhe. Fig. 86 | Dominus Winery vista a longa distância. Fig. 87 | Dominus Winery vista a média distância. Fig. 88 | Dominus Winery vista a curta distância. Fig. 89 | Variações de textura, Dominus Winery. Fig. 90 | Detalhe do gabião, Dominus Winery. Fig. 91 | Luz e sombra no interior do corredor. Dominus Winery. Fig. 92 | Corais. Gravura de Ernst Haeckel em “Kunstformen der Natur” (1904). Fig. 93 | Um dos experimentos do projeto Digital Grotesque. Fig. 94 | Detalhe ornamental intrincado. Fig. 95 | Imagem que mostra a escala do espaço. Fig. 96 | Detalhe de peça sem acabamento. Fig. 97 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 98 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 99 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 100 | Vista aérea, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 101 | Vista aérea, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 102 | Vista na altura do observador, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 103 | Vista na altura do observador, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fig. 104 | Instalação Pitch Black (2007) Fig. 105 | Especiação. Fig. 106 | Especiação. Fig. 107 | Instalação Pitch Black (2007) Fig. 108 | Otaared (Mercury`s Wonder). Extensões escapulares para proteção da cabeça. A peça foi projetada para receber bactérias calcificantes que continuariam o crescimento do exoesqueleto. Neri Oxman (2014), impressão 3d com técnica multi-material. Fig. 109 | Fibonacci`s Mashrabiya. Protótipo de Muxarabi paramétrico de inspiração fractal. Neri Oxman (2009), acrílico esculpido com CNC. Museu de Ciências de Boston. Fig. 110 | Anthozoa: Cape & Skirt. Peça de vestuário inspirada em fractais naturais feita com técnica de impressão 3d multimaterial, que permitiu utilizar materiais rígidos e macios, que foram impressos simultaneamente. Neri Oxman (2012). Museu de Belas Artes de Boston. Fig. 111 | Modelo desfilando para a coleção “Voltage” da designer Iris Van Herpen. Fig. 112 | Monocoque 2. Prótotipo de fachada estrutural com padrão voronoi que varia com a carga. Neri Oxman (2007), compostos acrílicos. MoMA, NY. Fig. 113 | Silk Pavilion, 2013. Fig. 114 | Bichos-de-seda trabalhando. Fig. 115 | Detalhe da estrutura. Fig. 116 | Detalhe da diferença de escala da trama artificial e a trama da lagarta. Fig. 117 | Casulo de bicho-da-seda. Aumentado 25 vezes no microscópio eletrônico. Fig. 118 | Trama de seda. Aumentado 250 vezes no microscópio eletrônico. Fig. 119 | Trama de seda. Aumentado 300 vezes no microscópio eletrônico. Fig. 117 | Storey Hall (1993-1996), Ashton Raggatt McDougall. Fig. 118 | Federation Square” (1997-2002), LAB. Fig. 119 | The Spiral (1995), Libeskind Studio + Cecil Balmond Fig. 120 | Lewis Residence (Lyndhurst, Ohio, 1985-1995), Gehry. Fig. 121 | Fresh Water Pavilion (1997-1998), NOX + ONL. Fig. 122 | Yokohama International Port Terminal (Japão, 1995-2002), FOA. Fig. 123 | Stranded Sears Tower (Chicago, 1992), Greg Lynn FORM. Fig. 124 | Casa Embriológica. Fig. 125 | Variação de casas embriológicas. Fig. 126 | O museu embriológico: Kunsthaus Graz, Peter Cook + Colin Fournier (1999-2003) Fig. 127 | Predator. Lynn + Marcaccio (1999). Fig. 128 | Ice Storm, 2003. Fig. 129 | Ice Storm, 2003. Fig. 130 | Ice Storm, 2003. Fig. 131 | Mobile Art Chanel Contemporary Art Container, em Nova York. Fig. 132 | Mobile Art Chanel Contemporary Art Container, em Paris. Fig. 133 | Interior, Mobile Art Chanel Contemporary Art Container. Fig. 134 | Interior, Mobile Art Chanel Contemporary Art Container. Fig. 135 | Vista Exterior, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fig. 136 | Vista do foyer, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fig. 137 | Salão de ensaio, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fig. 138 | Interior do grande teatro, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fig. 139 | Abu Dhabi Performing Arts Centre (2007) Fig. 140 | King Abdullah Petroleum Studies and Research Center (2009) Fig. 141 | Liquid Architecture. Fig. 142 | Arquitetura Invisível. Holografia. Fig. 143 | Allotopos. Fig. 144 | Turbulent Topologies. Fig. 145 | Equinodermo. Fig. 146 | Projeto executado pelos alunos do programa de pós-graduação Emergent Technologies and Design Program (EmTech) na London AA, coordenado por Weinstock. Fig. 147 | Stereoscopic? (2013), Marjan Colletti. Fig. 148 | FOAMing (2013), Marjan Colletti. Fig. 149 | Tapumes, 2009. Henrique Oliveira. Fig. 150 - 155 | Pavilhão espanhol para a Exposição Mundial em Shanghai (2010), Benedetta Tagliabue. Fig. 156 - 157 | Transarquitetônica. Fig. 158 - 160 | Prolapso das Ursalinas. Fig. 161 - 162 | Convolous. Fig. 163 - 164 | Slick. Fig. 165 | Hidrogel. Fig. 166-168 | Cyborgians Interfaces. Fig. 169-170 | Fabric Epithelia. Fig. 171 | Hylozoic Ground. Fig. 172-175 | Sistema Ornamental. Hylozoic Ground. Fig. 176-178 | Protocélulas. Hylozoic Ground. SUMÁRIO (001) INTRODUÇÃO | A NATUREZA E A POSIÇÃO DO PROBLEMA: estratégia epistemológica (001) Apresentação e explicação (009) Categorias operacionais epistemológicas (009) O corpo (010) Tectônica, ornamento e o figural (012) Imaginação poética (015) Espaço e percepção (023) O modo da tese (026) PARTE 1: ART NOUVEAU 2.0: uma genealogia do ornamento arquitetural (027) CAPÍTULO 1 | ART NOUVEAU E ANTONI GAUDÍ: a radicalidade do espaço curvado (027) Empatia e abstração (030) Art Nouveau – natureza, historicidade e simbolismo (033) Natureza-Ornamento (040) A radicalidade do espaço curvado (050) CAPÍTULO 2 | ARTS AND CRAFTS E FRANK LLOYD WRIGHT: espaço como obra de arte integral (050) O sistema ornamental de Louis Sullivan: o poder do homem e a teoria do florescimento (055) Arts and Crafts: a metamorfose da obra total (061) A arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright: o modo antigo de olhar (067) CAPÍTULO 3 | ARQUITETURA ORGÂNICA: o outro modernismo (067) Um novo modo ornamental para a arquitetura (074) Fundamentos filosóficos da arquitetura orgânica (090) CAPÍTULO 4 | ARQUITETURA ORNAMENTAL A PARTIR DE 1920: uma análise a partir da forma (090) Dos desdobramentos orgânicos (091) Da geometria e da abstração (098) Do fluído e do amorfo (106) Do figurativo e do figural (114) ANEXO 1: Diagrama “Uma genealogia do ornamento arquitetural” (115) PARTE 2: O sistema ornamental contemporâneo (116) CAPÍTULO 5 | O DESVELAMENTO DO ORNAMENTAL (116) A posição do ornamento (118) O simbólico reprimido (127) Ornamento retórico (143) CAPÍTULO 6 | ORNAMENTO DIGITAL, ORNAMENTO ANTI-CLÁSSICO? (143) Ruskin Digital? (152) Primórdios do ornamento digital (162) A função do ornamento (170) CAPÍTULO 7 | ESPECULAÇÕES SOBRE ORNAMENTO NA CIÊNCIA E NA ARQUITETURA (170) O ímpeto de ornamentar: uma visão a partir da ciência (189) Uma leitura da relação entre ciência e arquitetura (198) CAPÍTULO 8 - O PARADIGMA BIOLÓGICO (198) Dobra e Topologia (207) Morfogênese (221) Emergência (250) CONCLUSÃO (256) REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO | A NATUREZA E A POSIÇÃO DO PROBLEMA: estratégia epistemológica A tese aborda um problema de ordem estética na arquitetura, isto é, um problema de sensação e percepção, entre aquele que percebe e aquilo que é percebido. A disposição para esta empreitada surge a partir de meu interesse e de uma série de suspeitas acerca de uma das manifestações arquitetônicas mais instigantes e radicais que tem sido desenvolvida nos últimos anos; uma que reinstala o corpo no espaço e que tem sido categorizada como exuberante (exuberance) ou excessiva (excessive). Trata-se da produção experimental acadêmica e projetual de Marcos Cruz, Marjan Colletti e Hernan Diaz Alonso. Apesar de distintas em suas abordagens, observam-se três condições que fundamentam suas práticas: 1. O corpo como fundador da arquitetura; 2. O retorno do ornamento e do figural; 3. A poética como elemento relacional; Essas condições apontam a emergência de reavaliação e ampliação das possibilidades fenomenológicas e experienciais para a arquitetura. É importante entender a escolha dessas práticas experimentais como ponto de partida como estratégica, uma vez que são essas que tentam desafiar e alargar os limites da disciplina. Dessa forma, duas questões gerais inauguram e norteiam a pesquisa: 1. Como a arquitetura experimental atual pode informar a fenomenologia? 2. Como a fenomenologia e a sua revisão crítica contemporânea podem instigar novas abordagens no pensamento e na prática arquitetônicos? Apresentação e explicação As práticas experimentais na cultura arquitetônica, desenvolvidas a partir da década de 1960, têm sido investigadas extenuamente e se constituiram como base pedagógica de algumas das principais escolas de arquitetura do mundo, como a London Architectural Association, a Bartlett School of Architecture (UCL, Londres), o SCI-Arc 2 (Los Angeles), a Cooper Union (Nova Iorque), School of Design da University of Pennsylvania, o Institute for Experimental Architecture (Innsbruck) e o Instituto de Arquitetura da Universidade de Artes Aplicadas de Viena. Essas pedagogias trabalham no limite, pois é nele, e sem dúvida na sua ultrapassagem, que novos modos de pensar e fazer arquitetura se formam. A arquitetura experimental performa dois movimentos fundamentais, um vertical e profundo, em direção às bases e aos fundamentos em que a disciplina se constrói; e outro horizontal e extensivo, em direção a outros campos do saber, em busca de cruzamentos frescos e estimulantes. A arquitetura experimental pode se originar do questionamento às ortodoxias internas ao campo, como pode surgir a partir de situações ou contextos emergenciais nos quais se faz necessária a construção de outras visões. Ela pretende, portanto, configurar outras epistemologias. Se ela inventa novos processos de projeto, desbrava teorias emergentes e leva ao limite os dispositivos tecnológicos, é porque precisa provocar, desafiar e alargar o status quo disciplinar. O processo de projeto é também processo de pesquisa, o que implica construir problemas relevantes e hipóteses novas. O reconhecimento da espessura do campo disciplinar arquitetônico permite reacessar suas fundações e desafiar convenções se julgadas incompatíveis com a contemporaneidade. Portanto, a posição experimental exige um rigor teórico-histórico para a delimitação do escopo da pesquisa-projeto, de modo que ela possa assumir uma natureza crítica para ser criativa e ganhar potência. Nesse sentido, radicalidade é qualidade intrínseca às vanguardas. Por isso, não faz sentido discutir a relevância de uma investigação experimental sem antes avaliar a sua agenda crítica e suas prerrogativas teóricas. O recorrente caráter surreal ou exuberante das imagens, dos objetos ou dos espaços, deve sempre ser confrontado com a criticalidade das propostas. Há sempre uma tensão crítica entre real e irreal, porque é nesse limite que fazer perguntas é tão importante quanto buscar soluções. A historiografia da arquitetura desde meados da década de 1950 acusa uma série de práticas heterogêneas e dispersas que surgem, em geral, como contraponto ao modo modernista e racionalista de entender o espaço e a vida cotidiana. Ao final da década de 1970 e início de 1980, as limitações das propostas culturalistas e historicistas eram 3 visíveis e a radicalidade do grupo Archigram ainda irrealizável. O regionalismo crítico, de base fenomenológica, de Frampton tenta se legitimar enquanto a desconstrução de Derrida torna-se dispositivo teórico-prático para arquitetos como Peter Eisenman e Bernard Tschumi. Ambos criticam a prática modernista e a apropriação acrítica de seu modelo, mas o primeiro quer enraizar e o segundo desestabilizar as categorias clássicas por excelência que compõem a tríade vitruviana: venustas, firmitas e utilitas. As estéticas do sublime e do grotesco são reacessadas e resignificadas a partir dos novos procedimentos projetuais: a fragmentação (Eisenman, Libeskind, Coop- Himmeblau); o diagrama (processual em Eisenman; programático/performático em Tschumi e Rem Koolhaas); a arte como operador espacial (Zaha Hadid); arquitetura como interface (John Frazer). Tal é o panorama sucinto até meados da década de 1990. A partir daí, as práticas digitais atingiram o mainstream da disciplina e, desde o ano 2000, enquanto os processos paramétricos de projeto têm progressivamente assumido uma condição ubíqua, o lugar da teoria da arquitetura foi desafiado e tomado por teorias do projeto, ou “inteligência de projeto”1. ... A crescente quantidade de práticas e linhas de pensamento idiossincráticas caracteriza a nova condição disciplinar. Em um cenário que teoria da arquitetura está em desuso, uma pergunta se faz pertinente: será possível uma teoria suficiententemente abrangente e consistente de modo a compreender tal multiplicidade? Sem dúvida, uma teoria totalizante ou totalizadora é arriscada2. Contudo, se para efeito retórico indagarmos sobre o que seria comum a todas as práticas arquitetônicas, podemos designar a categoria espaço em todas as suas acepções. A arquitetura enquanto prática espacial exige que se reflita criticamente sobre a natureza desse espaço. O que é espaço? O que faz espaço? Tradicionalmente entende- 1 Cf. o influente texto de Michael Speaks “Design Intelligence”, originalmente publicado na revista A+U, de 2002, In SYKES, 2010, p. 206-215. 2 Contudo, é o que faz Patrik Schumacher no seu tratado “The Autopoiesis of Architecture” de mais de mil páginas, divididas em dois volumes: “A New Framework for Architecture” (2011) e “A New Agenda for Architecture” (2012). O empenho é em configurar a arquitetura a partir da teoria dos sistemas (vol.1) e circunscrever o seu modo de trabalho e de apresentação: o parametricismo (vol.2). 4 se por espaço a demarcação do vazio e, no âmbito da arquitetura, também a fisicalidade e a materialidade, que conferem a cada espaço qualidades que os distinguem. Peter Zumthor (2010) nomeia o conjunto dessas qualificações de atmosfera. O espaço se constrói pelos seus atributos e pela disposição do sujeito para ele. O corpo é a primeira instância que possibilita essa relação, uma experiência a partir da sensação. O mecanismo da percepção possibilita que eu sinta com meus vários sentidos algo ou alguém. A sensação primária, fisiologicamente, é transformada em estímulo para meu cérebro que, em frações de segundo, possibilita conexões a fragmentos de memória, a ativação da imaginação e intenções de ação3. Portanto, esse corpo que percebe pode modificar e produzir espaço, e simultaneamente o espaço, ou mais propriamente, a qualidade do espaço, sua atmosfera, pode transformar o corpo que o habita. Essa dinâmica dupla varia, segundo Bergson (1990), com o grau de atenção que é impresso na coisa e que influencia a memória, a imaginação e as ações. Em outras palavras, o modo como eu vejo as coisas influencia o modo como as coisas me vêem4, isto é, a experiência estética depende da pré-disposição sensível de meu corpo. Esse argumento permite circunscrever uma teoria arquitetônica pela categoria espaço, que precisaria ser alicerçada por teorias da percepção, da memória e da imaginação. No entanto, pensar uma teoria para arquitetura não significa, nessa tese, a tentativa de distinção disciplinar. Em primeiro lugar, a categoria base é demasiado abrangente, impossibilitando tal demarcação; em segundo lugar, é pressuposto aqui a necessidade de uma porosidade epistemológica que permita a interlocução entre diferentes práticas espaciais. Desse modo, a escolha de desenvolver essa tese por uma epistemologia que tem como ponto de partida o corpo e a percepção para abordar o espaço tem dupla justificativa, ou dois sintomas; (1) a condição de apatia generalizada das pessoas, isto é, de anestesiamento, mais do que do corpo, da imaginação5; e (2) a produção arquitetônica 3 Cf. a descrição do mecanismo fisiológico da memória de Henri Bergson em “Matéria e Memória”, originalmente de 1896. 4 Cf. Georges Didi-Huberman, “O que vemos, o que nos olha”, de 1992. Cf. conceito de carne de Maurice Merleau-Ponty, em “A fenomenologia da percepção”, de 1945. 5 Cf. KEARNEY, 1988. 5 seriada que domina as cidades, marcada pela tabula rasa6 que negligencia do corpo; este entendido nessa tese como agente fundador da arquitetura. O problema da anestesia do corpo e da imaginação também é duplo: (1) os fatores socio-psicológicos que levaram as pessoas a esse estado, isto é, as condições já trabalhadas por patologistas urbanos como Kracauer, Benjamim, e Simmel7; (2) a supressão da figuratividade ornamental em favor da abstração planar, a partir da virada do século XIX para o XX, restringiu a disposição interpretativa e discursiva da arquitetura (PICON, 2013). Uma lógica estética universalizante reduz as potenciais conexões entre espaço construído e dimensões simbólicas, onde residem as memórias e imaginações individuais e coletivas. A permanência agravante desse processo de afastamento do corpóreo implica o risco da perda dos significados culturais e sociais referenciados na arquitetura. A duplicidade do problema se apresentou como definidora do caráter dessa tese. Como estratégia metodológica, teremos a segunda problemática como linha condutora da pesquisa, sendo informada sempre que pertinente pela primeira. Interessa aqui discutir modos para a arquitetura à luz dos problemas sócio-psicológicos e não o contrário. Marcos Cruz8 e Marjan Colletti9 (2010) afirmam que o corpo humano, enquanto uma extensão da arquitetura, pode ser entendido como parte de uma longa história de ornamentação figural no espaço construído, que de forma abrupta foi interrompida pelos movimentos vanguardistas do início do século XX. Identificam na sua prática (marcosandmarjan), e na de alguns outros arquitetos, indícios e a necessidade de um 6 Enquanto as construtoras e os incorporadores estiverem em uma posição anterior a quem se preocupa com qualidade espacial, a tabula rasa continuirá. Nesse caso, a ordem dos fatores altera radicalmente o resultado. 7 Cf. “The Architectural Uncanny: Essays on Modern Unhomely” (1992) e “Warped Space: Art, Architecture and Anxiety in Modern Culture” (2001), ambos de Anthony Vidler, para uma abordagem centrada na questão do espaço e do conceito de estranhamento. 8 Marcos Cruz é professor na Bartlett School of Architecture (University College London), tutoriando a disciplina UNIT 20 (Diploma/MArch) desde 1999. 9 Colletti atualmente é professor na University of Innsbruck Austria e diretor do Institute for Experimental Architecture. Leciona desde 2000 na Bartlett School of Architecture, UCL, em especial na disciplina UNIT 20 (Diploma/MArch). 6 retorno do figural para a arquitetura. Esse retorno é parte de uma progressão histórica em que ornamentos figurais passados estão sendo reavaliados em uma discussão arquitetônica atual sobre ornamentação e meios digitais. Distinto da decoração, o ornamento é entendido por eles como um fenômeno visceralmente arquitetural que implica uma profundidade estrutural, tectônica e estética. Fig 1. | 3&1/2D The POrnaMental One, 2009, de Marjan Colletti. Fonte: COLLETTI (2010). Fig 2. | 3&1/2D The POrnaMental One, 2009, de Marjan Colletti. Fonte: COLLETTI (2010). Fig. 3 | Projeto para Museu na Patagonia, 2008, de Hernan Diaz Alonso. Fonte: http://www.xefirotarch.com/ Fig. 4 | Instalação PS1 – MoMA, NY, 2005, de Hernan Diaz Alonso. Fonte: http://www.xefirotarch.com/ 7 Em meados da década de 1980, o filósofo italiano Gianni Vattimo (In LEACH, 1998) já afirmava a necessidade desse retorno ao corpo e ao ornamento, ao mesmo tempo em que criticava a simplista e nostálgica prática pós-modernista historicista. A recuperação do corpóreo aqui significa a restauração do sensual e do sensório. Vattimo reitera o desafio posto por Paul Ricoeur (2007) – o da urgência em lidar com um emergente conflito de interpretações, numa época em que não se pode mais falar em uma única história – e estabelece a multiplicidade como única possibilidade de legitimação ontológica do ser. Isso significa a impossibilidade de uma fundação metafísica “forte”, mas implica uma posição de alteridade, isto é, do reconhecimento do outro para uma auto-afirmação. A partir dessa argumentação, o autor propõe o conceito de uma nova monumentalidade, em que a memória interligaria fragmentos do passado e do presente e responderia à necessidade contemporânea por dimensões simbólicas a partir do ornamental. O pensamento de Vattimo me parece atual e pertinente a partir de seu entendimento do que seria ornamento; ou melhor, do que se perdeu do fundamento do ornamento: “(...) a função heurística e crítica que faz a distinção entre decoração enquanto aplicação e o que é próprio da coisa ou da obra [de arte ou arquitetura]” (VATTIMO In LEACH, 1998b, p.160, tradução nossa). Ao final de “Ornamento/Monumento”10 o autor indica que a validade crítica atual dessa distinção aparece completamente exaurida, contudo, a filosofia deve tentar radicalizar os resultados da ontologia hermenêutica heideggeriana – de onde partem suas investigações – com objetivo de construir diferentes modelos críticos. Tenho a impressão de que o “habitar poeticamente” de Heidegger e a posição do ornamento na arquitetura estão em um momento de completa reformulação. Nesta época da digitalidade arquitetural, as técnicas paramétricas e “scriptivas” de geração de forma têm proporcionado todo o tipo de experimento morfológico e topológico de formas, padrões e ornamentações complexas a partir de exercícios mentais sofisticados. Contudo, como aponta Marjan Colletti (2010), esses esforços 10 Capítulo V em “O fim da Modernidade: Niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna”, publicado originalmente em 1985. 8 intelectuais tendem a direcionar a produção do espaço para o genérico e ao dogmático – uma espécie de “modernismo digital” – e distanciando-se cada vez mais do fenomenológico e do experiencial. Identifico tal retorno e alargamento do fenomenológico nos trabalhos de Cruz e Colletti, tanto em seu escritório de prática investigativa, quanto na produção discente de suas disciplinas na Bartlett e no Institute for Experimental Architecture (Innsbruck). Trata-se de um esforço pedagógico, reconhecido internacionalmente pelas investigações projetuais sofisticadas e experimentais de seus alunos, balizado pela hipótese do corpo e do figural como possibilidades poéticas e críticas para a arquitetura. De forma semelhante, a prática intuitiva e digital de Hernan Diaz Alonso (Xefirotarch) e as produções discentes tanto no programa de mestrado (EXCESSIVE) na Universidade de Artes Aplicadas de Viena, como no SCI-Arch (Los Angeles), indicam esse novo modo para o ornamento, implicando outros tipos de engajamento/confronto entre corpo e arquitetura. Duas perguntas específicas organizam e sintetizam o problema desta tese: 1. Como esse novo modo do ornamento opera? Que categorias e procedimentos podem ser identificados nessa nova prática? 2. Que condições possibilitaram o surgimento desse novo modo? A primeira questão indica um caminho de teorização da prática a fim de compreendê- la; enquanto a segunda exige uma posição historiográfica genealógica para reconstruir os percursos e as condições que possibilitaram e influenciaram as manifestações arquitetônicas ornamentais na contemporaneidade. Uma vez que se pretende confrontar arquitetura experimental e fenomenologia, faz-se necessário, de antemão, elencar algumas categorias operacionais epistemológicas, pelas quais poderemos explicitar o arcabouço teórico no qual essa tese se apoia. 9 Categorias operacionais epistemológicas O corpo O arquiteto finlandês Juhani Pallasmaa afirma que a qualidade da arquitetura não está propriamente na sensação de realidade que ela expressa, mas na sua capacidade de despertar a imaginação das pessoas. Pallasmaa (2006) entende que a linguagem da arquitetura é semelhante à da arte, uma linguagem de símbolos que podem ser identificados a partir da experiência, a qual se constitui das relações entre as memórias corporificadas de um indivíduo e o mundo. Nesse sentido, o corpo é fundador e transformador da arquitetura. Ao passo que as construções nas culturas tradicionais tendem a ser guiadas pela natureza tátil do corpo, Pallasma (2008) identifica um sintona: a transição, tanto na arquitetura moderna como pós-moderna (historicista e midiática, ou uma arquitetura do consumo), da base tátil para um controle total da visão, implicando a perda da plasticidade, da intimidade e do senso de totalidade sinestésica nas edificações. Contudo, privilegiar a visão não precisa implicar necessariamente a rejeição dos outros sentidos, o olho pode estimular sensações táteis e musculares a partir da materialidade e sensibilidade háptica do objeto, mas em geral negligenciada na maior parte da produção atual nas cidades. A perda da plasticidade anunciada por Pallasmaa corresponde à substituição da relação dinâmica entre a arquitetura e o usuário, entendido como corpo sensível, por uma relação estática e determinada entre função e uso. Assim como, no final do século XIX, Georg Simmel (1979) apontava um sentimento de embotamento entre indivíduos e deles para com a cidade, e Carl Jung (1968), em meados do século XX, anunciava a perda das tradições morais e espirituais e um sentimento de vazio e tédio nas pessoas; Pallasmaa vai identificar a perda do caráter afetivo da arquitetura. O arquiteto finlandês explica que o que falta nas moradias hoje são as possibilidades de transação entre corpo, imaginação e ambiente. A arquitetura enquanto campo plástico deve afetar, deve ser sentida sensivelmente como algo em constante mutação, uma plasticidade em ato, uma arquitetura em devir, arquitetura-evento. 10 Pallasmaa (2008) argumenta que as imagens de um campo sensório alimentam outras imagens em outras modalidades, de modo que imagens de presença fazem surgir imagens de memória, imaginação e sonho. O corpo não seria uma mera entidade física, mas algo preenchido de memória e sonho, passado e futuro. Assim, a capacidade de memória de um indivíduo seria impossível sem uma memória do corpo. A relação entre o corpo e os objetos implica necessariamente a construção de uma série de possibilidades de ação sobre eles. Como consequência dessa ação implícita, uma reação corporal torna-se um aspecto inseparável da experiência da arquitetura. Pallasma (2008, p.63, tradução nossa) afirma que uma “experiência arquitetural significativa não é simplesmente uma série de imagens retinais. Os ‘elementos’ da arquitetura não são unidades visuais ou gestalt; eles são encontros, confrontos que interagem com a memória”. O corpo, portanto, é o centro a partir do qual o mundo experiencial se organiza e se articula. Pallasmaa (2008, p.37, tradução nossa) aponta que há uma série de arquitetos que reconheceram essa perda e estão trabalhando no sentido de “(...) re-sensualizar a arquitetura por um forte senso de materialidade e hapcidade, textura e peso, densidade de espaço e luz materializada”. Dessa forma, o caráter plástico está diretamente relacionado ao tectônico. A autenticidade da experiência arquitetônica, segundo o autor, está fundada na linguagem tectônica do edifício e no reconhecimento do ato de construção pelos sentidos. Tectônica, ornamento e o figural Tectônica diz respeito tanto à materialidade do objeto quanto da estrutura relacional de seus espaços e elementos. O teórico Kenneth Frampton (2006, p.516) evoca o alemão Gottfried Semper11 (1803-1879) para definir tectônica como “não só a probidade material e estrutural de uma obra, mas também uma poética do construir subjacente à prática da arquitetura e das artes afins”. Semper irá falar justamente de uma arquitetura que afeta o indivíduo, uma arquitetura qualificada e qualificante. O lar seria o elemento fundamental da arquitetura, e esta se funda a partir de seu próprio interior, sua célula germinativa. Segundo Huchet (2005), o que está em jogo 11 Ver SEMPER, Gottfried. “The four elements of architecture”, de 1851. 11 nos interiores são as peles e epidermes, fazendo referência ao caráter têxtil conferida à ideia de casa desenvolvida por Semper12. Nesses termos, o efeito epidérmico da arquitetura seria sua afecção em relação à plasticidade do corpo. A proposta tectônica de Frampton baseia-se necessariamente na criação de relações, possibilidades de afetos e usos, de expansão das percepções. Arquiteturas da tatilidade e da tectônica têm como principal propósito a reativação da sensibilidade das pessoas a partir de condições espaciais (ou atmosferas) háptica. Sensações, memórias e sentimentos que podem se configurar na mente e corpo das pessoas a partir da fisicalidade de espacialidades distintas, por meio das texturas, das cores, dos cheiros, dos sons, das luzes e sombras, manifestam-se fundamentalmente pelo alargamento da percepção a partir da imaginação. Rosalind Krauss, no ensaio Sculpture in the Expanded Field (1979), constrói um argumento em torno da tectônica para estabelecer vínculos inovadores entre escultura, paisagismo e arquitetura. Marcos Cruz e Marjan Colletti (2010) observam um fenômeno atual de “esculturalização” da arquitetura, cujas figuras se tornam cada vez mais auto-portantes e com sofisticada expressão formal e tectônica. Elementos estruturais são reiterados esteticamente a partir da analogia com ossos e tecidos musculares. Cruz (2010) afirma que historicamente figuras habitam paredes e fachadas de tal forma que os detalhes arquitetônicos pertencem à ordem do escultural, enquanto a geometria dos corpos pertence à dimensão arquitetural. Se retomarmos ao texto “Art and Space” de Heidegger (In LEACH, 1998, p.121), o filósofo parte de duas afirmativas: (1) “Estruturas esculturais são corpos”; (2) “O corpo escultural incorpora algo”. Em última instância, oferece a proposta de que a escultura seria a incorporação (ou encarnamento) dos lugares. A escultura é tratada quase como arquitetura no sentido de constituir a possibilidade de criação de lugares. 12 Semper contrapõe seus quatro elementos de base tectônica, deduzidos da hipótese de uma cabana caribenha vernacular – aterro/dique, lareira, armação e telhado, e membrana envoltória – à base tipológica da cabana primitiva de origem clássica, desenvolvida por Marc-Antoine Laugier. 12 Parece ser dessa interpretação de escultura que Cruz e Colletti constroem sua noção de ornamento: não se trata de decoração ou aplicação, isto é, não é algo aplainado, fino, superficial; ao contrário, é voluptuoso, contorcido, dobrado, o que implica uma espessura (ou profundidade) estrutural, tectônica, estética e semântica, mas também uma espessura da percepção. Essa é a caracterização do que Colletti (2010) chama de exuberante (exuberance), que entendo ser uma nova categoria estética associada à re- inclusão do figural na arquitetura. Que aberturas são permitidas com o retorno do ornamento à discussão fenomenológica espacial? A instalação do figural apresenta formas “exuberantes” e engajadas na radicalização do fenomenológico na arquitetura, ainda que pela sua digitalidade, indiscernabilidade. Trata-se de um empreendimento crítico desses arquitetos contra a abstração planar modernista e em favor à figura, mas impura e híbrida. Essa investigação pretende ver os modos de operação desse ornamento contemporâneo e desvelar o que contribuiu para essa conformação. Imaginação Poética Frampton agregará à forma arquitetônica a manifestação de uma estrutura potencialmente poética, como um ato de criar e revelar. O autor aponta que o ato de construir é mais ontológico que representacional, isto é, a forma física é primeiramente uma presença, antes de ser a representação de uma ausência. Frampton (1996), em seu estudo sobre a cultura tectônica na tradição arquitetônica dos séculos XIX e XX, identificará a fisicalidade da construção como condição para a função fenomenológica da obra, que enraizaria a arquitetura na cultura material de um povo. Vattimo (1998a, p.148-149) explica de forma breve, porém contundente, as implicações do “habitar poeticamente” de Heidegger na contemporaneidade: Habitar poeticamente não significa habitar de uma forma que se precisa de poesia, mas habitar com uma sensibilidade ao poético, caracterizado pela impossibilidade, por assim dizer, de definir limites claros entre realidade e imaginação. Se há uma passagem da modernidade para a pós- 13 modernidade, ela parece implicar a dissolução de limites entre o real e o irreal, ou, no mínimo, a dissolução dos limites do real. Podemos considerar as manifestações arquitetônicas ditas experimentais como ações direcionadas fundamentalmente para o futuro, constituídas de um caráter vanguardista. Se a arquitetura é lançada ao futuro, que tipo de relação com o passado se pretende construir? Do ponto de vista moderno, as práticas arquitetônicas de vanguarda são entendidas como negadoras de seus antecedentes e de seus contemporâneos. Contudo, delinear uma prática nova, distinta, não exige que se negue, reprima ou suprima as materialidades históricas inerente à cidade existente. Se a prática experimental desenvolve um movimento vertical e profundo em direção às bases e ortodoxias em que a disciplina se fundamenta, seria possível vislumbrar articulações entre passado, presente e futuro para a arquitetura distintas da negação? Vattimo (In LEACH, 1998a) observa que ao fim do século XX uma condição de dissolução geral da historicidade se instalou. Os estatutos de univocidade e teleologia já não servem à grande narrativa; a história é vista mais como uma rede, um emaranhado de pontos de vista; uma noção derivada do perspectivismo de Nietzsche. O filósofo italiano argumenta que na tradição metafísica ocidental, história é real na medida em que é “uma realização e uma articulação de um Grund, uma fundação” (VATTIMO, 1998a, p.149). Contudo, afirma que se não se pode falar em uma história unívoca, a possibilidade que se tinha em falar no ser como fundação está perdida. Por isso, a nova monumentalidade em Vattimo, exige um retorno da ornamentação, considerando seu caráter simbólico. Como, então, conciliar, manter juntas, a necessidade simbólica de fundação ontológica e a condição contemporânea de multiplicidade e fragmentação? O filósofo irlandês Richard Kearney (1988) questiona a possibilidade da imaginação em uma época em que o pós-modernismo subverte a própria oposição entre o imaginário e o real, ao ponto em que cada um se dissolve à imitação vazia do outro. O autor faz uma chamada para a alteridade, isto é, o reconhecimento e respeito do “outro”, o allo, daquele que é alheio, o não-visto. Tratar-se-ia de uma tática, uma posição, de 14 resistência à alienação, à homogeneização e à desumanização do homem pelos processos culturais do individualismo, do racionalismo e do materialismo13. Essa postura ética implica uma correlativa prioridade da prática à teoria, e nesse sentido a ética teria primazia sobre a epistemologia e a ontologia. Tal primazia requer, sobretudo, uma tarefa de discriminação crítica, sem a qual a reação ética de empatia poderia ser usada para fins antiéticos. Segundo Kearney (1988, p.363), uma resposta mais adequada para o dilema pós-moderno seria “reinterpretar radicalmente o papel da imaginação enquanto uma relação entre o eu e o outro”. Nesse sentido, faz-se necessário desconstruir a imaginação tanto como um culto humanista do eu transcendental, quanto como uma imitação onto-teológica do outro imperialista. A proposta de Kearney envolve uma atitude radical de usar a própria estrutura da condição pós-moderna para subvertê-la: uma imaginação ética, alerta a ambos os potenciais de liberação e de encarceramento da cultura pós-moderna; estaria determinada a usar todas as tecnologias disponíveis para exercer seu comprometimento com a alteridade. Contudo, uma imaginação pós-moderna reativa à dimensão ética das coisas não pode ser apenas crítica; precisa ser fundamentalmente poética. A imaginação poética dá poder aos indivíduos de se identificar com as figuras esquecidas, descartadas e reprimidas da história. Certamente, sem a abertura poética para a pluri-dimensionalidade dos significados, a imaginação ética poderia se reduzir a uma censura autoritária, repressiva e austeramente moralizante. A imaginação poética é do âmbito do sensível. Se uma poética da imaginação é o que mantém o desejo vivo como um jogo interminável de possibilidade, é uma ética da imaginação que distingue o desejo que permanece aprisionado a meus projetos subjetivos do desejo que responde à alteridade da figura do outro (KEARNEY, 1988, p.370). Assim, uma imaginação poética, atinada aos dilemas da condição pós-moderna, deve se comprometer a inventar um projeto social alternativo. Tais possibilidades de invenção sócio-políticas são correlativas, se não idênticas, às novas possibilidades de 13 Em oposição ao espiritualismo. O materialismo, nesse sentido, se apega demasiadamente à matéria, ao desejo de posse material. 15 criação artística. Para Kearney (1988, p.371), “a arte, enquanto um laboratório de acesso livre à exploração imaginativa, é uma das mais poderosas lembranças de que a história nunca é completa”. A arte pode se situar como potência para uma poética do possível.14 Se a poética será a condição para uma arquitetura experimental fenomenológica, como o campo plástico da arte pode informar a arquitetura na sua intenção de recuperar o corpo pela categoria do figural? Uma aposta é o entrelaçamento entre imaginário, poética e desejo. A lógica do imaginário está na matriz do desejo. O teórico Michael Hays (2010, p.16) aponta que no sistema lacaniano, o desejo é a “força de coesão que segura os elementos de pura singularidade juntos em uma estrutura coerente, em que (...) são entendidos como nada menos do que as unidades de significação básicas do inconsciente”. Isso significa que o desejo é a máquina que faz funcionar todo o sistema psíquico. Nesse sentido, “o desejo é a constante produção, conexão e reconexão de significados, de quanta arquitetural, dos pulsantes fluxos da pura interpretação; por isso Lacan insistentemente identifica desejo e metonímia” (HAYS, 2010, p.16). Dessa forma, uma hipótese fundamental é que a arte possa lançar novos olhares para uma produção arquitetônica que pretende ser poética relacionalmente, isto é, que quer estabelecer possibilidades de experimentações e interpretações que estimulem os sentidos, as memórias, a imaginação e em última instância os desejos, de maneira a reinterpretar de forma atual o “habitar poeticamente” de Heidegger. Espaço e percepção No trabalho postumamente publicado, Visível e Invisível, em 1964, Merleau-Ponty desenvolve o conceito de carne, o qual sintetiza a dinâmica relacional daquilo que percebe e daquilo que é percebido, problemática que rodeia toda a sua teoria da percepção. Para construir essa conceituação o filósofo parte de dois problemas básicos, contudo fundamentais: a relação do nosso corpo com as coisas do mundo e do nosso corpo com ele próprio. 14 Cf. KEARNEY, Richard. Poétique du Possible. Paris: editions Beauchesne, 1984. 16 A carne não é considerada nem matéria, nem espírito e nem substância. Merleau- Ponty (2009) categoriza carne como elemento do ser e do mundo. É aderência ao lugar e ao agora. Possibilidade e exigência do fato. Facticidade. Ser elemento significa estar além da fisicalidade do mundo, é estar entre, é mediar relações. É preciso que nos habituemos a pensar que todo visível é moldado no sensível, todo ser táctil está voltado de alguma maneira à visibilidade, havendo, assim, imbricação e cruzamento, não apenas entre o que é tocado e quem toca, mas também do tangível e o visível que está nele incrustado (...) Há topografia dupla e cruzada do visível no tangível e do tangível no visível, os dois mapas são completos e, no entanto, não se confundem. (MERLEAU-PONTY, 2009, p.131) O filósofo estabelece a primazia da percepção no discurso epistemológico na medida em que para pensar ou refletir sobre algo é necessário olhar e sentir de alguma forma. Isso significa a primazia da estética, da aisthèsis, da sensação como ponto de partida para a constituição do ser e de suas relações com o mundo. Isso se dá através de uma experiência fisicamente e conceitualmente carnal. A carne é a espessura entre meu olhar e as próprias coisas, é o afastamento do corpo e ao mesmo tempo sua proximidade. “É que a espessura da carne entre o vidente e a coisa é constitutiva de sua visibilidade para ela, como de sua corporiedade para ele; não é um obstáculo para ambos, mas o meio de se comunicarem” (MERLEAU-PONTY, 2009, p.132). É interessante notar que o filósofo francês George Didi-Huberman (2010) ao discorrer sobre o problema da percepção, mais especificamente tratando de obras de arte, descreve o conceito de aura benjaminiana como um espaçamento tramado do olhante e do olhado, do olhante pelo olhado. O poder da distância de que fala Walter Benjamin, o poder da aura da obra de arte, parece ser uma espécie variante específica do poder da carne pontyana. Principalmente considerando que Merleau-Ponty (2009) aponta em sequência três condições para o problema da percepção: imbricação, que indica um aspecto visceral da percepção; a espessura, que diz respeito ao grau de abertura ao sensível e ao campo de ação ou interferência sensível de algo; e 17 espacialidade, que estabelece o paradigma da distância ou do espaçamento e é o meio onde as coisas acontecem. Essa enumeração é significativa pois posiciona o problema da percepção como também um problema do espaço. Passados mais de meio século da morte de Merleau-Ponty, isso é ainda discussão emergencial no campo das artes e da arquitetura. (...) para ver o mundo e apreendê-lo como paradoxo, é preciso romper nossa familiaridade com ele, e porque essa ruptura só pode ensinar-nos o brotamento imotivado do mundo. O maior ensinamento da redução é a impossiblidade de uma redução completa (MERLEAU-PONTY, 2011, p.10). Didi-Huberman (2010, p.148) mostra a necessidade de compreender outro aspecto da aura, “que é o de um poder do olhar atribuído ao próprio olhado pelo olhante: ‘isto me olha’”. Parece que a aura benjaminiana funcionaria no sentido de abrir tanto o aspecto quanto a significação de alguma coisa. Isto é, um olhar impresso em um objeto de tal maneira a reconfigurá-lo na medida em que o próprio olhar também é reconfigurado, modificado, pelo objeto. Essa parece ser uma das razões de ser da arte e estabelece o ponto de virada na percepção no instante em o sujeito percebe a devolução do olhar por parte do objeto, a transformação acontece. Eu olho o objeto e ele me olha. Didi-Huberman reconhece na “Fenomenologia da Percepção” que a questão do espaço passa a ser referida como paradigma da profundidade. Mas o conceito de profundidade se refere a algo além de uma largura ou distância considerada de perfil, como concebia Husserl, ou seja, além de um mundo estável, com relações regulares e objetos inalteráveis. Mas o mundo estético – no sentido da aisthèsis, isto é, da sensorialidade em geral – nada tem de estável para o fenomenólogo; a fortiori o da estética – no sentido do mundo trabalhado das artes visuais -, que não faz senão modificar as relações e deformar os objetos, os aspectos. Nesse sentido, portanto, a profundidade de modo nenhum se reduz a um parâmetro, a uma coordenada espacial. Merleau-Ponty via nela antes o paradigma mesmo em que se constitui o espaço em geral – sua ‘dimensionalidade’ fundamental, seu desdobramento essencial (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.163). É nesse sentido que Merleau-Ponty (2009, p.132) estabelece a relação entre a espessura do mundo e a de nosso corpo: “o único meio que possuo para chegar ao 18 âmago das coisas, fazendo-me mundo e fazendo-as carne”. Esse pensamento se constrói e tem validade na medida em que se supõe que o espaço terá influência direta na percepção e na ação das pessoas a partir, fundamentalmente, de seu aspecto físico. Não se trata propriamente de pensar a partir das características físicas, táteis e visíveis do espaço, mas talvez da atmosfera criada pela conformação dessas características. O que pode ser categorizado como atmosfera de um espaço ou lugar tem relação com a impressão geral que se tem da espacialidade e das relações de memória e imaginação atribuídas à experiência sensorial individual e coletiva no espaço. É importante observar que é possível ter diversas e distintas impressões estéticas de um mesmo lugar por pessoas diferentes, que construirão para si uma atmosfera única e que pode ter influências específicas das suas recordações e do seu próprio imaginário – o que não exclui a possibilidade de impressões semelhantes entre indivíduos distintos. Por isso o espaço – no sentido radical que essa palavra agora adquire – não se dá deixando-se medir, objetivando-se. O espaço é distante, o espaço é profundo. Permanece inacessível – por excesso ou por falta – quando está sempre aí, ao redor e diante de nós. Então, nossa experiência fundamental será de fato experimentar sua aura, ou seja, a aparição de sua distância e o poder desta sobre nosso olhar, sobre nossa capacidade de nos sentir olhados (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.164). Esse é um ponto importante e decisivo que Didi-Huberman aponta: a experimentação do espaço depende da nossa capacidade de nos sentir olhados, isto é, da nossa sensibilidade de ver o não visto, ou o não visível, de sentir o que não está ali na sua fisicalidade ou visibiliade para ser propriamente sentido. Isso se constitui um grande impasse na relação entre aquele que vê ou experimenta e aquilo que é visto ou experimentado. Se a experiência depende duplamente do espaço – e da coisa – e de quem o percebe, a equação pode ser nula, isto é, em uma situação de apatia por parte do sujeito em um espaço insosso, isto é, que pouco acrescenta à sensorialidade, a troca simplesmente não acontece. Em uma situação ideal a lógica da dupla distância e da interferência entre a minha carne e a carne do mundo acontecem; de outra forma, seria possível ser visto e não ver? Se a carne do mundo existir a despeito da minha carne, a interferência da carne do mundo em mim independe da extensão da minha carne? Sobretudo, independe da disposição da minha carne para a experiência? A 19 profundidade como conceito radical só acontece quando ela estiver implicada nos objetos, isto é, se “for capaz de produzir uma voluminosidade ‘estranha’ e ‘única’, uma voluminosidade ‘mal qualificável’ que Merleau-Ponty acabou concebendo segundo uma dialética da espessura e da profundidade” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.164). O conceito de quiasma, desenvolvido paralela e indissociavelmente do conceito de carne, elucida exatamente essa questão. O quiasma é fundado da lógica da reversibilidade do ato perceptivo, isto é, a ideia de que quando eu vejo, também sou olhado. Ponty (2009, p.238) diz que “é ela que faz com que nos pareça que a percepção se realiza nas próprias coisas”. Portanto, o corpo pertence simultaneamente à ordem do sujeito e à ordem do objeto. Essa dupla condição do corpo de atividade e passividade é um dos pontos centrais de toda a teoria da percepção. Se isso não acontece, se o entrelaçamento, o quiasma, não toma corpo, a percepção seria superfície plana e não espessura. Em uma analogia, seria pele e não carne. Uma película fina e delicada não deixa impressão que dure e transforme radicalmente. A impressão pode durar mesmo que o espaço ou a coisa deixem de existir. É necessário uma dinâmica visceral carnal para que a percepção seja mais que uma impressão. De outra forma, é como se a vida passasse pelos nossos olhos e não fizéssemos nada a respeito. A carne é, pois, abertura. A carne, enquanto elemento, é possibilidade, é abertura para outros olhares, percepções, experiências e modos de pensar. A distância é considerada por Didi-Huberman (2010) como choque: a distância teria a capacidade de nos atingir, de nos tocar, a distância ótica seria capaz de produzir sua própria conversão sensorial. O próprio objeto tornando-se, nessa operação, o índice de uma perda que ele sustenta, que ele opera visualmente: apresentando-se, aproximando-se, mas produzindo essa aproximação como o momento experienciado ‘único’ (einmalig) e totalmente ‘estranho’ (sonderbar) de um soberano distanciamento, de uma soberana estranheza ou de uma extravagância (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.148). Se, como propõe Merleau-Ponty (2009, p.143), “é preciso pensar a carne (...) como elemento, emblema concreto de uma maneira de ser geral”; isso significa que 20 perceber implica uma intencionalidade corporal15. Talvez o dilema da carne pontyana seja, portanto, muito semelhante ao da imagem aurática de Benjamin, na medida em que sentir a aura de alguma coisa seria “conferir-lhe o poder de levantar os olhos” a partir da experimentação dialética entre as distâncias contraditórias – simultaneamente próximas e distantes – daquele que percebe e aquele que é percebido (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.148). Ao ver uma coisa, essa coisa só me lança seu olhar de volta se houver alguma intencionalidade no meu ato perceptivo. Para Benjamin, somente as imagens dialéticas são imagens autênticas: Uma imagem autêntica deveria se apresentar como imagem crítica: uma imagem em crise, uma imagem que critica a imagem – capaz portanto de um efeito, de uma eficácia teóricos -, e por isso uma imagem que critica nossas maneiras de vê-la, na medida em que, ao nos olhar, ela nos obriga a olhá-la verdadeiramente. E nos obriga a escrever esse olhar, não para ‘trancrevê-lo’, mas para constituí-lo (DIDI-HUBERMAN, 2010, p. 171-172). Se tomarmos por imagem qualquer possibilidade do visível, tratar-se-ia de coisas, espaços, pessoas, animais, natureza, etc. O que é posto como imagem autêntica e por conseguinte, imagem crítica, pressupõe o olhar de alguém para que ganhe potência e espessura suficientes para que outro alguém possa vê-la como crítica. Primeiramente, isso significa que tal imagem é ou manipulada ou construída, de toda sorte, é uma criação, é algo novo. No mínimo, algo visto ou colocado de forma nova – lembro aqui do urinol de Duchamp. Isso feito, necessita-se ainda que tal manipulação seja vista ou experimentada com criticalidade. Nessa conjuntura que Didi-Huberman constrói a partir de Benjamin, a imagem crítica presupõe um sujeito crítico que possa olhá-la criticamente. Isso significa pelo menos duas coisas: 1) esse outro que olha deve ter um olhar atento a fim de ser crítico, isto é, ter uma certa educação formal ou informal que treina o olhar; 2) esse outro que olha deve estar disposto sensorialmente para se implicar no objeto ou espaço. Ambas as situações são problemáticas. A primeira incorre no risco da hermeticidade da obra – e aqui já falamos em obra de arte ou mesmo arquitetura (e por obra de arte podemos ser bem abrangentes e ir da poesia ao teatro, da dança à pintura ou escultura) – o que implica a necessidade de um público específico para apreciação da obra. 15 Cf. Carman, 2009, p. 206. 21 Esse pensamento já pressupõe a existência do segundo problema, o que pode soar como arrogância, prepotência ou sentimento de superioridade intelectual por parte de quem cria. Essas duas considerações indicam um sintoma: o agravamento do embotamento das pessoas, não somente para com as obras e expressões artísticas, mas, e sobretudo, em relação às coisas do cotidiano de modo geral. Henri Bergson já enunciava ao final do século XIX e início do XX que a percepção varia de acordo com o grau de atenção à vida com o qual as pessoas experienciam seus momentos. Isso é um enunciado importante pois a partir do século XIX uma série de patologistas urbanos como Siegfried Kracauer, Georg Simmel e Walter Benjamin passaram a identificar um aumento significativo da apatia das pessoas na vida urbana por conta, fundamentalmente, do que Simmel chamou de “medo do toque”, desenvolvido pela situação de aumento radical de pessoas estranhas nas ruas com o advento das cidades industriais. É a mesma impressão que, em meados do século XX, o psicanalista suiço Carl Jung tinha da relação do homem com a vida e a cidade modernas. O pensamento estético foi perdido e não há previsão de retorno. Se Bergson, em Matéria e Memória, de 1896, anuncia a atenção como habilidade seletora e potencialidade para perceber as coisas de outra forma, ele também aponta que o único dispositivo de que dispomos para construir o alargamento da percepção é nossa imaginação. Carman (1999), ao discorrer sobre esse processo na teoria de Merleau-Ponty, reconhece a imaginação como criadora do espaço das possibilidades no qual os objetos podem aparecer para nós como objetos de conhecimento. Isso só acontece pelo entrelaçamento – quiasma – entre minha carne e a carne do mundo: “ (...) é que o próprio olhar é incorporação do vidente no visível” (MERLEAU-PONTY, 2009, p.128). (...) o vidente, estando preso no que vê, continua a ver-se a si mesmo: há um narcisismo fundamental de toda visão; daí por que, também ele sofre, por parte das coisas, a visão por ele exercida sobre elas; daí, como disseram muitos pintores, o sentir-se olhado pelas coisas, daí, minha atividade ser identicamente passividade – o que constitui o sentido segundo e mais profundo do narcismo: não ver de fora, como os outros vêem, o contorno de um corpo habitado, mas sobretudo ser visto por ele, existir nele, emigrar para ele, ser seduzido, captado, alienado pelo fantasma, de sorte que o 22 vidente e o visível se mutuem reciprocamente, e não mais se saiba quem vê e quem é visto (MERLEAU-PONTY, 2009, p.135). Na medida em que ao ver, novas relações podem ser estabelecidas, a atenção16 ultrapassa a função seletora para ser um mecanismo de caráter criador. Merleau- Ponty (2011, p.57) explica que ela “supõe primeiramente uma transformação do campo mental, uma nova maneira, para a consciência, de estar presente aos seus objetos”. Seria uma ação para além da seleção e distinção das figuras e seus fundos, incorporando a eles uma articulação nova. “Assim, a atenção não é nem uma associação de imagens, nem o retorno a si de um pensamento já senhor de seus objetos, mas a constituição ativa de um objeto novo que explicita e tematiza aquilo que até então só se oferecera como horizonte indeterminado” (MERLEAU-PONTY, 2011, p.59). Bergson (1999) vai dizer que essa mesma percepção que atua na construção de possibilidades de ação é impregnada de lembranças. A memória constitui a principal contribuição da consciência individual na percepção, o lado subjetivo do conhecimento das coisas17. Essa argumentação daria suporte à noção de imagem dialética benjaminiana recuperada por Didi-Huberman (2010, p.174), a qual não se realiza sem “um trabalho crítico da memória, confrontada a tudo o que resta como indício de tudo o que foi perdido”. Isso significa que, à despeito do primeiro problema acerca da imagem crítica discutido anteriormente – o olhar atento e crítico, que a princípio seria um olhar especialista – a partir de um esforço conjunto entre corpo e mente, é possível desenvolver nossa capacidade perceptiva. Dessa forma, a grande contribuição de Merleau-Ponty às teorias da percepção foi reconfigurar a natureza do problema estético: é o problema do corpo e da sua relação sensível com as coisas e o mundo. O filósofo atribuí ao fenômeno da percepção o poder criativo do homem e, por conseguinte, o ponto de origem da produção do conhecimento. Quando houver um entendimento coletivo de que o conhecimento se 16 Cf. Kelly, 2003. Husserl usa o termo atenção para explicar a distinção entre aqueles objetos que são experienciados como figura e aqueles que formam o fundo, ou o espaço ao redor, de modo a destacar a figura em questão. 17 Bergson inverte todo o paradigma da teoria da memória ao criticar a visão metafísica (concepções idealista e realista da matéria) de que existiria apenas uma diferença de intensidade, e não de natureza, entre a percepção pura e a lembrança. “Fazendo-se da lembraça uma percepção mais fraca, ignora-se a diferença essencial que separa o passado do presente, renunia-se a compreender os fenômenos do reconhecimento e, de uma maneira mais geral, o mecanismo do inconsciente” (BERGSON, 1999, p.70). 23 dá primeiramente por sensação, que “movimento, tato, visão aplicam-se (...) ao outro e a eles próprios (...) e, no trabalho paciente e silencioso do desejo, começa o paradoxo da expressão” (MERLEAU-PONTY, 2009, p.140), é possível que o embotamento e a anestesia corporal coletivos sejam superados. O modo da tese Se se reconhece a condição ornamental na arquitetura atual, faz-se necessário delimitar qual é a sua agenda, isto é, seus fundamentos e suas prerrogativas; e como está posto o seu sistema: que metodologias, que processos, que modos de apresentação? A teorização e a categorização dessa condição só poderão ser construídas com certo rigor metodológico se forem precedidas por um procedimento de desvelamento de suas origens. A montagem de uma genealogia do ornamento arquitetural poderá informar relações e influências históricas no escopo do sistema ornamental contemporâneo e no delineamento de sua agenda. Contudo, esse procedimento inicialmente não fazia parte da tese, mas se mostrou necessário quando, no avançar da pesquisa, certas pistas de que o ornamento contemporâneo não surgiu apenas por forças internas à posmodernidade. A hipótese que começou a ser construída é que a condição ornamental só foi possível por focos de resistência ao longo do século XX e que remontam ao naturalismo do século XIX, em especial aos movimentos do Art Nouveau e do Arts and Crafts, altamente influentes na Europa e nos Estados Unidos. Ao considerar essa hipótese, é necessário imaginar que devem ter havido fios condutores que carregaram a postura ornamentalista e naturalista em oposição ao projeto moderno totalizante, abstrato e humanista18. E se houve de fato práticas ornamentais concomitantes ao “modernismo oficial”, o registro que retrata uma hegemonia ubíqua modernista precisa ser questionado. Trata-se, portanto, de uma abordagem radical por desafiar a historiografia tradicional da arquitetura moderna – fundamentada por Nikolaus Pevsner (1902-1983), Peter Reyner Banham (1922-1988), Leonardo Benevolo (1922-), Christian Norberg-Schulz (1926-2000), Kenneth Frampton 18 No sentido renascentista, a primazia do homem pelo intelecto. Daí, homem dominador da natureza. 24 (1930-), William J. R. Curtis (1948-), para citar os principais19 – que decreta o fim do ornamento com o ensaio de Adolf Loos (1870-1933) “Ornamento e Crime”, de 1908. Essa mesma historiografia apresenta o ressurgimento do ornamento na década de 1960, com a arquitetura dita pós-moderna historicista, cujo início é marcado pela casa Vanna Venturi em 1962 e a publicação de “Complexidade e Contradição em Arquitetura” em 1966, ambos de Robert Venturi. A historiografia mais difundida indica um período em branco – literalmente – caracterizado pela ausência de práticas arquitetônicas ornamentais relevantes. O arquiteto e professor de teoria e prática do ornamento na Universidade de Yale, Kent Bloomer (1935 -), entende que a ausência de ornamento implica a ausência de educação sobre ornamento, seja nas oficinas ou no meio acadêmico (BLOMMER, 2000). (...) O que é que aconteceu à ornamentação de Otto Eckmann, o que aconteceu à de Van de Velde? O artita esteve sempre à frente da humanidade, cheio de saúde e força. No entanto, o ornamentista moderno ou é um retardatário, ou uma manifestação patológica. Os seus produtos são negados pelo próprio três anos depois. Para as pessoas cultas, tornam- se desde logo insuportáveis; os outros só mais tarde se apercebem dessa “insuportabilidade”. Onde estão hoje os trabalhos de Otto Eckmann? Onde estarão os trabalhos de Olbrich daqui dez anos? A ornamentação moderna não tem ascendência nem descendência, não tem passado nem futuro (LOOS, 2004, p.229-230). O tratamento genealógico na primeira parte dessa tese pretende costurar o que até então se encontra fragmentário e ver se as práticas ornamentais do século XX foram de fato irrelevantes e pontuais ou se há um corpo mais denso, com uma agenda e sistemas operativos. Se a hipótese se confirmar, será uma resposta às indagações críticas de Adolf Loos em 1908, que tentaram difundir, mais que a inadequabilidade do ornamento na arquitetura da época, o seu prazo de validade pela sua condição imoral. Nesse sentido, a historiografia moderna necessitará revisões. 19 Vale lembrar certas exceções, como o italiano Bruno Zevi (1918-2000), que documenta e discute os fundamentos da arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright em “Towards na Organic Architecture”, de 1950; e o americano Vincent Joseph Scully, Jr. (1920), que também exalta a arquitetura ornamental de Wright, com duas publicações importantes: "The Shingle Style: Architectural Theory and Design from Richardson to the Origins of Wright", de 1955; e “Frank Lloyd Wright”, de 1960, logo após a morte do arquiteto. 25 No decorrer da pesquisa o principal dispositivo metodológico que se mostrou eficaz em evidenciar a articulação de uma rede de relações de proximidade, influência e cooperação para verificar a hipótese da imbricação ornamental antes, durante e depois do modernismo áureo foi o diagrama. Uma série de tramas pretendeu representar graficamente esse corpo do ornamental. Os diagramas se apresentaram em escalas diversas, desde pequenas redes mais contidas até outras que começavam a assumir um caráter fractal de tantas ramificações. Ao final da pesquisa foi possível reunir, sobrepor e amarrar todos os mapas e formar uma constelação de relações entre arquitetos e alguns artistas. O formato final do diagrama segue uma ordem temporal divididas por cores a cada década. Como esse procedimento arqueológico e arquivista é quase infinito, privilegiou-se apresentar os arquitetos que de fato atuaram entre 1880 e 1950. Cada figura possui um limite retangular que contém seu nome, país de origem, data de nascimento, instituição de ensino ou grupo a que esteve vinculada. Cada retângulo possui uma marcação circular que posiciona cada arquiteto na faixa correspondente à sua década de nascimento, de modo que se pode estimar um tempo de 25 a 30 anos para sua carreira se iniciar. A marcação circular também é o ponto onde linhas conectam uma figura na outra para evidenciar o contato. Apresentar a natureza desse contato excedeu a capacidade do diagrama, contudo, foi possível distinguir as vertentes ornamentais que se originaram do Art Nouveau (linhas tracejadas) e do Arts and Crafts (linhas contínuas), o que pode revelar explicações interessantes. Por fim, o diagrama foi nomeado com o título da primeira parte da tese, “Uma genealogia do ornamento arquitetural”, e pretende ser um instrumento de consulta quando se fizer necessário ou de desejo quando a curiosidade for maior. Dessa maneira, a tese está dividida em duas partes: uma que pretende traçar uma genealogia do ornamento arquitetônico no século XX, intitulada “ART NOUVEAU 2.0: uma genealogia do ornamento arquitetural”; e outra que tenta identificar e categorizar um sistema de ornamento arquitetônico na atualidade, intitulada “O sistema ornamental contemporâneo”. 26 PARTE 1 ART NOUVEAU 2.0: uma genealogia do ornamento arquitetural 27 CAPÍTULO 1 | ART NOUVEAU E ANTONI GAUDÍ: a radicalidade do espaço curvado Talvez a contribuição mais importante do ornamento para a articulação de um espaço arquitetônico seja sua capacidade de transformar as dimensões cruas em um lugar fantástico (BLOOMER, 2000, p.209). Empatia e abstração A capacidade de um espaço de incitar a imaginação, a memória e o desejo de uma pessoa indica que esse espaço possui certas qualidades que, a partir do momento que eu sou tocado sensorialmente ou psicologicamente pelo espaço, estabelece-se um vínculo de empatia entre o lugar/objeto e meu ser, um movimento perceptivo duplo: eu olho para a coisa e a coisa olha para mim. Uma transformação dupla, então. A exaltação do corpo (e da mente) como mecanismo sensório do ser humano, o entendimento da sensação e da imaginação como dispositivos fundamentais de apreensão das coisas e dos espaços são as bases das teorias (e práticas) estéticas fenomenológicas. As investigações estéticas no âmbito das sensações tiveram grande força a partir do século XVIII, com discursos de Immanuel Kant (1724-1804) e Edmund Burke20 (1729- 1797), e ao final do século XIX e início do XX já se via uma série de discussões nos meios filosófico, artístico, arquitetônico e nos primórdios da psicanálise. Uma das contribuições seminais para o assunto foi a tese de doutoramento do historiador de arte Wilhelm Worringer (1881-1965) – Abstraktion and Einfühlung21 – que teoriza sobre a lógica dualista de manifestação da arte e particularmente do ornamento ao longo da história, ora fundando-se na abstração, ora na empatia; modos que dependeriam das aspirações dos homens de cada época e lugar, uma espécie de espírito do tempo, mas que viria de urgência e necessidade viscerais. Worringer (1997), dois anos antes da publicação fundamental de Loos, entende que a estética da modernidade passa da consideração da arte do ponto de vista do artista para a 20 Burke publica em 1757 o tratado de estética A Philosophical Inquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful. Em 1759 teve sua segunda edição lançada, com a reafirmação de seus conceitos básicos e o acréscimo de novos exemplos e considerações, em resposta às críticas publicadas, além de uma introdução ao gosto e uma seção inteira (Poder). É provável que tal introdução tenha sido decorrente do ensaio de David Hume (1711-1776), On Taste, publicado apenas dois meses antes do Enquiry. Kant publica em 1790 a “Crítica do Juízo”, estabelecendo as bases da estética fenomenológica de Hegel anos depois. 21 Escrita concluída em 1906 e publicada em 1908. Traduzido para o inglês como Abstraction and Empathy: A Contribution to the Psychology of Style, e para o espanhol como Abstracción y Naturaleza. 28 impressão do sujeito que contempla a obra, isto é, a consideração do efeito que uma obra de arte, um objeto ou um espaço tem sobre as pessoas. Esse movimento do objetivismo ao subjetivismo estético ao final do século XIX e início do XX culmina na teoria da empatia, formulada fundamentalmente pelo filósofo alemão Theodor Lipps (1851-1914). O objetivo principal de Worringer com seu tratado era demonstrar que o modo da estética da modernidade, que se fundamenta no conceito de empatia, é inaplicável em diversas circunstâncias da história da arte. A empatia seria apenas um dos polos da lógica da produção artística; o outro seria a abstração. Nós consideramos esse contra-polo uma estética que provém não da necessidade de empatia do homem, mas da sua necessidade de abstração. Assim como a necessidade de empatia como uma pressuposição da experiência estética possui sua gratificação na beleza do orgânico, a necessidade de abstração tem sua beleza na negação da vida do inorgânico, no cristalino ou, em termos gerais, em toda lei e necessidade abstratas (WORRINGER, 1997, p.4) (Tradução nossa). Nessa definição relacional de empatia e abstração, Worringer faz uma associação entre empatia e as formas orgânicas, entendidas por vivas, e abstração e as formas inorgânicas, entendidas por não-vivas. O autor recupera a teoria estética de Lipps em que se entende que a atividade perceptiva torna-se prazer estético no caso da empatia positiva, em que há uma congruência entre “minhas tendências naturais para auto- ativação e a atividade demandada por mim pelo objeto sensual” (WORRINGER, 1997, p.7). É dessa noção tradicional sobre experiência estética que resultam as definições de belo e feio22. Isso indicaria, portanto, a pressuposição da existência do processo de empatia em toda e qualquer criação artística a qualquer tempo. Worringer entende que essa pressuposição somente é válida quando a vontade artística de um povo, em local e tempo específicos, está inclinada para a organicidade da vida, isto é, para o naturalismo de modo geral. Contudo, a tese de Worringer é de que a tendência decorativa abstrata, a vontade de abstração, está na origem de muitos povos e 22 É interessante observar que na mesma época da formulação da teoria de Lipps, Edmund Burke já discutia os modos de prazer e dor – consideradas paixões opostas – (prazer positivo, dor positiva, prazer negativo e dor negativa), introduzindo mais variáveis na lógica do gosto – como a categoria do sublime – para além de belo ou feio. 29 inclusive, permanece como tendência dominante em momentos de alto desenvolvimento cultural, em especial nos povos orientais23. Não há, portanto, nenhuma relação causal entre a ornamentação orgânica ou abstrata com a evolução cultural dos povos. Haveria, na verdade, predisposições psíquicas, culturais e religiosas para o desenvolvimento de uma ou outra prática decorativa. Worringer (1997, p.15) indica que a pré-condição para a necessidade de empatia é uma “relação panteística feliz de confiança” entre homem e os fenômenos do mundo exterior, como no caso dos celtas, dos nórdicos e dos gregos com o avançar do tempo. A necessidade de abstração seria o resultado de uma “grande inquietação interna ao homem causada pelos fenômenos do mundo exterior”, configurando-se como um “imenso medo espiritual do espaço”. A comparação de Worringer com o medo físico de espaços abertos, condição patológica identificada24 no homem moderno e agravada ao longo do século XIX e XX, é interessante por ambas se desenvolverem por uma agravada racionalização, no só do espaço, mas da vida de modo geral, das relações, das crenças, das motivações. É exatamente esse senso generalizado e exacerbado de racionalidade que levará Adolf Loos a estabelecer uma relação de causalidade entre um Papua e as ornamentações em seu corpo e seus objetos, indicando que o ato ornamental é indício de atraso cultural. De outra maneira, associa a tatuagem na era moderna com a noção de degeneração, imoralidade e perversão. Os tatuados que não estão presos ou são potenciais ladrões ou aristocratas degenerados. (...) O homem actual, que na sua ânsia interior besunta as paredes com motivos eróticos, é um criminoso ou degenerado. Aquilo que no Papua e na criança é natural é no homem moderno uma manifestação de degeneração (LOOS, 2004, p.224). Tal argumentação indica a natureza puritana, moralista e higienista de Loos, que foi usada como artifício para militar a favor da evolução cultural humana pela supressão da ornamentação. Pela perspectiva de Worringer, essa posição seria a mais radical 23 Para exemplos que ilustram essa argumentação, cf. JONES, Owen. A gramática do ornamento. 24 Cf. Trabalhos de Georg Simmel (1858-1918) a partir de The Metropolis and Mental Life, de 1903. 30 dentro da necessidade de abstração que se poderia ter à época, especialmente se se considerar que em momento algum Worringer presumiu a ausência do ornamento, mas uma mudança no modo de sua aparição ao longo da história. A vontade de ornamentar sempre existiu, apenas a natureza dessa vontade artística é que variaria de acordo com as aspirações humanas. Esse embate radical de Loos surge à altura da manifestação de seu oposto, a supremacia naturalista que chega ao seu ápice ao final do século XIX: o Art Nouveau. Art Nouveau – natureza, historicidade e simbolismo O movimento Art Nouveau é, ao final do século XIX, a expressão máxima da vontade de empatia, da supremacia do orgânico sobre o cristalino, do misticismo e do ocultismo sobre o racionalismo. Em última instância, é uma reverência à sabedoria da natureza em detrimento à sabedoria do homem. A teoria evolucionista de Charles Darwin (1809-1882) é apresentada ao mundo em 1859 com On the Origin of Species, e teve duas repercussões importantes e opostas na arquitetura: (1) o aumento das investigações sobre o mundo natural – muitos arquitetos passaram a ter interesse no estudo da natureza, que se torna uma das principais fontes nos procedimentos criativos do Art Nouveau; (2) a ideia analógica de que se poderia interpretar a história da arquitetura como uma sequência evolutiva garantiu uma série de argumentações para a supressão de estilos arquitetônicos já datados, e do próprio elemento ornamental, em prol de uma arquitetura da modernidade, evoluída e distinta de seus antepassados. O desdobramento da segunda repercussão culmina na atual história da arquitetura moderna. A primeira repercussão é uma das circunstâncias históricas de surgimento do Art Nouveau e de seus desdobramentos, que é evidenciada pela organicidade das formas inspiradas em motivos florais, vegetais e animais. O termo Art Nouveau, que significa “Arte Nova”, tem sua primeira aparição em Paris como nome da loja – L’Art Nouveau – do mecenas, colecionador e vendedor de arte 31 francês, de origem alemã, Siegfried Bing25. Aberta em 1895, a loja vendia e divulgava essa nova arte já em ascensão desde a década de 1880. Apesar de alguns autores considerarem que o movimento possuía uma intenção de “recusa de qualquer ligação com o passado”, como aponta Nikolaus Pevsner (2001, p.43), a interpretação que nos parece mais adequada é a do historiador Paul Greenhalgh (2000) que argumenta, através de uma série de exemplos, que o esforço por reconstruir visões alternativas do passado26 e ganhar controle do futuro era uma condição fundamental na transformação dos modos de vida e pensamento na Europa do século XIX. Estórias, lendas, mitos, superstições particulares de cada lugar foram influências importantes para o desenvolvimento do Art Nouveau. Dessa maneira, esses temas alimentavam, não só o movimento, mas o imaginário e a memória das comunidades e povos. Durante a segunda metade do século XIX houve um interesse grande sobre o Espiritismo, que acabava de se fundar com a publicação do “Livro dos Espíritos”, em 1857, pelo francês Allan Kardec (1804-1869), o que contribuiu para a importância de temas como a percepção, o mito, a religião, o sobrenatural e o ocultismo. O desenvolvimento da arte simbolista, sobretudo na França, foi parte dessa onda geral de exploração do mundo metafísico e da supremacia da intuição sobre a razão, servindo de influência para grande parte dos artistas e designers Art Nouveau. A natureza, a história e o simbolismo serão as principais fontes iniciais do movimento. Não há, no entanto, muito consenso entre os historiadores sobre suas manifestações inaugurais. Pevsner (2001, p.43-45) argumenta que as origens do Art Nouveau estão entre 1883-1888, fundamentalmente com a sinuosidade da folhagem retorcida do designer inglês Arthur H. Mackmurdo (1851-1942) para a capa de seu livro Wren's City Churches, de 1883; ou na famosa Peacock Room, cujos murais pintados pelo artista impressionista James Whistler (1834-1906) em 1876-1877 evidenciam um tratamento 25 Bing será importante também pela divulgação da arte japonesa, que influenciará muitos artistas do movimento, através da publicação mensal Le Japon Artistique, de 1888 a 1891. 26 Conferir a noção de perspectivismo de Leibniz (1646-1716), que foi desenvolvida e defendida por Nietzche (1844-1900), indicando a possibilidade de criação de muitas percepções sobre qualquer coisa ou fato e desafiando a categoria de Verdade. 32 dinâmico da penugem de pavões; ou ainda nos últimos trabalhos de padronagem naturalista de William Morris (1834-1896). Apesar de Pevsner considerar o interior do Hôtel Tassel (1893), em Bruxelas, do arquiteto belga Victor Horta (1861-1947) uma manifestação madura do Art Nouveau, argumenta que esta foi apenas uma mudança de escala de um modo de design. Fig. 5 | The Peacock Skirt, ilustração de Aubrey Beardsley para a peça de Oscar Wilde Salomé (1892). Fonte: Wikimedia Commons, obra de domínio público. Fig. 6 | Interior do Hôtel Tassel (1892-1293) de Victor Horta. Fonte: Wikimedia Commons, obra de domínio público. Já Greenhalgh (2000) entende que essas obras, dentre outras anteriores a 1890, são erroneamente tratadas como Art Nouveau, por serem produzidas por artistas já com longas carreiras desenvolvidas em outros estilos e não estavam envolvidos propriamente no movimento, além das obras em si não apresentarem uma completude estilística e ideológica. O historiador elenca três centros fundadores, em que se viam produções já maduras entre 1893-1895: Londres, Bruxelas e Paris. Apesar de geograficamente separados, alguns artistas desses centros já possuíam um corpo consistente de trabalho no estilo e uma agenda para o movimento bem definida. O primeiro deles é o jovem ilustrador inglês Aubrey Beardsley (1872-1898), que começa a aparecer na cena Art Nouveau com desenhos para a capa da primeira edição da revista The Studio e para a peça Salome, de Oscar Wilde, em 1893. O segundo é o arquiteto belga Victor Horta (1861-1947) que, em 1892-1893, projeta e constrói o Hôtel Tassel, para o cientista e professor Emile Tassel, em Bruxelas. O terceiro é o também belga, Henry van de Velde (1863-1957), que em 1895 projeta o interior da loja 33 L’art Nouveau de Siegfried Bing, em Paris, e publica o primeiro texto-manifesto que sintetiza a agenda do movimento: Déblaiement d’art27. Esse texto é particularmente importante, pois evidencia a congruência com a posição ruskiniana anti-industrialista, anti-estandartizante, cuja mecanização do processo de construção, dominada pela ganância dos industrialistas, escravizava o pensamento sobre espaço a abstrações numéricas e o limitava a qualidades pífias (DORRA, 1994). Ao mesmo tempo, van de Velde estava disposto a liberar-se dos modos tradicionais de pensamento e produção do espaço, desenvolvidos ao longo da história da arquitetura, para ater-se a uma visão para o futuro. Natureza-Ornamento A lógica estética do Art Nouveau é fundamentalmente naturalista. Contudo, não se trata de uma imitação da natureza como ela é, mas do entendimento de como a forma natural se comporta e da tentativa de criação de um novo mundo orgânico nos objetos, nos espaços interiores e exteriores. O conceito Kunstwollen, ou “vontade artística absoluta”, que Worringer (1997, p.9) empresta de Alois Riegl, mostra a importância da distinção entre impulso de imitação da natureza e naturalismo. Enquanto o primeiro nada tem de relação com a arte por, apesar de se tratar de uma necessidade primária do homem, ser, em absoluto, uma habilidade; o segundo é um dos modos como a arte pode se manifestar, regida portanto, não por habilidade, mas por vontade de criação. Isso implica, necessariamente, uma posição ativa do homem. Observando a arte na história, pode-se construir a hipótese de que a ornamentação é a expressão máxima da arte e manifestação da capacidade criadora e interpretativa do homem28. Será na segunda metade do século XIX, não só com o Art Nouveau, mas com uma série de publicações de biólogos e evolucionistas, que se reconhecerá cientificamente que a lógica formal da natureza é ornamental. A ideia de tomar emprestado das fontes mais belas da construção e do ornamento [da natureza], de buscar inspiração nos mais belos monumentos concebíveis – a terra, as árvores, as flores, e, lá em cima, o céu – não é mais 27 Traduzido para o inglês como A clean sweep for art, ou ainda, A clean sweep for the future of art. 28 Cf. RIEGL, Alois. Stilfragen: Grundlegungen zu einer Geschichte der Ornamentik (ou em inglês, Problems of style: foundations for a history of ornament), de 1893; e BLOOMER, Kent. The Nature of Ornament: Rhythm and Metamorphosis in Architecture, de 2000. 34 que o retorno de uma genuína tradição arquitetural (VELDE In DORRA, 1994, p.121). Ao final do século XIX já era bastante conhecida a “Gramática do Ornamento”, publicada em 1856, do arquiteto inglês Owen Jones (1809-1874), que elaborou uma série de princípios do uso do ornamento a partir estudos da lógica ornamental ao longo dos séculos e em culturas distintas. Um dos princípios mais importantes desenvolvidos é que “em qualquer período comprometido com a arte, toda ornamentação era enobrecida pelo ideal, e o senso de propriedade nunca era violado por uma representação excessivamente fiel da natureza” (JONES, 2010, p.195). Jones faz tal apontamento no contexto da análise do ornamento no Alhambra, em Granada, Espanha, reconhecendo o ápice da ornamentação moura, resumida no entendimento da lógica na natureza e não em sua cópia. O alemão Ernst Haeckel (1834-1919) será o biólogo mais importante a construir e defender essa tese a partir da descrição gráfica de inúmeros organismos, inicialmente com a publicação Die Radiolarien em 1862. Um estudo sobre um grupo de organismos unicelulares microscópicos, os radiolários, de impressionante morfologia ornamental, que evidencia uma composição de complexos padrões de simetria remanescentes de cristais (BREIDBACH In HAECKEL, 2012). Haeckel irá continuar suas investigações segundo a noção de que a morfologia das formas orgânicas é análoga à dos cristais29, desenvolvendo o que ele chamou de estereometria orgânica. Sua ideia era que a classificação de formas orgânicas iria evidenciar níveis cada vez maiores de complexidade, aparentes nas formas exteriores apenas condicionalmente; entretanto, seu tecido iria gradualmente diferenciando-se no curso da evolução. As células individuais, já estruturadas simetricamente, estão integradas nesse tecido; macroscopicamente, elas podem ser parcialmente descritas em termos estereométricos simples, mas elas exibem uma riqueza de padrões complexos em suas estruturas mais finas. Haeckel interpretou essas séries de formas, definidas por tais 29 Essa analogia morfológica é particularmente interessante se considerarmos o antagonismo proposto por Worringer entre naturalismo e abstração, isto é, entre orgânico e inorgânico ou cristalino. Essa discussão será posta à prova na PARTE 2 dessa tese. 35 descrições, como o resultado de uma história contínua das formas de vida. De acordo com sua interpretação, as estruturas básicas da forma orgânica – no caso, células – se organizam em configurações gradualmente mais complexas. Contudo, organismos que se originam dessa maneira não permanecem inalterados, e sim, são submetidos a outras diferenciações de suas estruturas por meio de herança ou adaptação. Qualquer espécie de uma árvore filogenética é constituída de acordo com regras adquiridas e conservadas ao longo de seu desenvolvimento (BREIDBACH In HAECKEL, 2012). Esse processo evolucionário, que envolve regras pré-estabelecidas, adaptações necessárias e desenvolvimento, é a base de sua “Lei Biogenética”, de 1866. Essa mesma condição evolucionária é o fundamento da configuração ornamental em arquitetura. A organização do ornamento é rítmica, ou seja, é subordinada a sistemas geométricos e de proporção; o ornamento está sempre em relação a algo – física ou simbolicamente – portanto, trabalha a dinâmica de sua forma por meio de metamorfoses (BLOOMER, 2000). A influência de Haeckel no movimento Art Nouveau é considerável, pois se estende desde Louis Comfort Tiffany (1848-1933) em Nova Iorque, a Joseph Maria Olbrich (1867-1908) em Viena, ou ainda, aos trabalhos de August Endell (1871-1918) em Munique. A expressão mais monumental das formas ornamentais catalogadas pelo biólogo pode ser observada na entrada da Exposição Universal de Paris de 1900, La Porte Monumental Paris, na Place de la Concord, projetada pelo arquiteto francês René Binet (1866-1911). A estrutura, com um grande domo e três arcos, e sua ornamentação são derivadas da forma de vários radiolários, como nassellarium e porodiscida30 (PROCTOR In BINET, 2007). A concepção de tal obra, assim como várias obras Art Nouveau, incorpora motivos de um corpo de um trabalho científico que, até então, não tinha sido considerado para a arquitetura e a ornamentação. Em 1893, o jovem arquiteto Binet começa seus estudos sobre natureza a partir da leitura de vários 30 No caso, a descrição gráfica de tais organismos encontra-se nas lâminas 65 e 46, respectivamente, do Report on the Radiolaria (Challenger Report), de 1887. 36 números do Challenger Expedition31 disponíveis à época na biblioteca do Museu de História Natural de Paris. Além de Haeckel, haverá diversas influências dos meios científico e arquitetônico que levarão Binet a avançar na hipótese da natureza servir de modo e inspiração à arquitetura. Fig. 7 | Gravura de Radiolários, “Kunstformen der Natur” (1904), de Ernst Haeckel. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 8 | Owen Jones: detalhe de arco do Patio de los Leones, Alhambra. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 9 | Porte Monumentale de René Binet para a Exposition Universelle, 1900, Paris. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. 31 O Challenger Expedition foi uma série de cinquenta volumes publicados entre 1880 e 1895 por um grupo de cientistas que viajou pelo mundo entre 1873 e 1876 a bordo de um navio de guerra inglês convertido em laboratório, H.M.S. Challenger. 37 René Binet é relevante, não só por ter projetado uma das principais edificações Art Nouveau na exposição de 1900 aos 34 anos, mas também pela publicação, dois anos mais tarde, de Esquisses Décoratives. Mais que um catálogo decorativo ou ornamental que mostra propostas originais de arquiteturas até joias, evidencia o potencial da lógica metamórfica e adaptativa da natureza-ornamento. Trata-se da tentativa de alargamento dos limites da disciplina pelo reconhecimento do potencial de outro campo para geração de novas abordagens espaciais, no caso o caráter evolucionário e ornamental da natureza. Owen Jones na última parte de “A Gramática do Ornamento”, intitulada “Folhas e Flores da Natureza”, ao falar sobre a possibilidade da formação de um novo estilo de arte ou novo estilo de ornamento, mostra sua esperança nos jovens do futuro – no contexto de 1856 – e dedica a eles seu livro, o qual poderia mostrar o potencial de desenvolvimento criativo ao estudar atentamente a ornamentação dos antigos e construir o ornamento a partir dos princípios formais e de crescimento evidentes na natureza. Reconhecendo a condição de cópia em que a arquitetura estava inserida à época, com os revivals estilísticos historicistas, Owen Jones (2010, p.473-474) faz uma proposição radical e inverte o pressuposto da origem dos estilos, baseada no mito da “invenção súbita” e completa de uma lógica estética: “(...) vemos razão para acreditar que um novo estilo de ornamento pode ser produzido independentemente de um novo estilo de arquitetura, e, além do mais, que seria um dos meios mais imediatos de chegar a um novo estilo (...)”. Essa é uma hipótese interessante que corrobora com a tese de Pevsner sobre a origem do Art Nouveau na arte decorativa de Mackmurdo, Morris e Whistler, e não nos trabalhos já maduros dos jovens Horta, van de Velde e Beardsley. Ao mesmo tempo, é esse ponto de partida e a tendência racionalista e funcionalista de Pevsner (2010) que o fará considerar o Art Nouveau mais próprio da decoração do que da arquitetura. Art Nouveau é, de fato, em grande parte, uma questão de decoração – tanto que alguns têm negado sua validade como estilo arquitetônico – e é, mais ainda, uma questão de decoração de superfície. Podemos agora acompanhar a Art Nouveau nos anos de conquista e sucesso internacional. Um sucesso de curta duração, pois começou por volta de 1893 e enfrentou uma oposição formidável de 1900 em diante. Depois de 1905 manteve-se 38 apenas em alguns países, principalmente em trabalhos comerciais, dos quais não ficou nenhum ímpeto criativo, se é que existiu (PEVSNER, 2010, p.67). A argumentação de Pevsner indica uma natural retificação da arquitetura e uma simplificação da ornamentação, ao ponto em que os edifícios passam a ser prismas e composições de planos puros e lisos. A comparação que é feita entre a Art Nouveau e o barroco é acertada: ambos reinvindicam a Gesamtkunstwerk, isto é, a obra de arte total, excluindo qualquer intenção de padronização (PEVSNER, 2010). Nesse ponto, as duas promissoras vanguardas arquitetônicas da virada do século XIX para o XX, a Art Nouveau e o Movimento Moderno, são opostos por princípio: Empiria versus Racionalidade. Imaginação versus Realidade. Curva versus Reta. Particularidade versus Generalidade. Empatia versus Abstração. Natureza versus Homem. Na historiografia tradicional, da qual Nikolaus Pevsner faz parte, aponta-se que os argumentos da incongruência entre espaço e funcionalidade e o custo e o tempo de produção de uma peça curva foram suficientes para garantir a sobrevivência de um – o movimento moderno – e a morte do outro, no caso do Art Nouveau. Ao falar sobre uma sala de jantar projetada por Eugène Valin, preservada no Musée de l’École de Nancy, Pevsner deixa clara a sua posição: Olhando-se para esta sala e tentando senti-la como um lugar para se morar, pode-se entender por quê. Uma expressividade tão violenta cansa. Mobília deve ser cenário. No caso, são as pessoas que se sentem como intrusos. E há o choque constante entre forma e função – as pernas da mesa com desajeitadas protuberâncias na base, formas arredondadas entalhadas nas portas e estantes. E, finalmente, deve ser muito complicado executar, em madeira, curvas como as que são feitas em cerâmica ou metal (PEVSNER, 2010, p.82. É interessante observar que Pevsner, ao publicar “Origens da Arquitetura Moderna e do design”32 em 1968, parece ter como objetivo explicar por que a corrente organicista sucumbiu e apontar simultaneamente seus potenciais e seus fracassos, exaltando a irreversibilidade destes. Isso fica evidente na argumentação acerca da arquitetura de 32 Publicado como The Sources of Modern Architecture and Design, em um contexto de absoluta reviravolta na arquitetura com o discurso anti-racionalista do Team 10 da década anterior, o avanço da vertente pós-moderna historicista, dos grupos experimentais como Archigram, Superstudio, Cedric Price e o início das discussões desconstrutivistas com Peter Eisenman e os jovens do Coop-Himmelblau. 39 Antoni Gaudí (1852-1926) pertencer ou não à categorização Art Nouveau. Ao fim da argumentação, chega à conclusão que, de fato, Gaudí pertencia ao movimento, pelo “individualismo extremado”, pela “insistência no artesanato e a aversão à indústria”, pela “oposição ao passado e oposição à ordem de ângulos retos” (PEVSNER, 2010, p.106, p.113). Em momento algum o autor aponta a grande questão que une todas as manifestações do Art Nouveau, por mais diversas que sejam: a insistência e a crença na natureza como força geradora da produção humana em qualquer âmbito, da arquitetura aos objetos de menor escala. Portanto, apesar da data de publicação, deveria ser prudente e estratégico para o autor e o cenário arquitetônico pós-moderno não vislumbrar desdobramentos do Art Nouveau ao longo do século, e declará-lo como movimento morto e substituído por outro mais adequado. Uma das hipóteses nessa tese é em parte derivada da hipótese evolucionária de Owen Jones: a de que um estilo poderia surgir do ornamento, isto é, um sistema ou uma lógica geral poderia ser construído a partir de teste e evolução de um sistema de menor escala, mas cuja complexidade é transmitida ao longo do tempo. Isso significa que experimentações ornamentais poderiam gerar um sistema ornamental maior e mais complexo, que eventualmente poderia chegar a ser todo um espaço, ou uma obra de arte total. As principais características de uma construção que formam um estilo são, em primeiro lugar, os meios de apoio, em segundo, os meios de cobrir o espaço entre os apoios e, em terceiro, a formação do teto. É a decoração dessas formas estruturais que confere as características ao estilo, e todas seguem tão naturalmente uma após a outra que a invenção de uma vai determinar o resto (JONES, 2010, p.474-475). Jones entendia que os ornamentos eram acessórios para a arquitetura, ao mesmo tempo em que os considerava a alma do edifício. A arte decorativa e o ornamento do Art Nouveau passam a ser um sistema espacial completo particularmente com Antoni Gaudí, um sistema arquitetônico fundado na lógica da natureza. 40 A radicalidade do espaço curvado Antoni Gaudí i Cornet (1852-1926) foi um arquiteto catalão que na historiografia tradicional é vinculado ao movimento Modernista de Barcelona que, ao final do século XIX e início do XX, era considerada uma das vertentes regionalistas da Art Nouveau33. Contudo, estudos mais audaciosos – como o do italiano Roberto Pane (1897-1987) em 1964 ou o do catalão Ignasi de Solà-Morales (1942-2001) – argumentam a superficialidade de se tentar estabelecer similaridades entre os modernistas catalães e Gaudí, os quais eram distintos em seus fundamentos, e mesmo com o restante da produção Art Nouveau na Europa daquele tempo. Além desta generalização estilística enquanto erro historiográfico, Pane (1988, p.26) critica também a posição que coloca a arquitetura e o pensamento de Gaudí enquanto manifestações únicas e autônomas, derivadas de devaneios e fantasias autorais que, descreditados pela impossibilidade de proporcionar “nenhuma ajuda nem resposta a uma nova orientação da arquitetura”, servem pouco como um modelo a seguir. Não somente houve uma série de seguidores e arquitetos influenciados por Gaudí ao longo do século XX, mas o seu maior legado é configurador de uma das atitudes éticas e estéticas contemporâneas mais relevantes na atualidade: a tradição da natureza. Em outras palavras, o que se devia compreender como atributo de uma inconfundível originalidade apareceu como sinal de limite; e convém acrescentar que nisto se baseia o fato de que se há visto nessa obra, tão desinteressada e capaz de inspirar alegria estética, o erro de não ter proporcionado soluções para a casa de todos, mas sim somente para a dos senhores. Uma espécie de coisa tácita ou explícita ressalva moral, tanto ou mais curiosa – e inclusive diria risível – se pensamos que foi formulada por não poucos arquitetos cuja atividade consiste em projetar esses equívocos inumanos com os quais normalmente se configura a chamada arquitetura moderna (PANE, 1988, p. 26). A natureza é o elemento que poderia unir Gaudí aos demais arquitetos ligados ao Art Nouveau, contudo é o modo de conexão com a arquitetura que o distingue. Enquanto o mundo natural serve de inspiração e referência para toda produção de design dentro do movimento, Antoni Gaudí toma a natureza como fundamento, fundação, origem da vida. Sua religiosidade e espiritualidade encaminham seu pensamento em direção à origem divina do mundo, da natureza e do homem, o que o impele a imprimir um 33 À semelhança da Jugendstil, na Alemanha; da Wiener Secession, na Austria; ou o Stile Liberty, na Itália; dentre outros. 41 “sentido cósmico” (BERGÓS, 1954, p.95) aos seus espaços, da lógica geral formal e estrutural até os detalhes de materiais, figurações e inscrições. Há uma diferença de grau e profundidade na precisão do conceito para ambas as partes. Por isso, Gaudí constrói para si uma percepção diferenciada, um outro modo de olhar as coisas do mundo, talvez de forma semelhante ao conceito de organicidade de Frank Lloyd Wright34. A planaridade da maioria das contribuições arquitetônicas Art Nouveau, apesar de sua radicalidade formal orgânica, se configurava como uma estética da superfície, como uma pele elástica e dinâmica que revestia os corpos arquitetônicos, mas ainda não era propriamente o corpo. A crítica de Gaudí em referência aos franceses e ingleses era a incapacidade dos nórdicos de sair da linearidade, de ver espaço para além do plano – “Falta-lhes o espaço” (BRUNET, 2007, p.175). Essa foi a argumentação que o arquiteto deu para negar o convite de Eusebio Güell, seu mecenas e amigo, para ir à exposição de sua própria obra no Grand Palais de Paris em 1910. As convicções naturalistas e sua posição crítica em relação à arquitetura corrente – não só em Barcelona, mas nos principais centros europeus – evidenciam que, apesar dos últimos anos de sua vida ter se dedicado integralmente à realização do Templo Expiatório da Sagrada Família, ele estava atento aos novos pensamentos35. Os arquitetos do modernismo catalão36 estavam politicamente comprometidos com a nova onda nacionalista e interessados em desenvolver um estilo global que experimentava tanto novas tecnologias construtivas como uma nova exuberância decorativa. Pela fusão de formas de arte distintas, pretendiam produzir uma arquitetura para as novas instituições sociais e as novas classes dominantes. De outro modo, havia um grupo em Barcelona com pressupostos ideológicos e sociais diferentes, que simpatizava com a reação católico-cristã “contra a sociedade moderna 34 Conceito que será discutido no “Capítulo 2” desta tese. 35 Gaudí frequentemente consultava livros contemporâneos de teoria da arte da vasta biblioteca de Güell. Eugène Viollet-le-Duc, William Morris e John Ruskin foram influentes na construção de sua posição em relação à arquitetura. Gaudí se interessava especialmente pelas publicações da revista The Studio. 36 Os principais arquitetos ligados ao modernismo catalão foram Lluis Domènech i Montaner, Antoni Gallissà, Josep Vilaseca, Pere Falqués, Joaquim Bassegoda, Josep Domènech i Estap, Camil Oliveras, Jope Puig i Cadafalch, Joaquim Raspall, Slavador Valeri e Jeroni Granell (SOLÀ-MORALES, 2000). 42 e as mudanças das convenções da vida urbana e propunham modelos mais radicais e utópicos” (SOLÀ-MORALES, 2000, p. 336). Tratava-se de uma arquitetura de pretensões revolucionárias para minimizar o que a Igreja considerava como graves pecados da civilização ocidental. As ideologias desse grupo eram defendidas especialmente por Antoni Gaudí e seus seguidores37, que tentam imbuir a arquitetura de referências religiosas, ora explicitamente por meio da figuratividade de esculturas, pinturas e inscrições, ora implicitamente, com a supremacia da exuberância naturalista no corpo dos edifícios. As noções de beleza e qualidade dos edifícios e do naturalismo de John Ruskin (1819- 1900) repercutem na obra e nas ideias de Gaudí. Segundo Ruskin (1989, p.70), há dois tipos de edificações que nos impressionam de maneira prazerosa: (1) “aqueles caracterizados por uma extrema preciosidade e delicadeza, dos quais nos lembramos com um senso de admiração afetiva”; (2) e aqueles que contêm “uma severa, e, em muitos casos misteriosa, majestade, a qual podemos nos lembrar com reverência intacta, semelhante àquela sentida na presença e operação de um grandioso Poder Espiritual”38. Roberto Pane, Ignasi de Solà-Morales e outros reconhecem um movimento gradual da obra de Gaudí em direção ao naturalismo, evidente em suas obras de maturidade como no Parque Güell (1900-1914), na Casa Batlló (1904-1906), na Casa Milà (1906- 1910) e no Templo da Sagrada Família (1883-1926). Contudo, podemos construir a hipótese de que a natureza sempre esteve presente enquanto fundamento estético- construtivo nas configurações desse arquiteto, desde seus primeiros trabalhos na Casa Vicens (1883-1888), na Casa El Capricho (1883-1885) e na Quinta Güell (1884-1887). Estas edificações são marcadas pela experimentação estilística com o gótico e em especial o Mudéjar, uma mistura hispano-mulçumana, característica exclusiva de certas partes da Península Ibérica. 37 Os principais arquitetos ligados a Gaudí eram Francesc Berenguer, Josep María Jujol, Joan Rubió, Bernardí Martorell, Jeroni Martorel, Vesar Matinell, Lluís Moncunill e Manuel Sayrach (SOLÀ-MORALES, 2000). 38 Traduções nossas. 43 Fig. 10 | Detalhe de fachada, Casa Vicens (1883-1888), de Gaudí. Fonte: Jmsallan - Creative Commons CC BY-SA 3.0 es, obra de domínio público. Fig. 11 | Maquete polifunicular da Iglesia de la Colonia Güell, de Antoni Gaudí (1898-1908) Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 12 | Detalhe do pórtico de entrada da Casa El Capricho (1883-1885), de Gaudí. Fonte: Turol Jones - Creative Commons CC BY 2.0, obra de domínio público. Fig. 13 | Detalhe do pórtico da Lavadeira, Parc Güell (1900-1914), de Gaudí. Fonte: Arnaud Gaillard - Creative Commons CC BY-SA 1.0, obra de domínio público. Fig. 14 | Detalhe do interior da Casa Batlló, (1904-1906), de Gaudí. Fonte: Chongming76 - Creative Commonsi CC BY-SA 1.0, obra de domínio público. Fig. 15 | Detalhe da fachada da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fonte: Mstyslav Chernov - Creative Commons CC BY-SA 3.0, obra de domínio público. Durante seu tempo de estudante, o livro de Owen Jones “Plans, elevations, sections and details of the Alhambra” teve grande influência sobre Gaudí. O entendimento profundo da arte e da arquitetura Mudéjar possibilitou tanto a produção de edifícios idiossincráticos e regionalistas, próprios ao lugar, como um pensamento arquitetônico que trabalha dialeticamente a figuração e a abstração. Jones (2010) explica que os 44 árabes e mouros eram proibidos por suas crenças de representar figurativamente as formas vivas, o que os levou a interpretar a lógica geométrica e de crescimento das coisas da natureza e atingir a mais alta perfeição na sua ornamentação. Nos padrões geométricos complexos dos ornamentos estavam imbricadas as leis naturais e, por conseguinte, a lei divina suprema. Se Owen Jones julgava o ornamento mouro como o mais perfeito, John Ruskin considerava a arquitetura gótica39 como a mais elevada até então, uma posição claramente anti-clássica. Seja pelas circunstâncias geográfica e cultural, seja pelas influências exteriores, tais modos de ver a arquitetura terão impactos enormes na formação de Gaudí e na construção de sua prática. No recente livro de Lars Spuybroek, “The Sympathy of Things”40, de 2011, o autor discute as seis características do gótico, a partir do “The Nature of Gothic” de Ruskin, que podemos transformar em modos de interpretação da arquitetura de Antoni Gaudí: (1) Selvagem (“Salvageness”), que relaciona-se a uma certa ideia de brutalidade, um termo pitoresco, especialmente representando as imperfeições relacionadas com a execução de um projeto pelos operários e artesãos; (2) Mutabilidade (“changefulness”), que diz de um sentido de variedade no design, exemplificado na multiplicidade de variações das curvaturas de molduras, dos rendilhados das janelas, das malhas de nervuras das abóbadas; (3) Naturalismo (“Naturalism”), que diz da intensa afeição dos operários góticos pelas folhagens vivas e pela natureza de modo geral, que é traduzida nos ornamentos e esculturas – cada folha, galho, nuvem ou pedra são únicos e com suas personalidades; (4) Grotesco (“Grotesqueness”), que ocorre em extensão ao Selvagem, tendo a função de estimular a imaginação e mostra-se na presença de figuras monstruosas e de gárgolas; (5) Rigidez (“Rigidity”), que diz da interpretação da lógica estrutural gótica como um sistema ativo de suporte e transferência de cargas, análogo aos ossos de um membro ou as fibras de uma árvore; (6) Redundância (“Redudancy”), que diz de uma acumulação de detalhes, elementos e ornamentações, que expressaria uma profunda simpatia pela riqueza do mundo físico (SPUYBROEK, 2011, p.13-16). 39 Cf. também “Form Problems of the Gothic”, de Wilhelm Worringer, publicado originalmente em 1910. 40 O qual será discutido particularmente no Capítulo 6 desta tese. 45 46 Fig. 16 | Estrutura acostelada do ático da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fonte: Matthias Ott - Creative Commons, obra de domínio público. Fig. 17 | Detalhe do portão de entrada da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fonte: Tonio H. - Creative Commons, obra de domínio público. Fig. 18 | Detalhe de chaminés no terraço da Casa Milà (1906-1910), de Gaudí. Fonte: Yann - Creative Commons, obra de domínio público. Fig. 19 | Sagrada Família em obras, dois anos depois da morte de Gaudí, 1928. Fonte: BASSEGODA, Joan Nonell. Gaudí o espacio, luz y equilibrio. Madrid: Criterio, 2002. Fig. 20 | Fachada da Natividade, Sagrada Família, Gaudí. Fonte: Brianza2008 - Creative Commons, obra de domínio público. Fig. 21 | Vista interior da estrutura da nave da Sagrada Família, Gaudí. Fonte: SBA73 - Creative Commons, obra de domínio público. Ao passo que nos primeiros trabalhos de Gaudí percebemos uma vitalidade e complexidade ornamentais fundadas em padrões geométricos e figurativos, incrustados no movimento dos tijolos e das pedras, há a supremacia dos detalhes e das partes em relação ao todo, à concepção geral dos edifícios (SOLÀ-MORALES, 1984). Uma visão holística e integrada só será evidente nos trabalhos mais maduros. Pode-se lançar a hipótese que é nesse momento de transição em que o modo da natureza de aparecer em seu trabalho muda, o modo ornamental se transforma. O atributo da continuidade das formas é crucial para a transformação da equação de sobreposição entre Mudéjar e o Gótico. Acredita que as formas contínuas são as perfeitas. É comum estabelecer-se uma dicotomia entre os elementos que sustêm e os sustentados, o que é absurdo, pois estes podem ser simultaneamente ambas as coisas. Esta distinção dá origem ao equívoco que nasce da solução de continuidade ao se passar do elemento que sustém ao elemento sustentado. Nas aberturas, quando se passa da ombreira ao umbral, é costumeiro colocar-se algum ornamento como capitéis e cartões para desviar a atenção daquele ponto mal solucionado. Camufla-se uma concepção defeituosa com um detalhe simpático à vista, desviando-se a atenção do campo estrutural ao decorativo. As formas poliédricas e as chamadas geométricas são muito raras na natureza. Até aquelas que o homem faz planas (portas, mesas, pranchetas, etc.) acabam ficando abauladas com o passar do tempo (GAUDÍ Apud BRUNET, 2007, p.110). A fusão das características do Gótico com as do Mudéjar corrobora a possibilidade que Owen Jones proferia sobre o surgimento de um modo arquitetural através de um sistema ornamental. Na arquitetura dos mouros, a decoração não só nasce naturalmente da construção, como “a ideia construtiva é executada em cada detalhe da ornamentação da superfície” (JONES, 2010, p.187). Todas as linhas ornamentais 47 surgem umas das outras gradualmente, de modo a torná-las interdependentes para o efeito total contínuo; seu desenho, assim como a percepção do macro ao microscópico de uma árvore ou uma folha, possui uma sucessão de lógicas formais em escalas compositivas do todo às partes e sempre surge de um ramo ou haste principal. Trata- se de um entendimento do dinamismo de desenvolvimento de um organismo vivo, de uma continuidade e transformação formal natural. A noção de continuidade em Gaudí é para além de uma composição de linhas ou planos sequenciais. Trata-se de espaços fluidos e orgânicos como a natureza e o corpo. Uma arquitetura selvagem sugere um crescimento espontâneo e indomável, algo entre o natural e não-natural construído; cuja mutabilidade está tanto nos detalhes quanto na dinâmica espacial e formal do lugar, como um movimento estático; bela, sublime e grotesca simultaneamente, uma arquitetura com espaços oníricos e fantásticos, em que a cada dobra, reentrância ou passagem há uma surpresa. Trata-se de uma arquitetura que tende para a organicidade constitutiva dos seres vivos, que também é específico e idiossincrático a cada circunstância. O arquiteto Joan Bergós (1894-1974), jovem ajudante de Gaudí na Sagrada Família, ao final de seu livro de 1954 sobre a vida e obra do arquiteto, faz três apontamentos importantes acerca do valor universal da obra de Gaudí: (1) a originalidade de suas propostas e seus pensamentos “antecipa os postulados da arquitetura orgânica, em voga na atualidade” (BERGÓS, 1954, p.159); e do valor normativo de sua arquitetura: (2) relembra a máxima do arquiteto de que “somente a natureza pode tornar-se o elemento renovador da arte” (Ibidem, p.160); e (3) diz da necessidade do “retorno às origens, não no sentido de ser primitivista, mas de delimitar o problema em seus termos iniciais” (Ibidem, p.161)41. Tais considerações são reveladoras da repercussão do arquiteto na construção do futuro da história da disciplina e especialmente da capacidade – junto com alguns poucos arquitetos como Frank Lloyd Wright – de possibilitar uma articulação entre jovens arquitetos na construção de um novo modo arquitetural: a arquitetura orgânica. Mais ainda, e talvez mais importante, as considerações sobre o valor normativo do pensamento de Gaudí estão além de uma 41 Traduções nossas. 48 cartilha de como se fazer arquitetura, e mais próximas de uma validação da possibilidade do pensamento fenomenológico para a disciplina. A noção de retorno às origens ecoa na arquitetura sublime de Louis Kahn (1901-1974) à década de 1950, ao mesmo tempo em que celebra e reitera a pertinência da arquitetura holística e radical de Friedensreich Hundertwasser (1928-2000) das décadas de 1970 e 1980. Acerca dos desdobramentos desses fundamentos, Roberto Pane faz a seguinte observação: “Originalidade é voltar à origem”. Em meu primeiro ensaio [Antoni Gaudí, 1964], e a propósito dessa frase, escrevi já que querer reencontrar como “explicação das formas gaudinianas as estruturas orgânicas da natureza – dos ossos humanos às pedras de Montserrat – é um modo de provar demasiado com base na simples observação e que essas analogias são tão numerosas que se podem estender infinitamente... Ao contrário, parece-me mais significativo dizer que Gaudí, mais que imitar a natureza, refaz o caminho; já que, ao menos nesse sentido, o acento está posto sobre o processo inventivo como tal e não se repete um lugar comum” (Antoni Gaudí, 1964). Acreditei ser necessário repetir, em seu contexto, a semelhança já recordada com anterioridade. Dever-se-ia ter muito presente que a tentação de “explicar” por meio de analogias que intuitivamente parecem evidentes induz frequentemente a não ver aquilo que é mais importante como feito criativo, isto é, o modo particular em que uma forma foi configurada, inclusive recorrendo a formas naturais atemporais (PANE, 1988, p.33). A animação do inorgânico pelo ato de depreender as estruturas catenárias, paraboloides, conóides, e as formas orgânicas na arquitetura do sistema formal- construtivo da natureza e pela tentativa de integrar homem e o natural a partir do que Gaudí chama de memória poética é o fundamento fenomenológico de sua arquitetura e repousa nos escritos ruskinianos. Há, sobretudo, uma vontade de empatia entre o vivente e o vivido, uma vontade de fundação do homem na terra a partir do seu reconhecimento. (...) a existência de uma memória poética pressupõe um conhecimento prévio do objeto, e consequentemente um conhecimento do que alguém pretende representar de modo a essa representação ser eficaz (GAUDÍ In CASANELLES, 1967, p.123)42. Talvez o conceito ruskiniano que sintetiza tanto suas prerrogativas quanto as de Gaudí acerca da criação de espaços seja o da Arquitetura Viva (“Living Architecture”), a qual teria “sensações em cada centímetro seu” e acomodaria cada necessidade arquitetural 42 Excerto do diário de Antoni Gaudí, entre 1876-1879, quando tinha entre 25 e 28 anos. 49 do mesmo modo como os elementos, proporções e provisões de um organismo vivo (RUSKIN, 1989, p.160). Trata-se de um conceito obscuro e de difícil apreensão, apresentado e pouco desenvolvido na “Lâmpada da Vida”, mas que tem relações muito próximas à noção de “empatia” de Worringer. A categoria Arquitetura Viva pressupõe a vontade de empatia do espaço para suscitar o movimento de retorno da percepção do corpo e da mente de quem o experimenta. No texto de Ruskin termos como “substância” e “energia” são postos a caracterizar algo próprio e constituinte de um determinado espaço. Poder-se-ia falar em energia vital de um espaço – comparável a “beleza vital em estética, poder vital nas plantas, força vital nos organismos, e a vitalidade de um corpo ou uma nação” (SPUYBROEK, 2011, p.339) – o que conecta ética e estética e implica uma visão da vida fundada no poder criativo que produz tanto formas animadas como inanimadas. Falar em energia vital em relação à arquitetura está em desuso, e pode parecer anacrônico na medida em que simplesmente tal categoria – ou o que ela representa – não faz mais parte das discussões contemporâneas na disciplina, muito menos é tomada como atributo relevante no ensino de arquitetura a nível mundial. Isso só diz da crescente perda generalizada de sensibilidade da humanidade no trato do espaço em que vive, seja natural ou feito pelo homem. A sua impalpabilidade e impossibilidade de racionalização é o que fez recuar o modo antigo de se ver e pensar arquitetura. A racionalidade, se não equilibrada pela imaginação e sensibilidade, amortece e anestesia a produção e a percepção humanas na vida. A arquitetura de Gaudí é a exaltação e confirmação da qualidade de nobreza do espaço, no sentido ruskiano da palavra. Não se trata, pois, de reduzir as possibilidades da arquitetura ao gaudinismo, mas de entender as perspectivas abertas a partir daí, para além do ideal romântico. 50 CAPÍTULO 2 | ARTS AND CRAFTS E FRANK LLOYD WRIGHT: espaço como obra de arte integral Assim, faremos emergir progressivamente estes poderes do homem, e torná-los-emos evidentes à inteligência, mas o mais importante dentre eles é, sem dúvida alguma, a simpatia. Esta implica uma visão requintada; o poder de receber assim como o de dar, o poder de estar em comunhão com as coisas vivas e com o que é inerte, de estar uníssono com os poderes e os processos da natureza; de observar – numa fusão de identidades – por toda a parte a Vida em evolução – incessantemente, em silêncio, - insondável no seu significado, mística no seu impulso criativo do qual pululam miríades de identidades e respectivas formas exteriores. Entendida, assim, como um poder, a simpatia é o embrião da compreensão; porque o simples saber não é compreensão (SULLIVAN, 2010, p.72-73) O sistema ornamental de Louis Sullivan: o poder do homem e a teoria do florescimento Aos sessenta e cinco anos, pouco antes de sua morte, o arquiteto americano Louis Henri Sullivan (1856-1924) recebe a encomenda do The Art Institute of Chicago para publicar desenhos de seus últimos trabalhos e delinear sua filosofia orgânica e metafísica do ornamento. Trata-se de uma produção lúcida e pedagógica, direcionada aos estudantes e ao futuro, intitulada “A System of Architectural Ornament According with a Philosophy of Man's Powers”43. O ornamento é posto como elemento unificador entre natureza e ciência, e entre o orgânico e o inorgânico. Ao passo que tal publicação ocorreu em 1924, reconhece-se a parcialidade e os interesses da historiografia da arquitetura da época ao selecionar os argumentos que interessam para a construção linear e lógica de uma visão de mundo e de arquitetura. Da afirmativa “a forma sempre segue a função” (SULLIVAN, 2010, p.14), apresentada em seu texto de 1896, “The Tall Office Building Artistically Considered” 44, e da noção loosiana da imoralidade do ornamento, forja-se uma arquitetura moderna funcionalista e purista que se vale da abstração geométrica simples para a criação de espaços. 43 Traduzido por “Um sistema de ornamento arquitetônico coerente com uma filosofia dos poderes do homem”. Conferir a edição em português traduzida por Suraia Felipe Farah, da editora da Universidade Estadual de Londrina, 2011. 44 Traduzido por “O edifício de escritórios em altura, considerado de um ponto de vista artístico”. Conferir a edição em português traduzida pela Ordem Arquitectos – Secção Regional Sul, de Lisboa, Portugal, 2010. 51 Se se lança a hipótese de que tal afirmativa é feita pela observação e pelo estudo da lógica do desenvolvimento das formas na natureza, do seu crescimento orgânico – necessariamente funcional, uma vez que as formas são como são por uma lógica evolutiva de adaptabilidade e/ou de mutação45 – a arquitetura moderna deveria ter sido orgânica e não inorgânica; ornamental e não purista; profundamente conectada à vida natural e não genérica. Em seu tratado de ornamentação arquitetônica Sullivan incita, por diversas vezes, os estudantes a remeter-se ao “Gray’s School and Field Book of Botany” 46, de Asa Gray (1810-1888), considerado o botânico americano mais importante e influente do século XIX, para um entendimento mais simples da função e da estrutura das plantas e ver a aplicabilidade, através dos seus desenhos no livro, para o ornamental. Da mesma forma, indica para os mais adiantados o trabalho seminal do americano Edmund Beecher Wilson (1856-1939), pioneiro na zoologia e na genética, intitulado “The Cell in Development and Heredity”, segundo Sullivan, para “investigar o poder dos antecedentes do germe da semente” (SULLIVAN, 2011, p.40). Louis Sullivan inicia seu tratado apresentando a noção literal e metafórica de germe, o estado originário de qualquer ser vivo, em cujo mecanismo “encontra-se a vontade de poder” (SULLIVAN, 2011, p.19) e busca sua expressão plena até seu florescimento. A sua Teoria do Florescimento se funda em uma transformação formal livre, mas controlada, das formas inorgânicas rígidas – da geometria plana básica – em configurações orgânicas, fluidas e complexas. Todas as linhas geradas e geradoras da forma seriam interpretadas como linhas de energia, que teriam sua força e influência para indicar o desenvolvimento da forma, que seria criada, apesar das referências naturais, pelo homem e para o homem. Sullivan chamou isso de geometria plástica. Contudo, a vontade de controle sobre o orgânico e o inorgânico somente seria plena e poderia ser imbricada de uma visão mais ampla de suas prerrogativas e influências – a saber, a qualidade moral da democracia – quando o homem tornar-se um espírito 45 Considerando a natureza, Frank Lloyd Wright indicará que a forma e a função são uma única coisa (HALE, 1994, p.174). 46 O “Gray’s School and Field Book of Botany” foi publicado em 1887 e direcionado a estudantes para uma visão introdutória, mas completa o suficiente, de botânica. 52 livre. Ao mesmo tempo em que se percebe no discurso do arquiteto uma visão holística do mundo e das coisas e a necessidade de conexão com algo maior que o próprio homem, mostra-se imperativa uma visão introspectiva, interior, em busca da essência do ser humano, de seu poder criador. Ecoa gravemente os escritos de Friedrich Nietzsche (1844-1900) acerca do super-homem artista, do senhor de si, e do conceito de “vontade de potência” 47, assim como o “espírito livre” de Lou Andreas- Salomé (1861-1937). Donde, o homem pode substituir o germe da semente vegetal comum dominada pelos seus poderes, pela vontade como fonte do poder vital inerente ao germe real ou imaginário e isso constituirá a base dinâmica mais elementar de uma teoria da eflorescência implicando simultaneamente uma teoria do controle plástico do que é orgânico. Estes dois elementos de nossa premissa não devem ser considerados como concepções distintas que deveríamos harmonizar, mas antes como duas etapas de um mesmo impulso da imaginação e da vontade criadora do homem – a vontade de criar à imagem das suas emoções e do seu intelecto; a paixão de criar à imagem do seu próprio poder; o desejo de dar parceiros ao seu pensamento mais profundo (SULLIVAN, 2010, p.71). Assim, na seção prática ou técnica mostra com desenhos transformações de formas geométricas rígidas, entendidas como receptáculos de energia, que ao serem manipuladas liberariam essa energia por meio de eixos principais e derivados. O que se tem nas edificações de Louis Sullivan é uma ornamentação com fundamento na continuidade das linhas, uma configuração líquida, que ocasionalmente elevam-se à terceira dimensão pelas sobreposições das formas, mas é um tipo de ornamento que possui a função de pele do edifício. Uma vestimenta exuberante total para o corpo arquitetural. A complexidade gerada pelas manipulações formais ocorre em forma de padronagens e texturas que recobrem o edifício, diferentemente das conformações do Art Nouveau europeu, que são fundamentalmente lineares e não se comportam como uma rede que embala a arquitetura. O grau de recobrimento é distinto; enquanto um é próximo da profusão barroca, o outro o é da delicadeza do rococó. E ainda, o modo de desenvolvimento da linha é muito distinto: ao passo que o Art Nouveau europeu 47 Apesar da tendência metafísica do arquiteto, há a clara delimitação da origem do poder criador do homem no próprio homem, e não em algo externo a ele, fruto do divino ou qualquer outra ordem. Existe um conflito interno a Sullivan entre a realidade sensível e a suprassensível, que a meu ver é interessante pois estabelece uma dialética entre racionalidade e emoção no seu posicionamento na vida e na arquitetura. 53 tende a seguir a lógica formal do “whiplash” – o chicote – de Hermann Obrist (1862- 1927) e referências vegetais e animais literais, no Art Nouveau de Sullivan a rigidez da geometria inicial, mesmo que animada pela manipulação formal, permanece de forma discreta, mas perceptível pelo seu caráter de padrão. Característica que não diminui a excelência do seu ornamento, mas o posiciona de outra forma e inclusive a partir de premissas distintas, apesar de correlatas. O que sobressai no ornamento sullivaniano é a capacidade criadora do homem e não a natureza em si, não obstante o fundamento naturalista. Fig. 22 | “A manipulação do orgânico” - reprodução de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fonte: Paul Knight, 2011. http://www.paullknight.com/ Fig. 23 | “O inorgânico” - reprodução de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fonte: Paul Knight, 2011. http://www.paullknight.com/ Fig. 24 | “A geometria fluente” - reprodução manual de “A System of Architectural Ornament” (1924). Fonte: Paul Knight, 2011. http://www.paullknight.com/ Fig. 25 | Ornamento do Carson, Pirie, Scott, & Company Building (1899), de Louis Sullivan. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. 54 O fundamento racionalista de Sullivan que é utilizado pelos modernistas como confirmação de sua posição na arquitetura não é falso, contudo, tal característica não existe no arquiteto de forma dissociada de outros conceitos conflitantes e que, pelos seus escritos e obras, sobressaem-se e expressam sua natureza. Por que a frase que ecoa nos modernistas surge de um texto que diria dos arranha-céus de escritórios tomados pelo ponto de vista artístico e não funcional? O quarto ponto por que passa a análise de Sullivan, nunca citado48 em textos modernistas, é o seguinte: 4º. a passagem da arquitetura elementar às premissas de uma verdadeira expressão arquitetural pela adição de uma certa qualidade e quantidade de emoção. Mas, ainda que o nosso edifício tenha cumprido, em larga medida, estas condições, manter-se-á, todavia, ainda muito afastado da cabal solução do problema que tento definir aqui (SULLIVAN, 2010, p.14). O problema a ser definido no texto é como gerar o caráter nobre, no sentido ruskiano, no edifício. Trata-se, pois, de um problema estético, e como tal, origina-se na sensação. É função do ornamento em Sullivan resolver o que a funcionalidade e a racionalidade, em suma, o intelecto, não dão conta, que é lidar com as emoções. A posição do ornamento é, assim como em Gaudí e na Art Nouveau européia, confluente a uma atitude anticlássica, cuja supremacia da imaginação é sua principal característica. Pode-se incluir aqui que a imaginação é o maior de todos os poderes funcionais do homem, e o mais astuto; assim como o intelecto é o mais frágil, o mais sujeito à desorganização, o mais dado à covardia e à traição, se não for contínua e lucidamente sustentada pelo poder do instinto. O poder do intelecto é válido quando submetido à dúvida. Porém, a loucura vem quando se permite que ela usurpe os domínios do instinto. A exposição principal do intelecto é chamada lógica; mas os processos do instinto envolvem uma lógica muito mais sutil e poderosa porque é primordial. É frente a esta diáfana e instável lógica do instinto, sempre em operação e perceptível como um processo que envolve certeza e finalidade, que o espírito livre do homem se inclina – por meio da identificação com a vida. Porque a vida é desta lógica transcendental e a expõe, primeiramente ante ao instinto e, a partir daí, ao intelecto do homem (SULLIVAN, 2011, p.46). 48 Apesar do texto ser reproduzido quase que na íntegra – cinquenta e seis linhas transcritas – por Leonardo Benevolo (1976, p.250), este trecho é suprimido, a que parece, de maneira proposital, de modo a enfatizar a metodologia de projeto funcional de um edifício de escritórios. 55 O modo dialético como Louis Sullivan encara razão e sensibilidade é o que possibilita coexistir em seu pensamento a arte, ciência e filosofia. Assim, seu sistema ornamental baseado no ciclo da vida em direção ao florescimento se sustenta pelo que chamou de “mística”, a fusão em um único impulso vital do orgânico e do inorgânico49. Arts and Crafts: a metamorfose da obra total O fundamento do movimento conhecido como Arts and Crafts foi o alargamento dos limites da disciplina artística, para além da pintura e da escultura, abrangendo as artes decorativas – design gráfico, de objetos, jóias, utensílios, tapeçaria, e outros. Esse alçamento das artes decorativas ao estatuto de obra de arte implicava não estabelecer distinções a partir do tipo de atividade, mas avaliar as produções pelas qualidades técnicas e estéticas – ou mesmo funcionais, quando era o caso – enquanto artefatos humanos. A constituição de diversos ateliers, workshops e práticas conjuntas, não só possibilitou diversos modos artísticos coexistirem em um mesmo lugar, mas também estimulou as criações colaborativas. Essa característica foi crucial para a arquitetura, a qual teve a oportunidade de influenciar e ser influenciada pelas novas artes e fazer parte de empreendimentos interdisciplinares. A possibilidade da obra de arte total estava lançada. O movimento originado na Inglaterra possuía a particularidade ruskiniana de desaprovar qualquer produção mecanizada e serializada, cuja divisão do trabalho fabril impossibilitava o trabalho humano criativo pleno; atitude então compatível com a ideologia socialista que eclodia em meados do século XIX. Tratava-se de uma posição moral acerca do problema da arte, o qual estaria para além dela mesma, imbricado no âmago da sociedade industrial que a produzia50. Dessa forma, William Morris (1834- 1896), um dos pioneiros e defensores dessa renovação do design, tenta estabelecer uma prática que simultaneamente impõe apenas procedimentos medievais em suas oficinas (BENEVOLO, 1976) e realiza novas visões estéticas principalmente para sua 49 É exatamente essa fusão que é a base da noção de geometria sagrada e de sua utilização ao longo dos séculos nas mais variadas atividades, inclusive e sobretudo, na arte e na arquitetura. A relação entre geometria e natureza na contemporaneidade será discutida de maneira mais aprofundada na PARTE 2 desta tese. 50 Henry Cole (1808-1882), Augustus Pugin (1812-1852) e Owen Jones (1809-1874) na primeira metade do século XIX já criticavam a má qualidade e a banalização do design produzido industrialmente. 56 tapeçaria e seus papéis de parede. Apesar das referências historicistas presentes em sua produção, a exaltação do naturalismo será uma das principais influências para o desenvolvimento da Art Nouveau, enquanto o enaltecimento do trabalho artesanal será plataforma para a constituição de associações, corporativas e escolas de Artes e Ofícios51. Contudo, ao passo que Ruskin e Morris pretendem associar arte e sociedade a partir de uma moral; os artistas, designers e arquitetos do movimento Art Nouveau realizam, de modo geral, a arte pela arte, cuja legitimidade está na sua própria constituição. Ao final do século XIX, o movimento Arts and Crafts acontecia paralelamente, e eventualmente sobreposto, ao Art Nouveau. Não obstante as primeiras décadas de formação do Arts and Crafts, a romantização de estilos passados e a reconexão com a paisagem tradicional52 se dissolvem e a experimentação de novas possibilidades estéticas, tendo em vista o fundamento colaborativo entre as artes, parece ser um caminho interessante. Duas jovens figuras serão expoentes dessa nova fase do movimento: Charles Rennie Mackintosh (1868-1928), em Glasgow, Escócia; e Josef Franz Maria Hoffmann (1870-1956), em Viena, Áustria. Ao passo que o primeiro não terá focos teóricos, políticos ou organizacionais muito claros (KINCHIN, 2000), o segundo terá uma agenda bem definida: A produção do Werkstätte [Workshop], então, estava definida contra o historicismo e a imitação do passado, contra a produção em massa mal feita e contra o tour de force associado ao Art Nouveau francês e belga. O objetivo, assim como o dos designers do Arts and Crafts inglês, era “produzir requisitos domésticos bons e simples” (NAYLOR, 2000, p.305)53. O Wiener Werkstätte, ou Workshop de Viena, foi uma empreitada encabeçada por Hoffmann após sair do grupo Secessão, em 1905, junto com Gustav Klimt (1862-1918), Koloman Moser (1868-1918) e outros dezoito membros importantes, por questões 51Tais instituições surgiram a despeito da dificuldade prática de abolição completa da máquina no processo produtivo. Ao fim da década de 1880, Morris já tinha uma postura mais flexível, contudo permanentemente crítica, acerca do uso de máquinas industriais na produção de design. Dizia que o designer deveria, então, sair de uma posição de submissão à uma de dominador da máquina. Só assim a plenitude do trabalho criativo poderia ser atingida. 52 Um dos principais e influentes exemplos é o projeto da Red House por Philip Webb (1831-1915) para William Morris, em Bextleyheath, Kent, 1859-1860. 53 Tradução nossa. 57 políticas, pessoais e de inveja internos à organização. Essa corporação colaborativa só foi possível pelo investimento de capital do mecenas e dono de empresas de tecido Fritz Waerndorfer (1868-1939), que não só patrocinou durante bom tempo as atividades do grupo, mas tornou-se fiel cliente e amigo de Hoffmann e Klimt. Em viagem a Londres, tomou conhecimento da produção de jovens artistas de Glasgow que expunham na Mostra de Arts and Crafts de 1896. Essa foi a primeira exposição importante dos trabalhos do Glasgow Four, composto pelo arquiteto Charles R. Mackintosh, sua futura esposa, a pintora e vitralista Margaret MacDonald (1864-1933), sua irmã Frances MacDonald (1873-1921) e o arquiteto Herbert MacNair (1868-1955), que frequentemente trabalhavam em conjunto. Curioso com tal trabalho, Waerndorfer viaja a Glasgow em 1900, passa a conhecer o casal Mackintosh e os convida a participar da Oitava Exposição da Secessão, em Viena, naquele mesmo ano. A obra do grupo e especialmente a de Mackintosh influenciará sobremaneira a arquitetura de Josef Hoffmann nos anos a seguir. O escocês terá um modo ornamental muito particular, que se deve tanto às influências da Art Nouveau continental e do Japonismo, quanto das idiossincrasias da região de Glasgow e da cultura escocesa. Nos seus interiores de residências e casas de chá, minuciosamente detalhados, exibem uma espacialidade geralmente clara, com tons de verdes, rosas, cinzas e roxos, composta por mobiliários e elementos decorativos com linhas retas e equilibradas por curvas em pontos específicos. Um de seus projetos mais impressionantes, apesar de não construído, foi a “House for an Art Lover”, objeto de um concurso de arquitetura promovido pelo publicitário Alexander Koch em 1900. O edital exigia um projeto completo da edificação, incluindo áreas externas, ambiências internas e mobiliário (PICKERAL, 2005). Apesar de não ter havido ganhadores neste concurso, as publicações do projeto de Mackintosh tiveram grande repercussão. O projeto se inicia pela sua apresentação. A página de capa que introduz o trabalho possui três figuras femininas esguias, verticalizadas pelas linhas curvas, dinâmicas e quase abstratas das vestimentas, e ornadas por linhas mais sinuosas e próximas umas das outras que surgem como extensões dos cabelos das mulheres. Três rosas de tamanhos distintos são dispostas de modo equilibrado na composição e três corujas 58 estilizadas se dão as asas ao redor das cabeças das figuras femininas. A tipografia particular de Mackintosh é utilizada em toda a apresentação. O trabalho gráfico de pôsteres, pinturas e gravuras do arquiteto evidencia tanto a ênfase no desenho de plantas e flores durante sua formação na Escola de Arte de Glasgow, quanto o uso de elementos estilizados da cultura celta. O edifício em si possui uma estética exterior sóbria, mas leve, uma mistura da simpatia de uma casa de campo inglesa vernacular e a diversidade formal de um castelo medieval. A disposição dos espaços e das aberturas nas plantas e fachadas gera um volume assimétrico, que evidencia claramente uma concepção espacial de dentro para fora. Apesar disso, o volume é bem composto e sua materialidade é a textura da argamassa de recobrimento pintada de cinza claro. Fig. 26 | Desenho de Mackintosh da sala de música para a Hill House (1902-1904). Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 27 | Desenho de Mackintosh do exterior da Hill House (1902-1904). Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Tal estratégia de projeto e de intenções espaciais será materializada no projeto da Hill House, entre 1902 e 1904. Ambos os projetos, apesar da exterioridade se estabelecer de forma sóbria com referências medievais, as interioridades são delicadas e cheias de luz. Destaca-se no projeto do concurso a sala de música: todo o mobiliário, fixo ou móvel, é desenhado minuciosamente, possuindo uma composição leve, clara, pontuada com as cores recorrentes em seu trabalho, alternando ritmos de linhas retas 59 com algumas pequenas explosões curvas, com seus motivos femininos e rosáceos 54. Sem dúvida, a delicadeza dos interiores e dos detalhes, em especial suas luminárias, deve-se a influências japonesas, assim como vários trabalhos Art Nouveau do continente e muitas obras de Frank Lloyd Wright. O projeto da Glasgow School of Art (1896-1899), foi a primeira grande comissão recebida por Mackintosh e escolhida, dentre outras propostas, pelo então diretor da escola Francis Newbery, que viu no jovem arquiteto potencial e frescor para a construção de uma arquitetura contemporânea escocesa. A proposta foi vencedora por além da sensibilidade de desenvolver uma estética compatível com o lugar, fundamentalmente pela escolha dos materiais de fachada – dois tipos de arenito da região, um amarronzado e outro mais claro –, Mackintosh, por ter estudado naquela escola por cerca de dez anos, tinha ideias muito interessantes de como deveria ser o espaço acadêmico: as salas de estúdio eram envidraçadas em quase a totalidade do pé-direito triplo e possibilitavam a confecção de qualquer tipo de arte e em qualquer escala; os halls dos estúdios eram neutros e amplos de modo a acomodar exposições dos trabalhos dos alunos; e a biblioteca possui desenhos altamente sofisticados do mobiliário – mesas e cadeiras de estudo, das luminárias, das estantes e painéis, que se harmonizavam em um ambiente intimista marcado pelos tons escuros de madeira e pelas luminárias pendentes próximas nas mesas. A estética e o modo de projetar de Mackintosh, que em grande parte dos projetos tinha a colaboração de sua esposa no desenho dos vidros e de afrescos nas paredes, sugeria um pensamento total sobre o espaço, o que em si, não era nada novo no contexto do século XIX, mas que é revolucionário no modo de tratamento das interioridades. Essa união entre arte e arquitetura terá repercussões fundamentais nos projetos de Josef Hoffmann e de Frank Lloyd Wright. 54 A sala de música tem tamanha repercussão que Fritz Waerndorfer, na reforma de sua residência em Viena em 1902-1903, contrata Mackintosh e Margaret MacDonald para projetarem um salão de música, além de Hoffman para fazer uma sala para crianças, um escritório e a sala de jantar, e Moser para uma peça de mobiliário. 60 O grupo de Hoffmann, Wiener Werkstätte, por sua estrutura organizacional conseguirá levar a cabo o conceito de obra de arte total no Palais Stoclet, em Bruxelas, entre 1905-1911, projeto do próprio Hoffman e com colaborações de Klimt em mosaicos e quadros, de Ludwig Heinrich Jungnickel (1881-1965) em murais e de Franz Metzner (1870-1919) nas esculturas de bronze no topo de edifício. Esta obra, encomendada pelo industrialista e colecionador de arte Adolphe Stoclet (1871-1949), é reconhecida entre os historiadores da arquitetura e da arte um dos mais notáveis trabalhos em que a interdisciplinaridade e o trabalho colaborativo de diferentes artífices resultaram em um espaço total, imerso no design e na arte de maneira intrínseca. O palacete possui uma forma assimétrica, resultado do movimento e decomposição de volumes de cada pavimento e da configuração de uma torre do lado do porte-cochère. Desse modo, criam-se terraços e solários que dinamizam visualmente a volumetria pela tensão compositiva. Além da implantação estratégica, os volumes e elementos artísticos são reiterados por linhas protuberantes de padrão geométrico que acompanham suas arestas e realçam a verticalidade da torre, encimada por quatro figuras masculinas nuas de bronze e uma cúpula de cobre oxidado com motivos vegetais e florais representando “a simbiose de todas as artes” (FAHR-BECKER, 2004, p.377). Fig. 28 | Detalhe de fachada do Palais Stoclet. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 29 | Detalhe da torre do Palais Stoclet. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. Fig. 30 | Interior do Palais Stoclet. Fonte: Wikipedia Commons, obra de domínio público. 61 Em todas as instâncias, trata-se de um edifício feito com materiais nobres e com um interior suntuoso, cujo efeito é garantido pela profusão de texturas de mármores, painéis de Klimt e de Jungnickel. De fato, há a tentativa de criar uma ambiência completa e unificada pela composição minuciosa das peças construtivas e das artísticas. (...) Hoffmann exerce sobre seus contemporâneos uma influência muito maior do que através das obras arquitetônicas. Graças a ele, a tradição Arts and Crafts é liberada de todo traço de medievalismo, de tal modo que o gosto da Wiener Werkstätte acaba ditando as regras em toda a Europa, inclusive na França e na Inglaterra, onde suplanta em partes as tradições locais análogas (BENEVOLO, 1976, p.298). O Wiener Werkstätte será muito eficiente em divulgar seu modo de trabalho – haja vista a criação da Bauhaus sob os parâmetros colaborativos e de unificação das artes – e sua estética tendenciosa para a abstração, influenciando a arquitetura de Adolf Loos – purista no seu exterior e abstratamente suntuosa no seu interior. Contudo, tanto as interioridades de Hoffmann quanto as de Loos diferem-se muito da delicadeza e claridade dos interiores de Mackintosh. Este último, a despeito de circunstâncias pessoais, depressão e tendência ao alcoolismo, não teve a sequência de comissões que os arquitetos de Viena, ou mesmo Frank Lloyd, tiveram. Aparentemente, para o bem ou o mal, a arquitetura e a arte não bastam por si só. A arquitetura orgânica de Frank Lloyd Wright: o modo antigo de olhar A categoria “obra de arte total”, do modo como era entendida pelo movimento de Artes e Ofícios, é no mínimo superficial ao confrontarmo-la com noção de Arquitetura Integral, delineada pelo arquiteto norte-americano Frank Lloyd Wright (1867-1959). Discípulo de Louis Sullivan, o jovem arquiteto incorpora o que de mais valioso poderia aprender nos anos que passou em seu escritório – entre 1888 e 1893 – que é o reconhecimento da natureza como fonte inesgotável de sabedoria, a partir da qual o homem deve dar presença a sua força criadora. A arquitetura da integridade de Wright é primeiramente uma que se funda na unicidade e fluidez entre interior e exterior. Isso significa que o lugar e o edifício são uma e única coisa. É a diferença de dizer que uma arquitetura está em um sítio e que 62 esta arquitetura é (n)o sítio. Trata-se, pois, de uma reconsideração da relação entre a arquitetura e o lugar, o que atualmente não é nada novo: basta relembrar a bandeira fenomenológica levantada por Christian Norberg-Schulz com o conceito de Genius Loci55 – o espírito guardião ou protetor de um lugar, conforme os gregos acreditavam ser necessário perceber, intuir, para descobrir o modo adequado de construir naquele determinado lugar. A arquitetura converte-se em algo integral; expressão de uma nova antiga realidade; o espaço interior habitável do compartimento. Na arquitetura integral, o mesmo espaço deve fluir em todas as direções (WRIGHT In RODRIGUES, 2010c, p.220). A visão profunda que Wright tem da natureza é muito semelhante à de Sullivan e, por conseguinte, da de Gaudí. Apesar de o catalão estabelecer uma relação formal e estrutural mimética da natureza, seu respeito pela sua riqueza, força e versatilidade, representativos de um poder divino, é próximo da de Wright, especialmente no que tange o conceito de continuidade. Para ambos, a continuidade dos planos de teto e parede é não só uma possibilidade técnica, como um entendimento mais profundo dos mecanismos orgânicos. Este conceito de espaço interior, a primeira e mais vasta integridade é o primeiro grande recurso. É também a verdadeira base para o significado da forma como um todo. Acrescente-se para uma maior clareza conceitual que está na natureza de qualquer edifício orgânico desenvolver-se a partir de seu local, ainda que a interação global esteja já implícita no primeiro recurso. Assim emerge um organismo do solo em direção à luz sendo esse mesmo solo considerado parte integrante do edifício. Teremos então, em primeiro lugar, o novo edifício como ente Orgânico. Um edifício tão digno como o é uma árvore na natureza (WRIGHT In RODRIGUES, 2010c, p.220). A ornamentação de Sullivan pretendia uma continuidade epidérmica no edifício, de modo ao ornamento não se fazer de fundo nem figura. Wright irá deslocar o conceito de Sullivan para além do potencial estético para o nível da configuração conceitual e física geral da edificação. A ornamentação líquida do Art Nouveau representava continuidade, mas não se sustentou como inovadora por ainda ser uma arquitetura de elementos sobre elementos que, apesar de se tentar dissolver as juntas pela fluidez 55 Cf. Genius Loci: Towards a Phenomenology of Architecture. 1980. 63 das peças, carecia de real unidade (HALE, 1994), mas que foi atingida particularmente por Gaudi. A arquitetura orgânica de Frank Lloyd, da integralidade e continuidade, tem como consequência uma nova estética, a qual chamou de “Plasticidade”, que não implica necessariamente a presença de formas sinuosas, mas revela a expressividade da estrutura formal do edifício enquanto uma única entidade. Uma folha de uma árvore geralmente possui uma haste central a partir da qual há ramificações ou da base dessa haste há a formação radial de outras hastes, de todo modo, elas são interligadas pela “pele” da folha conformando linhas e superfícies contínuas e fluidas. Se um elemento é dissociado do outro, perde-se a expressão plástica da folha. Wright dá exemplo do concreto armado que possibilita criar superfícies e peças contínuas pela soldagem das barras de aço que compõe a armação da estrutura, podendo ter a geometria e a extensão que se desejar, considerando confluência entre a natureza dos materiais, os métodos e os propósitos (WRIGHT In RODRIGUES, 2010a). Analisando a produção de casas do arquiteto observamos uma posição mais clássica, com maior rigor compositivo, entre 1893 e 190056, em que tenta encontrar seu modo de projetar; ao passo que, até o início da década de 1920, Wright irá desenvolver a lógica das casas de pradaria57, nas quais já há intenções de maior dinamismo volumétrico e de relações entre interior e exterior. Em ambas as fases, há a presença das influências nipônicas e do Arts and Crafts europeu, em especial de Mackintosh, no desenho dos ornamentos e mobiliários. Na década de 1920, o arquiteto desenvolverá um modo altamente inovador do uso de finos blocos de concreto preenchidos por armações, possibilitando paredes mais finas e ao mesmo tempo estruturais. Contudo, 56 Exemplo fundamental da primeira fase é a sua própria casa e estúdio, em Oak Park, construída entre 1889-1897. 57 Os exemplares das Prairie Houses mais importantes são a Henderson House (Elmhurst, 1901), onde se percebe forte influência japonesa na exterioridade da casa; a Ward Willis House (Highland Park, 1902), na qual as referências ornamentais de Mackintosh estão presentes na vidraçaria, nos mobiliários e nas luminárias; e a Frederick C. Robie House (Chicago, 1908), que é definidora de um novo modo, mais dinâmico, de articulação espacial interna e de sua relação com o exterior. Necessariamente isso implica um desenvolvimento formal inovador pela separação de massas volumétricas horizontalizadas, nas quais é impresso dinamismo pelo surgimento de varandas e pelos grandes beirais assimétricos. 64 a principal característica dessas casas – a maior parte construída na Califórnia58 – é o ornamentalismo cada vez mais sofisticado impresso nos blocos de concreto, criando uma série de texturas e padrões geométricos. Todas as casas desse período se assemelham a templos antigos perdidos em meio à mata, fundamentalmente pela fragmentação e dinamismo formal, cuja complexidade era aumentada pelas zonas de penumbra originadas das reentrâncias dos ornamentos. A luz californiana tem papel decisivo na materialidade das casas. O ornamento é tomado como requisito espiritual. Fig. 31 | Detalhe de fachada, Millard House (1923) Fonte: http://www.archdaily.com/77922/frank-lloyd-wrights-textile-houses Fig. 32 | Interior da Millard House (1923). Fonte: http://millardhouse.com/ Fig. 33 | Fachada frontal, Ennis House (1924). Fonte: http://www.archdaily.com/83583/ad-classics-frank-lloyd-wright-ennis-house Fig. 34 | Storer House (1923) Fonte: http://www.californiahomedesign.com Fig. 35 | Detalhe, Storer House (1923) Fonte: Wikipedia Commons. 58 Na Califórnia, as casas mais impressionantes, talvez de toda a sua produção, são a Arline Barnsdall House (1920), a Alice Millard House (1923), a John Storer House (1923), a Harriet and Samuel Freeman House (1924) e a Mabel and Charles Ennis House (1924). 65 Por isso digo que o quarto novo recurso e a quinta exigência para o novo significado e integridade é o ornamento integral do edifício como a poesia em si mesma. (...) (...) O ornamento significa não apenas a superfície qualificada pela imaginação, mas também a mesma imaginação outorgando um modelo natural à estrutura (WRIGHT, 2010c, p.226). Essa produção ornamental de Wright ocorre na mesma época da Villa La Roche (1923) de Le Corbusier, da Bauhaus de Dessau (1925-1932) de Gropius, e mais de dez anos depois da Villa Steiner (1910) de Loos e da publicação de “Ornamento e Crime”. Ao mesmo tempo em que as casas californianas evidenciam o ornamento a outro modo – um modo integral e total da forma, o da forma-ornamento – a posição de Frank Lloyd é radicalmente anticlássica, a ponto de preferir, no caso de sua visão não poder ser materializada, as máquinas estéreis de morar do que a superficialidade ornamental dos estilos antigos (WRIGHT In RODRIGUES, 2010c). O conceito de arquitetura orgânica se torna maduro no final da década de 1920 e ao longo dos anos de 1930. As noções de pertencimento da arquitetura ao sítio são plenas no projeto da casa Kaufmann, a casa da cascata, que surge da paisagem como se dela sempre fosse. O bloco de pedra emerge da terra e dele, os volumes de concreto parecem se movimentar. A integração ali é completa com a paisagem e é um dos melhores exemplos dos fundamentos de Wright. Em 1938, a Taliesin West, ateliê e casa sazonal do arquiteto, é materializada e se mostra como um dos projetos mais sensíveis ao sítio que Lloyd já fizera, seja pelo desenvolvimento da forma, pelo entendimento do clima do Arizona, seja pelo uso sofisticado e criativo das pedras locais como agregados na composição de seu concreto. Esse complexo de edifícios em uma escala apropriada ao homem e ao lugar é exemplar prematuro, mas em perfeita forma, do que proporia o Regionalismo Crítico cerca de quarenta anos depois. O ideal democrático e a crença no poder do homem, herdados de Sullivan e de sua história de vida, tomam corpo na última fase de suas casas, às décadas de 1940 e 1950, denominadas Usonianas. Tratava-se de um conceito utópico que relacionava a produção da arquitetura e a formação de uma nação plenamente democrática. Nesse período houve uma série de experimentações formais geométricas aliadas ao conceito 66 de organicidade. Serão obras com a sofisticação formal de Sol Friedman House (1948), David Wright House (1952), Boomer Residence (1953), Robert Wright House (1957) e Aime and Normn Lykes House (1959) que influenciarão a vertente formal e conceitual da Arquitetura Orgânica de Bruce Goff (1904-1982), Kendrick Kellogg (1934-) e Bart Prince (1965-). 67 CAPÍTULO 3 | ARQUITETURA ORGÂNICA: o outro modernismo Tomado filosoficamente, o universo é composto da Natureza e da Alma. De modo preciso, portanto, tudo que é separado de nós, tudo que a Filosofia distingue como NÃO EU, isto é, ambas a natureza e a arte, todos os outros homens e meu próprio corpo, precisam ser categorizados por este nome, NATUREZA (EMERSON, 2011, p.2)59 . Um novo modo ornamental para a arquitetura 190860 é o ano em que Adolf Loos escreve seu ataque ao ornamento, em que Worringer publica “Abstraktion and Einfühlung” e Frank Lloyd Wright, com 41 anos, escreve o primeiro texto da série intitulada “Em Defesa da Arquitetura”, no qual indica o modo de pensamento que se sofisticará ao longo de mais 51 anos. Seu ponto de partida, contrário ao de Loos, é sobre a necessidade da compreensão da lei natural. Wright (In RODRIGUES, 2010) propõe um retorno à natureza, mas não de um modo superficial ou simplista, mas que deve ser acompanhado de um olhar novo, mais profundo e interior, dos padrões formativos naturais. A Natureza nunca se apresenta de forma totalmente adequada para o retrato, tal como nunca se apresenta adequadamente ao arquiteto; isto é, pronta a usar. Todavia, por trás das suas formas mais óbvias ela encerra em si uma escola prática em que um sentido de proporção pode ser cultivado, quando Vignola e Vitrúvio falharem como sempre falham (WRIGHT In GUTHEIM, 1941, p.31)61. Wright entende que o sentido do orgânico é uma percepção indispensável ao arquiteto. Essa intenção de reconexão com a Natureza, física e, sobretudo espiritual, é indício do reconhecimento dos prejuízos para a humanidade da supremacia absoluta e restritiva do racionalismo desde seu ressurgimento no Renascimento. Frank Lloyd, a essa altura da carreira, já entendia que se tratava de um problema generalizado de percepção e criticava a frivolidade e superficialidade do homem moderno, seduzido pelo capital e pela moda (WRIGHT In GUTHEIM, 1941). Nesse sentido, o arquiteto é praticamente Ruskiniano ao criticar a excessiva maquinização que distancia os homens 59 Tradução do autor. Original em inglês da versão de 1849 de “Natureza”, de Ralph Waldo Emerson: “Philosophically considered, the universe is composed of Nature and the Soul. Strictly speaking, therefore, all that is separate from us, all which Philosophy distinguishes as the NOT ME, that is, both nature and art, all other men and my own body, must be ranked under this name, NATURE.” 60 É também neste ano que Antoni Gaudí toma notoriedade nos Estados Unidos pelo seu audacioso projeto para um hotel em Nova Iorque, com 360 metros de altura – encomendado por dois magnatas norte-americanos – que se tornaria o edifício mais alto do mundo se construído. Gaudí havia acabado de concluir a Casa Batlló (1904) e a Casa Milà (1906). 1907 e 1908 foram os anos da fase dourada de Gustav Klimt e uma série de artistas e arquitetos ligados ao Art Nouveau e ao Arts and Crafts estavam atuantes. 61 Tradução do autor. 68 do solo e deles mesmos. Os textos de Wright, independentemente da época em que foram escritos, carregam certos termos para se falar de arquitetura que atualmente estão em completo desuso, como “integridade espiritual do ambiente”. Quando se diz do espírito do espaço, está implicada a existência de algo para além da fisicalidade da construção. Isto é reconhecer a natureza da dupla distância da percepção: não só percebo o espaço e as coisas com meus sentidos, como o espaço e as coisas me afetam de maneira distinta e individual, que pode ser variável de momento para momento e segundo minha disposição física e psíquica. Então o espírito do espaço é uma formação perceptiva de dupla fonte, no mínimo, aquele que sente e aquilo que é sentido. Vemos eco dessa posição nos discursos de Louis Kahn – “o que o edifício quer ser?” – e na vertente fenomenológica da arquitetura, como no conceito de “atmosfera” de Peter Zumthor. Nesse sentido, a aproximação de Wright com a natureza é uma tentativa de superar a condição materialista da humanidade e reconciliar matéria e espírito62. O espírito é substância interior e próprio a cada espaço. O maior deleite que os campos e as florestas oferecem é a sugestão de uma relação oculta entre o homem e os vegetais. Eu não estou sozinho e despercebido. Eles acenam para mim, e eu para eles (EMERSON, 2011, p.5)63. Seu encontro com as filosofias e arquiteturas orientais64 foi determinante para o amadurecimento da noção de integridade em arquitetura, de ser com a natureza, de ser na totalidade. Para o arquiteto os termos integral, natural e orgânico usados para caracterizar um modo de arquitetura são sinônimos. Natural ou orgânico não são 62 Sobre a relação entre matéria e espírito, Ralph Waldo Emerson será um dos principais autores a influenciar as ideias de Wright. Contudo nesse discurso encontra-se eco da “Fenomenologia do Espírito” (1807) de Hegel, e repercussão em Henri Bergson, com “Matéria e Memória: Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito” (1896), por exemplo. De todo modo, talvez a referência mais constante de Wright nos seus escritos seja sobre a filosofia natural do TAO, de Lao-Tzu, além da influência teosófica especialmente a partir da década de 1930, no período da Taliesin West. 63 Tradução do autor. Original em inglês da versão de 1849 de “Natureza”, de Ralph Waldo Emerson: “The greatest delight which the fields and woods minister, is the suggestion of an occult relation between man and the vegetable. I am not alone and unacknowledged. They nod to me, and I to them”. 64 O japonismo estava em alta no final do século XIX em Boston, onde um grupo composto pelo biólogo marinho Edward S. Morse (1838-1925), pelo filósofo e historiador de arte Ernest Fenollosa (1853-1908), pelo artista Arthur Dow (1857-1922) e pelo acadêmico e curador de arte Kakuzo Okakura (1857-1913) ficou conhecido como “os orientalistas de Boston”. Na década de 1890, Wright passou a ter contato direto com Fenollosa, que era primo primeiro de Joseph Lyman Silsbee, seu primeiro empregador em Chicago, na altura dos seus 19 anos. Cf. NUTE, Kevin. Frank Lloyd Wright and Japan: The Role of Traditional Japanese Art and Architecture in the work of Frank Lloyd Wright. London: Routledge, 2000. 69 usados simplesmente no seu sentido biológico, mas também de forma metafórica para indicar arquitetura enquanto “entidade viva” (WRIGHT, 1953, p.43). Em um texto de 1937, “Alguns aspectos da arquitetura antiga e atual” 65, Frank Lloyd expõe seu conhecimento e sua admiração pela arquitetura dos antigos, das tribos selvagens, em especial aqueles considerados não-clássicos66, cuja cultura parece ter um entendimento das leis cósmicas e de que o homem é apenas uma pequena parte desse cosmos, da natureza, como os egípcios, os maias, os celtas, os chineses, japoneses e persas, por exemplo. Wright (1953, p.45) considera que os maias e chineses só conseguiram desenvolver formas tão assertivas por estas “procederem da mais pura e profunda conexão com a natureza elementar e das formas da natureza dos materiais usados por eles”. Dois conceitos básicos em arquitetura surgem desse interesse pelos antigos: ordem e padrão. O que Wright chama de antiga ordem é a relação da arquitetura e da vida com os princípios da natureza, que se fundam no equilíbrio, na harmonia e na permanente condição de transformação em conformidade com as leis cósmicas: nascimento (formação), crescimento (desenvolvimento), morte (transformação). São essas leis que criaram os padrões formativos das mais variadas entidades orgânicas e inorgânicas; o princípio de crescimento67. A noção da antiga ordem trata dessa relação profunda com o solo e com o céu, com a natureza e o cosmos. Wright culpa o academicismo e a influência do materialismo, condições ligadas diretamente ao pensamento racionalista, como causas da impossibilidade de uma relação mais profunda com o natural e do encurtamento da percepção, isto é, da indiferença sinestésica do corpo e da mente com o mundo. Arquitetura é abstrata. A forma abstrata é o padrão do essencial. Isto é, como podemos ver, espírito em formas objetivadas. De modo preciso, abstração não possui realidade exceto enquanto incorporada nos materiais. A realização da forma é sempre geométrica. Isto é dizer, ela é matemática. 65 “Some aspects of past and presente architecture”, em “The future of architecture”, 1953. 66 Wright diz que a mentalidade orgânica, em oposição à clássica, esteve latente na humanidade ao longo de mais de vinte séculos. Essa mentalidade é “algo co-natural, similar, às singelas verdades de Jesus, assim como há quinhentos anos na filosofia natural do Tao – o Caminho – do filósofo chinês Lao- Tzu” (WRIGHT In RODRIGUES, 2010c, p. 220). 67 O princípio de crescimento (growth pattern) é o principal argumento visual de Owen Jones para comprovar a derivação das ornamentações geométricas e abstratas mouras, árabes e persas da natureza. Sem dúvida os trabalhos de Jones foram de conhecimento de Wright, em especial pelo seu contato direto e profundo com Sullivan. 70 Nós chamamos isso de padrão. A geometria é o sistema mais óbvio a partir do qual a natureza opera para manter sua escala em “designing”. Ela relaciona as coisas entre si e com o todo, enquanto ela traz ao seu olho uma irregularidade de efeitos dos mais sutis, misteriosos e aparentemente espontâneos. Portanto, é a partir do abstrato incorporado que qualquer verdadeiro arquiteto, ou qualquer verdadeiro artista, precisa trabalhar para transformar suas inspirações em ideias de forma no reino das coisas criadas. Para chegar à “forma” expressiva ele, também, precisa trabalhar a partir de dentro, com a geometria do padrão matemático (WRIGHT, 1953, p.52-53)68. A proposta de uma Arquitetura Orgânica é anti-clássica. Isto é, exige uma visão integrada da arquitetura e da vida, uma visão sistêmica, holística. Wright fala de entender a indissociabilidade entre espírito e matéria, e do retorno à natureza, isto é, do retorno à origem. Nesse sentido, a arquitetura orgânica torna-se interpretação da vida em si. O arquiteto finaliza seu texto de 1937 indicando a necessidade de se aprender com a cultura indígena para atingir a nova integridade. O termo indígena é preciso porque indica aquilo que existe naturalmente ou que é próprio e sempre esteve em certo lugar. Mais que o significado do termo, as culturas indígenas ao redor do mundo sempre souberam lidar com seu contexto natural, sempre viveram em harmonia com o local. Se Adolf Loos foi incapaz de perceber o modo como a vida era encarada pelos indígenas e como a ornamentação era parte integral em todos os seus aspectos, Wright é seu extremo oposto e associa, portanto, o clássico ao caos, ao irrequieto; e o orgânico à ordem, ao repouso. Na arquitetura orgânica, o edifício é intrínseco ao lugar, é nativo, isto é, nasce dele. Do mesmo modo, o ornamento é do edifício, ao invés de estar aplicado nele. A noção de ornamento integral é cara para Frank Lloyd na formulação da Arquitetura Orgânica, pois é “o modelo natural da atual construção” e “requisito espiritual para um real significado” (WRIGHT In RODRIGUES, 2010c, p.226). O ornamento integral implica que o ornamento e o edifício são uma só entidade. Não se trata, pois, de um aplique para embelezamento, mas assim como nada é adicionado à árvore no seu desenvolvimento, mas transformado, assim é na arquitetura orgânica. O ornamento e o edifício são formações de uma mesma fonte, de um mesmo padrão de crescimento. Entender o ornamento enquanto modelo natural do edifício é imprimir esse padrão na arquitetura enquanto um todo: uma entidade formada de partes indissociáveis. 68 Tradução do autor. 71 Forma, função, estrutura, ornamento são juntos. O ornamento enquanto portador de histórias, ideias, mitos, fatos e representações da vida é uma das partes que, junto com as demais, como em uníssono, anima o inorgânico e o transforma. “(...) arquitetura ‘orgânica’: a expressão viva do espírito humano vivo. Arquitetura Viva” (WRIGHT, 1953, p. 298). Segundo o especialista em ornamento, professor Kent Bloomer (2000), o termo é originário do interior do termo grego Κoσμος ou Kosmos, o que significava “universo”, “ordem” e “ornamento”. Kosmos era posto em contraste com a palavra Chaos, que indicava para os gregos algo anterior à emergência do mundo como eles o conheciam, ao passo que o Kosmos era a atual e profunda configuração das coisas no mundo e a totalidade dos fenômenos naturais. Ou seja, implicava o reconhecimento de um padrão natural que explicava o modo como as coisas eram e a partir daí representava a totalidade. A discussão de Worringer de que a constituição dos ornamentos ao longo da história se deu pela transformação dos padrões naturais em formas, seja por empatia ou por abstração, mas traziam em si um conhecimento da ordem da vida. Para Wright (1953, p.323), o ornamento está para a arquitetura como a “eflorescência de uma árvore ou planta está para sua estrutura” e deve ser concebido de modo a se tornar a “poesia” e “o caráter da estrutura revelada e sublimada”. O primeiro livro que servirá como disseminador da noção de arquitetura orgânica é o Verso un’architettura orgânica69, de Bruno Zevi (1918-2000)70, publicado em italiano em 1945 e em inglês em 1950. Zevi faz um panorama da arquitetura da primeira metade do século XX, incluindo a ascensão e a queda da arquitetura moderna na Europa, discute o termo “orgânico” em relação à arquitetura e faz considerações sobre as ideias e obras de Wright. Quando da primeira publicação, Frank Lloyd já estava com 78 anos e Zevi com 27. O arquiteto norte-americano já possuía alguma influência na Europa por meio de palestras e exposições, mas o livro de Zevi, assim como a fundação 69 Em tradução livre para o português, “Por uma arquitetura orgânica” ou “Rumo a uma arquitetura orgânica”. Trata-se da primeira grande publicação de Zevi, aos seus 27 anos. 70 Zevi tem contato com o trabalho de Wright nos seus anos na Graduate School of Design da Harvard University, à época sob direção de Walter Gropius. 72 da Associazione per l'Architettura Organica71 (A.P.A.O), em 1944 em Veneza, garantiram a disseminação de suas ideias na Italia e outras partes do continente. Apesar de Zevi avançar para além da visão limitada de Giedion do termo orgânico – de que orgânico e geométrico são opostos, assim como o irracional e o racional, isto é, um entendimento meramente compositivo e aparente do termo – o arquiteto italiano prefere não definir precisamente o termo, possivelmente pelo vocabulário romântico que Wright utilizava, que em muitos círculos arquitetônicos, inclusive atualmente, implicariam um discurso frágil ou idealista. Falar em termos metafísicos tem sido cada vez menos legítimo nos discursos arquitetônicos – assim como em outras esferas da vida – vista a supremacia do materialismo e do pensamento racionalista. Poder-se-ia especular que Zevi, por se tratar de sua primeira grande publicação, era cauteloso com as palavras, ideias e autores que citava, intentando ter algum tipo de aceitação junto à comunidade de arquitetos que foram formados direta ou indiretamente pelos mestres modernistas do início do século. No entanto, poderíamos dizer que Zevi entendeu apenas parcialmente as origens e o significado de orgânico para Wright e suas repercussões para além da prática arquitetônica. Bruno Zevi falha em entender a dimensão que o conceito de natureza que Wright construiu para si pela influência emersoniana, taoísta, teosófica e das arquiteturas maias e japonesas. A visão mística e transcendental que o arquiteto norte-americano desenvolveu é complexa e fundante da sua concepção da arquitetura orgânica. Nesse sentido, o livro transparece a ênfase nos objetos construídos em detrimento do discurso e a crítica feroz ao naturalismo, ao figurativo e ao ornamento – este, sempre tratado como decoração, inclusive terminologicamente72. Disso temos duas implicações problemáticas: (1) Zevi, àquela época, ao selecionar que parte do discurso de Wright ele iria utilizar para explicar a sua própria concepção de arquitetura orgânica, desvincula a teoria da prática, o que faz parecer que haveria um modo prático de fazer arquitetura orgânica, independente das aspirações dos arquitetos. Ele não propõe uma visão acrítica de Wright, mas ao evidenciar uma visão apenas parcial 71 Associação pela Arquitetura Orgânica. 72 A palavra ornamento nem aparece no index de termos ao final do livro. 73 do pensamento e da obra do arquiteto certas questões ideológicas são impostas: Zevi, naquele momento, é uma mistura de funcionalista e de humanista. Por humanista, podemos entender que há uma dupla preocupação no seu discurso, uma com respeito aos ideais sociais – os quais ele vincula ao sentido de orgânico – e outra em relação ao antropocentrismo – que coloca o homem no centro da arquitetura73. Uma visão muito mais ampla é desenvolvida por Wright, em que o homem é apenas parte da natureza. (2) A segunda implicação é a postura moral ainda anti-ornamental e purista dos primeiros modernistas. Zevi critica em diversos momentos o caráter ornamental da arquitetura de Wright, mas sempre se referindo à sua “decoração Art Nouveau (...) com padrões lineares neuróticos” (ZEVI, 1950, p.73), caracterizada também como de muito mau gosto. Nesse sentido, o autor é claro em ser contra a origem naturalista da arquitetura orgânica e contra o que chamou de falácia biológica, que pretende entender o espaço como uma entidade que seria extensão da natureza e do corpo humano. Bruno Zevi (1950, p.75) critica o biomorfismo por estar nas “raízes do expressionismo”, evidenciando seu juízo de valor em favor do racionalismo e do funcionalismo. Da mesma forma que Zevi não simpatiza com o retorno (no caso de Wright, a continuidade) do naturalismo, ele também não compreende o caráter romântico das obras do norte-americano. A palavra romance, assim como beleza, para Wright diz respeito a uma qualidade do espaço. Diz da supremacia da imaginação. A poesia da forma é tão necessária para a grande arquitetura como a folhagem é para a árvore, brotos para a planta, ou carne para o corpo (...). Enquanto a mecanização da construção não estiver a serviço da arquitetura criativa e não a arquitetura criativa a serviço da mecanização nós não teremos grande arquitetura (WRIGHT, 1953, p.322). De todo modo, as preocupações de Zevi parecem coincidir com as do Team 1074 no início da década de 1950, no que se refere aos conceitos de identidade, lugar, memória, que tentam recuperar a posição do sítio e das necessidades físicas e psicológicas das pessoas como fundamentos da arquitetura. 73 Cf. o capítulo intermediário de Zevi intitulado “Meaning and scope of the term organic in reference to architecture”. Em tradução livre: “Significado e escopo do termo orgânico em referência à arquitetura”. 74 O grupo de arquitetos vinculados ao Team 10 ou Team X é tido como pioneiro na crítica à arquitetura e ao urbanismo modernistas, apesar das produções de Wright, Aalto e outros expoentes anti- racionalistas que atuaram simultaneamente às três gerações modernistas, entre as décadas de 1920 e 1950. 74 Não se sabe da impressão que Wright teve do livro, mas talvez o tenha impelido a publicar em 1953 “The future of architecture”, o livro que mais bem explica sua posição em relação à arquitetura, contendo transcrições de palestras em Princeton (1930), em Chicago Art Institute (1931) e em Londres (1939), e três textos recentes: “Alguns aspectos sobre passado e o presente da arquitetura” – em que discute a relação entre as arquiteturas antigas, a de sua época e a sua própria posição –, “Alguns aspectos sobre o futuro da arquitetura” – no qual explica a concepção de arquitetura orgânica e como ela pode superar a estandardização (apesar do estilo internacional) –, e “A linguagem de uma arquitetura orgânica” – em que explica nove termos, que em geral são entendidos erroneamente, fundamentais para a compreensão de sua proposta: natureza; orgânico; forma segue função; romance; tradição; ornamento; espírito; terceira dimensão; espaço. 9. ESPAÇO. O contínuo acontecimento; fonte invisível de onde todos os ritmos fluem para onde devem passar. Para além do tempo ou do infinito. A nova realidade que a arquitetura orgânica serve para empregar no construir. O respiro da obra de arte (WRIGHT, 1953, p.323-324). Fundamentos filosóficos da arquitetura orgânica O ensaísta e poeta americano, Ralph Waldo Emerson (1803 – 1882), foi uma das principais influências formadoras do pensamento de Wright. Nascido em uma família de unitaristas transcendentalistas, Frank Lloyd teve seus primeiros encontros com ensaios e poemas de Emerson quando jovem por influência de seus pais. Aos nove anos, sua mãe Anna Lloyd-Jones mantinha o interesse do jovem em arte, música e arquitetura, em especial pelos materiais que à época trouxe da Philadelphia Centennial Exposition referentes aos movimentos mais recentes: o Arts and Crafts inglês e o Art Nouveau; ambos fundamentais para a formação estética de Wright (MUDGE, 2015). O jovem Frank Lloyd já era incentivado a ler importantes livros sobre arquitetura, em especial de Ruskin e Viollet-le-Duc, além de Plutarco, Shakespeare, Goethe, Thomas Carlyle, e Emerson. Quando, aos 20 anos, já estava em Chicago trabalhando para Adler e Sullivan, sua mãe, que morava com ele em Oak Park, dava cursos de Emerson para 75 grupos de mulheres75. Assim, o arquiteto sempre esteve rodeado pelos pensamentos romântico, naturalista e transcendentalista. Os principais ensaios de Emerson que terão influência direta no pensamento de Wright são “Nature” (1836), “Self-Reliance” (1841) e “The Over-Soul” (1841)76. Em “Nature”, Emerson é impelido a construir uma argumentação a favor da necessidade de uma outra relação, mais profunda, do homem com a natureza. Ele é consciente da degeneração da humanidade e a consequente relação de dominação e exploração inescrupulosa com o meio natural. Ele esclarece, já naquela época, que a razão pela qual o mundo está em colapso, em um processo autodestrutivo, em primeiro lugar, é que “(...) o homem está desunido com si mesmo. Ele não pode ser um naturalista até que satisfaça todas as demandas do espírito. Amor é tanto uma demanda, como uma percepção” (EMERSON, 2011, p. 39). Isso significa que a construção de uma relação de alteridade com a natureza, isto é, de reconhecimento de sua grandeza, de sua inteligência, de sua ordem, de sua beleza e do sentimento de necessidade de fazer parte dela, está condicionada a, antes, conhecer a si mesmo. Emerson, em “Self- Reliance” e em “The Over-Soul”, irá tratar dos temas do poder, da moral, da alma e do espírito do homem, reflexões caras para Sullivan e Wright. O amante da natureza é aquele cujas sensações interiores e exteriores ainda estão verdadeiramente afinadas uma à outra; aquele que manteve o espírito da infância mesmo na idade adulta (EMERSON, 2011, p.4). A percepção não-viciada, não ideologizada e livre da criança, é a que deveríamos conservar junto a evolução de nossa consciência moral e espiritual, de modo a possibilitar um maior entendimento, mesmo que parcial, da existência. Emerson associa a palavra grega Κoσμος ou Kosmos, que representava o mundo, à beleza. A constituição de todas as coisas, a ordem do universo, do cosmos, existente nos processos da natureza vem à primeira percepção enquanto beleza, enquanto prazer. “(...) tal é o poder plástico do olho humano, que as formas primárias, como o céu, a montanha, a árvore, o animal, nos dão um deleite neles e por eles mesmos; um prazer 75 Anna Lloyd-Jones foi uma das fundadoras do Nineteenth Century Woman’s Club, onde liam e discutiam Ralph Emerson, Robert Browning e John Burroughs. 76 Em tradução livre: “A Natureza” (1836), “Confiança em Si” (1841) e “A Sobre-Alma” (1841). 76 originado de seu contorno, suas cores, seus movimentos e agrupamentos” (EMERSON, 2011, p. 8). Para Emerson, então, o homem virtuoso estaria em harmonia com a natureza. O reconhecimento de sua beleza seria apenas o primeiro estágio de um conhecimento mais profundo, de sua relação com o intelecto e com o espírito. Uma das principais interpretações de Emerson que serão importantes para Wright, e que na verdade não se trata de nada novo, mas uma recuperação fundamental para o naturalismo do século XIX, é a noção da natureza enquanto uma disciplina, isto é, enquanto fonte de conhecimento. Os povos indígenas, independente da localidade, tiveram que aprender com o meio natural de suas regiões, de modo a perpetuar e facilitar sua existência. A “mãe natureza” era, pois, fonte de sustento e de sabedoria. Emerson entende que é possível depreender dos processos naturais infindáveis inteligências, verdades e morais. Nesse sentido, a relação dos antigos com a natureza era altamente profunda. Desde a Revolução Industrial, pela mecanização dos processos e produtos que garantem a sobrevivência do homem e pela consequente e crescente distância física, intelectual e espiritual em relação ao natural, outro tipo de relação – mais superficial – se instaurou. Não é por menos o ressurgimento do discurso naturalista com o título raso de sustentabilidade à década de 1970, em um contexto – no qual ainda vivemos – da visão de um futuro negro para a humanidade se uma consciência sistêmica e, por conseguinte, ecológica da vida não se tornar regra novamente. A natureza sempre esteve associada ao divino, isto é, à hipótese – em geral inquestionável – da necessária existência de uma força superior para a realização de um sistema tão complexo e diverso, mas ao mesmo tempo, sujeito a leis cósmicas reconhecíveis que regem sua materialidade, suas transformações e a ordem das coisas. Contudo, com a transformação do caráter e do grau da relação da maior parte da humanidade com o natural, decorrente do crescente materialismo, há a diminuição do interesse intelectual e espiritual a esse respeito. Isso implica a dissociação dos conceitos de natureza, de homem/corpo e espírito. 77 (...) [a natureza] sempre fala de Espírito. Ela sugere o absoluto. Ela é um efeito perpétuo. Ela é uma grande sombra sempre apontando para o sol atrás de nós. O aspecto da natureza é de devoção. Com a figura de Jesus, ela permanece com a cabeça baixa, e as mãos apoiadas sobre o peito. O homem mais feliz é aquele que aprende com a natureza a lição de veneração (EMERSON, 2011, p.33). Considerando esse necessário olhar interior de cada um para si mesmo em prol de pensar sobre a existência de modo geral, parece ter sido imperativo para Emerson ter escrito cinco anos depois, em 1841, dois ensaios seminais: “Self-Reliance” e “The Over- Soul”. O primeiro diz do poder que o homem tem, não só sobre as coisas, mas em si mesmo e para si mesmo, isto é, exalta a capacidade individual de tomar suas próprias decisões, de pensar por si mesmo, de criar seus caminhos, e evoluir física, intelectual, moral e espiritualmente. Essa confiança no homem é a aposta de Sullivan e de Wright para a democracia plena em uma sociedade orgânica, a qual se fundaria numa visão mais ampla, cooperativa, ecológica e moralmente virtuosa da vida. O segundo texto diz da necessária supremacia do espiritualismo na dualidade com o materialismo. Esta condição atingida facilitaria sobremaneira a evolução do homem, de seu espírito e sua relação com o mundo ao qual ele pertence. Homem e Terra são um só: natureza. No texto é percebida a influência oriental dos Vedas e as noções de imortalidade da alma, da diferença de caráter e de grau entre a consciência e a alma, de vidas passadas e futuras, e de evolução da alma. A visão integrada de arquitetura que Wright possuía é derivada em muito da influência que os escritos de Emerson tiveram sobre ele e da sua natural inclinação para as filosofias naturais orientais. Nesse sentido a arquitetura de Frank Lloyd é emersoniana e oriental. ... Em uma primeira palestra, da série proferida em Londres em 1939 a arquitetos e estudantes ingleses, intitulada “Uma arquitetura orgânica”, o arquiteto relata que os ideais orientais sobre arquitetura e sobre a existência já permeavam seus pensamentos mesmo antes de tê-los conhecido propriamente. As noções de plasticidade, de integração das partes com o todo e em especial a de que “a realidade do edifício não consiste nas paredes e na cobertura, mas no espaço interior dentro do 78 qual se vive” (WRIGHT, 1953, p.226) são confirmadas para Wright como fundamentos básicos para a arquitetura orgânica que estava a construir, envolta em ideais naturalistas, transcendentalistas e democráticos. Wright diz nessa palestra que seu primeiro contato com Lao-Tzu77 foi a partir de um pequeno texto que o embaixador do Japão nos Estados Unidos, à época de sua comissão para o projeto do Hotel Imperial em Tóquio (por volta de 1913 a 1915), deixou em sua residência. As noções taoístas78 da vida se fundam na percepção que a natureza nunca é estática, isto é, está em constante transformação, exibindo padrões cíclicos, os quais sempre tendem a uma condição de equilíbrio, mesmo que dinâmico; e no entendimento de que a existência humana também deve ser conduzida de tal maneira. A lógica cíclica da natureza é traduzida na ideia de retorno à origem. A interpretação fenomenológica que Wright dá essa ideia se mistura às de Emerson para a afirmação que a nova integridade, isto é, sua arquitetura orgânica, insistiria na cultura indígena como a nova realidade. A sabedoria intuitiva, isto é, aquele conhecimento não institucionalizado como racional, característica das culturas tradicionais, em especial dos índios americanos, cujas vidas foram organizadas a partir de uma consciência refinada do meio ambiente (CAPRA, 1982), é o que guiará Wright na formulação de sua abordagem arquitetônica. A dualidade que esta tese tem abordado até agora, entre razão e intuição, funcionalismo e organicismo, materialismo e espiritualismo, abstração e empatia, homem e natureza, é uma em desequilíbrio, não só na arquitetura, mas no percurso da humanidade de modo geral. Desde o século XVI aos dias atuais, o antropocentrismo e o racionalismo exacerbados têm comprometido os limites da percepção das coisas e da vida. Um alargamento de percepção, isto é, um movimento de expansão da consciência para além do próprio indivíduo, é a aposta de Wright para uma arquitetura mais consciente dos sistemas da natureza. A filosofia natural do Tao indica que a 77 Também conhecido como Lao Tse ou Laozi, foi filósofo e escritor chinês e é creditado como autor do Tao Te Ching – em português, traduzido como O Livro do Caminho e da Virtude – e fundador do Taoísmo. Viveu entre os séculos V e IV antes de Cristo. 78 Segundo o Mestre Wu Jyh Cherng (TSE, 2011), o taoísmo se baseia no estudo de três escritos, simbolizados na imagem de uma árvore: a raíz é I Ching – O Livro das Mutações, o tronco é o Tao Te Ching – Livro do Caminho e da Virtude e a flor é o Nan Hua Ching – O Livro da Flor do Sul. 79 ordem natural é o equilíbrio dinâmico entre dois pólos arquetítipos, o yin e o yang (CAPRA, 1982). O Tao pode ser entendido como um princípio de ordem que regulamenta o cosmo; o Tao é ao mesmo tempo o modo de ser do universo e a estrutura fluídica cósmica que não pode ser apropriadamente descrita, mas apenas percebida. É a sabedoria central do universo, a sabedoria que abrange a essência de seu propósito e de sua direção (HATHAWAY; BOFF, 2012, p.25- 26). Fritjof Capra (1982) explica que esses opostos não se configuram como categorias distintas, mas condições ou modos extremos de um único todo. Não há nada somente constituído de yin ou só de yang, isto é, na natureza esses opostos aparecem de maneira cíclica, ora um atinge o seu clímax, ora o outro. Todas as transformações são graduais e ocorrem de modo ininterrupto. Não se trata de uma configuração ser boa ou má; na cultura chinesa o ruim é a desarmonia entre tais opostos. No que se refere aos fenômenos da natureza, Capra (1982, p.33) indica algumas polaridades: O yin sempre79 esteve associado ao feminino enquanto o yang ao masculino. Os antigos chineses acreditavam que cada indivíduo passa, ao longo de sua existência, por fases alternadas de cada modalidade. Capra (1982) interpreta o yin como a uma condição que engloba atividades receptivas, consolidadoras e cooperativas, ao passo que o yang estaria vinculado a atividades agressivas, expansivas e competitivas. Considerando a supremacia masculina, patriarcal, na dominação da natureza e da mulher ao longo dos séculos de existência da espécie humana, inclusive na atualidade, é facilmente perceptível o desequilíbrio em diversas esferas da vida por conta dessa direção escolhida. Por essas características, o yin possui consciência do meio ambiente, 79 Segundo Richard Wilhelm (2006), o mais reconhecido tradutor do I Ching, originalmente o significado de yin é “o nebuloso”, “o sombrio”, e yang significa “estandartes tremulando ao sol” ou “algo que brilha”, “luminoso”. Antes dos termos yin e yang serem empregados no I Ching, a partir das interpretações de Lao-Tsu e de Confúcio, eram utilizados os termos “o maleável” e “o firme”. YIN TERRA LUA NOITE INVERNO UMIDADE FRESCOR INTERIOR YANG CÉU SOL DIA VERÃO SECURA CALIDEZ SUPERFÍCIE 80 do todo, do cosmos, enquanto o yang possui uma consciência do eu, da parte, do individual. No que concerne valores e atitudes culturais, Capra (1982, p.36) estabelece algumas associações esclarecedoras de yin e yang: A filosofia do Tao – O Caminho, assim como o Confucionismo, é derivada do Livro das Mutações – em chinês, I Ching, redigido originalmente em tempos imemoriáveis80, cujo fundamento base de seus ensinamentos é a ideia de mutação, isto é, do eterno movimento e transformação das coisas segundo a lei da natureza. Aquele que percebe o significado da mutação, fixa sua atenção não mais sobre os entes transitórios e individuais, mas sobre a imutável e eterna lei que atua em toda mutação. Essa lei é o Tao de Lao-Tse, o curso das coisas, o princípio Uno no interior do múltiplo. (WILHELM, 2006, p.8-9). A profunda consideração de Wright pela natureza não é simplesmente influência de textos filosóficos naturalistas, mas decorrente de uma legítima empatia com o natural, de um alargamento de percepção ao longo de sua vida, sem o qual tais textos e ideias não teriam tido o efeito que tiveram sobre ele. Em 1911, aos 44 anos, começa a construção da Taliesin East, sua nova casa e estúdio no interior de Winsconsin, e mais tarde, em 1937, aos 70 anos, ele adquire 800 acres de terra no deserto do Arizona, próximo a Phoenix, e constrói a Taliesin West. O estar com a natureza era importante para Wright, tanto em sua vida como em sua arquitetura. Mesmo em contextos urbanos, a consciência do integral é presente: o edifício é completo nele mesmo, mas também é pertencente ao todo. É curioso observar como as características de yin e yang podem ser atribuídas aos modos de pensar e projetar presentes na arquitetura 80 A literatura chinesa atribui quatro autores ao longo da história para o I Ching: Fu Hsi, Rei Wen, o Duque de Chou e Confúcio. O Livro das Mutações tem sido usado como oráculo e fonte da sabedoria milenar chinesa sobre os modos e desdobramentos das mais variadas situações da vida. (WILHELM, 2006). YIN FEMININO CONTRÁTIL CONSERVADOR RECEPTIVO COOPERATIVO INTUITIVO SINTÉTICO YANG MASCULINO EXPANSIVO EXIGENTE AGRESSIVO COMPETITIVO RACIONAL ANALÍTICO 81 orgânica e na arquitetura modernista, dadas as suas respectivas origens naturalista e racionalista. Fig. 36 | Taliesin West (1937-). Fonte: GFDL. Wikipedia Commons. Fig. 37 | Taliesin West (1937-). Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 38 | Detalhe, Taliesin West (1937-). Fonte: Steven Price. Wikipedia Commons. Há algo completamente entorpecido Anterior à criação do céu e da terra Quieto e ermo Independente e inalterável Move-se em círculo e não se exaure Pode-se considerá-lo a Mãe sob o céu Eu não conheço seu nome Chamo-o de Caminho Esforçando-me por denominá-lo, chamo-o de Grande Grande significa Ir Ir significa Distante Distante significa Retornar O Caminho é grande O céu é grande A terra é grande O rei é grande Dentro do universo há quatro grandes, e o rei é um deles O homem se orienta pela terra A terra se orienta pelo céu O céu se orienta pelo Caminho 82 O Caminho se orienta por sua própria natureza (TZE, 2011, p.28, §25). Um dos principais teóricos do ornamento e defensores de uma visão mais ampla e integrada da arquitetura, quase sempre desconsiderado na historiografia oficial do início do século XX, foi o arquiteto norte-americano Claude Fayette Bragdon (1866- 1946). Em 1910, ele escreve seu primeiro livro intitulado “The beautiful necessity”81, no qual constrói uma visão teosófica da arquitetura, isto é, uma abordagem mais espiritual que parte do princípio que a humanidade sempre teve necessidade de dar sentido e significado para suas criações. A teosofia é um termo geral que designa diferentes doutrinas espirituais e esotéricas e condensa o substrato, o conhecimento essencial, de cada uma delas construído ao longo da história. A russa Helena Petrovna Blavatsky82 (1831-1891) foi figura central na construção e divulgação das ideias teosóficas e fundou a Sociedade Teosófica em 1875. A segunda metade do século XIX teve um aumento exponencial e generalizado no interesse pelos temas esotéricos, ocultistas, misticistas e espiritualistas. Blavatsky influenciou escritores como Leon Tolstoi (1828-1910) e H. P. Lovecraft (1890-1937), artistas como Wassily Kandinsky (1866-1944) e Piet Mondrian (1872-1944) e arquitetos como Sullivan, Wright e Bragdon83. O objetivo desse trabalho por ser então estabelecido: mostrar que a Natureza não é “uma ocorrência fortuita de átomos”, e designar ao homem seu lugar adequado no esquema do Universo; resgatar da degradação as verdades arcaicas que são a base de todas as religiões; e desvelar, até certo ponto, a unidade fundamental de onde todas elas nascem; e finalmente, 81 Em tradução livre, “A necessidade de beleza”. 82 As principais obras de Blavatsky são “The Secret Doctrine”(1888) – “A Doutrina Secreta” –, “The Key to Theosophy”(1889) – “A Chave para a Teosofia” – e “The Voice of the Silence”(1889) – “A Voz do Silêncio”. A autora é considerada uma das principais responsáveis pela abertura do ocidente aos conhecimentos e às práticas orientais. 83 Bragdon também sofreu influência de outros autores esotéricos como seu contemporâneo russo Peter D. Ouspensky (1878-1947), que publicou, dentro outros livros, “The Fourth Dimension” (1909), “Tertium Organum: The Third Canon of Thought, a Key to the Enigmas of the World” (1912, traduzido pelo próprio Bragdon e Nicholas Bessaraboff em 1920), “A New Model of the Universe: Principles of the Psychological Method in Its Application to Problems of Science, Religion and Art”(1914). Ouspensky foi pupilo de George Ivanovich Gurdjieff (1866-1949), que também influenciou Wright e muitos outros àquele tempo com sua crença na necessidade de união plena entre corpo e espírito a partir de estados alterados de consciência para atingir o potencial humano completo. Seu método foi chamado de “The Fourth Way” e era baseado nos fakirs árabes, nos monges budistas e nos yogi hinduístas. 83 mostrar que a dimensão oculta da Natureza nunca foi abordada pela Ciência da civilização moderna (BLAVATSKY, 2012, pref. §11). A necessidade de beleza de Bragdon diz, portanto, da sempre recorrente vontade de reconhecimento da beleza do universo, da natureza e seus fenômenos. A tradução desse conhecimento no campo espacial é o seu propósito nesse primeiro livro e, nesse sentido, endossa a arquitetura orgânica de Louis Sullivan84 e Frank Lloyd Wright. Bragdon, no início de seu texto, expõe uma série de aspectos da história da arquitetura que a aproximam e a afastam da teosofia. Ele observa que as arquiteturas que foram imbuídas de mais mistério e simbolismo necessariamente ocorreram em períodos e povos em que se desenvolveu um profundo sentido religioso e/ou espiritual para a existência. Bragdon compara como as arquiteturas egípcia e gótica criaram artifícios espaciais para tentar estabelecer uma relação mais próxima entre o divino e o profano. O autor ressalta o papel determinante da presença de fragmentos da Doutrina Secreta85 – transmitidos por meio de símbolos e dos segredos dos antigos construtores de catedrais – na formulação do que foi a arquitetura gótica. (...) o ciclo arquitetural moderno ainda está no futuro. Não é descabido acreditar que o movimento em direção ao misticismo, do qual a teosofia moderna é uma fase e a espiritualização da ciência um episódio, irá florescer como uma arquitetura que será algo como a reencarnação e o retorno do espírito Gótico, utilizando novos materiais, novos métodos, e desenvolvendo novas formas de transmitir verdades antigas (BRAGDON, 2015, cap1, §31). Essa consideração profética de Bragdon tinha uma posição ruskiana forte e encontra eco na arquitetura de Gaudí e Wright, além de seus seguidores. Toda a argumentação no livro segue condições e processos da natureza, de modo que seus capítulos são intitulados e organizados da seguinte maneira: (1) A Visão Teosófica da Arte da Arquitetura, que estabelece os fundamentos para tal interpretação, os quais foram expostos acima. 84 Bragdon irá agenciar a última publicação de Sullivan, “The Autobiography of na Idea”, em 1924, ano de sua morte. 85 A Doutrina Secreta corresponde, segundo Blavatsky, à sabedoria sobre a existência do universo (para além do homem) acumulada ao longo do tempo. A autora, em seu primeiro livro, realiza um trabalho de articulação entre filosofias e sabedorias orientais e a ciência ocidental organizado inicialmente em dois volumes: Cosmogênese e Antropogênese. 84 (2) Unidade e Polaridade, que explica que uma das leis da natureza é a lei da unidade – que os organismos e as coisas são únicos neles mesmos, cujo senso do todo é muito mais que a soma das suas partes, as quais sozinhas não significam nada; e outra é a lei da polaridade, da dualidade, isto é, da existência dos opostos. A ordem da natureza só é atingida pela harmonia entre as dualidades, se uma se sobressai, o sistema se desequilibra. Para Bragdon, assim também é na arquitetura. (3) Transformação Permanente, em que explica as noções de (a) trindade – a dualidade sempre implica um terceiro elemento que dali emerge, que não é nem um nem outro, mas possui um pouco da natureza de cada um – e tem conotações com os frutos advindos da união de opostos86; de (b) consonância, que implica o reconhecimento da mesma essência ou ordem presente no microcosmos e no macrocosmos87. A lei da consonância pode ser associada à lei do padrão de crescimento ou transformação natural, é a lei da repetição; (c) diversidade na monotonia, que diz que apesar da repetição padrões na natureza, nenhuma árvore tem uma disposição de galhos como outra, nenhuma folha tem veios como outra, nenhum ser humano é idêntico ao outro. Isso significa que uma mesma lógica de constituição e crescimento não implica mesmos arranjos e formas88; de (d) equilíbrio, que é explicado pela harmonia estrutural e compositivo de algo, mas não implica necessariamente uma simetria perfeita; (e) transformação rítmica, que indica que tudo na natureza segue um ritmo, um padrão de desenvolvimento, uma lógica de movimento e transformação; (f) radialidade, conceito presente na natureza que 86 Bragdon ilustra essa seção com uma série de exemplos arquitetônicos relevantes ao longo da história – edifícios, sistemas estruturais, conformação de ornamentos, composições de fachadas e plantas – que utilizam organizações tripartites como fundamento. 87 O padrão da espiral de um nautilus é o mesmo da espiral do furacão, que é o mesmo da conformação das pétalas de um girasol, assim como da organização de galáxias e do DNA. A implicação arquitetônica disso é, por exemplo, a ideia de ornamento integral de Wright, que surge no e se integra ao edifício como o micro faz parte do macro, e reproduz sua ordem. Cf. Art Forms in Nature, de Ernst Haeckel e naturalmente as conexões com o tema da Geometria Sagrada. 88 Wright dizia que na arquitetura orgânica, “deveria haver tantas espécies (estilos) de casas quanto existem diferentes espécies (estilos) de povos e tanta diversidade quanto existem diferentes tipos de indivíduos. Um homem que tenha uma individualidade (e quem não a tem?) tem direito a expressá-la no seu próprio meio ambiente” (WRIGHT In RODRIGUES, 2010a). Nota-se, portanto, a posição indeterminista de Wright, em que a idiossincrasia prevalece sobre a generalidade e o profundo sobre o superficial. 85 evidencia o surgimento e a organização das coisas a partir de um centro – um fundamento radial –, como ocorre na origem de todo ser vivo, com o germe89, e como ocorre na disposição do sistema solar. (4) O Templo do Corpo, em que associa o edifício ao corpo humano, no sentido de que nosso corpo é o único lugar onde podemos nos encontrar e sermos plenos, isto é, é nosso santuário, nosso templo. O edifício seria então um artifício espacial que o homem criou para dar-lhe proteção e paz. Bragdon exalta o benefício do estudo da figura humana como modo de treinamento da percepção para composição, proporção, formas, conexões, etc. Segundo ele, um estudo desse tipo só tem a ser positivo, uma vez que se reconheceria a presença das leis da natureza e a complexidade (e ao mesmo tempo a simplicidade) com a qual opera. (5) Geometria Latente, em que diz da auto-organização e geometrização de elementos químicos, células e organismos microscópicos. As autoformações ocorrem na natureza desde as coisas visíveis e tangíveis – como cristais, flores, agrupamento de folhas – até as coisas invisíveis ao olho humano e intangíveis ao seu toque – como as moléculas de água, as células das plantas ou organismos microscópicos como os radiolários90. (6) A Aritmética da Beleza, em que recupera a noção de Geometria Sagrada91, pela qual é possível depreender das formas da natureza lógicas geométricas, de proporção e de progressão matemática. Interessa a Bragdon a permanência dos significados e simbolismos na arquitetura, em especial aqueles associados à perfeição da natureza. (7) Música Congelada, em que recupera a analogia de Goethe de que a música seria arquitetura líquida e a arquitetura seria música congelada, uma vez que ambos trabalham com ritmo, harmonia e movimento no tempo e no espaço. Bragdon leva ao extremo suas ideias nesse último capítulo, explicitando como e quando a arquitetura é ritmo, harmonia e padrão, assim como a natureza. 89 Cf. Teoria do Florescimento de Sullivan. 90 Cf. novamente estudos de Ernst Haeckel sobre os radiolários. 91 A Geometria Sagrada esteve presente com função simbólica em manifestações gráficas, artísticas e arquitetônicas de diversos povos desde tempos imemoriáveis pela observação de padrões da natureza e sua reprodução, figurativa ou abstrata, em artefatos humanos. O termo “sagrado” diz da natureza divina ou oculta da existência e da perfeição da natureza. 86 Fig. 39 | Desenho em “Projective Ornament”. Fonte: BRAGDON (2015). Fig. 40 | Desenho em “Projective Ornament”. Fonte: BRAGDON (2015). Fig. 41 | Desenho em “Projective Ornament”. Fonte: BRAGDON (2015). Este primeiro livro de Claude Bragdon é uma ode à natureza e à sabedoria antiga, em especial a oriental. Nesse sentido, esse arquiteto será um dos principais difusores da arquitetura orgânica e da necessidade do ornamento enquanto articulador geral da forma do edifício. Assim como Wright e qualquer outro anti-racionalista, a supremacia da razão é desafiada em prol da percepção, da imaginação e da memória. Bragdon, pouco antes da publicação de “A System of Architectural Ornament According with a Philosophy of Man's Powers”, de Sullivan em 1924, escreve o seu próprio sistema de ornamento arquitetônico em 1915: “Projective Ornament”. O título já indica a estratégia clara de geração ornamental: o desenho projetivo. Isso significa gerar ornamentos mais complexos a partir da tridimensionalização de configurações bidimensionais simples. Associando esse método ao seu sistema de valores e crenças, surge uma posição de extremo oposto à de seu contemporâneo Adolf Loos. Emerson diz “A percepção faz. A percepção tem um destino.” Como pode uma nova beleza surgir no mundo se não pelo despertar de uma nova percepção? Evolução é a chave-mestra da ciência moderna, mas essa mesma ciência ignora a evolução da consciência – da percepção. Isso ela trata como fixo, estático. Pelo contrário, ela é fluida, dinâmica. Se não fosse, haveria pouca esperança de uma nova arte (BRAGDON, 2005, concl. §1). 87 O arquiteto norte-americano tinha um importante fundamento para a constituição de seu sistema ornamental, que era a relação entre ornamento e psicologia, isto é, o potencial perceptivo do ornamento. O mecanismo da percepção92 é organizado esquematicamente pela seguinte sequência que ocorre em fração de segundos: sensação, estímulo neuronal, produção de imagens associativas a partir de fragmentos de memória e/ou produção de pensamentos e possiblidades de ação a partir da imaginação. Se se pretende um alargamento da percepção, ele só pode acontecer de duas formas: ou o sujeito predispõe o seu corpo às coisas ou as coisas incitam essa abertura. Frank Lloyd já apontava a condição de estreitamento de consciência em que a sociedade norte-americana se encontrava no início do século XX, assim como a grande maioria das pessoas que se associaram de alguma maneira aos movimentos teosóficos e espiritualistas, já em crescimento desde a segunda metade do século XIX. Nesse sentido, Bragdon é preciso na sua argumentação sobre a necessidade de um novo sistema ornamental: A psicologia, não mais satisfeita por manifestações superficiais, está se aprofundando cada vez mais no exame da mente subconsciente. A filosofia, pela desilusão da tradução da vida pelo método racional, em termos de inércia, está tentando apreender a contínua transformação universal por meio da intuição. A religião está abandonando a moralidade forjada pelo homem pelo seu entendimento superior em favor a uma busca pela experiência mística que renuncia tudo para tudo ganhar. Em suma, há uma renascença da admiração93; e a arte deve se afinar com essa nova essência do mundo moderno (BRAGDON, 2005, cap. II, §2). Para criar um novo modo ornamental, nós devemos ter uma conceituação do ornamento nesse espírito [de ser capaz de afetar as emoções como a música afeta], não como mera subdivisão rítmica do espaço e convencionalização floral, mas como simbologia, repleta de sentidos e profunda. Nós devemos acreditar que essa forma pode ensinar de maneira tão eloquente quanto a língua falada (BRAGDON, 2005, cap. VII, §7) . Àquela altura da história94, apesar das manifestações do Art Nouveau e do Arts and Crafts inglês e alemão, a hegemonia da produção arquitetônica ainda eram os 92 Cf. BERGSON, Henri. Matéria e Memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. 93 Bragdon utiliza o termo “wonder”, de difícil tradução em poucas palavras. Ele diz respeito à mudança de percepção da existência humana, que implica um reconhecimento e um senso de maravilhamento em relação à ordem complexa e perfeita de um universo cuja origem e cujo futuro são desconhecidos. 94 É importante observar que os principais arquitetos futuramente considerados modernistas de primeira geração ainda estavam iniciando suas carreiras e produzindo arquitetura revivalista e ornamental. O único arquiteto que dava indícios de uma posição anti-ornamental e altamente 88 revivalismos. Bragdon afirmava, assim como Wright, que a arquitetura moderna precisava se fortalecer para se sobressair à superficialidade da massificação estilística. Bragdon (2005, cap.1, §2) fala da urgência em se elaborar “formas arquitetônicas mais apropriadas e indígenas”, isto é, estratégias arquitetônicas próprias ao lugar, à determinada cultura, aos materiais, às necessidades físicas, funcionais e psicológicas das pessoas. Em suma, uma arquitetura idiossincrática. O termo “indígena”, também utilizado por Wright, é fundamental para caracterizar mais do que as relações específicas de determinada situação de projeto; significa um movimento de retorno e reconhecimento das origens, de modo geral, na arquitetura e na vida. É crucial entender a indissociação entre prática profissional e o substrato de valores que guiam a vida desses arquitetos. Esse modo de ver a vida e a arquitetura influenciou uma série de arquitetos em diversas partes do mundo, seja pelo contato direto com os pioneiros expoentes, seja pelo contato indireto com suas ideias e arquiteturas. Essa visão implica uma tomada de consciência anti-racionalista e anti-antropocentrista, que reposiciona a intuição, a memória e a imaginação junto à razão, e não subordinadas a ela, e o homem junto à natureza, e não mais em uma relação estritamente de dominação, mas de cooperação. Esse movimento que ocorre progressiva e ininterruptamente desde o final do século XIX, com a contribuição das mais variadas vertentes do Art Nouveau e do Arts and Crafts, a partir da década de 1920 passa a se desenvolver paralelamente ao que foi racionalista é Adolf Loos, com o projeto da Villa Karma (em 1904, aos 34 anos) e a Casa Steiner (1910, aos 40 anos). Peter Behrens (1870-1933), por exemplo, migra de uma posição ligada ao Art Nouveau, para a do Arts and Crafts com a fundação da Deutscher Werkbund, mas a tradição permanece sempre presente na maioria de suas propostas. Walter Gropius (1883-1969), aos 27 anos faz a Fábrica Fagus em 1910, mas permanece fazendo casas tradicionais até 1921. Em 1925, aos 42 anos projeta a Bauhaus de Dessau. Mies van der Rohe (1886-1969) fará seu primeiro projeto autônomo em 1907 e permanecerá fazendo casas revivalistas até 1926, quando aos 40 anos projeta o conjunto de apartamentos para a Afrikanische Strasse, em Berlim. Le Corbusier (1887-1965), apesar do experimento do sistema estrutural Dom-ino entre 1914 e 1915, permanecerá fazendo projetos tradicionalistas até 1923, aos 36 anos, quando realiza a Villa Roche. Nesse sentido, é possível afirmar que a produção considerada modernista purista se concentrou de por volta de 1923 ao início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, isto é, durou cerca de 16 anos. Le Corbusier do pós-guerra já estaria em sua fase brutalista, muito mais plástica; e Frank Lloyd Wright, já teria passado pela sua fase na California dos Textile Blocks, teria feito a Casa da Cascata de 1934 a 1937 e já estaria morando em sua casa/escritório/escola na Taliesin West (de 1937 a 1959), com uma série cada vez maior de discípulos e admiradores. 89 conhecido por Arquitetura Modernista, em especial com a fundação da Bauhaus95 em 1919 por Gropius. No entanto, essa nova vertente abstracionista e genérica teve seus opositores. A influência do Art Nouveau e do Arts and Crafts foi muito maior do que a grande maioria dos historiadores da arquitetura atesta. Essa vertente, assim como sua natureza empática – que inclui a tatilidade, o ornamental e o orgânico em prol da sensação –, foi suprimida da historiografia por não ter sido considerado um movimento coeso e nem de centro, apesar de mostrar muitos focos de incidência. Em geral, as arquiteturas periféricas raramente são catalogadas96, por mais pertinentes que sejam, em especial as arquiteturas derivadas da cultura construtiva de cada lugar e cada povo. 95 A Bauhaus foi criada a partir de um esforço coletivo que advém do grupo da Deutscher Werkbund, composta por Joseph Maria Olbrich, Henry van de Velde, Peter Behrens, Hermann Muthesius, Joseff Hoffman, Eliel Saarinen e posteriormente Ludwig Mies van der Rohe. Antes da Bauhaus ser assim nomeada e fundada, ela foi em 1860 a Grand Ducal Saxon Art School, em 1910 a Ducal Saxon College of Fine Arts, que ao ser fundida com a Grand Ducal Saxon School of Arts and Crafts – que de 1907 a 1915 foi fundada e dirigida por van de Velde – tornou-se em 1919 a Bauhaus, dirigida por Gropius até 1925. Alí foi imposto um novo direcionamento para a arquitetura, mais próximo da indústria de larga escala, da facilidade de construção e economia. Para tanto, uma linguagem mais abstrata e elementar foi necessária. Esse foi o ínicio do que Gropius chamou de “Nova Objetividade”. 96 Mesmo nessa tese, em que esse modo historiográfico é criticado, estamos cientes que qualquer escolha ou recorte implica em perdas, isto é, é difícil ser extensamente compreensivo e contemplar os mais variados pensamentos e práticas. No entanto, o que percebemos da historiografia da arquitetura do começo da primeira metade do século XX é que se trata de um empreendimento ideológico de cunho modernista, racionalista e funcionalista, que deliberadamente suprimiu aquilo que desmistificaria a noção de unidade no pensamento arquitetônico da época. 90 CAPÍTULO 4 | ARQUITETURA ORNAMENTAL A PARTIR DE 1920: uma análise a partir da forma Todo o sentido pelo ornamento e pelo detalhe em arquitetura está mudando segundo o modo como vivemos. Era nos tempos antigos, quando as pessoas andavam pelos lugares, que elas tinham tempo para se sentar e descansar e olhar para as coisas e estudar os pontos delicados do jogo. As pessoas no Alhambra podiam sentar-se lá por horas e contemplar os intrincados arabescos geométricos. Não se tinha a televisão, de modo a ter algo para fazer. Elas podiam olhar para todos os padrões no piso e nos detalhes. (...) com os carros e os aviões acelerando a vida, nosso senso de detalhe em arquitetura praticamente se esvaiu. Assim, como o ornamento. Nós estamos mais inclinados agora a considerar um edifício inteiro como ornamento do que pensar em ornamentos pontuais, em bandeiras, bordas e painéis. (GOFF In WELCH, 1996, p.316)97. Dos desdobramentos orgânicos As repercussões das ideias e da arquitetura de Frank Lloyd Wright possuem uma extensão de difícil delimitação, pois atingem desde o Japão e da Índia a diferentes partes da Europa, como Finlândia e Itália, além da influência dentro do próprio Estados Unidos, em estados como Illinois, Oklahoma, Wisconsin, Arizona e Califórnia. O fato de o arquiteto ter construído sua carreira de modo quase nômade, sem se estabelecer em um local pela vida inteira, possibilitou seu contato com outros arquitetos. A Taliesin North (1911-1925) em Spring Green, Winsconsin, e a construção da Taliesin West (1937 a 1959), Scottsdale, Arizona, marcam a constituição de seu estúdio e sua escola de arquitetura, até sua morte em 1959, aos 91 anos. Especialmente a Taliesin West foi um dos principais centros formadores de arquitetos orgânicos, mesmo depois da morte de Wright. A arquitetura orgânica e a filosofia holística de Wright, assim como o naturalismo das vertentes de Art Nouveau e o equilíbrio entre artesanato e a produção industrial nos centros de Arts and Crafts, influenciaram o desenvolvimento a partir da década de 1930 de três modos arquitetônicos ornamentais distintos98: o primeiro surge da continuidade de seu próprio modo de projetação, fundado em lógicas geométricas e 97 Tradução do autor. 98 Para uma compilação dos arquitetos orgânicos, as principais organizações e publicações, conferir o site da ADAO (Amici Della Architettura Organica) – International Group for the Organic Architecture: http://www.architetturaorganica.org/. 91 na noção de ornamento integral, que resultará em arquiteturas com grande ênfase no aspecto tátil do espaço e no detalhe construtivo e ornamental; o segundo modo leva ao extremo a noção de plasticidade de maneira a propiciar formas mais fluídas em direção ao amorfo, isto é, a arquitetura orgânica torna-se de fato orgânica formalmente; o terceiro modo é um desdobramento sensível e criativo da posição indígena para a arquitetura, que resultará em arquiteturas menos abstratas e mais figurativas, em que memória e imaginação passam a ter um alto valor para a conexão entre arquitetura, lugar e cultura. Da geometria e da abstração O primeiro modo ornamental, que teve influência direta de Wright a partir da década de 193099 – tanto pelo contato na Taliesin, como por meio de palestras, parcerias ou publicações –, é um reflexo equilibrado da arquitetura orgânica. Alguns dos arquitetos categorizados, em especial os europeus, também tiveram grande influência de Alvar Aalto (1898-1976), cuja produção arquitetônica inicia-se na década de 1920. Os principais expoentes do legado de Wright são100:  Frank Lloyd Wright Jr. (1890-1978);  Paul Schweikher (1903-1997);  Alden Dow (1904-1983);  Carlo Scarpa (1906-1978);  Aaron Green (1917-2001);  Euine Fay Jones (1921-2004). 99 Outros arquitetos influenciados desde a Prairie School, na virada do século XIX para o XX, foram: Isabel Roberts (1871-1955); Marion Matthew Griffin (1871-1961); Walter Burley Griffin (1876-1937); Albert McArthur (1881-1951); Francis Barry Byrne (1883-1967); John van Bergen (1885-1969). 100 Outros arquitetos mais jovens que tiveram contato com Wright, como aprendizes ou colaboradores: Rudolf Schindler (1887-1953), Sim Bruce Richards (1908-1983), Karl Kamrath (1911-1988), Alfred Browning Parker (1911-1993), Blaine Drake (1911-1993), Charles Warren Callister (1917-2008), Jack Hillmer (1917-2008), George Frank Ligar (1918-1995). Apesar da arquitetura japonesa, principalmente a produção ligada ao grupo Metabolista, fundado em 1959, ter fortes relações com a arquitetura geométrica de Wright, arquitetos como Kenzo Tange (1913-2005), Kiyonori Kikutake (1928-2011) e Kisho Kurokawa (1934-2007) – que exibem alguns projetos de caráter ornamental – não foram contemplados aqui por já fazerem parte do mainstream da historiografia da arquitetura recente. 92 É importante observar a arquitetura orgânica de certos arquitetos que, mesmo não apresentando um trabalho que contemple o ornamento como Wright, serão figuras fundamentais na difusão dos ideais orgânicos na Europa e nas Américas, pela publicação de trabalhos e exposições. Alvar Aalto (1898-1976) é um dos poucos arquitetos orgânicos a ganhar destaque na historiografia tradicional da arquitetura do século XX, em especial a partir da segunda edição de “Espaço, Tempo e Arquitetura” (1949) do historiador tcheco Sigfried Giedion (1888-1968). Apesar do reconhecimento da alta qualidade da arquitetura de Aalto por Wright na Feira Mundial de 1939 em Nova Iorque, a produção e os pensamentos do finlandês convergem com os do americano não necessariamente pela influência direta, mas por embates internos à cultura arquitetônica e construtiva da Finlândia entre progressistas e tradicionalistas, que eram comuns às condições da arquitetura nos Estados Unidos. Posteriormente, a posição orgânica de Aalto é reafirmada a partir de Banham com o clássico “The New Brutalism: Ethic or Aesthetic?” (1966) e Frampton com o ensaio "Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistance" (1983). Os aspectos táteis e tectônicos da arquitetura de Aalto são entendidos como instrumentos que qualificam a conexão com o lugar, a cultura e questões psicológicas das pessoas. Posto que a sua continuidade [da arquitetura] transcende a mortalidade, construir promove as bases da vida e da cultura. Nesse sentido, ela não é nem uma alta arte nem alta tecnologia. Por desafiar o tempo, ela é anacrônica por definição. Duração e durabilidade são seus valores últimos. Em última análise, ela não tem nada a ver com imediaticidade e tudo a ver com o indizível. O que disse mesmo Luis Barragán? “Toda arquitetura que não expressa serenidade falha na sua missão espiritual.” A tarefa de nosso tempo é combinar vitalidade e serenidade (FRAMPTON, 1996, p.27)101. O filho mais velho de Wright, Frank Lloyd Wright Jr. (1890-1978), mais conhecido por Lloyd Wright apenas, foi importante em manter viva a arquitetura orgânica nos EUA, especialmente na Califórnia, realizando trabalhos próprios e projetos delegados por seu pai enquanto estava no Japão construindo o Hotel Imperial. A colaboração em projetos com o pai à década de 1920 foi decisiva para o amadurecimento das casas em 101 Tradução do autor. 93 blocos de concreto, as quais foram o ápice da fase “maia” de Frank Lloyd Wright. Dos projetos independentes realizados na época, três se destacam: a casa Sowden de 1926, a sua própria casa e estúdio de 1927 e a casa Samuel-Navarro de 1928, todas construídas em Los Angeles. Fig. 42 | Fachada frontal da Casa Sowden na década de 40. Fonte: Library of Congress, Governo dos Estados Unidos. Wikipedia Commons. Fig. 43 | Portão de acesso da Casa Sowden na década de 40. Fonte: Library of Congress, Governo dos Estados Unidos. Wikipedia Commons. Fig. 44 | Pátio interno da Casa Sowden na década de 40. Fonte: Library of Congress, Governo dos Estados Unidos. Wikipedia Commons. A casa Sowden foi desenvolvida a partir de uma estratégia de simetria e de pátio interno ladeado por varandas que permitem os espaços internos se comunicarem visual e fisicamente com o exterior, em especial pela sequência de portas de correr como nas casas tradicionais japonesas. A estratégia construtiva-formal se deu pela utilização de blocos de concreto pré-moldados com relevos ornamentais geométricos abstratos – com círculos, esferas e espirais – e figurativos – com agrupamento de folhas e galhos e imagens de trevos, formadas pela junção de quatro blocos. A composição geral nos interiores e no pátio foi feita pela organização escalonada dos blocos, gerando volumes dinâmicos, apesar da estabilidade formal espacial gerada pela simetria e escala. A fachada de entrada é também organizada simetricamente com dois planos cegos de tom terroso e um volume complexo e multifacetado de blocos de concreto, com uma abertura grande no centro, e que suspenso entre os dois planos sugere uma entrada obscura. Essa qualidade misteriosa que a fachada evoca é reforçada pela estratégia topográfica. O terreno é um aclive e a casa é situada em seu topo, de modo que o acesso é feito por baixo por meio de uma escadaria ladeada por taludes e, mais próximo da entrada, por muros de arrimo de concreto de tom terroso. É somente nesse momento que se percebe a cavidade de acesso protegida por um 94 portão de ferro forjado e cobre oxidado de cor esverdeada e com padrões geométricos organizados de modo a possibilitar um vislumbre do interior, um hall escuro e pequeno de aspecto de tumba. Essa obra é de grande importância por evidenciar a influência de Wright em seu filho, desde as estratégias gerais de lidar com o sítio e os aspectos de materialidade da arquitetura, até as questões simbólicas que permeiam todo o edifício através das formas, dos espaços e dos ornamentos; tudo entendido como uma unidade. A casa que Wright Jr. Fez para si em Los Angeles é mais singela em escala, mas um excelente exemplo do uso dos “textile blocks” de concreto. A casa ecoa um espírito antigo e novo simultaneamente, com uma fachada em tom ocre e arabescos que filtram a luz do sol para o interior. A natureza permeia tanto os espaços exteriores quanto os interiores, em especial no pátio interno recluso que se oferece como extensão do interior. Já a casa Samuel-Navarro é um exemplo das influências estéticas externas do jovem arquiteto. A fachada principal da casa segue uma estratégia compositiva e cromática muito semelhante ao Palais Stoclet (1905-1911), de Josef Hoffmann, onde elementos horizontais e verticais são evidenciados com o revestimento ornamental das quinas dos volumes. No caso de Lloyd Wright, o revestimento é de cobre oxidado esverdeado e possui um padrão complexo de triângulos que, pelo movimento e pelas sobreposições das chapas metálicas, cria a impressão de folhagens se ramificando pela fachada, que por vezes se agrupam em certos volumes formando folhagens mais densas. Carlo Scarpa (1906-1978), italiano que passa a conhecer o trabalho de Wright em 1930 a partir de revistas alemãs e apenas o conhece pessoalmente em 1951 em Veneza por ocasião de uma premiação. Scarpa sofrerá influência estética da Secessão de Viena e filosófica e ideológica de Ruskin. Em sua prática ele irá recuperar a figura do artesão em oposição à da máquina e cria um sistema de trabalho colaborativo com ênfase nos detalhes, nas junções e na materialidade do espaço. Seus trabalhos mais maduros, da década de 1950 e início de 1960, como Gipsoteca Canoviana (1955-1957), o Showroom 95 Olivetti (1957-1958) ou a Fondazione Querini-Stampalia (1961-1963), evidenciam a sofisticação de seus espaços a partir do cuidado com a composição dos materiais e o detalhamento das junções. Para Scarpa, a luz era elemento arquitetônico fundamental: no projeto de recuperação e expansão da Gipsoteca Canoviana, um museu de esculturas em Veneza, o arquiteto criou recortes prismáticos nas quinas da volumetria e os emoldurou com esquadrias de ferro, de modo a deixar entrar a luz do dia. Ao escorrer pelas paredes e atingir as esculturas, a luz branca as deixa altamente expressivas. O desenho dos suportes expositores das peças segue a mesma linha compositiva e material das molduras das quinas de luz, o que gera uma unidade estética mesmo com a diversidade de suportes. Fig. 45 | Fachada da rua lateral. Showroom Olivetti. Fonte: Kuei Cheng - https://www.flickr.com/photos/kueicheng Fig. 46 | Detalhe no acesso pela Piazza San Marco. Showroom Olivetti. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 47 | Detalhe da escada. Showroom Olivetti. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 48 | Vista superior da escada. Showroom Olivetti. Fonte: Wikipedia Commons. 96 O showroom Olivetti é uma das obras mais sofisticadas de Scarpa. A composição e a materialidade da fachada de entrada da loja, em uma viela perpendicular à Piazza de San Marco, são de uma sensibilidade extrema: a combinação de placas de concreto liso e bruto com detalhes e molduras em latão e madeira possui uma ordem geométrica quase neoplasticista. O destaque do interior é a escada para o mezanino que possui degraus descolados e desalinhados uns dos outros, cujas seções não convencionais em forma de “L” são postas em movimento na sua lateral. O revestimento de granitina de tom ocre da escada é suave e contrasta de modo harmonioso em escala e cor com o padrão de pastilhas de vidro esverdeado que reveste o chão. Certos planos da escada possuem mais movimento que outros e pelas suas dobras e sobreposições se transformam em plataformas e suportes. A atmosfera geral da loja evidencia a noção de arquitetura integral que pregava Wright. O projeto para a Fondazione Querini-Stampalia, assim como boa parte da obra de Scarpa, é um exemplo da sensibilidade do arquiteto no trato com o material histórico. O respeito à cultura veneziana e às pré-existências fez dele um dos maiores intervencionistas em edificações históricas; reconhecido como pioneiro do restauro crítico-criativo. O desenho de grades, o revestimento ornamental e fragmentado de pilares, o desenho de piso e sua continuação com os planos das paredes, o desenho minucioso das escadas, dos elementos do jardim, tudo no projeto é tão cuidadosamente pensado, projetado e construído que evidencia o grau de dificuldade e complexidade de se projetar como Scarpa e Wright. Não só esse modo de se fazer arquitetura, com fundamento na fabricação artesanal de qualidade e no movimento constante da escala da parte para a do todo, exige uma sensibilidade alargada, como o tipo de educação arquitetônica para se pensar e produzir dessa maneira está em desuso102. A cultura “ready made” e arquitetura impessoal e insossa herdada do pior do Estilo Internacional levaram boa parte das Escolas de Arquitetura a se adaptar para nivelar por baixo a produção de espaço. Euine Fay Jones (1921-2004), colaborador na Taliesin West e na Taliesin North de 1949 a 1959, foi um arquiteto impressionante que será reconhecido pelo seu trabalho com 102 Scarpa irá influenciar uma série de arquitetos, como Peter Zumthor (1943-) e Steven Holl (1947-). 97 estruturas em madeira a partir de repetições de padrões geométricos estruturais. Fay Jones teve como mentores Wright e Bruce Goff e, além de ter seu estúdio nas montanhas Ozark, no Arkansas, foi professor na Rice University, na Universidade de Oklahoma e primeiro diretor da Universidade de Arkansas. A maior parte de suas obras são casas particulares e a partir da década de 1980 faz várias capelas. Seu projeto mais conhecido é capela Thorncrown, em Eureka Springs, no Arkansas, obra de maturidade feita em 1980. Ela põe à prova a teoria formativa de Owen Jones, de que a partir de uma lógica ornamental, poder-se-ia criar um sistema arquitetônico. É exatamente o que Fay Jones fará nessa e em outras capelas: a partir de uma lógica de trama geométrica para a estrutura de madeira, cria-se uma lógica espacial simultaneamente simples e complexa. A sequência de seções idênticas postas lado a lado e percebidas em perspectiva cria o tipo de ornamento quadridimensional, que propunha Bragdon, a partir da sobreposição de volumetrias e composições relativamente simples até serem percebidas em bloco. O piso é de pedra irregular e os fechamentos são de vidro por estar em meio à floresta. A iluminação artificial é de arandelas ornamentais ao estilo de Wright e seguem o ritmo da estrutura. Fig. 49 | Vista exterior da capela Thorncrown, Fay Jones. Fonte: Randall Connaughton, http://www.thorncrown.com/photogallery.html Fig. 50 | Vista da estrutura no interior da capela Thorncrown, Fay Jones. Fonte: Randall Connaughton, http://www.thorncrown.com/photogallery.html Fig. 51 | Vista do interior da capela para a natureza, Fay Jones. Fonte: Randall Connaughton, http://www.thorncrown.com/photogallery.html ... 98 Paul Schweikher (1903-1997), estudioso de arquitetura japonesa, estabelecerá um modo de trabalho compositivo e tectônico altamente sofisticado e contemporâneo, especialmente nos projetos de casas. A casa Schweikher (1937) que fez para si foi uma das suas obras mais importantes. Alden Dow (1904-1983) que, recém-formado de Columbia em 1931, estudou alguns meses na Taliesin West em 1933, e desenvolveu uma arquitetura geométrica e espacialmente complexa a partir da influência de Wright, Bruce Goff e das arquiteturas orientais. Sua principal obra é sua própria casa e estúdio, Alden Dow House and Studio, de 1936, que ganhou prêmio em 1937 em Paris de melhor projeto residencial do mundo. Aaron Green (1917-2001) conheceu obras de Wright quando estudante na Cooper Union, estudou na Taliesin na década de 1940 e a partir da década de 1950 trabalhou em 40 projetos conjuntos como seu representante na costa oeste. Seu principal projeto é em colaboração com Wright: The Marin Civic Center, de 1962. Do fluído e do amorfo O segundo modo teve algum eco da noção de arquitetura orgânica de Wright, mas raízes formais e filosóficas provenientes de outras fontes: o catalão Antoni Gaudí (1852-1926) e o austro-húngaro Rudolf Steiner (1861-1925), em especial pela plasticidade formal das superfícies com o uso do ferrocimento e posteriormente do concreto armado, foram figuras de referência para os desdobramentos expressionistas. A posição de reverência à natureza e a alta espiritualidade de ambos foram influentes nos modos de pensamento de certos arquitetos, isto é, uma influência para além da aparência formal dos edifícios. Alguns dos arquitetos expoentes nessa vertente, que historicamente ficou conhecida como expressionista, são:  Hugo Häring (1882-1958),  Erich Mendelsohn (1887-1953),  Hermann Finsterlin (1887-1973), 99  Frederick Kiesler (1890-1965),  Pierre Luigi Nervi (1891-1979),  Hans Scharoun (1893-1972),  André Bloc (1896-1966),  Eduardo Torroja (1899-1961),  Jacques Couelle (1902-1996)  Eero Saarinen (1910-1961)  Félix Candela (1910-1997)  John Lautner (1911-1994)  Erik Asmussen (1913-1998),  Eladio Dieste (1917-2000), O expressionismo na arquitetura, a partir da década de 1930, é particularmente relevante por reconhecer o potencial das práticas ornamentais do Art Nouveau: o espaço curvo, o espaço dobrado. O recurso ornamental passa da particularidade da parte à amplitude total formal, isto é, as noções de plasticidade e de ornamento integral de Wright tornam-se uma única coisa: espaço-ornamento. Kent Bloomer (2000) argumenta sobre a impossibilidade de um edifício ser um ornamento; mesmo que se construa a noção de obra de arte total, a expressividade da edificação tenderia a ser “monofigural e autocentrada” (BLOOMER, 2000, p.219). O autor afirma que, tomado conceitualmente, o ornamento não pretende se sobressair sobre outros elementos do espaço e nem, enquanto parte de uma configuração geral ornamental – como em uma igreja barroca ou rococó –, pretende apresentar apenas uma figura ou um sentido. O problema na argumentação de Bloomer, presente em toda a sua teoria, é o entendimento clássico do ornamento enquanto aplique, superfície. Por isso, o autor critica a distinção que o arquiteto inglês Robert Kerr103 (1823-1904) estabelece sobre os modos do ornamento no século XIX: “structure ornamentalized” (estrutura ornamentalizada – estrutura que se torna ornamental); “ornament structuralized” (ornamento estruturalizado – ornamento se torna estrutura); “structure ornamented” 103 Kerr foi co-fundador e primeiro diretor da London Architecture Association, em 1847. Os modos de aparição do ornamento no século XIX foram categorizados por ele no texto “A development of the theory of the architecturesque”, publicado em RIBA transactions 19, em 1868/69. 100 (estrutura ornamentada, ornamento como aplique); “ornament constructed” (ornamento construído, ornamento como integral ao edifício, não necessariamente estrutural) (COLLINS, 1998, p. 125). Dessa forma, se se passa a conceber certos modos ornamentais como intrínsecos ao espaço, isto é, como “ornamentos construídos”, o espaço e sua ornamentação passam a ser uma única entidade. Trata-se, pois, da noção de ornamento integral de Wright, a qual não implica a monofiguralidade nem o autocentrismo de que fala Bloomer, pelo contrário. As experimentações expressionistas têm a capacidade de levar ao extremo essa condição a partir da continuidade dos planos e da plasticidade da forma, a qual tende a ser cada vez mais fluída e, em um estado radical, amorfa. André Bloc (1896-1966), escultor francês, nascido na Argélia, que a partir da década de 1920, por influência de Le Corbusier, passa a se interessar pelas relações entre escultura e arquitetura. A aproximação e as trocas entre arte e arquitetura104 no início do século XX geraram muitos experimentos espaciais, em especial por parte dos artistas. Até sua produção de esculturas arquitetônicas e arquiteturas esculturais ter corpo, Bloc foi fundador dos periódicos Revue générale du caoutchouc (1924-1963) e L'Architecture d'Aujourd'hui (1930-) e esteve ativo na cena artística e arquitetônica francesa. Em 1951 cria o Groupe Espace105 com outros artistas e arquitetos com a intenção de fundir os dois campos e avançar com seus experimentos, iniciados em 1949 em Paris, de grandes esculturas espaciais habitáveis. As obras de grande escala de André Bloc são radicalmente orgânicas, remetendo a grutas, ruínas, formigueiros e espaços fluidos de aspecto surreal106, que geralmente são implantadas em meio à natureza. Configuram-se como corpos fragmentados e 104 Nessa mesma época o artista Kurt Schwitters (1887-1948) se vincula à Deutscher Werkbund e em 1923 inicia suas investigações espaciais expressionistas com o Merzbau, assim como El Lissitsky (1890- 1941), também em 1923, faz sua primeira ambiência Proun. Sobre as aproximações e sobreposições entre arte e arquitetura no século XX, conferir HUCHET, 2012. 105 O grupo contava com artistas (como André Bloc e Victor Vasarely), arquitetos (como André Bruyère, Richard Neutra, Arne Jacobsen) e construtores (como Le Ricolais e Jean Prouvé). 106 Apesar do aspecto surreal de diversas obras, não se encontrou documentação histórica vinculando Bloc ao grupo Surrealista na França. É possível que haja alguma influência, especialmente imagética, mas o discurso do Groupe Espace não coincidia com os interesses surrealistas. 101 perfurados feitos de concreto e/ou tijolos cerâmicos, com revestimentos que variam entre pintura branca e stucco tradicional – por vezes há obras com o aspecto bruto do tijolo. Seus trabalhos são impressionantes pela condição ambígua de esculturas espaciais, nas quais se pode penetrar, e pela exuberância e complexidade das formas. Apesar das distantes associações imagéticas com elementos da natureza ou arquiteturas trogloditas e do norte da África, trata-se de estruturas fundamentalmente abstratas, mas não reconhecíveis pelas linguagens formais da arte ou da arquitetura abstratas: critérios como pureza ou rigor formal e compositivo são subvertidos. A forma se desenvolve pelo potencial plástico e estrutural do concreto e do tijolo e pela mente criativa e anti-racionalista de Bloc. Os espaços criados são ornamentais tanto pela forma complexa que assumem, como pela capacidade de instigar e liberar a imaginação de quem os percebe. Contudo, essa condição ornamental não se faz no modo clássico, racionalista, mas anti-clássico, um rococó fluído, amorfo. Não há nenhuma pretensão de exaltação da qualidade racional do homem, que o torna dominador da natureza, mas de realizar uma estrutura fragmentada que se instala em meio à natureza de maneira insólita: o amorfo no natural, que não pretende mimetizar ou camuflar-se, e é arquitetura e não-arquitetura simultaneamente107. Fig. 52 | Maison-atelier de André Bloc, Meudon, França. (1951-1953) Fonte: http://blog.apahau.org/ Fig. 53 | Escultura Habitável (1962-1964) Fonte: arqueologiadelfuturo.blogspot.com.br 107 Poder-se-ia dizer que as obras de Bloc estariam delimitadas no que Rosalind Krauss nomeou de “estruturas axiomáticas” por possibilitarem a experiência arquitetural pelas condições abstratas de cheios e vazios, por formas que circunscrevem o corpo ou se deixam penetrar. 102 Jacques Couelle (1902-1996), arquiteto autodidata francês, será um dos expoentes da vertente de propostas espaciais que fundem arquitetura e escultura. Apesar da semelhança plástica com as obras de André Bloc, suas propostas pretendem ser habitações permanentes, o que implica a necessária consideração de questões mais pragmáticas que influem na vida cotidiana. Sua principal influência é a arquitetura orgânica e adaptável ao sítio de Gaudí. Durante a década de 1930, Couelle produziu arquitetura dentro de parâmetros historicistas revivalistas – variando entre neorromânico e neogótico – até que próximo da década de 1940 volta-se para pesquisas a partir do interesse pela relação entre arquitetura e natureza. Em 1946 funda em Paris o “Centre de recherches des structures naturelle” – Centro de pesquisa de estruturas naturais – e tinha como objetivo o desenvolvimento de “uma técnica e uma linguagem arquitetural mais avançada, original, para abrir a mente a uma nova forma de estética racional, apoiadas em fenômenos naturais, o ‘habitat de l’instinct’, e a arquitetura dos vegetais e dos corpos, em uma palavra, a biônica” (THIÉRY, 2002, p.4). Fig. 54 | Maison-Paysage em Costa Smeralda Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 55 | Maison-Paysage de Monte-Mano. Fonte: Wikipedia Commons. O que Couelle chama de habitat de l’instinct envolve todas as formas de habitação produzidas pelos animais a partir de seu instinto de sobrevivência. Apesar de o discurso inicial propor uma abordagem para a arquitetura que pretende ser racional, o resultado das investigações indica que o racional para ele é “fazer com intenção” e que a intenção de Couelle é recuperar uma relação mais íntima entre homem e natureza. 103 Isso significa que a sua prática arquitetônica está fundada na noção de “retorno às origens”, que Louis Kahn aplicará em seu discurso a partir da década de 1950. A grande diferença entre Kahn e Couelle é a profundidade que mergulha na memória coletiva e a materialização arquitetônica dessa profundidade. Ao passo que Kahn confia no arquétipo das formas geométricas, Couelle parte da linguagem cavernosa troglodita. A verdadeira ambiguidade entre a escultura e a arquitetura surgiu, é claro, com a adoção modernista da abstração como linguagem formal de ambas. Enquanto a escultura representava a figura, e a arquitetura os estilos históricos, havia pouco debate sobre sua interface, até que Auguste Rodin fundiu a superfície da porta com o espaço de suas formas esculturais, e até que o construtivismo e o neoplasticismo determinaram que as formas abstratas no espaço serviam igualmente à arquitetura, à escultura, à pintura e às artes gráficas. Greenberg, na tentativa de salvar a pintura da invasão dos relevos depois do Relevo de Canto [Corner Relief] de Vladímir Tátlin, procurou definir a planaridade – a marca na tela – como fator determinante (VIDLER In SYKES, 2013, p.245). Na arquitetura de Jacques Couelle a distinção entre paredes, teto e chão é dissipada em função de uma pele contínua que se movimenta criando cavidades e interstícios. O modo como as formas se desenvolvem tem a ver com o modo como a topografia se desenvolve, com a disposição dos elementos naturais no sítio, com o jeito da luz escorrer pelas superfícies curvas e entrar nas cavidades. As cascas de concreto armado ora recebem coberturas vegetais e camuflam-se na natureza, ora são revestidas exteriormente por uma pátina de cobre oxidado, dando tons esverdeados para as formas. Por vezes o concreto é deixado exposto e confunde-se com as rochas do lugar. Apesar das semelhanças com as práticas do Groupe Espace, Couelle não se liga ao grupo, mas, a partir de sua obra, aumenta o alcance da arquitetura orgânica no imaginário popular e na vida cotidiana. ... Hugo Häring (1882-1958), alemão fundamental para o desenvolvimento da arquitetura orgânica no seu país a partir de seus escritos, mais do que por sua produção arquitetônica. Influenciado pela posição historicista e contextual do arquiteto Theodor Fischer (1862-1938), expoente no Jugendstil de Munique no início do século XX, Häring terá um entendimento do termo orgânico bem semelhante ao de Wright e influenciará 104 vários arquitetos considerados expressionistas. Seu principal projeto foi a fazenda Gut Garkau, na Alemanha, construída entre 1923 e 1926. Erich Mendelsohn (1887-1953), polonês que teve um início de carreira com grande influência de artistas expressionistas e arquitetos do Art Nouveau alemão e vienense, em especial Rudolf Steiner, Theodor Fischer e Hugo Häring. Ganhou notoriedade após seu projeto fluido para a Torre Einstein de 1921, em Postdam, Alemanha. Hermann Finsterlin (1887-1973) foi um arquiteto alemão considerado visionário pela plasticidade e pela estranheza de suas propostas arquitetônicas, especialmente na década de 1920. Foi vinculado ao grupo expressionista alemão, mas se desvinculou quando boa parte dos artistas e arquitetos se voltou para a Nova Objetividade. Foi altamente influente pelos seus desenhos e pinturas, uma vez que não construiu nenhuma das propostas radicais. Frederick Kiesler (1890-1965), austro-americano, nascido na Ucrânia, foi artista e arquiteto (sem finalizar o curso na Technische Hochschule de Vienna) que simpatizava com os modos surrealistas na arte e na arquitetura. Ele trabalhou fundamentalmente com cenografia, arquitetura experimental e produziu uma série de textos críticos à arquitetura moderna racionalista, contra Le Corbusier e a favor de uma arquitetura mágica (THIÉRY, 2002). Sua contribuição mais influente foi a proposta da amorfa “Endless House”, exibida no MoMA em Nova Iorque, em 1958-1959. Sem dúvida as experimentações dos franceses André Bloc, Jacques Couelle e o belga Jacques Gillet foram influentes para a proposta anti-racionalista. Pierre Luigi Nervi (1891-1979), engenheiro italiano que desenvolverá estruturas de concreto armado em cascas, nervuras e pilares de concreto armado. Sua lógica estrutural geralmente era derivada de estruturas da natureza. A maior parte de suas obras está na Itália. Hans Scharoun (1893-1972), alemão que seguiu as teorias de Häring em direção a modos de projetação que tomam cada edifício a partir de sua situação específica, 105 necessitando, portanto, um processo e uma abordagem distintos. Nesse sentido, ele se distanciará das práticas racionalistas e se aproximará das orgânicas. Entre suas obras mais importantes estão a casa Schminke (1933) e a Filarmônica de Berlim (1957-1963), já em uma fase madura da carreira. Eduardo Torroja (1899-1961), engenheiro espanhol, pioneiro em projeto e cálculo de cascas de concreto armado. Foi um dos principais disseminadores do potencial plástico do material com junto com um grupo de arquitetos da Ciudad Universitaria de Madrid interessados em novas formas arquitetônicas, sem fórmulas pré-concebidas. Suas estruturas parabólicas e hiperbólicas muitas vezes levam ao extremo os experimentos do catalão Antoni Gaudi. Eero Saarinen (1910-1961), arquiteto e designer finlandês que vem para os Estados Unidos aos treze anos com seu pai Eliel Saarinen, expoente do Art Nouveau por vários anos. Apesar de possuir estratégias formais versáteis, ele é famoso pelos edifícios e mobiliário com formas orgânicas a partir da década de 1940. Ele foi um dos principais promotores da arquitetura orgânica e garantiu, enquanto membro do júri do concurso para a Ópera de Sydney, a ascensão de Jørn Utzon. Entre suas principais obras estão incluídas o terminal TWA do aeroporto JFK (1952-1962) e o ringue de Hockey da Universidade de Yale (1953-1958), ambos utilizando cascas de concreto de dupla- curvatura. Félix Candela (1910-1997), espanhol e posteriormente naturalizado Mexicano, influenciado pelos trabalhos de Torroja, será reconhecido pelos projetos com finas cascas de concreto. A maior parte de seus trabalhos será produzida no México. John Lautner (1911-1994) foi aprendiz por cinco anos na Taliesin West durante a década de 1930 e aos 27 anos vai para Los Angeles abrir seu escritório. Seus projetos são versáteis e possuem uma experimentação formal muito grande, em especial com cascas de concreto. Os fundamentos orgânicos de Wright são materializados em formas orgânicas e dinâmicas. Lautner fará muitos projetos de casa e ao longo do tempo amadurece seu próprio modo de projetar, em especial a partir da casa 106 Silvertop, de 1959. O arquiteto desenvolverá seus projetos com formas orgânicas e soluções estruturais envolvendo cascas de concreto armado e protendido, como na Hope Residence de 1973. Erik Asmussen (1913-1998), dinamarquês, terá influência direta de Rudolf Steiner e produzirá uma série de escolas e edifícios vinculados ao movimento antroposófico na Escandinávia e na Alemanha. Suas estratégias compositivas são semelhantes às de Steiner, mas trabalha com sistemas construtivos tradicionais do norte da Europa, com revestimento externo e subestrutura de madeira e telhados metálicos. Eladio Dieste (1917-2000), uruguaio com forte influência da arquitetura gaudiniana, fará edificações altamente sofisticadas formalmente com tijolos de barro e cascas de dupla-curvatura de concreto e tijolo. Fica conhecido pelo trabalho espetacular na Iglesia de Estación Atlántida, entre 1958 e 1960. ... É importante observar não só a quantidade de arquitetos e artistas interessados em práticas e ideologias anti-racionalistas a partir da década de 1930, mas a diversidade geográfica de suas manifestações. O que ocorre é que os operadores desses modos de resistência e oposição generalizada ao racionalismo só não estavam tão articulados política e midiaticamente como Gropius, Mies e Le Corbusier. Esse grupo de arquitetos expressionistas abstratos foi determinante e influente para o desenvolvimento de um novo modo ornamental arquitetural, que surge quando a arquitetura se revela também escultura. Do figurativo e do figural O terceiro modo ornamental possui grande influência de Antoni Gaudí (1852-1926) no que tange a consideração do poder simbólico dos elementos e da materialidade do espaço. Nesse sentido, essa vertente tem interesse no trabalho da memória e da imaginação através da percepção espacial. Preocupa-se tanto com a interpretação da tradição construtiva e cultural de cada lugar e comunidade, quanto com a 107 inventividade na produção do espaço. Alguns dos principais arquitetos a operar esse modo na primeira metade do século XX são:  Josep Maria Jujol (1879-1949)  Cèsar Martinell i Brunet (1888-1973)  Kenji Imai (1895-1987)  Bruce Goff (1904-1982)  Laurie Baker (1917-2003)  Paolo Soleri (1919-2013) Bruce Alonzo Goff (1904-1982) foi um dos principais arquitetos influenciados por Wright, desde sua adolescência quando já trabalhava no escritório de Rush, Endacott & Rush de Oklahoma, mas que seguiu um caminho único, ampliando as possibilidades da arquitetura orgânica. O primeiro contato com as ideias e a arquitetura de Wright foi aos 12 anos, ao ler “In the cause of architecture”108 em 1916 em uma edição da Architectural Record de 1908, que o Sr. Rush possuía no escritório (GOFF In WELCH, 1996). Antes desse contato, Goff conta que já possuía certa intuição das formas usadas por Wright, mas ao conhecer os ideais orgânicos, democráticos e morais do arquiteto, seu entendimento sobre arquitetura tomou direcionamento. “Em defesa da arquitetura” passou a ser sua referência e desenvolveu sua formação e seus experimentos arquitetônicos seguindo a noção indeterminista sobre a necessidade de diversidade e originalidade na produção do espaço, mas tomando-o de modo integral, orgânico, total, Esteve atento à arquitetura da época e teve influência da geometria em movimento de Gaudí, dos desenhos de Mendelsohn, dos escritos e desenhos de Claude Bragdon, da arquitetura da Bauhaus e de Le Corbusier, mas particularmente dos seus estudos sobre arquitetura oriental – Japão, China, Sião, Ilhas do Sul do Pacífico, Egito, etc. Entendia que as arquiteturas desses lugares eram orgânicas ao modo de Wright, mas realizadas de modos distintos, de acordo com as idiossincrasias locais. Essa consciência o 108 “Em defesa da arquitetura”, conforme tradução de RODRIGUES (2010). 108 permitiu desenvolver uma sensibilidade para as culturas indígenas e primitivas e construir seu modo de ver a arquitetura. Goff criticava a arquitetura de Mies van der Rohe pelo excesso de abstração e purismo de seus edifícios e os identificava como bonitos de se ver mas não de se viver. Ao passo que Mies entendia que o espaço genérico e impessoal era uma boa resposta à velocidade das constantes mudanças nos modos de viver e que a arquitetura não deveria ser inventada a cada ano; Goff “acreditava, na verdade, que ela deveria ser reinventada a cada mês” (HESS, 2006, p.79) e que deveria possuir qualidades que permitissem uma relação mais íntima com as pessoas. Para Goff, essa questão indicava um dos perigos do excesso de abstração: o distanciamento existencial entre homem e seu habitat. Na arquitetura de Goff é evidente o esforço em unir abstração geométrica e imagens figurativas para a construção de outras espacialidades e possibilidades semânticas. Para ele ambos os modos provêm da mesma fonte, apesar de operarem de maneiras distintas. A grande maioria de sua produção foi residencial, de modo que pode explorar as idiossincrasias dos moradores e do sítio e seus interesses por arquiteturas singulares e comunicativas. Duas de suas principais casas são a Ford House (1947- 1950) e a Bavinger House (1950-1955), ambas projetadas e construídas no mesmo período que a Farnsworth House (1945-1951), de Mies van der Rohe109. Ao passo que esta última se funda nas linhas retas, no sistema construtivo de ordem simples e na atmosfera purista; as duas primeiras se caracterizam pelas linhas fluidas, em sistemas construtivos de ordem complexa e em atmosferas simultaneamente insólitas e familiares. A Ford House apresenta um domo de estrutura metálica vermelha em uma composição com shingles de madeira, pedras de carvão mineral, pedra de vidro esverdeado (acqua glass cullet rock), chapas de cobre oxidado e planos de vidro. O 109 Essa referência é particularmente importante por evidenciar a simultaneidade entre um dos mais importantes exemplares da arquitetura moderna funcionalista e dois dos mais impressionantes e influentes exemplares da arquitetura orgânica. 109 aspecto da casa depende do ponto do qual é observada; se vista pelo lado em que a madeira e a pedra são predominantes, a forma parece ser de alguma construção primitiva, de aspecto pesado e fechado, apesar da estrutura metálica; percorrendo por outro lado, se vê uma composição complexa, mais leve e dinâmica, composta pela grelha metálica vermelha vazada que estrutura o domo e permite a integração entre a paisagem e o jardim interno à casa. A geometria da casa é complexa e em planta tem- se um círculo central rebaixado, inscrito em um círculo maior, que marca o domo. A ele são adicionadas duas formas em quarto de círculo, distantes entre si a 120º a partir de seu centro. A estas, que volumetricamente são um quarto de semi-esfera, outras formas são adicionadas. A forma é completada por elementos horizontais em balanço e por um pináculo que marca o centro do volume e o posiciona na paisagem. Fig. 56 | Ford Residence (1947-1950) Fonte: http://www.organicarchitecture.info/ Fig. 57 | Fotografia do Interior da Ford Residence em 1951. Fonte: Eliot Elisofon, LIFE Magazine. http://mcarch.wordpress.com Fig. 58 | Fotografia do Interior da Ford Residence em 1951. Fonte: Eliot Elisofon, LIFE Magazine. http://mcarch.wordpress.com 110 No interior a iluminação natural ocorre pela claraboia superior central. A luz é levemente filtrada pelas várias vigas metálicas configuradas em forma de cogumelo que brotam do pilar central, que é revestido de cobre e vazado para ser também a lareira da casa. Luz, vento e chuva fazem parte do cotidiano do morador. A arquitetura de Goff antecipa a posição de Robert Venturi (1925-) da prevalência da quantidade de significado, da forma com muitos elementos que possuem uma série de possibilidades de uso. A casa Ford, pela disposição radial e pouco determinação espacial, permite uma série de apropriações pelo corpo, pelo olhar, pela imaginação. Isso interessa a Goff pelo potencial afetivo da obra, que operar de modos distintos em cada pessoa. Contudo, é a junção do estranho e do familiar em uma mesma ambiência que estimula o trabalho da percepção. A Bavinger House, pertencente à família dos artistas Nancy e Eugene Bavinger, já é uma obra mais radical, na dupla acepção da palavra: algo novo e diferente do tradicional ou do normal; e algo em direção à raiz, às origens. A casa se desenvolve em espiral áurea de pedras do próprio lugar em planta e em volume, de modo a criar um crescente espaço interior vazio e alto, ocupado parcialmente por plataformas de estrutura metálica leve, revestidas de compensado e carpete, e suspensas por cabos de aço. A casa emerge do solo e ascende junto a uma delicada cobertura de estrutura de madeira revestida com shingle asfáltico e parcialmente suspensa por cabos de aço presos no pináculo no topo da estrutura. As paredes de pedra se conectam à cobertura por chapas de vidro, que fornecem iluminação zenital pelas bordas do espaço. A casa possui uma atmosfera externa com referências nórdicas e medievais e um interior que lembra uma caverna habitada, pela rusticidade dos materiais e disposição despojada do mobiliário, mas ao mesmo tempo onírico, por conta das plataformas suspensas parecendo naves espaciais. O efeito geral é de uma atmosfera altamente complexa, instigante, mas aconchegante. Os arquétipos do círculo e da espiral parecem importantes para Goff e condizentes com a arquitetura orgânica. O círculo sempre foi referenciado como símbolo de harmonia, totalidade, unidade, ao passo que a espiral significa o cosmos, o crescimento, a evolução. Ambas as formas ocorrem na natureza em diversos níveis, 111 escalas e circunstâncias. O rigor geométrico de Wright e seus discípulos mais fiéis era diluído na arquitetura de Goff e dos arquitetos vinculados à vertente mais figurativa, no entanto, a sensibilidade para com a natureza sempre foi o aspecto unificador das tendências orgânicas e naturalistas na arquitetura. Assim como em Gaudí, existe a intenção de conexão existencial entre homem e natureza através da arquitetura. O espaço construído pretende evidenciar a reverência ao cosmos, à natureza, à vida. Fig. 59 | Bavinger House (1950-1955). Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 60 | Interior da Bavinger House (1950-1955). Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 61 | Detalhe da cobertura, Bavinger House (1950-1955). Fonte: Wikipedia Commons. A arquitetura ornamental de Goff e suas ideias influenciaram uma série de arquitetos110, em especial no seu tempo de professor e diretor da escola de arquitetura da Universidade de Oklahoma entre 1942 e 1955. Pouco antes de sua morte em 1982, Goff estava para abrir uma escola de arte e arquitetura criativas, para dar continuidade e amplitude à prática e à filosofia da arquitetura orgânica, nomeada “Kebyar”, um termo balinês que significa “o processo de florescimento”111. É notável a consciência ecológica e criativa que o arquiteto já havia atingido, assim como o ímpeto pedagógico que sempre o acompanhou. 110 Em especial Mickey Muennig (1926-), Herb Greene (1929-), Kendrick Bangs Kellogg (1934-), Arthur Dyson (1940-), Bart Prince (1965-), Imre Makovecz (1935-2011). Destes, Ken Kellogg está construindo junto com voluntários e estudantes a “The New School of Organic Architecture”, em Palomar, na Califórnia. 111 Atualmente há uma organização chamada “Friends of Kebyar”, que foi criada para garantir a preservação da arquitetura e dos ensinamentos de Bruce Goff. Dentre os membros principais desse grupo estão: Arthur Dyson, David G. De Long, Jacques Gillet, Herb Greene, Eric Lloyd Wright, entre outros. 112 ... Josep Maria Jujol i Gibert (1879-1949) foi o mais importante arquiteto que trabalhou com Gaudí (em especial na Casa Battló, na Casa Milá e no Parc Guell) e ficou famoso a partir do projeto de interiores e fachada da Botiga Mañach para o industrialista, mecenas e curador de arte Pere Mañach112 (1870-1940). Essa obra foi pioneira na integração entre arte e arquitetura na atmosfera interior. Toda a sua obra a partir daí foi altamente ornamental, com uma linguagem distinta, mas dentro da estética do modernismo catalão. Cèsar Martinell i Brunet (1888-1973), catalão e representante da segunda geração do Modernismo de Barcelona foi influenciado por Lluís Domenech i Montaner (1850- 1923), Josep Puig i Cadafalch (1867-1956) e em especial por Gaudí. Especialista em arquitetura rural, produziu mais de 40 vinícolas no interior da Espanha. Avançará com o estudo de arcos parabólicos para vencer grandes vãos. Kenji Imai (1895-1987) será o responsável por apresentar a arquitetura de Gaudí ao Japão depois de visitar a Europa na década de 1920. Ele produzirá algumas edificações na linha orgânica e ornamental do catalão. Investigará em profundidade sua arquitetura e influenciará outros arquitetos e historiadores japoneses como Tokutoshi Torii (1947-), um dos maiores pesquisadores contemporâneos de arquitetura catalã fora da Espanha. Laurie Baker (1917-2003) foi um arquiteto inglês, naturalizado indiano, que à época da Segunda Guerra mundial serviu o Reino Unido como assistente de enfermagem. Ao aguardar transporte na Índia para voltar à Inglaterra, teve contato com Mahatma Gandhi e com Elizabeth Jacob, médica que se tornou sua esposa. Resolveram permanecer na Índia depois de se parar no interior do país com a pobreza absoluta e a ausência de moradias decentes. A partir daí, dedicou sua vida a projetar e construir 112 Mañach foi quem introduziu Picasso ao público e às galerias parisienses. Era amigo pessoal de Gaudí, quem o apresentou a Jujol. Foi um dos articuladores em organizar e compilar toda a documentação possível de Gaudí, pouco depois de sua morte, com o intuito de lançar aos jovens arquitetos a semente de uma escola gaudiniana. 113 habitação popular em áreas rurais da Índia utilizando tijolo de barro, o material de maior abundância e tradicional na cultura construtiva local. Sua arquitetura era altamente sofisticada pelas formas fluidas, pela materialidade ornamental com o uso do tijolo e pela engenhosidade das estratégias construtivas e espaciais. Foi pioneiro da arquitetura orgânica na Índia e ganhou uma série de prêmios pelo conjunto de sua obra, pelos efeitos sociais e culturais de sua arquitetura e pela sistematização de estratégias construtivas de baixo custo para a Índia rural. Paolo Soleri (1919-2013) foi um arquiteto italiano que, após o término de seu mestrado na Politécnica de Torino aos 27 anos, realiza uma parceria com Frank Lloyd Wright na Taliesin West no Arizona e na Taliesin Spring Green, em Winsconsin, de 1946 a 1948. Seu trabalho de vida será o complexo experimental Arcosanti, em construção desde 1970, em que testou várias de suas teorias sobre planejamento urbano, comunidade, e auto-construção. Soleri era altamente espiritualizado e sua arquitetura e suas convicções foram influenciadas pela filosofia de Pierre de Chardin (1881-1955). A principal contribuição de Soleri foi o que ele delimitou como “Arcology”, uma arquitetura coerente com a ecologia. Seus esforços foram não só para desenvolver estratégias arquitetônicas para lidar com questões pragmáticas relacionadas à ecologia, mas também no sentido de pensar e testar modos de viver mais harmônicos com a natureza. Isso implicava a necessidade de construção de outra sensibilidade frente ao natural, uma sensibilidade bem próxima da filosofia da arquitetura orgânica, em direção a uma arquitetura holística. 115 PARTE 2 O sistema ornamental contemporâneo 116 CAPÍTULO 5 | O DESVELAMENTO DO ORNAMENTAL O que está perdido na fundação e na libertação que é o ornamento é a função heurística e crítica da distinção entre decoração como aplique e como o que é “próprio” da coisa e da obra (VATTIMO In LEACH, 1998b, p.160)113. A posição do ornamento O reconhecimento da condição ornamental na arquitetura contemporânea, que originou essa tese, exige a explicação dos seus modos de operação e das circunstâncias que a conformaram. A principal hipótese que é compartilhada pelos principais arquitetos, historiadores e teóricos que atualmente têm trabalhado na historiografia e na teorização do ornamento contemporâneo114 – Greg Lynn (1993; 2002; 2004), Bernard Cache (1995; 2000), Neil Leach (2004), Robert Levit (2008), Farshid Moussavi e Michael Kubo (2008), Phillip Beesley e Sarah Bonnemaison (2008), Antonie Picon (2010; 2013), Alina Payne (2010; 2012; 2016), Lars Spuybroek (2011), Marjan Colletti (2010; 2013) e Vittoria di Palma (2016), – é que de fato trata-se de um retorno a partir da década de 1990. A historiadora italiana Vittoria di Palma (In PAYNE, 2016) fornece duas condições que possibilitaram e impulsionaram esse interesse: (1) a emergência de softwares e novas ferramentas de fabricação digitais, que permitem manipulação de formas complexas – da topologia aos fractais; no entanto, conforme argumenta a autora, a facilidade tecnológica por si só não justificaria a reinserção do ornamento na arquitetura. O impulso de realizar algo novo geralmente é o que dá suporte para a criação de tecnologias que permitam essa realização, e não o contrário. Pressupõe-se, assim, (2) o surgimento de um desejo, um ímpeto, de ornamentar. No entanto, a conjuntura que despertou esse desejo permanece desarticulada e obscura. 113 Tradução do autor. Da versão em inglês: “What is lost in the foundation and ungrounding which is ornament is the heuristic and critical function of the distinction between decoration as surplus and what is ‘proper’ to the thing and to the work” (VATTIMO In LEACH, 1998b, p.160). A tradução da versão em português (VATTIMO, 2002, p.84) não me parece a mais adequada pelo entendimento de ungrounding como “desfundamento” e não libertação ou liberação, que é a acepção que interessa a Vattimo ao longo do texto. 114 O fundamento do ornamento arquitetural e sua história menos recente também têm interessando arquitetos e historiadores como Kent Bloomer, David Morgan, Oleg Grabar, Alina Payne, dentre outros. Da bibliografia encontrada, apenas Phillip Beesly e Sarah Bonnemaison, organizadores do livro “On Growth and Form: Organic Architecture and Beyond”, de 2008, mostram uma intenção de cobrir a história e o discurso da arquitetura orgânica para discutir os novos interesses da arquitetura nas formas e nos sistemas complexos da natureza. 117 Um equívoco que os teóricos do ornamento contemporâneo têm cometido é a consideração de que esse interesse se configura como um retorno e não como um ápice resultante de uma progressão histórica de circunstâncias na cultura marginal115 arquitetônica que favoreceram e cultivaram práticas ornamentais. Assim, uma das hipóteses desse trabalho é a existência de uma linhagem ornamental que percorreu o século XX em paralelo ao modernismo funcionalista. Conforme apresentado na Parte 1 dessa tese, a aparição do ornamento pós-moderno não ocorreu sem precedentes históricos. Da mesma maneira, o ornamento contemporâneo não se conforma por geração espontânea. A história oficial do ornamento na arquitetura contemporânea começa e termina nos discursos e na prática pós-moderna historicista, desde as investigações semióticas de Venturi e Graves aos racionalistas italianos e os contextualistas. Outras práticas que permearam as décadas de 1970 até 1990, do regionalismo crítico ao desconstrutivismo, utilizaram uma série de terminologias para identificar, categorizar e explicar suas formas, como a tectônica, o detalhe, a junção – no caso dos regionalistas críticos – e a dobra, o fragmento, o blob – no caso dos desconstrutivistas e dos que se configuram como arquitetos experimentais. Talvez pelo fato dos pós-modernos historicistas terem construído um discurso fundado na questão do significado e do simbolismo das formas e dos elementos arquitetônicos, isto é, a partir da gramática do ornamento e de elementos ornamentais, e terem sofrido duras críticas pela sua banalização, pela excessiva espetacularização e pela associação à mercantilização do espaço, as demais vertentes pós-modernistas se preocuparam em negar qualquer tipo de relação com a categoria ornamento para se legitimarem. Ainda assim, o ornamento agora é parte integral da cultura arquitetônica digital. Se não há uma conexão clara entre o ornamento pós-moderno e a formação do novo ornamento, que condições favoreceram sua configuração? O que se pretende na Parte 2 dessa tese é descortinar as práticas e os discursos arquitetônicos que tiveram 115 O termo “marginal” está sendo utilizado em oposição à historiografia central que dominou a primeira metade do século XX, que apresenta o modernismo funcionalista como soberano e sem rivais. 118 influência na formação do “desejo” de ornamentar e apresentar e discutir os conceitos operadores que caracterizam a condição ornamental da arquitetura contemporânea. ... O simbólico reprimido116 Apesar do interesse dos regionalistas críticos em operar no nível semântico a partir de estratégias projetuais como colagens, releituras e montagens e de abordagens tectônicas vinculadas ao cuidadoso trabalho com o material e as técnicas construtivas, o termo “ornamento” continuou suprimido do discurso arquitetônico. Nos diversos textos de Frampton117 que fundamentam esta prática, há a categorização de arquitetos como Alvar Aalto, Frank Lloyd Wright, Carlo Scarpa, Tadao Ando e Álvaro Siza como representantes embrionários do movimento. Contudo, fora da classificação de Frampton encontra-se toda a linhagem orgânica a partir da influência de Gaudí e de arquitetos que lidaram com o figurativo e o simbólico de modos mais incisivos, como Bruce Goff, Paolo Soleri, os americanos Herb Greene (1929-) e Malcolm Wells (1926- 2009), o austríaco Friedensreich Hundertwasser (1928-2000), o finlandês Reima Pietila (1923-1993) ou ainda o húngaro Imre Makovecz (1935-2011), para citar alguns nomes. Frampton e Alexander Tzonis estavam interessados em fundamentar uma prática regionalista a partir do modernismo clássico, mas incorporando novas condições críticas: o lugar, a comunidade, a tradição construtiva local. Assim, forma-se uma posição anti-modernista, agora com uma sensibilidade histórica, e também anti-pós- moderna-historicista, sem o uso inescrupuloso de elementos aleatórios da antiguidade clássica, sem ironia e sem ornamento. Desse modo, o termo “ornamento” raramente é empregado por Frampton, que prefere “tectônica” e “junção”. A citação de Gianni Vattimo (1936-), que inaugura a Parte 2 desta tese, retirada do capítulo “Ornamento/Monumento” de “O fim da modernidade” de 1985, pretende evidenciar a posição central que o ornamento possui histórica e ontologicamente na 116 Faz-se aqui referência ao subtítulo do artigo de Robert Levit “Contemporary Ornament: The Return of the Symbolic Repressed”, publicado na Harvard Design Magazine em 2008, pela precisão do termo. 117 Conferir os artigos “Prospects for a Critical Regionalism” (1983) – publicado em Perspecta: The Yale Architecture Journal – e “Towards a Critical Regionalism: Six Points for an Architecture of Resistence” (1985) – publicado em “Postmodern Culture”, editado por Hal Foster – e o livro “Studies in Tectonic Culture: The Poetics of Construction in Ninetheenth and Twentieth Century Architecture” (1996), publicado pelo MIT Press. 119 estética. Naturalmente, ele considera o termo “estética” no seu escopo mais amplo, o da percepção, isto é, a condição inerente da vida do homem na terra. Da mesma maneira que Frampton escolhe a fenomenologia de Martin Heidegger (1889-1976) como base filosófica do regionalismo crítico e não Vattimo118 ou Gadamer119, ele escolhe a teoria do arquiteto alemão Gottfried Semper120 (1803-1879), e não a de Alois Riegl121 (1858-1905) ou Owen Jones e mesmo Wilhelm Worringer, como base argumentativa para associar a origem da arquitetura na techné, isto é, em uma condição relacional entre material e técnica que possibilita a produção artística humana. Essas escolhas evidentemente garantem a integridade e a legitimidade da proposição de Frampton, mas naturalmente negam o reconhecimento da condição ornamental em formação na cultura arquitetônica contemporânea. A junção é o começo do ornamento E é preciso distingui-la da Decoração que é simplesmente aplicada. O ornamento é a adoração da junção (KAHN, 2012, p.43)122. Frampton se apropria parcialmente da noção de techné que Heidegger recuperada dos gregos, significando qualquer arte ou ofício manual: o artesão e o artista eram chamados pelo mesmo nome: “tecnitas” (HEIDEGGER In LEACH, 1997c, p.120). Frampton (1996) discute a origem do termo “tectônica” e pelo método fenomenológico de redução constrói uma associação entre as figuras do artesão e do carpinteiro e a noção geral de fabricação enquanto poiesis – do grego “fazer” ou 118 Apesar de Frampton citar Vattimo em “Studies in Tectonic Culture”, em especial no capítulo sobre Carlo Scarpa, o interesse do autor está sempre no discurso sobre ética e verdade de Vattimo e na exaltação do poder formador das partes sobre o todo, característica de seu conceito de pensamento débil, ou fraco. Aponta-se, portanto, mais para a legitimação do discurso da “verdade dos materiais” e do conceito de junção com condição estruturadora do espaço e da percepção. 119 O filósofo alemão Hans-Georg Gadamer (1900-2002), assim como Vattimo, é considerado expoente da vertente hermenêutica, interessada na interpretação, nos significados, e na discussão da relatividade do conceito de verdade fenomenológica. 120 Conferir “The Four Elements of Architecture and other writings”, 2010. 121 O historiador de arte austríaco Alois Riegl foi um dos expoentes contra a visão materialista da arte, que segundo ele foi derivada de uma interpretação errônea das proposições de Semper acerca do papel do material e da técnica na gênese das formas artísticas (RIEGL, 1992). Seu principal trabalho é “Stilfragen: Grundlegungen zu einer Geschichte der Ornamentik”, ou em tradução livre para o portugês, “Problemas de Estilo: Fundamentos para uma história do ornamento”, publicado originalmente em 1893. 122 Marco Frascari finaliza seu ensaio “The Tell-the-Tale Detail”, publicado em 1984, com essa citação de Louis Kahn para corroborar seu constructo sobre o papel determinante na forma e na sua interpretação que o detalhe e a junção possuem, no caso, utilizando a arquitetura de Carlo Scarpa como exemplo. 120 “formar” – para atingir a síntese construção-como-poética. Ainda sobre o escopo da tectônica, o termo é descortinado a partir da indissociação com as noções de tempo, lugar e de corpo para argumentar em favor do caráter ontológico da tectônica, isto é, a poética da construção seria a condição que serve de suporte existencial para o homem. Frampton opõe os termos “ontológico” e “representacional”, sendo o primeiro relacionado à técnica (a construção ou espaço) e o segundo ao simbólico (decoração ou aplique de superfície). Percebe-se, portanto, o interesse em desvincular o tectônico do ornamental – entendido por Frampton como decoração de superfície – e o ontológico do simbólico123. Analisando esse constructo de Frampton observa-se sua negligência – possivelmente consciente, dada a erudição do autor – ao ignorar a sequência argumentativa de Heidegger (In LEACH, 1997c) em “A origem da obra de arte”124, que após a sugestão materialista de que seria conveniente considerar a definição da natureza do trabalho criativo a partir do aspecto da fabricação, indica que a associação de techné ao artista e ao artesão pela condição técnica imposta na fabricação é oblíqua e rasa. (...) pois techné não significa nem artesanato nem arte, e de forma alguma técnica no seu sentido atual; ele nunca implica algo como performance prática. A palavra techné denota, entretanto, um modo de conhecimento. Conhecer implica ter visto, no sentido mais amplo de ver, o que implica apreender o que é presente como ele o é. No pensamento grego a natureza do conhecer consiste em aletheia, isto é, o desvelamento dos seres (HEIDEGGER In LEACH, 1997c, p.121). A leitura de Frampton é, portanto, seletiva: “A concepção de techné dos gregos é produção, no sentido de deixar aparecer. Techné assim concebida tem estado oculta na tectônica da arquitetura desde tempos antigos” (HEIDEGGER In LEACH, 1997a, p.108). O filósofo, no entanto, adverte que a natureza da construção de edifícios não pode ser simplesmente associada à tecnologia ou ao material, e nem mesmo ao sentido grego de techné. O conhecimento de que fala Heidegger é muito mais amplo 123 No trabalho seminal de Gadamer “Wahrheit und Methode” – em tradução livre “Verdade e Método” – de 1960, discute-se extensamente sobre as condições internas e externas à arte que influenciam e constroem os juízos de valor e que estabeleceram supremacia da abstração sobre a figuração. Conferir em especial o capítulo “O fundamento ontológico do ocasional e do decorativo” cuja argumentação, que também parte de Heidegger, segue o caminho oposto de Frampton, não só reassociando o ontológico e o representacional, mas expondo a imbricação de um no outro. 124 Heidegger também enfatiza essa distinção na segunda parte de “Construir, Habitar, Pensar”. 121 que o entendimento do fazer construtivo, é o reconhecimento das presenças para o desvelamento de um mundo ontológico, que se constitui como um campo holisticamente estruturado de significações. Quando Gadamer (In LEACH, 1997) apresenta o decorativo e o ornamental como partes integrais da arquitetura – e não como elementos isolados que são aplicados posteriormente ao corpo do edifício – o ornamento passa a ser entendido como parte de sua apresentação, isto é, o representacional passa a ter um caráter ontológico. O ornamento é historicamente considerado um receptáculo de significados, isto é, tem um potencial simbólico enorme, cuja recepção não é unívoca nem necessariamente imutável, mas possui uma condição semântica metamórfica que varia com o tempo, a experiência e a cultura (BLOOMER, 2000). Nesse sentido, o ornamento estaria não só imbricado no conceito de techné de Heidegger, enquanto um meio de conhecimento que se revela presente pela experiência estética do sujeito, mas seria condição mesma da arquitetura. Se tomado como parte integral da arquitetura, o ornamento faz parte do evento ontológico que é processo da percepção125. Essa imbricação é reconhecida na interpretação e na tradução que o arquiteto norueguês Christian Norberg-Schulz (1926-2000) faz da filosofia de Heidegger para a arquitetura. Tanto Frampton quanto Norberg-Schulz se interessam primeiramente no conceito de “lugar”126 para substanciar uma posição contrária às produções atópicas que se desdobram até hoje como resultado da associação entre racionalismo excessivo e a lógica do capital. No entanto, ao passo que Frampton constrói seu discurso pela associação entre o fazer construtivo – a partir da interpretação rasa de techné – ao conceito ontológico de “habitar”127 – , Norberg-Schulz (1985) parte daquilo que possibilita o “habitar”: a linguagem. O autor nórdico explica que o entendimento que 125 Conferir Henri Bergson, “Matéria e Memória”, 1990, e Merleau Ponty, “A fenomenologia da percepção”, 2011. 126 A partir de Heidegger e da fenomenologia, as teorizações tanto de Frampton quanto Norberg-Schulz em meados da década de 1970 foram importantes para consolidar o discurso de retorno às questões do lugar e da identidade que, apesar de ser uma constante na prática da arquitetura orgânica ao longo da primeira metade do século XX, tradicionalmente é atribuída ao Team X, quando das últimas edições do CIAM a partir de 1953. O discurso pós-moderno historicista não conseguiu dar essa sustentação teórica por ter seguido na direção da linguagem enquanto sistema comunicativo. 127 Norberg-Schulz (In NESBITT, 2006a, p.455) usa a palavra “habitar” ou “dwell” para se referir às “relações entre o homem e o lugar” que possibilitam a formação de uma “base [física] de apoio existencial”. 122 Heidegger tem de linguagem é distinto da acepção dada pela teoria linguística, em que é considerada como um sistema de signos convencionais, um constructo culturalmente determinado e que exclui qualquer base existencial. O conceito de linguagem que serve estritamente à comunicação era o que fundamentava a prática pós-moderna historicista, enquanto a linguagem com vistas à revelação, isto é, fundada no conceito grego de aletheia, é o que deve fundamentar qualquer prática arquitetônica que pretende ser fenomenológica. A construção do conhecimento da vida e do mundo é realizada primeira e primordialmente através da percepção pelo corpo e seus sentidos, e em segundo momento, mas não dissociado nem menos importante, através do intelecto, que possibilita pensar, julgar e criar a partir do que foi percebido. Heidegger (In LEACH, 1997a, p.108) enuncia que “a natureza do construir é deixar habitar”. Isso significa que a origem da arquitetura estaria na sua capacidade de configurar condições físicas de apoio existencial do homem. A experiência do espaço, portanto, é o fundamento fenomenológico na arquitetura. (...) quando algo é revelado, isso implica que outros aspectos do que ele é permanecem ocultos. Nós nunca podemos alcançar toda a verdade, mas apenas esclarecer certos aspectos por vez (NORBERG-SCHULZ, 1985, p.111). Não se trata, no entanto, de qualquer modo de linguagem ou de qualquer modo de experiência. Ao passo que a semiótica, para a arquitetura das décadas de 1960 e 1970, opera em um nível superficial comunicativo, por exemplo, a fenomenologia pretende operar em um nível profundo de significado e de relevância psicológica e cultural para o sujeito. Heidegger (In LEACH, 1997b) diferencia a linguagem comum da linguagem poética, a qual possibilitaria o homem “habitar”. A poesia, pelo lado do artista, é ato criativo que interpreta o mundo e apresenta-o de outros modos128. A poesia, pelo lado daquele que a experimenta, é possibilidade de alargamento de sua percepção do mundo. A poesia é vista enquanto abertura, condição para o desvelamento. Heidegger (In LEACH, 1997c), ao construir dialeticamente uma aproximação entre o “poético” e o “habitar” para concretizar o enunciado “... poeticamente, o homem habita ...”, apresenta o “poético” como uma habilidade básica dos seres humanos para “habitar”. Se habitar implica a formação de condições psicológicas para lidar com a existência, 128 Para Heidegger a obra de arte não representa, mas apresenta, revela. 123 cujos significados e natureza nos são desconhecidos, o habitar pressupõe uma necessidade (vontade) de desvelamento do mundo. Se o mundo e suas relações tornam-se familiares através de seu entendimento, as condições de suporte existencial para o homem se formam. Se o “poético” é a habilidade de que dispomos para “habitar”, é ele que possibilita o desvelamento do mundo. No entanto, o filósofo é claro em alertar que a qualidade do “habitar” e a profundidade do conhecimento desvelado dependem do grau poético com que lidamos com a vida. Sendo assim, o habitar não-poético implicaria um grande desapego pelas experiências vividas, ao passo, que o habitar poético potencialmente alarga nossa percepção da vida pelo modo como a experiências são vividas. Heidegger fala, portanto, de um modo estético para a experiência enquanto prerrogativa para um habitar pleno no mundo. O que se entende aqui por experiência estética é correspondente a uma tomada de consciência frente ao mundo a partir do grau de atenção que se imprime em certo momento, como aponta Henri Bergson (1990). Segundo Merleau-Ponty (2011, p.57), “a atenção supõe primeiramente uma transformação do campo mental, uma nova maneira, para a consciência, de estar presente aos seus objetos”. O grau de atenção e as condições internas e externas ao sujeito que percebe podem transformar o ato perceptivo em ato criador, fundamentalmente pela capacidade que temos (re)criar memórias, imaginações e possibilidades de ação a partir da experiência. Se se trata de um ato criador, a experiência estética é também um modo de construção de conhecimento. Prestar atenção não é apenas iluminar mais dados preexistentes, é realizar neles uma articulação nova considerando-os como figuras. Eles só estão pré-formados enquanto horizontes; verdadeiramente, eles constituem novas regiões no mundo total (MERLEAU-PONTY, 2011, p.58)129. Se o habitar poético depende da disposição do sujeito, depende também da linguagem das coisas e dos espaços ao seu redor. Sendo assim, Heidegger (In LEACH, 1997d), quando sobre a relação entre arte e espaço, argumenta que, antes de se falar em espaço artístico, é necessário realizar um trabalho interno de predisposição sensorial 129 Itálicos de Merleau-Ponty. 124 para experienciar o caráter próprio dos espaços. Só com um alargamento da percepção poder-se-á falar seriamente sobre o modo como os espaços são/estão. Frampton, portanto, interpreta Heidegger e Semper com um objetivo retórico claro, estabelecer a fundação da arquitetura na tectônica, entendida por ele como a qualidade material-técnica-poética que conecta o edifício ao seu sítio, à cultura local e ao sujeito. A crítica aqui formada é a negação velada da imbricação do ornamento no tectônico. A estratégia argumentativa para dissociar o simbólico do ontológico130 é filosoficamente equivocada a partir da fenomenologia e contraditória em relação ao discurso de Semper. Enquanto Frampton manifesta um medo do simbólico, Norberg- Schulz vislumbra na natureza existencial da figura uma possibilidade de escapar do historicismo raso e construir práticas arquitetônicas críticas. O ornamento na pós- modernidade ora é incorporado nos discursos em prol do simbólico, ora é considerado uma ameaça pela sua forte relação com o histórico e pela persistência de um juízo de valor que coloca as artes decorativas – abstratas ou figurativas131 – à margem no campo plástico132, e não no seu centro. Para lidar com esse perigo [do figurativo superficial], nós temos que aceitar o sentido do slogan de Husserl. “Para as coisas mesmas” implica que devemos recuperar o entendimento natural do homem das coisas enquanto modos de ser-no-mundo, isto é, agrupamentos. Dessa maneira, nós temos que desenvolver nossa intuição poética e entender o mundo em termos de qualidades e não quantidades. Isso não significa reduzir nosso entendimento à intuição espontânea. Pelo método fenomenológico, nós podemos “pensar” sobre as coisas e desvelar suas “coisidades”. [...]. A fenomenologia há de se tornar a amálgama central da educação, e então o meio que nos ajudará a recuperar a consciência poética que é a essência do habitar. O que precisamos, de modo geral, é uma redescoberta do mundo, no sentido de respeito e cuidado. (NORBERG-SCHULZ, 1985, p.135). A teoria de Semper apresenta diversas vezes o caráter simbólico e técnico dos quatro elementos que foram julgados por ele como fundadores e elementares da arquitetura: a lareira (ou fogueira), a cobertura, as envoltórias e o terraço (mirante ou trabalho de movimentação de terra – “mound”) (SEMPER, 2010, p.102). Semper reitera a 130 Cf. FRAMPTON, 1996, p.16. 131 Apesar da equivocada herança modernista, ancorada nas argumentações de Adolf Loos, de caracterizar todas as manifestações ornamentais na arquitetura como figurativas, em oposição a uma arquitetura abstrata, elementar e nua. 132 Cf. GADAMER, 2004. 125 intrínseca qualidade ontológica desses elementos enquanto criadores de ordem e de condições psicológicas e existenciais para a vida do homem. Frampton (1996, p.16) categoriza o movimento de terra, a estrutura e o telhado como elementos de natureza ontológica, ao passo que entende a lareira e as envoltórias como de natureza simbólica. Fica evidente na extensão do livro de Frampton a ênfase na relação entre o técnico-construtivo e o ontológico enquanto meio de legitimação retórica do regionalismo crítico. A envoltória, assim como a cobertura, para Semper possuem uma grande importância teórica e histórica, pois indicariam a origem têxtil da arquitetura, uma vez que esses elementos – a partir da hipótese da cultura construtiva de tribos nômades, que não tinham outra opção que não a construção do próprio abrigo – eram derivados da pele esticada de animais ou da trama de gravetos, raízes ou fibras vegetais. Semper (2010) aponta a hipótese do trabalho de confecção da envoltória ter evoluído para a confecção de mantas e tapetes, corroborando a teoria da extrema importância da tapeçaria para a história geral da arte e da arquitetura. Naturalmente, o desenvolvimento dos modos de tecelagem, dos desenhos e das cores das tramas, próprios da confecção de tapetes, ocorreu simultaneamente à sofisticação técnica das envoltórias. O que Semper entendia como uma técnica de design, e especificamente de ornamento, foi transformada em técnica construtiva pelos modernistas, seus teóricos e mesmo Frampton. O painel trançado, o original divisor de espaço, permaneceu com toda a importância de seu primeiro significado, verdadeira ou idealmente, quando posteriormente as paredes de tapetes leves foram transformadas em paredes de placas de argila, tijolo ou pedra. O painel trançado era a essência da parede. Os tapetes suspensos permaneceram as verdadeiras paredes, as delimitações visíveis do espaço. As frequentes paredes sólidas por trás deles era necessárias por razões que não tinham nada com a criação de espaço; elas eram necessárias para segurança, para suporte de carga, para permanência, e assim por diante. Em qualquer situação que a necessidade por essas funções secundárias não surgia, os tapetes permaneceram como o modo original de separar espaço. Mesmo onde construir paredes sólidas tornou-se necessário, estas era apenas a interna, invisível estrutura escondida por trás dos verdadeiros e legítimos representantes da parede, os coloridos tapetes tecidos (SEMPER, 2010, p.103-104). Semper, em nota de rodapé, apresenta a origem comum entre os termos alemães Wand (parede) e Gewand (vestido, vestimenta), indicando a natureza ornamental nas 126 origens da arquitetura. Nesse contexto pré-histórico, as paredes sólidas só eram aceitas se imbricadas com as padronagens têxteis, condicionando a arquitetura – ao longo da história da cultura – “não como arte do espaço, mas da atmosfera, e menos dos materiais que dos padrões e texturas” (SPUYBROEK, 2011, p. 92). Esse aspecto foi reconhecido também por Ruskin, Morris e Owen Jones na metade do século XIX, Riegl no final do século XIX, por Worringer, Sullivan, Bragdon e Wright no início do século XX, por Gadamer em 1960 e Vattimo em 1985. Riegl (1992) reconhece a natureza ornamental da arquitetura mas desafia o pressuposto de Semper sobre a origem têxtil do ornamento geométrico. Riegl indica que não há correlação direta entre uma técnica específica – no caso a tecelagem – e o surgimento do ornamento geométrico; e que, na verdade: a vontade humana de adornar o corpo é muito mais elementar que o desejo de cobri-lo com vestimentas tecidas e que os motivos decorativos que satisfazem o simples desejo de ornamentação, como configurações lineares, geométricas, certamente existiam muito antes de tecidos serem utilizados para proteção física (RIEGL, 1992, p. 5). Essa hipótese significa que a natureza ornamental ultrapassaria a arquitetura e as artes e revelar-se-ia uma condição humana. A argumentação de Vattimo para o movimento do ornamento e das artes decorativas de um ponto marginal para a centralidade das questões contemporâneas sobre arte e arquitetura não só é fundada no reconhecimento da necessidade (vontade) humana pelo simbólico, mas também no potencial heurístico do ornamento, isto é, na sua capacidade de guardar significados e instigar engajamentos físicos, emocionais e intelectuais. O retorno ao simbólico reprimido é a chave da pós-modernidade. Apesar de as vertentes fenomenológicas, semióticas e desconstrutivistas na arquitetura interpretarem e lidarem com esse retorno de modos distintos, em última instância, elas pretendem lidar com o mesmo problema: a restauração da percepção e das categorias que a acompanham; imaginação, memória, significado. ... 127 O ornamento retórico De modo semelhante ao regionalismo crítico, tal como conformado, a desconstrução na arquitetura buscou na abstração o refúgio contra a significação, apesar da clara intenção de subverter a lógica clássica de projetação da arquitetura e consequentemente romper com o modo convencional e previsível de relação entre corpo e espaço. Propôs-se então a abstração da abstração. A desconstrução na arquitetura pretendia operar sintaticamente na linguagem da disciplina, no entanto, isso não é possível sem repercussões no âmbito semântico. A sintaxe e a semântica na arquitetura ocorrem simultaneamente, uma vez que a linguagem pressupõe o mecanismo de via dupla da percepção. A sintaxe é apresentada e logo eu a percebo; a partir daí, mesmo que o arquiteto pretenda que o edifício não signifique nada para além dele mesmo, a experiência, independente do grau de atenção, ocorre. Efeitos, afetos, memórias, imaginações, possibilidades de ação se abrem para o sujeito que percebe. Da mesma maneira que Frampton tenta se esquivar do simbólico, a desconstrução também o faz, fundamentalmente pela hermeticidade e insolitez das obras, que pretendem instigar outras percepções a partir da configuração de espaços de outra natureza, espaços da diferença133. O espaço desconstrutivista não pretende clareza sintática, semântica ou pragmática, mas o que não significa a ausência dessas condições, inerentes à arquitetura. Assim, apesar da pretensão de um discurso, uma lógica e um significado internos à disciplina e ao processo de criação – presentes apenas aos arquitetos e mais ou menos ausentes ao sujeito que interage com o espaço –, o simbólico ainda se manifesta, tanto internamente no campo disciplinar da arquitetura (enquanto desejo) como externamente no campo da experiência. O objeto-nele-mesmo torna-se um objeto-diferente-de-si-mesmo, um significante direcionado aos próprios códigos e convenções disciplinares que autorizam todos os objetos arquiteturais – ele torna-se Simbólico no sentido de Lacan. O objeto torna-se um meio para um Real que ele não reproduz simplesmente, mas necessariamente simultaneamente revela e oculta, manifesta-se e se reprime. Um certo padrão emerge. O que por essa visão aparece como condições para a impossibilidade de um sistema arquitetural – uma situação histórica e 133 O espaço desconstrutivista em teoria pode ser comparado ao conceito de heterotopia de Foucault, desenvolvido em “Of Other Spaces: Utopias and Heterotopias”, originalmente de 1967. Particularmente a categoria heterotopia da diferença (“heterotopias of deviation”) apresenta e contém o desvio da norma, a subversão dos sistemas, o rompimento com o próprio tempo, a que pretende o espaço desconstrutivista. 128 social na qual não há necessidade da arquitetura enquanto uma representação cultural ou, melhor, na qual seu domínio representacional não possui acesso para nenhuma realidade para além da sua – na verdade estabelece as condições para novas e diferentes funções arquiteturais. Pois enquanto a necessidade da arquitetura for articulada como simbólica – enquanto o objeto arquitetura for apresentado sempre novo, repetido como simbolizado – uma pergunta é lançada nas possibilidades da arquitetura, mais que nas suas atualidades: De onde vem a arquitetura, e o que autoriza sua existência enquanto arquitetura – para além das constituições particulares já postas? Essa é a questão do avant-garde tardio (HAYS, 2010, p.13). Michael Hays (2010) interpreta muito bem a condição da arquitetura de vanguarda no final do século XX a partir do conceito de desejo (da arquitetura) e por uma abordagem psicanalítica lacaniana da condição da experiência: a tríade Imaginário-Simbólico-Real. A tentativa de deslocamento da experiência do espaço para um âmbito não- representacional a partir da decomposição, da transformação e da deformação sintáticas, semânticas e pragmáticas é centrada na sensação e não na simbolização. O efeito torna-se mais importante do que a comunicação. Ao passo que os pós- modernos historicistas estão interessados na multiplicidade de significados, como decreta Venturi (1995), os desconstrutivistas pretendem fazer a arquitetura operar em um processo experiencial dialético entre ausência e presença de percepções, memórias e imaginações, fundamentalmente por reconhecerem a fragmentação e a parcialidade como condições de toda percepção. Por isso, essa arquitetura foi caracterizada como crítica. Arquitetos como Peter Eisenman e Bernard Tschumi imprimiram um movimento vertical e profundo em direção aos fundamentos da arquitetura exatamente para desestabilizá-la e construir outras possibilidades para a própria disciplina. Através desse procedimento de contínuo deslocamento dos sistemas tradicionais da arquitetura e de sua recepção, objetos e espaços novos surgem, mais ou menos desfamiliarizados, e as relações entre signo e significado passam a ficar mais obscuras. A circunstância em que a arquitetura é colocada é a de abrigar presença e ausência simultaneamente. Eisenman (In NESBITT, 2006b) chama essa circunstância de “figura retórica”, uma arquitetura, que pelo trabalho sintático sofisticado, pretende ser não- representacional e fazer parte de um projeto que não visa a dominação nem o controle. 129 Eisenman, em seus textos da década de 1980, assim como Frampton, evita o uso do termo “ornamento” em detrimento do termo mais geral “figura”. Figura para ele tem a acepção de conjunto sintático que conforma um edifício ou um lugar. Assim, os pós- modernos historicistas estariam fazendo figuras representacionais enquanto os modernistas teriam feito figuras abstratas, mas ambas as estratégias estão interessadas em representar algo para além dos próprios edifícios. O autor entende que a recuperação da figuração pelo pós-modernismo é acertada (EISENMAN In NESBITT, 2006b), mas ela foi encarada de maneira convencional, não se configurando de fato como pós-moderna. A ausência de significado coerente e inteligível inibiria a interpretação e, por conseguinte, ter-se-ia uma arquitetura livre de preconcepções. Eisenman, com seu projeto anti-clássico, está interessado em desmantelar os pressupostos que fundamentam a disciplina da arquitetura e ver a possibilidade da construção de outros sistemas de fundamentação. O problema da representação é formulado a partir do reconhecimento da insistência da arquitetura, a partir do Renascimento, de simbolizar algo externo a ela. Eisenman associa essa insistência a um projeto de legitimação da arquitetura e de dominação daquilo que ela representa. A argumentação a partir da desconstrução é adequada para instalar a condição da diferença no campo arquitetônico. A arquitetura sempre presumiu que, tal como a língua e a arte, ela tem signos, isto é, que a figuração é representacional. Mas a ideia de figuração retórica na arquitetura não é representacional. Uma figura representacional representa alguma coisa na ausência dela. Uma figura retórica contém a sua ausência, isto é, contém a indeterminação de seu sentido (EISENMAN In NESBITT, 2006b, p.196). A proposição de indeterminação de sentido de Eisenman parece interessante por possibilitar uma série de interpretações distintas, no entanto, o autor está interessado em uma “pura leitura, sem valor ou preconceito, o oposto da interpretação” (EISENMAN In NESBITT, 2006c, p.251). A figura retórica não é nem referencial nem anti-referencial, mas auto-referencial. A auto-referencialidade de algo, uma obra ou um lugar, implica o reconhecimento da presença não só do que aquilo é no presente 130 mas dos rastros do que foi. A presença da ausência é uma exaltação da distensão temporal, da memória e da diferença. A inerente complexidade semântica e sintática que algo adquire se considerado como palimpsesto é o fundamento da figura retórica de Eisenman. Para desafiar o estatuto da representação e instalar a diferença, Eisenman propõe três operações projetuais: o tracing (rastrear), para desvelar as camadas mnemônicas enterradas/apagadas; o scaling (escalar), para deslocar o referencial semântico do sintático através da deformação da forma; o grafting (enxertar), para deslocar ainda mais o sujeito dos sistemas representacionais convencionais a partir da inserção de um elemento estranho, alienígena, no contexto de ação. Esses recursos, teorizados em “O Fim do Clássico” e em “A arquitetura e o problema da figura retórica”, foram testados nos projetos – em sua maioria experimentais – de 1978 a 1988, agrupados sob o título de “Cities of Artificial Excavation”, livro publicado em 1994. Por tentar dissociar a arquitetura do seu caráter representacional clássico, Eisenman formula uma hipótese de arquitetura, que por sua indecifrabilidade, ela só teria uma única condição de experimentação: imersão pura no modo como ela é, e não no que ela pode representar. O problema dessa hipótese é a negação do mecanismo da percepção. A coisa ou o espaço nunca são apenas neles mesmos; eles sempre estão em relação a algo ou alguém. A figura retórica de Eisenman pode tomar corpo, mas ela não será experienciada como o arquiteto quer; por um sujeito isento de memórias, de experiências, de ideologias e preconceitos. A experiência estética nunca é pura e implica interpretação. Em um primeiro momento, a imersão pura até poderia ocorrer, mas logo, a experiência distendida no tempo constrói suas próprias significações. Nesse sentido, o simbólico é construído diretamente pela vontade e/ou necessidade do sujeito, mas ainda assim, pela condição da “dupla distância”134 da percepção, as qualidades físicas do espaço têm papel determinante na experiência vivida. A necessidade teórica e epistemológica de Eisenman de se distanciar das estratégias pós-modernas historicistas e da estética – apesar de certos problemas postos por ele 134 A dupla distância implica a predisposição do espaço de afetar o sujeito e do sujeito de ser afetado pelo espaço. Cf. DIDI-HUBERMAN, 2010. 131 serem da ordem da percepção – o impede de avançar em uma formulação de outro modo para o ornamento – enquanto principal categoria clássica135 – que não a ontológica e a simbólica. Qualquer justificativa arbitrária para manter o ornamento, mesmo que de outro modo, no seu sistema arquitetônico implicaria uma argumentação estética, o que tornaria seu discurso contraditório nesse ponto. Isso ocorreu, por exemplo, na descrição do projeto do Biozentrum para a Universidade J. W. Goethe, de 1987, os conceitos e a criticidade de Eisenman caem por terra: Uma ambiguidade entre estrutura e ornamento é produzida no projeto para o Biocentro para a Universidade J. W. Goethe pela criação de uma analogia entre processos arquitetônicos e biológicos. (...). Usando uma analogia entre a construção biológica e a construção arquitetônica, essa cadeia [de DNA] pode ser transposta em forma arquitetônica de tal forma que ela produza uma arquitetura simbólica da disciplina que ela abriga. No Biocentro as figuras dos biólogos são dispostas no sítio em fileira ao longo da base de uma fita ziguezagueante, seguindo a sequência precisa da cadeia de DNA para a proteína colágeno, que produz a força tênsil necessária para a estrutura (assim como no osso). Ao invés de simplesmente representar a configuração física do DNA, entretanto, o projeto articula os três processos mais básicos pelos quais se produz proteína: replicação, transcrição, e translação. Cada um desses processos foi utilizado para transformar progressivamente as figuras base. Sujeitando arquiteturalmente as figuras dos biólogos aos próprios processos que eles descrevem, as fronteiras interdisciplinares entre arquitetura e biologia são embassadas. O projeto final não é portanto nem simplesmente arquitetônico, nem simplesmente biológico. É, na verdade, uma adição a um complexo de ciências que em si mesmo pode ser naturalmente expandido, como o modelo do DNA de dupla-hélice, como seu uso futuro demanda (EISENMAN In DAVIDSON (ed.), 2006, p.133). A descrição de Eisenman para esse projeto é incompatível com seu discurso em textos anteriores. A representação não só é usada no processo de projeto, como há a pretensão de que o edifício encarne e reflita pela sua fisicalidade o fenômeno biológico. Uma investigação mais séria e sofisticada sobre a ambiguidade proposta – entre estrutura e ornamento – poderia possibilitar uma abertura mais crítica para o estético. Nessa circunstância, poder-se-ia muito bem depreender do conceito de figura retórica a hipótese de ornamento retórico; um ornamento anti-clássico cuja natureza fosse fundamentalmente anti-representacional e auto-referencial, e que abrigasse em 135 Eisenman desmantela todas as categorias clássicas, exceto o ornamento, que em geral nem é mencionado ou questionado. 132 sua complexidade camadas semânticas ambíguas. Trata-se de uma proposição radical que Eisenman, antes de 1987, teria dificuldade em aceitar e formular136. A arquitetura ocidental entre as décadas de 1990 e 2000 passou a apresentar uma produção completamente nova, que foi possibilitada não só pelo avanço de softwares de modelagem e parametrização tridimensional (como o CATIA137), mas subsidiada por um renovado interesse pela filosofia – em particular a de Gilles Deleuze. Charles Jencks (2002, p.211) reconhece uma vertente que tem sido nomeada por diversos termos: “arquitetura da complexidade, design cosmogenético, ciberespaço, arquitetura não- linear, arquitetura blob, espaço híbrido ou hiperespaço”. Peter Eisenman será um de seus principais precursores. No mesmo ano em que conceitua a figura retórica, é publicado em inglês o livro “Mil Platôs”138 de Gilles Deleuze (1925-1995) e Félix Guattari (1930-1992). O capítulo “O liso e o estriado” terá profunda repercussão no modo de Eisenman pensar e fazer arquitetura, de modo que a partir da década de 1990 a grande maioria de seus experimentos se fundamentarão nos conceitos deleuzianos de “espaço liso” e “dobra”. Em “Visions’ Unfolding: Architecture in the Age of Eletronic Media”, de 1992, Eisenman expõe a mudança de paradigma que as novas mídias estão imprimindo na vida contemporânea, pela transposição do mecânico para o eletrônico, e como ela altera nossa relação com o mundo. A visão, sempre perspectivada pelo mecanismo óptico e assim transposta para a arquitetura desde o 136 Eisenman não chega a formular essa hipótese posteriormente, mas aceita veladamente a condição ornamental de sua produção pela adoção do conceito de dobra de Deleuze. A posição dita “anti- estética” de Eisenman em 1984 (Fim do Clássico) e ainda em 1987 (Arquitetura e o problema da figura retórica) é revista. 137 CATIA (Computer Aided Three-Dimensional Interactive Application) é um software de modelagem paramétrica criado em 1977 pelo fabricante francês de aeronaves Avions Marcel Dassault para projetos em engenharia aeroespacial. Um dos primeiros arquitetos a utilizar o CATIA foi Frank Gehry em 1992 no projeto do seu pavilhão para as Olimpíadas de Barcelona: uma escultura de 50 metros de comprimento em forma de peixe tridimensional estilizado. O software possibilitou a disposição mais lógica das peças estruturais da forma orgânica e a delimitação do formato das chapas metálicas planas para que quando curvadas se encaixassem com precisão umas às outras. Antes da descoberta do CATIA pelo escritório de Gehry, várias tentativas de gerar um protótipo viável a partir de desenhos bidimensionais deram errado. Como o software permitiu a inserção de informações da construção no modelo tridimensional, a equipe conseguiu projetar e construir o pavilhão em seis meses e dentro do orçamento. 138 Sem dúvida, a leitura do capítulo “O liso e o Estriado” (“The Smooth and the Striated”), em “A Thousand Plateaus”, publicado em francês em 1980 e em inglês em 1987, estabeleceu uma reviravolta no pensamento de Eisenman. É visível a mudança em direção à estética e ao espaço dobrado no texto seminal (“Visions`Unfolding”) de janeiro de 1992. Logo no mesmo ano, em dezembro, é publicada a versão em inglês de “Fold: Leibniz and the Barroque” (original em francês, de 1988), em que Deleuze teoriza a dobra. 133 renascimento, adquire novas possibilidades de configuração. Nesse sentido, o arquiteto continua firme em sua crítica ao sistema de projeção planimétrica, que não só passou a definir e possibilitar a compreensão bidimensional do espaço tridimensional, mas também configurou a supremacia antropocêntrica (racionalista) da visão no discurso e na prática arquitetônicos (EISENMAN In NESBITT, 2006d). A inversão desse sistema pressupõe um retorno à dimensão háptica do corpo. A oposição entre um espaço que privilegia a visão e outro que requer um corpo para a experiência foi apresentada por Deleuze e Guattari (1987) em “Mil Platôs” sob a forma do “espaço estriado” e do “espaço liso”, respectivamente. Por enquanto, interessa-nos duas qualidades do espaço liso: Primeiro, visão de “curta-distância”, enquanto distinta de visão de longa- distância; segundo, “tátil”, ou melhor, espaço “háptico”, enquanto distinto do espaço óptico. “Háptico” é uma palavra melhor que “tátil” pois não estabelece uma oposição entre dois órgãos sensoriais mas convida a pressuposição que o próprio olho poderia suprir essa função não-óptica (DELEUZE; GATTARI, 1987, p.492). A noção de “visão de curta-distância” implica não só uma relação de proximidade com o espaço, mas de intimidade, ou de fazer parte, em contraposição à posição distanciada, contemplativa, que está de fora. O espaço “háptico” possuiria a qualidade de afetar os sentidos, de deslocar o corpo da condição neutra pelo modo como se manifesta. Na teoria de Deleuze e Guattari, a categorização dos espaços enquanto lisos ou estriados não é estática. É fundamental entender esses conceitos como condições transitórias dos espaços, que são definidas tanto por eles mesmos pela sua fisicalidade, como por aquele que o vive: “(...) o espaço liso deixa-se tornar estriado, o espaço estriado requalifica um espaço liso, com potencialmente valores, escopos e signos muito diferentes” (DELEUZE; GUATTARI, 1987, p.486). Essa translação é tão complexa quanto transformar qualidades em quantidades, contudo, é necessária, pois um só existe na sua própria diferença. Só se consegue qualificar um espaço pela sua diferenciação de outro. O modo do vivente no espaço o modifica para ele mesmo. Assim, trata-se de questões de espaço e de percepção. A ideia de uma “olhar de volta” implica um deslocamento do sujeito antropocêntrico. Para olhar de volta não é necessário que o objeto se torne 134 um sujeito, isso seria o mesmo que antropomorfizar o objeto. O olhar de volta diz respeito à possibilidade de desatrelar o sujeito da racionalização do espaço. Em outras palavras, trata-se de permitir ao sujeito ter uma visão do espaço que não seja mais subordinada à construção mental da visão, normatizadora, classicizante ou tradicional; ou seja, um outro espaço, onde, efetivamente, o espaço “olhe de volta” para o sujeito (EISENMAN In NESBITT, 2006, p.604). Nesse excerto, o discurso de Eisenman de modo surpreendente ecoa o conceito de dupla-distância de Didi-Huberman139, e ultrapassa o limite teórico e epistemológico imposto em seus textos e projetos anteriores. O “espaço háptico-de-curta-visão”140 passa a ser o tipo de espaço que Eisenman se interessa em projetar, pois possuiria em si qualidades que permitiriam (ou suscitariam) o sujeito a perceber o espaço de modo afetivo e não apenas efetivo. Para tanto, o arquiteto indica a necessidade de desvincular visão e razão, olho e pensamento. Isso significa pensar um espaço de “visão-de-curta-distância” que impossibilita sua apreensão e compreensão imediatas, mas que precisaria da experiência do corpo para ser descoberto. Se o espaço não se revela prontamente, ele deixa uma condição estática para assumir uma condição processual, isto é, ele só se desvela pela ação distendida no tempo. Assim, Eisenman abandona o argumento da arbitrariedade dos procedimentos formais enquanto possibilidade de anular a produção de significados pela interpretação – exigindo uma “leitura pura” do sujeito – para assumir os sujeitos tais como são, múltiplos em suas individualidades, e começar na relação entre o modo do espaço e possibilidades de afetos. Para qualificar os modos desse tipo de espaço, Eisenman faz uma abordagem sintática mais elaborada a partir da ideia de inscrição: “inscrever o espaço de modo a dotá-lo da possibilidade de retornar o olhar para o sujeito” (EISENMAN, 2007, p.37). Inscrição foi entendida como elemento de linguagem reconhecível e que possibilita clareza de entendimento. Esse reconhecimento, por si só, não garante a devolução do olhar que Eisenman pretende para seus espaços. Repensar o modo da inscrição com vistas ao 139 Cf. DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha; publicado originalmente em 1992. 140 É importante ressaltar que Deleuze e Guattari (1987, p.493) atribuem a Alois Riegl a proposição fundamentalmente estética desse conceito, que também foi trabalhado posteriormente por Worringer e Henri Maldiney. 135 deslocamento da percepção condicionada do sujeito implica exceder o limite habitual do normal. Onde há a visão curta, o espaço não é visual, ou melhor, o olho mesmo possui uma função háptica, não-óptica: nenhuma linha separa a terra do céu, que são da mesma substância; não há nem horizonte nem fundo nem perspectiva nem limite nem contorno ou forma nem centro; não há distância intermediária, ou toda distância é intermediária. [...]. Essa reversão das leis da gravidade torna a falta de direção e a negação de volume em forças construtivas (DELEUZE; GUATTARI, 1987, p.494). O excesso141 a que pretende Eisenman se encontra no conceito deleuziano de dobra, derivado da continuidade ininterrupta do espaço liso e materializado no espaço barroco. A dobra passará a ser o dispositivo teórico e operacional que Eisenman vislumbra em confluência com as possibilidades operativas processuais proporcionadas pelos novos softwares. Para o arquiteto, passa a haver a possibilidade de novas articulações entre o horizontal e o vertical, a figura e o fundo, o dentro e o fora porque a dobra rompe com o espaço cartesiano e desloca qualquer expectativa tradicional do que um espaço deva ser. No barroco e no rococó, a inscrição estava na decoração em estuque que começava a obscurecer a forma tradicional de inscrição funcional. Esse tipo de inscrição “decorativa” era considerado excessivo quando não exigido pela função. A arquitetura tende a resistir a esse excesso como nenhuma outra arte devido ao poder e à natureza difusa da inscrição funcional (EISENMAN In NESBITT, 2006, p.604). Qualquer dobra possui profundidade e tem potencial de entranhar-se. O desdobramento da dobra cria novas dobras, novas reentrâncias, cavidades, movimentos. A maneira da matéria de se dobrar forma as texturas, e assim desenvolvem-se outras profundidades. Eisenman vê na ausência de referência para orientação, nas múltiplas conexões e na fluidez espacial uma possibilidade 141 A noção de excesso em Eisenman é semelhante à de Tschumi no que tange sua associação à noção de transgressão. Entre 1975 e 1976 Bernard Tschumi formulava sua crítica ao retorno à linguagem pelos pós-modernos historicistas e impunha a necessidade de ultrapassamento de certos limites prevalecentes na cultura arquitetônica. Tschumi evoca o “erotismo” de Bataille, pela sua condição transgressora, e declara um dos fundamentos de sua teoria da disjunção: o prazer do excesso. Apesar de se apoiar muitas vezes em discursos surrealistas e dadaístas, ele sempre esteve interessado na abstração pela sua potencialidade de desfamiliarização. Mesmo Deleuze situando a força da dobra, em última instância, na abstração, não é evidente sua influência em Tschumi. Cf. TSCHUMI, 1996. 136 apresentada pela dobra de passagem de um espaço efetivo para um espaço afetivo. Se o espaço dobrado resiste à apreensão total e desvincula a experiência de qualquer coisa reconhecível, o arquiteto argumenta que o espaço deixaria de ser discursivo e tornar-se-ia operação, ato, processo. Se Deleuze (1991, p.64) enuncia a dobra como “conceito operatório do barroco”, o espaço dobrado de Eisenman seria, em última instância, o ornamento retórico. No entanto, o arquiteto cita apenas brevemente a condição do barroco – pois é de onde parte o filósofo – mas não leva essa relação às últimas consequências como Deleuze o fez142. Nos primeiros projetos que Eisenman considera dobrados, como a proposta para o edifício Max Reinhardt Haus de 1992, existe um discurso que indica intenções representacionais e simbólicas associadas a termos como dobra, fragmento e heterotopia, mas raramente o arquiteto se refere à sensação ou à experiência das pessoas no espaço. No caso de Max Reinhardt Haus, o edifício “reinterpreta uma cadeia de cristais”, a “forma é gerada a partir de uma única fita de Moebius”, e os volumes cúbicos ideais de Karl Friedrich Schinkel (1781-1841), que pretendiam ser “elementos transformadores da Berlim barroca, são projetados no tecido do edifício como grandes espaços públicos” (EISENMAN In DAVIDSON, 2006, p.222). As estratégias de ler a cidade de modo palimpsêstico e de confrontar fragmentos mnemônicos suprimidos ou reprimidos da história do lugar se misturam à tradução quase utilitária que ele faz do conceito de dobra de Deleuze. O resultado desse processo de Eisenman é uma arquitetura anti-representacional em termos experienciais, mas com discursos e processos que ainda lidam com o simbólico, mesmo que não evidenciados na materialidade da obra. Peter Eisenman evita em seus textos sobre a dobra apresentar ou discutir o panorama mais recente da produção de espaços dobrados (até a década de 1990, sem o digital). A omissão pode ter ocorrido por esta produção estar em grande parte circunscrita 142 A citação de Eisenman utilizada nesse capítulo sobre a inscrição decorativa do barroco e a resistência da cultura arquitetônica ao excesso – que nos leva a especular sobre a intenção ornamental do arquiteto com o “ornamento retórico” (inventado aqui) – é original da publicação na revista Domus, de janeiro de 1992. O recalque que o ornamento sofre no pensamento de Eisenman é tão severo que “Visions` Unfolding” será republicado sem esse trecho em um livro com uma coletânea de textos seus. Cf. EISENMAN, 2007. Written Into The Void: Selected Writings 1990-2004. 137 dentro das manifestações orgânicas derivadas do Art Nouveau europeu ou da prática ornamental de Sullivan e Wright nos Estados Unidos. O espaço contínuo, a fluidez formal, o amorfo textural proveniente da dobra possui conexões estreitas com a vertente organicista e poderia informar a produção de Eisenman. No entanto, o arquiteto americano ignora os trabalhos produzidos com essa ênfase no próprio país nos últimos 30 anos, como o impressionante terminal TWA do aeroporto JFK (1952- 1962) de Eero Saarinen; a proposta da Endless House (1950) de Friederick Kiesler, exposta no MoMA NY entre 1958-1959; a Brenton House (Colorado, 1969) de Charles Haertling, que se mostra como Endless House materializada. Ou ainda, os trabalhos mais recentes de Bart Prince (Price House, California, 1984) e James Hubbell (Sea Ranch Chapel, California, 1984). As correspondências na Europa com as esculturas dobradas de André Bloc, as arquiteturas de Jacques Couelle (Village Castellarras-le- Vieux, 1955–1963; Hotel Cala di Volpe, 1962) e de Jacques Gillet (The Sculpture House, Liège, 1968) poderiam ter sido estudas e discutidas pelo seu caráter abstrato e háptico. O Pavilhão Philips (Feira Mundial, Bruxelas, 1958) de Le Corbusier e Iannis Xenakis, com seus paraboloides hiperbólicos, foi radical para a época. Mas, nem mesmo os projetos experimentais pneumáticos dos grupos Archigram (Living pod, 1966-1967 – David Greene; The Cushicle, 1966 – Michael Webb) e Coop Himmelb(l)au (Villa Rosa, 1967; Cloud, 1968-1969), nem as ideias e as estruturas impressionantes de Buckminster Fuller e Frei Otto foram apresentados enquanto precursores da dobra contemporânea. As obras subsequentes de Peter Eisenman, com a continuidade de seus experimentos com a dobra, passam a ter a ambiguidade pretendida em 1987, no Biozentrum, entre estrutura e ornamento. Tal é o caso da proposta para o Musée du Quai Branly (1999) em Paris, que sugere uma interpretação biológica da forma e de elementos da cidade e sua tradução arquitetônica em uma topologia complexa. O arquiteto evoca Darwin e os surrealistas para corroborar com sua abordagem biomorfológica para a proposta, “que seria como o código genético da Paris orgânica” (EISENMAN In DAVIDSON, 2006, p.302). Nesse projeto, a forma surge do solo e começa a sofrer um processo metamórfico, praticamente sem fim, em que a ondulação e as dobras da superfície obscurecem as demarcações de chão, parede e teto. Eisenman leva ao extremo sua 138 intenção de fundir o edifício com a topografia143 em dois outros projetos paradigmáticos: A Cidade da Cultura da Galicia, na Espanha, construído de 1999 a 2013; e o projeto de 2001 para o Musée des Confluences, em Lyon, França. Pela escala gigantesca da Cidade da Cultura, a continuidade topográfica no edifício tornou-se mais visual que háptica, uma vez que apenas em alguns pontos é possível o percurso. Fig. 62 | Modelo digital da Cidade da Cultura da Galicia. Fonte: http://www.eisenmanarchitects.com/ Fig. 63 | Musée du Quai Branly (1999), Paris. Fonte: http://www.eisenmanarchitects.com/ Fig. 64 | Musée des Confluences (2001), Lyon. Fonte: http://www.eisenmanarchitects.com/ 143 Eisenman chama essa estratégia de “figure-figure urbanism” (urbanismo figura-figura), em oposição ou figura-fundo do contextualismo de Colin Rowe, por exemplo. 139 Apesar do frescor das ideias de Eisenman e na repercussão que essa tradução de Deleuze para a arquitetura teve na atual configuração dos novos modos ornamentais arquiteturais, seu constructo ainda é duplamente limitado. (1) No final de “Visions’ Unfolding” há a insistência que a experiência do espaço dobrado nesses termos não estaria mais no escopo da estética. A dissociação entre estética e percepção não só é filosoficamente errônea como impossível144. (2) A qualidade “háptica”, uma das condições do “espaço liso”, é recorrentemente ignorada no seu discurso e na sua produção arquitetônica. Como Eisenman vincula seu projeto de deslocamento ao potencial das novas mídias e ao recente conceito de dobra de Deleuze, o digital145 é que possibilitaria a dobra. No entanto, a interpretação feita de Deleuze é uma tradução seletiva: os conceitos que servem ao arquiteto são apropriados e aquilo que não convém é descartado. Isso é visível em textos como “Unfolding Events: Frankfurt Rebstockpark and the Possibility of a New Urbanism” (1991) ou “Folding in Time: The Singularity of Rebstock” (1993), nos quais a discussão da dobra, seja a partir de Deleuze ou mesmo de René Thom146, ocorre estrategicamente pontual, logo depois de descrições do projeto como justificativa ou explicação. O potencial do digital de Eisenman só poderá ser expandido quando a condição estética for aceita e qualidade háptica inscrita, imbricada, no espaço147. 144 Nesse sentido, Tschumi é muito mais coerente em sua teoria e assume a experiência estética como a condição para a transgressão na arquitetura. Eisenman se preocupa tanto com a percepção que o sujeito terá de seu espaço que chega ao ponto de ter que sempre reafirmar o caráter anti- representacional e, por conseguinte, anti-estético de seus espaços. Essa incongruência evidencia uma dificuldade patológica do arquiteto de lidar com o descontrole. 145 Se Eisenman fosse mais aberto em seu discurso, pela leitura do capítulo “O Liso e o Estriado”, ele teria visto grande potencial na relação que Deleuze faz entre o espaço liso e a geometria fractal. Benoit Mandelbrot, em 1983, escreve “The Fractal Geometry of Nature” e explica uma das principais lógicas formais generativas presentes na natureza. O fractal para Deleuze é a possibilidade de desdobra infinita da dobra. A geometria fractal se configurou com um dos principais operadores do que hoje está conhecida com “Arquitetura Biomimética”, um dos desdobramentos recentes da arquitetura orgânica. Cf. PEARSON, David. New Organic Architecture: the breaking wave. Los Angeles: University of California Press, 2001. 146 Cf. THOM, René. “Structural Stability and Morphogenesis: An Outline of a General Theory of Models”, originalmente de 1972 em francês. A versão em inglês, à qual Eisenman possivelmente teve acesso é de 1975. O fato de Thom discutir condições topológicas não-euclidianas – que envolvem termos como evento, dobra, catástrofe, dinamismo, hipersuperfície – atrai Eisenman para o pensamento complexo. No entanto, é difícil saber se o contato com Thom é por Deleuze (1991, p.34,35) em “The Fold” ou por outro canal. Fato é que, novamente, o uso dos termos é sempre utilitário e em geral a repercussão nos projetos é mais conceitual do que espacialmente efetiva. 147 Três anos depois, em 1995, o arquiteto francês Bernard Cache publica “Earth Moves”, talvez a melhor tradução da dobra de Deleuze para a arquitetura. A grande diferença de Cache para Eisenman é 140 Em um contexto cultural de transição, em que ainda predominam os pensamentos ultra-racionalistas e funcionalistas, a posição de Eisenman é a que se fez, e talvez ainda se faça, necessária. A forma ainda parece estar sob o regime da razão e necessita justificativa razoável para sua legitimação. Assim, as contradições e ambiguidades entre os textos e projetos do arquiteto não são falhas, mas sintomas: (1) da presença de um sistema de valores em que a razão e o pragmatismo são soberanos; (2) do caráter movente do pensamento de Eisenman. As ideias e os discursos de um sujeito crítico e criativo estão sempre em transformação; e isso significa estar em constante risco de contradição e de abertura para críticas. Essa condição que Eisenman se colocou só é considerada frágil por valores racionalistas, daí a radicalidade e importância que sua arquitetura e seus textos adquirem através do suporte filosófico em Derrida e Deleuze, ou mesmo nas emergentes ciências da complexidade. ... A resistência arquitetônica à homogeneização do espaço e da percepção teorizada por Kenneth Frampton e a ruptura da arquitetura com ela mesma imaginada por Eisenman foram escolhidos para esse embate por influenciarem as principais vertentes arquitetônicas na contemporaneidade e por manifestarem uma relação ambígua com o ornamento. A origem do problema que incomoda tanto Frampton quanto Eisenman é o mesmo: impacto que a crítica de Aldolf Loos teve na cultura arquitetônica do século XX: (1) entendimento do ornamento como aplique e como signo; (2) a imoralidade do ornamento pela sua incongruência com a suposta sobriedade e discrição do homem moderno148; (3) a exaltação da racionalidade enquanto condição para a arquitetura. Esse alicerce crítico foi apropriado pelo modernismo funcionalista associação Bergson-Deleuze que permite discutir o termo “imagem” a partir de “duração” (imagem- tempo) e de “variação” (metamorfose), indicando abertura de percepção. 148 Por isso a estratégia retórica de associar o homem moderno, discreto e sóbrio, a uma condição evolutiva superior ao homem primitivo, indígena ou aborígene, de corpo ornamentado e regras sociais e culturais incompatíveis com o que Loos chama de civilizado. A condição de civilizado nada mais é do que, a princípio, a supremacia da razão na condução da vida. É importante esclarecer que a razão em si não é um problema, é uma capacidade e uma condição humanas, mas seu excesso é destrutivo. Razão e materialismo se opõem à imaginação e ao espiritualismo. O excesso de racionalidade suprime e reprime o simbólico. Eis o problema com que se depara a fenomenologia: o de reconciliar esses opostos. A desconstrução se desdobra da fenomenologia em outra frente: atacar o excesso com outro excesso. 141 como seu fundamento e, com agravamento global da visão tecnicista e materialista da vida, a produção do espaço cotidiano, de modo generalizado, se desvinculou do sujeito, do lugar e da cultura local. Exatamente por apresentarem alternativas distintas ao modo raso e despojado como o ornamento foi empregado pelos historicistas e contextualistas é que seus discursos interessam aqui. Por um lado, a fenomenologia na arquitetura, tanto por Frampton quanto por Norberg-Schulz, pretende possibilitar o retorno do corpo e da mente a uma condição estável, segura e familiar e ao mesmo tempo reinstalar esse corpo no espaço a partir das suas qualidades materiais e de seu potencial imaterial. Por outro lado, a desconstrução pretende possibilitar que o corpo se reencontre enquanto corpo que sente, mas para isso é necessário ultrapassar os limites tradicionais da percepção pela configuração de espaços que rompem com o que se espera deles. Apenas pelo deslocamento da percepção o corpo poderia se refazer. Ambas as posições se propõe a realizar um movimento vertical às origens da arquitetura para a reconfigurá-la na contemporaneidade. As maneiras dessa reconfiguração é que são distintas. O ponto em comum entre os modos de pensamento arquitetônico na pós-modernidade – a fenomenologia, a semiótica e a desconstrução – é a posição central que estética assume como legitimadora do discurso contra um sistema ultra-racionalista que suprimiu a experiência, o corpo, a memória e a imaginação enquanto fundamentos para se pensar e fazer espaço. Essa condição histórica pós-moderna e a resistência ornamental da arquitetura orgânica ao longo da primeira metade do século XX foram determinantes para a conformação da condição ornamental ainda em expansão na arquitetura contemporânea. (...) a situação compreensiva da arquitetura em relação a todas as artes envolve uma mediação bipartite. Enquanto a arte que cria espaço ela tanto o forma como o deixa livre. Ela não só abarca todos os aspectos decorativos do conformar espaço, incluindo o ornamento, como ela é decorativa em sua natureza. A natureza da decoração consiste em performar essa mediação bipartite; a saber, direcionar a atenção do observador para ela mesma, para satisfazer seu gosto, e logo redirecioná-la para longe de si em direção ao todo maior do contexto da vida que a acompanha (GADAMER In LEACH, 1998, p.135). 142 A condição ornamental diz respeito não só ao modo como a arquitetura tem se configurado e manifestado, isto é, à nova situação da cultura arquitetônica, mas significa a fundamental redefinição do ornamento como condição mesma da arquitetura. 143 CAPÍTULO 6 | ORNAMENTO DIGITAL, ORNAMENTO ANTI-CLÁSSICO? A questão aqui não depende dos variados níveis de relacionamento ou autonomia entre ornamento e material em diferentes momentos históricos e diferentes práticas arquitetônicas. Ela depende, contudo, na observação de que finalmente o ornamento emerge como categoria pelo reconhecimento da forma como simbólica (LEVIT, 2008, p.3). Ruskin Digital? Talvez a abordagem mais consistente em termos teóricos e propositivos sobre o ornamento contemporâneo seja a do holandês Lars Spuybroek149 (1959-), a partir dos livros “The Sympathy of Things: Ruskin and the Ecology of Design” e “Textile Tectonics”, ambos publicados em 2011. Spuybroek não só está atento e imerso na cultura digital, mas oferece uma visão fresca de conceitos-chave de teóricos do ornamento do século XIX e início do XX, em especial Ruskin, Semper, Morris, Owen Jones e Worringer. Em “Sympathy of Things”, o autor, a partir de sua empatia teórica com John Ruskin, formula uma hipótese sobre a “natureza digital do gótico” e interpreta e esclarece os principais operadores conceituais e práticos para conceber o ornamento. Spuybroek dedica um capítulo – “The matter of ornament”, “A matéria do ornamento” – aos fundamentos do ornamento de superfície. Para inaugurar essa discussão o autor recupera a analogia que Ruskin faz entre a superfície da terra (o que chama de “Earth- veil”) e da parede (“wall-veil”). Há um caráter dinâmico nas forças geológicas necessárias para a formação da massa terrestre (interna) e na consequente conformação da superfície natural (externa). A configuração é ambígua, uma vez que é variada e imperfeita (relevo) e relativamente estável em sua superestrutura, porque lenta pelo ímpeto interno (forças formativas), mas ao mesmo tempo em constante mudança, pela ação de suas próprias forças e elementos (externas, erosivas). A terra nas suas profundezas deve permanecer morta e gelada, incapaz exceto de lenta mudança cristalina; mas na sua superfície, com a qual os seres humanos lidam e a reconhecem, ela atende suas necessidades através de um véu de um ser estranho intermediário: um que respira, mas não tem voz; que se move, mas sem poder sair de seu lugar determinado; passa sem consciência pela vida, para a morte sem amargura; veste a beleza da 149 Spuybroek é fundador do escritório NOX (Rotterdam) com interesse nas relações entre arte e arquitetura. Desde 2006 atua como professor integral no Georgia Institute of Technology, Atlanta. 144 juventude, sem a sua paixão; e declina pela fraqueza da idade, sem seu arrependimento (RUSKIN, 2012, p.26)150. A configuração dessa superfície é traduzida abstratamente por Ruskin de duas maneiras: o contorno variado das montanhas, das folhas, dos rios é transformado em linha de força, expressão de sua configuração (a forma no tempo – sua lógica de formação, movimento); o “Earth-veil” é o manto que recobre a massa da terra, cuja natureza é dobrada, isto é, é textural: “a textura da montanha – o “wall-veil” – não é apenas drapeada, mas também incrustada, coberta por seu próprio material, em um auto-drapeamento, um auto-adornamento” (SPUYBROEK, 2011, p.80). Deleuze (1991, p.69) diz que “a maneira pela qual uma matéria se dobra é que constitui sua textura: ela define-se menos pelas suas partes heterogêneas e realmente distintas do que pela maneira pela qual essas partes tornam-se inseparáveis em virtude de dobras particulares”. Fig. 65 | Abstract Lines, usado por Ruskin em Pedras de Veneza (1851) para sugerir a abstração depreendida da natureza como um sistema do ornamento. Fonte: http://www.victorianweb.org/ 150 Ruskin, nessa passagem de “The Earth-Veil”, no quinto volume de “Modern Painters” (1860), evidencia a sabedoria da natureza e por isso o motivo de se aprender com ela, enquanto ao longo do texto, argumenta necessidade de reciprocidade entre o homem e o natural. Na verdade, ele diz sobre fazer parte, de se imbricar: “vesti-la e com ela permanecer”, “To dress it and to keep it”. Assim começa este texto de Ruskin, com uma citação do Genesis. 145 Ornamento de superfície é aquele se manifesta na pele, no envelope, na membrana do edifício. Ele pode estar achatado ou disposto em camadas, mas geralmente é incrustado nessa pele exterior. Mais que uma analogia à tatuagem, é como as escamas de um réptil ou os dermatoglifos (marcas) da nossa pele. Ele é irremovível, fazendo o ornamento e a superfície serem uma entidade só. A textura é um dos fundamentos da geração de superfícies, como reconhecido na proposição de Semper (2010) sobre a origem têxtil para a arquitetura, e consequentemente para o ornamento. Não há nada sem textura. A textura é transdimensional: em nível microscópico ou macroscópico ela se manifesta performaticamente, ela guia a formação da forma. É uma configuração que se dá quando um número suficiente de linhas ou fibras estruturantes se agrupa para gerar uma superfície. Textura, texere, tecer. O entrelaçamento de linhas, a sua aglutinação, ou a junção desses dois processos gera superfícies. O primeiro tem configuração de esqueleto, de estrutura, como nos cristais de gelo; o segundo é como uma pele, algo que recobre uma estrutura, um drapeado, como mofo em um pedaço de madeira; o terceiro é mais sofisticado, pois envolve as forças internas que formam o primeiro processo e as externas do segundo: estrutura e pele se transformam juntas em superfície. Nesse caso, a superfície só se forma por essa interdependência, como o “Earth-Veil” (a superfície da terra), a asa de um morcego ou a copa de uma árvore. Spuybroek vê esse terceiro processo, proposto por Ruskin151, como uma nova teoria da ornamentação. (...) a transformação de estrutura em textura é uma de refinamento, um recurso de escala, como ir de colunas nervuradas à traceira nervurada. A palavra “véu” é particularmente bem escolhida por Ruskin. Ornamento é uma demonstração de delicadeza, isto é, a superfície não é simplesmente feita de elementos ultrafinos e refinados, mas os elementos configuram, e, mesmo delicados como são, eles poderiam até suportar carga, porque eles configuram colaborativamente (SPUYBROEK, 2011, p.81). 151 Fusão do gótico nórdico (de linha, entrelaçamento) com o sulista (de superfície, incrustação). Cf. “A Natureza do Gótico”, em “Pedras de Veneza” – RUSKIN, 2012. Sobre a relação entre linha, superfície e expressividade, Cf. “A lâmpada do poder”, em “As sete lâmpadas da arquitetura” – RUSKIN, 1989. 146 Um importante exemplo do efeito textural na arquitetura digital é o edifício da loja Selfridges, em Birmingham, projetado em 2003 pelo escritório Future Systems, formado pelo arquiteto tcheco Jan Kaplický (1937-2009) e pela arquiteta inglesa Amanda Levete (1955-). O principal atributo do projeto é a superfície de concreto de curvatura dupla variável, que envolve todo o volume, revestida com calotas de alumínio anodizado. A enorme massa amorfa e sinuosa é ressaltada pela textura criada e de longe lembra a malha metálica de uma armadura medieval, destacando-se na paisagem. A posição de cada um dos 15.000 discos afixados na casca de concreto foi determinada parametricamente pela geometrização da superfície a partir do tamanho da unidade básica circular (cerca de 1 metro de diâmetro) e da distância entre cada unidade (cerca de 10 centímetros). Esses dois parâmetros foram fundamentais para a escala da textura ficar adequada para aquela situação urbana. Se a escala fosse muito grande, o efeito seria grosseiro; se fosse muito pequena, daria a impressão de uma superfície metálica homogênea – sendo assim, seria preferível o uso de chapas. Entre os discos e o concreto há um revestimento plástico azul que protege a superfície rígida da humidade e serve de fundo para destacar a malha metálica. Os efeitos cromáticos são interessantes, pois o material captura a luminosidade do dia e o contraste entre luz e sombra gerado pelo espaçamento entre os discos e seu leve distanciamento da superfície, ressaltam a dinamicidade topológica. Fig. 66 | Detalhe dos discos de revestimento, Selfridges (1999-2003). Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 67 | O ameboide Selfridges (1999-2003). Fonte: Wikipedia Commons. Selfridges é o único edifício ameboide que Farshid Moussavi (2008) inclui na sua classificação em “The Function of ornament”. Esse tipo de experimento topológico será 147 chamado de “BLOB” – “Binary Large Object”, termo cunhado por Greg Lynn152 (1964-) – cujo controle numérico para a construção industrializada será facilitada por meios digitais. Tanto Moussavi (2008), quanto Picon (2010) entendem que esse tipo de tratamento de superfície, pela dobra e pela textura, está nas origens do ornamento contemporâneo. Contudo, a associação da prática ornamental contemporânea exclusivamente às práticas digitais é um equívoco. O arquiteto húngaro Imre Makovecz (1935-2011) projeta em 1979 um pequeno edifício que dá acesso ao teleférico da estação de ski de Dobogókő. Trata-se de uma forma orgânica cujo volume é todo revestido por réguas de madeira dispostas em angulações diferentes e sobrepostas como as penas de uma ave. O efeito é uma textura dinâmica que de fato lembra um ser orgânico. Essa mesma estratégia já foi usada em 1961, por Herb Greene153 (1929-) na Prairie Chicken House, em Oklahoma. Nesse caso, até o interior é textural pela totalidade das superfícies serem revestidas de shingles de madeira. As peças pequenas de madeira são ideais para cobrir superfícies curvas. O efeito textural foi utilizado por Peter Zumthor (1943-) no revestimento de shingles da capela de Saint Benedict (1985-1988) e revestimento de quartzito filetado nas superfícies exteriores e interiores do bloco perfurado das Termas de Vals (1996). O projeto de Enric Miralles (1955-2000) e Carme Pinós (1954-) para o Cemitério de Igualada, (1984-1994) também é fundado nesses princípios e evidencia um trabalho compositivo altamente sofisticado: a textura dos sinuosos muros de gabião fazem a transição do natural para o construído; as paredes de concreto ora rústicas ora lisas; o solo de brita e tábuas de madeira rústicas encrustadas; ali tudo desperta um sentido háptico, uma consciência do corpo e incita um alargamento da sensibilidade, inclusive por se tratar do espaço que realiza o ritual da passagem da vida para a morte. 152 Greg Lynn é arquiteto americano pioneiro no campo do digital. Antes de abrir seu escritório FORM em 1994, estudou e trabalhou com Peter Eisenman, considerado seu mentor. Cf. “Folds, Bodies and Blobs: Collected Essays”, 1998. Para uma discussão inicial sobre a relação entre dobra, Deleuze e a teoria das catástrofes de René Thom, ver “Architectural Curvilinearity: The Folded, The Pliant and the Supple”, publicado originalmente em Architectural Design, mar-abr 1993. 153 Greene é vinculado à vertente da arquitetura orgânica. Foi aluno de Bruce Goff e trabalhou com John Lautner. 148 Fig. 68 | Abrigo do teleférico, DobogókőImre (1979), Makovecz. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 69 | Exterior da capela Saint Benedict (1985-1988), Zumthor. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 70 | Estrutura no interior da capela Saint Benedict (1985-1988), Zumthor. Fonte: Felipe Camus. www.archdaily.com Fig. 71 | Prairie Chicken House (1961), Herb Greene. Fonte: www.herbgreene.org Fig. 72 | Interior de shingle da Prairie Chicken House (1961), Herb Greene. Fonte: www.herbgreene.org Fig. 73 | Cemitério de Igualada, (1984-1994), Miralles/Pinós. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 74 | Cemitério de Igualada, (1984-1994), Miralles/Pinós. Fonte: Wikipedia Commons. 149 A expressividade da textura deve-se ao modo como consegue capturar luz e gerar sombra. A natureza da matéria, os modos de sua configuração e de sua transformação provê a textura de profundidade, não de espaço, mas de superfície – “espessura magra” (DELEUZE, 2011, p.70). Quando se observa a recorrência de uma lógica na configuração de texturas naturais, por exemplo, o que se descobre é um padrão. Do mesmo modo, quando, em um ímpeto criativo, se intenta a expressão textural através de uma lógica recorrente de formação de linhas em figuras e sua transformação em superfície, cria-se um padrão. O padrão (pattern) é uma das encarnações do ornamento e é um princípio formativo. Na natureza é possível encontrar padrões, isto é, princípios formativos, em tudo; na lógica de crescimento das árvores, de formação de folhas e flores. No entanto, árvores de uma mesma espécie nunca são idênticas, mas seguem uma mesma lógica de desenvolvimento de sua forma; assim como não há um ser humano igual ao outro, não há uma só folha em uma árvore com a mesma disposição de veios, mas possuem sempre o mesmo princípio. Assim, o padrão é constituído simultaneamente de variação e de uniformidade. Owen Jones (2010, p.478) enuncia que a variação é explicada pela consistência de comportamento, e não pela igualdade das formas: “Porque a beleza nasce naturalmente da lei do crescimento de cada planta”154. A variedade de formas só é possível pela repetição da lógica de sua formação. Todas as configurações naturais, cujas matérias foram arranjadas a partir de forças internas e externas que as diferenciam, são padrões. Assim, como declara Spuybroek (2011, p.96): “nada escapa à decoração”. Bernard Cache, em “Digital Semper”, de 2000, declara que o padrão, considerado por Semper como o modo ornamental de derivação têxtil, possui dois grandes potenciais: (1) o princípio da euritimia, ou modulação, que diz da capacidade de criar “sequências de intervalos espaciais exibindo configurações análogas” (CACHE in DAVIDSON, 2000, p.6). Cache compara a sequência de alternância, enquanto repetição rítmica de partes distintas, com o processo de parametrização digital. (2) O padrão será visto como transdimensional podendo, pela operação de transposição (“Stoffwechsel” em alemão, que significa transformação material), configurar novas possibilidades formais. O 154 O reconhecimento da perfeição da lei natural e sua associação à beleza é fundamento comum em qualquer discurso naturalista, organicista ou ecológico. 150 arquiteto vislumbra que a materialidade plástica, dobrável, eurítimica do tecido, da envoltória, pode ser transposta para processos digitais de fabricação. Um dos projetos mais impressionantes que Lars Spuybroek desenvolveu no NOX (em parceria com o compositor Edwin van der Heide), foi a instalação arquitetônica e musical Son-O-House (2000-2004). Trata-se de um pavilhão público155 localizado no Science Park Eindhoven (Son en Breugel, Holanda), à beira de um lago, em que o movimento dos corpos no espaço é detectado por sensores e ativam certas sonoridades, e ao longo do tempo sinfonias são configuradas. O projeto materializa antecipadamente sua teoria do ornamento contemporâneo. Fig. 75 | Exterior da Son-O-House (2000-2004) Fonte: Wikipedia Commons. A forma do pavilhão pode ser comparada a um cabelo escovado e trançado, e traduz as operações de tesselação (“tesselation”)156 e de nervura (“ribboning”)157 do campo da superfície – como os papéis de parede de Morris – para o campo da massa. As massas onduladas se fundem suavemente, ora acoplando-se na massa adjacente, ora penetrando-a formando um conjunto complexo a partir da operação de tesselação. Esse processo é o de transformação da superfície em uma malha de linhas de modo a 155 O pavilhão foi encomendado pelo grupo empresarial Ekkersrijt e financiado em parceria com a prefeitura de Son en Breugel (Holanda). 156 Spuybroek compara a tesselação ao processo de fissura de um solo argiloso quando sob condições áridas, que nesse caso gera um aspecto craquelado. 157 Termo escolhido por Spuybroek para substituir “band ornament” (moldura) e “arabesque” (arabesco). “Ribbon” em inglês significa “fita ou faixa de elemento têxtil”, já o termo “rib” significa “costela” (anatomia humana) ou “nervura” (em botânica é o filamento ramificado e saliente das folhas ou ainda o filete córneo das assas dos insetos). Spuybroek (2011, p.347) explica em nota que “há uma relação profunda entre os dois [ribbon e rib]: a nervura ornamental age estruturalmente e a nervura estrutural age ornamentalmente, por ambas usarem elementos lineares flexíveis para construir entidades maiores”. 151 formar um padrão. No caso de Son-O-House é como se um tecido elástico fosse esticado no solo e cabos fossem entrecruzados ao longo da superfície e afixados nas bordas, criando um padrão bidimensional. Quando esse tecido fosse inflado, por exemplo, protuberâncias orgânicas iriam se formar nas partes entre os cabos, deformando a superfície. A pele que gera o conjunto ondulado é constituída de tiras de tela metálica soldadas entre si e com dois tamanhos de trama, que criam um efeito textural. Assim, pela associação feita aqui, a textura gerada pelo “patchwork” de telas assemelha-se ao conjunto de fios do cabelo, ao passo que a forma ondulada seria o trançado de mechas desse cabelo, isto é, sua tesselação. Fig. 76 | Vista aérea da Son-O-House (2000-2004) Fonte: www.nox-art-architecture.com/ Fig. 77 | Maquete de processo da Son-O-House (2000-2004) Fonte: www.nox-art-architecture.com/ Fig. 78 | Modelo digital da Son-O-House (2000-2004) Fonte: www.nox-art-architecture.com/ Fig. 79 | Vista externa da Son-O-House (2000-2004) Fonte: Wikipedia Commons Fig. 80 | Interior da Son-O-House (2000-2004) Fonte: www.nox-art-architecture.com/ Spuybroek (2011, p.102) explica que enquanto a “tesselação opera da superfície para a linha” e configura um ornamento mais “mineral”, “a nervura opera da linha para a superfície” e tem uma qualidade mais “vegetal”. As nervuras da Son-O-House agem 152 para construir a superfície: cada protuberância possui dois grupos de costelas que se sobrepõem em ângulo conformando uma trama com pontas abertas. Quando uma massa se funde ou penetra em outra, algumas pontas de costela se unem e criam uma estrutura única e coesa. O ritmo regular de espaçamento na repetição dos elementos e a variação na curvatura e no comprimento formam um padrão complexo. O espaço é criado pelo contorno dos elementos. A forma atingiu sua configuração final física pela confluência dos processos ali impostos – a textura, a tesselação e a nervura – e o seu controle a partir de parâmetros, regras. As peças de geometria variável foram produzidas com precisão utilizando tecnologias de fabricação digital. Assim como na “Arquitetura Viva” de Ruskin (1989), as qualidades de variação (“variation”) e mutabilidade (“changefulness”) são propriedades fundamentais ao ornamento contemporâneo proposto por Spuybroek (2011, p.140). Em termos da cultura digital, essas qualidades corresponderiam, portanto, a um comportamento paramétrico. Primórdios do ornamento digital A prática ornamental na cultura arquitetônica digital possui um início um tanto improvável. Uma das primeiras publicações em que o ornamento foi assumido158 como característica determinante de certa prática arquitetônica foi o periódico alemão ARCH + 129/130, uma edição especial de dezembro de 1995 para os trabalhos de Jacques Herzog e Pierre de Meuron, subintitulada: Minimalismus und Ornament. Minimalismo e ornamento. Essa combinação é inusitada e quase contraditória, se não fosse de fato o modo mais adequado de categorizar a prática desse escritório atualmente. A produção de Herzog & de Meuron tem oscilado entre materialidades simples – lajes superpostas revestidas lateralmente por vidro – e complexas – superfícies inteiras sob a influência de padrões ornamentais que envolvem o edifício. Três dos seus primeiros experimentos com ornamento são: o Edifício de produção e depósito da fábrica Ricola- Europe SA, em Mulhouse-Brunstatt, França (projeto, 1992 e construção, 1993); a Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, Eberswalde, Alemanha (projeto, 1994-1996 e 158 De modo geral, muitas das práticas ornamentais contemporâneas ainda não possuem um discurso em torno do ornamental e preferem associar sua prática à tecnologia, à filosofia ou à natureza. 153 construção, 1997-1999) e a sede do vinhedo Dominus Winery, em Napa Valley, California (projeto, 1995 e construção, 1996-1998). Em Ricola-Europe, todas as superfícies do edifício são configuradas por padrões. A forma da construção é a de uma caixa de papelão com abas levantadas em dois lados, formando marquises em balanço que marcam os acessos. Essas fachadas e o forro das marquises são de policarbonato translúcido em que um motivo vegetal, adaptado de uma fotografia do artista alemão Karl Blossfeldt159 (1865-1932), foi impresso em escala de cinza nas placas por técnica simples de silkscreen. O efeito gerado é impressionante, pois de acordo com a luminosidade externa, o padrão é mais ou menos visível. À noite, com a iluminação interna, a repetição do motivo vegetal é ressaltada, assim como se visto de dia pelo seu interior. É como um papel de parede mais ou menos transparente cuja intensidade do padrão é variável e relativamente fora do controle humano. As outras duas fachadas são de concreto escuro, mas diferentemente de um edifício brutalista, não é a textura do concreto que se destaca. A água da chuva é direcionada do telhado para escorrer por essas superfícies, marcando-as pelo seu fluxo até atingir uma vala de seixos e ser devolvida ao solo. Mulhouse-Brunstatt possui um índice pluviométrico muito alto e constante o ano todo, o que garante a permanente mutabilidade das fachadas de concreto. Não só a água gera padrões verticais variados, mas a vida vegetal que passa a se conformar pela humidade adiciona mais complexidade pela superposição textural. Em um dia nublado, todas as fachadas assumem certa homogeneidade pela similaridade de efeito da parede de concerto e a verticalidade e ligeira opacidade (pelo reflexo da luz difusa) dos painéis de policarbonato. 159 Karl Blossfeldt era interessado nos padrões repetitivos encontrados nas formas da natureza e ficou conhecido pelas suas fotografias em close-up de plantas e outros seres vivos. Publicou uma coleção em 1929, no livro Urformen der Kunst (a tradução literal seria “Formas de Arte Únicas”, mas é traduzido para o inglês como “Art Forms in Nature”). Blossfeldt é particularmente importante por ter imprimido uma dimensão abstrata e geométrica para as coisas vivas, através de seu olhar pela câmera. De modo semelhante, mas um pouco mais figurativo, foi o trabalho influente do compatriota alemão Ernst Haeckel (1834-1919) com a publicação em 1904 de seus principais desenhos em Kunstformen der Natur (Formas de Arte na Natureza), que discutiu o caráter ornamental, geométrico abstrato, dos padrões complexos encontrados micro-organismos e criaturas marítimos. 154 Fig. 81 | Capa da ARCH + 129/130, 1995: Minimalismus und Ornament. Fonte: http://www.archplus.net/ Fig. 82 | Vista externa com painéis ornamentais, Ricola-Europe (1992-1993). Fonte: Karl Barefield, http://people.seas.harvard.edu/ Fig. 83 | Padrão aleatório gerado pela água na parede externa de concreto, Ricola-Europe (1992-1993). Fonte: http://hicarquitectura.com/ Fig. 84 | Vista externa no começo de noite, Ricola-Europe (1992-1993). Fonte: Thomas Ruff, http://metamodernarchitecture.blogspot.com Fig. 85 | Detalhe do painel de policarbonato, Ricola-Europe (1992-1993). Maarten Helle© MIMOA, www.mimoa.eu Nesse projeto, a padronagem da superfície de policarbonato é como uma cortina, com um caráter têxtil, mas que altera não só o grau de visibilidade, mas a natureza dessa visibilidade. Um paralelo interessante pode ser feito com efeito da projeção em superfícies, cada vez mais comum e acessível por meio da técnica de 3d vídeo mapping, um mapeamento tridimensional de superfícies que permite a adaptação da projeção à forma exata do edifício160. As estratégias ornamentais de Herzog e de Meuron para este projeto provocam outra interpretação do caráter temporal que Ruskin pretendia para o ornamento: o padrão na natureza se desdobra no tempo, e assim deveria ser na arquitetura. 160 As projeções em edifícios têm tido naturezas e propósitos distintos, variando da criticalidade de Jenny Holzer à espetacularidade diária no Castelo da Cinderella da Disney. No entanto, a técnica do 3d vídeo mapping possibilita a sobreposição de outra textura temporária (e potencialmente dinâmica) sobre uma materialidade existente. Nos termos de Ruskin seria um “wall-veil”, mas temporário e, de acordo com seu caráter crítico e capacidade empática, poderia possibilitar um alargamento ontológico a partir de sua experiência real. 155 A figura vegetal – pequenas folhas, mais ou menos compridas, irradiando de uma haste principal, com aspecto simétrico – foi escalada em um tamanho que abrange a largura de duas placas e altura de um quarto do pé-direito e organizada de forma sequencial para preencher toda a superfície. A julgar pela composição nem Ruskin, Morris ou Jones, considerariam essa estratégia um bom exemplo de ornamentação: (1) a figura utilizada no padrão é isolada, sem continuidade com as figuras adjacentes, gerando uma estaticidade monótona e, por conseguinte, “proporciona um prazer imperfeito” (JONES, 2010, p.190). Nesse caso, o padrão não é decorrente de uma lógica de crescimento, mas de uma repetição sem variação. (2) O padrão é tratado sem consideração da relação entre superfície e aberturas, isto é, não há um movimento de linhas que incorpore a abertura no plano opaco. As aberturas são feitas com base na necessidade de uso do espaço e na disposição das chapas de policarbonato. Como a figura ocupa duas peças, as aberturas a segmentam abruptamente. (3) O padrão é organizado em uma superfície estruturada internamente por um gradeamento metálico preto, adequado para a modulação dos painéis e da superestrutura, mas incongruente com o módulo do padrão: as linhas horizontais e verticais da estrutura irrompem na imagem e a segmentam aleatoriamente. Nesse sentido, Spuybroek (2011) não consideraria essa superfície como padrão, mas como textura, em um sentido pejorativo: Textura é o que eu chamaria de decoração fraca: nenhuma relação entre padrão e o objeto. Decoração fraca é simplesmente aplicada independentemente sobre uma forma e uma estrutura preexistentes. Em contraste, na decoração forte, como a de Morris, o padrão “constrói” ou “cria” o objeto, incluindo todas as suas características, como limites, cantos e aberturas. Observe que isso não significa que o ornamento literalmente antecede a forma ou a superfície, mas, ornamento é fazer abstrato, (...), ele recria a superfície geométrica, por exemplo, da parede abstratamente, a partir de regras de crescimento como bifurcação, curvatura tangencial e outros (SPUYBROEK, 2011, p.129) No entanto, Spuybroek poderia muito bem avaliar positivamente a clara intenção de transformação da figura pictórica em uma pele abstrata pela sua escala e repetição. De uma distância, a abstração textural é percebida, tanto na parede de policarbonato como na de concreto, mas à medida que se aproxima do edifício, o que se percebe é a 156 reprodução de uma fotografia – uma meta-reprodução – e a real materialidade dos musgos e manchas na parede de concreto. Não existe a intenção de representação pelo uso da figura, mas um hábil jogo de transdimensionalidade da imagem e do visível que exige do sujeito a formação de camadas perceptivas variadas. Contudo, por se tratar de uma fábrica situada em um contexto urbano desfavorável para o percurso a pé e cuja visibilidade do passeio e da rua é obstruída por linhas de árvores, a experiência fica restrita aos usuários da fábrica – o que não invalida a proposta, mas limita sua repercussão161. De forma mais radical, o projeto da Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde exibe fotografias do artista alemão Thomas Ruff (1958-) impressas no vidro e em painéis pré- fabricados de concreto – por uma técnica especial de silkscreen –, que repetidas e dispostas em faixas, envolvem todo o bloco paralelepípedo do edifício. A composição é reticular, definida pela geometria retangular dos painéis de concreto (com largura na proporção de 3:1 em relação à altura) e dos painéis de vidro (com largura na proporção de 1,5:1 em relação à altura). As faixas de concreto e de vidro são contínuas e dispostas de modo simétrico: são quatro grupos de faixas de concreto – os da base e do topo possuem três faixas, enquanto os dois intermediários possuem quatro faixas – intercalados por três faixas de vidro. As figuras usadas foram escaladas e recortadas para enquadrar-se na dimensão de um painel, ocupando uma faixa só, ou com altura para ocupar duas faixas. O efeito geral é mais impactante que o gerado no projeto da Ricola-Europe, pois a totalidade do volume é preenchida por uma profusão de imagens, primeiramente, gerando um objeto estranho na paisagem urbana, tratando-se agora de um contexto mais dinâmico. As figuras mostram situações muito variadas – fotografias urbanas, de arte, objetos, pessoas, etc – e possuem contornos, brilho, contraste, o que gera movimento visual. Elas foram impressas em escala de cinza, mas no vidro elas assumem uma tonalidade azulada, o que compensa a certa homogeneidade cromática quando a construção é vista de longe. À medida que se aproxima da biblioteca, o 161 É possível que a repercussão do edifício pela publicação em veículos midiáticos seja maior que a do edifício em si. 157 dinamismo da fachada cresce pela legibilidade do padrão e pelo movimento das figuras, mesmo que ainda não reconhecíveis. O bloco é longilíneo e rente à rua e o acesso ocorre pela fachada oposta. Aproximando-se mais é possível identificar as imagens, mas se a distância se encurta muito, as figuras passam a evidenciar seu aspecto pixelado e revelam um novo padrão que se mistura à textura do concreto, até atingir o indiscernível. Assim, a biblioteca de Eberswalde também assume um caráter transdimensional, pois possibilita, pela percepção, a metamorfose da imagem do edifício por no mínimo três fases: o abstrato-macroscópico, o figurativo e o abstrato- microscópico. A escala da percepção e a escala da imagem. O movimento não explica a sensação; ao contrário, ele se explica pela elasticidade da sensação, sua vis elastica (DELEUZE, 2007, p.48). Fig. 86 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, vista do outro lado da rua. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 87 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, vista de perto. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 88 | Biblioteca da Escola Técnica Eberswalde, em detalhe. Fonte: Wikipedia Commons. O arquiteto e crítico americano Jeffrey Kipnis (1951-) (2013) prefere caracterizar a arquitetura de Herzog & de Meuron, não como propriamente ornamental, mas como cosmética. Cosmético, do termo grego kosmetikós, significa “hábil em adornar” e, se considerada em termos de maquiagem, tintura, esmalte, está diretamente ligada às noções de imagem e de superfície. Usam-se cosméticos para criar uma imagem para ter determinado efeito ou impacto. O tratamento cosmético da superfície da pele, por exemplo, não tem relação com o caráter, a essência ou o espírito de uma pessoa, mas com o efeito quer se quer gerar em alguma circunstância. Não há necessariamente 158 uma relação interdependente entre exterior e interior, mas uma dissociabilidade. Nesse sentido, Kipnis daria suporte à posição de Spuybroek: o cosmético é textural. No entanto, o autor americano não avalia essa característica negativamente por três motivos: (1) o cosmético é erótico, pois possui a capacidade de provocar e insinuar; uma arquitetura do cosmético está interessada no estímulo, no prazer, no corpo e no afeto. (2) O cosmético não é simbólico, não pretende representar nada, mas apresentar um efeito. (3) O cosmético, para produzir o efeito desejado, necessita de técnica e sensibilidade no seu uso. Kipnis contribui à edição da revista “El Croquis: Herzog & de Meuron 1981-2000” (no. 60 + 84) com o artigo “A Astúcia dos Cosméticos”, em referência tanto da sofisticação técnica e sensível dos edifícios da dupla, como à audaciosa estratégia de reconciliar minimalismo e ornamento. Os ornamentos se prendem como entidades discretas ao corpo, como joias reforçando a estrutura e a integridade do corpo como tal. Os cosméticos são indiscretos, sem nenhuma relação com o corpo a não ser tomá-lo como dado. Os cosméticos são camuflagens eróticas; relacionam-se única e exclusivamente com a pele, com regiões específicas dela. Profunda e intrincadamente materiais, mesmo assim eles ultrapassam a materialidade e se tornam alquimias modernas, transubstanciando a pele numa imagem desejável ou repulsiva. Enquanto os ornamentos conservam sua identidade como entidades, os cosméticos operam como campos, como blush, sombra ou realce, como aura ou ar. A tenuidade, a aderência e a camada fina e difusa são fundamentais para o efeito cosmético, que é mais visceral do que intelectual, mais atmosférico do que estético. O virtuosismo na ornamentação requer equilíbrio, proporção, precisão; o virtuosismo na cosmética requer algo mais, algo ameaçador: um controle paranoico, um controle descontrolado, um esquizocontrole (KIPNIS In SYKES, 2013, p.122). O caráter textural desses projetos foi assumido naquele momento como ornamento. Essa demarcação e a sua publicação são importantes, pois em meados da década de 1990, Jacques Herzog e Pierre de Meuron já tinham atingido certo status e influência, especialmente sobre os neomodernistas e minimalistas, mas evidenciam claramente uma posição de abertura para a categoria estética mais polêmica do século XX: o ornamento foi autorizado oficialmente a estar na agenda arquitetônica contemporânea. Essa embrionária digitalidade do novo ornamento já indicava uma tendência: revela-se da superfície (e não da massa); possui uma qualidade totalizante (manifesta-se na totalidade do envelope e não em pontos específicos); pretende resistir à interpretação (nem o envelope nem sua padronagem revelam uma função ou 159 uma qualidade simbólica) (PALMA In PAYNE, 2016). O ornamento nesses moldes evidenciaria o privilégio da sensação sobre o sentimento? Tratar-se-iam de objetos ou espaços mais performáticos que narrativos? Ao mesmo tempo em que Herzog & de Meuron autorizam o ornamento na era digital, com o projeto de 1995 para a sede da vinícola Dominus Winery, em Napa Valley, California (construído de 1996 a 1998) – também publicado na ARCH + 129/130 –, o ornamento também é reintegrado à discussão da tectônica. O edifício, se visto pela estrada de acesso, é um bloco horizontal monolítico cinza escuro com três aberturas retangulares – duas sem fechamento no primeiro pavimento para acesso e passagem de veículos e uma revestida de vidro no segundo pavimento, onde fica o escritório da vinícola. De muito longe, o que se percebe é o retângulo de aspecto homogêneo cinza escuro em contraste com o verde da paisagem bucólica de Napa Valley: somente cor e formato são registráveis. A unidade textural surge a certa distância quando a materialidade da longa fachada se revela de pedra; logo, quanto mais próximo, a textura da pedra começa a se misturar com a de um gradeamento metálico que as sobrepõe. Em breve, o que se percebe é que as pedras estão soltas, abrigadas por gaiolas metálicas – gabiões – e revestem externamente todo o conjunto. 160 Fig. 86 | Dominus Winery vista a longa distância. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 87 | Dominus Winery vista a média distância. Fonte: Dominus© Fig. 88 | Dominus Winery vista a curta distância. Fonte: Michael Lange, http://theredlist.com Com um olhar mais atento, da base ao topo, a superfície evidencia padrões heterogêneos: há três gradações de espaçamento da retícula das gaiolas que seguem três tamanhos de pedra, até o ponto em que algumas gaiolas ficam vazias e revelam a grelha da superestrutura metálica que dá estabilidade ao gabião e recebe os esforços do segundo pavimento e da cobertura. Com as gaiolas de pedras maiores alinhadas com o segundo pavimento, o percurso pelos corredores laterais fica quase mágico quando se observa a parede vazada – pelo desencontro aleatório das pedras brutas – contra a claridade do exterior: um padrão abstrato impressionante se forma. A paisagem é fundo e manifesta luz; a pedra é figura e manifesta sombra. A experiência se transforma quando os raios solares atravessam esse padrão abstrato e criam infinitos padrões de luz e sombra, de formas e dimensões que variam no tempo ao longo do dia, de acordo com a inclinação dos raios e sua intensidade. Agora, os padrões de luz e sombra projetados nas superfícies interiores perdem profundidade: figura e fundo tornam-se ambivalentes. Assim, a Dominus Winery evidencia um caráter textural que é performativo e se transforma com base em parâmetros de distância e luz em relação ao material. Do simples ao complexo, outras dimensões se criam. Fig. 89 | Variações de textura, Dominus Winery. Fonte: https://www.herzogdemeuron.com/index.html Fig. 90 | Detalhe do gabião, Dominus Winery. Fonte: Bryan Boyer, https://www.flickr.com/photos/bryan/ Fig. 91 | Luz e sombra no interior do corredor. Dominus Winery. Fonte: Wikipedia Commons. 161 O nível macroscópico distingue as percepções e as apetições que são passagem de uma percepção a outra. É a condição das grandes dobras compostas, dos drapeados. Mas o nível microscópico já não distingue as pequenas percepções e as pequenas inclinações: aguilhões da inquietude, aguilhões que produzem a instabilidade de toda percepção. A teoria das pequenas percepções apoia-se desse modo em duas razões: uma razão metafísica, segundo a qual cada mônada162, ao perceber, expressa um mundo infinito que ela inclui; uma razão psicológica, segundo a qual cada percepção consciente implica essa infinidade de pequenas percepções que a preparam, que a compõe ou que a seguem. Do cosmológico ao microscópico, mas também do microscópico ao macroscópico (DELEUZE, 2011, p.151). Essa passagem de Deleuze em “A dobra: Leibniz e o Barroco”, de 1988, é particularmente bela e relevante aqui, pois diz da transdimensionalidade e da transmutação do ser e das coisas a partir das suas percepções e motivações. Apesar de Deleuze muitas vezes transitar em seu discurso nas dimensões micro e macro, e dificultar a transposição de seu pensamento para algo menos abstrato, é possível estabelecer uma tradução da condição per-formativa inerente ao universo, de que ele fala, para o caráter metamórfico que a transição entre uma percepção e outra imprime à materialidade163 do edifício de Herzog & de Meuron. Por um viés naturalista, caro a Deleuze, Ruskin, na introdução de “A Lâmpada da Vida”, discute que a beleza de cada coisa está em proporção com a expressão de sua energia vital, isto é, a energia dispendida para a sua formação: “Dentre as incontáveis analogias pelas quais a natureza e as relações da alma humana são ilustradas na criação material, nenhuma é mais incrível que as impressões intrinsecamente conectadas com os estados ativos e dormentes da matéria” (RUSKIN, 1989, p.148). Esse projeto é particularmente importante, pois ao fazer a textura do material bruto operar como padrão – categorias bem distintas hierarquicamente para Ruskin e Spuybroek – por uma estratégia inteligente e sensível, o ornamento reintegra-se ao 162 Mônada é o termo que Leibniz utiliza para designar substâncias simples, únicas, indivisíveis, os elementos primeiros de qualquer coisa composta. Nesse sentido, uma mônada poderia ser, por exemplo, um átomo ou uma alma, pela interpretação de Deleuze. É dito que a mônada possui em si a representação de todo o universo e das relações de todas as mônadas. Isso pode implicar a representação da lei natural que rege todas as coisas e, por conseguinte, na teoria de Leibniz, Deus. A mônada possuiria portanto um estatuto ontológico. Cf. Deleuze em “Diferença e Repetição”, “Mil Platôs” e “A dobra”. 163 No mesmo ano do projeto da Dominus Winery, 1995, Kenneth Frampton lança o “Studies in Tectonic Culture” e traça uma genealogia do tectônico de Semper a Carlo Scarpa. Assim, enquanto Frampton exclui o ornamental do tectônico, Herzog & de Meuron o assumem. 162 tectônico de um modo mais visceral e anti-representacional. Essa abordagem164 fora do escopo do digital evidencia que o interesse no padrão possui motivações para além da facilidade oferecida pelas mídias eletrônicas. A função do ornamento O afeto e a sensação parecem ter se instalado no centro da discussão do ornamento contemporâneo. Muitas publicações no campo da arquitetura165 ao longo da década de 1990 introduziram a discussão da relação entre superfície, afeto e o digital. No entanto, a abordagem a partir do ornamento aparece em 2008 no livro editado pela arquiteta iraniana Farshid Moussavi166 e do jovem Michael Kubo: “The Function of Ornament”, “A Função do Ornamento”. O trabalho é fruto de uma disciplina de pós- graduação ofertada em 2006 na Harvard University Graduate School of Design, sob tutoria de Moussavi. Trata-se de um catálogo visual-analítico compilando quarenta e dois projetos – a maioria construída a partir da década de 1990 – considerados como manifestações do ornamento na arquitetura. Os projetos foram classificados em três níveis: (1) o modo de expressão: forma, estrutura, tela (screen), superfície. (2) o meio “material” que foi manipulado para gerar o ornamento: programa, construção, revestimento, luz, formato, padrão, marca (branding), imagem, cor, reflexão. (3) o afeto transmitido pelo ornamento criado pela “relação entre profundidade e meio 164 Desde o final de década de 1970 têm ocorrido produções relevantes que incorporam o ornamento fora do escopo do digital: Carlo Scarpa (1906-1979): La tomba Brion (1969-1978); Michael Carmichael, Whale house, Santa Barbara, California (1978); Fay Jones (1921-2004): Thorncrown Chapel (1980); Jean Nouvel (1945-): Institut du Monde Arabe (1981-1987); Friedensreich Hundertwasser (1928-2000): Hundertwasserhaus (1983-1985); James Hubbel (1931-): Sea Ranch Chapel (1984); Bart Prince (1965-): Joe and Etsuko Price Residence, Corona del Mar, California (1984-1989); Arthur Dyson (1940-), Lencioni residence, Sanger, california (1985); Ken kellogg (1934-): Hoshino Wedding Chapel (1988). Desnecessário citar as diversas obras de Enric Miralles e Carme Pinós, que trabalham texturas, padrões e elementos simbólicos, resultado da influência da arquitetura de Jujol e Gaudí. 165 Algumas delas são: Peter Eisenman: “Visions` Unfolding: architecture in the age of electronic media” (1992); Greg Lynn: “Architectural Curvilinearity: The Folded, the Pliant, the Supple” (1993); duas edições da revista AD (Architectural Design) editadas por Martin Pearce e Neil Spiller: “Architects in Cyberspace” (1995 e 1998); Henry Cobb: “A Note on the criminology of Ornament: from Sullivan to Eisenman” (1996), presente no livro de Cyntia Davidson, “Eleven Authors in Search of a Building”; as duas edições da AD editadas por Stephen Perella: “Hypersurface Architecture” (1998) e “Hypersurface Architecture II” (2000); Greg Lynn: “folds, bodies & blobs” (1998); Peter Zellner: “Hybrid Space, New Forms in Digital Architecture” (1999); Maria Luisa Palumbo: “New Wombs, Electronic Bodies and Architectural Disorders” (2000). 166 Moussavi (1965-) foi co-fundadora do escritório FOA (Foreign Office Architects) (1993-2009), em parceria com Alejandro Zaera-Polo (1963-). Ambos se formaram em Harvard, onde a autora leciona atualmente. 163 material”: flutuante, aglutinado, espiralado, agrupado, desmaterializado, amorfo, ondulado, entrelaçado, oblíquo, sem escala, verticalizado, acolchoado, modulado, aleatoriedade, relevo, diverso, rústico, textural, plissado, descontínuo, diferenciado, diferenciado, bordado, complexo, cinético, padrão moiré, geométrico, cinemático, luminoso, pesado, profundo, tartan (escocês), alternado, camuflado, tonal, gradação, seriado (MOUSSAVI; KUBO, 2008, p.9-13). O registro dos edifícios foi feito a partir de modelagem tridimensional e desenhos bidimensionais com foco no sistema construtivo do que foi considerado ornamento. Um texto de apresentação e explicação das ideias subjacentes ao trabalho antecede a compilação. Enquanto uma tentativa de delimitação e caracterização do ornamento contemporâneo, o livro de Moussavi falha em diversos aspectos. Primeiramente tenta- se criar uma justificativa para o dito “retorno” do ornamento como oposição à “transparência” do modernismo, à “decoração pós-moderna” e “à geometria e colagens desconstrutivistas”, os quais, enquanto “estilos” não se ajustam facilmente às mudanças culturais (MOUSSAVI; KUBO, 2008, p.5). Soma-se a esse fraco argumento o reconhecimento do crescente número de edifícios genéricos, sem caráter, como shoppings, cinemas, lojas de departamento, bibliotecas, museus que, segundo a autora, não exigem nenhuma relação entre interior e exterior. Moussavi e Kubo apontam uma tendência desses espaços, fechados e condicionados artificialmente, têm tido seu interior desenvolvido por outros profissionais designers, e o arquiteto tem, cada vez mais, ocupado uma posição de solucionar seus envelopes externos. Os arquitetos deveriam, portanto, dar expressividade ao edifício independentemente de seu interior e ainda assim contribuir para seu entorno imediato. Segundo os autores, como a comunicação simbólica não é eficiente e unívoca em uma sociedade cosmopolita e multicultural, os arquitetos estariam eximidos de imprimir qualquer propriedade representativa nos edifícios. Assim, com equívoco atrás de equívoco, os autores inventam um motivo para o ornamento contemporâneo existir. 164 Logo após a publicação de “The Function of Ornament”, o arquiteto Robert Levit167 publica um artigo – “Contemporary Ornament: The Return of the Symbolic Repressed” – na Harvard Design Magazine em oposição à interpretação de Moussavi e Kubo. O título do texto é preciso ao identificar a condição a que o ornamento está subordinado: ele está autorizado a voltar à cultura arquitetônica, mas precisa estar esvaziado de qualidades simbólicas. O ornamento precisa funcionar. Ao construir um argumento breve e com uma abordagem rasa de Semper, Sullivan, Loos e Venturi, Farshid Moussavi usa as categorias de “afeto e sensação” – sem referência a Deleuze – para mostrar seu interesse em um tipo de ornamento que não precisa nem quer se comunicar, pois está centrado na sensação. Pelo caráter anti-representacional que este ornamento assumiria, ele seria aberto o suficiente para revelar novas sensações e possibilitar novas formas de experiência. A partir do momento em que os autores resolvem catalogar as experiências ornamentais contemporâneas e associar afetos específicos a cada projeto, já se nota uma tendência determinista e funcionalista pela pressuposição da univocidade do afeto provocado por certa estratégia ornamental. Sendo assim, todas as pessoas percebem certo edifício da mesma maneira? Esse procedimento não só é contraditório ao discurso apresentado, mas equivocado pelo julgamento do que seria considerado afeto. Afeto está sendo considerado como reconhecimento do que faz a forma e está longe de Deleuze e de qualquer experiência sensorial. Ao avaliarem a Dominus Winery de Herzog & de Meuron, por exemplo, é dito que o gabião de pedras com tamanhos variados pretende estabelecer “um jogo com o rústico tradicional” pelo uso de uma parede com aspecto rochoso, natural, mas que na realidade trata-se de uma sofisticada estratégia construtiva. A gradação e a disposição das pedras tem um propósito: pedras menores estão na parte de baixo para gerar sombra e controlar a temperatura onde se guardam barris de vinho, ao passo que as gaiolas menos densas estão na parte de cima para iluminar a área do escritório (MOUSSAVI; KUBO, 2008, p.90). Não se trata de uma avaliação equivocada, mas 167 Levitt também se graduou em Harvard, é um dos diretores do premiado escritório canadense Khoury Levit Fong e atualmente coordena o Programa de Mestrado em Arquitetura da Toronto University. 165 reconfigura o ornamento apenas a partir de sua funcionalidade e não pela multiplicidade de percepções que esta configuração sugere. Porque recuperar a categoria do ornamento para explicar uma função? Essa pergunta não é retórica e possui pelo menos três respostas. (1) A primeira delas é a evidente linhagem funcionalista em que boa parte da cultura arquitetônica ainda está vinculada, mesmo que de modo inconsciente. Expressões corriqueiras do tipo, “isso é só estético”, “por que este edifício é curvo?”168, ou ainda, “para que isto serve?” são manifestações remanescentes do pensamento racionalista e funcionalista, que permanecem incrustadas em certos centros de arquitetura, e que julgam decisões projetuais pela sua utilidade pragmática e possuem um entendimento limitado e equivocado de estética enquanto algo do âmbito do dispensável. É racionalista pois exige justificativa lógica e razoável para a legitimação de algo. Assim, ornamento precisa ser função para ser autorizado169. (2) Atualmente, gerar formas complexas com o uso de softwares, como CATIA ou Rhinoceros + Grasshopper, está cada vez mais simples. Os programas que possibilitam a parametrização necessitam a criação de scripts (roteiros) para controlar o comportamento de elementos do projeto a partir de algoritmos complicados. O que tem ocorrido com frequência é a banalização do processo de pensar o processo: da mesma forma em que há “bibliotecas digitais” de elementos ou efeitos prontos para diversos softwares gráficos, há bibliotecas de scripts prontos e disponíveis virtualmente. O uso aleatório de padrões de variação e transformação da forma tem sido comum. Se esse uso é justificável por um argumento técnico, funcional, racional, em suma, objetivo, a forma é legítima. De outro modo, a proposta é desqualificada por ausência de motivo “relevante”. Quando Vittoria di Palma (In PAYNE, 2016) quer saber a razão do ornamento estar em uma posição central no cenário global, ela está interessada no ímpeto profundo que motivou esse desejo. O problema que os 168 Essa pergunta é das mais interessantes, pois geralmente quem a faz nunca pergunta o porquê de um edifício ser ortogonal, cartesiano, branco... 169 O termo “autorizado” tem sido utilizado no sentido da necessidade de um aval de uma instância superior (quem? o que?) para dar prosseguimento a uma intenção. 166 formalistas encontram hoje é o descrédito da teoria170 enquanto formadora do processo. Ao mesmo tempo, a preguiça e a limitação crítica dos jovens arquitetos ajudam a promover o espetáculo formal na atualidade. Em um contexto em que qualquer um faz uma forma impressionante e complexa, a distinção é necessária. No caso de Moussavi, ela escolhe fazer essa distinção pela pragmática. (3) A posição anti-simbólica ou anti-representacional na arquitetura se tornou generalizada, de modo que se o ornamento não explicasse ou justificasse nada utilitário ou técnico, ele não teria motivo para ter sido convocado. Robert Levit (2008, p.3) faz uma boa pergunta: “Então qual é o problema com a forma simbólica?”. As condições políticas e ideológicas171 que historicamente associam o simbólico ao ornamento, segundo Levit, denunciam sua improbidade: (a) crítica de cunho marxista ao valor que as coisas assumem por se tornarem representativas de condições, ideias ou valores externos às coisas mesmas. Picon (2013) evidencia que historicamente o ornamento tem sido utilizado como artifício de distinção. (b) A forma simbólica exige familiaridade cultural, uma certa erudição, para sua legibilidade. Essa limitação seria antidemocrática, que é o argumento de Moussavi. (c) O estatuto simbólico de alguma coisa ou lugar alienaria as pessoas da experiência com a coisa ou o lugar em si. Essa posição de Deleuze e Guatarri direciona a arquitetura para a noção de performatividade, em contraposição à estaticidade experiencial do símbolo. (d) A possibilidade de dissociação das formas simbólicas do material ou da técnica permitiu sua reprodução e imitação seriais pela indústria. Essa foi uma das críticas que Adolf Loos (2004) fez à construção civil, à indústria da moda e do design de interiores como argumento para supressão do ornamento. 170 Cf. artigo de Michael Speaks “Inteligência de Projeto” – “Design Intelligence” – publicado originalmente em 2002 em A + U e republicado na coletânea de Krista Sykes, “Construing a New Agenda: Architectural Theory 1993-2009”. Speaks argumenta que a teoria se provou falha com a desconstrução, último experimento crítico-teórico relevante na arquitetura, e é necessário que os arquitetos se concentrem no estudo de projeto a partir de questões internas a ele. Para o autor não há um escopo teórico que consiga lidar com as especificidades de cada projeto. Speaks entende teoria a partir de um viés prático e pragmático: a teoria tem que servir a prática. 171 Para um aprofundamento nessas questões, conferir PICON, 2013 e PAYNE, 2016. 167 (e) As formas simbólicas tendem sempre para o anacronismo. Uma vez que contextos sociais e culturais são dinâmicos, as formas permanecem, mas seus significados se esvaem. (f) Um argumento fundamental: historicamente as formas simbólicas têm sido impostas a um povo, uma comunidade ou grupo de pessoas sem o seu consentimento ou reconhecimento, apresentando-se, portanto, como alienadoras: os sujeitos ou não se identificam com o símbolo, ou são forçados a se identificar. Tal é o caso extremo dos regimes totalitários e autoritários, mas presente em qualquer simbolismo institucional ou estatal172. Assim, Farshid Moussavi propõe um ornamento utilitário e anti-representacional cuja sua função seria transmitir afetos e não interpretações e significados. A autora deliberadamente empresta de Ruskin – sem mencioná-lo – a noção de “Earth-Veil” para explicar a necessidade do ornamento: “Ornamento é figura que emerge do substrato material, a expressão das forças embebidas nos processos de construção, arranjo e crescimento. É pelo ornamento que o material transmite afetos. Ornamentos são, portanto, necessários e inseparáveis do objeto” (MOUSSAVI; KUBO, 2008, p.8). Da mesma maneira, a noção de “afeto” é emprestada de Deleuze de forma inadvertida. Para Deleuze afetos são: “sensações” e “instintos”, segundo a fórmula do Naturalismo. E a sensação é o que determina o instinto em dado momento, assim como o instinto é a passagem de uma sensação à outra, a busca da “melhor” sensação (não a mais agradável, mas a que preenche a carne em determinado momento de sua descida, de sua contração ou de sua dilatação) (DELEUZE, 2007, p.47). A confusão de Moussavi – que é mesma de Eisenman – é que Deleuze em “Francis Bacon: Lógica da Sensação”, de 1981173, discute o afeto a partir da pintura de Bacon (1909-1992) e das configurações na tela, e não através da percepção de uma pessoa em frente à tela. As sensações e instintos nesse caso estão inscritos na pintura. Deleuze diz que a pintura de Bacon não configura sentimentos, mas afetos. Em uma circunstância de estar em confronto com uma tela de Bacon, uma pessoa imprimirá 172 Para uma discussão mais aprofundada desse assunto, ver o capítulo 3 de “Ornament: The Politics of Architecture and Subjectivity”, 2013, de Antoine Picon. 173 A versão em língua inglesa foi publicada em 2003, enquanto a de linha portuguesa data de 2007. 168 um ponto de vista em relação a ela. Independente de a obra ser figurativa, abstrata, informal ou figural, ela produzirá efeitos no sujeito; mas esse sujeito não recebe efeitos passivamente. As condições, do objeto e do sujeito, que caracterizarem o encontro conformarão determinado processo perceptivo, assim, um ponto de vista específico. Ponto de vista aqui não quer restringir a percepção à visão, mas indicar uma condição: o modo como o objeto ou o espaço se apresenta para mim e o modo como eu me apresento para eles. Deleuze, em “A Dobra: Leibniz e o Barroco”, invoca o perspectivismo de Nietzsche para explicar a noção de ponto de vista: Esse lugar é chamado de ponto de vista, na medida em que representa a variação ou inflexão. É esse o fundamento do perspectivismo. Este não significa uma dependência em face de um sujeito definido previamente: ao contrário, será sujeito aquele que vier ao ponto de vista, ou sobretudo aquele que se instalar no ponto de vista. Eis porque a transformação do objeto remete a uma transformação correlativa no sujeito: este não é sub- jecto, mas um superjecto, como diz Whitehead. (...). (...) o ponto de vista é a condição sob a qual um eventual sujeito apreende uma variação (metamorfose) ou algo = x (anamorfose). (...). Trata-se não de uma variação da verdade de acordo com um sujeito, mas da condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao sujeito (DELEUZE, 1991, p.40). Isso significa que, ao contrário do que pensa Eisenman, o caráter não representacional de um espaço não impede sua interpretação. A percepção do sujeito não está obedientemente subordinada ao objeto ou espaço. A pretensão de Moussavi de delimitar os afetos gerados por um caráter ornamental a-significativo dos edifícios, que inclusive garantiria que sua “expressão permanecesse resiliente ao tempo” (MOUSSAVI; KUBO, 2008, p.7), é equivocada. Deleuze (1991, p.43) resumirá que “o ponto de vista, em cada domínio de variação, é potência de ordenar os casos”; ou seja, o mecanismo da percepção, enquanto mecanismo de construção de conhecimento, cria ordem para a compreensão. A criação de ordem depende de toda a experiência de vida do sujeito, em todos os seus aspectos, assim como da natureza da situação e do modo como ela lhe foi apresentada. Compreender implica (re)conhecer, relacionar. Isso nada mais é que a construção de sentido, de significado. A construção de sentido é sempre simbólica. Assim, quando Moussavi classifica o Seagram Building (1958) de Mies van der Rohe como ornamental pelo padrão criado na fachada pelo revestimento de vigotas 169 metálicas verticais intercaladas regularmente pelas janelas de vidro e bandeiras de bronze que escondem a borda das lajes, ela limita seu entendimento desse tipo de ornamento a um aspecto funcional – fazer parte da esquadria da janela – e um efeito visual – verticalidade. As motivações simbólicas para a construção dessa imagem para o edifício são desconsideradas. A repetição serial dos perfis metálicos protuberantes, do vidro e das bandeiras, mais do que conferir uma forma simbólica para o esqueleto estrutural subjacente a esta pele, ela representa toda a cultura de produção em massa. A monumentalidade gerada pela afirmação vertical (a horizontal é escondida) do revestimento e pelo distanciamento do edifício em relação à rua, que por meio de uma praça facilita a contemplação, pretende exaltar o poder da cultura corporativa norte- americana174. Levit (2008, p.5) explica que “o regime simbólico do Seagram Building de Mies produziu uma idealização ornamental da ordem do dia em termos sociais e técnicos (que entretanto dependiam da negação de sua condição de ornamento)”. O catálogo de Moussavi, pela repressão do simbólico, é limitado e falha em apresentar a produção ornamental mais radical (PICON, 2010; 2013) e que atualmente corresponde ao seu principal desdobramento: a metáfora da natureza. 174 Leonardo Benevolo (1976, p.628) ainda relata: “A indústria americana compreende que o prestígio de Mies van der Rohe pode ser aproveitado publicitariamente e dá-se início aos grandes encargos representativos: a sede da Seagram no coração de Nova York, a sede da Bacardi em Cuba.” 170 CAPÍTULO 7 | ESPECULAÇÕES SOBRE ORNAMENTO NA CIÊNCIA E NA ARQUITETURA Uma mudança de coração, um novo paradigma em arquitetura? Parece ser o caso, mas é necessário estar atento a todos esses anúncios e previsões, especialmente desde que, pelos últimos dois séculos, eles têm sido proferidos com frequência, e com efeitos desastrosos. Alguém quer mesmo outra nova arquitetura? Novamente, talvez sim, mas depende de qual é ela e em que direção ela segue (JENCKS, 2002, p.1). O ímpeto de ornamentar: uma visão a partir da ciência A textura e o padrão são estratégias ornamentais tradicionais na arquitetura. O arquiteto e teórico Neil Leach (2004) utiliza o termo “tectônica digital” para caracterizar as novas práticas ornamentais possibilitadas pela associação entre o uso de softwares de modelagem paramétrica, em que é possível inserir dados e parâmetros para a construção, e técnicas de fabricação digital, possibilitadas pelo sistema “file-to-factory”: o arquivo da forma parametrizada é enviado para a confecção em máquinas de corte (por broca e a laser), de escavação, de deposição de material (produção de camadas de barro, concreto ou outro material pastoso que ganhe rigidez estrutural), dentre outras. No entanto, pela hipótese de Vittoria di Palma (In PAYNE, 2016), não foi apenas a facilidade tecnológica de projetar e fabricar formas complexas que simplesmente estimulou os arquitetos a rever sua relação com o ornamento. Ela sugere que deve ter havido algo mais profundo que tenha despertado esse desejo. Picon (2010) relaciona a presença do ornamento na contemporaneidade com a evolução da relação que os arquitetos passaram a ter com digital. Segundo o autor, a cultura digital adentrou a arquitetura a partir da cibernética de Gordon Pask (1928-1996) com a publicação “The Architectural Relevance of Cybernetics” na revista Architectural Design, de 1969. A cibernética está ligada à teoria geral dos sistemas175 publicada pelo biólogo Karl Ludwig von Bertalanffy (1901-1972) em 1968 e mostra-se como potencial de estudo e controle de sistemas reguladores. No caso da arquitetura, Cedric Price (com o Fun Palace, 1962), Constant (com a New Babylon, a partir de 1958), Yona Friedman (com as várias propostas de cidades espaciais) e o grupo Archigram lançaram propostas que pretendem instalar a subversão no sistema e configurar outras relações com o espaço. Para Picon (2010, p.63), “o ponto de virada do pós- 175 Cf. General Systems Theory: foundations, development, applications. 171 modernismo com sua dimensão formalista firma-se claramente como chave dos desdobramentos presentes”. O desejo de entender forma em termos de formação é uma das razões que a atenção que os arquitetos digitais dão aos desdobramentos científicos recentes, por exemplo na teoria dos sistemas dinâmicos ou na genética que imprime uma ênfase na propriedade de emergência [emergence] concebida como uma capacidade de auto-organização que opera por toda a natureza (PICON, 2010, p.63). Em um caminho bem diferente estava Christopher Alexander, que publica “Notes on the Synthesis of Form” em 1964 com a intenção de discutir a possibilidade matemática de criação de diagramas (padrões) de estratégias espaciais que “resolvessem um pequeno sistema de forças interativas e conflitantes” (ALEXANDER, 1973, p.III). O autor cita brevemente o texto “On Growth and Form”, publicado em 1917 pelo biólogo e matemático escocês D`Arcy Thompson (1860-1948). Esse será um dos textos mais influentes, tanto nos seus próximos trabalhos – “A Pattern Language” (1977) e “The Timeless Way of Building” (1979) – quanto na cultura digital arquitetônica, que se baseará fundamentalmente na biogenética, no padrão de formação das coisas na natureza. Assim como os arquitetos experimentais, Alexander estava atento às novas publicações176 nos mais variados campos da ciência, da matemática e da biologia, como teoria dos sistemas, psicologia experimental, inteligência artificial, teoria dos jogos, teoria da complexidade, sistemas auto-organizados (autopoiesis), topologia, dentre outros. Com a proposta do “modo intemporal de construir”, Alexander está interessado em uma arquitetura que se conecte ao lugar, à cultura e às pessoas a partir de formas “indígenas”177, enquanto os arquitetos “experimentais”178 estão 176 Algumas referências citadas são: W. Ross Ashby, "Design for an Intelligence Amplifier," in Automata Studies, ed. C. E. Shannon and J. McCarthy (Princeton, 1956); M. Minsky, "Steps towards Artificial Intelligence," (January 1961). Albert M. Dalcq, "Form and Modern Embryology" in Aspects of Form, ed. Lancelot Whyte (London, 1951); Karl H. Pribram, “Plans and the Structure of Behavior” (New York, 1960); B. F. Skinner, “The Behavior of Organisms” (New York, 1938); Marshall Yovits and Scott Cameron “Self-Organizing Systems” (New York, 1960); John von Neumann and Oscar Morgenstern, “Theory of Games and Economic Behavior” (Princeton, 1944); Allen Newell, J. C. Shaw, and H. A. Simon,"Chess- Playing Programs and the Problem of Complexity" (October 1958). L. S. Pontryagin, Foundations of Combinatorial Topology (New York,1952). Darwin, “The Origin of Species” também é citado com frequência. Alexander também estava atento aos desdobramentos da arquitetura orgânica: Peter Collins, "Biological Analogy," Architectural Review, (December 1959). 177 Os trabalhos de Alexander terão grande importância para os racionalistas italianos como Aldo Rossi, Vittorio Gregotti e Giulio Carlo Argan nos estudos sobre tipologia como estratégias analógicas de lidar com a estrutura física e mnemônica da cidade existente. 172 interessados em reconhecer e subverter os padrões de uso e ocupação vigentes através de formas “alienígenas”. O que une essas duas práticas é o conceito de padrão: as operações de analogia, repetição, variação e diferenciação, embutidas na sua lógica, são os fundamentos. A necessidade de reconhecimento de padrões naturais é algo intrínseco à percepção humana e pertence a uma longa tradição de descrição e representação da natureza pela filosofia, pela arte e pela ciência. O grande interesse dos arquitetos a partir da década de 1960 por essa categoria não é fortuito. Peter Cook, em “Experimental Architecture”, de 1970, já anunciava essa tendência ao analisar o panorama da arquitetura experimental nos Estados Unidos, na Europa e no Japão: Recentemente tem havido um desenvolvimento a partir da arquitetura experimental que sugere que crescimento e mudança e metamorfose podem ser possíveis em algo que até então só havia sido pensado como um tipo de artefato estático. Essas associações naturais e similaridades biológicas, quando são tomadas como base para o design, são interpretativas e não precisam se expressar em nenhuma forma ou armadura que particularmente sugere uma forma animal. Uma abordamente similar sugere que um edifício, ou um grupo de edifícios, possa proceder em suas relações e sua coesão orgânica do modo como o crescimento floral ocorre. A folha e o caule, a árvore e a raíz são frequentemente entendidas como formas associativas (COOK, 1970, p.49- 50). Spuybroek (2011) explica que é necessário, portanto, entender o padrão não como forma, mas formação, form-ação. Os avanços nos estudos sobre morfologia estão entre as condições que se configuraram para que o desejo de ornamentar se firmasse ao longo do século XX; algumas publicações que fomentaram a constituição de um milieu ornamental são: (1) Ernst Haeckel (1834-1919): Kunstformen der Natur (1904) (Art Forms in Nature, 1998 e 2012) – trabalho que compila desenhos do biólogo alemão produzidos desde a década de 1860. Parte da hipótese que os padrões complexos de simetria encontrados na morfologia ornamental de radiolários era análoga à dos cristais. Ele começa a desvelar semelhanças entre o desenvolvimento 178 O termo “Arquitetura Experimental” foi cunhado por Peter Cook (1937-1995) em um livro de mesmo título, publicado em 1970. No último capítulo do livro, Cook vislumbra potenciais a partir da cibernética e do Hiperespaço. 173 morfológico179 de formas orgânicas e inorgânicas a partir de uma “cristalografia orgânica” ou “estereometria orgânica” da aposta em uma lei biogenética (BREIDDBACH In HAECKEL, 2012, p.9). A qualificação das formas da natureza como ornamentais sugere a necessidade de reconhecimento de uma beleza mais profunda na natureza. Haeckel inspirou arquitetos e artistas do Art Nouveau (como L. C. Tiffany, J. M. Olbrich, R. Binet), artistas surrealistas (como Max Ernst) e tem havido um renovado interesse em seu trabalho a partir das republicações em 1998 e 2012. Uma das práticas atuais mais radicais que leva a noção de “estereometria orgânica” ao limite é a dos arquitetos e programadores alemães Michael Hansmeyer180 (1973-) e Benjamin Dillenburger181 (1978-). A partir do projeto “Digital Grotesque”, de 2013, eles ganharam notoriedade. Trata-se de uma ambiência ornamental imersiva fabricada digitalmente e projetada a partir de explorações topológicas complexas e estratégias compositivas digitais derivadas de processos puramente geométricos e determinísticos, sem abertura para incorporar elementos ou procedimentos aleatórios. Algoritmos foram utilizados para criar formas que ao mesmo tempo parecem orgânicas e inorgânicas e que pretendem gerar surpresas pela estranheza e complexidade das dobras e redobras. Os padrões tridimensionais gerados seguem um princípio simétrico, mas ao mesmo tempo possuem formas, tamanhos, movimentos e ritmos variados. O espaço foi fabricado com uma tecnologia de impressão aditiva com areia, que é transformada em arenito artificial. A impressão possui uma resolução de um décimo de milímetro e o espaço possui 3,2 metros de altura e cerca de 16 metros quadrados de área. A tecnologia de impressão 3d por si só já possui um potencial enorme e que no “Digital Grotesque” foi utilizada de modo impressionante; mas a proposta estética de Hansmeyer e Dillenburger é radical pois ao levar a ornamentação ao limite do visível e do invisível (da macro à microescala), entre o natural e o artificial 179 Já em 1866 publica “Generelle Morphologie der Organismen”. 180 Atualmente é pesquisador do grupo CAAD (Computer Aided Architectural Design) da Swiss Federal Institute of Technology (ETH) em Zurich. Fez a instalação Monolith no Centro de Arte Contemporânea Inhotim, que discute o momento em que a natureza se torna artificial. http://www.michael- hansmeyer.com/ 181 Atualmente é Professor Assistente na John H. Daniels Faculty of Architecture, Landscape and Design da University of Toronto. http://benjamin-dillenburger.com/ 174 (as formas parecem ter surgido de processos naturais de formação e possuem uma plasticidade orgânica que, pelo excesso, tem-se consciência de que são artificiais), entre caos e ordem (o espaço se cria pela transformação de uma dobra em outra dobra, um processo metamórfico fluido que deixa rastro, se solidifica e evidencia sua formação) a percepção é desafiada a decifrar o indecifrável. Fig. 92 | Corais. Gravura de Ernst Haeckel em “Kunstformen der Natur” (1904). Fonte: HAECKEL, 2012. Fig. 93 | Um dos experimentos do projeto Digital Grotesque. Fonte: http://www.digital-grotesque.com/ Fig. 94 | Detalhe ornamental intrincado. Fonte: http://www.digital-grotesque.com/ Fig. 95 | Imagem que mostra a escala do espaço. Fonte: http://www.digital-grotesque.com/ Fig. 96 | Detalhe de peça sem acabamento. Fonte: http://www.digital-grotesque.com/ 175 (2) Wilson Bentley (1865-1931) e William J. Humphreys (1862-1949): “Snow Crystals” (1931) – trabalho que compila 2453 fotomicrográficos de flocos de neve, registrados por Bentley. Cada floco é distinto do outro, evidenciando sua geometria complexa e variada, mas derivada de um mesmo padrão de formação, por ramificação sêxtupla. Esse exemplo em que os princípios de ramificação, distribuição e proporção uniforme no processo de formação da forma é recuperado por Ernst H. Gombrich em “The Sense of Order: A study in the psychology of decorative art” de 1979 e por Lars Spuybroek em “The Sympathy of Things: Ruskin and the Ecology of Design” de 2011. Enquanto Gombrich discute o que chama de “leis da permutação”, Spuybroek discute qualidade temporal da forma: seu estado final é resultado de sua transformação no tempo, cuja “consistência é periódica, recursiva e rítmica” (SPUYBROEK, 2011, p.97-98). (3) D`Arcy Thompson (1860-1948): “On Growth and Form” (1917) – trabalho que evidencia o resultado de seus estudos de morfologia em que argumenta que as formas de plantas e animais poderiam ser entendidas em termos de matemática pura. O livro foi fundamental pela sua exploração de geometrias naturais na dinâmica de crescimento e nos processos físicos. Thompson explica as leis que regem a dimensão dos organismos e seu crescimento, a estática e a dinâmica em células e tecidos, incluindo os fenômenos de agrupamento geométrico, membranas sob tensão, simetrias e divisão celular. Explica matematicamente como funcionam as estruturas geodésicas de esqueletos em organismos simples, já registradas por Haeckel desde a década de 1860. Thompson concebia a forma não como algo pronto, mas como um produto de forças dinâmicas que ocorrem em forma de fluxos de energia e de fases crescimento. O livro teve sua segunda edição em 1942 e a terceira em 1991, quando volta a haver interesse em recuperar as origens do estudo sobre morfogênese. Com um livro de mesmo nome, mas subintitulado de “Organic Architecture and Beyond” (2008), os arquitetos Phillip Beesley182 e Sarah 182 Beesley é artista, arquiteto e professor na Escola de Arquitetura da University of Waterloo (Canadá) e da European Graduate School, lecionado disciplinas relacionadas a design digital. 176 Bonnemaison183 pretenderam apresentar, com artigos selecionados184, visões críticas da história da arquitetura orgânica e seus desdobramentos mais recentes, desde Buckminster Fuller e Frei Otto às práticas paramétricas e à inteligência artificial, sempre à luz de Thompson e sua teoria morfogenética. Thompson tem sido inspirador para arquitetos e artistas interessados, não só na vertente biomimética185 atual, mas na convergência de suas práticas com a biotecnologia, em especial para a confecção de materialidades bio-sintéticas, em que se pretende a hibridização entre o natural e o artificial. Esse tipo de arquitetura tem sido chamada de “Protocell Architecture”186. O arquiteto argentino Hernan Diaz Alonso187 (1969-) é um os pioneiros (radicais) no desenvolvimento de projetos digitais com fundamento morfogenético, o que influenciou o caráter experimental da produção de seu escritório Xefirotarch. Os projetos traduzem o interesse na categoria de “excesso” enquanto condição metodológica e potencial estético da forma. “Nas discussões sobre o problema da forma ou do formalismo, a palavra ‘afeto’ tem estado no centro da ambição de redefinir a dissociação entre resultados e processos” (ALONSO In COLLETTI, 2010, p.73). Com essa declaração, Alonso introduz a questão da categoria deleuziana de “afeto” que muitos arquitetos contemporâneos têm utilizado para caracterizar suas intenções espaciais ou formais. Em muitas circunstâncias, afeto é entendido como efeito final da forma e não como algo intrínseco à sua formação. O arquiteto diz que esse termo é relativamente geral e abstrato demais para definir o modo como ele lida 183 Bonnemaison é arquitetura e professora associada na Dalhousie University (Canadá) e é especialista em estruturas tênseis. 184 Trata-se da compilação de artigos submetidos para o ACSA East Central Regional Conference “On Growth and Form: the Engineering of Nature”, ocorrido na University of Waterloo em 2001. 185 Cf. Janine Benyus: “Biomimicry: innovation inspired by nature”, 1997. Cf. as duas edições da AD (Architectural Design) editadas por Michael Hensel, Achim Menges e Michael Weinstock: “Emergence: Morphogenetic Design Strategies”, vol. 74, no. 3, 2004; e “Techniques and Tecnologies in Morphogenetic Design”, vol. 76, no. 2, 2006. 186 Cf. duas edições da AD, uma editada por Marcos Cruz e Steve Pike: “Neoplasmatic Architecture”, vol. 78, no. 6, 2008; e outra por Neil Spiller e Rachel Armstrong: “Protocell Architecture”, vol. 81, no. 2, 2011. 187 Alonso é professor da SCI-Arc (Southern California Institute of Architecture) de Los Angeles desde 2001 e foi nomeado diretor em 2015. É coordenador do programa de mestrado por projeto “Excessive” na Universidade de Artes Aplicadas de Viena. Foi Senior Designer de Eisenman Architects e desde 2001 possui seu escritório de prática experimental Xefirotarch em Los Angeles. Em 2005 foi vencedor do MoMa PS1’s Young Architects Program (YAP) com a instalação “SUR”, recebeu o AR+D Award for Emerging Architecture e recebeu Menção Honrosa no Progressive Architecture Awards, ambos em 2013. Alonso é considerado principal responsável pela transição da SCI-Arc para as tecnologias digitais. 177 com o processo de geração da forma. Para Alonso, o “afeto” em uma condição de excesso gera excitação (“arousement”), desejo e obsessão. Para tanto, o limite entre belo e grotesco precisa ser menos claro e o conceito de beleza deve se transformar da sua acepção tradicional para algo “esteticamente agradável” (ALONSO In COLLETTI, 2010, p.73). Interessa a possibilidade de algo grotesco revelar um outro tipo de beleza, gerando outras condições de experiência do espaço. A partir de 2006, a grande maioria de seus projetos – como o “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia188 (2008) ou a instalação “Pitch Black”189 no MAK, Museu de Artes Aplicadas de Viena (2007) – assumiu uma experimentação topológica radical para a manipulação das estratégias formais. O conceito fundamental de sua prática tem sido a mutação. Mais que uma deformação ou transformação de uma forma em outra, a mutação em biologia implica a alteração da sequência de nucleotídeos do material genético de um organismo. Isso significa que a informação que possibilitaria um organismo se desenvolver segundo um padrão previsto será outra, podendo afetar sua aparência, seu comportamento e sua fisiologia. Fig. 97 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 98 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 188 Recebeu Menção Honrosa no Progressive Architecture Awards de 2013. 189 Vencedor do AR+D Award for Emerging Architecture de 2013. 178 Fig. 99 | “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 A mutação, no âmbito da arquitetura, será utilizada para materializar a combinação entre o “excessivo” e a noção biológica de “especiação” – o processo evolutivo formador das espécies. O que Alonso (In COLLETTI, 2010, p.73) tem feito é “traduzir técnicas sintéticas biológicas em técnicas formo-topológicas”, por exemplo, pela criação de taxonomias básicas de uma célula que gera novos modos de comportamento formal. Alonso associa excesso à evolução e será nesse sentido que o ornamento será abordado: ele é intrínseco à origem do projeto, à origem da arquitetura. No projeto para o “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion” na Patagonia, o ornamento faz parte do código genético da célula inicial (pela qual ele começou o projeto), que possui cinco componentes que o caracterizam. Pela mutação desse código, as formas sofreriam transformações e possibilitariam variações no processo de crescimento, implicando diferentes organismos, mas de uma mesma espécie190. O que se observa no projeto é um aglomerado de massas, superfícies e linhas orgânicas, com aspecto alienígena, que claramente possuem uma lógica de comportamento formal semelhante, mas são variantes de uma mesma célula que sofreu mutações. A parametrização do código genético da forma-base permite o controle do processo e do resultado da mutação. 190 Cf. a palestra “Shaken not Stirred” proferida por ocasião da Yale School of Architecture Public Lecture Series, em 19 de fevereiro de 2015. Disponível no canal da Yale University no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=cPiFVMjHT70. 179 Fig. 100 | Vista aérea, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 101 | Vista aérea, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 102 | Vista na altura do observador, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 103 | Vista na altura do observador, “Thyssen Bornamiza Museum Pavilion”, Patagonia (2008) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 O fato da instalação “Pitch Black” (2007) ganhar o prêmio de Arquitetura Emergente em 2013 é particularmente significativo, pois é indicativo da reaproximação entre arquitetura e arte pela via do experimental, da cibernética, do digital e da ciência. Trata-se ainda do reconhecimento do potencial espacial-propositivo-crítico-sensível das configurações artísticas para a reavaliação, realimentação e ressignificação da arquitetura enquanto campo disciplinar. “Pitch Black” é um conjunto de objetos aracnídeos de corpo metálico disforme e com quatro patas esbeltas e sinuosas. É como um grupo alienígena cuja natureza é desconhecida: não se sabe se são máquinas, seres vivos ou híbridos. Esses quase-organismos possuem um display que evidencia seu processo de mutação e replicação, uma narrativa da sua autopoiesis. 180 Fig. 104 | Instalação Pitch Black (2007) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 105 | Especiação. Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 106 | Especiação. Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 Fig. 107 | Instalação Pitch Black (2007) Fonte: http://xefirotarch.com/2016/tba-1-0-2 O termo autopoiesis – “auto-formação” – não só caracteriza a morfologia das entidades autônomas de Alonso, mas é desde 1980 o conceito fundamental da morfogênese. O termo foi cunhado pelos neurobiólogos chilenos Humberto Maturana (1928-) e Francisco Varela (1946-2001) com o livro “Autopoiesis and Cognition: the realization of the living”191, em que propõem uma teoria dos sistemas vivos em que eles são considerados sistemas fechados e não abertos, como propõe Bertalanffy (1968). Isto é, são considerados autônomos, auto-referenciais, auto-construtores, de modo que qualquer definição dos sistemas vivos com base na sua função ou no seu 191 O livro é dividido em duas partes: “Biology of Cognition” e “Autopoiesis: the organization of the living”. Essa segunda parte já havia sido publicada no Chile em 1972 sob o título “De Maquinas y Seres Vivos”, mas o termo autopoiesis ainda não tinha sido criado, apesar das suas implicações estarem desenvolvidas. 181 propósito; nas relações organismo-ambiente; nas interações causais com o mundo externo; ou em termos de informação, codificação e transmissão precisa ser abandonada (MATURANA; VARELA, 1980). A cognição (processo de produção de conhecimento através da percepção) passa a ser entendida como um fenômeno biológico, o que implica considerar sua dependência não do estímulo externo, mas da “estrutura que permite o organismo operar adequadamente no meio em que ele existe” (MATURANA; VARELA, 1980, p.xvi). Maturana e Varela propõem uma biologia teórica que é topológica, e uma topologia em que os elementos e suas relações constituem um sistema fechado, ou mais radicalmente ainda, uma que do “ponto de vista” do próprio sistema é totalmente auto-referencial e não possui “exterior”, Leibniziano para o nosso dia (COHEN; WARTOFSKY In MATURANA; VARELA, 1980, p.v.) O conceito de autopoiesis192 tem sido caro para os arquitetos, como Alonso, interessados em desenvolver ou aplicar processos generativos para a forma. O projeto enquanto um sistema fechado se desenvolve a partir dos parâmetros internos a ele, ou seja, das regras que o arquiteto/designer/artista escolheu ao seu critério para condicionar e controlar a geração da forma. Enquanto sistema complexo, de muitas variáveis, o uso de softwares paramétricos têm sido ferramentas determinantes. O sucesso ou insucesso do sistema dependerá, não só dos parâmetros delimitados, mas do modo como se irá lidar com eles. Alguns trabalhos sobre morfologia e teoria dos sistemas que precederam ou ocorreram concomitantemente ao trabalho de Maturana e Varela e imprimiram novos rumos para a ciência foram: (a) Alan Turim (The Chemical Basis of Morphogenesis, 1952), que descreve como mesmos padrões naturais (como manchas, listras, espirais, hexágonos) apresentam configurações não-uniformes, considerando o estado 192 O arquiteto Patrik Schumacher (1961-), sócio em Zaha Hadid Architects, é o principal articulador, promotor e teórico do parametricismo em arquitetura e emprega o termo “autopoiesis” em seu tratado de mais de 1000 páginas, “The Autopoiesis of Architecture”, publicado em dois volumes: “A New Framework for Architecture” (2010) e “A New Agenda for Architecture” (2011). Schumacher irá considerar a disciplina “arquitetura” como um sistema fechado, auto-referencial. As implicações dessa posição serão discutidas nesse capítulo ainda. 182 homogêneo no início do processo; (b) Edward Lorenz (Deterministic Nonperiodic Flow, 1963), foi fundamental para o desenvolvimento da Teoria do Caos a partir de seus estudos em sistemas não-lineares para previsão meteorológica193 e mais tarde com a teoria do “efeito borboleta”; (c) René Thom (Stabilité Structurelle et Morphogénèse: Essai D'une Théorie Générale des Modèles, 1972), que foi base para a Teoria das Catástrofes e da Teoria do Caos; (d) Gregory Bateson (Steps Towards an Ecology of Mind, 1972), que foi base para a cibernética de segunda ordem; (e) Ilya Prigogine (Self-organization in nonequilibrium systems, 1977), que foi base para a Teoria do Caos194. (4) Peter Stevens (1936-): “Patterns in Nature” (1974) – trabalho que não só cataloga padrões encontrados na natureza por belas fotografias e diagramas, mas discute as condições de sua formação como tensão, ramificação, espirais, meandros, partição, aglomeração e fissura. Os padrões, mesmo atuando em matérias distintas, geram formas semelhantes, como ramificação dos galhos de uma árvore, de artérias e veias, de rios. A espiral do náutilos é a mesma do furacão, da água descendo o ralo e das galáxias. Os conceitos de repetição, variação e mutabilidade de Ruskin ficam evidentes aqui. Stevens, enquanto arquiteto, pintor e fotógrafo, conseguiu registrar sensivelmente relações entre elementos e situações díspares na natureza. Trata-se de um livro que à época era muito mais acessível, por seu formato visual, que “On Growth and Form”. Sem dúvida, os trabalhos de Haeckel (“Art Forms in Nature”), de Bentley e Humphreys (“Snow Crystals”) e de Karl Blossfeldt, “Urformen der Kunst” (“Art Forms in Nature”) foram inspirações para o arquiteto. “Patterns in Nature” tem 193 Cf. as equações diferencias de Lorenz e o atrator de Lorenz, que eram parâmetros de valores e condições iniciais de um fenômeno que geravam soluções caóticas no seu sistema, que era não-linear, tridimensional e determinístico. A Teoria do Caos estuda, portanto, o comportamento de sistemas dinâmicos que são sensíveis às suas condições iniciais. Para um panorama compreensivo histórico e teórico sobre o caos, conferir o livro de James Gleick, “Chaos: Making a New Science” (1987). 194 Outros trabalhos seminais de Prigogine foram “From Being to Becoming” (1980) e “Order Out of Chaos” (1984). 183 inspirado uma série de livros de padrões naturais além de arquitetos e artistas desde que foi lançado195. (5) Benoit Mandelbrot (1924-2010): “The Fractal Geometry of Nature”196 (1983) – Mandelbrot começa seu livro com uma provocação aos matemáticos euclidianos que resumiram suas investigações nas formas regulares e simples. O que o impelia naquele empreendimento era a inabilidade dos matemáticos de “descrever o formato de uma nuvem, uma montanha, uma linha costeira ou uma árvore. Nuvens não são esferas, montanhas não são cones, linhas costeiras não são círculos e a casca do tronco da árvore não é lisa, nem o raio viaja em linha reta” (MANDELBROT, 1983, p.1). Os padrões inerentes a essas configurações não haviam sido estudados, pois eram considerados sem forma nos parâmetros euclidianos. O autor propõe então o estudo morfológico do amorfo e uma nova geometria da natureza. Enquanto D`Arcy Thompson e Peter Stevens apresentam e discutem os padrões regulares na natureza, Mandelbrot tem como objeto as formas e os processos irregulares. O autor sugere o termo fractal a partir do adjetivo latino “fractus” e do verbo “frangere”, que significa “quebra” ou “criar fragmentos irregulares”. A partir da construção de modelos teórico-matemáticos – sobretudo geométricos – Mandelbrot sugere que a morfogênese de certas configurações naturais amorfas, tidas como irregulares, possui regularidade. Essa ordem está implícita não só na complexidade de desdobramento de um padrão, mas, e sobretudo, 195 Praticamente todas as publicações sobre padrões – em arquitetura, arte ou ciência – desde 1974 citam o livro de Stevens como referência. Publicações mais recentes em arquitetura incluem: três edições da revista AD editadas por Mark Garcia; “Architextiles”, vol 76. No. 6 (2007); “The Patterns of Architecture”, vol. 79. No. 6 (2009); “Future Details of Architecture”, vol 84. No. 4 (2014). Andrea Gleiniger: “Pattern” (Context Architecture), 2009. Lars Spuybroek: “Textile Tectonics”, 2011. Vale ressaltar que todas as publicações que envolvem morfogênese e arquitetura paramétrica discutem a relevância e a aplicação de padrões. 196 Trata-se da terceira edição em inglês, revisada, reescrita e aumentada, que recebeu o título: “The Fractal Geometry of Nature”. Segundo o autor, essa edição substitui a primeira versão em inglês, “Fractals: Form, Chance and Dimension”, de 1977, que, por conseguinte, substituiu a primeira versão em francês, de 1975, “Les Objects Fractals: Forme, Hasard et Dimension”. A inclusão da dimensão “natureza” era um indício da necessidade de aprofundamento científico em dimensões inexploradas, mas reais, do mundo natural, do universo. Apesar de Mandelbrot ter publicado inúmeras pesquisas anteriores a essa publicação, é ela que marca para a ciência formal a origem da Teoria do Caos. 184 na sua qualidade de auto-similaridade escalar. Isso significa que o modo e o “grau de irregularidades e/ou fragmentação são iguais em todas as escalas” (MANDELBROT, 1983, p.1). Com a publicação do livro e o subsequente amplo sucesso e influência, tanto no meio científico quanto no popular, biólogos começaram a identificar padrões fractais em uma série de configurações no corpo humano – na ramificação das artérias e veias; na ramificação dos brônquios, bronquíolos e alvéolos; na rede de neurônios e até no espectro de frequência dos batimentos cardíacos. Leis fractais foram descobertas tanto em fenômenos econômicos, meteorológicos e de dinâmica sísmica, além de sua presença nos mais variados fenômenos da natureza e nas mais variadas escalas. Ao final do século XX, já eram popularizadas fotos evidenciando as similaridades entre galáxias e átomos (GLEICK, 1988). A biologia evolucionária e vários outros campos passam a ter que rever o modo como abordam a realidade; as escalas macro e a micro passam a ser relativizadas (quanto menor ou maior for a escala, mais complexidade se encontra no universo); o cálculo, a representação e a criação de sistemas complexos é possibilitada pelos computadores; os processos passaram a ter um valor maior que o resultado final, uma vez que a noção de estaticidade é substituída pela de dinamicidade (forma por formação). Recentemente, a formação fractal tem sido utilizada de modo inovador nas pesquisas e projetos da designer e arquiteta israelense, naturalizada americana, Neri Oxman197 (1976-), fundadora e coordenadora do grupo de pesquisa “Mediated Matter” vinculado ao Massachusetts Institute of Technology (MIT) Media Lab198. Seu grupo tem realizado pesquisas que superpõem design computacional, fabricação digital, ciência dos materiais e biologia sintética, aplicando esse conhecimento para projetar atravessando as escalas micro e macro. Um dos objetivos fundamentais é propor outras relações entre o ambiente construído e o natural através de princípios de 197 Oxman tem recebido diversos prêmios nas áreas de tecnologia, inovação e design. Cf. http://www.materialecology.com/ 198 O MIT Media Lab foi fundado em 1985 pelo arquiteto e professor Nicholas Negroponte (1943-), um desdobramento de seu grupo de pesquisa “Architecture Machine Group”, criado em 1968, sob influência da cibernética de Gordon Pask, que foi seu consultor à época. 185 design inspirados ou existentes na natureza, que implicam na invenção de novas tecnologias de design digital. Fig. 108 | Otaared (Mercury`s Wonder). Extensões escapulares para proteção da cabeça. A peça foi projetada para receber bactérias calcificantes que continuariam o crescimento do exoesqueleto. Neri Oxman (2014), impressão 3d com técnica multi-material. Fonte: http://www.materialecology.com/ Fig. 109 | Fibonacci`s Mashrabiya. Protótipo de Muxarabi paramétrico de inspiração fractal. Neri Oxman (2009), acrílico esculpido com CNC. Museu de Ciências de Boston. Fonte: http://www.materialecology.com/ Fig. 110 | Anthozoa: Cape & Skirt. Peça de vestuário inspirada em fractais naturais feita com técnica de impressão 3d multimaterial, que permitiu utilizar materiais rígidos e macios, que foram impressos simultaneamente. Neri Oxman (2012). Museu de Belas Artes de Boston. Fonte: http://www.materialecology.com/ Fig. 111 | Modelo desfilando para a coleção “Voltage” da designer Iris Van Herpen. Fonte: http://www.materialecology.com/ Fig. 112 | Monocoque 2. Prótotipo de fachada estrutural com padrão voronoi que varia com a carga. Neri Oxman (2007), compostos acrílicos. MoMA, NY. Fonte: http://www.materialecology.com/ Conceitos como auto-similaridade escalar, autopoiesis, emergência e dinâmicas não- lineares, evidentes nos vários campos que permeiam a teoria da complexidade, são base para suas investigações. Um dos primeiros trabalhos foi o “RAPID CRAFT” (2005/2006), em que se partiu do pressuposto que grande parte da morfologia natural pode ser simulada por formas tubulares que não limitam a expansão ou alongamento, mas, se comportam por padrões de ramificação. Assim, as plantas crescem 186 frequentemente de maneira a maximizar sua área de superfície e manter seu suporte estrutural. O projeto examina “morfoespaços” teóricos que usam sistemas de crescimento por ramificação, de modo a explorar certos princípios estruturais nos sistemas naturais e programá-los em um ambiente de design generativo. Foi utilizado o sistema de Lindenmayer199 (L-system), desenvolvido como um algoritmo celular autômato em um ambiente de modelagem associativo, para permitir que múltiplas interferências ocorram simultaneamente no processo de formação do sistema. O sistema Lindenmayer permite a criação de fractais auto-similares, que no caso foram formados por um algoritmo com parâmetros que descrevem as regras iniciais para o crescimento e a decadência, e por um conjunto de pontos “atratores” locais que afetam o sistema localmente. Os padrões de crescimento possuem diferentes parâmetros de comportamento, que variam de acordo com a posição do ponto atrator, simulando quantidade de luz e limitações estruturais. O resultado final é uma configuração ornamental, de aspecto fractal, com uma estrutura orgânica bem definida. Fig. 112 | Rapid Craft (2005-2006). Neri Oxman. Fonte: http://www.materialecology.com/ 199 Desenvolvido em 1968 por Aristid Lindenmayer (1925-1989), biólogo húngaro da Universidade de Utrech (Holanda), para descrever o comportamento de células de plantas e modelar seus processos de crescimento. 187 Ao longo dos anos, Oxman, junto com seus alunos e pesquisadores, tem explorado sistematicamente técnicas e tecnologias de fabricação digital, com diferentes materiais, e de morfogênese digital. Os trabalhos têm ficado cada vez mais sofisticados, em especial pela associação com o campo da biotecnologia, e assumindo uma estética complexa, exuberante e estranha. Não há a intenção de representação clara de alguma ideia ou imagem, mas as formas, os padrões e as cores dos objetos gerados sugerem um hibridismo orgânico-sintético, que se mostram simultaneamente instigantes e repulsivos. Um trabalho recente que discute a fusão de processos sintéticos e biológicos de morfogênese é o “Silk Pavilion”200 (“Pavilhão de Seda”), realizado em 2013 no lobby do edifício do Wyss Institute for Biologically Inspired Engineering201, na Universidade de Harvard. A instalação envolveu a fabricação de um domo, de cerca de 10 m² de base, constituído por 26 faces de armação de alumínio e revestimento de fios de seda entrelaçados tanto por máquinas CNC (Computer- Numerically Controlled), como pelo trabalho de 6.500 bichos-da-seda, posicionadas na base da estrutura para iniciar um processo de preenchimento da malha inicial fabricada digitalmente. Fig. 113 | Silk Pavilion, 2013. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Fig. 114 | Bichos-de-seda trabalhando. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Fig. 115 | Detalhe da estrutura. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ 200 A pesquisa e o projeto foram coordenados por Oxman e a equipe do Madiated Matter Research Group (Markus Kayser, Jared Laucks, Jorge Duro-Royo, Carlos David Gonzalez Uribe) em colaboração com o Prof.Fiorenzo Omenetto (TUFTS University) e o Dr. James Weaver (WYSS Institute, Harvard University). 201 É um instituto de pesquisa interdisciplinar como foco em desenvolvimento de novos materiais e artefatos a partir de estratégias biomiméticas. 188 Inicialmente foi realizada uma pesquisa para entender o padrão de tesselação da trama dos casulos das lagartas e o gerado em superfícies planas e curvas. Em geral, as lagartas precisam de um espaço tridimensional mais ou menos confinado – uma cavidade numa árvore, por exemplo – para conseguirem fazer seus casulos. Quando posicionadas em superfícies planas elas produziram uma trama planar de fios sobrepostos criando um padrão de diferentes densidades. Foram utilizados microscópios eletrônicos de última geração no Wyss Institute para a geração de micrográficos202 tanto da complexidade estrutural do padrão como da sua lógica de formação ao longo do tempo. Descobriu-se que as lagartas tendem a se concentrar em áreas mais escuras e menos quentes, o que influencia na variação de densidade da trama. A partir da análise desses dados, foi criado um algoritmo que possibilitou a parametrização digital do padrão e da densidade da malha de seda e dos formatos e dimensões das armações de alumínio em relação às condições de insolação e calor durante a produção das lagartas. Foram criadas aberturas circulares na malha de modo a possibilitar a entrada de luz natural em partes específicas do domo, para induzir ou limitar a densidade da trama dos bichos-da-seda. Fig. 116 | Detalhe da diferença de escala da trama artificial e a trama da lagarta. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Fig. 117 | Casulo de bicho-da-seda. Aumentado 25 vezes no microscópio eletrônico. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Fig. 118 | Trama de seda. Aumentado 250 vezes no microscópio eletrônico. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Fig. 119 | Trama de seda. Aumentado 300 vezes no microscópio eletrônico. Fonte: http://matter.media.mit.edu/ 202 Cf. site do grupo para mais imagens e vídeos da pesquisa e do processo de fabricação: http://matter.media.mit.edu/environments/details/silk-pavillion#prettyPhoto 189 Após a definição da geometria do domo e da malha inicial de fios de seda, iniciou-se a fabricação com uma máquina CNC de corte adaptada para trançar os fios nas armações metálicas. Quando a estrutura foi montada e suspensa no lobby do Wyss Institute, as lagartas foram gradualmente posicionadas na sua base para iniciar o processo de confecção da estrutura secundária de seda. À medida que as lagartas entravam no estágio de crisálida, as pupas eram removidas, e uma nova equipe assumia a produção203. A instalação se configura como um sistema praticamente autopoiético, que tanto em sua fase digital/sintética inicial, como na secundária analógica/orgânica, o processo de sua formação segue uma lógica interna própria. A complexidade, a densidade e a direção dos fios da trama biológica, diferentemente da trama sintética, possuem um grau de controle humano baixo, o que torna o sistema não-linear, isto é, o desdobramento do comportamento complexo e errático das lagartas não é previsível, pois a auto-formação do padrão se dá por variação e mutabilidade. A similaridade da lógica do padrão da macro à microescala evidencia a estratégia fractal na base da morfogênese da estrutura: padrão dentro de padrão204. O resultado é um padrão ornamental muito rico e caótico, sem lógica aparente, em que a superfície fina exerce tanto um caráter de fechamento e revestimento, como de estrutura. A delicadeza do processo formativo se revela na configuração final. O projeto-pesquisa, portanto, avança no estudo da tradução digital de processos naturais de estruturas fibrosas não- lineares; na otimização material de superfícies estruturais fibrosas; e ainda abre possibilidades para se pensar condições colaborativas para processos naturais e artificiais serem utilizados simultaneamente na produção do espaço. Uma leitura da relação entre ciência e arquitetura A produção do grupo de Neri Oxman é uma das mais inovadoras atualmente, em que as relações entre arquitetura e ciência têm sido estreitadas. No entanto, os fractais e a 203 Segundo Oxman, as futuras mariposas, que foram levadas de volta ao criadouro, poderiam gerar até 1.5 milhões de ovos, o que significa um potencial de construção de até 250 outros pavilhões. 204 Para uma discussão histórico-científica sobre a relação entre sistemas complexos não-lineares de Lorenz e a morfogênese fractal de Mandelbrot, conferir o capítulo “A Geometry of Nature” do livro de James Gleick, “Chaos: making a new Science”, 1988, p.81-118. 190 teoria do caos têm sido utilizados pelos arquitetos como estratégias de geração da forma desde a década de 1990: o projeto de reforma e expansão do Storey Hall (1993- 1996), em Melbourbe, do escritório Ashton Raggatt McDougall, apresenta superfícies com padrão fractal tanto a fachada principal como o interior do auditório. De modo semelhante, o escritório LAB, também de Melbourne, cria um padrão fractal bidimensional para os planos oblíquos das fachadas do complexo cultural “Federation Square” (1997-2002), que no ponto de acesso de pedestres se transformam em uma estrutura espacial de fractais tridimensionais. O centro de cinemas de Dresden do grupo Coop HImmelb(L)au será um dos primeiros edifícios cristalinos contrsuídos. Trata-se quase de uma drusa de quartzo gigante que brota do chão e acha sua estabilidade em uma posição torta. A estratégia foi criar um bloco reto mas pontudo de concreto para os cinemas e outro multifacetado de vidro que configura o lobby de acesso. Já no projeto para a expansão do Victoria and Albert Museum, em Londres, “The Spiral” (1995), Daniel Libeskind, em parceria com o engenheiro Cecil Balmond (ex-Arup), avança em um pensamento fractal processual para gerar a forma do edifício. Baseado na curva de Koch, o processo envolve a secção de uma superfície comprida e estreita (uma fita) em diversas partes que são dobradas sucessivamente nas suas junções para a formação de uma curva segmentada, mas sem tangentes. O movimento da dobra é de modo geral uma espiral ascendente, mas a inclinação variável dos cortes de Libeskind faz com que, no processo da dobra, os planos que se movimentam de modo descendente intersectem planos já estabelecidos. A complexidade para o conjunto é aumentada pela estratégia de incrustação de um padrão fractal nas superfícies externas apresentando conformações com placas cerâmicas em alto e baixo relevo e em diferentes escalas. O processo não-linear de formação da fita, que segue um procedimento mais ou menos similar para cada peça dobrada, gera uma configuração final caótica, sem ordem aparente. A estratégia de superposição de uma estrutura fractal, fragmentada, em outra será recorrente na obra de Libeskind. 191 Fig. 117 | Storey Hall (1993-1996), Ashton Raggatt McDougall. Fonte: Wikipedia Commons. Fig. 118 | Federation Square” (1997-2002), LAB. Fonte: http://www.architravel.com Fig. 119 | The Spiral (1995), Libeskind Studio + Cecil Balmond Fonte: http://matter.media.mit.edu/ Um dos primeiros arquitetos a relacionar vários experimentos arquitetônicos pós- modernistas com a teoria da complexidade foi Charles Jencks, em 1995, com o livro “The Architecture of the Jumping Universe. A polemic: How Complexity Science is changing Architecture and Culture”. Jencks apresenta e discute os aspectos principais que envolvem os novos campos da ciência – teoria da complexidade (ou dos sistemas complexos), teoria do caos, teoria da catástrofe, física quântica, a nova cosmologia – à 192 luz de certas práticas arquitetônicas contemporâneas: a desconstrução205 (Eisenman, Gehry, Libeskind são discutidos); o high tech (Piano, Rogers e Calatrava são discutidos); a arquitetura orgânica (Goff e Makovecz são discutidos). Jencks, em sua análise, pretende demonstrar como princípios de auto-organização (autopoiesis), auto- similaridade, complexidade, emergência, dinâmica não-linear e dobra estão presentes na linguagem, no processo ou no discurso desses arquitetos. A grande questão de Jencks é mostrar a nova visão de natureza que se revela ao final do século XX a partir dos avanços da ciência – é processual e complexa, mas possui uma ordem universal inerente a todas as coisas – e as consequências estéticas, ecológicas e espirituais206 decorrentes da nova transformação. A base para a discussão ecológica será o conceito de “Gaia” proposto em 1965 por James Lovelock (1919-) e posteriormente, a partir de 1971, co-desenvolvido com a microbiologista Lynn Margulis (1938-2011). Lovelock discutirá a hipótese da qualidade auto-reguladora da Terra a partir da própria dinâmica de seus organismos, isto é, tratar-se-ia de um sistema fechado autopoiético, com suas próprias regras e dinâmicas. A proposta, ampliada e sofisticada, é popularizada com o livro “Gaia: A new look at life on Earth”. Jencks dedica alguns capítulos para a discussão da repercussão das ações do homem no planeta e da necessidade de entendê-lo como um sistema dinâmico complexo, do qual os seres humanos fazem parte. Uma visão ecológica não separa homem e natureza, mas privilegia uma relação cooperativa e harmônica entre os integrantes desse sistema: o homem está na natureza. Desde 2006 Lovelock207 tem apresentado com veemência a dificuldade da humanidade de dissolver o mito do “homem conquistador e dominador da natureza” e como a 205 Jencks evita o termo descontrução em grande parte do texto; geralmente só é utilizado em tom pejorativo, apesar de exaltar a arquitetura de Eisenman, Gehry e Libeskind. Inclusive argumenta que a arquitetura de Libeskind foi caracterizada erroneamente como desconstrutivista; na verdade ela seria uma “arquitetura não-linear” (JENCKS, 1997, p.13), em alusão à geometria fractal de Mandelbrot. 206 Apesar do interesse de Jencks nos desdobramentos espirituais, o livro não dá conta de avançar para além de uma proposta de arquitetura que reconhece na natureza um aspecto criador, uma ordem universal regula, cria e destrói. Sobre a relação entre espiritualidade e as mudanças a partir da emergência da teoria geral dos sistemas, conferir os livros de Fritjof Capra (1939-). 207 Cf. “The Revenge of Gaia: Why the Earth Is Fighting Back – and How We Can Still Save Humanity” (2006); “The Vanishing Face of Gaia: A Final Warning: Enjoy It While You Can.” (2009); e “A Rough Ride to the Future” (2014). 193 natureza tem reagido à excessiva destruição e poluição dos recursos naturais – tissunames, terremotos, furacões, variação da temperatura global, etc. A velocidade com que se destrói é largamente maior que a velocidade que o ecossistema planetário consegue se regenerar. No entanto, o que Lovelock aponta é que na circunstância mais extrema próxima do desequilíbrio o sistema subitamente mudará de comportamento (“ponto-de-virada”)208 – como sugere a Teoria das Catástrofes de René Thom –, a humanidade sucumbirá mas Gaia apenas terá mudado de dinâmica e tenderá a voltar ao equilíbrio. Faz-se necessário, portanto, a construção de uma consciência global ecológica. Nesse sentido, Jencks critica a arquitetura High Tech, em 1995, de Richard Rogers, Renzo Piano, Nicholas Grimshaw e Santiago Calatrava, que passaram a utilizar a metáfora orgânica e apresentam edifícios que pretendem ser “sustentáveis” a partir de seus aspectos tecnológicos, mas estão bem distantes de uma concepção mais holística da ecologia. Na terceira e última parte de seu livro, Jencks apresenta sua proposta para uma “Arquitetura Cosmogênica”, uma que estaria atenta às novas condições ecológicas e à nova Ciência da Complexidade, fundamentando-se nos conceitos de emergência, auto- configuração, complexidade e cosmogênesis. Nesse sentido, ele deixa clara sua aposta na naturalização da cibernética (“cibernética não-mecânica”209) e no potencial da biotecnologia para a criação de condições responsivas e até simbióticas entre ser natureza, ser humano e arquitetura. “Essa é uma segunda natureza que nós construímos a partir de uma nanotecnologia que mimetiza a primeira natureza. As distinções entre nascer [being born] e ser criado [being made] estão desaparecendo, aquelas entre a primeira natureza, cultura e segunda natureza estão se dissolvendo” (JENCKS, 1997, p.165) Ao passo que Jencks é um dos primeiros a catalogar e criar correspondências entre algumas práticas arquitetônicas contemporâneas e os novos direcionamentos da ciência, ele ora o faz de modo preciso, ora forçadamente. A insurgência das formas 208 Cf. os trabalhos do físico Fritjof Capra (1939-), em especial “The Turning Point” (1982), traduzido para o português como “O Ponto de Mutação”. 209 No mesmo ano, 1995, John Frazer publica “An Evolutionary Architecture”, em que expõe um modelo natural para a arquitetura através da cibernética. Gordon Pask escreve a apresentação do livro. Jencks, no entanto, não aprofunda nessa questão. 194 onduladas, fragmentadas/cristalinas, dobradas na arquitetura da pós-modernidade será entendida como representação do conceito de emergência, isto é, do processo cosmogênico. Considerando o futuro para uma arquitetura cosmogênica, Jencks distingue dois modos básicos, mas opostos, de relação que os arquitetos têm estabelecido com a ciência e a natureza, com valores, estratégias e técnicas próprios: “uma foca na substância da questão, a outra na linguagem na qual é criada” (JENCKS, 1997, p.150). Tem-se aí uma divisão simplista e pouco flexível das práticas contemporâneas que pretendem lidar com a condição complexa da natureza210. Um grupo lidaria com um tipo de mimese operacional ou conceitual, enquanto outro grupo lidaria com uma mimese formal. Essas distinções só são claras quanto se tratar de circunstâncias extremas, por exemplo, da arquitetura pragmático-tecnológica que hoje se denomina “sustentável” ou do ultra-formalismo paramétrico, ambos questionáveis do ponto de vista do tipo e do grau de relação com a ecologia, o sítio ou contexto, a comunidade local. Como as linguagens são muito diversas, assim como o modo e o grau de imbricação dos conceitos nos projetos, é difícil categorizar as práticas por critérios que se sobrepõem: o processo, que inclui o operacional e o conceitual, geralmente tem uma forte repercussão na linguagem. Jencks (1997, p.100) reconhece as prerrogativas “ecológicas e cósmicas” e as implicações fenomenológicas da arquitetura orgânica e dá importância ao legado de Antoni Gaudí, Frank Lloyd Wright e Rudolf Steiner. É comum aos arquitetos da linhagem orgânica, também influenciados pelas filosofias naturalistas do século XIX, o reconhecimento da natureza como fonte de sabedoria exigiu uma posição de respeito – em diversos níveis – que era refletida na produção arquitetônica. Sem dúvida, a necessidade do homem de mimetizar a natureza na arquitetura e na arte sempre esteve presente. Os desdobramentos orgânicos ao longo do século XX, em sua maioria, tinham um fundamento fenomenológico que os impelia filosoficamente a buscar as origens, as essências das coisas da natureza e da vida. Essa condição espiritual se 210 Para um panorama histórico da relação de mimese entre arquitetura e natureza, cf. STEADMAN, Philip. “The evolution of designs: biological analogy in architecture and the applied arts”, 1979. Para uma discussão sobre os modos de relação entre arquitetura, natureza e as ciências da complexidade, cf. GRILLO, Antônio C. D. “La Arquitectura y la Naturaleza Compleja: arquitectura, ciencia e mímesis a finales del siglo XX”, 2005 (Tese Doutorado | UPC (Universitat Politècnica de Catalunya.) 195 manifestava em uma arquitetura com fortes vínculos com o lugar e a natureza (muitas vezes entendida como cosmos), de modo que as formas e os materiais possibilitassem a conformação de atmosferas que criassem empatia. A arquitetura orgânica contemporânea211, segundo David Pearson212 (2001), tem sido inspirada pelos escritos de Fritjof Capra e de James Lovelock, assim como pelas novas dimensões morfogenética e evolucionária abertas pela Teoria do Caos e pela Teoria dos Sistemas Complexos Auto-organizados. De modo distinto, Jencks (1997; 2002) posiciona Peter Eisenman como o principal tradutor das ciências emergentes para a arquitetura, fundamentalmente pelo uso de artifícios como auto-similiaridade, variações escalares e superposições – vinculados à teoria dos fractais –; não-linearidade, evento e dobra – atribuídos a teoria das catástrofes –, dentre outros ligados à linguística e à psicanálise. Sem dúvida, o interesse de Eisenman por uma ciência que desafia e desestabiliza as visões clássicas da natureza e a supremacia da geometria euclidiana enquanto limite da matemática espacial é congruente com seu projeto de disjunção para a arquitetura. Em contraste como os códigos prescritivos da arquitetura clássica e da geometria cartesiana do modernismo, o uso generativo das geometrias hoje pode ser entendido no contexto do desenvolvimento de nosso entendimento da natureza e dos sistemas biológicos. O “On the Growth of 211 Cf. Edição da AD (Architectural Design) “Organic Architecture” (nov/dez 1993, no. 106) editado por Maggie Toy; PEARSON, David. “New Organic Architecture: the braking wave”, 2001. Jencks não chega a citar muitos nomes, mas os expoentes da arquitetura orgânica contemporânea ainda em atividade são: Kendrick Bangs Kellogg (americano, 1934-), Bart Prince (americano, 1965-), Arthur Dyson (americano, 1940-), James Hubbel (americano, 1931-), Drew Hubbel (americano, s/d), John Covert Watson (americano, 1929-), Eugene Tsui (americano, 1954-), Mickey Muennig (americano, 1926-), Herb Greene (americano, 1929-), Douglas Cardinal (canadense, 1934-), Fabrizio Carola (italiano, 1931-), Balkrishna V. Doshi (indiano, 1927-), Sym van der Ryn (holandês, 1935-), Gregory Burgess (australiano, 1945-), Jacques Gillet (belga, 1931-), Peter Zumthor (suíço, 1943-), Javier Sonosiain (mexicano, 1948-). Seguem alguns dos principais arquitetos orgânicos que faleceram a partir do ano 2000: Friedensheich Hundertwasser (austríaco, 1928-2000), Buno Zevi (italiano, 1918-2000), Paolo Soleri (italiano, 1919- 2013), Imre Makovecz (húngaro, 1935-2011), Charles Correa (indiano, 1930-2015), Ababt Raje (indiano, 1929-2009), Laurie Baker (inglês-indiano, 1917-2007), Kathryn Findlay (inglesa, 1953-2014), (Geoffrey Bawa (sri-lanquês, 1919-2003), Erik Asmussen (dinamarquês, 1913-1998), Vitor Ruivo Forte (português, s/d – 2006), Daniel Liebermann (americano, 1931-2015), Malcolm Wells (americano, 1926-2009). 212 Pearson (1943-) é um arquiteto britânico pioneiro nos estudos sobre ecologia. É diretor da empresa de consultoria Gaia Environments e fundador da Ecological Design Association (EDA). Outros livros importantes do autor são: “The Gaia Natural House Book: Creating a Healthy and Ecologically Sound Home”(2000) e “In Search of Natural Architecture” (2005). 196 Forms in Nature”213 de D`Arcy Thompson foi uma compilação de organizações formais orgânicas que influenciaram uma geração inteira de arquitetos, começando por Le Corbusier na década de 1920, que viu nesses organizações conhecidas uma condição natural que poderia ser espelhada nas formas feitas pelo homem. Nosso entendimento de natureza hoje não se corresponde mais com esses padrões facilmente reconhecíveis. Organizações naturais como avalanches e placas tectônicas, nuvens e linhas costeiras são tidas como organizações dinâmicas que involvem formas em uma constante variação em espaço-tempo. Essas “novas naturezas” – novos sistemas codificados que agora podem ser modelados no computador – formam a energia básica por trás de nosso projeto em Santiago [Ciudad de la Cultura de Galicia] (EISENMAN, 2007, p.150)214. O que Jencks escolhe omitir é peso que a filosofia e a arte assumem no discurso de Eisenman. Trata-se de uma estratégia retórica de legitimação da proposta de “arquitetura cosmogênica” unicamente pela convergência com as principais questões das ciências da complexidade. Jencks não reconhece em Eisenman os conceitos derivados de Derrida – “arche-writing” (writing architecture, arquitetura como escrita, escritura), traço (trace, tracing), espaçamento (spacing), fragmento (la brisure, dobradura, dobra-junta)215, diferença, repetição (iteração, scaling) – nem a transposição que o arquiteto faz do “método” desconstrutivo, disposto em “Gramatologia”, para seu processo. O que a desconstrução tem em comum com a teoria do caos é o desejo de romper os limites dos sistemas clássicos, abrindo-os a novos modos de análise em que informação é criada, mais que conservada. Pelo deleite na crescente complexidade dos resultados desse processo “científico”, os dois discursos inverteram prioridades tradicionais: o caos é considerado mais profícuo que a ordem, a incerteza é privilegiada em detrimento da previsibilidade, e a fragmentação é vista como a realidade que definições arbitrárias de unidade negariam (HAYLES, 1991, p.176). O problema que Jencks encontraria em um cruzamento direto da desconstrução de Derrida com sua proposta holística é exatamente a crítica mais persistente no discurso de Eisenman: aquela contra uma metafísica da presença. Da mesma maneira, não há o reconhecimento das noções derivadas de Deleuze – diferença, repetição, espaço liso, dobra, afeto, diagrama, o figural [de Lyotard]. A busca por uma arquitetura não- 213 O título do livro de Thompson foi citado incorretamente: trata-se de “On Growth and Form”, original de 1917. 214 Texto de Eisenman “Digital Scrambler: From Index to Codex”, publicado na revista Perspecta 35: p.40- 53, da Universidade de Yale. 215 Cf. DERRIDA. Of Grammatology. 1997, p. 65-68. 197 representacional, em contraposição a uma metafísica da presença, faz a aposta de Jenkcs ser equivocada considerando seus fins fenomenológicos. De outro modo, a aproximação entre filosofia e as ciências da complexidade poderiam ser interessantes, como aponta N. Katherine Hayles (1943-), em “Chaos Bound: orderly disorder in contemporary literature and Science”, publicado originalmente em 1990. Para Hayles (1991), as novas formulações nos mais variados campos do conhecinhecimento são culturalmente condicionadas, possuindo assim bases e questionamentos semelhantes216. No entanto, o mérito de Jencks possui no mínimo três dimensões: a delimitação do paradigma da ecologia e da natureza complexa convoca os arquitetos a construirem posições mais interessadas e responsáveis com relação à produção do espaço; a empreitada de alargamento do campo da arquitetura em direção às ciências emergentes; e as tentativas de evidenciar, em especial pelas suas publicações subsequentes217, a necessidade da criação de condições disciplinares mais porosas, para haver transações epistemológicas novas entre horizontes afins, de modo a gerar modos críticos e criativos para lidar com as complexidades do futuro. 216 Já em 1979, Jean-François Lyotard, em “La Condition postmoderne: rapport sur le savoir”, discutia relações entre a mudança de posição das ciências em relação à produção de conhecimento com o desenvolvimento da noção de instabilidade. Cf. capítulo 13: Postmodern Science as the Search for Instabilities (LYOTARD, 1984, p.53-59.) 217 “New Science = New Architecture?”, edição da AD, nov. 1997, “The New Paradigm in Architecture: the Language of Post-Modernism”, de 2002. 198 CAPÍTULO 8 - O PARADIGMA BIOLÓGICO Apesar de o movimento figural e o padrão configuracional não serem necessariamente “naturais”, eles certamente não nos são estranhos. Tal comportamento das figuras não mimetiza o movimento do homem ou do animal, nem o padrão de configurações mimetizam estruturas cristalinas ou biológicas, contudo existe uma simpatia fundamental entre os dois (SPUYBROEK, 2011, p.60). Dobra e Topologia Um dos primeiros esforços em superpor arquitetura, ciência e filosofia no âmbito dos novos processos morfológicos e topológicos na arquitetura contemporânea foi a publicação da revista AD (Architectural Design) com o tema “Folding in Architecture”, editorada pelo arquiteto Greg Lynn218 em 1993. A edição teve a contribuições dos filósofos Gilles Deleuze e John Rajchman e dos arquitetos Jeffrey Kipnis, Peter Eisenman, Frank Gehry, Stephen Perrella e Philip Johnson. A importância e o impacto desse número da revista foram tão grandes que teve sua reedição em 2004 com notas introdutórias de Lynn e Mario Carpo. No texto de Lynn para a primeira edição, “Architectural Curvilinearity: The Folded, the Pliant, the Supple” – “Curvilinearidade Arquitetônica: o dobrado, o maleável e o flexível” –, autor posiciona a estratégia “lisa” da dobra como alternativa tanto às abordagens desconstrutivistas e contextualistas, que atuariam por conflito, contradição e fragmentação (mas de modos distintos), como às regionalistas e classicistas, que pretenderiam criar um sentido de unidade no tecido urbano – uma através da intereptação das condições culturais, tecnológicas e topográficas locais; a outra por meio de análises históricas para uma continuidade de linguagem. Lynn é enfático em distanciar os novos experimentos dobrados do desconstrutivismo; a nova a arquitetura não tem nenhuma pretensão de fragmentação e nem de unidade, mas um caminho intermediário. As três qualidades que Lynn elenca em seu título são importantes: a nova arquitetura é flexível – “se adapta ou responde rapidamente a novas situações”, “pode ser flexionada ou dobrada sem marcas, fissuras ou rupturas” (LYNN, 2004, p.26) –; é maleável – “é facilmente influenciável” e “se acomoda 218 Atualmente, Lynn é professor na Universidade de Artes Aplicadas de Viena, na Escola de Artes e Arquitetura da Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA) e professor visitante na cadeira “Davenport” da Escola de Arquitetura da Universidade de Yale. 199 facilmente a diferentes circustâncias” (LYNN, 2004, p.27) –; e é dobrada – “se entrelaça”, acomoda camadas flexíveis suavemente, de modo mais ou menos heterogêneo e com graus diferentes de intensidade (LYNN, 2004, p.25). As características que Lynn discute pretendem ser tanto da forma final como do processo de sua formação. O ponto de partida do arquiteto, como discípulo de Eisenman, é a filosofia de Deleuze que recupera uma discussão topológica da forma a partir de Leibniz, mas ciente da complexidade proposta nos modelos de Thom e Mandelbrot. Uma das preocupações de Lynn quanto ao futuro dessa arquitetura topológica é o modo da apropriação do conceito deleuziano: São precisamente as manipulações formais do dobramento que são capazes de incorporar forças e elementos externos multidobrados dentro da forma, mas Le Pli certamente corre o risco de ser transposto para a arquitetura como mera figura dobrada. Na arquitetura, as formas dobradas estão sujeitas a se tornar um sinal de catástrofe. O sucesso dos arquitetos que usam o dobramento não deveria se basear em sua habilidade de representar formalmente a Teoria da Catástrofe. Pelo contrário, as geometrias topológicas, em conexão com os eventos prováveis que elas modelam, apresentam um sistema flexível para a organização de elementos díspares dentro de espaços contínuos. No entanto, esses sistemas lisos são altamente diferenciados por cúspides ou zonas de copresença (LYNN In SYKES, 2013, p.44). É interessante observar que a intenção de se distinguir da completa desassociação ou da unidade leva à proposição uma arquitetura que é flexível e maleável o suficiente para se adequar a qualquer programa, sítio, contexto a partir de uma estratégia morfológica que dobra e desdobra, que conforma e é conformada, e cuja forma resultante não está fragmentada mas também não é unitária nem homogênea. Não há partes propriamente, mas dobras dentro de dobras e desdorbadas em outras ainda. Não há hierarquização de todo e parte. A forma é contínua, é continuidade, mas se diferencia do entorno, mesmo quando uma “landform”219. Uma arquitetura que é articulação e diferença. Apesar de Lynn querer se distanciar da desconstrução, talvez pela tradução radical do fragmento que os arquitetos realizaram, para Derrida (1997), 219 Eisenman (2007, p.37), em “Vision`s Unfolding”, considera a “land art” de Robert Morris, Michael Heizer e Robert Smithson como fundamentais e inspiradores para uma arquitetura que pretende surgir da dobra. Muitos arquitetos a partir da década de 1990, como Zaha Hadid, Rem Koolhaas, Tadao Ando, Charles Jencks, Morphosis, Enric Miralles, Mecanoo, BIG, dentre outros – além de arquitetos orgânicos como Hundertwasser, Javier Senosiain, Paolo Soleri, Malcolm Wells – interpretaram a “land art” com propostas de arquiteturas parcial ou totalmente enterradas ou como continuidades do sítio. Cf. “Landform Building: Architecture's New Terrain”, livro editado por Stan Allen e Marc McQuade, de 2011. 200 o fragmento e a dobra se aproximam pelo duplo sentido do termo “brisure”. Na tradução para o inglês de “De la grammatologie”, realizada pela crítica literária indiana Gayatri Chakravorty Spivak220 (1942), “brisure” é “hinge”, dobradiça221. Brisure é simultaneamente fratura, rompimento, separação, fragmento e junção: “articulação em dobradiça de duas partes de feitas de madeira ou metal. A dobradiça, as fendas [junção-dobrável] de uma persiana” (LAPORTE Apud DERRIDA, 1997, p.65). Origem da experiência do espaço e do tempo, esta escritura da diferença, este tecido do rastro permite à diferença entre o espaço e o tempo articular-se, aparecer como tal na unidade de uma experiência (...). Portanto, esta articulação permite a uma cadeia gráfica (“visual” ou “tátil”, “espacial”) adaptar-se, eventualmente, de forma linear, sobre uma cadeia falada (“fônica”, “temporal”). É da possibilidade primeira desta articulação que cumpre partir. A diferença é a articulação (DERRIDA, 2004, p.80). Assim, a noção de “brisure” de Derrida se aproxima do “pli” de Deleuze: (...) a dobra ideal é Zwiefalt, dobra que diferencia e que se diferencia. Quando Heidegger invoca o Zwiefalt como o diferenciante da diferença, ele quer dizer, antes de mais nada, que a diferenciação remete não a um indiferenciado prévio mas uma Diferença que não para de desdobrar-se e redobrar-se em cada um dos dois lados [interior e exterior], Diferença que não desdobra um sem redobrar o outro em uma coextensividade do desvelamento e do velamento do Ser, da presença e do retraimento do ente. A “duplicidade” da dobra reproduz-se necessariamente dos dois lados que ela distingue, lados que ela relaciona um ao outro ao distingui-los: cisão em que cada termo relança o outro, tensão em que cada dobra é distendida na outra (DELEUZE, 1991, p.58-59). Por isso, foi natural para alguns desconstrutivistas – Eisenman, Gehry, Hadid – transladarem do fragmento para a dobra tanto em forma como em formação. A forma curva, de topologia complexa. Mario Carpo, em sua nota introdutória para a segunda edição de 2004 de “Folding in Architecture”, “Ten Years of Folding”, explica como em dez anos a cultura arquitetônica contemporânea assimiliou a dobra como um dos seus 220 É Professora da Columbia University, uma das fundadoras do Institute for Comparative Literature and Society. 221 Na edição brasileira, os tradutores Miriam Chnaiderman e Renato Janine Ribeiro optaram por traduzir “brisure” de modo aportuguesado: “brisura”. Para a discussão aqui, o termo em inglês foi escolhido como mais adequado. A dobradiça conecta e separa a porta do marco, do vão. A porta é elemento solto, um fragmento, que pela junção da dobradiça, não só ela se junta ao resto da construção, mas ainda lhe é possibilitado um movimento. Esse movimento é também articulador: graus de abertura ou fechamento de espaços, de visibilidade, de plenitude da superfície ou do vazio, de unidade ou fragmentação conforme sua configuração. A porta e seu movimento configuram relações entre interior e exterior. 201 modos operacionais fundamentais. Carpo nega a possibilidade de uma relação causal direta entre o avanço das tecnologias digitais e das geometrias complexas, mas acredita que apenas uma interação dialética entre sociedade e tecnologia poderia configurar condições para mudanças nos graus e modos das relações sociais ocorrerem em concomitância à ciência e à filosofia. No caso do fenômeno da dobra, o computador ou os softwares por si mesmos não determinaram nem o surgimento, nem a permanência desse modo de projetação e concepção de arquitetura. É certo que a sua evolução hoje ocorre simultaneamente à das tecnologias digitais. (...) os computadores per se não impõem formas, nem articulam preferências estéticas. Pode-se usar os computadores para fazer caixas ou dobras, indiferentemente. Na verdade, a história que nós temos traçado indica que a teoria da dobra criou uma demanda cultural para o design digital e de um ambiente propício para ele. Consequentemente, quando ferramentas de design digital tornaram-se disponíveis, elas foram abraçadas e adotadas – e imediatamente postas em uso para processar o que muitos arquitetos na época precisavam e desejavam: dobras (CARPO In LYNN (ed), 2004, p.16). A abrangência da cultura arquitetônica atualmente possui um caráter ubíquo, uma vez que de qualquer dispositivo conectado à internet é possível descobrir as produções mais recentes de arquitetos nos mais varidados contextos e com as mais variadas experiências. Já na década de 1970, Peter Cook discutia a universalidade de certas ideias e tecnologias e de como elas poderiam ser aceitas em circunstâncias distintas. A disponibilidade e o compartilhamento dos experimentos e a possibilidade de criação de redes colaborativas expandiu o alcance das inovações. A hipótese de Cook sobre o processo de influência e transmissão de novas ideias é interessante: Isso [a ubiquidade da informação] explica a crescente pressão de todas as direções para comunicar em papel ou pela fala ou pela imitação. Os estudantes de arquitetura, que frequentemente passam a ter contato com aqueles que fazem os experimentos (praticamente todos os mencionados nesse livro [Experimental Architecture] estão envolvidos de algum modo com ensino de arquitetura), são possivelmente o elementos mais potente aqui (COOK, 1970, p.70). Atualmente, tanto o contexto cultural arquitetônico quanto a iniciativa de um sujeito ou grupo podem ativar um movimento na direção que se quiser. A repercussão da novidade dependerá do grau de abertura do corpo docente acadêmico, do entusiasmo 202 do corpo discente e, dependendo das dificuldades encontradas, de resiliência por parte do experimentador. Cook já identificava alguns centros importantes – Áustria, japão, Itália, Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha – em que a experimentação encontrou espaço e que atualmente são referência para a cultura arquitetônica – sobretudo no estudo sobre parametricismo e morfogênese, fabricação digital e novas materialidades, novos discursos estéticos. Atualmente, os centros estão espalhados pelo mundo e muitos estão contectados em trabalhos colaborativos, o que indica a tendência de expansão, internacionalização e adaptação de processos, tecnologias e ideias simultaneamente em escalas locais e globais. Assim, a hipótese que aqui se discute é a origem do ímpeto contemporâneo pela ornamentação estar em um desejo reprimido que toma corpo e presença à medida que as posições antimodernistas vão se fortalencedo – do Art Nouveau, pela Arquitetura Orgânica e Expressionista, pelo Team X, e na pós-modernidade com o Historicismo, o Contextualismo, o Regionalismo Crítico, o Desconstrutivismo. Essa progressão, em conjunto, despertou uma necessidade de liberação, cujo ápice e maior excesso estão na exuberância ornamental atual. Como o historiador Mario Carpo (2004) argumentou, trata-se de uma confluência de fatores culturais, sociais, tecnológicos para a formação de uma agenda para a arquitetura. Inclusive, Carpo explica a relevância da publicação, na edição original, do primeiro capítulo de “The Fold” de Deleuze, lançado em inglês poucos meses antes, como um fundamento e uma inspiração para os arquitetos. No entanto, dez anos depois, o segundo capítulo do livro parece-lhe mais relevante, pois discute a geometria fractal de Mandelbrot, as transformações catastróficas de Thom, a matemática de Leibniz e propõe novos estatutos para o objeto (objéctil) e para o sujeito (superjecto) a partir de Nietzsche e Whitehead. As palavras-chave do capítulo são variações, pontos-de-vista, singularidades. Essas serão questões que os arquitetos terão que confrontar independente da filiação de suas prerrogativas ao pensamento de Deleuze. Objéctil é o nome que o filósofo deu aos experimentos que Bernard Cache, seu conterrâneo, estava fazendo sobre parametrização de objetos com superfícies de curvas variáveis, mas que seguiam um mesmo modelo matemático, cuja fabricação 203 pretendia ser em escala industrial mas de um modo não-padrão, isto é, poder-se-ia confeccionar infinitos objetos semelhantes, com superfícies variáveis, em uma mesma linha de produção, todos com o mesmo custo operacional. Esses objetos são “declinações de superfícies paramétricas”222. (...) há uma série de curvas que não implicam somente parâmetros constantes para cada uma e para todas, mas a redução das variáveis a “uma só e única variabilidade”da curva tocante ou tangente: a dobra. O objeto já não se define por uma forma essencial, mas atinge uma funcionalidade pura, declinando uma família de curvas enquadradas por parâmetros, inseparável de uma série de declinações possíveis ou de uma superfície de curvatura variável que ele próprio descreve. Denominemos objéctil esse novo objeto. (...) É uma concepção não só temporal mas qualitativa do objeto, visto que os sons, as cores, são flexíveis e tomados na modulação. É um objeto maneirista e não mais essencialista: torna-se acontecimento (DELEUZE, 2011, p.38-39). Deleuze e Cache delimitam, portanto, o novo estatuto do objeto na era digital: ele é múltiplo, variável a cada ponto de vista que o encontra, que o faz. A formação da forma não é mais um processo linear, pois os processos também são múltiplos. Um mesmo objeto pode ser feito de infinitas maneiras, de modo que ele nunca será o mesmo objeto, mas uma variante na sua família. Para Deleuze (2011, p.14), “o múltiplo é não só o que tem muitas partes, mas o que é dobrado de muitas maneiras”. Além das experimentações seminais de Eisenman, dentre os projetos pioneiros da era digital que utilizaram a dobra como fundamento espacial, e já extensamente discutidos em diversas publicações, os principais foram: a residência para Peter Lewis223 que não foi construída (Lyndhurst, Ohio, 1985-1995), o Museu Guggenheim (Bilbao, 1992- 1997), o Experience Music Project (Seattle, 1995-2000), a sala de conferência do Banco 222 Cache, Bernard. Architecture Words 6: Projectiles (Kindle Location 255). Architectural Association. Kindle Edition. 223 A casa para Peter Lewis, apesar de não ter sido construída, é particularmente importante, pois é o primeiro experimento de Gehry com uma estética intestinal, amorfa, e que será definidor de um processo de projeto que envolve: (1) a confecção de protótipos físicos altamente complexos – muitas vezes utilizando técnicas de escultura –, (2) sua digitalização – inicialmente utilizando o sistema FARO, que digitaliza objetos por pontos marcados por um braço pantográfico com um sensor preciso, que hoje já foi substituído por sistemas de escaneamento digital mais rápidos e sofisticados –, (3) sua manipulação no software CATIA, (4) a parametrização da lógica estrutural para geração das peças a serem fabricadas e elaboração de planilhas de custo, (5) a produção de novo protótipo por meio digital para discussão e auxílio na obra, (6) fabricação do edifício. Atualmente, esse processo tem sido largamente utilizado entre os arquitetos. 204 DZ (Berlim, 1995-2001) de Frank Gehry; o pavilhão interativo HtwoOexpo, Fresh Water Pavilion, (Neeltje Jans Island, Holanda, 1997-1998) (com ONL – Oosterhuis), a instalação Wet Grid (Musée des Beaux-Arts, Nantes, 1999-2000) de Lars Spuybroek (NOX); Möbius House (het Gooi, Holanda, 1993-1998) de Ben van Berkel (UN STUDIO); Yokohama International Port Terminal (Japão, 1995-2002) de Farshid Moussavi e Alejandro Zaera-Polo (Foreign Office Architects, FOA); o projeto experimental “Stranded Sears Tower” (Chicago, 1992), a proposta para o concurso do Yokohama International Port Terminal (Japão, 1994), a proposta para o concurso a Cardiff Bay Opera House224 (País de Gales, 1994) e o projeto experimental “Embryological House” (1997-2001) de Greg Lynn também foram influentes pelas suas publicações. Fig. 120 | Lewis Residence (Lyndhurst, Ohio, 1985-1995), Gehry. Fonte: Philadelphia Museum of Art, http://www.philamuseum.org/. Fig. 121 | Fresh Water Pavilion (1997-1998), NOX + ONL. Fonte: http://vaa.onl/ Fig. 122 | Yokohama International Port Terminal (Japão, 1995-2002), FOA. Fonte: http://www.archello.com/en/project/yokohama-international-port-terminal Fig. 123 | Stranded Sears Tower (Chicago, 1992), Greg Lynn FORM. Fonte: http://glform.com/ 224 Esse é um projeto interessante pois é muito clara a influência, na proposta de Lynn, da arquitetura amorfa que Gehry estava desenvolvendo. Mais interessante ainda é o fato de Zaha Hadid ter vencido a competição com um projeto esteticamente mais simples – há época Hadid ainda era mais angular que orgânica – que foi embargado pela prefeitura e pelo órgão nacional de patrimônio –pela falta de apoio político, o projeto foi citado na mídia como elitista e feio – com o argumento da incerteza sobre custos e construção. Nesse sentido, a revolução iniciada por Gehry passou a se alastrar, uma vez que possibilitava responder pragmaticamente os anseios da indústria da construção e dos clientes, evitando a não construção de estruturas que “pareciam” caras ou impossíveis de serem realizadas. 205 Greg Lynn, em sua introdução à segunda edição de “Folding in Architecture” recupera o termo que melhor explica não só seu modo de trabalho até então (2004), mas a tendência que se observa nos trabalhos de Michael Hansmeyer e Benjamin Dillenburger (Digital Grotesque), de Hernan Diaz Alonso e Neri Oxman, por exemplo, que é “intricacy”, de intrincado, complicado. Para Lynn (2004) trata-se de um novo modelo de conectividade em que elementos distintos em diversas escalas são configurados em continuidade, gerando um todo coeso, mas cujas partes mantêm seu caráter singular. Essa intrincação implica variação na unidade, variação que gera multiplicidade. Nesse sentido, esse modo de conceber espaços e objetos de arquitetura e design se torna altamente ornamental, pois pretende deslocar a noção tradicional de detalhe enquanto uma singularidade aplicada a um ponto discreto, específico, em um contexto maior. Ecoa aí a noção fundamental de Deleuze (2011, p.18), lançada no primeiro capítulo de “Le Pli”, da qualidade “molar” da matéria, de ser “sempre uma dobra na dobra, como uma caverna na caverna” que, por sua vez, reflete os novos entendimentos da física quântica: da existência de configurações cada vez menores a nível subatômico, tese atualmente suportada pela Teoria das Cordas225. (...) torna-se evidente que o mecanismo da matéria é a mola. Se o mundo é infinitamente cavernoso, se há mundos nos menores corpos, é porque há “molabilidade por toda parte na matéria”, o que dá testemunho não só à divisão infinita das partes mas também da progressividade na aquisição e perda do movimento, realizando-se, ao mesmo tempo, a conservação da força. A matéria-dobra é uma matéria-tempo, (...). Em resumo, uma vez que dobrar não se opõe a desdobrar, trata-se de tender-distender, contrair- dilatar, comprimir-explodir (...) (DELEUZE, 2011, p. 19-20). 225 Basicamente, a Teoria das Cordas elimina a noção de que elementos fundamentais da matéria são partículas (pontos sem dimensão) e lança a hipótese de elementos unidimensionais topológicos, semelhantes a cordas, como as estruturas básicas. Mas essa teoria não se limita ao infinitamente pequeno, mas possui desdobramentos para o infinitamente grande: espera-se unificar a Teoria da Relatividade com a Teoria Quântica em uma mesma estrutura matemática, algo como uma teoria de tudo. 206 Fig. 124 | Casa Embriológica. Fonte: http://glform.com/ Fig. 125 | Variação de casas embriológicas. Fonte: http://glform.com/ Fig. 126 | O museu embriológico: Kunsthaus Graz, Peter Cook + Colin Fournier (1999-2003) Fonte: Wikipedia Commons. Assim, Greg Lynn desenvolve esse modelo de conectividade atráves do que nomeou “Blob Architecture”, bem explicado pela série de estudos de casas “embriológicas” desenvolvidas entre 1997 e 2001, em que uma forma embrionária assume diversas configurações finais a partir de processos morfogênicos distintos. Trata-se de uma arquitetura organicamente animada, que utiliza softwares decriação de animações e personagens animados, permitindo a manipulação da forma de modo livre ou paramétrico. A forma base é chamada de “meta-clay” ou “meta-ball”, no caso de Lynn, “blob”, e pela metáfora da argila (“clay”) a forma é moldável e virtualmente infinitamente divisível ou multiplicável. Os experimentos foram ficando cada vez mais sofisticados nos seus parâmetros programáticos, climáticos, topográficos e de habitabilidade, o que possibilitou testar obcessivamente o limite dos graus de 207 maleabilidade e adaptabilidade da forma, sem perder sua coesão e fluidez, e a variabilidade das configurações estruturais-construtivas específicas. A plicação envolve o dobramento incorporador de forças externas. A complicação envolve uma reunião intrincada dessas particularidades extrínsecas formando uma rede complexa. Em biologia, um embrião se dobra sobre si mesmo à medida que se torna mais complexo. Complexar-se ou tornar-se complicado é estar envolvido em múltiplas conexões complexas e intrincadas (LYNN In SYKES, 2013, p.38). Morfogênese As propostas de Lynn pretendem ser mais que representações da dobra. Como prefere Deleuze, a dobra é usada como método. Nesse sentido, o método da dobra é o da formação: a forma não é pronta, não é estática, não é unívoca. Para entender e desenvolver esse método e espessar seu estofo teórico-prático, o arquiteto desviou para os campos da topologia e da morfogênese natural. Com as subsequentes traduções para a arquitetura e as transposições metodológicas para a esfera digital, suas investigações passaram a exibir tanto configurações amórficas como biomórficas altamente sofisticadas, como no projeto não construído do “The Ark of the World”, de 2003, – um museu de história natural e centro de apoio aos visitantes do Parque Nacional de San Juan, Costa Rica –, ou ainda na proposta para o concurso “Atlantis Sentosa Resort”, de 2008 – um complexo de edifícios e espaços de lazer turístico na Ilha Sentosa, Singapura. Paralelamente, testes na escala do corpo foram realizados a partir de instalações como a “Predator” (Wexner Centre for the Arts, 1999), uma da série que fez em conjunto com o artista argentino Fabian Marcaccio (1963-), que se configura como um objeto- ambiência com aspecto viscoso, placentário, cuja geometria topológica amorfa pode ser adentrada. O espaço foi concebido, modelado e fabricado digitalmente: sua pele é feita de 500 painéis de geometria variável de plástico rígido translúcido, que foram cortados por máquina de corte CNC, moldados por técnica de prensagem à vácuo e montados na galeria. Os painéis adiquiram suas cores pela inscrição digital de pinturas de Marcaccio à forma, e quando reunidos criam uma composição complexa e de apelo 208 visceral. A estrutura montada torna-se autoportante, fundamentalmente pela rigidez estrutural que os painéis assumem pelas suas ranhuras e também pelos pliçamentos e pregueamentos que Lynn faz na superfície da obra, criando espaçamentos estreitos e vazados como costelas e protuberâncias internas semelhantes a cartilagens. A dimensão construtiva e a estética estranhamente biológica da instalação reverberam o “objectile” de Deleuze e Bernard Cache: a obra é conformada por variação da singularidade e exige, pela sua presença e força, a construção de pontos de vista por quem experimenta o espaço. Fig. 127 | Predator. Lynn + Marcaccio (1999). Fonte: http://glform.com/ Essa exigência que se faz do corpo sempre foi o fundamento primeiro da arquitetura de Zaha Hadid (1950-2016), uma das arquitetas que mais estimulou e divulgou o papel crítico e propositivo da arquitetura experimental. O seu trabalho de gradução na London Architecture Association, “Malevich's Tektonik”, entre 1976 e 1977, é estudo especulativo que parte dos experimentos arquiteturais que o artista russo Kazimir Malevich (1878-1935) começou a realizar a partir de 1919, denominados “Architektons”. Esse projeto de Hadid será representativo dos principais problemas 209 que ela se colocará ao longo de sua trajetória. A pintura suprematista de Malevich era caracterizada por composições oblíquas, assimétricas e dinâmicas, configurando-se excessiva em relação à obcessiva ordem ortogonal e cromática das abstrações neoplasticistas. O dinamismo, as sobreposições de formas e cores de pesos distintos e as linhas de força pretendiam criar composições menos cerebrais, não-objetivas, para instaurar uma supremacia da emoção226. Os “Architektons” eram espécies de protótipos de gesso cuja investigação espacial-compositiva se baseava em operações de montagem, sobreposição e adição de paralelepípedos de dimensões variadas. Malevich (In CONRADS, p.87) estava interessado em uma arquitetura que se distanciasse do ecletismo e do classicismo, “uma arquitetura não-colunar”. As propostas possuiam dinamismo compositivo – com ritmo e variação escalar das massas e dos vazios – e algumas montagens exibiam grande complexidade. A pré- condição de ausência de colunas levou a experimentações com peças em balanço, muitas vezes contribuindo para o aumento da tensão espacial nas composições horizontais. Faltava aos “Architektons”, no entanto, a dimensão oblíqua227 que as pinturas bidimensionais possuíam. Havia a pretensão que essas novas arquiteturas possibilitassem novas relações para a vida contemporânea e criassem condições para novos modos de engajamento228. O projeto “Malevich's Tektonik” pretendeu confrontar a metodologia espacial-compositiva suprematista com as necessidades espaciais complexas de um hotel de quatorze andares e os desafios de conectividade impostos pela implantação do edifício na estrutura da Hungerford Bridge, em Londres – uma ponte para trens, mas com passagens estreitas para pedestres, com estrutura robusta em aço, que liga a estação Charing Cross e a Londres do século XIX à região de South Bank. Hadid teve também a intenção de testar o tektonik para a criação de novas possibilidades para espaços interiores. Será a partir desses desafios gerais e do mote da supremacia da emoção que Zaha Hadid irá construir sua prática e seu discurso. 226 Cf. MALEVICH In CONRADS, 1975, p.87-88. 227 Nesse sentido, vale conferir os “relevos de canto” de Vladimir Tatlin (1885-1953), as esculturas espaciais de Naum Gabo (1890-1977) e Alexander Rodchenko (1891-1956), e considerar a influência que tiveram para a arquitetura desconstrutivista. 228 Cf. MALEVICH In CONRADS, 1975, p.87-88. 210 As qualidades de conectividade do edifício com o solo e a fluidez espacial interior, que instiga o movimento dos corpos para exploração do espaço, só serão atingidas com plenitude nos seus projetos cujo desenvolvimento da forma se dá de modo mais orgânico. O impressionante projeto para o MAXXI, Museo nazionale delle arti del XXI secolo, em Roma (1999-2009) já exibia esses atributos. No entanto, será a partir da instalação “Ice Storm”, realizada em 2003 no Museu Austríaco de Artes Aplicadas (MAK, Viena), que seus experimentos tomarão o rumo da topologia complexa e da parametrização dos processos morfogenéticos da forma. “Ice Storm” é considerada por Hadid e Patrik Schumacher (2012) como um manifesto construído. Trata-se de uma ambiência que sugere a interioridade de uma moradia, apresentando massas amorfas, fluidas, dinâmicas e conformações espaciais não familiares. As formas estranhas, mas instigantes, não possibilitam um registro imediato do que é nem como se usa essa espacialidade. Essa abertura para o estranho, para o desconhecido, ao mesmo tempo incita reserva, apreensão, e curiosidade e excitação. Essas sensações ambíguas são interessantes por exigirem do corpo outra postura, outra disposição, para a construção de novos registros no engajamento com o espaço. Fig. 128 | Ice Storm, 2003. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/design/ice-storm/ Fig. 129 | Ice Storm, 2003. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/design/ice-storm/ Fig. 130 | Ice Storm, 2003. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/design/ice-storm/ Essa instalação é paradigmática para a prática de Hadid e Schumacher por três motivos: (1) é a sua primeira materialização da dobra fluida em escala 1/1 e de dimensões razoáveis (cerca de 300m²), que consegue traduzir de modo pleno as 211 inquietações teóricas dos arquitetos; (2) a solução técnico-construtiva foi um experimento bem-sucedido com técnicas de fabricação digital de formas complexas com fibra de vidro, que podem ser reproduzidas para projetos de ambientes internos e adaptadas, com o uso de outros tipos de polímeros ou metais, para uso na escala de edifícios; (3) o processo digital usado para a geração da forma confirmou o potencial de flexibilidade da geometria NURBS (Non-Uniform Rational B-Splines)229 de se definir e manipular superfícies e sólidos complexos e de controle do comportamento do objeto por procedimentos paramétricos. Os trabalhos de grande porte derivados do experimento da instalação “Ice Storm” são definidores de uma estética orgânica, intrincada em diversos graus escalares, em que superfície externa, estrutura e superfícies internas são geradas simultaneamente a partir de um mesmo processo morfogênico, mas com modos de especiação distintos para cada circunstância. Dois projetos construídos são relevantes de serem mencionados: a Guangzhou Opera House (2003-2010), na China e o Mobile Art Chanel Contemporary Art Container (2008-2010), pavilhão móvel já instalado em Hong Kong, Tóquio, Nova York e Paris. O pavilhão projetado para a marca Chanel, para eventos, mostras e desfiles patrocinados, possui duas massas: uma larga e fluida, mais ou menos triangular, que serve de espaço principal; outra mais fina e comprida escolta a maior de certa distância, serve de espaço de apoio e delimita um percurso de acesso. As superfícies laterais possuem curvatura variável e são revestidas por painéis de fibra de vidro brancos e brilhantes, com topologia variável. Há dois níveis de estrutura metálica, um conjunto maior acostelado, com peças de geometria variável, que é estabilizado por um anel central irregular na cobertura, e uma malha leve que preenche o vazio entre as costelas e serve para afixação dos painéis de revestimento. A cobertura possui uma pele têxtil tensionada e pliçada na estrutura, mas certas costuras são abertas e esticadas de modo a se transformarem em vazios de luz. No centro da massa larga há um aglomerado de células com claraboias leitosas, que condicionam luminosidade filtrada para o interior branco, voluptuoso e reluzente. O 229 NURBS são representações (funções) matemáticas de geometrias tridimensionais que podem descrever com precisão qualquer forma. Outras tecnologias alternativas também utilizadas são T-spline, subdivision surfaces, polygon meshes. 212 efeito ambíguo de estranhamento e maravilhamento de “Ice Storm” é maximizado aqui. Fig. 131 | Mobile Art Chanel Contemporary Art Container, em Nova York. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/chanel-art-pavilion/ Fig. 132 | Mobile Art Chanel Contemporary Art Container, em Paris. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/chanel-art-pavilion/ Fig. 133 | Interior, Mobile Art Chanel Contemporary Art Container. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/chanel-art-pavilion/ Fig. 134 | Interior, Mobile Art Chanel Contemporary Art Container. Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/chanel-art-pavilion/ No caso da casa de ópera de Guangzhou a escala é aumentada (70.000m²), mas a estratégia de invenção de uma morfogênese alienígena permanece. Trata-se de duas massas disformes, de tamanhos distintos, mas pertencentes a uma mesma linhagem: ambas são formas rochosas lapidadas e incrustadas no solo; possuem superfícies externas bi-revestidas com malhas de padrão triangular com densidades distintas, sendo a menor de pedra, que se acomoda bem às superfícies de curvatura variada, e a maior de vidro com perfis metálicos. A massa maior, que abriga o grande teatro para 1800 pessoas, possui uma tonalidade cinza-amarronzada e a densidade da malha de pedra é maior, enquanto a menor massa rochosa, que possui um espaço mais versátil para eventos variados e recebe até 400 pessoas, apresenta tonalidade cinza-claro e a densidade de sua malha de pedra é menor. As superfícies externas são acompladas a 213 uma superestrutura com malha triangulada de aço autoportante. Os acessos e caminhos são feitos por superfícies topográficas artificiais elevadas ou escavadas, que levam aos espaços públicos dos foyers ou a espaços restritos aos estudantes, artistas e corpo técnico. Fig. 135 | Vista Exterior, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/guangzhou-opera-house/ Fig. 136 | Vista do foyer, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/guangzhou-opera-house/ Fig. 137 | Salão de ensaio, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/guangzhou-opera-house/ Fig. 138 | Interior do grande teatro, Guangzhou Opera House (2003-2010) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/guangzhou-opera-house/ Assim como uma célula nucleada possui um espaço fluido que envolve o núcleo e é limitado por uma membrana, os pedregulhos de Guangzhou também configuram sua estrutura espacial por camadas mais ou menos espessas. O espaço intermediário é multifacetado, de um lado pela superfície lapidada exterior e de outro pela massa interna sinuosa e ligeira. Essas áreas de foyer, acessos e corredores são fundamentalmente brancas, de configuração cristalina e atmosfera etérea. Por sua vez, o interior da massa branca do grande teatro possui aspecto cavernoso, orgânico e fluido de escala enorme, evidenciando os diversos níveis de platéia. As superfícies de 214 dobras contínuas geram diferentes tonalidades de ocre e possuem dois tipos de padrão; um com grupos de aberturas triangulares de dimensões variadas, semelhantes a guelras, servindo à qualificação acústica para certas superfícies verticais, e outro com grupos de pontos luminosos de espaçamento variado, ocupando superfícies horizontais e criando um efeito de diamantes incrustados em uma caverna. Dois projetos não construídos, mas projetados na mesma época – o Abu Dhabi Performing Arts Centre (2007), nos Emirados Árabes e o King Abdullah Petroleum Studies and Research Center (2009), na Arábia Saudita –, apresentam um processo morfogenético derivado da biologia de folhas vegetais. Mesmo tendo uma origem de referência comum, o aspecto e a estrutura das formas geradas são completamente distintos. Enquanto o edifício de Abu Dhabi apresenta um movimento fluido e abstrato, semelhante à forma de uma cabeça de cobra, com três ordens de estrutura – macro, mesa e micro – seguindo um padrão de ramificação. Já no edifício do rei Abdullah, o padrão morfogenético parte do feixe vascular das micro-veias de folhas. A geometria é sempre hexagonal, mas nenhum hexágono é igual ao outro. A variação na repetição gera singularidades. A configuração é um fractal dinâmico e que aceita a remoção ou adição de singularidades sem comprometer a multiplicidade. Assim, é importante reconhecer, nesses quatro projetos, o uso de dois tipos de morfogênese: a de base natural e a de base alienígena, inventada, artificial, mesmo que híbrida de certa maneira. Fig. 139 | Abu Dhabi Performing Arts Centre (2007) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/abu-dhabi-performing-arts-centre/ Fig. 140 | King Abdullah Petroleum Studies and Research Center (2009) Fonte: http://www.zaha-hadid.com/architecture/king-abdullah-petroleum-studies-and-research-centre/ 215 Os quatro projetos tiveram lógicas de desenvolvimento da forma distintas, mas intenções plásticas ornamentais decorrentes de referenciais naturais para delimitação de processos morfogenéticos. O desenvolvimento desse tipo de metodologia tem se mostrado cada vez mais congruente com as potencialidades digitais de projeto e fabricação. Sua adesão pelos grupos de arquitetos e instituições de ensino mais influentes no mundo, e sua subconsequente submissão a testes, experimentos e aprimoramentos para descobrir os seus limites, dá indícios do futuro da profissão. Poderíamos descrever esse privilegiamento da performance dentro do processo de projeto como um interesse em morfogênese. Inicialmente usado no âmbito das ciências biológicas, o termo se refere à lógica de geração da forma e produção de padrões em um organismo por processos de crescimento e diferenciação. Recentemente ele tem sido apropriado nos círculos arquitetônicos para designar uma abordagem de projeto que pretende desafiar a hegemonia de processos de produção da forma [form- making] do geral para o particular [top-down], e substitui-los por uma lógica de descobrimento da forma [form-finding] do particular para o geral [bottom-up]. A ênfase é, portanto, na performance material em detrimento da aparição, no processo à representação (LEACH In PUGLISI (ed.), 2009, p.34). Neil Leach (2004) identifica o crescente interesse na investigação de processos digitais de desvelamento da forma (form-finding) por algoritimos genéticos e técnicas generativas baseadas em lógicas de comportamento e crescimento. A forma não é tomada a priori, como na noção de “partido arquitetônico” e refletida na figura do arquiteto “gênio criador”. A forma em si interessa menos do que a sua formação. Os processos complexos e dinâmicos nos quais as práticas morfonegéticas na arquitetura têm se referenciado não permitem uma abordagem teleológica do projeto, que tradicionalmente é ensinada nas escolas de arquitetura. As estratégias de geração da forma do geral para o particular, do todo para as partes, pressupõem um preestabelecimento, mesmo que preliminar, da configuração final; ao passo que nos processos morfogenéticos a configuração “final” é decorrente de seu processo de formação, crescimento, desenvolvimento e das influências de forças internas e externas, assim como em um organismo biológico. Isso não significa a desconsideração de uma visão holística da situação de projeto e nem se trata simplesmente de uma substituição de plataforma – do analógico/híbrido para o digital –, mas de mudanças radicais no modo como o processo de projeto é entendido. Por se basear no status 216 complexo que a natureza assumiu a partir da década de 1970 – fundamentalmente pelas descobertas dos processos fractais e da teorização sobre a imprevisibilidade e não-linearidade dos sistemas dinâmicos –, a morfogênese arquitetural necessariamente assume uma condição intrincada (LYNN, 1993) que é inerente ao início do processo. É a intrincação que confere à natureza sua condição ornamental, que passa a ser, portanto, o novo paradigma da arquitetura contemporânea. Desse modo, o que se verifica nas práticas mais interessantes230 é a convergência dos constructos metodológicos com os modos dos arquitetos de pensar e encarar a vida e a arquitetura, com uma dimensão ética. Assim, as novas metodologias são decorrentes, não só das tecnologias emergentes, mas da construção conceitual de abordagens para cada situação, que por sua vez possuem dupla dependência: das crenças e dos valores do arquiteto, isto é, da sua agenda disciplinar, que Rafael Moneo (2008) denomina de inquietações teóricas; e as idiossincrasias de cada situação de projeto, que possibilitarão a seleção criteriosa, objetiva e subjetivamente, de parâmetros que serão valorados para ver seu grau de influência na morfogênese – Moneo chama esse procedimento de estratégias projetuais. Em suma, a lição fundamental: o sucesso ou insucesso de um projeto, idependentemente se abordado por vias digitais morfogenéticas ou convencionais, depende primordialmente de decisões e critérios subjetivos e do grau de criticidade imposto pelo projetista. O uso das ferramentas digitais para desempenhar tarefas mentais, baseadas na objetividade do algoritimo, para gerar formas pragmaticamente parametrizadas – de “alto desempenho” – pode gerar resultados topológicos extremamente complexos e ornamentais, no entanto, “tendem ao genérico e ao dogmático, distanciando-se do fenomenológico e do experiencial” (COLLETTI, 2010c, p.63). O arquiteto Marjan Colletti231 compara essas práticas ultra-racionalistas a um modernismo digital232, que 230 Por “práticas interessantes” não se deve entender necessariamente, ou somente, aquelas dos grupos de elite na cultura arquitetônica, mas qualquer prática crítica e criativa que não toma por certo processos ou tecnologias prontas, preconcebidas. 231 Colletti atualmente é professor na University of Innsbruck Austria e diretor do Institute for Experimental Architecture. Leciona desde 2000 na Bartlett School of Architecture, UCL, em especial no estúdio “Unit 20” do MArch, curso de mestrado por projeto. É co-fundador do escritório de prática experimental “marcosandmarjan design limited”, com Marcos Cruz. 232 Carl S. Chu (In SYKES, 2013), um dos principais arquitetos estudiosos e proponentes da “arquitetura genética”, identifica duas abordagens correntes: a morfodinâmica e a morfogenética. O “modernismo 217 ele denomina de “ornaMENTAL” em oposição a “POrnamentation”, que implica o uso do computador para realizar tarefas sensoriais e demanda do arquiteto imaginação para a geração de formas exuberantes, sensuais e poéticas: é o prazer no excesso, de Tschumi. Colletti (2010b) explica a necessidade de uma fenomenologia da imaginação poética, tanto do arquiteto quanto das pessoas que confrontarão o espaço. [a imaginação é] (...) como uma atividade situada numa zona intermediária entre a intuição e a compreensão. Por um lado, a impõe uma estrutura espacial e temporal ao sensível, enquanto por outro ela liga o domínio do sensível às leis cognitivas da compreensão. Sua atividade essencial nas instâncias do juízo estético é a esquematização – a apresentação sensível de determinações conceituais. O que é especialmente interessante é a natureza dessa atividade no juízo do sublime, quando a capacidade de compreensão se esgota, o julgamento é ao mesmo tempo necessário e impossível, e o objeto sensível ultrapassa a compreensão conceitual (HAYS In SYKES, 2013, p.262). Nesse sentido, o ornamento precisa ser intrínseco à exuberância formal, pois a intrincação é seu fundamento sensual e poético que potencializa o engajamento do corpo e da imaginação com o espaço233. “Ornamento não é propriamente algo por ele mesmo que é posteriormente aplicado a outra coisa, mas pertence à auto-apresentação daquilo que o veste. Ornamento é parte da apresentação. Mas apresentação é um evento ontológico; ela é representação” (GADAMER In LEACH, 1998, p.136). Assim, é necessário cuidado com o uso instrumental da morfogênese algorítima, pois os scripts pré-fabricados de geração da forma, ao solapar a imaginação do processo de projeto, arriscam se render à sedução imagética superficial e fugaz, “tipicamente sem comprometimento com experiência cultural corporificada” (PÉREZ-GOMEZ, 2008, p.28). O grau de sensibilidade do arquiteto, isto é, a sua capacidade (habilidade) de digital” que Colletti critica está dentro das abordagens morfodinâmicas, que geralmente preconizam a máxima eficiência da estrutura, dos materiais, dos fluxos e rigorosamente atendem aos parâmetros dos certificados de eficiência energética e sustentabilidade – como o LEED – que não implicam, necessariamente, um bom projeto, mas um projeto pragmático e racional. 233 Para uma crítica ao estatudo da imaginação na cultura arquitetônica contemporânea, cf. PALLASMAA, Juhani: “The Embodied Image”, de 2011. Sobre as relações entre imaginação e desejo e suas influências na formação do campo disciplinar da arquitetura, cf. PÉREZ-GOMEZ, Alberto: “Built Upon Love: architectural longing after ethics and aesthetics”, de 2006; e HAYS, Michael: “Architecture`s Desire: Reading the Late Avant-Garde”, de 2010. Para uma genealogia da imaginação e a sua teorização na condição pós-moderna, cf. KERNEY, Richard: “The Wake of Imagination: Toward a Post-Modern Culture”, de 1988. 218 alargamento da percepção e da imaginação, é determinante do processo criativo e precisa ser trabalhado e amadurecido simultaneamente com a capacidade técnica nos meios digitais. Os novos processos de projeto exigem, portanto, novas sensibilidades que precisam ser discutidas e desenvolvidas nas instituições de ensino de arquitetura, as quais, em especial no Brasil, carecem de bases epistemológicas mais abertas, críticas e criativas que confrontem os jovens com possibilidades de práticas espaciais transdisciplinares adequadas e potentes para lidar com o múltiplo, o complexo e as inerentes singularidades do mundo contemporâneo. Atualmente uma série de arquitetos234, de modo sensível e inteligente, tem trabalhado simultaneamente nos campos plásticos da arte e da arquitetura e atravessado, inclusive, para as fronteiras da biotecnologia, para a exploração de espaços, metodologias e tecnologias novos. De modo geral, verifica-se que meios e operadores artísticos, pela versatilidade, liberdade e criticidade inerentes, têm sido efetivos para fazer o trânsito entre horizontes distintos e criar condições de trocas estimulantes. No momento atual, a condição experimental está transladando para o “mainstream”235 da cultura arquitetônica e se instalando, não só nos grandes centros de arquitetura, mas também em contextos menores e historicamente limitados pelo ensino arcaico modernista e por uma cultura impermeável de independência disciplinar. Essa nova condição cria abertura e potencial para agenciar novos modos de trabalho e de produção de conhecimento através de interlocuções com as artes. É urgente, em uma época de violência instituída contra o meio ambiente, de desrespeito grave ao patrimônio, de tratamento cínico dos lugares etc., pensar em uma reformulação da formação e da sensibilização do futuro da arquitetura através de métodos e propostas de relação, concepção e apresentação do espaço capazes de envolver o corpo, de pô-lo frente ao 234 Como Greg Lynn, Marcos Novak, Neil Spiller, Karl S. Chu, Neri Oxman, Rachel Armstrong, Kas OOsterhuis, Lars Spuybroek, Ben van Berkel, Marcos Cruz, Marjan Colletti, Phillip Beesley, Hernan Diaz Alonso, Peter Noever, Mark Garcia, Will Alsop, Wolf Prix, Benedetta Tagliabue, Preston Scott Cohen, Thomas Heatherwick, François Roche, Jenny Sabin, Tom Wiscombe, Michelle Fornabai, Ali Rahim, dentre vários outros. Há muitos jovens arquitetos “anônimos”, influenciados direta ou indiretamente pelas instituições de ensino de arquitetura mais progressivas, que têm feito trabalhos excepcionais. Basta gastar alguns dias revirando os catálogos de projetos em sites como http://www.suckerpunchdaily.com/ e http://www.archdaily.com/ para verificar os frutos dos esforços dos arquitetos desconstrutivistas e cibernéticos da década de 1990, que atualmente ocupam posições docentes privilegiadas nos referidos centros de ensino. 235 Cf. LEACH, 2004; SPILLER, 2006; PICON, 2010. 219 desafio do trabalho na escala 1/1, para acabarmos com a geometria dos sólidos, sua combinação e reprodução, e inaugurarmos uma outra geo- metria, isto é, aquela que o traço inter-mediário transforma em apropriação mais sutil e inteligente da terra e do solo. Acreditamos que a espaçologia que futuros “agrimensores” realizarão deverá muito à preocupação crítica que se mostra insistente desde muito tempo em âmbitos disciplinares vizinhos, engajados que são, sim, em uma verdadeira relação sensual com as dinâmicas espaciais, as experiências situacionais (HUCHET, 2012, p.21-22). A independência disciplinar, ou o que Patrik Schumacher (2011) chama de “Autopoiesis da Arquitetura”, é problemática quando é impermeável a outros horizontes. No caso do tratado de Schumacher por uma auto-organização da arquitetura, entendendo a disciplina enquanto um sistema auto-referencial fechado, há um grau de interlocução com esferas externas, mas ele é limitado. A arte, ou qualquer outra disciplina – ou outro sistema – é encarada de modo utilitário; na terminologia do autor, o tipo de relação é a de prestação de serviço, e esta não possui capacidade para modificar as operações do sistema da arquitetura. O modo como Schumacher vê as possibilidades de troca entre arquitetura e arte é limitado: O sistema da arte serve a arquitetura como uma plataforma de comunicação que provê a arquitetura de vanguarda de licença restrita e temporária para uma forma de comunicação mais livre, explorativa e provocativa, que ultrapassa a realidade arquitetônica de fato em direção à exploração de outros potenciais espaços construídos para a arquitetura e o urbanismo (SCHUMACHER, 2011, p.390). Assim, os contatos com outras disciplinas se dão apenas por demanda ou pelo reconhecimento do potencial efetivo de contribuição para os problemas de arquitetura. O desejo de autonomia leva Schumacher a posicionar a comunidade de arquitetos como os únicos capacitados e responsáveis pela evolução da disciplina: a inovação é um processo interno à própria estrutura da arquitetura e às suas operações. Apesar de o sistema ser maleável e adaptável a mudanças, essa especialização implica o reconhecimento do arquiteto como o supremo conhecedor e manipulador de espaço. Não-arquitetos estarão sempre em categoria inferior e fora do sistema. Portanto, fazer questões para Schumacher sobre espaços informais, auto- construção e apropriação/configuração livre do espaço é perda de tempo, assim como sobre a natureza da relação com as artes e a filosofia. Se a abertura para o outro se dá sob um olhar condicionado que circunscreve as práticas espaciais apenas no âmbito da 220 própria arquitetura e pressupõe-se que qualquer troca é incapaz de interferir nos seus processos operativos internos, então a relação de alteridade que se estabelece é fraca, estéril e estreita; uma relação de serviço. Daí a necessidade de ver o parametricismo e a fabricação digital não como a independência dos arquitetos – “arquiteto-artesão-construtor” –, mas como seu potencial de interdependência, de abertura. É nesse rumo que alguns grupos multidisciplinares importantes têm trabalhado e avaliado a fusão entre arte, ciência e arquitetura: (1) SymbioticA – Biological Arts236 (Departamento de Ciências Biológicas, University of Western Australia), desde 2000 é coordenado pelo artista Oron Catts237 (1967-), é um laboratório artístico para pesquisa, crítica e experimentação prática com materiais biológicos e recebe artistas de diversas partes do mundo para seu programa de residência. (2) AVATAR – Advanced Virtual and Technological Architecture Research238 (Bartlett School of Architecture, University College London; School of Architecture, Design & Construction, University of Greenwich, Londres), grupo transdisciplinar fundado em 2004 por Neil Spiller quando lecionava na Bartlett, hoje é coordenado por Rachel Armstrong239 e sua agenda é a exploração dos limites da simbiose entre o digital e o natural, o orgânico, o 236 http://www.symbiotica.uwa.edu.au/. 237 Inspirado pelos trabalhos simbióticos entre corpo e máquina do artista Stelarc (1946), Catts inicia em 1996 seu trabalho pioneiro “Custom Grown Living Surfaces“, que pretendia explorar relações entre design e biotecnologia, e passa a conhecer sua futura tutora e colaboradora, a professora e bióloga Miranda Grounds, que possibilitou a criação do grupo SymbioticA, a partir do projeto de pesquisa “The Tissue Culture and Art Project” de Catts, dentro do departamento de Anatomia e Biologia Humana da University of Western Australia. 238 http://www.gre.ac.uk/ach/research/centres/avatar/home. 239 Armstrong possui graduação em medicina, já foi apresentadora de programas televisivos e consultora técnica de artistas como Orlan e Stelarc, cujos trabalhos envolvem modificação e adaptação do corpo. Essas experiências direcionaram suas pesquisas para interseções entre arte e biotecnologia, que abriram espaço para outros trabalhos colaborativos. Com foco em arte e arquitetura experimentais, já lecionou na Bartlett a convite de Neil Spiller, quando da fundação do grupo AVATAR. Atualmente, além de coordenadora do grupo, ocupa as posições de Senior Lecturer na School of Architecture & Construction (University of Greenwich), de Professor of Experimental Architecture na School of Architecture, Planning and Landscape (University of Newcastle), de pesquisadora visitante do Centre for Fundamental Living Technology (Southern University of Denmark) e Senior TED Fellow. Armstrong é uma das principais proponentes da “protecell architecture”. 221 vivo. O grupo possui seu próprio programa de mestrado e doutorado, contando com uma rede de colaboradores em Cornell, MIT, Rensaalar, Ann Arbor, Berkeley, Waterloo (Canadá) e Odense (Dinamarca). (3) Mediated Matter research group240 (Massachusetts Institute of Technology, MIT Media Lab), criado em 2005 e coordenado pela arquiteta Neri Oxman, é um grupo de pesquisa transdisciplinar na área de Ecologia Material que faz experimentações transescalares (macro, micro) em design informadas por design computacional, fabricação digital, ciência dos materiais e biologia sintética. (4) Sabin + Jones LabStudio241 (Institute for Medicine & Engineering, dep. de Patologia e School of Design, dep. de Arquitetura da University of Pennsylvania), fundado em 2006 por Jenny E. Sabin (arquiteto) e Peter Lloyd Jones (biólogo), é uma rede de pesquisadores formado por arquitetos, matemáticos, cientistas de materiais e microbiólogos, com membros ativos em Cornell University, University of Pennsylvania, Stanford University e Los Angeles, que colaboram para o desenvolvimento, a análise e a representação de sistemas dinâmicos, investigando os limites do design generativo e ecológico em arquitetura. (5) Living Architecture Systems Group - LASG (School of Architecture e Faculty of Engineering – University of Waterloo, Canadá), criado em 2007 e coordenado pelo arquiteto Philip Beesley, é um grupo de arquitetos, artistas, engenheiros e cientistas que estudam sistemas dinâmicos e sua aplicação em ambientes arquitetônicos e artísticos imersivos e responsivos. Há foco na investigação do cruzamento entre arquitetura e biotecnologia para ver o potencial da simbiose entre elementos sintéticos fabricados digitalmente e biológicos, naturais ou sinteticamente produzidos. Emergência O termo “emergência” – “emergence”, em inglês, do verbo “emergir” – foi primeiramente utilizado na filosofia pelo inglês George Henry Lewes (1817-1878), em 240 http://matter.media.mit.edu/. 241 http://labstudio.org/index.html. 222 “Problems of Life and Mind” (1875), para definir o fenômeno do aparecimento de novas qualidades em um sistema físico quando da sua passagem de um nível de complexidade para outro, que a princípio não poderiam ser atribuídas às propriedades dos seus elementos constituintes. Um pressuposto, portanto, era que o todo é bem mais que a soma das partes que o constituem. O termo foi bem aceito à época pela escola inglesa na filosofia e pelas ciências químicas e biológicas. A maior parte dos biólogos até o final do século XIX eram “vitalistas” e defendiam a noção de que os organismos vivos possuíam uma energia, ou essência vital, que os animava e impelia seu desenvolvimento. Essa visão era bem distinta dos físicos ortodoxos, que entendiam os seres vivos como semelhantes a máquinas altamente sofisticadas, cujo novo comportamento a cada nível de complexidade era explicável pelas leis básicas da física operando a nível molecular. Os emergentistas, portanto, negavam tanto a existência de uma energia vital como a explicação mecanicista da física reducionista (DAVIES In CLAYTON, 2006). Assim, uma das questões fundamentais era a condição de “estar vivo” mesmo que nenhum átomo individualmente em um organismo estivesse vivo. Apesar de o termo ter surgido ao final do século XIX, o filósofo fundamental proponente das teorias emergentistas foi G. W. F. Hegel (1770-1831) com sua filosofia da consciência. A “Fenomenologia do Espírito” (1807) oferece uma ontologia temporalizada cuja categoria do “devir” é operativa para o sistema da vida, sintetizado na tríade “ser, não-ser, devir”. A oposição entre o ser e o nada é estática e restrita, mas se postos no tempo exigem a consideração de um “vir-a-ser”, do processo de sua auto-conformação. Isso significa que o ser em si não significa nada, pois o ser está sempre em processo que, mesmo sujeito a influências externas, é fundamentalmente controlado por disposições internas, por exemplo, pela consciência. Essa filosofia do processo influenciou uma geração de filósofos como o americano William James (1842-1910), o francês Henri Bergson242 (1859-1941) e o inglês Alfred North Whitehead (1861-1947). 242 Sua posição anti-mecanicista e anti-reducionista em relação à ciência, assim como os conceitos de tempo como duração e de intuição como conhecimento – a apreensão imediata da realidade pela 223 A filosofia do organismo busca descrever como dados objetivos gradualmente se transformam em satisfação subjetiva, e como ordem nos dados objetivos provê intensidade na satisfação subjetiva. Para Kant, o mundo emerge do sujeito; para a filosofia do organismo, o sujeito emerge do mundo – um “superjecto” ao invés de um sujeito. A palavra “objeto” refere-se à entidade que é potencialmente uma componente da sensação, e a palavra “sujeito” refere-se à entidade constituída pelo processo da sensação, incluindo esse próprio processo (WHITEHEAD, 1978, p88). O termo “emergência” e suas implicações ciência foram tomados como irrelevantes com os avanços científicos até a metade do século XX, que explicaram muitas propriedades da matéria e da vida pela elucidação da estrutura fundamental da matéria (na física de partículas – atômicas, nucleares, subatômicas – e na mecânica quântica) e da base molecular da biologia. No entanto, o advento das ciências da complexidade desestabilizou as concepções físico-mecânicas que até então se tinha do mundo. Mais que a coexistência entre caos e ordem na natureza, a noção de derivação da ordem a partir de sistemas caóticos, não-lineares e auto-organizados reativou a relevância do conceito de emergência não só na ciência, mas na filosofia, na teoria dos sistemas, na arte e na arquitetura. O emitente físico inglês Paul Davies (In CLAYTON, 2006, p.xi) explica que o uso de simulações computacionais, desde a década de 1960, como uma ferramenta experimental de modelagem de sistemas complexos possibilitou o entendimento de que muitos fenômenos no universo não podem ser previstos apenas com um grupo de equações dinâmicas, mas “são descobertos apenas pelo estudo sistemático das soluções na forma de simulações numéricas”. No âmbito da arquitetura, em 1969, Gordon Pask publica “The Architectural Relevance of Cybernetics” na revista Architectural Design incitando os arquitetos a começar a considerar o espaço construído como um organismo que se adapta a circunstâncias, responde a estímulos e evolui de acordo com princípios de inteligência artificial. Pask (In SPILLER, 2002, p.78) critica a indiferença dos arquitetos com os desdobramentos futuros que seus projetos podem ter e invoca a responsabilidade ética de garantir uma evolução “saudável e não cancerígena” da microescala às dimensões urbanas e regionais. Pask especula sobre os potenciais dos projetos assistidos e direcionados por “coincidência” com o objeto – foram determinantes para as abordagens da experiência a partir do corpo e da sensação em Deleuze e Didi-Huberman, por exemplo. 224 computador e aponta a necessidade de articulação da arquitetura com outras disciplinas para a construção de visões adequadas e amplas do que viria a ser uma arquitetura evolucionária e, sobretudo, para uma “formulação sistemática da maneira como a arquitetura atua enquanto controle social” (PASK In SPILLER, 2002, p.80). Enquanto um dos principais formuladores da cibernética de segunda ordem e da “Teoria Conversacional”, Pask preocupa-se com a dinâmica relacional entre a ambiência e as pessoas, isto é, sobre as circunstâncias, os modos e os graus de controle de cada entidade, uma vez que assumem a dupla condição de controladores e controlados dentro de um sistema auto-organizador. A repercussão de Pask na cultura arquitetônica foi enorme e à época influenciou arquitetos como Cedric Price, John Frazer, o grupo Archigram, Buckminster Fuller, Yona Friedman, Christopher Alexander, Nicholas Negroponte e alunos da Architectural Association, instituição com a qual tinha contato próximo. Da mesma maneira que a influência de Pask foi grande, os modos como os arquitetos interpretaram suas ideias e construíram as suas próprias são também os mais diversos. Um dos desdobramentos importantes foi a contribuição de John Frazer (1945-) como pesquisador e docente em diversas instituições de ensino, e em especial pela influência de seu livro seminal “An Evolutionary Architecture”, lançado em 1995 junto a uma exposição com mesmo nome na London Architectural Association. Tratava-se da proposta de um modelo natural para a arquitetura, desenvolvida a partir da investigação sobre modelagem digital de morfogêneses naturais e potenciais aplicabilidades no processo de projeto e de experimentos práticos realizados com seus alunos no estúdio de projeto “Diploma Unit 11”, conduzidos com Julia Frazer, entre 1989 e 1996. Uma Arquitetura Evolucionária investiga processos fundamentais de geração da forma em arquitetura, postos em paralelo a uma vasta pesquisa científica por uma teoria da morfogênese no mundo natural. Ela propõe o modelo da natureza como força geratriz da forma arquitetônica. O impressionante poder criativo e de prototipia sem limites da evolução natural são reproduzidos por meio de modelos arquitetônicos virtuais que respondem a variações ambientais. (...). Arquitetura é considerada como uma forma de vida artificial sujeita, como o mundo natural, aos princípios da morfogênese, de códigos genéticos, de replicação e de seleção. O objetivo de uma arquitetura evolucionária é alcançar no ambiente construído o 225 comportamento simbiótico e o equilíbrio metabólico característicos do ambiente natural (FRAZER, 1995, p.9). No mesmo ano, Neil Spiller e Martin Pearce são convidados a editorar um número da Architectural Design sobre ciberespaço e seu impacto na arquitetura, que foi intitulada “Architects in Cyberspace”. Tratou-se de uma publicação multidisciplinar com a colaboração dos arquitetos Marcos Novak, Bill Mitchell e John Frazer, do artista performático Stelarc, dos filósofos Sadie Plant e Nick Land – co-fundadores do coletivo estudantil interdisciplinar Cybernetic Culture Research Unit, no departamento de filosofia da Universidade de Warwick em 1995 –, e de Anthony Dunne e Fiona Raby – diretores da eminente firma de design Dunne & Raby. Marcos Novak243, um dos principais pioneiros na arquitetura experimental digital do final do século XX, no seu texto seminal “Liquid Architectures in Cyberspace”244 (1991), situa o ciberespaço como a potencial transformação do modo como até então a interação como os computadores era concebida: por um pensamento linear, funcionalista e pragmático. Com a expansão das redes de comunicação e dos sistemas de processamento de informação, o ciberespaço permite não só a interligação de toda a informação disponível, mas a criação, manipulação e armazenamento de outras informações, visualmente especializadas virtualmente. Mais do que isso, Novak propõe um engajamento simbiótico do corpo e da consciência com o virtual, que na verdade possibilitaria a total integração com uma variedade de ambientes inteligentes no mundo real. Segundo o arquiteto, isso implica uma abertura para o poético: “O ciberespaço é um habitat da imaginação, um habitat para a imaginação” (NOVAK In BENEDIKT, 1991, p.274). Nesse sentido, Novak propõe o ciberespaço como um meio para os experimentos excessivos da arquitetura visionária, sua “arquitetura líquida”, e vislumbra um potencial de imersão do corpo e da mente que, a partir de tecnologias de realidade virtual, exige um ativamento poético da percepção. 243 Atualmente é professor no curso de pós-graduação “Media Arts and Technology”, da University of California, Santa Barbara, e é fundador e diretor do transLAB, onde sedia seu grupo de pesquisa Transvergent Research Group, que investiga, em termos gerais, como a tecnologia altera as relações dos espaços atuais, virtuais e transativados na arte e na ciência. 244 Publicado no livro “Cyberspace: First Steps”, editado por Michael Benedikt. Um ano antes, Benedikt e Novak organizaram juntos a “CyberConf: The First International Conference on Cyberspace” na Universidade do Texas. 226 Não basta dizer que há arquitetura no ciberespaço, nem que essa arquitetura é anímica ou animada. O ciberespaço nos exige diferenciar animismo de animação, e animação de metamorfose. Animismo sugere que entetidades possuem um “espírito” que guia seu comportamento. Animação adiciona a capacidade de mudança no local, ao longo do tempo. Metamorfose é a mudança na forma, através do tempo e do espaço. De modo mais amplo, a metamorfose implica mudanças em um aspecto de uma entidade enquanto uma função de outros aspectos, contínua ou discontinuamente. Eu uso o termo líquido no sentido de anímico, animado, metamórfico, e também para atravessar limites categóricos, pela aplicação de operações do pensamento poético cognitivamente supercarregadas (NOVAK In BENEDIKT, 1991, p.283). A partir desses interesses, Marcos Novak irá desenvolver outras frentes de trabalho245 como: (1) as “transaquiteturas” – que envolviam um alargamento do campo da arquitetura pela aplicação de conceitos como “interface” e “interação” na produção de ambiências/instalações que superpõem projeções, música e tecnologias de realidade aumentada. (2) As “arquiteturas invisíveis” – esse foi o nome dado à sua instalação interativa para a bienal de Veneza em 2000, em que formas esculturais derivadas de investigações algoritimicas com geometrias de múltiplas dimensões (como as especuladas pela teoria das cordas) foram espacializadas de diversos modos diferentes (como protótipos fabricados digitalmente, como campos invisíveis gerados por sensores infravermelhos, como ambientes virtuais e como música especializada), criando interfaces interligadas algoritmicamente e interferindo umas nas outras. Uma intenção crítica de Novak é associar os campos invisíveis de sensores à noção de “aura” benjaminiana, indicando a necessidade da arquitetura de exigir do sujeito a reconstrução, ou a desalienação, da sua sensibilidade. (3) A série dos “alotopos”, uma investigação sobre morfogênese alienígena, que também propõe associar arquitetura com campos que a disciplina tem considerado alheios: a combinação de sons, vídeos, projeções, músicas, sensores e arte performática é tomada como instrumento operativo para a geração das formas alienígenas. (4) A série de “equinodermos” foi uma investigação a partir dos radiolários de Haeckel, da qualidade de bioluminescência de cefalópodes e de peles e exoesqueletos de equinodermos, crustáceos e insetos, criando topologias excêntricas e altamente complexas. Após a prototipagem das peças 245 Cf. Speciation, Transvergence, Allogenesis: Notes on the Production of the Alien. In SPILLER, Neil (ed.) Reflexive Architecture. Architectural Design. 2002, v. 72, n. 3. 64-71. 227 por estereolitografia, um desdobramento interessante foi a associação com o grupo SymbioticA, da University of Western Australia, para ver possibilidades de fabricação dos “equinodermos” de Novak utilizando materiais biológicos: uma arquitetura quase- viva. Fig. 141 | Liquid Architecture. Fonte: http://v2.nl/archive/people/marcos-novak Fig. 142 | Arquitetura Invisível. Holografia. Fonte: http://v2.nl/archive/people/marcos-novak Fig. 143 | Allotopos. Fonte: http://v2.nl/archive/people/marcos-novak Fig. 144 | Turbulent Topologies. Fonte: http://v2.nl/archive/people/marcos-novak Fig. 145 | Equinodermo. Fonte: http://v2.nl/archive/people/marcos-novak O que se tem em comum entre Frazer e Novak é o desejo de animar a arquitetura. Do ponto de vista das teorias da emergência, uma das principais questões de que hoje se ocupam a biotecnologia e a bioética é delimitar o limiar entre a matéria viva e a não- viva: quando um agrupamento de atómos, moléculas ou elementos químicos transmutam de um estado inorgânico para atingir uma condição mais complexa e animada? Um agrupamento que apresenta características animadas – como auto- agrupamento, auto-organização, metabolismo, crescimento e divisão, 228 ação/comportamento proposital, complexidade adaptativa, evolução e inteligência (ARMSTRONG, 2012) – é considerado vivo? No contexto do paradigma biológico na arquitetura contemporânea, é possível delimitar três linhas de pensamento, com agendas bem distintas, mas que podem ser divididas em dois grupos cujas abordagens do conceito de emergência diferem em termos de modo. Um grupo tem avançado pela estratégia criativa da analogia, isto é, a arquitetura e seus processos generativos são tomados como semelhantes às formas e processos da natureza, sejam eles orgânicos ou inorgânicos. Assim, os estudos de John Frazer de tradução de processos morfogenéticos naturais como operadores criativos no projeto de arquitetura serão uma referência inicial. O segundo grupo tem abordado a emergência a partir da literalidade, isto é, os arquitetos têm formado grupos transdisciplinares com o objetivo de desenvolver novas metologias de projeto e técnicas de fabricação para explorar e manipular materais biológicos de fato. Esses grupos vislumbram um potencial enorme na biotecnologia para estabelecer novos modos de relação com o ambiente construído. Os atuais experimentos sugerem um futuro em que haverá uma relação simbiótica real entre materiais sintéticos e biológicos que impactará a vida de modo geral. Esse grupo tem se aproximado também da arte e do design para buscar operadores estéticos e plataformas potentes e compatíveis para os tipos de experimentação pretendidos. No primeiro grupo há pelo menos duas linhas de pensamento bem demarcadas: (1) arquitetos que delimitam sua prática a partir de critérios objetivos baseados em performance, isto é, fazem uma associação direta entre a forma ou o mecanismo formal natural e a função que é desempenhada, ou ainda, tentam traduzir as propriedades físico-químicas de compostos naturais em materiais sintéticos, muitas vezes inovadores. (2) arquitetos que se apropriam e manipulam formas e processos da natureza para criar seus próprios procedimentos morfogenéticos, em conformidade com suas agendas teóricas. Isso significa que os padrões genéticos utilizados são híbridos ou sintéticos (alienígenas), e a natureza não é mais que inspiração. Os critérios de desenvolvimento da forma são, portanto, fundamentalmente subjetivos, mesmo que com alto grau de controle paramétrico. 229 Na linha baseada na performance (1), as formas da natureza são tidas como de alta eficiência dentro do que se propõem a fazer. Esse tipo de interpretação tem encontrado eco nos institutos de design industrial e de produto e nos departamentos de engenharia dos materiais e de estruturas, com os quais as instituições de ensino de arquitetura têm se relacionado a partir de projetos de pesquisa interdisciplinares sob os títulos de “sustentabilidade” e de “biomimetismo”. Há três arquitetos-professores-pesquisadores de referência nessa linha de pensamento: Michael Ulrich Hensel246 (1965-), Michael Weinstock247 (1948-) e Achim Menges248 (1975-). No tempo em que estiveram juntos na Architecture Association, os três formaram o Emergence and Design Group e colaboram em diversos projetos, pesquisas e publicações, em especial as duas edições da revista AD: Emergence: Morphogenetic Design Strategies. (2004); e Techniques and Technologies in Morphogenetic Design. (2006). Os três são proponentes da linha de pensamento que denominam de “Performance-oriented Architecture”. Sistemas complexos adaptativos realizam processos de auto-organização e emergência. Contudo, os dois conceitos expressão características bem diferentes no comportamento de um sistema. Auto-organização pode ser descrita como um processo dinâmico e adaptativo pelo qual sistemas atingem e mantêm sua estrutura independente de forças externas. O segundo não exclui forças externas, uma vez que todos os sistemas físicos existem no contexto das leis da física, pelo menos enquanto essas não assumirem controle sobre processos intrínsecos a partir do exterior. Métodos comuns de desvelamento da forma [form-finding], por exemplo, fazem uso da auto-organização de sistemas materiais expostos às leis da física para atingir otimização da capacidade de performance. Sistemas auto- organizacionais, com frequência, apresentam propriedades emergentes ou comportamentos que surgem de interações coerentes entre entidades mais simples, e o objetivo é utilizar e instrumentalizar o comportamento como 246 Arquiteto alemão, estudou na Universidade de Colônia e na London AA, onde foi professor de 1993 a 2009 e co-diretor do programa de pós-graduação Emergent Technologies and Design Program (EmTech); atualmente é professor na Oslo School of Architecture and Design, na Noruega, onde é diretor do Research Centre for Architecture and Tectonics. 247 Arquiteto alemão, estudou na London AA, onde desde 1989 é professor; atualmente é diretor do programa de pós-graduação Emergent Technologies and Design Program (EmTech) na London AA. Weinstock é autor do livro “The Architecture of Emergence: the evolution of form in nature and civilization”, de 2010. 248 arquiteto alemão, estudou na London AA, onde foi professor de 2002 a 2012; atualmente é professor na Unviersidade de Stuttgart, fundador e diretor do Institute for Computational Design desde 2008 e professor visitante na Harvard University’s Graduate School of Design desde 2009. 230 uma resposta a estímulos com vistas a projetos orientados-por-performance (HENSEL, 2006, p.6). Fig. 146 | Projeto executado pelos alunos do programa de pós-graduação Emergent Technologies and Design Program (EmTech) na London AA, coordenado por Weinstock. Fonte: http://0910esatproyectos1y2.blogspot.com.br/2010/04/conferencia-michael-weinstock.html Assim, na arquitetura “performance-oriented” a forma ornamental é decorrente mais de um processo mental que foi parametrizado, isto é, de uma decisão funcional e racional – ótima em termos de desempenho (estrutural, energético, fluxos, etc) – e menos decorrente de uma intenção espacial que privilegia a experiência humana. É o “ornaMENTAL” de Colletti. Não há evidência nos discursos de Hensel, Weinstock e Menges de uma discussão da dimensão estética do espaço, nem de um interesse teórico que não seja de base científica. Custo, eficiência e o menor impacto na natureza interessam mais. É uma arquitetura mais quantitativa, cujos critérios não necessariamente a tornam qualificada. Portanto, o ornamento aqui está inscrito nas categorias de forma adequada, utilitas, e de ordem estrutural ótima, firmitas. Venustas, a beleza, a dimensão clássica do prazer positivo, é apenas uma consequência de menor hierarquia no sistema de valores estabelecido para o processo. Enquanto o ornamento é tomado em termos de proporção, ritmo, variação e mutabilidade, ele é apenas tecnicamente ruskiniano uma vez que sua dimensão ontológica, representada pela categoria de “Earth-veil”, não faz parte das prerrogativas projetuais. A natureza em Ruskin é tomada esteticamente, isto é, a partir 231 do prazer sensorial pela sua apreensão imediata ou desinteressada e do prazer intelectual que uma percepção profunda proporciona. Em Ruskin, a estética, porque inspirada na natureza, é ontológica. Assim, as formas ornamentais que essa arquitetura orientada-por-desempenho tem apresentado, apenas por serem complexas e “novas” não podem ser consideradas anti-clássicas, mas também não podem ser categorizadas como clássicas249. As exigências contemporâneas acerca da ecologia, do mínimo desperdício, de uma relação saudável e mutualística entre ambiente construído e ambiente natural – que juntos conformam nosso meio ambiente250 – não precisam restringir a arquitetura a um pragmatismo excessivo, pelo contrário, é necessário aproveitar esse contexto de crise e rever de modo crítico e holístico o tipo de relação que a humanidade pretende ter entre si e com o mundo. A formação de uma consciência ecológica global – que é um dos objetivos nobres desse tipo de arquitetura – pode necessitar de um suporte inicial pragmático como estratégia de convencimento, mas esse pragmatismo não se sustenta com o tempo. Uma abordagem estética inevitavelmente é necessária. Quando Heidegger enuncia que o “homem habita poeticamente”, ele quer dizer que é pela apreensão sensível das coisas e da vida que a existência faz sentido. Enquanto a arquitetura continuar indiferente às inquietações e necessidades de cunho existencial dos indíviduos, das suas comunidades e da humanidade, e se restringindo a seu próprio campo disciplinar, essa incompletude presente no pragmatismo de alto desempenho técnico permanecerá produzindo arquiteturas cuja performance, paradoxalmente, é limitada. Na linha de pensamento em que a natureza é tomada esteticamente como inspiração (2), a performance que interessa é a da percepção. Os arquitetos digitais vinculados a essa prática sem dúvida tiveram influência direta dos experimentos desconstrutivistas, na medida em que o deslocamento que se propunha era duplo, da arquitetura e do sujeito. Pretendia-se a potencialização de experiências que reativassem251 o corpo e a 249 Kent Bloomer (2000, p.232) explica que não é da natureza do ornamento desestetizar ou “anestesiar e homogeneizar a paixão com um véu descolorido de uma geometria mórbida”. 250 Cf. MATURANA; VARELA, 1980; THOMPSON (ed.), 2014; CAPRA; LUISI, 2014. 251 A pressuposição desconstrutivista, já enunciada por Freud, Jung e os filósofos da pós-modernidade, é o entendimento que o ultra-racionalismo espacial, a constituição de uma mentalidade global altamente materialista e a ultra-irracionalidade das atrocidades das grandes guerras mundiais, contribuíram para 232 sensação por estratégias de desfamiliarização, geralmente derivadas de operações de superposição, fragmentação, distorção, ambiguidade e choque. Foi um amplo projeto de reinstalar a estética no âmbito da experiência cotidiana, mas pela porta dos fundos da estética: o sublime e o grotesco. Reanimar o corpo252 de imediato demanda uma postura mais radical que envolve o não-familiar. Os fundamentos teóricos da desconstrução e suas intenções demandavam, portanto, o desmantelamento da representação, ou a desestabilização da metafísica das presenças, conforme Eisenman. Uma característica crucial da prática desses arquitetos é a influência da filosofia de Gilles Deleuze enquanto suporte discursivo, conceitual e operativo. A popularização de conceitos como espaço liso e estriado, dobra, afeto, por exemplo, se deve no mínimo a três instâncias para além das próprias publicações do filósofo: (a) aos influentes textos de Eisenman ao longo da década de 1990, como “Unfolding Events” (1991), “Vision`s Unfolding” (1992), “Folding in Time” (1993), em que discute a tradução da dobra deleuziana ao seu processo de projeto e à topologia de sua arquitetura; (b) às publicações de seu aluno, Greg Lynn, em especial da edição da revista AD “Folding in Architecture” (1993) e de sua coletânea de textos lançada em 1998, “Folds, Bodies & Blobs: Collected Essays” em que cultua o “amorfo” como a configuração radical da dobra; (c) as contribuições do artista e filósofo mexicano Manuel DeLanda (1952-), que mora em Nova York desde meados da década de 1970, quando estudou na NY School of Visual Arts (SVA). Já foi professor na SCI-Arc, e hoje leciona teoria da arquitetura no Pratt Institute School of Architecture e na University of Pennsylvania School of Design. Suas publicações e palestras têm aproximado a filosofia de Deleuze e os desdobramentos científicos e sociais das ciências da complexidade aos círculos arquitetônicos. Os arquitetos que têm buscado na natureza recursos operacionais e estéticos para seus projetos precisam lidar com uma herança anti-representacional, que ganhou um uma repressão e degradação do corpo, fundamentalmente por ser o meio primeiro de apreensão do mundo. 252 A fenomenologia na arquitetura também intentava a reanimação do corpo, mas o caminho transformador que parte do reconhecimento do familiar para a reconstrução de uma relação empática, dentro de um projeto ideológico mais amplo, é lento e gradual. Nesse sentido, em um primeiro momento, o choque é mais efetivo. 233 estatuto moral na cultura arquitetônica contemporânea, e descobrir modos de manter juntas a abstração e a vontade de figuração, subjacente ao desejo pelo natural. Assim, a figuralidade será um dilema e também um sintoma. O desejo pela natureza não está na natureza em si, mas no que ela tem de oculto. O não-visto na natureza é exatamente o que foi revelado pelas teorias da complexidade: seus processos formativos derivados, não da ordem e das formas reconhecíveis, calculáveis, mas do caos, dos sistemas dinâmicos não-lineares, do amorfo. A morfogênese natural passou a incluir o múltiplo e o complicado, a desestabilização e a indeterminação, o grotesco e o incomensurável. A intrincação ornamental da natureza complexa, reprimida do natural e do arquitetural, ressurge como o desejo pelo proibido, pelo excesso, pela exuberância. A lista de arquitetos nessa linha é extensa, mas inclui desde Frank Gehry, Wolf Prix, Zaha Hadid, e Greg Lynn a Michael Hansmeyer e Benjamin Dillenburger (Digital Grotesque), François Roche, Macos Novak, Tom Wiscombe, Marjan Colletti, Ali Rahim, Lars Spuybroek e Hernan Diaz Alonso, para citar poucos. Em contraposição à “performance-oriented architecture”, se propõe o termo “desire-oriented architecture”, isto é, uma arquitetura movida pelo desejo e para o desejo. 9. EXUBERANCE Criticando a objetividade como invariação, evolução como método, usuários como observadores, poder-se-ia dizer que o desafio dessa geração de pensadores criativos (em qualquer disciplina) é um completo engajamento com a atualidade – em oposição à virtualidade – do CAD253. Isso significa que após o período inicial de definição e descobrimento das realidades virtuais, datascapes e ciberrealidades descorporificadas, o empreendimento agora é estabelecer um debate no qual experimentação, tecnologia e progresso não excluam a atualidade das emoções, tradições e identidades – e a busca da exuberância (COLLETTI, 2010b, p. 18-19). Ao passo que Lars Spuybroek (2011), a partir de Ruskin, propõe a interpretação de uma natureza digital para o gótico, discutindo suas estratégias espaciais, ornamentais, compositivas e a mofogênese de suas configurações plásticas; Marjan Colletti (2013) propõe, a partir de Deleuze, uma natureza digital para o barroco, “CyberBaroque”, cuja abordagem é centrada na construção de poéticas digitais (“Digital Poetics”), o que implica a consideração dos processos criativos tanto por parte do arquiteto, como no 253 CAD é um termo genérico – “computer aided design” – para qualquer projeto (design) cuja plataforma operacional é o computador. 234 âmbito mais íntimo de dos agenciamentos humanos com o espaço criado. Assim, Spuybroek e Colletti reinterpretam sistemas ornamentais particularmente anti- clássicos para informar a arquitetura digital em seus processos e intenções plásticas, e desenvolver configurações espaciais que exijam o engajamento do corpo e da imaginação. O ornamento contemporâneo é definido pelo excesso, pela sua ubiquidade espacial e por uma atividade simpática254, isto é, uma disposição plástica para ser objeto e sujeito simultaneamente. Seja nas delicadas formações plásticas de Ali Rahim, ou nas grotescas especiações alienígenas de Diaz Alonso, o ornamento assume a posição de operador do desejo e reinvindica, hoje, uma reavaliação da posição e do modo da fenomenologia em arquitetura. Enquanto a “dobra”, com seu caráter não-representacional, foi altamente relevante para a década de 1990, o crescente desejo pelo ornamental a partir dos anos 2000 configurará o problema da figuralidade. Uma coincidência oportuna foi a publicação em 2003 da primeira versão inglesa do livro de Deleuze “Francis Bacon: The Logic of Sensation”255. Em uma análise compreensiva dos modos operativos do artista Francis Bacon (1909-1992), cujas pinturas revelam a deformação do corpo em condições viscerais, grotescas e inquietantes, o filósofo propõe a interpretação do estatuto das figuras de Bacon como um modo de apresentação a meio termo entre o figurativo e o abstrato: o figural. A pintura [de Bacon] não tem nem modelo a representar, nem história a contar. Por isso, possui como que duas vias possíveis para escapar do figurativo: em direção à forma pura, por abstração; ou em direção a um puro figural, por extração ou isolamento. Se o pintor faz questão da Figura, se toma a segunda via, será para opor o “figural” ao figurativo (DELEUZE, 2007, p.12). No constructo de Deleuze, a distinção fundamental entre o figurativo e o figural é que o primeiro se refere a um objeto ou imagem que se quer representar, enquanto o segundo se refere à sensação. Por sua vez, a abstração teria uma apreensão mais cerebral e menos sensória. O filósofo analisa como é então que Bacon realiza o figural. 254 A condição simpática para o ornamento tem fundamento ruskiniano e é recuperada por Spuybroek em “The Sympathy of Things” (2011). 255 Originalmente publicado em francês em 1981 e republicado em 2002. 235 Algumas das operações interpretadas coincidem com as estratégias que os arquitetos têm utilizado. Essa coincidência não pretende sugerir que os dispositivos morfogênicos dessa linha de pensamento do ornamento contemporâneo são depreendidos de Bacon ou Deleuze, mas constatar o modo figural como a solução encontrada para satisfazer o desejo pelo ornamental256. A categoria do figural é construída por Jean-François Lyotard (1924-1998) em “Discours, figure”, de 1971, e confrontada com a dimensão do discurso, do texto, a partir de ferramentas da psicanálise. O sonho será tomado como o espaço de liberação da imaginação, onde as figuras assumem um caráter figural, pois são desestabilizadas, fragmentadas, retiradas do contexto original e recolocadas em confronto com imagens e circunstâncias, de modo que novas articulações são criadas. São operações do inconsciente que, no mais das vezes, a consciência reprimiria. A figura, no sonho, perde seu referencial, sua forma e seu significado originais. A montagem onírica é um processo de ressignificação que é da ordem do desejo. O poder da figuralidade será discutido, portanto, a partir da transgressão, mas também da condição criadora que a figura assume. Deleuze vê no processo de Bacon a formação do figural, e na pintura, o figural em ação. Uma das operações recorrentes é a intrincação, que aparece em Deleuze na noção das dobras infinitas – o mecanismo molar, a dobra na dobra – e no fundamento dos fractais de Mandelbrot. A intrincação demanda uma complicação da forma em suas várias escalas, de modo que a figura – a configuração ornamental – permita apreensões diversas, sequenciais mas não-lineares257. Esse tipo de estratégia pode ser percebido em trabalhos como o “Digital Grotesque” (2013) de Michael Hansmeyer e Benjamin Dillenburger; projetos experimentais de Marjan Colletti como “Stereoscopic?” (2013) – em que testa os limites da fabricação digital com arabescos gerados a partir de uma única superfície que é dobrada e redobrada continuamente – 256 Sobre a relação entre o desejo e o figura, cf. “Discourse, Figure” de Jean-François Lyotard, em particular o capítulo “Desire`s Complicity with the Figural” (LYOTARD, 2011, p.268-276). 257 Como é caso da arquitetura de Gaudí. Desde a década de 1980, o arquiteto Mark Burry tem assistido na construção da Sagrada Família com a decifragem da geometria de Gaudí. A partir da modelagem tridimensional das peças, dos ornamentos e das estruturas, descobriram-se relações paramétricas altamente sofisticadas que seguem uma lógica fractal de desenvolvimento. Cf. BURRY, M. “Sagrada Familia sXXI: Gaudi ara-ahora-now” (2010). 236 ou “FOAMing” (2013) – em que estruturas esponjosas e fibrosas, também fabricadas digitalmente, conformam espacialidades cavernosas complexas. Fig. 147 | Stereoscopic? (2013), Marjan Colletti. Fonte: http://marjan-colletti.blogspot.com.br/ Fig. 148 | FOAMing (2013), Marjan Colletti. Fonte: http://marjan-colletti.blogspot.com.br/ Arquitetura e arte têm se encontrado no meio do experimental e do sensível. Algumas espacialidades do artista brasileiro Henrique Oliveira (1973-), como “Tapumes” (2009) – em que lascas de madeira de tapumes transformam e animam a planaridade da parede por operações de agrupamento, sobreposição, dobra, deformação, protuberância e invaginação, em que a complexidade está presente na variação e mutabilidade das formas, cores e texturas em diversas escalas de percepção – ou nas obras “Abcesso de Beco” (2011) e “Prolapso das ursalinas” (2012) em que as dobras e redobras dos materiais conformam um caráter intestinal para o espaço. A fractalidade dos espaços cristalinos de Hansmeyer e Dillenburger, dos esponjosos de Colletti e dos intestinais de Oliveira é potente porque incita um olhar que é tátil, que exige o alargamento dinâmico da percepção, que acontece a cada apreensão. O fractal, o intrincado, é o de “espaço háptico-de-curta-visão” de Deleuze (2005, p.493). A configuração plástica da intrincação, isto é, suas superfícies distendidas entre escalas e as consequentes variações cromáticas, texturais e de padrão, é ao mesmo tempo o que incita o desejo e o que realiza o figural. Nesse sentido, a interpretação de Lyotard (2011, p.276) é precisa: “tais são os modos fundamentais de cumplicidade que o 237 desejo compartilha com a figuralidade: a transgressão do objeto, a transgressão da forma, e a transgressão do espaço”. Fig. 149 | Tapumes, 2009. Henrique Oliveira. Fonte: http://www.henriqueoliveira.com/ Outra operação fundamental é a deformação, que Deleuze (2007, p.31) vê em Bacon como “acrobacia da carne”. Há diversas espacialidades ornamentais construídas recentemente a partir dessa estratégia, no entanto, o pavilhão espanhol para a Exposição Mundial em Shanghai, em 2010, projetado por Benedetta Tagliabue258 (1963-), talvez seja uma das obras mais impressionantes já realizadas. O edifício exibe um movimento que é um esforço conjunto da forma, do padrão, das texturas e das cores. O pavilhão surge da interpretação do que poderia ser congruente entre as culturas chinesa e espanhola: chega-se na figura do balaio trançado com fibras de madeira, comum às duas culturas de artes e ofícios. A ressignificação do balaio em painéis ondulados, de dimensões de 2mx1m, trabalhados com quatro tipos de tramas diferentes, e cada tipo possuindo variedades de três tons de marrom, permitiu sua transformação em material de construção, operando como grandes shigles. 258 Arquiteta italiana, diretora do escritório EMBT – mirallestagliabue. Trabalhou com Enric Miralles (1955-2000) desde 1991. 238 A partir dessas unidades básicas ornamentais, uma forma revolta e escamosa foi se configurando até atingir uma escala enorme. Pela deformação em Bacon, Deleuze (2007, p.29) diz que a pintura “constitui uma zona de indiscernibilidade, de indecidibilidade entre o homem e o animal. O homem se torna animal, mas não sem que o animal se torne ao mesmo tempo espírito, espírito do homem (...)”. De modo semelhante, esse limiar inerente ao figural acontece no pavilhão de Tagliabue, e varia conforme o grau de proximidade e cada ponto de vista. Fig. 150 - 155 | Pavilhão espanhol para a Exposição Mundial em Shanghai (2010), Benedetta Tagliabue. Fonte: http://www.mirallestagliabue.com/ 239 Uma das caracterizações do espaço liso que Deleuze (2005, p.488) propõe em “Mil Platôs” é um espaço amorfo “constituído de acúmulos de proximidades, e cada acumulação definie uma zona de indiscernabilidade própria do vir-a-ser [becoming]”. Esse “tornar-se” da arquitetura, pelo figural, precisa acontecer em uma configuração intermediária, que seja entre, meso, “menos que um volume e mais que uma superfície”, como continua Deleuze. A congruência (não-dita) entre o modo figural e a noção de espaço liso é relevante pelo estatuto duplo que assume o espaço – de objeto e sujeito –, possibilitado fundamentalmente pela figura cuja forma é indefinível e cujo significado é inapreensível. É só quando desejo encontra a imaginação que os processos de significação começarão a ocorrer. O figural conformado pela deformação do corpo escamoso e pelas variações cromáticas e texturais ritmadas e do pavilhão de Tagliabue permite que o objeto assuma um “poder do olhar” (DIDI-HUBERMAN, 2010, p.148), pois consegue uma disposição diferente do sujeito. Pela estratégia violenta da deformação, a figura é animada à força, por forças, enquanto pela delicadeza de seu recobrimento, uma atmosfera quase onírica se instala. A associação do figural com o desejo que essa arquitetura permite, possui correspondências diretas com os “Tapumes” de Oliveira e suas instalações tuberculosas como a “Transarquitetônica” (2014) e o “Prolapso das Ursalinas” (2012), em que um tubérculo brota no interior da galeria em um processo simbiótico com o chão e as paredes, até atravessar para o hall de acesso do edifício. A contínua expansão exerce pressão contra as superfícies limites e por fim extravasa para o pátio externo e atinge uma condição de estabilidade. Fig. 156 - 157 | Transarquitetônica. Fonte: http://www.henriqueoliveira.com/ 240 Fig. 158 - 160 | Prolapso das Ursalinas. Fonte: http://www.henriqueoliveira.com/ Fig. 161 - 162 | Convolous. Fonte: http://katemccgwire.com/ Fig. 163 - 164 | Slick. Fonte: http://katemccgwire.com/ A ambiguidade entre o real e o mágico, possibilitada pela figura desfigurada e pelo seu confronto com a familiaridade do espaço, também pode ser percebida nas impressionantes esculturas penadas da artista inglesa Kate MccGwire (1964-): o entrelaçamento sem começo nem fim de corpos esquios de tons esverdeados, como em “Convolous” (2015), e a maleabilidade têxtil de um agrupamento amorfo de penas 241 de um azul intenso, que é quase animado por um movimento estático rastejante, como na instalação “Slick” (2010). É o confronto do corpo e da imaginação com a dúvida inquietante do momento limiar entre vivo e não-vivo, entre orgânico e artificial, o familiar e o alienígena. É assim que se entrelaçam, na aura, a onipotência do olhar e a de uma memória que percorre como quem se perde numa “floresta de símbolos”. Como negar, com efeito, que é todo o tesouro do simbólico – sua arborescência estrutural, sua historicidade complexa sempre relembrada, sempre transformada – que nos olha em cada forma visível investida desse poder de “levantar os olhos”? Quando o trabalho do simbólico consegue tecer essa trama de repente “singular” a partir de um objeto visível, por outro lado ele o faz literalmente “aparecer” como um acontecimento visual único, por outro o transforma literalmente: pois ele inquieta a estabilidade mesma de seu aspecto, na medida em que se torna capaz de chamar uma lonjura na forma próxima ou supostamente passível de posse (DIDI- HUBERMAN, 2010, p.150). A qualidade simpática que essas obras configuram é o que permite categorizar esse grupo de arquitetos como “desire-oriented”. A condição figural para essa prática ornamental é potente porque seu caráter não-representacional é abertura para a imaginação e, por conseguinte, para o desejo. Mas um desejo pelo desconhecido e pelo irreconhecível, aquilo que ainda não foi denominado, que é estranho mas instigante. O figural permite que a figura seja reacessada sempre de outro modo, porque destituída de origem e porque intrincada. A repercussão fundamental do processo da “dupla distância” de Didi-Huberman é a realização de domínios simbólicos. No caso do ornamento figural, esses domínios se constituem como singularidades abertas e não como sistemas fechados, unitários e totalizantes. ... No segundo grupo de arquitetos, que têm se associado a equipes transdisciplinares para abordar a emergência a partir da literalidade, é difícil delimitar alguma linha específica de pensamento uma vez que os grupos de pesquisa-projeto realizam experimentações muito variadas. O que une as diversas práticas é a gradual dissolução dos limites entre natural e artificial. Os avanços na biotecnologia em breve permitirão 242 que arquiteturas sejam pensadas e germinadas a partir da escala nano (um milionésimo de milímetro) e micro (um milésimo de milímetro), tanto por meio de organismos vivos (bactérias, fungos e algas, por exemplo), como compostos químicos, ou ainda cristais de materiais inorgânicos. A diferença entre os sistemas é o modo de “programação” dos compostos elementares, que pode variar de manipulação genética de DNA à seleção e combinação de compostos químicos cujos comportamentos, funções e lógica de crescimento podem ser manipulados. Assim, a nível molecular, crescimento, desenvolvimento e relações com o ambiente podem ser controlados, assim como funções programadas. Essa vertente da arquitetura – e também do design, da arte e da engenharia de materiais –, por ser ultra-recente, tem sido referida por diversos termos: o artista Oron Catts, diretor do grupo SymbioticA, usa o termo “semi- living structures”; a médica Rachel Armstrong, diretora do grupo AVATAR, prefere “living architecture”; o arquiteto Marcos Cruz, editor da plataforma Syn.De.Bio (Synthetic Design Biotopes), usa o termo “neoplasmatic design”. Os trabalhos de Cruz e Catts têm sido informados tanto pelas ferramentas da ciência como por paradigmas culturais e produções artísticas. A noção do corpo ciborgue, surgida nos anos 1980, no qual a simbiose entre máquina e organismo significa a transposição da barreira da integridade do corpo e da natureza. Donna Haraway (In SPILLER, 2002, p.111), em seu manifesto ciborgue259, enuncia: “nenhum objeto, espaço ou corpo é sagrado em si mesmo; qualquer componente pode ser interfaceado com outro se o padrão adequado, o código adequado, pode ser construído para processar sinais em uma linguagem comum”. Tal proposição toma caráter profético no texto do artista Stelarc (1995), publicado na revista AD “Architects in Cyberspace”, quando declara a desvantagem de se permanecer humano, limitado à fragilidade do corpo, na era da invasão de tecnologias biocompatíveis e o potencial dos sistemas simbióticos para ampliação das capacidades humanas. Desse modo, reconhece uma condição “pós-humana”260 e a necessidade de um corpo cibernético. 259 “Cyborg Manifesto: Science, Technology, and Socialist Feminism in the late 1980`s”, originalmente publicado em 1985 no periódico Socialist Review. 260 Cf. N. Katherine Hayles: “How We Became Posthuman: Virtual Bodies in Cybernetics, Literature and Informatics” (1999); e Robert Pepperell: “The Posthuman Condition: Consciousness Beyond the Brain” (2003). 243 Desde 1998, o arquiteto português Marcos Cruz261 tem pesquisado a possibilidade de uma arquitetura neoplasmática, que pretende explorar a fabricação de peles e membranas a partir de compostos bio-sintéticos e discutir as futuras implicações culturais e estéticas de espaços construídos com o que hoje se denomina “smart materials”, materiais produzidos a partir de engenharia molecular cujos compostos ou são inorgânicos, e têm seus comportamentos “programados”, ou são químicos e biológicos em condições semi-vivas, possuindo características de sistemas vivos mas que não se configuram biologicamente como vivos. Atualmente, Cruz coordena o BiotA LAB (Biotechnology and Architecture) na Bartlett (UCL) e tem realizado pesquisas em modelagem digital paramétrica de processos morfogenéticos naturais em paralelo a estudos laboratoriais de materiais bio-sintéticos. O projeto mais recente foi a fabricação robótica de estruturas autoportantes de hidrogel, um material líquido que se comporta como sólido, possuindo uma elasticidade semelhante à da pele humana. Fig. 165 | Hidrogel. Fonte: http://www.biota-lab.com/ Entre 2000 e 2007, como parte de sua pesquisa de doutorado, seu interesse maior estava nas implicações estéticas de uma arquitetura simbiótica com tecidos bio- sintéticos animais. Na época, seu interesse pela estética carnal e visceral o levou a investigar o imaginário da ficção científica de organismos mutantes e corpos 261 Cruz é professor na Bartlett School of Architecture (University College London), desde 1999, foi seu diretor entre 2010 e 2014 e atualmente é o coordenador do BiotA LAB (Biotechnology and Architecture), um grupo colaborativo interdisciplinar, que tem produzido trabalhos que mesclam arquitetura e biologia sintética, engenharia molecular e ciência dos materiais. Em 2008 editou um número da revista AD com o tema “Neoplasmatic Design” e recentemente publicou o livro “The Inhabitable Flesh of Architecture” (2013), derivado de sua tese de doutorado (2007). 244 alienígenas, certas vertentes artísticas como “bio art”, “carnal art”, “posthuman art”, e em especial a produção cibergótica de H. R. Giger (1940-2014), as esculturas armofas de Louise Bourgeois (1911-2010) e as peças animalescas e mutantes de Patrícia Piccinini (1965-). Segundo Cruz (2008a), o termo “plasmático” diz respeito à capacidade de dar forma e se relaciona à formação de tecido biológico, mas também refere-se ao termo “plásmico”, que diz da natureza do plasma. Realizou dois projetos importantes, um apenas digital, o Cyborgian Interfaces (2004-2007), e um projeto com experimentação de tecido bio-sintético foi o “Fabric Epithelia”, de 2002, em que testou técnicas avançadas de cultura de tecidos in vitro262. Fig. 166-168 | Cyborgians Interfaces. Fonte: http://marcoscruzarchitect.blogspot.com.br/ Fig. 169-170 | Fabric Epithelia. Fonte: http://marcoscruzarchitect.blogspot.com.br/ Dos experimentos mais promissores atualmente, estão as pesquisas na tecnologia protocelular. Em 2011 foi lançada uma edição da revista Architectural Design (v.81, n.2) com o tema “Protocell Architecture”, editada por Neil Spiller e Rachel Armstrong, do grupo AVATAR (Advanced Virtual and Technological Architecture Research). A 262 Sobre esse assunto, conferir o trabalho de Oron Catts na pesquisa permanente “The Tissue Culture and Art Project” vinculada ao grupo SymbioticA. 245 tecnologia protocelular é extremamente recente, que decorre de pesquisas para a construção de um aglomerado químico, que possue características de organismos vivos, “na forma de um sistema celular artificial que é capaz de auto-manutenção, de auto-reprodução e potencialmente evoluir” (ARMSTRONG, 2011, p.17). As protocélulas são glóbulos moleculares simples, cuja construção ocorre criando duas soluções de sistemas químicos a partir de diferentes tipos de moléculas orgânicas e inorgânicas. Essas soluções são postas separadas em um determinado meio por uma barreira semipermeável que criará um gradiente eletroquímico (de energia) entre os dois sistemas. O biólogo e professor Martin Hanczyc263, um dos pioneiros no desenvolvimento de tecnologias protocelulares, explica como ocorre o processo de emergência das protocélulas: As propriedades químicas e físicas das moléculas individuais governam sua formação em estruturas de maior complexidade, como ocorre em células de membranas sintéticas. As estruturas são coleções de centenas de milhares de moléculas que passam a possuir propriedades que não apresentavam como moléculas individuais (HANCZYC, 2011, p.27). Há diferentes tipos de tecnologia de protocélulas, cujas propriedades adquiridas no seu processo de emergência dependem dos sistemas químicos preparados, do meio em foram formadas e do seu metabolismo interno. As protocélulas possuem um metabolismo simples: a auto-formação dessas estruturas complexas demanda consumo de energia e matéria, de modo que, para manter seu crescimento e não deixar o sistema chegar em ponto de equilíbrio, é necessário um contínuo fornecimento de matéria – basicamente, mais líquido protocelular. As microestruturas se transformarão em materiais inertes através de interação e engajamento coletivos com processos ambientais dinâmicos, tanto internos ao sistema quanto externos. Armstrong (2011b, p.73) explica que pela variação do meio e do metabolismo interno, “a tecnologia protocelular pode ser quimicamente programada para criar uma variedade de superfícies e microestruturas cujas formas são reminescentes de estruturas biológicas”, no entanto, as protocélulas se diferenciam fundamentalmente 263 Hanczyc atualmente é professor e pesquisador no Instituto de Física e Química da University of Southtern Denmark e vinculado ao Center for Fundamental Living Technology (FLinT). Entre 2009 e 2012 ele esteve na posição de Palestrante Honorário Senior na Bartlett School of Architecture, University College London. 246 dos organismos vivos por não terem sido produzidas a partir do sistema regulardor do DNA. Fig. 171 | Hylozoic Ground. Fonte: http://philipbeesleyarchitect.com/ O exemplo mais contundente do uso dessa tecnologia no campo da arquitetura são as instalações do arquiteto canadense Philip Beesley (PBAI / University of Waterloo), em particular a “Hylozoic Ground”, que foi selecionada para representar o Canadá na Bienal de Arquitetura de Veneza em 2010. O trabalho é parte de uma série de instalações realizadas em colaboração com, dentre outros profissionais, Rachel Armstrong (AVATAR) e Martin Hanczyc (FLinT). Trata-se de uma ambiência configurada por uma floresta suspensa por um material geotêxtil e populada por uma flora alienígena, diversificada e intrincada de acrílico transparente. As centenas de rendilhados e elementos exuberantes altamente delicados foram projetadas e fabricadas digitalmente. Cada entidade apresenta características formais e comportamentais semelhantes quando da mesma espécie, mas podem ser tomadas como sistemas autônomos, pois foram acopladas com microprocessadores e sensores de proximidade que reagem à presença humana. Assim, à medida que a interação vai acontecendo, densos agrupamentos de entidades estranhas começam a se movimentar, pulsando, respirando e exibindo uma luminescência própria. Junto a esse sistema mecânico, foi introduzido um sistema úmido de balões químicos de vidro, membranas plásticas e tubos flexíveis que interconectam todo o conjunto e trazem água dos canais de Veneza para abastecimento do sistema. Segundo Beesley (2010), esses aparatos funcionam como glândulas primitivas contendo líquidos digestivos 247 sintéticos e sais, que formarão as protocélulas. Seu crescimento é influenciado pelo movimento das pessoas, da flora e da variação luminosa. Fig. 172-175 | Sistema Ornamental. Hylozoic Ground. Fonte: http://www.hylozoicground.com/Venice Dois compostos químicos nomeados de Butschli e Protopearl foram desenvolvidos por Armstrong e Hanczyc e consistem em uma interface simples de água e azeite, que reagem também ao dióxido de carbono solto no ar. Apenas o sistema Butschli recebe gotas de hidróxido de sódio, de modo que o metabolismo do sistema gera uma série de cristais coloridos, que se agrupam na zona de interface e conformam uma superfície cristalina maleável. Já o Protopearl produz carbonato em forma de gotas que permanecem na superfície sem se agrupar para formar outras estruturas. Armstrong (2010) explica que esse experimento permitiu observar que as protocélulas não só são capazes de se transformar no seu próprio meio a nível individual, mas cooperam e interagem enquanto uma população, semelhante a uma colônia. 248 Fig. 176-178 | Protocélulas. Hylozoic Ground. Fonte: http://www.hylozoicground.com/Venice O potencial para a criação de materiais sintéticos inteligentes e estruturas auto- organizadoras é enorme. É possível ter um alto grau de controle da morfogênese dos compostos materiais, o que significa controle sobre a forma. Assim como Spuybroek (2011) interpreta as operações de variação e mutabilidade presentes no gótico como a sua natureza digital, isto é, seu comportamento paramétrico, é possível mapear a morfogênese de cada variedade de protocélulas, a partir de ferramentas microeletrônicas, de modo a decifrar o seu padrão de comportamento e traduzí-lo para a linguagem digital da arquitetura: o algoritimo. Nesse sentido, é fundamental seguir em três caminhos distintos, mas complementares, simultaneamente: (1) um é o caminho que Rachel Armstrong e Martin Hanczyc estão trilhando, que envolve a invenção e o teste de novas tecnologias protocelulares, e exigirão uma equipe interdisciplinar com alto grau de conhecimento físico-químico, uma capacidade criativa e visionária enorme e um entendimento sofisticado de engenharia de materiais. (2) O outro é o caminho que Neri Oxman264 tem seguido nas suas pesquisas, envolvendo o mapeamento de comportamentos de protocélulas ou de organismos biológicos com propriedades semelhantes. A parametrização deve envolver especialmente as condições externas que influenciam no desenvolvimento da forma. É necessário ainda desenvolver estratégias de fabricação digital que consigam simular a estrutura protocelular em diversas escalas, possibilitando avaliações físicas ainda mais rígidas. (3) O terceiro caminho é até então o menos explorado, e talvez o mais difícil de delimitar, que é a formulação de uma nova filosofia do design que ultrapasse a abordagem corrente, que se limita aos aspectos tecnológicos emergentes. A tecnologização e racionalização da natureza precisam ser contrabalanceadas por uma 264 Cf. o artigo de Oxman “Proto-Design” publicado na AD “Protocell Architecture”, v.81, n.2, 2010. 249 dimensão estética, porque aí o corpo estará inserido e, por conseguinte, sua a capacidade simpática, uma qualidade de “estar com”, que é necessariamente ontológica. 250 CONCLUSÃO Uma conclusão precisa sempre criar aberturas, e no contexto de um empreendimento longo e complexo como o dessa pesquisa, é necessário reacessar e costurar o percurso trilhado, que foi difuso e múltiplo, para tentar delimitar o que tese fez e avaliar criticamente o que ela pode fazer agora, no momento de sua conclusão-abertura. Esta tese, desde sua germinação, esteve imbricada em uma pré-disposição epistemológica bem anterior a ela, uma que se funda primordialmente na estética para lidar com as questões do espaço. A estética, a aisthésis, envolve as operações da sensação e da percepção e diz dos modos de relação entre as pessoas e as coisas. A escolha da categoria ornamento como objeto de pesquisa pretendeu se configurar como uma provocação. No contexto cultural em que essa investigação ocorreu, imerso em uma herança modernista da economia do plano, falar em ornamento é sinônimo de heresia, uma vez que transgride os valores puristas e esnoba qualquer legitimação funcional. Nessa cultura arquitetônica local, os termos “estética” e “ornamento” têm sido tomados paulatinamente como dispensáveis: - Mas isso é só estético... ou – Para que isso serve? A natureza desse tipo de pergunta implica a exigência da necessidade (prática) para algo reinvidicar sua existência. O ornamento incomoda e isso potencializa a repercussão da tese. O escopo inicial da pesquisa foi configurado pelo reconhecimento do valor crítico com que o ornamento estava sendo apresentado na arquitetura experimental. Ele tinha uma condição excessiva que se manifestava nas formas voluptuosas, inquietantes e aparentemente inconstruíveis. A proposta da tese era avaliar essa produção à luz de operadores teóricos estéticos: o corpo; a tectônica, o ornamento e o figural; imaginação poética; espaço e percepção. O que se vislumbrava era um potencial de outros modos (sensíveis) para a arquitetura do futuro, em que o ornamento experimental se mantinha junto a uma epistemologia de base fenomenológica. Certo tempo de pesquisa foi necessário para ver que a dimensão da abrangência do ornamental na cultura digital era consideravelmente maior do que inicialmente delimitado. O ornamental já se revelava uma tendência, pelo menos nos centros 251 experimentais de arquitetura. As perguntas gerais formuladas na proposta inicial, que se tentou responder ao longo da tese, permaneceram pertinentes: 1. Como a arquitetura experimental atual pode informar a fenomenologia? 2. Como a fenomenologia e a sua revisão crítica contemporânea podem instigar novas abordagens no pensamento e na prática arquitetônicos? No entanto, o desafio passou a ser outro. A tese sofre uma reviravolta quando foi reconhecida a necessidade de descobrir as origens dessas práticas ornamentais. Era evidente a incompatibilidade do ornamento pós-moderno historicista e novo ornamento radical, que em um primeiro momento foram tomados pela oposição entre clássico e anti-clássico. Não era descartada uma emergência “espontânea”, mas discursos, como os de Marjan Colletti e Wolf Prix, que empregavam termos como “ciberbarroco” davam indícios de um rastro mais profundo. Desse modo, o próximo passo foi retornar ao momento histórico em que Adolf Loos rechaça o ornamento, o elimina da nova agenda elementarista e garante vida próspera à brancura planar até a década de 1950, conforme o discurso da historiografia do século XX. O foco da investigação foi direcionado para contexto da virada do século XIX para o XX, que parecia poder dar algumas respostas para os novos problemas que a tese foi exigindo. Perguntas importantes tiveram que ser adiadas: Se a poética será a condição para uma arquitetura experimental fenomenológica, como o campo plástico da arte pode informar a arquitetura na sua intenção de recuperar o corpo pela categoria do figural? Com o novo foco, as perguntas tiveram que se transformar em indagações mais básicas, mas determinantes: Por que é a poética que será a condição para o novo ornamento? Por que é a figuralidade que exigirá do corpo outra disposição? O mergulho nas práticas ornamentais da virada do século foi revelador: as manifestações do Art Nouveau estavam presentes em diversos países da Europa, e apesar de distintos em suas abordagens, eram organizados, tinham uma agenda comum e estavam 252 conectados. Foi possível distinguir alguns expoentes, como Henri van de Velde, Victor Horta, Hector Guimard, Joseph Maria Olbrich, Antoni Gaudi, dentre outros, e estabelecer redes de relações para ver influências, grupos, colaborações. Foi então que os diagramas relacionais passaram a ser dispositivos fundamentais para tornar visível uma genealogia. A produção de alguns desses arquitetos foi confrontada tanto com teóricos do ornamento como Wilhelm Worringer, Owen Jones e John Ruskin, quanto com certas produções culturais e científicas, como Darwin e Haeckel, que contribuíram para a conformação de uma sensibilidade naturalista. Deu-se mais ênfase na discussão da arquitetura de Gaudi tanto pela influência que gerou, quanto pela sofisticação que seu sistema ornamental adquiriu. De modo semelhante, o movimento de Arts and Crafts foi analisado à luz dos sistemas ornamentais de Sullivan, Wright e Mackintosh, sendo os dois primeiros confrontados com seus próprios textos. Além da rede abrangente de relações, a descoberta mais importante foi o grau de imbricação das filosofias naturalistas nos discursos, nas obras e no posicionamento de vida desses arquitetos. O que os diversos modos do ornamento ao final do século XIX e início do XX têm em comum é o fundamento natural, que se manifesta nas formas e/ou nos discursos. A tese reconhecerá a figura de Wright como a mais influente para as práticas ornamentais no século XX, por ter delineado um sistema de valores coerente com um sistema arquitetônico – a “arquitetura orgânica” –, pelo esforço em agenciar a formação de gerações de arquitetos colaboradores e disseminadores de uma arquitetura que pretende o equilíbrio e uma simbiose “espiritual” entre natureza, construção e homem. Assim, a pesquisa dedica um capítulo que delineia os fundamentos da arquitetura orgânica e outro que apresenta alguns arquitetos organicistas e tenta categorizar os modos ornamentais decorrentes da influência de Wright, Gaudí e Rudolf Steiner, que antecipam configurações contemporâneas do ornamento: o geométrico, o amorfo e o figural. Esse empreendimento genealógico realiza pelo menos cinco tarefas: (1) desestabiliza a grande narrativa modernista da primeira metade do século XX ao evidenciar a construção de uma arquitetura de resistência de caráter naturalista, ornamental e anti-clássico; (2) mostra a pré-formação de três domínios do ornamento, cujos modos 253 se assemelham às configurações ornamentalistas digitais a partir da década de 1990; (3) evidencia a quantidade de arquitetos orgânicos, e sua rede de influências, que adentram as décadas da pós-modernidade, coexistem com outras vertentes, mas continuam invisíveis ao contexto cultural e à historiografia contemporânea; (4) permite ver as diferenças que distanciam as práticas ornamentais orgânicas das digitais e paramétricas: mais que a oposição entre analógico e digital é a relação profunda com a natureza, física e espiritualmente, que os arquitetos orgânicos possuem e que é traduzida para a arquitetura com um tipo de sensibilidade fenomenológica para o lugar, os materiais e a dimensão psicológica das pessoas; (5) as dessemelhanças permitem ver os modos distintos de lidar com os mesmos problemas: ambos têm a natureza como modelo e querem ser anti-clássicos. Se a primeira parte da tese possui uma arbodagem mais histórica, a segunda é mais teórica, conturbada e complexa. Para retirar o ornamento de sua condição reprimida e descobrir os pontos de recalque, confrontos, embates e debates foram necessários. Escolheu-se deixar de fora da tese uma análise mais profunda da produção ornamental historicista, tanto por já ter sido muito tratada, quanto por ser completamente negada pelos novos modos ornamentais. É por isso que o principal problema com que o ornamento contemporâneo precisa lidar é a tradicional condição representacional que geralmente é atribuída a ele. Uma vez que a natureza se tornará o fundamento do ornamento digital, o trabalho da tese foi precisar os artifícios discursivos, conceituais e operacionais utilizados para tentar desvincular figura de representação. A principal hipótese que é lançada na segunda parte da tese é que as motivações para a emergência de tantas práticas ornamentais recentemente são apenas parcialmente explicadas pelos avanços tecnológicos na área de computação gráfica. O desejo de ornamentar, que essa investigação desenterrou desde Frampton e Eisenman, é o que move a atual prática digital. A partir do momento que as ciências da complexidade legitimaram a condição anti-clássica, anti-representacional, anti-euclidiana da natureza, outro tipo de olhar foi lançado para a analogia biológica. Não será coincidência, portanto, as referências a Deleuze para subsidiar as novas práticas. Uma legitimação dupla, científica e filosófica, pareceu ser suficiente para o recalque ser 254 resolvido e o ornamento emergir e se alastrar rapidamente. A herança naturalista de Deleuze, em Bergson e Whitehead, permite o trânsito filosófico entre ciência e teorias da sensação: a morfogênese fractal da dobra e a indiscernabilidade da figura. Essa é a fórmula que será sintetizada para o ornamento operar. A base deleuziana, contudo, é problemática para dar conta do ornamento arquitetural: O corpo, portanto, não tem órgãos, mas limiares ou níveis. De modo que a sensação não é qualitativa nem qualificada: ela possui apenas uma realidade intensiva que nela não determina mais dados representativos, mas variações alotrópicas. A sensação é vibração (DELEUZE, 2007, p.51). Se em Deleuze há sensações que possuem níveis e intensidades, é estranho a inexistência de desejos. A supressão da imaginação é incongruente com o campo do sensível e a sensação não pode ser resumida em estímulos físico-químicos. Um projeto de resgate do corpo, com todas as suas implicações fenomenológicas, não pode reconhecer uma percepção que opera como uma máquina. A condição ornamental da arquitetura tem o potencial de demandar do sujeito a disposição para outra sensibilidade, para outro corpo. Movimento, tato, visão aplicam-se, a partir de então, ao outro e a eles próprios, remontam à fonte e, no trabalho paciente e silencioso do desejo, começa o paradoxo da expressão (MERLEAU-PONTY, 2000, p.140). Uma agenda para o ornamento contemporâneo deve contemplar a natureza para além das dimensões do paramétrico-matemático e do tecno-científico. É necessária uma abertura para o estético, o que implica reacessar a outra arquitetura orgânica para aprender como Wright. Ele diz da indissociabilidade entre matéria e espírito, no homem e na arquitetura. Se falar em espírito está fora de moda na arquitetura, podemos falar da aura benjaminiana, da carne de Merleau-Ponty ou da dupla distância de Didi-Huberman. A arquitetura orgânica vem de uma longa tradição de reverência à natureza, o que significa ter outra disposição para as coisas da vida. É necessário a imbricação entre o ornamento da performance e o performático. Essa performatividade do ornamento não é necessariamente um movimento, mas um caráter simpático, um “estar com”. A “arquitetura viva” precisa ser antes a de Ruskin para poder ser a de Rachel Armstrong. 255 O título da tese “A condição ornamental” quer dizer da natureza do novo panorama que se instala na contemporaneidade que, mesmo com toda sua diversidade, suas limitações e seus potenciais, constitui um momento chave na história recente; é a supremacia do intrincado, do voluptuoso, do exuberante. Mas o ultra-racionalismo, em outra roupa, ainda se esconde por trás da performance. O título, então, também quer dizer da condição mesma do ornamento. Esse panorama em expansão demanda um chamado para a reflexão crítica sobre que condição que se quer para o ornamento: enquanto o da performance possui certas prerrogativas ecológicas; o performático se preocupa com o sensorial, correndo o risco do fetiche biológico ser apenas um disfarce ecológico. A proposta que aqui se faz é que o novo ornamento seja também o novo orgânico, combinando a alta tecnologia com uma consciência ecológica alargada e a sensibilidade necessária para lidar tanto com o múltiplo quanto com as singularidades. É próprio da percepção a construção de significado. Isso significa que as figuras não têm escapatória, elas serão imbuídas de dimensões simbólicas. Talvez o ornamental, esta abertura para o sensível e o simbólico, seja a natureza mesma da arquitetura. Se o ornamento é imbricado na arquitetura, assim também o é a arte: uma espistemologia contemporânea para a arquitetura deve ter a arte como contrabalanceamento da ciência; na verdade, para essas intenções tomarem corpo e haver embrenhamento, somente uma epistemologia das práticas espaciais e do sensível conseguirão atravessar o cientificismo racionalista e acessar a natureza por outras vias. 256 REFERÊNCIAS ALEXANDER, Christopher. Notes on the synthesis of form. 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