Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras LUIZA SANTANA CHAVES Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: Imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Belo Horizonte Dezembro / 2014 Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras LUIZA SANTANA CHAVES Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: Imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras: Estudos Literários (Pós-Lit) da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE/UFMG), como requisito à obtenção do título de Doutora em Estudos Literários. Área de Concentração: Teoria da Literatura e Literatura Comparada. Linha de Pesquisa: Literatura, História e Memória Cultural (LHMC). Orientador: Prof. Dr. Elcio Loureiro Cornelsen. Belo Horizonte Dezembro / 2014 Tese intitulada Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún, de autoria de LUIZA SANTANA CHAVES, aprovada pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores: ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Elcio Loureiro Cornelsen – FALE/UFMG – Orientador ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Elisa Maria Amorim Vieira – FALE/UFMG ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Ram Avraham Mandil – FALE/UFMG ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Silvia Inés Cárcamo de Arcuri – UFRJ ______________________________________________________________________ Profª. Drª.Valeria de Marco – USP Membros suplentes: ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Antônio Alexandre – FALE/UFMG ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Melissa Gonçalves Boëchat – UFVJM ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Myriam Corrêa de Araújo Ávila – Coordenadora do Programa de Pós- Graduação em Letras: Estudos Literários da UFMG Belo Horizonte, _______________________________. AGRADECIMENTOS Agradeço de todo o coração: À Luz Maior pela existência, energia e movimento; Aos meus pais, Sueli Santana e Daécio Chaves, pela dedicação e amor incondicional; Ao Rômulo Miconi Ferreira pelo amor, carinho, incentivo e companheirismo. Ao Pedro Henrique, meu irmão, pela alegria e amizade; Às queridas amigas Carla Miranda, Marci Menezes, Elizabeth Guzzo, Dília Andrade, Renata Passos e Ludmila Coimbra, pela torcida e boas vibrações; Ao professor Elcio Cornelsen pelos debates elucidadores e pela atenciosa orientação durante todo o percurso do doutorado; À professora Elisa Amorim pela companhia enriquecedora e pela presença carinhosa desde o início da minha trajetória acadêmica; Aos membros da banca de qualificação, professoras Valéria de Marco e Elisa Amorim, pelas leituras atentas, comentários críticos e sugestões que me permitiram reestruturar e circunscrever melhor as etapas da Tese. Aos meus alunos, orientandos e colegas de trabalho do Colégio Pedagógico da UFMG, em especial aos companheiros do Núcleo de Letras e professores do Segundo Ciclo de Formação Humana, pelo apoio e incentivo. Dedico esta Tese, in memoriam, a Webert dos Santos Chaves (16/08/1983-16/08/2013) meu irmão de coração, na certeza de que quem compartilha convivências e memórias, constrói histórias duradouras e inesquecíveis. Sou imensamente grata por ter conhecido e ter feito parte da vida do Betinho, sua presença é constante nas minhas melhores lembranças da infância-adolescência: Até mais amigo, ainda nos veremos... Resumo A presente Tese tem como horizonte investigativo a leitura analítica, a partir de uma perspectiva comparativa, dos livros de Jorge Semprún L'écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté... (1998), escritos originalmente em francês e, posteriormente, traduzidos ao espanhol – La escritura o la vida (1995) e Adiós, luz de veranos... (1998). A análise, centrada nos textos, não prescinde de uma reflexão das relações entre história e vivência que se apresentam para Jorge Semprún como potencializadores das atividades de reminiscência e escritura, estabelecendo estreitos vínculos entre experiências traumáticas, história coletiva e literatura ao longo de sua obra. Os conceitos que subsidiam a Tese são: imagem, memória, trauma, ficção, língua e identidade. Indaga- se: de que forma os relatos literários dos sobreviventes de eventos traumáticos afetam a tradição dos estudos literários numa perspectiva comparada? Constata-se, entre outras considerações, que a literatura de testemunho vincula estética e ética como campos indissociáveis de pensamento, já que toda ela se desnuda em uma questão bem atual: como colocar em literatura os acontecimentos traumáticos vivenciados no século XX? Até que ponto o trauma é (in)dizível, é (in)traduzível? Uma escrita sobre eventos traumáticos pode narrar algo além da sua própria impossibilidade narrativa? Palavras chave: Jorge Semprún – Testemunho – Imagem – Memória – Trauma – Guerra Civil Espanhola – Segunda Guerra Mundial – Buchenwald. Resumen La Tesis investiga desde una perspectiva comparatista las obras de Jorge Semprún L'écriture ou la vie (1994) y Adieu, vive clarté... (1998), escritas originalmente en francés y traducidas posteriormente al español – La escritura o la vida (1995) y Adiós, luz de veranos... (1998). El análisis se centró en los textos, pero no prescindió de reflexionar sobre las relaciones entre la historia y la experiencia, que se presentan para ese escritor como potenciadores de las actividades de reminiscencia y de escritura, mediante el establecimiento de estrechos vínculos entre experiencias traumáticas e historia colectiva a lo largo de su producción literaria. Los conceptos que apoyan la Tesis son: imagen, memoria, trauma, ficción, lengua e identidad. Se busca indagar: ¿cómo los relatos literarios de los sobrevivientes de eventos traumáticos afectan a la tradición de los estudios literarios desde una perspectiva comparativa? Se ve, entre otras consideraciones, que la literatura de testimonio vincula estética y ética como aspectos inseparables del pensamiento, poniendo en evidencia un interrogante bien actual: ¿cómo poner en literatura los eventos traumáticos vivenciados en el siglo XX? ¿Hasta qué punto es el trauma (in)decible, (in)traducible? ¿Puede una escritura sobre eventos traumáticos contar algo más allá de su propia incapacidad en narrar? Palabras clave: Jorge Semprún – Testimonio – Imagen – Memoria – Trauma – Guerra Civil Española – Segunda Guerra Mundial – Buchenwald. Résumé Cette Thèse est la lecture analytique, dans une perspective comparative, de les livres L'écriture ou la vie (1994) et Adieu, vive clarté... (1998), écrits par Jorge Semprún à l'origine en français et puis traduits en espagnol – La escritura o la vida (1995) et Adiós, luz de veranos... (1998). L'objectif de l'analyse sont les textes littéraires, mais en même temps, nous refléteront aussi sur la relation entre l'histoire et l'expérience qui, pour l'auteur, apparaît comme améliorateurs de la réminiscence et de l'écriture, établissement des liens étroits entre les expériences traumatiques, histoire, littérature et memoire collective au long de l'œuvre de Semprún. Les concepts qui soutiennent la Thèse sont: image, mémoire, trauma, fiction, langue et identité. On s'enquérir: comment les comptes littéraires de survivants d'événements traumatiques affectent la tradition des études de littérature dans une perspective comparative? On peut voir, entre d’autres considérations, que la littérature de témoignage lie l'esthétique et l'éthique en tant que des champs indissociables de la pensée, comme une question fondamentale: comment mettre sur les événements traumatisants du XXe siècle en texte littéraire? Dans quelle mesure le traumatisme est (dé)dicible, est (in)traduisible? Que peut raconter le roman sur le traumatique au-delà de sa propre incapacité à raconter? Mots-clés: Jorge Semprún – Témoin – Image – Mémoir – Trauma – Guerre Civile Espagnole – Seconde Guerre Mondiale – Buchenwald. Abstract The Thesis is the analytical reading with a comparative perspective of L'écriture ou la vie (1994) and Adieu, vive clarté... (1998), originally written in French by Jorge Semprún and subsequently translated into Spanish – La escritura o la vida (1995) and Adiós, luz de veranos... (1998). The focus of analysis is on the texts, but at the same time reflecting on the relationship between history and experience, which, for the author, appears as enhancers of reminiscence, and writing activities, by establishing close links between traumatic experiences and collective history literature throughout the work of Semprún. The concepts that support the Thesis are image, memory, trauma, fiction, language and identity. But, how the literary accounts from survivors about traumatic events affect the tradition of studies in the literature since a comparative perspective? It can be seen, among other things, that the literature of testimony links aesthetics and ethics as inseparable fields of thought. The central question, then, is: how do you put in literature traumatic events experienced in the twentieth century? To what extent is the trauma (in) sayable, is (in) translatable? What a traumatic novel recounts beyond his own inability to narrate? Keywords: Jorge Semprún – Testimony – Image – Memory – Trauma – Spanish Civil War – World War II – Buchenwald. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 A realidade costuma precisar da invenção para tornar-se verdadeira. Quer dizer, verossímil. Para ganhar-se a convicção, a emoção do leitor.10 Jorge Semprún 1 “En la imagen los hermanos Semprún, de izquierda a derecha: Álvaro, Jorge, Gonzalo, Carlos y Francisco. A la derecha Elsa Grobety”. Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 2 “Jorge Semprún, izquierda, junto a su hermano Gonzalo en una foto de los años treinta”. Disponível em: . 18/03/14. 3 Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 4 Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 5 Disponível em: . Acesso: 18/03/14. 6 Disponível em: . Acesso: 18/03/14. 7 Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 8 Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 9 Disponível em: . Acesso: 19/11/13. 10 Tradução nossa. | 11 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Sumário Introdução: Jorge Semprún, em meio aos deslocamentos literários .................................... 12 Semprún e o século XX: autor e obra, em diálogo ...................................................................... 14 Narrativa e vivência: indagações e hipóteses, sobreviver à escrita ............................................. 21 Ética e estética: a literatura de testemunho no cerne da literatura comparada ............................ 25 1. Capítulo 1: Memória, ficção e vivência: o signo e o trauma .............................................. 33 1.1. Imagens da dor e do mal: o que olha e o que é visto por Jorge Semprún (“Le regard” / “La mirada”)....................................................................................................................................... 36 1.2. Escrever a dor de si e do outro: inscrever o particular no universal (“Le kaddish” / “El kaddish”) ..................................................................................................................................... 52 1.3. Testemunho literário: sentimentos e convicções, memórias individual e coletiva (“Le ligne blanche”/ “La línea blanca”) ....................................................................................................... 62 1.4. Relações entre o viver e o narrar: catástrofes e verdades ficcionais (“Le lieutenant Rosenfeld” / “El teniente Rosenfeld”) ........................................................................................................... 74 1.5. Marcas da morte e da tortura: presença e ausência, contar e escutar (“La tromppette de Louis Armstrong” / “La trompeta de Louis Armstrong”) ..................................................................... 82 2. Capítulo 2: Língua e identidade: viver ou escrever ........................................................... 91 2.1. O exílio da língua: como narrar em “lengua ajena” (“Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir”) ...................................................................................................................................... 99 2.2. Autobiografia testemunhal: imagens literárias e cinematográficas de Buchenwald (“Le parapluie de Bakounine” / “El paraguas de Bakunin”) ............................................................. 116 2.3. Mosaicos e palimpsestos: linguísticos / literários / identitários (“Le jour de la mort de Primo Levi” / “El día de la muerte de Primo Levi”) ............................................................................ 128 2.4. Traumas identitários: o ato de nomear-se como outro(s) (“Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...”) ........................................................................................................ 141 2.5. Exílio interno e domicílio externo: sonhos como mensagens enviadas a si mesmo (“Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”) ............................................................................................... 156 3. Capítulo 3: Literatura e política: em meio às catástrofes do século XX ........................ 170 3.1. A escrita literária do exílio traumático: lembranças juvenis (“J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...”) .................................. 177 3.2. Modernidade, utopia e escolhas pós-modernas: compromisso intelectual e engajamento político (“Je lis Paludes...” / “Leo Paludes...”) .......................................................................... 200 3.3. Traduções literárias da fraternidade: entre a cultura e a barbarie (“Voilà la Cité Sainte, assise à l’Occident...” / “He aquí la Ciudad Santa, asentada en Occidente...”) ................................... 217 3.4. Na encruzilhada da história: em meio às várias guerras (“Bientôt nous plongerons dans le froides ténèbres...”/ “Caeremos muy pronto en las frías tenieblas...”) ...................................... 237 3.5. Deslocamentos artísticos, biográficos e críticos: Deus, a justiça e o horror absoluto – “Shoah” ou “Holocausto”? ...................................................................................................................... 248 Considerações finais: entre o (in)dizível, o (in)vivível e o (in)visível .................................. 270 Intertextualidade e autoficção: várias facetas biográficas de Semprún ..................................... 280 Perplexidade e lucidez: o discurso literário-filosófico na obra sempruniana ............................ 284 Indagações semprunianas: o que é sobreviver? O que é liberdade? .......................................... 289 Referências bibliográficas....................................................................................................... 291 Obras literárias de Jorge Semprún (objetos da Tese) ................................................................ 291 Obras literárias de Jorge Semprún (por data de publicação) ..................................................... 291 Obras teórico-filosóficas de Jorge Semprún ............................................................................. 293 Estudos críticos sobre a obra de Jorge Semprún ....................................................................... 294 Estudos teóricos e demais obras consultadas ............................................................................ 312 | 12 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Introdução: Jorge Semprún, em meio aos deslocamentos literários Même dans les récits les plus éloignés de l’expérience personnelle, où tout était vrai parce que je l’avais inventé et non parce que je l’avais vécu, le foyer ancien était à l’œuvre, incandescente ou couvant sous la cendre. (SEMPRUN. Adieu, vive clarté...1998: 99) Aun en mis relatos más alejados de la experiencia personal, donde todo era real porque lo había inventado yo, y no porque lo hubiera vivido, el rescoldo antiguo se mantenía vivo, incandescente o latente bajo la ceniza. (SEMPRUN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 88) O escritor franco-espanhol Jorge Semprún (Madri, 1923-2011) é autor de várias obras importantes, não só pela linguagem e temas abordados, como também pela repercussão crítica, que lhe brindou diversos prêmios literários.11 A maioria dos livros de Semprún, sendo alguns designados pela crítica como literatura testemunhal, foi escrita em francês12 e duas de suas obras foram escritas em espanhol.13 Esta pesquisa tem como horizonte de análise os livros L'écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté... (1998),14 escritos em francês. Ao longo da Tese, citamos os textos de Semprún no original, em francês, seguidos da tradução dos mesmos para o espanhol. Valemo-nos também de outras obras e escritos do autor que nos serviram, ao longo do percurso desta Tese, de base investigativa. Frisamos, entretanto, que o foco de estudo principal é dado às duas obras semprunianas já referidas, às quais examinamos a partir da perspectiva comparativa, numa análise centrada nos textos, sem prescindir de uma leitura teórica e crítica das relações entre história, memória e vivência intrincadas de forma pujante em seu conteúdo. Trata-se de aspectos que se apresentam para Jorge Semprún como potencializadores das atividades de reminiscência e de escrita, estabelecendo estreitos 11Prêmios Formentor (1964), Planeta (1977), Fémina (1969 e 1994), Prêmio da Paz Alemão (1994), Jerusalém (1997), Nonino (1999), Medalha Goethe (2003), Fundación Lara (2003), Annetje Fels- Kupferschmidt (2006) e Terenci Moix (2010). 12Le grand voyage (1963); L'évanouissement (1967); La deuxième mort de Ramón Mercader (1969); Quel beau dimache! (1980); L'Algarabie (1981); Montant, la vie continue (1983); La montagne blanche (1986); Netchaïev est de retour (1987); Federico Sánchez vous salue bien (1993); L'écriture ou la vie (1994); Adieu, vive clarté... (1998), Le mort qu'il faut (2001), traduzidas ao espanhol, respectivamente, como: El largo viaje; El desvanecimiento; La segunda muerte de Ramón Mercader; Aquel domingo; La algarabía; Biografía de Yves Montand; La montaña blanca; Netchaiev ha vuelto; Federico Sánchez se despide de ustedes; La escritura o la vida; Adiós, luz de veranos; Viviré con su nombre, morirá con el mío. 13As obras Autobiografía de Federico Sánchez (1977) e Veinte años y un día (2003) foram escritas originalmente em espanhol. Os títulos das traduções em francês são: Autobiographie de Federico Sánchez; Vingt ans et un jour. 14 Traduzidas ao espanhol respectivamente como La escritura o la vida e Adiós, luz de veranos... | 13 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves laços entre experiências traumáticas, história pessoal / coletiva e literatura memorialista / testemunhal ao longo de todo o acervo autoral sempruniano. A incapacidade temporária sentida por Semprún de elaborar o vivido em narrativas (orais ou escritas) no período imediato ao pós-trauma o afoga em uma enorme angústia, até que suas publicações sobre os eventos traumáticos começam a surgir em números vertiginosos. O escritor inicia a jornada pela escrita de seus traumas em 1963, com a publicação do romance autobiográfico Le grand voyage (em espanhol, El largo viaje), perdurando nesta empreitada memorialística por anos a fio (até o momento de sua morte, em 2011). Cabe também destacar que “en la magna obra de Semprún destaca el ciclo (...) dedicado a la etapa concentracionaria en Buchenwald, donde permaneció prisionero desde los 19 hasta los 21 años” (MACCIUCI, 2004: 3). A obra literária de Semprún é composta pelos seguintes títulos:  Le grand voyage (1963, em espanhol El largo viaje);  L'évanouissement (1967, escrita em francês. Seu título em espanhol é El desvanecimiento);  La deuxième mort de Ramón Mercader (1969, escrita também em francês, seu título em espanhol é La segunda muerte de Ramón Mercader);  Autobiografía de Federico Sánchez (1977, escrita em espanhol, seu título em francês é Autobiographie de Federico Sánchez);  Quel beau dimache! (1980, escrita em francês. Titula-se Aquel domingo em espanhol);  L'algarabie (1981, escrita em francês. Tem por título em espanhol La algarabía);  Montant, la vie continue (1983, escrita em francês. Em espanhol, foi batizada de Biografía de Yves Montand);  La montagne blanche (1986, escrita em francês. La montaña blanca é o título em espanhol);  Netchaïev est de retour (1987, escrita em francês. Em espanhol, titula-se Netchaiev ha vuelto);  Federico Sánchez vous salue bien (1993, escrita em francês. Federico Sánchez se despide de ustedes é o título em espanhol); | 14 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves  L'écriture ou la vie (1994, escrita em francês, sendo o título em espanhol La escritura o la vida);  Adieu, vive clarté... (1998, escrita em francês. Em espanhol, titula-se Adiós, luz de veranos...);  Le mort qu'il faut (2001, escrita em francês. Recebeu em espanhol o seguinte nome: Viviré con su nombre, morirá con el mío);  Veinte años y un día (2003, escrita em espanhol e traduzida ao francês como Vingt ans et un jour). É perceptível o fato de todas as obras de Semprún encenarem o desejo de retratar a própria existência através da escrita literária, recompondo suas lembranças assim como sua imagem, tanto para si mesmo quanto para os olhos alheios. Entretanto, como veremos ao longo desta Tese, sua imersão na escrita autobiográfica não é algo pomposo, vinculado a uma vaidade doentia ou a um narcismo literário crônico. Além disso, essa imersão autobiográfica realizada por Semprún extrapola também a chamada opção de narrativa memorialística empreendida ‘mimeticamente’: envolve, sobretudo, a incapacidade de o sujeito do trauma escapar das amarras de si mesmo e dos fatos traumáticos que o encerram e conseguir, de certa maneira, avançar na compreensão filosófica e humanística dos acontecimentos. Sua escrita alterna nostalgia e desagrado frente ao passado, mas em contextos e em graus distintos. A recuperação da infância e da pré-adolescência (nostálgica em seu início e traumatizante no decorrer dos acontecimentos) que ocorre em Adieu, vive clarté... (1998) é uma maneira de voltar ao mundo anterior à ruptura e ao trauma concentracionário narrado em L'écriture ou la vie (1994), restabelendo um vínculo com o sentido existencial / a condição humana após a desgastante viagem ao olho do furacão (o testemunho das lembranças do mal, sentido e vivenciado no campo de concentração de Buchenwald). | 15 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Semprún e o século XX: autor e obra, em diálogo La memoria, ya se sabe, es como una babushka, una de esas muñecas rusas de madera pintada que pueden abrirse y que contiene otra muñeca idéntica, más pequeña, y otra, y otra más, hasta llegar a una última de talla diminuta, que ya no puede abrirse. (SEMPRÚN. Autobiografía de Federico Sánchez. 1977: 226) Em L'écriture ou la vie (1994), o enredo está fortemente relacionado à estrutura da obra, isso porque a forma fragmentária e a “opacidade” – adjetivo atribuído à trama sempruniana por Valeria de Marco (2009) – decorrem do horror do próprio tema, um homem diante da barbárie dos campos de concentração. Junto ao tema do horror e do trauma, há também configurado o percurso do narrador em busca da escritura, num movimento pendular que oscila entre o narrar (e nesse narrar entende-se por escrito e através da literatura) ou não o que aconteceu. Mais ainda, vê-se o embate sobre de que maneira valeria à pena empreender tal escrita, desnudar tais fatos sem recair numa narrativa, por assim dizer, de descrição minuciosa, excessiva, extenuante. Como analisa a biógrafa e crítica Franziska Augstein na obra Lealtad y Traición: Jorde Semprún y su siglo (2010), Semprún “no quería escribir sólo lo individualmente espantoso del campo de concentración, sino lo universalmente esencial” (AUGSTEIN, 2010: 166), ou seja, o que torna o campo a grande sombra latente de responsabilidade pairando sobre toda a humanidade, um passado que permanece sempre atual e que devemos ficar atentos para que não ressurja com toda a sua potência catastrófica. Semprún em L’écriture ou la vie, de acordo com Txetxu Aguado no livro La tarea política: narrativa y estética en la España posmoderna (2004), deseja inserir suas experiências sobre Buchenwald “en un sistema de sentido que no las reduzca ni las niegue, sino que pueda consignarlas para que formen parte de las elaboraciones sobre lo vital” (AGUADO, 2004: 152), isto é, o autor empreende uma busca de “un sentido que sólo el archivo puede proporcionar, pero con la condición de no olvidar su recuerdo” (AGUADO, 2004: 152), como acontece com muitos arquivos nos quais o arquivado se torna arquivo morto, inútil ou inutilizado. Semprún aborda os deslocamentos temporais e espaciais provocados pela prática arquivística, discutindo como as políticas de memória se valem das ficções da memória e do esquecimento, fundando textos que funcionam como arquivos da (con)tradição. As recordações semprunianas se revestem como exercícios de arquivamento de si mesmo e daquilo que não pode ser esquecido, sendo, | 16 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves portanto, preciso ser compartilhado. Porém, Semprún “no encuentra ni el medio de expresión ni el auditorio dispuesto a escuchar” (AGUADO, 2004: 152) e não o encontra porque, assim como outros sobreviventes do genocídio nazista, “su recuerdo ataca directamente la posibilidad de juntar elementos no contradictorios de vivencias” (AGUADO, 2004: 152). Essas reflexões nos levam a pensar a literatura de Semprún a partir da reivindicação realizada por Reinaldo Marques (2007) de se pensar os arquivos literários como figuras epistemológicas, cognoscíveis, enfim, como espaços de imaginação construtiva e (des)construção de saberes: o arquivo literário em sua potência como “uma figura epistemológica, desenhada a partir de determinadas práticas discursivas – arquivística, museológica, biblioteconômica, dos estudos históricos, literários e culturais” (MARQUES, 2007: 15). A leitura sempruniana do campo de concentração instaura, portanto, não um arquivo canonicamente instituído, mas, sobretudo, uma rasura no arquivo histórico difundido, marcando a dificuldade da escuta do que é de difícil elaboração / interpretação. Sua relutância em narrar o campo de concentração aponta para o fato de que a memória transmitida em sua obra é inquietante e indesejada. As imagens / as histórias descritas e narradas por Semprún mostram o Mal extremo realizado por pessoas comuns, que possuem consciência de como estão agindo e o fazem como se seus atos fossem normais e/ou necessários, sem empreenderem considerações éticas aprofundadas. Nas palavras de Aguado (2004), a obra sempruniana “desde luego ataca la interpretación del internamiento en el campo según los principios que gobiernan el archivo porque lo mutilan” (AGUADO, 2004: 152-153). Dessa forma, “el archivo y las personas que rehuyen a Semprún no quieren asimilar una vivencia tan extrema como la del campo. Probablemente tampoco puedan sin caer en la desesperación” (AGUADO, 2004: 153). O narrador procede, então, a uma busca de redefinição identitária (para ele, isso implica totalmente a escrita literária, que declara não saber se é dom, profissão ou necessidade) e opta pelo ‘eu’ na escrita: “je ne veux pas d’un simple témoignage. D’emblée, je veux éviter, m’éviter l’énumération des souffrances et des horreurs” (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 217); “no pretendo un mero testimonio. De entrada, quiero evitarlo, evitarme la enumeración de los horrores” (SEMPRUN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181), e, mais adiante no texto, afirma: “D’un autre côté, je suis incapable, aujourd’hui, sième personne. (...) Il me faut donc un | 17 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves “je” de la narration” (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 217); “por otra parte, me siento incapaz, hoy, de imaginar una estructura novelesca en tercera persona. (…) Necesito pues un ‘yo’ de la narración” (SEMPRUN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181). Semprún busca a primeira pessoa sem abster-se, ao aventurar-se na narrativa dos traumas vivenciados, dos atributos artísticos e ficcionais da literatura, que compõem e estruturam mesmo aquela que se auto declara imersa no campo da autobiografia, da história e da memória. O diálogo entre dois temas (o ato de escrever – a escrita do trauma) se entrelaça aos temas da morte, do mal, do olhar, da memória e lança a obra L’écriture ou la vie a um interessante confronto: como romper os vários silêncios traumáticos (da alma, da vida, do caos do dia a dia, etc.) através da escrita / fala? Sobretudo, busca refletir se essa escrita / fala se verá efetivada através de uma leitura / escuta, isto é: quem se portará como leitor / ouvinte de uma narrativa que margeia o abismo? Quem se aventurará a correr os riscos de perder-se no olhar memorialístico lançado em direção ao horror extremo? Por quê? Como lidar com a rememoração do vazio radical de sentido diante da perda de parâmetros analíticos, diante da barbárie absoluta, dos escombros e das ruínas (materiais e intangíveis) que permanecem (por meio das imagens e narrativas dos campos concentracionários) eternamente testemunhando o Mal? O presente pós-campo persuade o autor-narrador Semprún a lembrar de sua vida antes de Buchenwald, uma vida que é relembrada como parte de outra existência, totalmente afastada das cinzas e fumaças dos fornos crematórios, mas fatalmente marcada pelo período pós-Guerra Civil Espanhola, tempo de exílio e de afastamento dos entes queridos, bem como época do prelúdio da Segunda Guerra Mundial. Assim, em Adieu, vive clarté... (1998) somos remetidos à rememoração de um adulto acerca de seus 15 anos, quando estava exilado / instalado em um Liceu em Paris, e o exército franquista invade, apesar da resistência da população (em meio aos gritos de protesto, dos quais cabe destacar a frase ¡No pasarán!), a cidade de Madrid. Alojado nesse colégio, o menino vive as angústias do exílio, do afastamento dos familiares e a estreia nas leituras em língua francesa. O tema da literatura e de como essa inaugura o olhar de alguém voltam sob o signo do surgimento do leitor, um futuro escritor. É a dupla despedida da claridade: há muitas dúvidas, muitos eventos obscuros ocorrendo, a morte materna e o afastamento paterno invadem o relato das lembranças da infância / adolescência / juventude do eu- narrador. Por sua vez, a leitura, refúgio da dor e do medo, também inquieta e modifica | 18 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sua percepção do mundo, apresentam-se para ele várias indagações intelectuais repletas de perplexidade. Dá-se, sobretudo, um embate interno entre desenraizamento e conservação identitária, uma oscilação entre estranhamento e admiração frente à cultura francesa. O título da obra retoma o verso de Charles Baudelaire no poema “Chant d'automne”15 – “Adieu, vive clarté de nos étés trop courts!” –, de Les fleurs du mal (1857), e o livro se encerra citando Baudelaire de maneira bilíngue: “‘Bientôt nous plongerons dans les froides ténèbres: Adieu, vive clarté de nos étés trop courts!’ / ‘Caeremos muy pronto en las frías tinieblas: ¡Adiós, luz de veranos que se van tan aprisa!’” (BAUDELAIRE apud SEMPRÚN, 1998: 243), numa clara referência à despedida das certezas e clarezas juvenis, que agora entram na nebulosa e fria escuridão da vida adulta vivida na guerra e seus infortúnios (o exílio, o encarceramento em Buchenwald, a clandestinidade política). Segundo Ángel Díaz Arenas (2010), “en este libro de ambiente final, terminal y crepuscular, Semprún hace balance de toda su vida pasada y particularmente de su infancia y juventud para despedirse de ella” (DÍAZ ARENAS, 2010: 15). Para o crítico Felipe Nieto (2010), a obra sempruniana Adieu, vive clarté... (1998) “se escribe bajo la tonalidad de una despedida; no es solamente el adiós de la adolescencia, ni la evocación de aquellos tiempos lejanos ‘idos tan aprisa’; es más bien 15 Em português, na tradução de Ivan Junqueira: LVI Canto de Outono Em breve iremos mergulhar nas trevas frias; Adeus, radiosa luz das estações ligeiras! Ouço tombar no pátio em vibrações sombrias A lenha que ressoa à espera das lareiras. Em meu ser outra vez se hospedará o inverno: Ódio, arrepio, horror, labor duro e pesado, E, como o sol a arder em seu glacial inferno, Meu coração é um bloco rubro e enregelado. Tremo ao ouvir tombar cada feixe de lenha; Não faz eco mais surdo a forca que se alteia. Minha alma se compara à torre que despenha Aos pés do aríete incansável que a golpeia. Parece-me, ao sabor de sons em abandono, Que alhures um caixão se prega a toda pressa. Para que? - Ontem era o verão; eis o outono! Rumor estranho de quem parte e não regressa... (BAUDELAIRE, Charles. As flores do mal. Edição bilíngue. Trad. Ivan Junqueira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006). | 19 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves la sensación de despedida de la vida la que recorre las páginas de este relato” (NIETO apud ARENAS, 2010: 15-16). Isso porque “su autor, ‘antes de caer en las tinieblas frías’, se presta con serenidad y lucidez a sentenciar el sentido del origen y del término de su vivir” (NIETO apud ARENAS, 2010: 16). Vê-se, assim, que a narração de Adieu, vive clarté... (1998) se configura como uma espécie de balanço reflexivo de cunho “testamental”; se tece, portanto, mais do que um relato autobiográfico: como uma espécie de epitáfio crítico escrito em romance- lápide, túmulo e templo de recordações. O olhar do narrador constata os cortes abruptos em sua trajetória biográfica e com o que resta das lembranças desse passado constrói uma narrativa lacunar, sem fazer de suas memórias um monumento a ser cultuado, mas caminhando entre os vazios, as rasuras, as imprecisões e as incertezas do lembrar para contar e estabelecer vínculo entre o antes, o durante e o agora, tendo como marco o durante (na obra, apresenta-se como a Segunda Guerra Mundial). L'écriture ou la vie (1994) é a única entre as duas obras aqui analisadas considerada pela crítica como literatura de testemunho propriamente dita. A obra Adieu, vive clarté... (1998) é colocada na estante da autobiografia ou, por assim dizer, das narrativas ficcionais baseadas em fatos reais e com referenciais explícitos aos fatos históricos. Tendo em vista o traçado panorâmico das duas obras aqui exposto, as hipóteses dessa pesquisa percorreram, no decorrer da Tese, três linhas de força: as relações que aparecem nas obras entre (1) memória, ficção e vivência; (2) língua e identidade e (3) imagem e escrita; todas traspassadas pela necessidade de comunicar literariamente o trauma, num jogo em que o ficcional e o real se entretecem e se desnudam mutuamente. Esta Tese se enquadra, pois, na perspectiva inter, multi e transdisciplinar que nos é brindada pela metodologia comparatista, já que, como bem descreve François Jost (1974: 334-335) em Introduction to Comparative Literature, a literatura comparada empreende uma análise crítica, articulada historicamente, do fenômeno literário visto de forma integrada, como um todo, de maneira tal que o pesquisador comparatista amplia consideravelmente os horizontes analíticos, examinando e concatenando eventos literários significativos e, ao mesmo tempo, tentando atribuir aos escritores um lugar destacado na história universal das ideias e das artes, do pensamento e da estética, enfim, das diversas traduções intertextuais, interlinguísticas e intersemióticas empreendidas no campo literário. Assim, o estudo comparativo da literatura permite que o fenômeno | 20 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves literário seja visto em sua atual concepção, isto é, como a estruturação poética / estética da arte em sua infinita hibridez. Entendido como um aliado de todas as disciplinas que estudam o literário, segundo Tânia Carvalhal (2006), “o estudo comparado de literatura deixa de resumir-se em paralelismos binários movidos somente por ‘um ar de parecença’ entre elementos, mas compara quais as obras ou procedimentos literários são manifestações concretas” (CARVALHAL, 2006: 85), advindo “daí a necessidade de articular a investigação comparativista com o social, o político, o cultural, em suma, com a História num sentido abrangente” (CARVALHAL, 2006: 86), pensando o objeto literário nos âmbitos intra e extra estéticos e ficcionais. Cabe ressaltar que, por se tratar esta pesquisa de um trabalho inserido no campo da teoria literária e da literatura comparada, realizamos nesta Tese a incursão nas duas obras de Jorge Semprún a partir dos teóricos e críticos que articulam o estudo literário aos contextos sócio-histórico e filosófico que as escritas memorialísticas reivindicam. Fizemos isso, no entanto, sem hierarquizar os comentadores e os teóricos, optando por diluir fronteiras em favor de uma dicção analítica mais dinâmica. Ademais, levamos em consideração que, enquanto portadores do desejo de apreender algo relevante, vital de todo o arsenal arquivístico do escritor Semprún, lidamos o tempo todo com nossa subjetividade da qual não podemos e nem tivemos a pretensão de fugir. Fomos alentados no percurso de nossa tarefa investigativa pela clareza de que “é o olhar subjetivo do pesquisador que constrói, a partir de sua imaginação construtiva, possíveis articulações e nexos entre os documentos, possibilitando a ele contar uma história plausível” (MARQUES, 2000: 36), ou seja, “dotada de certa verossimilhança e coerência, amparadas nos documentos observados e estudados” (MARQUES, 2000: 36), o que nos garantiu adentrarmos criticamente na materialidade e na historicidade das duas obras literárias semprunianas aqui analisadas. | 21 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Narrativa e vivência: indagações e hipóteses, sobreviver à escrita Y cuando llegue el día del último viaje, / y esté al partir la nave que nunca ha de tornar, / me encontraréis a bordo, ligero de equipaje, / casi desnudo, como los hijos de la mar. (Antonio Machado apud SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos. 1998: 33 / SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 37) Jorge Semprún no discurso De la perplejidad a la lucidez, pronunciado em 19 de março de 1989 ao receber o título de doutor “honoris causa” pela Universidad de Tel Aviv, inicia citando o filósofo Javier Muguerza, para quem “la perplejidad no es tan sólo un signo de los tiempos que vivimos, sino también, y en cualquier tiempo, un acicate insustituible de la reflexión filosófica” (MUGUERZA apud SEMPRÚN, 1989: s.p.). Ademais, para Muguerza, “la vida es permanente encrucijada y constante perplejidad” (MUGUERZA apud SEMPRÚN, 1989: s.p.). Semprún comenta, então, que: “la filosofía es siempre, por lo tanto, una Guía de Perplejos. Y con harta frecuencia le pedimos que ‘nos saque’ de la perplejidad” (SEMPRÚN, 1989: s.p.). Semprún prossegue seu discurso nomeando alguns pensadores que pertenceriam ao panteão dos perplexos plenos de alta lucidez. Entre eles está o filósofo Walter Benjamin, que sem ser propriamente historiador, teólogo ou crítico de arte, é autor de uma ensaística plural sobre história, teologia, estética e literatura, tendo constituído uma forma própria e bastante inovadora de lidar com os conceitos e pensar sobre o mundo. O conceito de história benjaminiano nos leva a formular um paralelo bastante significativo com as noções de perplexidade e lucidez definidas por Semprún – “espíritu perplejo” (SEMPRÚN, 1989: s.p.), “ansioso de reconquistar a cada momento (...) la lucidez operativa” (SEMPRÚN, 1989: s.p.) – como sentimentos intensos que invadem o pensamento frente as atrocidades do século XX. Pensamos em consonância com Semprún que só a lucidez permite ao indivíduo identificar, como detacou Walter Benjamin (1996: 225), a barbárie permeada na cultura. Uma lucidez perplexa ou uma perplexidade lúcida capaz de empreender a tarefa de “escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1996: 226). Ao caminhar pelos “senderos labirínticos de la perplejidad” (SEMPRÚN, 1989: s.p.), Jorge Semprún destaca a indagação de Javier Muguerza: “¿qué porvenir aguarda a la razón humana después de Auschwitz (y del Gulag o Hiroshima), después de la muerte de Dios (...)?” (MUGUERZA apud SEMPRÚN, 1989: s.p.). Semprún ressalta, como | 22 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves possível constatação advinda dessa pregunta a seguinte frase de Aristóteles: “los hombres se ven cegados por la evidencia de los hechos como los murciélagos por el resplandor diurno” (ARISTÓTELES apud SEMPRÚN, 1989: s.p.). Essas reflexões são fundamentais ao constatarmos o efeito cegador das imagens do próprio arquivo mnemônico, remexidas por Semprún: uma mescla de lucidez e perplexidade frente ao horror / caos absoluto. Vemos que na obra sempruniana, as vivências da guerra e dos campos de concentração apresentar-se-iam como impossibilitadoras das atividades de reminiscência e escritura, ao mesmo tempo em que as fazem urgentes e necessárias, pois sua narrativa não consegue abster-se de tocar no pavoroso assunto e de lançar na escrita às imagens da dor, do espanto, do medo de quem foi tão agredido que não possui mais rosto.16 Percorremos em nossa pesquisa, então, a hipótese de que em Semprún o atributo “testemunhal” ganharia outros matizes e facetas, pois o “eu” que narra na obra sempruniana o faz através do apelo ao sensorial, ao imaginativo. Isto é, o modo de lidar com o trauma se deu em Semprún pela via ficcional e não por meio de uma suposta verdade que crê poder se abster do fictício. Ao tratar da lucidez em seu discurso em Tel Aviv, Semprún evoca versos dos poetas René Char – transcritos ao espanhol: “la lucidez es la herida más próxima al sol” (SEMPRÚN, 1989: s.p.) – e Paul Celan, no original em alemão (o qual citamos na tradução em português de Modesto Carone: “a morte é um dos mestres da Alemanha / ela brada: toquem mais fundo os violinos / aí vocês sobem como fumaça no ar / aí vocês têm um túmulo nas nuvens / lá não se jaz apertado”17). Ambos os poetas parecem ser chamados para dar respaldo à constatação sempruniana de que tanto a lucidez como a perplexidade quando excessivas são paralisantes e enlouquecedoras. Entretanto, como bem lembra Semprún, apenas os poetas conseguem dizer o que seria considerado “indizível” pela linguagem comum. Neste sentido, Semprún reflete sobre o discurso de Elias Canetti “‘Esta última cosa que nos era común’, afirma Canetti con su voz profética, ‘va a envenenarnos a todos en común. Lo sabemos; pero aún no lo notamos, porque nuestro arte no es el respirar’” (SEMPRÚN, 1989: s.p.; grifos nossos) e conclui: 16 “Depuis deux ans, je vivais sans visage. Nul miroir, à Buchenwald” (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 13); “Desde hacía dos años, yo vivía sin rostro. No hay espejos en Buchenwald” (SEMPRUN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 15). 17 CELAN, Paul. “Fuga da morte”. Trad. Modesto Carone. Em: GUINSBURG, J. RIBEIRO, Zulmira. (Orgs). Quatro mil anos de poesia. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1969. | 23 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Más tarde, años más tarde, cuando descubrí el discurso de Elías Canetti, pensé en que había descrito de antemano, proféticamente, con lucidez herida por la monstruosidad de su verdad, la situación irrespirable literalmente, del universo de los campos de concentración. A los poetas les ha sido atribuido ese don. Por eso debemos mantener a los poetas en un lugar privilegiado de la sociedad humana para que nos digan, aunque sea con voz irritada, sus incómodas verdades. Sólo los poetas son capaces de anunciarnos lúcidamente las catástrofes que produce la barbarie. Sólo ellos son capaces de describirlas, luego, de perpetuarlas en nuestra memoria. (SEMPRÚN, 1989: s.p.) A barbárie a que se refere Semprún seria, a seu ver, apenas transmissível ou comunicável em um relato, estruturado artisticamente e que provocasse no receptor / leitor / ouvinte, ao mesmo tempo, perplexidade e lucidez, permitindo, enfim, a escuta atenta e reflexiva. Há que se atentar, por exemplo, que em La escritura o la vida “a relação entre enredo e forma é revestida por uma película opaca” (MARCO, 2009: 37), já que o titubeio da narrativa entre figurar o mal e, ao mesmo tempo, assegurar uma ética da representação do horror para não banalizá-lo, apresenta-se como a impossibilidade, não apenas de narrar o trauma, mas de encontrar razões e formas de fazê-lo de maneira não indecente, não obscena: “cada episódio consiste na ação de reflexão sobre o contar ou não sua vida no campo” (MARCO, 2009: 37). Percebe-se que Semprún constrói sua enunciação memorialista levando em conta o paroxismo de narrar o (in)visível e o (in)vivível. Sua escrita é limítrofe, no sentido de que não se deixa enquadrar em rótulos de gênero e escapa tanto aos entrecruzamentos entre memória e ficção como aos limites entre fato e interpretação. A busca sempruniana de captura dos despojos pretéritos vai ao encontro do intento de configurar-se como sujeito intra e extra diegético e de livrar-se da clausura rígida que estabelece os territórios entre autobiografia e ficção, testemunho e literatura, autobiografia e testemunho. Estabelecem-se, então, estreitos vínculos entre as vivências traumáticas do autor e sua obra, que tenta dar conta do que, mais que indizível foi, segundo Semprún, invivível: “Pourtant, un doute me vient sur la possibilité de raconter. Non pas que l’expérience vécue soit indicible. Elle a été invivable, ce qui est tout autre chose, on le comprendra aisément” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 25); “No obstante, una duda me asalta la posibilidad de contar. No porque la experiencia vivida sea indecible. Ha sido invivible, algo del todo diferente, como se comprende sin dificultad” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 25). Essas constatações levam-nos a perceber a importância de investigar: até que ponto o trauma é (in)dizível, é (in)traduzível? O que narra um romance traumático além da sua própria impossibilidade de narrar? Que língua | 24 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves materna é essa que se reveste de estrangeira para contar o trauma? De que maneira as imagens da dor e do mal aparecem na obra sempruniana? De que forma a poética-estética que estrutura a obra sempruniana nos direciona a uma perspectiva, a um ângulo ou a certa maneira (menos objetiva e mais interativa ou sensorial) de olhar / ler as imagens que povoam sua escrita? Questões ambíguas e polêmicas que nos permitem entrever os caminhos da (in)visibilidade perplexa e da (im)possibilidade lúcida. E, sobre as quais verificamos a tarefa (sempre árdua, perigosa e complexa) de indagar as memórias traumáticas, como por exemplo, a dos órfãos, dos torturados, dos expatriados, dos vencidos, dos traídos, dos expulsos, dos que sofreram nos campos de concentração e dos que ainda sofrem, presos a todas essas lembranças. Todas essas figuras que, em certo sentido, confluem para formar a imagem de Jorge Semprún intra e extraliteratura. Partiremos do pressuposto de que o que escapa à verossimilhança necessitaria de um tratamento artístico para ser comunicado – ideia desenvolvida por Márcio Seligmann-Silva (2003: 384) a partir da obra sempruniana. Em outras palavras, para Semprún o registro ficcional seria condição da escritura marcada pelo trauma, pela impossibilidade e pela necessidade de contar: “Semprún e outros sobreviventes da Shoah sabem que aquilo que transcende a verossimilhança exige uma reformulação artística para a sua transmissão” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 380). Nesse panorama, os objetivos dessa pesquisa são: (1) analisar a relação entre memória, vivência e ficção presente nas duas obras estudadas de forma comparativa à esteira das teorias que pensam as intersecções relativas aos conceitos de memória e história e sua realização / transfiguração em obras ficcionais; (2) estudar as relações entre língua e identidade, que aparecem na obra literária de Semprún sob o signo de uma escritura bilíngue; (3) investigar de que maneira as imagens dos acontecimentos traumáticos do século XX apresentar-se-iam nas obras de Jorge Semprún como potencializadoras das atividades de reminiscência e escritura, estabelecendo estreitos vínculos entre história / memória traumática (pessoal e coletiva) em sua obra, apesar das ressalvas / incertezas do próprio autor em ver uma dimensão coletiva em seus escritos (o que será trabalhado mais adiante, no capítulo 3 desta Tese). | 25 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Ética e estética: a literatura de testemunho no cerne da literatura comparada (...) l’écriture, si elle prétend être davantage qu’un jeu, ou un enjeu, n’est qu’un long, interminable travail d’ascèse, une façon de se déprendre de soi en prenant sur soi: en devenant soi-même parce qu’on aura reconnu, mis au monde l’autre qu’on est toujours. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 377) (…) la escritura, si pretende ser algo más que un juego, o un envite, no es más que una dilatada, interminable labor de ascesis, una forma de desapegarse de uno mismo asumiéndose: volviéndose uno mismo porque se ha reconocido, se ha dado a luz al otro que se es siempre. (SEMPRUN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 314). O termo literatura de testemunho18 tem sido frequente no debate acerca do pacto ficcional instaurado quando o objeto de fabulação artística passa a estabelecer relações intrínsecas entre escrita e trauma vivenciado em situações históricas extremas. Uma literatura em que não só se menciona o impacto gerado por regimes totalitários, guerras e genocídios, mas que faz desse impacto sua própria razão de escritura. Cabe-nos, então, indagar: como pensar a literatura de testemunho no âmbito da literatura comparada? Segundo Tânia Carvalhal, a literatura comparada “compara não pelo procedimento em si, mas porque, como recurso analítico e interpretativo, a comparação possibilita a esse tipo de estudo literário uma exploração adequada de seus campos de trabalho” (CARVALHAL, 2006: 7). Nesse sentido, como a literatura de testemunho se integraria às demais disciplinas que estudam o literário e as humanidades? De que maneira os relatos autobiográficos das testemunhas de grandes catástrofes interferem e / ou são absorvidos pela tradição? A literatura de testemunho em sua vizinhança com a história oral19 (um campo igualmente deslocado no cânone dos estudos históricos) convoca para um enfrentamento de si no outro, indicando a necessidade da posição de escuta e de interlocução. Aplicamos a esse contexto a seguinte afirmação do historiador Antônio Torres Montenegro (2013): “ao longo deste caminho, estaremos percorrendo representações de caráter universal, onde o ser próprio, porém, encontra-se em um movimento e em relação permanente com 18 Em geral, alguns críticos rejeitam a expressão literatura de testemunho em favor de “teoria do testemunho”, por não considerar, necessariamente, o testemunho um gênero literário. 19 Embora sejam provenientes de âmbitos específicos, pois enquanto a primeira pode bastar-se em si como relato, a segunda só conhece a multiplicidade de relatos sobre um mesmo tema/evento como possibilidade de estudo. | 26 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves determinações específicas” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 10); admitindo situações limiares / intersticiais entre o particular e o universal, similitudes entre a esfera do “meu” e o âmbito “do outro”. Enfim, “onde a própria razão de ser se define por algo particular e próprio de aspectos específicos da formação social sem, no entanto, perder seu elo, sua relação com planos gerais / universais” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 10). Tanto a literatura de testemunho como a história oral, enquanto modalidades textuais, não nos permitem esquecer (ou ocultar) que “o tempo histórico não é o tempo vivido. A história escrita, documentada, distingue-se do acontecido; é uma representação. E neste hiato entre o vivido e o narrado localiza-se o fazer próprio do historiador” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 10) e, acrescentamos: do narrador de vivências. Além do mais, a literatura de testemunho (como uma das fontes da história oral) lembra-nos que na construção do texto histórico, o historiador utiliza os mesmos recursos do escritor. Só que o historiador precisa de documentos que comprovem a veracidade do narrado. Estes documentos são construídos pela sociedade, e, na medida em que passam por processos implícitos a todos os relatos (a saber, seleção e combinação), aproximam-se, de várias maneiras, aos textos memorialísticos. As memórias de verve ficcional são, porém, mais livres e podem aventurar-se para além do documental, cabendo à ética do escritor literário a eleição de critérios para a estruturação das lembranças em narrativas. Na concepção da historiadora Lucília Neves Delgado (2010): “a oposição entre memória e História não chega a ser real” (NEVES DELGADO, 2010: 49), já que “o que existe são atribuições diferentes, mas complementares entre cada uma delas; a necessidade de construção de identidades as aproxima, tornando fértil sua relação” (NEVES DELGADO, 2010: 49). No entanto, fica-nos a pergunta: essa oposição chegaria a ser totalmente real / palpável no que se refere às memórias veiculadas pela literatura de testemunho? Antes de partirmos para essa questão propriamente dita, é-nos necessária, porém, uma imersão nos terrenos da História e da memória. Para examinarmos os processos históricos precisamos mobilizar e ativar signos que juntos realizam uma reatualização mental (“imagética”), teórica e crítica do passado, isso porque “a História não só disciplina e enquadra a memória, como supõe análise, interpretação e suporte teórico” (NEVES DELGADO, 2010: 49), o que significa que há pelo menos duas formas de relação entre essas duas maneiras de olhar para o passado. Em suma, “a História pode ser identificada como alimento da memória, e, simultaneamente, a memória pode ser tomada como uma das fontes de informação para a construção do saber histórico” | 27 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (NEVES DELGADO, 2010: 49), e na outra, “a História assume dimensão específica de cultura erudita, voltada para a produção de evidências e, portanto, assume função destrutiva da memória espontânea” (NEVES DELGADO, 2010: 49). Segundo Lucília Neves Delgado (2010): No primeiro caso, pode-se inferir que a História, por ser fertilizadora da memória, acaba por contribuir para que a sociedade encontre, por intermédio da própria História, subsídios necessários ao processo inerente ao ser humano de reconhecimento de identidades. Trata-se, nesse caso, das chamadas identidades sociais dos mais variados matizes e tipos. Nessa dinâmica interrelacional, a História acaba por adquirir dimensão pluralista, que reconhece o homem como um sujeito duplamente ativo: elaborador do próprio processo histórico e construtor do saber crítico sobre a História construída. No segundo caso, ressaltam-se mais os aspectos contraditórios da relação memória e História, destacando-se o fato de ser a tradição histórica um elemento regulador da memória e destruidor de sua espontaneidade. A História assume dimensões de exercício de poder, sendo inclusive capaz de produzir memórias oficiais e memórias dirigidas e também de silenciar sobre acontecimentos e de impedir a manifestação das memórias dos segmentos sociais ou “minoritários”, ou “subalternos”, ou “vencidos”. (NEVES DELGADO, 2010: 49). Faz-se urgente, pois, uma História comprometida com a verdade, que só existe em meio aos escombros, ruínas e rastros; permeada pelo desejo de ancorar-se no vivido para, então, tentar significar e ressignificar experiências vividas no passado, fazendo do ato de recordar um cruzamento entre particular e global, entre individual e coletivo, entre intimidade e exposição, fazendo do estudo da História um espaço crítico e dinâmico: “tal história não pode ser o desenrolar tranquilo e linear de uma narrativa contínua” (GAGNEBIN, 2009: 54), pois dessa maneira a tarefa do historiador imbuído pelo “dever de memória corre o risco de recair na ineficácia” (GAGNEBIN, 2009: 54) de uma celebração esvaziada de sentido, “rapidamente confiscada pela história oficial” (GAGNEBIN, 2004: 54-55), isto é, a história hegemônica, como uma comemoração e não como um ato efetivo de rememoração, que mostra o “apelo à felicidade do presente” (GAGNEBIN, 2009: 12), ou seja, a “exigência da vida justa dos homens junto a outros homens” (GAGNEBIN, 2009: 12). Dessa maneira, para Gagnebin, “ouvir o apelo do passado significa também estar atento a esse apelo de felicidade e, portanto, de transformação do presente, mesmo quando ele parece estar sufocado e ressoar de maneira quase inaudível” (GAGNEBIN, 2009: 12). A nosso ver, a literatura de testemunho se desnudaria como mais uma modalidade na qual o ser humano pode atuar como “elaborador do próprio processo histórico e construtor do saber crítico sobre a História construída” (NEVES DELGADO, 2010: 49) usando para isso todas as ferramentas ficcionais e artísticas que a escrita estética pode lhe | 28 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves permitir. O vetor ‘histórico’ ou eticamente ‘verdadeiro / documental’ será medido ou analisado nas obras segundo os procedimentos empregados em sua estrutura, porém, ao contrário do que ocorre com a disciplina História catedraticamente instituída, esse meio analítico não será (ou não deveria ser) um molde a ser estritamente seguido ou uma camisa de força. Por isso mesmo, o debate crítico sobre as relações entre testemunho e literatura inclui desde posições amplamente favoráveis à valorização do testemunho enquanto modalidade literária, como também a existência de ponderações incisivas e desconfiadas. Porém, quando se analisa a literatura de testemunho deve-se localizar o significante ‘testemunho’ em termos espaço-temporais: testemunho de onde, de que época, narrado / compartilhado em qual contexto? Neste sentido, pode-se pensar o termo “testemunho” em pelo menos duas grandes acepções estéticas distinguíveis no campo literário. Uma diferenciação que se pode fazer é entre o testimonio, engendrado no âmbito da América Latina, e o testemunho no contexto pós-Shoah. De acordo com diversos pesquisadores, tais como Márcio Seligmann-Silva (2001),20 Valeria de Marco (2004)21 e Elcio Cornelsen (2010),22 a diferença fundamental entre a literatura de testemunho latino-americano, como era pensada até os anos 1980, e a abordagem que estrutura a literatura testemunhal da Shoah está relacionada aos contextos sócio-históricos de cada conceito. No contexto latino- americano, deve-se atentar para as necessidades específicas da literatura de testimonio frente à impunidade e à falta de arquivos, em geral, interditados ou destruídos pelos governos coloniais e ditatoriais. Assim, no âmbito latino-americano é evidente a relação entre política e literatura, enfatizando-se “a continuidade da opressão e a sua onipresença no ‘continente latino-americano’” (SELIGMANN-SILVA, 2001: 124), da qual a literatura do testemunho serve como uma contra-história ao registro histórico instituído em meio aos diversos apagamentos de arquivos. A necessidade de se testemunhar é entendida “quase que exclusivamente em um sentido de necessidade de se fazer justiça, de se dar conta da exemplaridade do ‘herói’ e de se conquistar uma voz para o ‘subalterno’” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 89), seja ele colocado na figura do indígena, do perseguido político ou do intelectual de esquerda, 20SELIGMANN-SILVA, Márcio. “‘Zeugnis’ e ‘Testimonio’: um caso de intraduzibilidade entre conceitos”. Em: Letras: Literatura e Autoritarismo. N. 22. Santa Maria: pp. 121-130, 2001. 21 DE MARCO, Valéria. “A literatura de testemunho e a violência de Estado”. Em: Lua Nova. N.62. São Paulo: pp. 45-68, 2004. 22CORNELSEN, Elcio Loureiro. “Considerações sobre o ‘testimonio’ na América Latina”. Em: Anais do JALLA BRASIL 2010. IX Jornadas Andinas de Literatura Latino-Americana. Niterói: pp. 157-164, 2010. | 29 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves estando, pois, vinculada “aos gêneros da crônica, confissão, hagiografia, autobiografia, reportagem, diário e ensaio” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 91). Para Valeria de Marco (2004), o termo testimonio “remete sempre a uma relação entre literatura e violência” (MARCO, 2004: 45). Por isso, o apelo documental em relatos dessa natureza é muito intenso, e, por isso também, segundo Elcio Cornelsen (2010), “no testimonio, o apelo ao ‘real’ está associado à noção de ‘verdade’, de se enunciar como ‘verdadeiro’” (CORNELSEN, 2010: 165) aquilo que se testemunha. Já a literatura que testemunha a Shoah23, evento obscuro, mas bastante estudado, se marca pela presença da lacuna constitutiva dos relatos, incrustada no cerne, na essência de tais discursos. Dessa forma, os termos ‘Zeugnis’ e ‘Testimonio’, segundo Seligmann- Silva (2001), seriam intraduzíveis no que concernem as concepções de verdade e representação. Na vertente germânica (no ‘Zeugnis’), aquele que testemunha é pensado “na chave da noção freudiana de trauma ou dentro de abordagens lacanianas – quando se enfatiza a noção de real como algo que não pode ser simbolizado” (SELIGMANN- SILVA, 2005: 84), seu testemunho se caracteriza pela fragmentação e pela literalização, isto é, pela “incapacidade de traduzir o vivido em imagens e metáforas” (SELIGMANN- SILVA, 2001: 123) e de dar uma configuração linear aos fatos e imagens no “momento de perlaboração do passado traumático” (SELIGMANN-SILVA, 2001: 124). Seligmann- Silva (2003), entretanto, aproxima as duas vertentes ao afirmar que seja na perspectiva da representação ou da literalização, as memórias do testemunho ‘jurídico’ ou do testemunho do ‘sobrevivente’ se aproximam por necessariamente recorrerem à memória compartilhada para se fazerem reconhecer, compartilhamento esse que daria um teor testemunhal latente em toda narrativa literária: “neste sentido, a literatura do século XX - Era das catástrofes e genocídios - ilumina retrospectivamente a história da literatura, destacando esse elemento testemunhal das obras” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 8). O escritor Jorge Semprún incita-nos a teorizar de forma dialógica sobre as inter- relações conflituosas entre língua / memória / identidade presentes em sua obra (seja ela classificada como literatura testemunhal ou autobiográfica); relações essas totalmente imbuídas de uma concepção do passado como trauma. Nessa nova percepção espaço- temporal da escrita, discursos críticos que estabelecem separações rígidas entre a literatura, a memória e a história, entre os fatos e sua interpretação, podem ser 23Discutiremos no corpo na Tese, especificamente no capítulo 3, as relações e as diferenças conceituais entre os termos “Shoah” e “Holocausto”, tendo como base diferentes perspectivas críticas e teóricas. | 30 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves rediscutidos, em razão de uma integração necessária que o testemunho, como objeto de investigação, solicita entre os campos. A literatura de testemunho é, então, confome destaca Nestrovski (2000: 186), uma literatura de trauma, já que se trata de “representar o irrepresentável; resgatar, sem trair um evento latente na memória; redescobrir alguma força viva na língua” (NESTROVSKI, 2000: 186) bem como no sujeito da linguagem, que a torne capaz de testemunhar o que foi visto. Isso porque, “o testemunho coloca-se desde o início sob o signo da sua simultânea necessidade e impossibilidade” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 46), o sujeito que testemunha o faz nesse paradoxo: “testemunha-se um excesso de realidade e o próprio testemunho enquanto narração testemunha uma falta: a cisão entre a linguagem e o evento, a impossibilidade24 de recobrir o vivido (o ‘real’) com o verbal” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 47). Deve-se, no entanto, atentar que “esse ‘real’ não deve ser confundido com a ‘realidade’ tal como ela era pensada e pressuposta pelo romance realista e naturalista” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 47). O ‘real’ de que se trata aqui “deve ser compreendido na chave freudiana do trauma, de um evento que justamente resiste à representação” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 377). Surge-nos, então, o questionamento: Para quem realmente se narra? Como aquele que narra será visto por si mesmo e pelos outros? Ou, na indagação de Nestrovski e Seligmann-Silva (2000: 9): “como se tornar, narrando, uma testemunha autêntica do acontecido e uma testemunha autêntica de si?”. Essas perguntas ressaltam em nossa análise das narrativas memorialísticas semprunianas que “transposições são sempre possíveis, mas deslocam a questão para a esfera não só das formas, mas da ética” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000: 11). A literatura de testemunho articula, então, estética e ética como campos indissociáveis de pensamento. Em base a essa perspectiva, a presente pesquisa visa perscrutar como Jorge Semprún trabalha a ética e a estética que, em sua obra L’écriture ou la vie (1994), remetem à questão do olhar, da dor e do mal, insistindo sempre na “necessidade do registro ficcional” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 380) para a apresentação de eventos que “escapam ao conceito” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 380), exigindo, portanto, em Semprún, uma reformulação ao mesmo tempo estética e ética dos 24 Jacques Rancière, ao relacionar o visível e o dizível, pensando a relação entre as palavras e as imagens, estabelece uma teoria da obra de arte como inscrição testemunhal/imagética. Nesse sentido, ele se contrapõe ao chamado grau “irrepresentável” da palavra e da imagem se esse estiver restrito a uma leitura mimética das coisas. Ao indagar “se o irrepresentável existe?”, Rancière reflete que “o irrepresentável repousa justamente aí, na impossibilidade de uma experiência se expressar em sua língua própria” (RANCIÈRE, 2012: 137). | 31 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves fatos. Acreditamos, enfim, que ao estudar essa memória, mescla de vivência e ficção, que compartilha o testemunho de uma dor através da escrita literária, faz-se imprescindível recorrer ao exemplo de Jorge Semprún como um autor que traz à tona o paradoxo de ter que escolher entre escrever ou viver, no momento em que ganha o Prêmio da Paz (1994) e justifica assim o fato de ter demorado vários anos para conseguir elaborar literariamente o trauma: “no era imposible escribir: habría sido imposible sobrevivir a la escritura. (...) Tenía que elegir entre la escritura y la vida, y opté por la vida” (SEMPRÚN. Discurso proferido en el recibimiento del Premio de la Paz, 1994: s.p.). O que acontece, porém, em termos estéticos quando se opta, posteriormente, em um espaço temporal de quase cinquenta anos, pela escritura do trauma? É essa mais uma das interrogações que a obra sempruniana nos suscita e que esta Tese desejou investigar nos quatro capítulos que a compõem, além da introdução e da conclusão, tal como esboçamos a seguir. No capítulo 1, intitulado Memória, ficção e vivência: o signo e o trauma, refletimos sobre o termo ‘literatura de testemunho’ e sua relação com a ‘literatura comparada’. Investigamos também as relações entre escrita e trauma em Jorge Semprún a partir das considerações de estudiosos que debruçaram nos conceitos de memória, ficção e vivência. Temos, nesta etapa da pesquisa, como horizontes de indagação as seguintes questões já apresentadas na introdução: até que ponto o trauma é (in)dizível, é (in)traduzível? O que narra um romance traumático além da sua própria impossibilidade de narrar? Destacamos no capítulo o debate em torno dos conceitos (memória, história, ficção, documento, testemunho) não só como pontes que permitem o caminhar do pensamento, mas também como definições que se apresentam como respostas ao contexto social ao qual se vinculam. Como a obra L’écriture ou la vie / La escritura o la vida é composta por dez capítulos, divididos em três partes, optamos por nos concentrar, no primeiro capítulo da Tese, na primeira parte do livro, composta por cinco capítulos. Por sua vez, no capítulo 2, Língua e identidade: a escrita bilíngue, examinamos as relações entre língua / lugar / identidade na obra sempruniana como forma de indagar: que língua materna é essa que se reveste de estrangeira para contar o trauma? Perscrutar- se-á a possibilidade de se pensar o testemunho como o “guardião da memória” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 3); ainda que esse testemunho, como admite Jorge Semprún, opere em base ao caráter insuficiente da língua em transpor em palavras o trauma, isto é, encare a problemática da literatura como um todo que é, usando as palavras de Seligmann-Silva, “a incapacidade de traduzir o vivido em imagens ou metáforas” | 32 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SELIGMANN-SILVA, 2008: 2) e, paradoxalmente, a necessidade, entendida muitas vezes como humanamente urgente, de fazê-lo. Discutimos também neste capítulo os conceitos de autobiografia, exílio e bilínguismo autoral. Enfocaremos neste capítulo a segunda e a terceira partes do livro L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, composta dos cinco últimos capítulos dessa obra. No capítulo 3, Literatura e política: modernidade, utopia e escolhas pós- modernas, indagamos as possibilidades de “apresentação” histórica na obra de Jorge Semprún a partir de um rastreamento dos vestígios e pegadas históricas da Guerra Civil Espanhola, da Segunda Guerra Mundial, do encarceramento e da libertação dos campos de concentração e da clandestinidade no período pós-Segunda Guerra. Verificamos os significados de compromisso intelectual e engajamento político na escritura sempruniana e sua referência aos fatos históricos empíricos, que se dá, em nossa hipótese, por meio de uma aguçada crítica social e um modo bem peculiar de ver os eventos que marcaram o mundo no século XX. As perguntas centrais deste capítulo são: como e por que recuperar uma memória tão amarga e dolorosa? Como e por que portar-se como ouvinte / narrador de tais más notícias (o povo espanhol totalmente dividido pela guerra que culminou em uma geração de expatriados e desaparecidos; a humanidade marcada pela fratura da destruição e do horror)? Os focos de análise deste capítulo serão as referências literárias de Semprún à Guerra Civil Espanhola e à sua atuação na Segunda Guerra Mundial, na resistência clandestina à Ditadura Franquista e na posterior abertura política espanhola após a morte de Franco. Nesta etapa da Tese, trabalharemos especificamente com os quatro capítulos do livro Adieu, vive clarté... / Adiós, luz de veranos... | 33 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1. Capítulo 1: Memória, ficção e vivência: o signo e o trauma Survivre, simplement, même démuni, diminué, défait, aurait été déjà un rêve un peu fou. Nul n’aurait osé faire ce rêve, c'est vrai. Pourtant, c'était comme un rêve, soudain: c'était vrai.(SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 21) Sobrevivir, sencillamente, incluso despojado, mermado, deshecho, ya habría constituido un sueño un poco disparatado. Nadie se habría atrevido a soñar eso, es verdad. No obstante era como un sueño: era verdad. (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 22) Neste capítulo, empreenderemos o debate em torno dos conceitos memória, história, ficção, documento e testemunho, todos perpassados por vivências traumáticas. Refletiremos sobre o signo do trauma na escrita de Jorge Semprún a partir das imbricações entre memória, história e ficção, colocando como horizontes de indagação o (in)dizível, o (in)traduzível e o (im)possível na narrativa literária de eventos limites. Além disso, pensaremos sobre as lacunas provocadas pelo esquecimento necessário para que a memória “respire” e possa ser “revivida” por meio do relato. Analisaremos o termo ‘literatura de testemunho’ como ocupante de um espaço de merecedor destaque nas pesquisas de literatura comparada quando se pensa na existência de um teor testemunhal na literatura como um todo. Por fim, empreenderemos uma leitura crítica da primeira parte do livro L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, composta dos cinco primeiros capítulos da obra (Capítulo 1: “Le regard” / “La mirada”; Capítulo 2: “Le kaddish” / “El kaddish”; Capítulo 3: “Le ligne blanche” / “La línea blanca”; Capítulo 4: “Le lieutenant Rosenfeld” / “El teniente Rosenfeld”; e, Capítulo 5: “La tromppette de Louis Armstrong” / “La trombeta de Louis Armstrong”). Vemos que nesta primeira parte de L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, a ação do relato ocorre na maior parte das vezes nos poucos dias imediatos ao momento de libertação do campo de Buchenwald, com flashbacks significativos dos eventos ocorridos no encarceramento: desde menção aos aspectos rotineiros da “sobrevida” em cárcere como a lembrança de fatos excepcionais que marcaram essa vivência opressora. Nesse ir e vir de recordações, as metacitações ou metacríticas na escrita sempruniana são muitas, e somam-se a essas, inúmeras referências literárias que são evocadas pelo narrador de modo a imergir o leitor em todo o seu universo intelectual e reflexivo: somos remetidos a inúmeros poetas, romancistas, filósofos, historiadores, etc., bem como aos vários livros de Semprún anteriores a L’écriture ou la vie / La escritura o | 34 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves la vida. Tudo isso acontece em meio a um trabalho estético que combina diversos gêneros (diálogo, diário, crônica, autobiografia, relato, prosa poética, discurso filosófico, etc.), intertextualidade, fragmentação textual, metalinguagem, mudanças de foco temático, câmbios narrativos, contraposição de vozes entre narrador e personagens, elipses espaço- temporais, não-linearidade, saltos, rasuras dentre outros artifícios linguísticos próprios do estilo sempruniano. Recursos esses que molduram constantemente a narrativa contemporânea e cuja temática (o sofrimento humano) remete aos primórdios narrativos, mas esses mesmos recursos são singularizados esteticamente na literatura de testemunho, como podemos perceber pela leitura de Valéria de Marco (2004) desses procedimentos discursivos, pois nos coloca o dever de analisar a forma literária em conjunção à natureza da matéria que a compõe: A matéria da tragédia não se confunde com a do testemunho. Naquela, o universo ameaçado retorna à harmonia com a morte ou expulsão do herói, em última instância, a personagem sobre a qual incide a "responsabilidade" pelos transtornos; a matéria do testemunho trata exatamente das impossibilidades de reconstrução da harmonia perdida, da destruição de parâmetros de estruturação social, da perda de referenciais de identidade, da perda da confiança no mundo. (DE MARCO, 2004: 58) Por isso, vê-se uma literatura que compreende na carne (no corpo mesmo do texto) os riscos de olhar o passado, a saber: perder-se nesse gesto, petrificar / banalizar os eventos, fazer deles uma imagem deformada ou errônea. É uma literatura que entende e encena em sua forma o fato da memória se abrir para o vazio, margeando o abismo entre esquecer, distorcer e relembrar. O olhar memorialista sempruniano vê o nada, os escombros de seu passado e toda essa matéria, que é ao mesmo tempo impossível de reconciliar-se, mas também impossível de esquecer / de não lembrar. A literatura que testemunha a Shoah, nas palavras de Valéria de Marco (2004) expõe estruturalmente “que escrever significa conviver com a mudez, o domínio da língua e seus limites” (DE MARCO, 2004: 59) e, paradoxalmente, também aponta para a urgência de extrapolar esses mesmos limites, destacando “a necessidade de criar um alinhamento entre a testemunha e o ouvinte, entre escritor e leitor para que o discurso seja forma de resistência ao recolhimento, ao silêncio e à morte” (DE MARCO, 2004: 59). A pesquisadora acrescenta: E aqui cabe lembrar a atitude de muitos sobreviventes dos campos que se negam a dar seu depoimento, como relatam historiadores, ou a de Jorge Semprún que, além de ter adiado até 1994 falar da fase de sua vida nos campos de concentração, ao escrever o livro, vacilou entre dois títulos: La escritura o | 35 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves la vida e o finalmente preterido – ‘la escritura y la muerte’. (DE MARCO, 2004: 59) Trata-se, portanto, de um texto que não busca preencher a falta nem suturar vazios. Muito menos fazer desse abismo mortal da memória um monumento a ser cultuado, glorificado. É uma escrita que se encontra à deriva entre o viver e o morrer. Semprún se debate entre a constatação de que escrever seja viver ou escrever seja deixar para depois o viver. Escrever integralmente suas vivências do campo de concentração é doloroso demais e não é uma opção a ser pensada já que significaria “escreviver” (reviver por meio da escrita o passado). Então, sua narrativa margeia o limite entre o contar e o refletir, se valendo da fragmentação, da pluralidade de vozes, da justaposição de imagens e pontos de vista bem como da exposição da prevalência da forma e do amálgama de diferentes linguagens. Todos esses procedimentos foram citados por Valéria de Marco como presentes na tendência contemporânea de aversão à linearidade ou à referencialidade bem como na forma moderna de empreender esteticamente no texto a visualidade de toda “a crise da noção de sujeito no mundo da automação, da técnica e dos meios de comunicação de massa” (DE MARCO, 2004: 61). Entretanto, a diferença dessa estética fragmentária da literatura de testemunho em relação ao romance que se contrapõe ao realismo se dá, fundamentalmente, pelo quesito ético, o que será tratado no próximo subtítulo deste capítulo da Tese: a singularidade de Jorge Semprún nesse contexto que não mergulha (para não se afogar) nas profundezas do horror e opta por margear seus limites e suas bordas, mapeando pelas “beiradas” uma maneira de chegar ao centro, ao âmago da questão. | 36 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1.1. Imagens da dor e do mal: o que olha e o que é visto por Jorge Semprún (“Le regard” / “La mirada”) L’étrange odeur surgirait aussitôt, dans la réalité de la mémoire. J’y renaîntrais, je mourrais d’y revivre. Je m’ouvrirais, perméable, à l’odeur de vase de cet estuaire de mort, entêtante.(SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 18) El extraño olor surgiría en el acto en la realidad de la memoria. Renacería en él, moriría por revivir en él. Me abriría, permeable, al olor a limo de ese estatuario de muerte, mareante. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 19) A maioria dos livros de Jorge Semprún, sendo uma parte designada pela crítica como literatura testemunhal, foi escrita em francês. Começaremos nossa empreitada analítica pela obra L'écriture ou la vie (1994) / La escritura o la vida (1995). Acreditamos que ler essa obra a partir do pacto ficcional que ela engendra, sem prescindir de uma leitura das relações entre história e memória, significa levar-se em conta que seu enredo é a própria tessitura escritural, isto é, trata-se de uma obra complexa, totalmente metalinguística, que tem como fio narrativo a sua própria composição. É nítido assim, como em Semprún o atributo ‘testemunhal’ ganha outros matizes e facetas, pois o ‘eu’ que narra a obra sempruniana o faz através do apelo ao sensorial, ao imaginativo, encenando o aspecto involuntário constitutivo da memória. Segundo a filósofa Nádia Seremetakis (1996) em The Senses Still, a memória pode ser entendida como um reservatório de experiências sensoriais que são enredadas umas nas outras: “memory and the senses are co-mingled in so far as they are equally involuntary experiences” (SEREMETAKIS, 1996: 9), ou seja, o caráter sensorial da memória proporciona uma nova experienciação do passado ao ser “revivido” no ato da rememoração fazendo com que a memória se porte como mediadora / ponte da substância histórica da experiência (que só pode ser sentida no instante presente): “here sensory memory, as the meditation on the historical substance of experience is not mere repetition but transformation which brings the past into the present as a natal event” (SEREMETAKIS, 1996: 7). No caso sempruniano, vemos que as sensações que sua memória traumática emana adentram no terreno ficcional como uma abertura à reflexão e à temporalidade múltipla da história. Em seu processo composicional, o texto sempruniano se vale de uma coleção de imagens; recortadas e imobilizadas no agora da escrita que despertam o pensamento através de sua | 37 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves força metafórica. Portanto, a entrada no trauma rememorado se dá em Semprún pela via ficcional e não por meio de uma verdade que se abstém do fictício e do sensorial. De acordo com Márcia Romero Marçal (2008), “nos dois primeiros capítulos do livro, os sentidos da visão e da audição, respectivamente, servem de leitmotiv para as ações” (MARÇAL, 2008: 42) tal como são contadas pelo narrador, pois “associam o mundo exterior à subjetividade do personagem-narrador; atuam como metonímia e metáfora da experiência do campo de concentração; funcionam como paradigma para sondar sua essência e conduzem o tênue fio da narrativa” (MARÇAL, 2008: 42). A crítica também destaca o papel dos cinco sentidos na construção textual que marca o discurso sempruniano: “é principalmente na visão e na audição em que estão inscritas as marcas indeléveis da catástrofe” (MARÇAL, 2008: 42), como podemos perceber nas descrições dos olhares horrorizados dos que vêem os sobreviventes e escutam seus relatos. Vê-se também que “os sentidos olfativo, gustativo e tátil concorrem também para a representação desta realidade” (MARÇAL,2008: 42). Para Márcia Marçal (2008), esses sentidos “no entanto, vão à esteira do olhar e da audição” (MARÇAL, 2008: 42), que seriam predominantes na obra de Semprún. Discordamos da constatação dessa predominância visual / auditiva, pois parece que todos os sentidos confluem, sim, em igual medida para o delineamento de uma memória bastante sensorial e carregada de sensações que juntas formam um emaranhado bastante denso, de difícil delimitação, o que pode ser corroborado pelo jogo de imagens / cheiros / gostos / formas / texturas que marcam os gestos enunciativos da narrativa, tal como sinalizam: o cheiro de morte que emanava dos fornos crematórios (“l’odeur étrange sur la colline de l’Ettersberg, patrie étrangère où je reviens toujours”; SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 17 / “el extraño olor sobre la colina del Etterberg, patria extranjera a la que siempre acabo volviendo”; SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 18); o gosto amargo do pão preto servido à míngua e por isso incapaz de matar a fome (“plus de pain noir, la bouche vide, l’estomac creux. Rien d’autre que la faim aussitôt revenue”; SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 263 / “se había acabado el pan negro, la boca seguía vacía y el estómago también. Nada, sino el hambre que volvía en el acto”; SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 219) e a sensação de fraqueza / exasperação que o encarcerado tinha ao tatear a magreza crescente do próprio corpo (“pas de visage, sur ce corps dérisoire. De la main, parfois, je frôlais une arcade sourcilière, des pommettes saillantes, le creux d'une joue”; SEMPRÚN. L’écriture | 38 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ou la vie. 1994: 13 / “ningún rostro, sobre ese cuerpo irrisorio. Con la mano, a veces, reseguía el perfil de las cejas, los pómulos prominentes, las mejillas hundidas”; SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 15) ou ao abraçar um companheiro convalescente, moribundo, sentindo, no mesmo ato, sua extrema delgadez e o cheiro de morte que exala, como no episódio que relata a morte do professor e amigo Maurice Halbwachs (“je l’ai pris dans mes bras, j’ai approché mon visage du sien, j’ai été submergé par l’odeur fétide, fécale, de la mort qui poussait en lui comme une plante carnivore, fleur vénéneuse, éblouissante pourriture” SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 61 / “lo tomé entre mis brazos, acerqué mi rostro al suyo, quedé sumergido por el olor fétido, fecal, de la muerte que crecía dentro de él como una planta carnívora, flor venenosa, deslumbrante podredumbre”; SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1994: 55). Para Semprún, contar o trauma é narrar a história de um choque violento que ocasionou um desencontro do “eu” com seu centro, já que a experiência / vivência narrada pela literatura de testemunho sempruniana é tão inverossímil que não poderia ser assimilada enquanto ocorre. Uma vivência totalmente marcada pela impossibilidade / incapacidade de simbolizar o inimaginável / o choque, o sujeito sempruniano perdido entre seu mundo particular e o real (o mundo exterior da história coletiva) que invade o ego. Sobre essa carga inerente ao testemunho refletem Paul Celan e Dan Pagis (CELAN; PAGIS; apud SELIGMANN-SILVA, 2005: 57): “tudo o que ocorreu foi tão gigantesco, tão inconcebível, que a própria experiência se via como uma inventora” e acrescentam: “o sentimento que a sua experiência não pode ser contada, que ninguém pode entendê-la, talvez seja um dos piores que foram sentidos pelos sobreviventes após a guerra” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 386). Seligmann-Silva, em “O testemunho: entre a ficção e o real” (2003), atribui ao testemunho à capacidade de manifestar o real ainda que (ou, sobre tudo) diante de projeções fictícias: Na literatura de testemunho não se trata mais de imitação da realidade, mas sim de uma espécie de “manifestação” do “real”. É evidente que não exista uma transformação imediata do “real” para a literatura: mas a passagem para o literário, o trabalho do estilo e com a delicada trama de som e sentido das palavras que constitui a literatura é marcada pelo “real” que resiste a simbolização. Daí a categoria do trauma ser central para compreender a modalidade do “real” de que se trata aqui. Se compreendermos o “real” como trauma – como uma “perfuração” na nossa mente e como uma ferida que não se fecha – então fica mais fácil compreender o porquê do redimensionamento da literatura diante do evento da literatura de testemunho. (SELIGMANN- SILVA, 2003: 386) | 39 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Advém-nos, neste ponto, a questão: como entender o processo de estetização / figuração das vivências traumáticas em Jorge Semprún em meio ao discurso literário? É preciso, pois, para empreender tal análise que o crítico da literatura sempruniana diga o que entende, por exemplo, por um conceito tal como “real”, “universal” ou tal como “fictício”, “particular”, ainda que sejam conceitos amplos. Isso porque, além de serem conceitos totalmente operantes quando se trata de discutir o modo pelo qual as memórias particulares passam a fazer parte do acervo universal, existe também o fato de que no âmbito da reflexão sobre a estética memorialística, é de extrema importância potencializar tensões e debater conceitos cristalizados. Vê-se que discutir os conflitos entre individual e universal supõem empreender a negação de uma utópica harmonia temporal e partir para a problematização dos espaços. Sem abster-se tanto do enfrentamento com algum tipo de conceituação como da violência necessária do recorte, o teórico comparatista que se aventura na obra de Semprún deve transitar pelos saberes e pensar na multiplicidade de metodologias, não como um apelo ao modismo que resvala para o superficial, mas sim como uma busca por uma maior articulação interdisciplinar como forma de não engessar o pensamento. Dessa forma, é importante dar espaço na análise de um texto híbrido (testemunhal-literário-filosófico) tal como o de Jorge Semprún (escritor / filósofo / ativista político) às teorias itinerantes, já que “uma teoria itinerante pode constituir-se num instrumento de desconstrução e enfrentamento tanto do pensamento binário, com sua lógica de polarização e exclusão, quanto das identidades orgânicas e essencialistas” (MARQUES, 2001: 53). Teorias que são flexíveis sem abrir mão do rigor e que nos remetem ao fato de que a arte não se valida por si mesma, apesar de que, culturalmente existem inúmeros discursos que divulgam isso. Nosso enfretamento teórico-crítico às obras semprunianas dar-se-à, pois, em um percurso em que as direções teóricas serão entrecruzadas com seus comentadores: para além, por exemplo, das teorias de Walter Benjamin, Sigmund Freud, Paul Ricœur ou Giorgio Agabem, nos serviremos muito em nosso tecer textual da tradução / leitura dos pensamentos, desses e de outros autores considerados propriamente como teóricos primevos, realizadas por diversos pesquisadores da literatura. Interessa- nos também, por exemplo, a tradução que Jeanne Marie Gagnebin, Valéria de Marco, Márcio Seligmann-Silva e outros críticos fazem de Freud ou Benjamin. Vemos que, ao longo da história, a teoria está muito associada à autoridade, à possibilidade de consolidar conceitos, como sistema estável, mas que supõe brechas. Neste sentido, a literatura de | 40 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves testemunho, lida numa perspectiva comparativa, parece ecoar: como teorizar frente ao trauma? E mais, como teorizar / analisar / criticar sem recorrer às diversas vozes que se revelam fundamentais para perceber como ecoam no presente os dizeres / saberes discursivos de antes? Como sair do paradigma epistemológico, dicotomista e cristalizador de conceitos, que gerou a crise da modernidade e seus eventos catastróficos? Seligmann-Silva (2005), tendo como foco a literatura do trauma e baseando-se nos escritos de Benjamin e Freud, nos leva a refletir sobre a necessidade de estabelecer um diálogo entre os conceitos de história coletiva e história individual, ao colocar em descoberto a história como um trauma e a representação ética das memórias traumáticas. Afirma Seligmann-Silva (2005): “a leitura estética do passado é necessária, pois opõe-se à ‘musealização’ do ocorrido: ela está vinculada a uma modalidade da memória que quer manter o passado ativo no presente” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 57). Neste sentido, a interseção que se procura sugerir nesta Tese entre estética e ética na obra sempruniana se baseia na visualidade dos gestos de enunciação que emergem de sua escrita: gestos que encenam as tentativas de captura do tempo pretérito e da configuração identitária de um sujeito perdido e irremediavelmente (con) formado a esse tempo ao qual tenta desesperadamente ler no presente enunciativo. O impossível, o indizível e o invisível convergem na obra sempruniana para marcar o discurso hermenêutico da memória invívivel. Semprún tenta escrever apesar de ser doloroso ou, por vezes, impossível: “Non pas que l’expérience vécue soit indicible. Elle a été invivable, ce qui est tout autre chose, on le comprendra aisément” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 25) / “No porque la experiencia vivida sea indecible. Ha sido invivible, algo del todo diferente, como se comprende sin dificultad” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 25). Maldonado e Cardoso (2009), ao analisarem a dimensão “intransmissível” da experiência traumática, que aponta diretamente para “a impossibilidade de acesso à simbolização do que se coloca no primeiro plano de uma reflexão psicanalítica voltada para a noção de trauma” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 45), citam Jorge Semprún e sua constatação de que sua experiência foi mais que indizível, sendo propriamente “invivível”, para marcar que o fato de que o trauma “constitui um vivido que ultrapassa a capacidade psíquica de apropriação e de recalcamento” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 45), mas que é, ao mesmo tempo, requerido a todo o tempo pelas narrativas traumáticas, sendo estas “simultaneamente impossíveis e necessárias, nas quais a | 41 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves memória traumática, apesar de tudo, tenta se dizer” (GAGNEBIN, 2006: 49). Os sobressaltos, o desespero, a agonia, o desamparo, os sustos de uma mente despreparada para defender-se somatizam-se em Jorge Semprún numa narrativa que não deixa de inscrever o “eu” em meio a uma impossibilidade e paradoxal necessidade de escrever o “outro” lado, aquele que deseja fugir da dor de lembrar e ser sobrevivente. Aquele que não quer, ao narrar a selvageria do animal humano e o esgotamento da vida pelo trabalho escravo / mortífero ou pelo descarte insensível, cair nos riscos de repetição monótona, pedante e simplificadora da densidade do tema. De acordo com Maldonado e Cardoso (2009), a ideia de uma narrativa impossível, mas absolutamente necessária amplia a compreensão das neuroses traumáticas que, por meio da sua repetição compulsiva, estabelecem um espaço psíquico em que uma “exterioridade interna” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 45) radical tende a se fazer sempre atual, presente e constante. No caso de Semprún, essa atualidade e constância são levadas aos limites da linguagem em narrativas que recontam as vivências / experiências recontando-se a si mesmas; metatextualmente e interdiscursivamente: elas se ecoam e se reverberam. A configuração do repetir-se através da elaboração poética do recontar-se, tal como acontece nas obras semprunianas, parece de maneira familiar, usando as palavras das autoras, “aplicar-se perfeitamente a esse sofrimento indizível posto em cena com o traumático e que torna tão fundamental, para aqueles que sobreviveram ao catastrófico do trauma, a paradoxal tarefa de narrar o intransmissível” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 45). Assim, “se, por um lado, o trauma aponta para uma narrativa impossível, pelo excesso de realidade que comporta” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 55), pelo excesso de emoções que mobiliza, pela dor insuportavelmente paralisante que causa, por outro lado, paradoxalmente, constata-se o quanto é urgente, importante e necessário, sobretudo “para aquele que experimentou uma situação traumática poder relatar ao outro sua história, endereçar um testemunho à escuta de alguém que possa, com essa atitude, vir a promover a abertura de uma possibilidade de representação do ‘inominável’” (MALDONADO; CARDOSO, 2009: 55). Porém, como acolher esse testemunho? Como portar-se diante da dor que o outro nos quer compartilhar? Para refletir sobre essa questão, devemos recorrer às questões de natureza ética as quais se vincula, de maneira indissolúvel, a literatura de testemunho que, de acordo com pesquisadora Alba Olmi (2009) propicia “a possibilidade de produzir interrogativos de ordem ética, moral e histórica irrenunciáveis” (OLMI, 2009: 1). Além disso, Alba Olmi (2009) lembra-nos da | 42 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves complexidade dessa questão que envolve não só diferentes disciplinas como também saltos geracionais: “da primeira geração das testemunhas à segunda e à terceira, esta constituindo uma geração que vê o Holocausto em terceira mão” (OLMI, 2009: 1). Verifica-se que a figuração do horror histórico em Semprún é, na crítica em geral, amplamente discutida sob o prisma analítico da ética, ao passo que muitas vezes se exclui a investigação a respeito do potencial estético dessas obras, o que paradoxalmente, seria a reivindicação maior dos narradores semprunianos, e, por conseguinte, do próprio autor. Vê-se, também, que uma tendência crítica preponderante na análise da literatura de testemunho (principalmente aquela, como a de Semprún, Levi, Kofman, Kertész, circunscrita no contexto dos relatos dos sobreviventes dos campos de concentração nazistas) é a que restringe a leitura da obra às questões éticas. As obras semprunianas reivindicam a presença da estética, apontando para a necessidade da existência de uma nova perspectiva analítica que se debruce também sobre as questões poético-literárias. Ou seja, suas obras podem e devem estar sujeitas às leituras críticas tanto do ponto de vista ético como do estético, ademais de outras possíveis e prováveis vertentes analíticas. O que não pode, a nosso ver, é continuar ocorrendo análises empobrecedoras das obras da literatura dos sobreviventes (sublinhando aqui o texto sempruniano, nosso objeto de estudo) que desconsideram toda sua linguagem e sua densa estrutura literária. Para corroborar com essa questão da urgência de um componente analítico tanto ético quanto estético das obras de Semprún, tomamos por empréstimo as seguintes palavras de Valéria de Marco (2004): Nessa concepção da literatura de testemunho é possível também reconhecer duas tendências. Uma, a hegemônica, reserva-a à produção dos sobreviventes, recusa-lhe qualquer aproximação à ficção, examina-a a partir de critérios éticos e nega-se a considerá-la à luz da estética. A outra tendência, ao contrário, privilegia em seu exercício crítico as questões de natureza literária, desdobrando-se assim no âmbito da estética; não restringe seu corpus à produção dos sobreviventes. Portanto, aqui também é necessária atenção para o rigor no uso de alguns conceitos e na hierarquização dos argumentos (MARCO, 2004: 57). Parece-nos, portanto, fundamental a busca de um equilíbrio dos aspectos éticos e estéticos na análise da obra sempruniana. Uma leitura intercampos (que dialogue com a semiótica, a linguística, a filosofia, a psicanálise e a história) parece ser fundamental para o alcance desse equilíbrio analítico. Aspectos estes que, através de sua (in)visibilidade e (in)divisibilidade na escrita sempruniana, se permitem entrever e geram a força maior da narrativa de Semprún, apontando para o possível de seu discurso: a poética da memória | 43 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves vivida e ficcionalizada. Isso é bem visível na ação que se desenrola no primeiro capítulo do livro L'écriture ou la vie (1994) / La escritura o la vida (1995), intitulado significativamente “Le regard” / “La mirada”, no qual há o titubeio da narrativa entre figurar o mal e, ao mesmo tempo, assegurar uma ética da representação do horror para não banalizá-lo. O narrador mostra que nos domínios da escrita memorialista testemunhal se dá um debate entre a possibilidade / impossibilidade, não apenas de narrar o trauma, mas também de encontrar razões e formas de fazê-lo de maneira não indecente, não obscena. Para Jorge Semprún, a vivência dos campos de concentração apresenta-se como impossibilitadora das atividades de reminiscência e escritura, ao mesmo tempo em que as fazem urgentes e necessárias, já que sua narrativa não consegue abster-se de tocar no assunto e de lançar na escrita as imagens da dor, do espanto, do medo de quem foi tão agredido que não possui mais rosto. Um exemplo disso é o relato do encontro entre o “eu narrador” e os soldados britânicos no dia da libertação do campo de Buchenwald: Ils sont en face de moi, l’œil rond, et je me vois soudain dans ce regard d’effroi: leur épouvante. Depuis deux ans, je vivais sans visage. Nul miroir, à Buchenwald. Je voyais mon corps, sa maigreur croissante, une fois par semaine, aux douches. Pas de visage, sur ce corps dérisoire. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 13) Están delante de mí, abriendo los ojos enormemente, y yo me veo de golpe en esa mirada de espanto: en su pavor. Desde hacía dos años, yo vivía sin rostro. No hay espejos en Buchenwald. Veía mi cuerpo, su delgadez creciente, una vez por semana, en las duchas. Ningún rostro, sobre ese cuerpo irrisorio. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 15) A autoimagem do narrador sempruniano se constrói nesse episódio pelo olhar que mescla o espanto e o pavor do Outro (encarnado na cena pela figura dos soldados que o encontram). Nesse momento, como não raro ocorre em outros instantes da obra, Semprún escritor e Semprún ficcional se fundem. Vemos o relato de sua dor de “Ser”, já que sua identidade como ser humano e como escritor, após sua libertação em abril de 1945, o marca com um índice impossível de ser apagado – o rótulo de sobrevivente; estabelecendo, dessa maneira, estreitos vínculos entre experiências traumáticas e história coletiva e ao longo de sua literatura, que tenta dar conta do que, mais que indizível, foi segundo Semprún, invivível. Essa constatação leva-nos a indagar: de que forma as imagens da dor e do mal se deixam entrever nas reminiscências que povoam a obra sempruniana? Segundo Márcia Romero Marçal (2008): | 44 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves O personagem-narrador, no dia seguinte à libertação de Buchenwald, 12 de abril de 1945, após passar a noite em Weimar com seus companheiros, depara- se com três oficias das forças aliadas, nas imediações do campo, e surpreende em seus olhares um indecifrável horror que lhe devolve um terrível auto- estranhamento. A imagem de si refletida no outro envolve um processo de auto-alienação, de auto-exílio, uma identidade dissociada de sua auto-imagem. Os oficiais, oriundos de outras paragens, espelham a impossibilidade de se olhar de frente o horror sem dissociar-se de si e do mundo. Nesta situação, o narrador, alternando o seu ponto de vista com o do personagem-narrador, envereda por uma busca atormentada daquilo que pudesse ter provocado os olhares de pavor nos oficiais britânicos e levanta sucessivas hipóteses com respostas sempre inconclusas. (MARÇAL, 2008: 41-42) O primeiro capítulo da obra “Le regard” / “La mirada” é constituído, portanto, de um emaranhado narrativo com temas muito complexos: o encontro com os soldados aliados e seu olhar de espanto no dia da libertação após uma longa espera soterrada de apreensão e esperança, o cheiro de fumaça dos fornos crematórios que espantaram os pássaros ao redor de Buchenwald, os flashbacks de imagens daqueles que morreram no caminho e não estão, portanto, presentes para viver a liberdade (a grande inimiga dos S.S. segundo Semprún). E, por fim, as palavras de agradecimento que eram proferidas em todas as línguas da velha Europa no dia da chegada das tropas aliadas. Mesclam-se a esses assuntos, menções ao cotidiano do cárcere, com seus jargões e expressões habituais, a maioria relacionada à engrenagem de trabalho forçado e à aniquilação (tais como ir pela chaminé, virar fumaça, tornar-se muçulmano), além das dúvidas sobre se alguém algum dia irá sobreviver para contar ou se os que sobreviverem conseguirão relatar o que houve. Ademais, se mencionam a esperança inesgotável, a nudez fraterna que se entrevia por detrás do olhar devastado dos companheiros esgotados e famintos e a sensação de solidariedade recíproca entre aqueles que vivenciaram juntos, por diversas vezes, mortes, abusos e torturas: Une idée m'est venue, soudain – si l'on peut appeler idée cette bouffée de chaleur, tonique, cet afflux de sang, cet orgueil d'un savoir du corps, pertinente –, la sensation, en tout cas, soudaine, très forte, de ne pas avoir échappé à la mort, mais de l'avoir traversée. D'avoir été, plutôt, traversé par elle. De l'avoir vécue, en quelque sorte. D'en être revenu comme on revient d'un voyage qui vous a transformé: transfiguré, peut-être. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 27) He tenido una idea, de golpe – si puede llamar idea a esta bocanada de calor, tónica, a este aflujo de sangre, a este orgullo de un conocimiento del cuerpo, pertinente -, la sensación, en cualquier caso, repentina, muy fuerte, no de haberme librado de la muerte, sino de haberla atravesado. De haber sido, mejor dicho, atravesado por ella. De haberla vivido, en cierto modo. De haber regresado de la muerte como quien regresa de un viaje que le ha transformado: transfigurado tal vez. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 15) | 45 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves A forma fragmentária e a “opacidade” da narrativa de L’écriture ou la vie (1994) / La escritura o la vida (1995) decorrem do horror do próprio tema: um homem diante da barbárie dos campos de concentração. Porém, junto ao tema do horror e do trauma, há também configurado, segundo Valeria de Marco, “o percurso do narrador em busca da escritura” (MARCO, 2009: 50), num movimento pendular que oscila entre o narrar (e nesse narrar entende-se por escrito e através da literatura) ou não o que aconteceu, levando em consideração de que maneira seria válido empreender tal escrita. O narrador sempruniano parte em busca de uma redefinição identitária que, para ele, implica totalmente a escrita literária, que declara não saber se é dom, profissão ou necessidade. Na análise de Márcia Romero Marçal (2008), “a precariedade do sobrevivente objetiva- se na forma precária do romance, marca de singularidade desta obra de Semprún na literatura de testemunho” (MARÇAL, 2008: 5). Além disso, o episódio de estranhamento por parte do sobrevivente em relação ao olhar repleto de estranheza que os soldados lançavam sinaliza a tensão quando se refere à incapacidade de compreender e “alude ao horror em forma de impotência de visão: tanto o sobrevivente tem dificuldade para interpretar este olhar refletido no mundo exterior como este outro de fora do campo exibe sua ignorância do Mal perpetrado nos campos de concentração” (MARÇAL, 2008: 42). O fato de viver sem rostos (não havia espelhos em Buchenwald) não permite ao narrador ver seu próprio olhar, cada vez mais louco e desolado. Não permite perceber visualmente sua magreza crescente que o assemelha a um “cadáver vivo”, um esqueleto transeunte: Ils sont à quelques pas de moi, silencieux. Ils évitent de me regarder. Il y en a un qui a la bouche sèche, ça se voit. Le deuxième a un tic de la paupière, nerveux. Quant au Français, il cherche quelque chose dans une poche de son blouson militaire, ça lui permet de détourner la tête. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 27) Están a unos pasos de mí, silenciosos. Evitan a mirarme. Hay uno que tiene la boca seca, se le nota. El segundo tiene un tic nervioso en el párpado. En cuanto al francés, está buscando algo en el bolsillo de su guerrera militar, cosa que lo permite desviar la mirada. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 15) Ter sua imagem relacionada à de uma aparição, faz com que o narrador sempruniano repense o real sentido da morte, pois para ele “el hecho de envejecer, de ahora en adelante” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 27) / “le fait de vieillir, dorénavant” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 28), “no iba a acercarme a la muerte, sino por el contrario a alejarme de ella” (SEMPRÚN. La escritura | 46 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 27) / “n’allait pas me rapprocher de la mort, mais bien au contraire m’en éloigner” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 28). Iria aproximá-lo a uma morte, por assim dizer, mais humana. Isso porque viver no campo não era propriamente viver, era ser um fantasma, era não ter mais olhos para a própria imagem, um sujeito esvaziado, sem linguagem, sem nome, sem rosto, incapaz de, naquele momento, testemunhar a própria existência: “Tal vez no me había limitado a sobrevivir tontamente a la muerte, sino que había resucitado de ella: tal vez fuera inmortal desde ese momento” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 27) / “Peut- être n'avais-je pas tout bêtement survécu à la mort mais en étais-je ressuscité: peut-être étais-je immortel, désormais” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 28). Neste sentido, o trauma particular, na obra sempruniana, sempre é narrado de forma a lembrar de que surgiu e foi criado por uma conjuntura de eventos que atingiram profundamente a humanidade em geral, transformando os sobreviventes em fantasmas sociais, que percorreram a morte e voltaram dela: J’ai compris soudain qu’ils avaient raison de s’effrayer, ces militaires, d’éviter mon regard. Car je n’avais pas vraiment survécu à la mort, je ne l’avais pas évitée. Je n’y avais pas échappé. Je l’avais parcourue, plutôt, d’un bout à l’autre. J’en avais parcouru les chemins, m’y était perdu et retrouvé, contrée immense où ruisselle l’absence. J’étais un revenant, en somme. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 27) He comprendido de repente que tenían razón esos militares para asustarse, para evitar mi mirada. Pues no me había realmente sobrevivido a la muerte, no la había evitado. No me había librado de ella. La había recorrido, más bien, de una punta a otra. Había recorrido sus caminos, me había perdido en ellos y me había vuelto a encontrar, comarca inmensa donde chorrea la ausencia. Yo era un aparecido, en suma. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 27) Em vários momentos, nessa obra, segundo Xavier Pla (2010) o narrador se indaga acerca de “la comunicabilidad de la experiencia del mal” (PLA, 2010: 134). Semprún, ao ser libertado do campo de concentração, em 1945, se depara com a total desestruturação de sua vida cidadã; a partir de agora sua cidadania é algo secundário frente ao rótulo que irá carregar desse dia em diante: o estigma de sobrevivente. No momento exato de sua libertação, percebe que apesar de sua vocação para viver escrevendo, precisa optar pela escrita ou pela vida: “me encontré ante la tesitura de tener que escoger entre la escritura o la vida” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 211) / “j’avais été mis en demuere de choisir entre l’écriture ou la vie” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 253-254); “no porque no consiguiera escribir: sino porque no conseguía | 47 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sobrevivir a la escritura” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 211) / “Non pas parce que je ne parvenais pas à écrire: parce que je ne parvenais pas à survivre à l’écriture, plutôt” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 254). Neste sentido, Semprún deseja descrever o cerne, a dor de ser olhado por “los ojos desorbitados” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 20) / “l’œil exorbité” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 19) dos soldados que o encontram na libertação e constatar que “sobrevivir, sencillamente, incluso despojado, mermado, deshecho, ya habría constituido un sueño un poco disparatado” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 22) / “survivre, simplement, même démuni, diminué, défait, aurait été déjà un rêve un peu fou” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 21), pois “nadie se habría atrevido a soñar eso, es verdad. No obstante era como un sueño: era verdad” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 22) / “nul n’aurait osé faire ce rêve, c'est vrai. Pourtant, c'était comme un rêve, soudain: c'était vrai” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 21). O narrador sempruniano, embora admita que o assunto seja pavoroso e extremamente doloroso, vê como eminentemente necessário mostrar que “el olor de carne quemada” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 17) / “l’odeur de chair brûlée” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 18) que exalava da fumaça dos fornos crematórios segue latente toda vez que alguém se espanta ao ver um sobrevivente: “L’étrange odeur surgirait aussitôt, dans la réalité de la mémoire. J’y renaîntrais, je mourrais d’y revivre. Je m’ouvrirais, perméable, à l’odeur de vase de cet estuaire de mort, entêtante” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 18) / “El extraño olor surgiría en el acto en la realidad de la memoria. Renacería en él, moriría por revivir en él. Me abriría, permeable, al olor a limo de ese estatuario de muerte, mareante” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 19). Assim, o mal, esse horror cotidiano, aparece na obra de Semprún muitas vezes personificado na figura da fumaça espessa e mal cheirosa dos fornos crematórios de Buchenwald, sempre presente na rotina dos campos e, que nas vésperas da libertação, indicavam para os aviões dos aliados contra o nazismo o local do crime: Lorsque les escadrilles alliées s’avançaient ver le cœur de l’Allemagne, pour des bombardementsnocturnes, le commandement S.S. demandait qu’on éteignît le four crématoire. Les flammes, en effet, dépassant de la cheminée, étaient un point de repère idéal pour les pilotes anglo-américains. § ‘Krematorium, ausmachen!’ criait alors une voix brève, impatientée, dans le circuit des haut-parleurs. § ‘Crématoire, éteignez!’ (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 23) | 48 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Cuando las escuadrillas aliadas avanzaban hacia el corazón de Alemania, para efectuar bombardeos nocturnos, el comando S.S. exigía que se apagara el horno crematorio. Las llamas, en efecto, que se sobresalían por la chimenea, constituían un punto de referencia ideal para los pilotos anglo-americanos. § ‘Krematorium, ausmachen!’, gritaba entonces una voz breve, vehemente, por el circuito de altavoces. § ‘¡Crematorio, apaguen!’ (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 23) Vemos também que em L’écriture ou la vie (1994), a imagem da dor na obra de Semprún atinge o ápice na narrativa quando relata a morte do amigo Maurice Halbwachs e o sentimento de impotência que invade o narrador ao perceber que não pode evitar o ocorrido. Novamente é o olhar do outro que se torna testemunho do horror (isto é, a “mirada” de Halbwachs, que irá acompanhá-lo por todo o livro): “De semaine en semaine, j’avais vu se lever, s’épanouir dans leurs yeux l’aurore noire de la mort” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 31) / “Semana tras semana había yo contemplado cómo surgía, cómo florecía en sus ojos el aura oscura de la muerte” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 30). A narrativa se desdobra entrecortada, numa condensação semântica muito comum à lacuna traumática: “Il souriait, mourant, son regard sur moi, fraternel. Le dernier dimanche, Maurice Halbwachs n’avait même plus la force d’écouter. À peine celle d’ouvrir les yeux” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 18) /“Sonreía, agonizado, con la mirada, fraterna, puesta en mí. El último domingo, Maurice Halbwachs ni siquiera tenía fuerzas para escuchar. Apenas si las tenía para abrir los ojos” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 31). Novamente o mal, encarnado pela fumaça incessante da chaminé dos crematórios invade a cena e se torna imperante no presente narrativo: “ouvimos”, numa mescla de ironia e constatação, através da voz de um personagem que, no momento, acompanha a dor do narrador pela perda de Halbwachs: “Ton monsieur professeur s’en va par la cheminée aujourd’hui même, a-t-il murmure” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 32) / “- Tu señor profesor se va por la chimenea hoy mismo – susurró” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 31). Essa passagem nos remete ao fato de que ao tratar das imagens fotográficas tiradas por membros dos SS em Auschwitz, Didi-Huberman nos lembra de que “para recordar hay que imaginar” (DIDI-HUBERMAN, 2008: 55). No ato de ver o sujeito se implica de tal forma que não há como dissociar o olhado do que olha. O olhar é uma operação do “eu” e, portanto, congrega consigo a fenda inquieta e agitada da névoa e do recorte, presente em tudo que há subjetividade. O olhar fraterno que Halbwachs lança ao narrador personagem Semprún contrasta com o olhar odioso dos S.S.: “(...) n’exprimait | 49 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves que la haine. Obtuse, il est vrai, travaillée par un désarroi perceptible” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 38) / “(...) sólo expresaban odio. Un odio obtuso, bien es verdad, presa de un desasosiego perceptible” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 36). Neste momento, o narrador deseja ardentemente sobreviver a esse olhar odioso: “Le regard du S.S., en revanche, chargé de haine inquiète, mortifère, me renvoyait à la vie. Au fou désir de durer, de survivre: de lui survivre. À la volonté farouche d’y parvenir” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 39) / “La mirada del S.S., por el contrario, cargada de odio desasosegado, me remitía a la vida. Al deseo insensato de durar, de sobrevivir: de sobrevivirle. Al propósito firme de conseguirlo” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 37). O olhar de Halbwachs é fraternal ao passo que o dos S.S. é descrito como gélido, arrogante, de difícil compreensão. É um olhar sem empatia, sem nenhuma identificação: “mais on ne pouvait pas aisément capter leur regard. Ils étaient loin: massifs, au-dessus, au-delà. Nos regards ne pouvaient pas se croiser. Ils passaient, affairés, arrogants, se détachant sur le ciel pâle de Buchenwald où flottait la fumée du crématoire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 38) / “pero no era fácil captar su mirada. Estaban lejos: macizos, por encima, más allá. Nuestras miradas no podían cruzarse. Pasaban atareados, arrogantes, destacándose en el cielo pálido de Buchenwald, donde flotaba el humo del crematório” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 36). A esses dois olhares distintos (o fraternal / empático e o odioso / distante), se junta um terceiro, mais atual: o olhar horrorizado, comovido e, ao mesmo tempo, incrédulo e desconfiado dos militares responsáveis pela libertação de Buchenwald. Um olhar desconcertado que impede momentaneamente a narrativa do passado e instaura o agora (marcado pela sensação de estar sendo olhado e estranhado): “Je ne vais pas raconter nos vies, je n’en ai pas le temps. Pas celui, du moins, d'entrer dans le détail, qui est le sel du récit. Car les trois officiers en uniforme britannique sont là, plantés devant moi, l'oeil exorbité” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 19) / “No voy a contar nuestras vidas, no tengo tiempo. Por lo menos, no el de entrar en los pormenores, que constituyen la sal del relato. Pues los tres oficiales con uniforme británico están ahí, plantados delante de mí, con los ojos desorbitados” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 20). Um olhar que precede e remete a todos os olhares que Semprún, como sobrevivente, receberá após sair do campo de concentração: | 50 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Mais peut-on tout entendre, tout imaginer? Le pourra-t-on? En auront-ils la patience, la passion, la compassion, la rigueur nécessaires? Le doute me vient, dès ce premier instant, cette première rencontre avec des hommes d'avant, du dehors –venus de la vie –, à voir le regard épouvanté, presque hostile, méfiant du moins, des trois officiers. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 26-27) ¿Pero puede oírse todo, imaginarse todo? ¿Podrá hacerse alguna vez? ¿Tendrán la paciencia, la pasión, la compasión, el rigor necesarios? La duda me asalta desde este primer momento, este primer encuentro con unos hombres de antes, de afuera – procedentes de la vida –, viendo la mirada espantada, casi hostil, desconfiada al menos, de los tres oficiales. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 26) Vemos o que nos olha (DIDI-HUBERMAN, 2008: 169), pois não podemos separar o que vemos do que acreditamos, isto é, dos discursos e pensamentos que fazem parte de nosso “eu”. O que podemos e devemos fazer é, segundo Didi-Huberman (2008), perscrutar o entre. Ainda mais quando se trata de uma imagem que desafia e coloca o olhar em crise, inquietando-o e instaurando a instância da estranheza, da ambiguidade. Uma imagem que nos obrigaria a “escrever esse olhar, não para ‘transcrevê-lo’, mas para construí-lo” (DIDI-HUBERMAN, 2008: 172). Além disso, em eventos que bordeiam o limite, pode-se extrair “la convicción de que la imagen surge allí donde el pensamiento – la ‘reflexión’ (...) – parece imposible, o al menos se detiene: estupefacto, plasmado. Ahí, sin embargo, es donde es necesaria una memoria” (DIDI-HUBERMAN, 2008: 56). Para Semprún, essa imagem que não foge do pensamento, que causa estupefação e se plasma na memória, sendo o tempo todo evocada pelo trauma, exigindo do sujeito uma reflexão, é o campo de concentração e seu cheiro de morte: L’odeur insolite, qui s’avérerait être celle du four crématoire. § Etrange odeur, en vérité, obsédante. § Il suffirait de fermer leus yeux, encore aujourd’hui. Il suffirait non pas d’un effort, bien au contraire, d’une distraction de la mémoire remplie à ras bord de balivernes, de bonheurs insignifiants, pour qu’elle réapparaisse. Il suffirait de se distraire de l’opacité chatoyante des choses de la vie. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 17) El olor insólito, que era el del horno crematorio. § Extraño olor, en verdad obsesivo. § Bastaría con cerrar los ojos, aún hoy. Bastaría no con esfuerzo, sino con todo lo contrario, bastaría con una distracción de la memoria, atiborrada de futilidades, de dichas insignificantes, para que reapareciera. Bastaría con distraerse de la opacidad irisada de las cosas de la vida. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 18) Segundo Roman Rudolfo Beling (2007), de L’écriture ou la vie, “testamento definitivo do olhar de Semprún sobre Buchenwald” (BELING, 2007: 7), no qual o autor compartilha e apóia sua memória inspirado por “autores que ele lê e admira e, de certo modo, com a cultura e com a arte ocidental” (BELING, 2007: 7), “extrai-se uma noção | 51 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de ‘poética da memória’, que inclui, por exemplo, a eleição da narrativa ficcional como suporte para compartilhar as lembranças dessa experiência traumática, além do forte apoio intertextual” (BELING, 2007: 7). A literatura de testemunho, portanto, sobretudo, a de Semprún, que parte do ficcional sem deixar de testemunhar, apresenta-se como um local de resistência e de rearticulação das identidades que se debatem entre o discurso oficial e a memória individual, pois como nos lembra Seligmann-Silva (2000), “relacionar o nosso passado histórico com o trauma implica tratar desse passado de um modo mais complexo que o tradicional” (SELIGMANN-SILVA, 2000: 83), já que “ele passa a ser visto não mais como um objeto do qual nós podemos simplesmente nos apoderar e dominar, antes essa dominação é recíproca” (SELIGMANN-SILVA, 2000: 84). A literatura de testemunho tocaria, então, no fato de que a identidade não é plenamente constituída fora de um contexto coletivo, universal que a englobe, assim como não há memória estritamente particular de um indivíduo ou de uma sociedade que não esteja perpassada pela memória universal, de uma coletividade maior. Isto quer dizer, por exemplo, que há reivindicações insatisfeitas (referentes ao acesso aos direitos humanos, por exemplo) que não podem ser constituídas em termos puristas de diferença total, mas sim em termos de certos princípios universais que os grupos excluídos compartilham com o restante da comunidade. Neste sentido, Seligmann-Silva (2000) ressalta que “o trabalho da história e da memória deve levar em conta tanto a necessidade de se ‘trabalhar’ o passado, pois as nossas identidades dependem disso, como também o quanto esse confronto com o passado é difícil” (SELIGMANN-SILVA, 2000: 84). Segundo Hugo Achugar (2006), quando refletimos sobre o processo de negociação dos discursos e narrativas das memórias individuais e coletivas, há que ter-se em conta que “negociar a narrativa implica negociar o esquecimento” (ACHUGAR, 2006: 163). Então, as identidades nacionais devem ser pensadas através de sua conexão com os processos históricos: “a avaliação do passado é central na construção da memória coletiva e, sobretudo, no planejamento das políticas de tal memória” (ACHUGAR, 2006: 222); que “se constitui no campo de batalha, onde o presente debate o passado como um modo de construir o futuro” (ACHUGAR, 2006: 223). É neste sentido que vemos a concepção de memória em Semprún quando este tenta escrever sua dor particular em uma linguagem universal, tal como veremos na próxima parte desta Tese, referente ao capítulo (“Le kaddish” / “El kaddish”). | 52 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1.2. Escrever a dor de si e do outro: inscrever o particular no universal (“Le kaddish” / “El kaddish”) Des dizaines d'yeux exorbités nous avaient regardés passer. Regardés sans nous voir. Il n’y avait plus de survivants, dans cette baraque du Petit Camp. Les yeux grands ouverts, écarquillés sur l’horreur du monde, les regardes dilatés, impénétrables, accusateurs, étaient des yeux éteints, des regards morts. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 41) Decenas de ojos desorbitados nos habían mirado pasar. Nos habían mirado sin vernos. No quedaban supervivientes en aquel barracón del Campo Pequeño. Con los ojos abiertos de par en par, desmesuradamente abiertos al horror del mundo, las miradas dilatadas, impenetrables, acusadoras, eran ojos apagados, miradas muertas. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 39) É interessante pensar em como certos traumas passam de uma geração à outra, o que Jan Assmann (2008) denomina de “memória vinculadora” ou “vinculatória”, que surge de uma aspiração de pertencimento, um desejo de elaborar uma identidade social a partir do acervo da memória coletiva, da qual trata Maurice Halbwachs (2006). Esse sentimento coesivo advém de um repertório compartilhado de formas de conduta, de socialização, crenças, estilos de vida, valores e símbolos que norteiam maneiras de pensar, perceber e sentir. Entretanto, esse norte não é estanque, está em constante reelaboração, e é reformulado, com retornos e mudanças no ato de compartilhar, de geração em geração; o que nos leva a termos pistas sobre como uma experiência particular pode chegar a revestir-se como memória coletiva. De acordo com Alessandro Portelli (1997), “a memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados” (PORTELLI, 1997: 16) e, “em vista disso, as recordações podem ser semelhantes, contraditórias ou sobrepostas” (PORTELLI, 1997: 16), mas dificilmente idênticas. A história oral surge nesse contexto como um auxiliar investigativo imprescindível na análise das memórias. Também, segundo Portelli (1997): A História Oral é uma ciência e arte do indivíduo. Embora diga respeito – assim como a sociologia e a antropologia – a padrões culturais, estruturas sociais e processos históricos, visa aprofundá-los, em essência, por meio de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória individuais e ainda por meio do impacto que estas tiveram na vida de cada uma. (PORTELLI, 1997: 15) | 53 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Sobre uma separação totalitária entre memória histórica – “é uma e podemos dizer que não há senão uma história” (HALBWACHS apud TORRES MONTEGRO, 2013: 17) – e memória coletiva (marcada pela multiplicidade) estabelecida por alguns estudiosos que seguem a linha de Halbwachs, Torres Montenegro (2013) destaca que essa perspectiva “guarda enormes distâncias com a forma como vem se desenvolvendo crescentemente a pesquisa histórica” (TORRES MONTEGRO, 2013: 17) da atualidade. Ressalvamos, no entanto, a necessidade de atentar-se para o contexto histórico de elaboração do conceito halbwachsiano, no qual a memória não era considerada como possível documento histórico ou como pertencente a uma vertente dos estudos históricos (a história oral). Na análise de Astor Antônio Diehl (2002): “para a história, não são as memórias e identidades os pontos centrais, mas as suas respectivas representações nas experiências e expectativas de vida” (DIEHL, 2002: 113), ou seja, “se pensarmos memória dentro dessa perspectiva, então ela não aparece como fonte de informações para o conhecimento histórico, mas como expressão do próprio pensar histórico” (DIEHL, 2002: 120). O compartilhar (o individual / particular para o coletivo / público) é, em si, um ato de narrar, de descrever, de relembrar. Igualmente, o ato de expressar o pensamento histórico envolve a descrição e a narração. Em toda narrativa há seleção e composição, por isso, a dicotomia entre uma memória que repete, relembra, registra e uma memória que cria, fabula, imagina, “ficcionaliza” não seria possível quando se toma a memória, não só como processo involuntário, mas também como busca, evocação, exercício realizado também em comunhão com a coletividade dos fatos. A memória é uma mescla de repetição e inventividade, recordação e vazios. Além disso, “as modalidades não acadêmicas de textos” (SARLO, 2007:14), sejam eles orais ou escritos, tais como a memória narrada oralmente ou escrita literariamente, “encaram a investida do passado de modo menos regulado pelo ofício e pelo método, em função de necessidades presentes, intelectuais, afetivas, morais ou políticas” (SARLO, 2007:14). De acordo com Márcio Seligmann-Silva “a fratura do als. ob (o ‘como se’ ilusionista), no entanto, não significa que não saibamos mais o que é artístico e literário: na verdade, tendemos, antes, a não saber mais o que não o é” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 92), e “com a simbiose dessas esferas e a impossibilidade de levar esse sonho adiante, restou ao sobrevivente do século XX testemunhar as catástrofes” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 92), dar a conhecê-las ao público. Entretanto, cabe ressaltar que: | 54 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Nesse testemunho, não se trata mais, como no tribunal da Eumênides, de reforçar as energias míticas que habitam a cena do tribunal, mas sim de permitir se pensar para além da polaridade crime-vingança. No campo atual do testemunho da Shoah e do testimonio, não existe lugar para a “culpa trágica” atávica e para a correlata essencialização do trágico que o arranca do chão histórico. O testemunho, com seu compromisso com o “real” e o “histórico”, duas categorias distintas e que marcam a duplicidade do superstes e do testis, pode indicar algumas pistas para aprendermos a lidar com esses novos jogos, não só de linguagem, mas de memória, que temos diante de nós. (SELIGMANN-SILVA, 2005: 92-93) Nesse sentido, lembramos a afirmação de Jorge Semprún de ter vivenciado a morte dos seus companheiros: o sofrimento conjunto no campo de concentração (com sua máquina de produzir cadáveres) não é capaz de apagar o rastro do crime, já que a morte não é completa enquanto ainda existir quem se lembre dos mortos. Além disso, no campo, a morte não é mais uma vivência individual, passou a ser uma experiência coletiva. Mesmo com a escala industrial e massiva empregada pelos campos de concentração (seja de extermínio ou de trabalho forçado), a morte acabou ganhando também um sentido de união em meio ao caos absoluto: os mortos com aqueles que se lembram deles. Experiência essa que, para Semprún, igualava a todos em uma fraternidade nascida da catástrofe; todos aqueles que morreram e todos os que sobreviveram testemunharam a mesma morte, aquela que não era para deixar nenhum rastro, nenhuma memória, nenhuma evidência do crime: Il n'y avait que des regards morts, grands ouverts sur l'horreur du monde. Les cadavres, contorsionnés comme les figures du Greco, semblaient avoir ramassé leurs dernières forces pour ramper sur les planches du châlit jusqu’au plus près du couloir central de la baraque, par où aurait pu surgir un ultime secours. Les regards morts, glacés par l'angoisse de l'attente, avaient sans doute guetté jusqu’à la fin quelque arrivée subite et salvatrice. Le désespoir qui y était lisible était à la mesure de cette attente, de cette ultime violence de l’espérance. Je comprenais soudain l’étonnement méfiant, horrifié, des trois officiers alliés, l’avant-veille. Si mon regard, en effet, reflétait ne fût-ce qu'un centième de l’horreur perceptible dans les yeux morts qui nous avaient contemplés, Albert et moi, il était compréhensible que les trois officiers en uniforme britannique en aient été horrifiés. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 43-44) No había más que ojos muertos, abiertos de par en par al horror del mundo. Los cadáveres, contorsionados como personajes del Greco, parecían haber reunido sus últimas fuerzas para reptar hasta los tablones de los camastros más próximos al pasillo central del barracón, por donde podría haber surgido un último socorro. Las miradas muertas, heladas por la angustia de la espera, habían acechado sin duda hasta el fin alguna llegada súbita y salvadora. La desesperación que se leía en aquellos ojos estaba a la altura de esa espera, de esa violencia última de la esperanza. Comprendí de repente el asombro desconfiado, horrorizado, de los tres oficiales aliados de la antevíspera. Si mi mirada, en efecto, reflejaba aunque fuera tan sólo una centésima parte del horror perceptible en los ojos de los muertos que habíamos contemplado Albert y yo, era comprensible que los tres oficiales que vestían el uniforme británico | 55 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves hubieran quedado horrorizados. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 41) Isso é evidente no episódio do Kaddish, no qual o narrador conta como ele e seu amigo Albert empreendem a busca para salvar um sobrevivente agonizante que gemia no meio de um amontoado de cadáveres: “Nous étions passés, Albert et moi, gorge serrée, marchant le plus légèrement possible dans le silence gluant” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 41) / “Habíamos hecho el recorrido, Albert y yo, con un nudo en la garganta, caminando lo más ligeramente posible en el silencio pegajoso” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 39). O ambiente era mórbido, impregnado de dor: “La mort faisait la roue, déployant le feu d'artifice glacial de tous ces yeux ouverts sur l'envers du monde, sur le paysage infernal” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 41) / “La muerte se pavoneaba, desplegando los glaciales fuegos artificiales de todos esos ojos abiertos al envés del mundo, al paisaje infernal” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 39). Os companheiros Jorge e Albert, em uma das rondas que faziam para encontrar possíveis sobreviventes nos barracões do campo de Buchenwald após a libertação, escutam um murmúrio agonizante, um estranho sussurro que remetia mais a morte que a vida, enfim que soava a um canto terminal: “J’entendais cette voix inhumaine, ce sanglot chantonné, ce râle étrangement rythmé, cette rhapsodie de l’au- delà” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 44) / “Oía aquella voz inhumana, aquel sollozo canturreado, aquel estertor curiosamente acompasado, aquella rapsódia del más allá” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 41). Eles se deixam guiar pelos murmúrios cada vez mais abafados e, após uma busca quase incessante, encontram um homem muito debilitado que sussurrava, com as últimas forças que seu corpo permitia, a oração judaica para os mortos, o Kaddish: “Je me penche vers lui, je l’ausculte. Il me semble que quelque chose bat encore, dans le creux de sa poitrine. Quelque chose de très sourd et de très lointain: une rumeur qui s’essoufle et s’efface, un cœur qui s’arrête, me semble-t-il” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 55) / “Me inclino hacia él, le ausculto. Me parece que algo late todavía en el hueco de su pecho. Algo muy apagado y muy lejano: un rumor que se agota y se esfuma, un corazón que se para, me parece” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 50). Essa prece cantada da fé judaica tem em seu significado mais profundo o louvor a Deus mesmo em momento de tristeza, luto e perda, já que a ênfase é dada à exaltação de Deus | 56 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves e súplica por um mundo de paz. É recitada nos velórios e cultos em memória dos finados para expressar publicamente a fé e a submissão à vontade divina por parte dos enlutados mesmo diante da dor e da tragédia: Une voix, soudain, derrière nous. Une voix? Plainte inhumaine, plutôt. Gémissement inarticulé de bête blessée. Mélopée funèbre, glaçant le sang. (…) C’était une voix humaine, cependant. Un chantonnement guttural, irréel. (…) D’où surgissait cette voix inhumaine? (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 40-41) Una voz, de repente, detrás de nosotros. ¿Una voz? Queja inhumana, más bien. Gemido inarticulado de animal herido. Melopea fúnebre que hiela la sangre en las venas. (...) Se trataba, no obstante, de una voz humana. Un canturreo gutural, irreal. (...) ¿De donde salía esa voz inhumana? (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 38-39) O sentido da audição é destaque neste capítulo e surge por meio dessa voz agonizante do ex-prisioneiro judeu que se esforça em proferir, o que seriam provavelmente seus últimos instantes de vida caso não fosse encontrado, a fúnebre oração. Diante dessa voz insistente e misteriosa, os personagens de Jorge e Albert hesitam em afirmar algo a respeito de seu significado e origem. Seria um gemido humano ou animal? Essas indagações a respeito daquela voz que gelava o sangue nas veias remetem o narrador a uma incerteza semelhante àquela levantada por Primo Levi em seu livro Se questo è un uomo. Seria esse som, inarticulado, gemido, agonizante, humano? O narrador destaca com suas dúvidas a dificuldade de escutar essa voz, originária do recôndito mais subterrâneo do ser em sua agonia de morte, do fundo de sua garganta. Por fim, a língua emitida através daquela voz gutural é reconhecida como sendo o idioma yiddish e seu conteúdo é percebido como o fúnebre canto / oração, kaddish: “Somme toute, ça n’avait rien de surprenant que la môrt parlât yiddish. Voilà une langue qu’elle avait bien été forcée d’apprendre, ces dernières années” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 46) / “A fin de cuentas, que la muerte hablara yiddish no tenía nada de sorprendente. Era una lengua que forzosamente había tenido que aprender esos últimos años” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 43). O eco catastrófico dessa voz remete a todo o sofrimento dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial e destaca a desmesurada fé judaica, que no episódio é escutada pelo narrador- personagem e recebida como uma melopeia misteriosa, insondável. Muitos filósofos e teólogos do judaísmo consideram o Kaddish um dos fatores de continuidade do povo judeu já que representa um elo entre as gerações judaicas através | 57 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves dos tempos. Além disso, o significado cabalístico da prece do Kaddish remete aos mantras nos quais a identidade individual se funde em êxtase com a coletiva e juntas formam uma única memória catártica. Segundo o estudioso José Zuchiwschi (2010), no texto “Longe de ti apagar nossas lembranças: as palavras e as preces no luto judaico”, a prece, como um fragmento de uma religião, é uma construção social, isto é, demonstra o caráter coletivo da fé: “qualquer religião é um sistema orgânico de noções e de práticas coletivas, e não individuais, as quais relacionam os homens com o sagrado que reconhecem” (ZUCHIWSCHI, 2010: 170). Dessa maneira, Zuchiwschi (2010) destaca, utilizando a linha de pensamento do antropólogo da religião Marcel Mauss (1979), que “mesmo quando a prece é individual e livre, mesmo quando o pio religioso faz valer sua livre escolha na utilização das palavras e momentos” (ZUCHIWSCHI, 2010: 170-171), as escolhas de vocabulário e de circunstâncias se pautam naquelas “social e coletivamente consagradas” (ZUCHIWSCHI, 2010: 171). Outro aspecto fundamental na fusão da subjetividade com o coletivo na religião judaica surge no cerne mesmo da ideia de ressurreição. Segundo Zuchiwschi (2010), “a ideia de ressurreição mostra-se coletiva porque acontecerá em conjunto, nunca individualmente” (ZUCHIWSCHI, 2010: 173). Esse fator destaca, também, “mais uma vez, o aspecto ritual particular e individualizante” (ZUCHIWSCHI, 2010: 179) que “ressurge no próprio caráter da prece Kaddish, pois, apesar de possuir um apelo universal, ela só é recitada em memória ou em nome de alguém, a partir da santificação no nome de Deus” (ZUCHIWSCHI, 2010: 179). Dessa forma, “une-se o particular ao universal, notadamente em todos os aspectos” (ZUCHIWSCHI, 2010: 179) das práticas funerárias judaicas, “seja por meio da reconstituição de sua própria trajetória histórica, seja nas concepções místicas do cuidado com o corpo e a alma” (ZUCHIWSCHI, 2010: 179). Por fim, José Zuchiwschi (2010) sublinha que: As principais preces e orações judaicas ditas durante o sepultamento e ao longo do período de luto (avelut) pelo enlutado (avel), como especialmente a do Kaddish, remetem a considerações mais profundas quanto ao significado de suas palavras e sua composição e recitação, não apenas com relação à capacidade pragmática que possuem, ao reafirmarem tradições, reforçarem dogmas religiosos e organizarem ritualmente o tempo e o espaço; mas, sobretudo, com relação ao estilo literário, muito próximo à linguagem poética, carregado de referências simbólicas e metafóricas que marcam o sentido antagônico das palavras mágicas porque excluem e reintegram, dissolvem e condensam, expressando, assim, o duplo sentido e a tensão dualista entre o universal e o particular, entre o indivíduo e o coletivo, entre o concreto e o abstrato, entre o que resiste ao desaparecimento e que dissolve, entre a memória e o esquecimento. (ZUCHIWSCHI, 2010: 185) | 58 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Valendo-se do recurso do flashback e do entrecruzamento anacrônico, o narrador sempruniano cruza essa memória do resgate do judeu que entoava a prece do Kaddish com a lembrança de outro episódio, bem anterior a esse e ao seu encarceramento em Buchenwald. Segundo Márcia Marçal (2008), “a história encaixada mantém uma dupla relação de paralelismo antitético com a ação central do salvamento” (MARÇAL, 2008: 63), já que o personagem-narrador realiza a ação de salvar alguém e relembra um episódio no qual teve que matar a outrem. O narrador relembra sua participação como combatente na Segunda Guerra, especificamente uma estranha ocorrência em uma floresta na qual se depara com um soldado alemão jovem e loiro, “il était tout à fait conforme à l’idée de Allemand: un Allemand ideal, en somme” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 55) / “era absolutamente conforme a la idea de un alemán: un alemán ideal, a fin de cuentas” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 45), que cantarolava La paloma, uma canção que recordava a infância espanhola do narrador, sua inocência alegre e pueril: “L’enfance, les bonnes qui chantent à l’office, les musiques des kiosques à musique, dans les squares ombragés des villégiatures, La paloma! Comment n’aurais-je pas sursauté em entendant cette chanson?” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 50) / “La infancia, las criadas que cantan en los lavaderos, las músicas de los kioscos de música, en los parques sombreados de los lugares de veraneo, ¡La paloma! ¿Cómo no iba a sobresaltarme escuchando esa canción?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 46). O narrador sempruniano congela diante dessa lembrança e seu companheiro de combate, Julien, indaga o que está ocorrendo, porque não consegue matar o seu inimigo prontamente, ao que Semprún-personagem responde mentalmente: “Il m’arrive La paloma, c’est tout: l’enfance espagnole em plein visage” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 51) / “Me está pasando La paloma, eso es todo: la infancia española que me golpea en pleno rostro” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 47). O inimigo alemão lhe parecia, por um momento, inocente de toda a ideologia nazista ao cantarolar sua trilha sonora infantil: “Peut-être n’avait-il rien à se reprocher, ce jeune soldat, rien d’autre que d’être né allemand à l’époque d’Adolf Hitler” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 50) / “Tal vez aquel joven soldado no tuviera nada que reprocharse, nada salvo el haber nacido alemán en la época de Adolf Hitler” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 46). Entretanto, apesar das doces lembranças trazidas pela canção da infância, Semprún não pôde permitir que o soldado | 59 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves alemão fugisse: estavam em guerra e sua missão era vencer o nazismo. Ele e Julien disparam contra o alemão e o matam, porém a fatalidade dessa circunstância, a frieza de uma guerra que converte a todos em assassinos em potencial e que separa a humanidade em amigos e inimigos, exaspera e revolta Semprún: “Je m’effondre, le visage dans l’herbe fraîche, je tape du poing rageusement sur le rocher platqui nous protégeait. – Merde, merde, merde!” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 51-52) / “Me desmorono, hundiendo el rostro en la hierba fresca, pegando rabiosos puñetazos sobre la roca plana que nos protegía. – ¡Mierda, mierda, mierda!” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 47). De acordo com Márcia Romero Marçal (2008): A ação do personagem-narrador, por um lado, é motivada e justificada pelo narrador por uma intenção ideológica de livrar o mundo do avanço nefasto das forças nazi-fascistas; por outro, o abatimento do oficial alemão significa também para ele sua própria queda e degradação moral e humana. (MARÇAL, 2008: 63) Semprún relembra que esse episódio o marcou de tal forma que já havia sido relatado em outra obra de sua autoria El desvanecimiento (1967). Nessa narrativa, no entanto, no lugar do personagem que realmente estava em sua companhia, o combatente Julien, Semprún havia colocado um personagem fictício, um judeu alemão nomeado como Hans: “mon copain juif de fiction qui incarnait mes copains juifs réels” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 54) / “mi amigo judío de ficción encarnaba a mis amigos judíos reales” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 49). Assim, “os fragmentos que recheiam o intervalo de espera do personagem-narrador pela chegada de assistência buscada por Albert recuperam as vozes de companheiros mortos, de outras mortes” (MARÇAL, 2008: 63). O que remete o leitor novamente ao judeu que murmurava o Kaddish e a todos os companheiros judeus, que povoam as obras semprunianas: ‘Nous aurions inventé Hans, y est-il écrit, comme l’image de nous-mêmes, la plus pure, la plus proche de nos rêves. Il aurait été Allemand parce que nous étions internationalistes: dans chaque soldat allemand abattu en embuscade nous ne visions pas l'étranger, mais l'essence la plus meurtrière et la plus éclatante de nos propres bourgeoisies, c'est-à-dire, des rapports sociaux que nous voulions changer chez nous-mêmes. Il aurait été Juif parce que nous voulions liquider toute oppression et que le Juif était, même passif, résigné même, la figure intolérable de l'opprimé...’ Voilà pourquoi j’ai inventé Hans, pourquoi je l’ai placé à côté de moi, le jour de ce soldat allemand qui chantait La Paloma. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 54) ‘Habríamos inventado a Hans, está escrito, como la imagen de nosotros mismos, la más pura, la más cercana a nuestros sueños. Habría sido alemán | 60 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves porque éramos internacionalistas: en cada soldado alemán liquidado en una emboscada no apuntábamos al extranjero, sino a la esencia más mortífera y más llamativa de nuestras propias burguesías, es decir, a unas relaciones sociales que tratábamos de cambiar nosotros mismos. Habría sido judío porque queríamos aniquilar cualquier opresión y el judío era, incluso pasivo, resignado incluso, la figura intolerable del oprimido...’ Ese es el motivo por el que inventé a Hans, por el que lo coloqué a mi lado el día de aquel soldado alemán que cantaba La paloma. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 49-50) No mesmo capítulo, o narrador relembra as reuniões clandestinas dos presos comunistas em meio às latrinas coletivas de Buchenwald, local insalubre e mal cheiroso que, por isso mesmo, estava isolado das sondas dos S.S. que de lá se afastavam para não contrair enfermidades. Vemos pela narrativa de Semprún, que era um ambiente “délétère où se mélangeaient les puanteurs des urines, des défécations, des sueurs malsaines et de l’âcre tabac de machorka” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 59 ) / “deletéreo donde se mezclaban las pestilencias de los orines, de las defecaciones, de los sudores malsanos y del áspero tabaco de machorka” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 53), enfim, um espaço insalubre que contrastava muito com o “l’odeur de cuir et d’eau de Cologne des Sturmführer S.S.” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: ) / “olor a cuero y a colonia de los Sturmführer SS” (SEMPRÚN, 1995: 55). Nesse local inusitado eram realizadas diferentes atividades que, para além das reuniões do grupo comunista, também contribuíam para a renovação das esperanças de liberdade. Entre esses gestos estavam trocas de comida contrabandeada e de tabaco, conversas informais repletas de recordações: “nous nous sommes retrouvés, à cause et autour d’un même mégot partagé, d’une même impression de dérision, d’une identique curiosité combative et fraternelle pour l’avenir d’une survie improbable” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 59) / “nos encontramos, a causa y alrededor de una misma colilla compartida, de una misma impresión de irrisión, de una idéntica curiosidad combativa y fraterna, ante el porvenir de una supervivencia improbable” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 53). Cabe ressaltar, portanto, que as memórias individuais alimentam-se da memória coletiva e histórica e incluem elementos mais amplos do que a memória construída pelo indivíduo e seu grupo. Para Ecléa Bosi (1994), “uma memória coletiva se desenvolve a partir de laços de convivência familiares, escolares, profissionais” (BOSI, 1994: 410), dessa maneira, a memória coletiva “entretém a memória de seus membros, que acrescenta, unifica, diferencia, corrige e passa a limpo” (BOSI, 1994: 410) e “vivendo no interior de um grupo, sofre as vicissitudes da evolução | 61 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de seus membros e depende de sua interação” (BOSI, 1994: 411). Como exemplo, Bosi (1994) cita situações nas quais as pessoas se encontram em um acirrado embate entre lembranças e esquecimentos (que envolve as formas e os significados inseridos na transmissão e na recepção dos relatos memorialísticos): Quando sentimos necessidade de guardar os traços de um amigo desaparecido, recolhemos seus vestígios a partir do que guardamos dele e dos depoimentos dos que o conheceram. O grupo de colegas mal pode constituir um apoio para sua lembrança, pois se dispersou e cada um se integrou num meio diverso daquele que conheceu. Como salvar sua lembrança senão escrevendo sobre ele, fixando assim seus traços cada vez mais fugidios? (...) Que interesse terão tais elementos para a geração atual? Encontrarei uma linguagem que comova as pessoas de hoje, para as quais seu nome pouco significa? As lutas pela memória, eis algo de que todos temos conhecimento de causa. (BOSI, 1994: 411) É sobre essas lutas da memória e sua importante presença na literatura sempruniana que o próximo subtítulo deste capítulo da Tese (que analisa o capítulo “Le ligne blanche” / “La línea blanca” de L’écriture ou la vie / La escritura o la vida) tratará: a literatura de testemunho em Semprún apresenta-se como, usando as palavras de Seligmann-Silva (2010), “um local de resistência e de rearticulação das identidades” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 1), que se debatem entre o discurso oficial e a memória individual, forçando uma releitura da tradição literária e da narrativa histórica. Segundo Reinaldo Marques (2008), há um “momento marcado pela operação do arquivamento, por meio da qual o testemunho ingressa na escrita, convertendo-se em documento, em rastro do passado” (MARQUES, 2008: 105). A nosso ver, seria esse momento que desnudaria a capacidade da literatura de testemunho de permitir uma releitura da tradição literária no sentido de desnudar que a diferenciação dos textos literários das outras linguagens não se refere à literatura como sendo apenas uma linguagem marcada pelo desvio ou pela recusa da padronização, mas como uma textualidade que possui autoconsciência de que sua vocação ficcional e que informa muito das verdades do mundo. | 62 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1.3. Testemunho literário: sentimentos e convicções, memórias individual e coletiva (“Le ligne blanche”/ “La línea blanca”) Ce n'était pas bon signe, habituellement, d'être appelé à se présenter à la porte de Buchenwald. Henri Frager avait été appelé ainsi, quelques semaines auparavant, il n'était jamais revenu. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) No solía ser una buena señal que le llamaran a uno a presentarse en la puerta de Buchenwald. A Henri Frager le habían llamado así, unas semanas antes, y jamás había vuelto. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 73) Afirmamos na introdução da Tese que o termo literatura de testemunho tem sido frequente no debate acerca do pacto ficcional instaurado quando o objeto de fabulação artística passa a estabelecer relações intrínsecas entre escrita e trauma vivenciado em situações históricas extremas. Isto é, uma literatura em que não só se menciona o impacto gerado por regimes totalitários, guerras e genocídios, mas que faz desse impacto sua própria razão de escritura. Isso se deve também por uma discussão de ordem epistemológica do campo da História, que, por assim dizer, impele a literatura de testemunho em direção aos Estudos Literários. Quando pensamos a literatura de testemunho no cerne da literatura comparada, vem à tona a questão: até que ponto um conceito pode / deve ser generalizado / abstraído? Até que ponto esse mesmo conceito e sua elaboração teórica podem / devem ser particularizados / singularizados? Como pensar, nesse sentido, identidade e história individuais no contexto da identidade e história coletivas? Tratar da literatura de testemunho e do modo como essa se articula à literatura comparada implica, então, pensar no “teor testemunhal” (SELIGMANN- SILVA, 2003:8) da literatura como um todo ao longo da tradição. Implica perceber que as instâncias que separam memória ficcional e memória vivenciada, experiência particular e trauma universal, memória individual e memória coletiva, não podem ser altamente impositivas. Estas esferas estão profundamente imbricadas: não se pode determinar, a rigor, onde uma começa e a outra termina. Como aporta Maurice Halbwachs (2006), o primeiro testemunho ao qual podemos recorrer é sempre o nosso (HALBWACHS, 2006: 29), contudo, não há como se prescindir da linguagem para passar uma memória de um “eu” para o “nós” – coletivo. Segundo Torres Montenegro (2013), a memória (individual ou coletiva e acrescentamos todos os construtos ficcionais) levaria muito mais em conta o afetivo e o | 63 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves imaginário dos acontecimentos do que a história: “há de se reconhecer que a memória coletiva tem uma dimensão individual ou mesmo singular, como resultante da elaboração subjetiva, que a distingue, de forma bastante específica da história” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19) em sua especificidade enquanto disciplina. Entretanto, ao tentarmos responder a questão “como manter, nessas condições, certa especificidade do discurso histórico e não soçobrá-lo no oceano da ficção?” (GAGNEBIN, 2009: 43), proposta por Jeanne Marie Gagnebin (2009), devemos ter em mente que ela “não pode ser resolvida por uma espécie de ‘limpeza preventiva’ da linguagem histórica contra a dimensão literária, portanto, ficcional e retórica, que ameaça sua ‘pureza objetiva’” (GAGNEBIN, 2009: 43). Temos que ver as implicações éticas da história e “pensar até o limite essa preciosa ambiguidade do próprio conceito de história, em que se ligam, indissociavelmente, o agir e o falar humanos: em particular a criatividade narrativa e a inventividade prática” (GAGNEBIN, 2009: 43). Isso pode ser percebido no capítulo “Le ligne blanche” / “La línea blanca” no qual nos deparamos com narrativas históricas imersas na linguagem literária e, igualmente, a literatura totalmente imbuída de contexto e verdades históricas. O narrador Semprún começa relatando a cena em que jovens russos artistas, nos primeiros dias de ocupação das tropas aliadas no campo de Buchenwald, faziam um imenso retrato de Stalin. Semprún, no decorrer do capítulo volta a essa cena e compara esse retrato feito pelos ex- prisioneiros russos ao que Pablo Picasso pintou do próprio Stalin e destaca as diferenças entre ambos os desenhos. Stalin retratado pelos russos era bastante idealista, repleto de admiração por sua figura de ‘grande chefe’, “inmense et réaliste: surréaliste, même” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) / “inmenso y realista: surrealista, incluso” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 73). O quadro pintado por Pablo Picasso tratava-se de uma homenagem póstuma a Stalin e retratava um jovem com ar aventureiro e audacioso. Semprún conta que anos mais tarde, quando o general Stalin faleceu, ele se lembrou desse retrato visto em Buchenwald, feito pelos jovens encarcerados russos. Nessa ocasião, “Pablo Picasso venait de se faire vertement rappeler à l’ordre par les dirigeants du P.C.F.” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 90) / “Pablo Picasso acababa de recibir un serio toque de atención por parte de los dirigentes del P.C.F” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 79), pois havia feito o desenho de Stalin considerado, pelos militantes, inapropriado para a ocasião. Para Semprún, o retrato era “pas du tout respectueux, sans doute, mais plein de vivacité, | 64 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves d’ironie perspicace aussi” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 90-91) / “muy poco respetuoso, sin duda, pero desbordante de viveza, y también de ironía perspicaz” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 79), já que “Staline avait l’air d’un chef de bande plutôt que d’un Généralissime gouvernant d’une main de fer la seconde puissance mondiale” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 91) / “Stalin tenía más el aspecto de jefe de una pandilla de bandoleros que el de un Generalísimo gobernando con mano de hierro la segunda potencia mundial” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 79). Na análise de Semprún o quadro de Picasso não procura compor uma imagem fiel do retratado, mas sim uma imagem fragmentária, descontínua, repleta de espaços vazios que revelam traços significativos e interessantes do sujeito Stalin. O retrato feito pelos jovens russos representa muito mais a admiração e o externo do ‘grande personagem’ político em que eles espelhavam e queriam seguir como líder. Contrapondo-se a essa perspectiva, Semprún destaca que sua relação com o comunismo não tinha raízes profundas com o stalinismo, mas sim com a causa “roja” da Guerra Civil Espanhola: “Mes rapports avec le marxisme ne passaient pas du tout par Staline, alors” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 93) / “Mis relaciones con el marxismo, en aquel entonces, no tenían nada que ver con Stalin” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 81). Semprún inclusive questiona o comportamento dos russos em Buchenwald e o descreve como individualista e até cruel. Mais adiante, o capítulo segue tendo em seu cerne o período de liberação do campo, especificamente o episódio em que o narrador-protagonista Semprún é chamado no megafone de Buchenwald: “Une voix dans le haut-parleur, rêche, impérative m'avait- il semblé, criait mon nom. Dans le sursaut du réveil, j'avais eu quelques secondes de confusion mentale” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) / “Una voz en el megáfono, áspera, imperativa, según me había parecido, gritaba mi nombre. En el sobresalto del despertar había tenido unos cuantos segundos de confusión mental” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 73). Semprún explica o seu susto: “J'avais cru que nous étions encore soumis aux ordres des S.S., à l'ordre S.S. J'avais pensé, dans un éclair de conscience, malgré les brumes du réveil en sursaut, que les S.S. me convoquaient à la porte du camp” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) / “Había creído que todavía seguíamos sometidos a las órdenes de los S.S., al orden S.S. Pensé, en un destello de conciencia, a pesar de la nebulosa del despertar | 65 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sobresaltado, que los S.S. me convocaban en la entrada del campo” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 73). Na verdade, Semprún havia sido chamado pelo encarregado da biblioteca, Antón, um ex-prisioneiro alemão, que exigia que ele se apresentasse para devolver os livros emprestados: Mais cette fois-ci, l'appel de mon nom n'était pas suivi de l'injonction habituelle: Sofort zum Tor! On ne me convoquait pas à la porte d'entrée du camp, sous la tour de contrôle, on me convoquait à la bibliothèque. Et puis, la voix ne disait pas mon matricule, elle disait mon vrai nom. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) Pero esta vez, la llamada de mi nombre no iba seguida de la orden habitual: Sofort zum Tor! No me pedían que acudiera a la entrada del campo, bajo la torre de control, me convocaban en la biblioteca. Y además, la voz no decía mi número, decía mi nombre verdadero. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 73) Semprún-personagem debate com Antón sobre a necessidade de devolver os livros, já que o campo seria desativado. Ao que Antón rebate destacando a necessidade de manter os livros na biblioteca para empreender a suposta tarefa do pós-guerra de reeducar os nazistas: “– Tu n’aime pas le mot répression, dit Anton. C’est pourtant le mot juste. Tu ne crois pas qu’il faudra réprimer, d’une façon ou d’une autre, toutes les anciens nazis? Réprimer et rééduquer...” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 87) / “– No te gusta la palabra represión – dice Antón –. Es sin embargo la palabra justa. ¿No crees que habrá que reprimir, de una forma u otra, a todos los antiguos nazis? Que reprimir y reeducar...” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 76). Semprún se surpreende com essa resposta, já que Buchenwald, supostamente, era para ser um campo de reeducação dos prisioneiros que, em sua maioria, eram presos políticos: “Dans le système S.S., Buchenwald était aussi un camp de rééducation: Umschulungslager” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 88) / “En el sistema S.S., Buchenwald también era un campo de reeducación: Umschulungslager” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 76). Além disso, não quer, naquele momento, admitir que talvez o fim do nazismo não implique também o fim dos campos de concentração: “J’essaie tout simplement de repousser l’idée que ses paroles suggèrent. L’idée que la fin du nazisme ne sera pas la fin de l’univers des camps de concentration” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 87) / “Sencillamente trato de rechazar la idea que sus palabras sugieren. La idea de que el fin del nazismo no significará el fin del universo de los campos de concentración” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 76). | 66 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Antón critica as escolhas literárias de Semprún, destacando ironicamemte o fato de suas leituras serem, em sua opinião, repletas de “filósofos idealistas” (Nietzsche, Hegel, Schelling) e toma de volta os livros, fazendo Semprún desejar ainda mais ficar com os volumes, talvez como uma forma de também dar liberdade àquelas obras: “Je regrette vraiment d’avoir rapporté les livres. J’aurais dû les garder, ne pas céder devant la manie de l’ordre et de la continuité de ce vieux communiste” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 89) / “Ahora lamento realmente haber devuelto los libros. Debería habérmelos quedado, no ceder ante la manía del orden y de la continuidad de ese viejo comunista” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 78). Quando Antón declara que irá colocar os livros novamente “à leur place” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 89) / “en su sitio” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 78), Semprún se pergunta se aqueles filósofos estarão realmente em seu lugar: En le voyant partir vers le fond de la bibliothèque, bientôt caché par les rayonnages, je me demande si Nietzsche et Hegel y sont bien à leur place. Et Schelling? Le volume dépareillé des œuvres qui se trouvait à la bibliothèque de Buchenwald contenait l'Essai sur la liberté, où Schelling explore le fondement de l'humain. Fondement obscur, problématique, mais écrit-il, ‘sans cette obscurité préalable, la créature n'aurait aucune réalité: la ténèbre lui revient nécessairement en partage’. Certains dimanches, debout contre le châlit où agonisait Maurice Halbwachs, il m’avait semblé, en effet, que la ténèbre nous revenait nécessairement en partage. La ténèbre du mystère de l’humanité de l’homme, vouée à la liberté du Bien comme à celle du Mal: pétrie de cette liberté. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 89-90) Viéndole alejarse hacia el fondo de la biblioteca, enseguida perdido entre las estanterías, me pregunto si Nietzsche y Hegel están realmente en su sitio. ¿Y Schelling? El volumen suelto de sus obras que había en la biblioteca de Buchenwald contenía el ensayo sobre la libertad en el que Schelling explora el fundamento de lo humano. Un fundamento oscuro, problemático, pero, según escribe, «sin esa oscuridad previa, la criatura no tendría ninguna realidad: la tiniebla le corresponde necesariamente en suerte». Algunos domingos, de pie contra el camastro donde agonizaba Maurice Halbwachs, me había parecido, en efecto, que la tiniebla nos correspondía necesariamente en suerte. La tiniebla del misterio de la humanidad del hombre, consagrada a la libertad, tanto a la del Bien como a la del Mal: henchida de esta libertad. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 78) Semprún também se recusa a dividir o conjunto da humanidade em um grupo do Bem e um grupo do Mal. Para o escritor, o ser humano, em sua liberdade, opta por atos de bondade e de maldade e possui dentro de si as duas possibilidades, cabendo a ele mesmo dirigir suas ações. Outro aspecto interessante em sua obra é o destaque dado às | 67 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves contradições existentes no campo devido à presença de monumentos de cultura25 (como por exemplo, a biblioteca, inclusive com títulos de livros estranhos à ideologia nazista) e monumentos de barbárie (o exemplo clássico disso são os fornos crematórios). Na análise de José Nêumanne (2002), as lembranças narradas por Semprún destacam elementos que não são, na grande maioria dos casos, mencionados por outros ex- prisioneiros de Buchenwald: “Sobreviventes recalcitrantes condenam o registro da existência de uma biblioteca para que os pósteros não imaginem que o campo de concentração não passaria de uma estação de repouso” (NÊUMANNE, 2002: s.p.). Entretanto, Semprún não deixa de tratar dos paradoxos existentes no campo de concentração: as fraternidades dos domingos, a banda de jazz, as sessões de cinema e a biblioteca convivem lado a lado com as fumaças dos fornos crematórios, as execuções, as latrinas, a fome, os abusos e as torturas. O fim do episódio sobre a devolução dos livros para a biblioteca é bem marcante neste sentido, pois mostra o sentimento de total orfandade e desagregação social gerado pelo encarceramento nos campos nazistas. Trata- se do fato de que Antón, para espanto de Semprún, afirmar que desejava permanecer trabalhando ali como bibliotecário caso sua expectativa de manutenção da biblioteca seja cumprida. Antón apresenta claramente uma total ausência de perspectivas, sentida por muitos sobreviventes diante da libertação dos campos. O narrador Semprún, diante da constatação desse fato, recita alguns versos do poema La liberté26 de René Char, recém- 25 Isso lembra-nos a máxima benjaminiana, em “Teses sobre a história”, de que todo documento de cultura é, ao mesmo tempo, um documento de barbárie: “Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie. E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura. Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela. Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo” (BENJAMIN, 1996: 225). 26 “Elle est venue par cette ligne blanche pouvant tout aussi bien signifier l’issue de l’aube que le bougeoir du crépuscule. Elle passa les grèves machinales; elle passa les cimes éventrées. Prenaient fin la renonciation à visage de lâche, la sainteté du mensonge, l’alcool du bourreau. Son verbe ne fut pas un aveugle bélier mais la toile où s’inscrivit mon souffle. D’un pas à ne se mal guider que derrière l’absence, elle est venue, cygne sur la blessure par cette ligne blanche”. (CHAR, René. «La liberté». Em: Fureur et mystère - Seuls demeurent (1938-1944). Ann Arbor Arrault / Universidade Michigan, 1945). Citamos o poema em sua tradução ao português: “Ela chegou por essa linha branca, tanto podendo significar o início da alvorada como a vela do crepúsculo. Passou as praias maquinais, passou os cumes esventrados. Terminavam a renúncia com rosto covarde, a santidade da mentira, o álcool do algoz. O seu verbo não foi um cego aríete, mas uma tela onde se inscreveu o meu sopro. Com um passo que somente se poderia desorientar atrás da ausência, ela chegou, cisne sobre ferida, por essa linha branca”. (CHAR, René. «A liberdade». Em: Furor e Mistério - Sós permanecem (1938-1944). Trad. Margarida Vale de Gato. Lisboa: Ed. Relógio d'Água, 2000). | 68 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves aprendido em uma conversa com um dos oficiais das tropas aliadas, que revelam-se como o questionamento das remotas e sombrias perspectivas de liberdade na vida pós-guerra e pós-encarceramento: como sobreviver à culpa de ter sobrevivido? Como sobreviver sem ter para onde voltar? Semprún passa então por um processo árduo e conflituoso de significar o trauma para achar / construir motivos para seguir vivendo, sofrendo com o fato de talvez não ser acreditado ou nem ao menos ser ouvido pelos outros. Além do mais, ele sabia que não era um estereótipo do sobrevivente (o judeu) e sim um militante comunista que queria continuar na causa, o que de certa forma, o deixava em uma posição bem desconfortável, já que não era considerado propriamente uma vítima. Semprún sabia, sobretudo, que suas lembranças eram confusas e sua narrativa não se fixava nos fatos mais dramáticos, mas escamoteava, fugia deles: “Sans doute n’étais-je pas un bon témoin, un témoin comme il faut” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 100) / “Sin duda yo no era un buen testigo, un testigo como Dios manda” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 86). Semprún representa o medo de tornar-se exemplo, já que “aquele que testemunha um fato excepcional muitas vezes torna-se ele também uma figura exemplar” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73), devido “ao valor atribuído em nossa sociedade aos sobreviventes. Eles representam exemplos únicos daqueles que viram de perto atrocidades inomináveis” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). Assim, testemunhas como Primo Levi e Jorge Semprún “portam estas verdades e são tratados como porta-vozes delas” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). No entanto, isso significa estar obrigado a viver durante toda a vida carregando as memórias do trauma e, como admite Semprún, sua mente (assim como sua narrativa) tenta a todo instante bloquear o trauma e tratá-lo da forma menos sofrível possível: “Ma mémoire privilégie le souvenir d’enfance, au détriment de celui de mês vingt ans à Buchenwald” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 101) / “Mi memoria privilegia el recuerdo de la infancia en detrimento del de mis veinte años, estando en Buchenwald” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 87). Um problema acarretado por “esta unicidade”27 paradoxal do testemunho, isto é, a imagem que se tem dos sobreviventes da catástrofe nazista como exemplos únicos, levou também ao infeliz discurso da unicidade das catástrofes: “em particular fala-se 27 “O sistema concentracionário nazista permanece ainda um unicum, em termos quantitativos e qualitativos” (LEVI apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). | 69 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves muito da unicidade da Shoah” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). Seligmann-Silva ressalta que “esta questão deve ser vista com cautela. Seria moral comparar qual grupo tentativamente dizimado sofreu mais?” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). Essa questão apresenta “uma típica armadilha de nossa era politicamente correta e devemos, de preferência, não pisar nela e sim tentar desmontá-la” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73), já que “do ponto de vista das vítimas – e este ponto de vista é fundamental ao se estudar o testemunho (...) – toda catástrofe é única” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). Porém, “radicalizar esta singularidade, assim como condenar toda comparação entre os genocídios, por outro lado, pode gerar uma espécie de teologia negativa concentracionária, muito improdutiva” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73). Esse sentimento de não querer ser rotulado acompanha por diversas vezes Semprún, que se sente em uma situação na qual lhe cobram uma “resistência à simbolização” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73), isto é, que se abstenha do fictício. Ao mesmo tempo, “o discurso dos algozes” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 73) lhe impõe um tabu (o de não condenar os alemães às lembranças do seu passado inglório) sobre o seu discurso. De acordo com Seligmann-Silva (2008): Neste escudo miramos os olhos da Górgona que, segundo Primo Levi, matou ou emudeceu aqueles que chegaram ao fundo do sistema concentracionário e se deparam com eles. Para muitos sobreviventes, como é o caso de Jorge Semprún (1994), a pessoa que melhor pode escrever sobre os campos de concentração é quem não esteve lá e lá entrou pelas portas da imaginação. Mas esta solução está longe de implicar uma pacificação na cena do trauma e do seu testemunho. Antes é por conta da imaginação que muitas acusações são feitas contra o testemunho. Ou seja, antes de se criticar a literatura (com seu evidente compromisso com a imaginação), a própria narrativa testemunhal, que se quer “primeira”, atestação, fonte original da realidade, mesmo esta narrativa é descartada por muitos historiadores – como o próprio Raul Hilberg (1996) – como sendo fonte não fidedigna para o historiador. (...) Ocorre uma revisão da noção de literatura justamente porque do ponto de vista do testemunho ela passa a ser vista como indissociável da vida, a saber, como tendo um compromisso com o real. Aprendemos ao longo do século XX que todo produto da cultura pode ser lido no seu teor testemunhal. (SELIGMANN- SILVA, 2008: 71) Faz-se, portanto, fundamental destacar que, nesta Tese, a literatura de testemunho lida à luz da literatura comparada desnuda o teor testemunhal de todo relato literário, pois a todo o momento o ficcional nos remete ao real e vice-versa, indicando o que ocorreu (veracidade) e o que poderia ter ocorrido (verossimilhança): “Il m’avait écouté attentivement mais dans um désarroi de plus en plus perceptible. Mon témoignage ne correspondait sans doute pas au stéréotype du récit d’horreur auquel il s’attendait” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 101-102) / “Me estuvo escuchando atentamente, | 70 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves pero con una perplejidad cada vez más perceptible. Mi testimonio no correspondía al estereotipo del relato de horror que estaba esperando” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 88). A arte e sua verve testemunhal, a nosso ver, seriam o ponto e o contraponto de equilíbrio da sociedade, uma maneira de extravasar a violência do mundo, liberar a repressão dos instintos agressivos, dos traumas incrustados, das mágoas abafadas, sem destruir a sociedade enquanto corpo, mas, em alguns casos, destruindo aspectos da ordem social ou confirmando as chamadas “leis” do real, aquelas regras invisíveis que adquiriram o status de organização das relações humanas; segundo Ricardo Piglia (1991): La ficción narra, metafóricamente, las relaciones más profundas con la identidad cultural, la memoria y las tradiciones. Existe una red de narraciones básicas, de relatos sociales, que la novela actual reconstruye: su tema central es, diría yo, la tensión entre cultura mundial y literatura nacional. Entre la tendencia generalizada de uniformizar la experiencia y construir grandes núcleos de memoria común y las resistencias locales, las culturas particulares, la memoria oral de los ghettos. (PIGLIA, 1991: 60) Ao refletir sobre a relação entre literatura comparada e literatura de testemunho, estabelecendo uma diferenciação entre as duas grandes concepções de literatura de testemunho (a pós-ditatorial na América Latina e a pós-Shoah na Europa), não há como abster-se de relacionar essas duas concepções aos conceitos de memória individual e memória coletiva, isto é, há que se pensar de que forma os relatos literários dos sobreviventes de eventos traumáticos afetam a tradição dos estudos da literatura numa perspectiva comparada. Trata-se, portanto, de obras cujo caráter tem a ver com a depuração de lembranças dispersas na memória cultural da humanidade e fragmentadas pelo esquecimento, sendo incorporadas à tradição literária. Obras que não deixam de inserir-se no horizonte estético da “recepção produtiva” (CARVALHAL, 2006: 70), já que ao posicionar o leitor na ética da escuta, realça a intervenção do leitor na constituição da obra em si, desnudando o fato de que toda recepção possui a potencialidade de influenciar outras recepções e todo discurso está imerso numa rede de discursos anteriores. O que também pode ser aplicado às relações entre literatura de testemunho, literatura comparada e teoria da literatura: em nossos esforços teóricos estamos lidando sempre com o passado. Por mais contemporânea que possa parecer nossa análise, há sempre o horizonte da tradição em suspenso, perscrutando o presente, povoando nossa memória incorporada como leitores-viventes, produzindo um saber paradoxal que, segundo Luís Alberto Brandão Santos, que “baseia-se na geração de imagens | 71 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves simultaneamente inusitadas e familiares, na busca de um efeito de identificação do real que é tão mais intenso quanto maior o estranhamento produzido” (SANTOS, 1996: 187- 188). O mesmo ocorre no ato do escritor-escrevente, (eu-testemunhal que faz a ponte literária entre ficção e realidade), “capaz de revitalizar a tradição instaurada” (CARVALHAL, 2006: 63), diante da folha em branco, como atesta Ricardo Piglia (1991): Para un escritor la memoria es la tradición. Una memoria impersonal, hecha de citas, donde se hablan todas las lenguas. Los fragmentos y los tonos de otras escrituras vuelven como recuerdos personales. Con más nitidez, a veces, que los recuerdos vividos. (…) La tradición tiene la estructura inútil de un sueño: restos perdidos que reaparecen, máscaras inciertas que encierran rostros queridos. Escribir es un intento inútil de olvidar lo que está escrito. (PIGLIA, 1991: 67) Pode-se visualizar que o discurso ficcional possibilita a mobilidade do “eu”, permite ao escritor dizer que o seu “eu” é, no contexto textual, “apenas” literatura. Esse “apenas” não é de maneira nenhuma depreciativo. A ficção (ou ficções) do “eu” amplia consideravelmente os horizontes do autor, que pode colocar em seu texto discursos muitas vezes marginalizados e não considerados pela história hegemônica, levando-nos a tomar consciência de algo muitas vezes escamoteado pelo discurso dos vencedores dos quais tratou Walter Benjamin. No processo de escrita há uma reinterpretação e re-semantização dos fatos, gestos e signos. Wolfgang Iser (1996) afirma que “a literatura necessita de interpretação, pois o que verbaliza não existe fora dela e só é acessível por ela” (ISER, 1996: 7), assim também vemos todos os textos sobre acontecimentos pretéritos: necessitam de interpretação, ressignificação. Não podem ser atestados como verdades absolutas sem antes passar por um crivo analítico e reflexivo criterioso. Não se trata aqui de revisionismo histórico a favor dos vencedores, pelo contrário. Trata-se de ficar atento para que as vozes dos vencidos não sejam obliteradas em nome de uma falsa e pretensa objetividade. Para Paul Veyne (1983), “quando muito pode-se pensar que alguns fatos são mais importantes que outros, mas essa importância depende inteiramente dos critérios escolhidos por cada historiador e não tem grandeza absoluta” (VEYNE,1983: 32). A “interpretação” oficial é, muitas vezes, realizada como uma forma de amenizar e digerir os horrores das ações humanas, a custa de todo um passado que ficou sem a redenção da denúncia, sendo silenciado pelo medo, pela censura. O trauma particular, tal como é narrado na obra sempruniana, nos dá uma pista de como podemos encarar a literatura de | 72 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves testemunho no âmbito da literatura comparada: os acontecimentos sempre são narrados de forma a lembrar de que surgiram e foram criados por uma conjuntura de eventos que atingiram profundamente a universalidade do pensamento humano. Segundo Alessandro Portelli (1997), “a objetividade científica não consiste em nos ausentarmos da cena do discurso e em simularmos uma neutralidade que é tanto impossível quanto indesejável” (PORTELLI, 1997: 26), assim “essa objetividade consiste, antes, em assumir a tarefa de interpretação, que cabe aos intelectuais” (PORTELLI, 1997: 26), sem se esquecer de que “a responsabilidade pela interpretação, é óbvio, não chega a reivindicar, para nossas interpretações, acesso completo e exclusivo à verdade” (PORTELLI, 1997:27), ou não deveria chegar a essa reivindicação de exclusividade (já que nem todo pesquisador demonstra essa concepção discursiva). Para Torres Montenegro (2013), “universal e particular, geral e específico - contrapontos indissociáveis de formas de compreensão do real pensado - não oferecem nenhum atalho ao processo de desvendamento do real concreto” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 9). Entretanto, vemos que no embate entre “verdades” universais e “verdades” particulares, muitas vezes a sociedade privilegia quem tem respostas e marginaliza quem tem perguntas. Talvez seja esse o caso da arte (sobretudo a do contradiscurso, que tem o intento de contestar os motivos do horror e constatar a ausência destes motivos), já que, “nesse esforço ou, mais propriamente, nesse movimento de debruçamento, o específico, o particular, adquirem formas próprias, exigindo um recriar constante de parâmetros narrativos” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 9). Ao esboçar uma reflexão sobre os conceitos de memória, ficção e vivência na obra de Jorge Semprún partiremos, portanto, da questão proposta por Iser (2002): “serão os textos ficcionados de fato tão ficcionais e os que assim não se dizem serão de fato isento de ficções?” (ISER, 2002: 957), que aponta para a necessidade de sair desse paradigma dicotômico ficção versus realidade, levando-nos a indagar: como pensar a memória a partir do conceito de ficção proposto por Iser? Existe alguma memória que não seja ficcional? Isto é, que não seja ela mesma uma configuração do imaginário? A nosso ver, o que Iser chama de “pacto ficcional”, Walter Mignolo (1993) desenvolve como “convenção”; a convenção de veracidade e a convenção de ficcionalidade: A relação, portanto, entre o ficcional e a verdade não se estabelece necessariamente pela negativa (porque o ficcional não implica a mentira), mas pela própria natureza das convenções. O enquadramento na convenção de ficcionalidade apresenta as regras do jogo de forma aberta e, portanto, isenta | 73 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves das condições impostas pela convenção da veracidade. No entanto, quando no romance (que implica a convenção da ficcionalidade) imita-se o discurso antropológico ou historiográfico (que implica a convenção da veracidade), estamos diante de um duplo discurso: o ficcionalmente verdadeiro do autor (porque, ao enquadrar-se na convenção de ficcionalidade, não mente) e o verdadeiramente ficcional do discurso historiográfico ou antropológico imitado (porque, ao invocar a convenção de veracidade, está exposto ao erro e há a possibilidade de mentira). (MIGNOLO, 1993: 132-133) Luiz Costa Lima (1989) nomeia esse pacto ou convenção de “protocolo de verdade” atribuída a certos discursos, tais como os da História: “a verdade não se afirma senão quanto ao protocolo da verdade” (COSTA LIMA, 1989: 104). O propósito de dar significado aos acontecimentos para interpretá-los e entendê-los pertence tanto à literatura como à história. Entretanto, o discurso histórico é lido e cobrado em termos de falsidade e verdade, já o discurso ficcional sobre fatos históricos é lido em termos de verossimilhança: “o discurso ficcional, ao mudar a forma de relação com o mundo, também muda sua relação com a verdade” (COSTA LIMA, 1989: 105). Como veremos a continuação, sobre as relações entre vivência e narrativa, analisando o capítulo “Le lieutenant Rosenfeld” / “El teniente Rosenfeld”: a relação do discurso ficcional com a verdade é mais flexível; “ele a fantasmagoriza, faz o verossímil perder seu caráter subalterno e assumir o direito de constituir um eixo próprio” (COSTA LIMA, 1989: 105). | 74 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1.4. Relações entre o viver e o narrar: catástrofes e verdades ficcionais (“Le lieutenant Rosenfeld” / “El teniente Rosenfeld”) Il fallait nous déshabiller, laisser tous nos vêtements, nos objets personnels – ceux qui avaient pu échapper aux multiples fouilles pratiquées pendant le voyage – sur une sorte de comptoir. Les types qui nous donnaient ces ordres, dans un allemand guttural et primitif, quasi monosyllabique, étaient jeunes. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 83) Teníamos que desnudarnos, dejar todas nuestras ropas, nuestros objetos personales – los que habíamos podido salvar de los múltiples registros practicados durante el viaje – encima de una especie de mostrador. Los individuos que impartían las órdenes, en un alemán gutural y primitivo, casi monosilábico, eran jóvenes. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 97) Vimos anteriormente que perambular nos caminhos ainda incertos da compreensão humana (os traumas dos totalitarismos, dos genocídios e das grandes catástrofes, por exemplo) significa perceber que o embate entre o particular e o universal, cujo nome pode-se rebatizar aqui para memórias individuais e memórias coletivas, é altamente produtivo. Assim, as linhas discursivas entre ficção e realidade, individual e coletivo, particular e universal são bastante tênues, ainda mais quando se trata de fatos de uma época testemunhada pelo autor, onde se dá um claro imbricamento de vozes e de experiências: “la réalité a souvent besoin d’invention, pour devenir vraie. C’est-à-dire vraisemblable. Pour emporter la conviction, l’émotion du lecteur” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1995: 336-337) / “la realidad suele precisar de la invención para tornarse verdadera. Es decir, verosímil. Para ganarse la convicción, la emoción del lector” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 280). A memória presta um grande serviço à história sempre e quando esta se debruçar sobre aquela, com o rigor metodológico adequado. Nessa perspectiva Halbwachs conclui que “ao acabar a memória, começa a história (história-conhecimento)” (HALBWACHS, 2006: 42), no sentido de que ela, ao ter inteligibilidade explicativa, constitui-se, então, como conhecimento histórico. Segundo Wolfgang Iser (2005), “devemos recordar o que sempre foi a interpretação: um ato de tradução” (ISER, 2005: 28); e para Paul Ricœur (2000), ao se diferenciar o discurso histórico do discurso memorialístico, não deve existir uma subordinação entre história e memória, já que as duas instâncias participam, em conjunto, no olhar para o passado; para construir sua identidade o ser humano necessita igualmente | 75 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves dos dois discursos: a identidade é sempre narrativa, recordatória. A história se alimenta da memória e o inverso também ocorre: uma pode ser a matéria prima ou o ponto de partida da outra. Cabe lembrar aqui os estudos de Peter Burke (2000) para quem a memória tanto é fonte histórica, através da qual o historiador analisa a confiabilidade do que é lembrado (através do cruzamento com outras fontes e da contribuição particular da história oral), quanto desperta o seu interesse como fenômeno histórico, ou seja, uma história social do lembrar enquanto objeto. O narrador-personagem Semprún compreende que a essência do mal pode ser encontrada em qualquer experiência. Entretanto, nos campos de concentração ela foi crucial para mostrar que “le Mal n’est pas l’inhumain, bien sûr... Ou alors c’est l’inhumain chez l’homme...” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1995: 120) / “el Mal no es lo inhumano, por supuesto... O entonces es lo inhumano en el hombre” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 104), podendo ressurgir a qualquer instante (individual e/ou coletivamente) já que o Mal faz parte de um “des projets possibles de la liberté constitutive de l’humanité de l’homme... De la liberté où s’enracinent à la fois l’humanité et l’inhumanité de l’être humain…” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1995: 120) / “de los proyectos posibles de la libertad constitutiva de la humanidad del hombre… De la libertad en la que arraigan a la vez la humanidad y la inhumanidad del ser humano” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 104). No capítulo “Le lieutenant Rosenfeld” / “El teniente Rosenfeld”, a ação propriamente dita se passa no dia 23 de abril, do qual o narrador lembra ser dia de São Jorge, o santo com seu nome cujo dia possui como símbolos a rosa (representando o amor) e o livro (simbolizando a cultura). Em meio à sua narrativa do passeio pelos arredores da casa de Goethe, o narrador empreende vários flashbacks aos episódios referentes à vida de prisioneiro no campo de Buchenwald e reflexões sobre a localização desse campo tão próxima a uma área de grande destaque cultural e humanístico. Semprún é chamado para dar informações sobre Buchenwald para o relatório do serviço oficial de informação do exército americano, sendo por isso interrogado pelo tenente Walter Rosenfeld que, segundo o narrador, apesar do uniforme e da cidadania norte-americana, era alemão. Rosenfeld havia nascido em Berlim, filho de uma família judia que emigrou para os Estados Unidos em 1933, quando ela tinha quatorze anos. Desde então, Rosenfeld optou pela cidadania norte-americana para poder lutar na guerra contra o nazismo. Semprún e o tenente caminham juntos pelas imediações da cidade de Weimar, próximo à casa de | 76 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Goethe, conversando sobre filosofia e literatura: “Depuis le jour de notre rencontre, nous nous sommes parlé en allemand. Je traduirai nos propos pour la commodité du lecteur” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1995: 108) / “Desde el día en que nos conocimos, hemos hablado en alemán. Traduciré nuestra conversación para la comodidad del lector” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 93). Essa conversa, segundo Marçal (2008), “apresentada a nós como resultado de um ato tradutório do narrador dirigido ao leitor para facilitar-lhe o caminho da leitura” (MARÇAL, 2008: 84), remete a um dos aspectos centrais do capítulo – a tradução – e resvala para um ponto em que essa “ingênua finalidade inicial” (MARÇAL, 2008: 84) será problematizada. Os personagens encontram a casa de Goethe fechada e um vigia recebe-os hostilmente, tentando impedi-los de entrar. Semprún confessa sentir uma mescla de mal estar por constatar-se inapto para a vida no mundo exterior ao campo com um excesso de alegria por estar livre e por ver que os pássaros (que antes haviam fugido por causa da fumaça exalada pelas chaminés dos fornos crematórios) tinham voltado ao lugar. Rosenfeld indaga várias coisas a Semprún, entre elas, sobre qual é sua profissão. Essa pergunta o faz lembrar-se do dia da sua chegada a Buchenwald, quando essa pergunta também lhe fora feita. Como bem lembra Marçal (2008), neste momento o desfecho da situação é “ocultado a nós, leitores. A narração nos omite a informação, conhecida só no último capítulo do livro, de que o prisioneiro alemão ao preencher sua ficha de identidade modifica sua profissão para ‘estucador’” (MARÇAL, 2008: 85), salvando-o assim de ser colocado nos postos mais duros de trabalho de Buchenwald. Em L’écriture ou la vie (1994), a libertação, o salvar-se da câmara de gás, do fuzilamento ou da morte na trincheira e da consumição pela fome, enfim o fato de restar-se, sobreviver, não se resume ao simples ato de transpor o portão do Buchenwald ou de apresentar sinais vitais na manhã da libertação dos campos. A quem sobreviveu ao naufrágio (usando a terminologia de Primo Levi, em Os afogados e os sobreviventes), cabe-lhe em meio ao trabalho de luto pelos companheiros “afogados”, agarrar-se ao espólio do próprio corpo e rumar para sua Guernica28particular, isto é, para uma vida destroçada, sem retorno possível ao lar. Quem sobreviveu à Shoah, encontrou, ao sair, um mundo irreconhecível que, apesar do horror dos campos, continuava a agir como se nada tivesse acontecido e desviava, com espanto, o olhar. Nas palavras de Semprún: 28Painel de Pablo Picasso, que retrata a homônima cidade espanhola, destruída por bombardeio em 26 de abril de 1937 durante a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). | 77 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Car l’horreur n’était pas le Mal, n’était pas son essence, du moins. Elle n’en était que l’habillement, la parure, l’apparat. 
L’apparence, en somme. On aurait pu passer des heures à témoigner sur l’horreur quotidienne sans toucher à l’essentiel de l’expérience du camp. § Même si l’on avait témoigné avec une précision absolue, avec une objectivité omniprésente – par définition interdite au témoin individuel – même dans ce cas on pouvait manquer l’essentiel. Car l’essentiel n’était pas l’horreur accumulée, dont on pourrait égrener le détail, interminablement. On pourrait raconter n’importe quelle journée, à commencer par le réveil à quatre heures et demie du matin, jusqu’à l’heure du couvre-feu: le travail harassant, la faim perpétuelle, le permanent manque de sommeil, les brimades des Kapo, les corvées de latrines, la “schlague” des S.S., le travail à la chaine dans les usines d’armement, la fumée du crématoire, les exécutions publiques, les appels interminables sous la neige des hivers, l’épuisement, la mort des copains, sans pour autant toucher à l’essentiel, ni dévoiler le mystère glacial de cette expérience, sa sombre vérité rayonnante: la ténèbre qui nous était échue en partage. Qui est échue à l’homme en partage, de toute éternité. 
Ou plutôt, de toute historicité. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 119-120) El horror no era el Mal, no era su esencia, por lo menos. No era más que el envoltorio, el aderezo, la pompa. La apariencia, en definitiva. Cabría pasarse horas testimoniando acerca del horror cotidiano sin llegar a rozar lo esencial de la experiencia del campo. § Incluso si se hubiera testimoniado con una precisión absoluta, con una objetividad omnipresente – por definición vedada al testigo individual –, incluso en ese caso podría no acertar en lo esencial. Pues lo esencial no era el horror acumulado, cuyos pormenores cabría desgranar, interminablemente. Podría contarse un día cualquiera - empezando por el despertar a las cuatro y media de la madrugada, hasta la hora del toque de queda: el trabajo agobiante, el hambre perpetua, la falta permanente de sueño, las vejaciones de los ‘Kapos’, las faenas en las letrinas, las ‘schlague’ de los S.S., el trabajo en cadena en las fábricas de armamento, el humo del crematorio, las ejecuciones públicas, los recuentos interminables bajo la nieve de los inviernos, el agotamiento, la muerte de los compañeros-, sin por ello llegar a rozar lo esencial ni a desvelar el misterio glacial de esta experiencia, su oscura verdad radiante: la ténèbre qui nous était échue en partage. Que le ha tocado en suerte al hombre, desde toda la eternidad. O mejor dicho, desde toda su historicidad. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 103) A historicidade, tal como é enfatizada por Semprún, implica a interpretação e a reflexão sobre a temporalidade dos fatos passados, isto é, como se dá a percepção da passagem do tempo na análise dos eventos pretéritos: o tempo histórico deve ser analisado como uma percepção sensorial / psicológica ou como uma criação humana / convenção intelectual? Semprún coloca em xeque as possibilidades físicas, sociais e históricas da materialidade temporal: como medir a passagem de um tempo marcado pelo trauma de um mal estar extremo? A memória é vista em Semprún como um labor interminável, labiríntico, reiterativo. A obra L’écriture ou la vie (1994) / La escritura o la vida (1995) parece nos alertar para o paradoxo da escolha no ato de rememorar: há que esquecer para sobreviver, mas há também que lembrar para viver. O excesso de realidade cega assim | 78 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves como sua ausência: é necessário um equilíbrio entre lembrar e esquecer, entre contar e fabular. Na temporalidade da obra sempruniana, nada é verdade a não ser o campo de concentração, a história paralisou ali, entretanto, para seguir em frente, há que se sonhar e atuar em busca de outra historicidade. Vê-se que essa manipulação às vezes ocorre de forma intencional por meio de uma espécie de pacto de esquecimento e às vezes diz respeito à própria configuração do relato memorialístico, que pressupõe os esquecimentos: “Si no podemos acordarnos de todo, tampoco podemos contar todo” (RICŒUR. 2000: 572). Neste sentido, segundo Lowwenthal (1998), não se deve esquecer que “a memória transforma o passado experimentado no que mais tarde pensamos que devia ter sido, eliminando as cenas não desejadas e adequando as prediletas” (LOWWENTHAL, 1998 apud SERRA PAIDÓS, 2002: s.p.). Entretanto, quando isso acontece na esfera política, há um perigo crucial de abuso de memória e do esquecimento em favor de uma manipulação mal intencionada e direcionada aos interesses de determinada elite. Semprún relata que, durante a libertação do campo, houve várias visitas forçadas dos habitantes (mulheres, adolescentes e anciãos, já que os homens estavam na guerra) do povoado de Weimar, vizinho de Buchenwald, nas quais os militares, principalmente americanos, mostravam as atrocidades o que aconteciam ali, bem debaixo de suas vistas: L'officier parlait d'une voix neutre, implacable. Il expliquait le fonctionnement du four crématoire, donnait les chiffres de la mortalité à Buchenwald. Il rappelait aux civils de Weimar qu'ils avaient vécu, indifférents ou complices, pendant plus de sept ans, sous les fumées du crématoire. —Votre jolie ville, leur disait-il, si propre, si pimpante, pleine de souvenirs culturels, cœur de l'Allemagne classique et éclairée, aura vécu dans la fumée des crématoires nazis, en toute bonne conscience! Les femmes – bon nombre d’entre elles, du moins – ne pouvaient retenir leurs larmes, implorant le pardon avec des gestes théâtraux. Certaines poussaient la complaisance jusqu’à manquer de se trouver mal. Les adolescents se muraient dans un silence désespéré. Les vieillards regardaient ailleurs, ne voulant visiblement rien entendre. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 109-110) El oficial hablaba con voz neutra, implacable. Explicaba el funcionamiento del horno crematorio, daba las cifras de la mortalidad en Buchenwald. Recordaba a los civiles de Weimar que habían vivido, indiferentes o cómplices, durante más de siete años, bajo los humos del crematorio. —Vuestra hermosa ciudad – les decía –, tan limpia, tan peripuesta, rebosante de recuerdos culturales, corazón de la Alemania clásica e ilustrada, habrá vivido en medio del humo de los crematorios nazis, ¡con toda la buena conciencia del mundo! Las mujeres – un buen número de ellas – no podían contener las lágrimas, imploraban perdón con gestos teatrales. Algunas llevaban la actuación hasta hacer amagos de encontrarse mal. Los adolescentes se encerraban en un silencio desesperado. Los ancianos miraban hacia otro lado, negándose ostensiblemente a oír lo que fuera. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 95). | 79 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Semprún descreve dessa maneira a visita imposta pelo exército dos Estados Unidos aos civis alemães, habitantes da cidade vizinha, Weimar, após a libertação do campo de concentração de Buchenwald. A passagem remete-nos ao perigo do manejo da memória pela história hegemônica, que termina por reconfigurar identidades, alimentando velhas rixas e preconceitos, visando os fins obscuros do totalitarismo, como foi o caso da ideologia nazista. Vê-se o perigo de quando “a questão da memória atravessa a da identidade a ponto de confundir-se com ela” (AMORIM, 2009: 36), o que, segundo Elisa Amorim (2009), faz com que “tudo o que constitui a fragilidade da identidade” (AMORIM, 2009: 36) apareça “como ocasião de manipulação da memória, principalmente pela via ideológica” (AMORIM, 2009: 37), o que é problemático em contextos de apagamentos da memória dos vencidos (como cita Amorim, no caso da Guerra Civil Espanhola) e, no contexto analisado, como na ocasião em que a ideologia nazista se confundiu / se misturou totalmente com a configuração identitária do povo alemão. Neste sentido, lembramos a análise de Paul Ricœur (2000) que trata do não- querer-saber surgido da alienação voluntária de uma comunidade: Para quien atravesó todas las secciones de configuración y reconfiguración narrativa, desde la constitución de la identidad personal hasta las identidades comunitarias que estructuran nuestros vínculos de pertenencia, el peligro principal, al término del recorrido, está en el manejo de la historia autorizada, impuesta, celebrada, conmemorada - de la historia oficial -. El recurso al relato se convierte así en trampa, cuando poderes superiores toman la dirección de la configuración de esta trama e imponen un relato canónico mediante la intimidación o la seducción, el miedo o el halago. Se utiliza aquí una forma ladina de olvido, que proviene de desposeer a los actores sociales de su poder originario de narrarse a sí mismos. Pero este desposeímiento va acompañado de una complicidad secreta, que hace del olvido un comportamiento semipasivo y semiactivo, como sucede en el olvido de elusión, expresión de mala fe, y su estrategia de evasión y esquivez motivada por la oscura voluntad de no informarse, de no investigar sobre el mal cometido por el entorno del ciudadano, en una palabra, por un querer-no-saber. (RICŒUR. 2000: 572) Sobre a singularidade “évidente” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 392) / “manifiesta” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 326) do papel histórico vivenciado pelo povo alemão no século XX, Jorge Semprún afirma no final do livro que: “les mêmes expériences politiques qui font de l’histoire de l’Allemagne une histoire tragique” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 392) / “las mismas experiencias políticas que hacen que la historia de Alemania sea una historia trágica” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 326), marcada pela barbárie e pela catástrofe, podem paradoxalmente “permettre aussi de se placer à l’avant- | 80 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves garde d’une expansion démocratique et universaliste de l’idée de l’Europe. Et le site de Weimar-Buchenwald pourrait em devenir le lieu symbolique de mémoire et d’avenir” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 392) / “permitirle situarse en la vanguardia de una expansión democrática y universalista de la idea de Europa. Y el emplazamiento de Weimar-Buchenwald podría convertirse en el lugar simbólico de memoria y de futuro” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 326). Faz-se, agora, necessário refletir de que forma aparecem na textualidade sempruniana as imagens da dor e do mal (daquilo que os habitantes de Weimar, por exemplo, não queriam ver) marcadas pela morte por meio da inanição e do extermínio (aquilo que os nazistas tentaram ocultar e/ou fazer esquecer). Veremos que, ao transfigurar esteticamente o inapreensível do passado recente da humanidade, Jorge Semprún transforma seus leitores em portadores de uma memória herdada, transmitida culturalmente. Neste contexto, ser leitor / ouvinte de uma literatura testemunhal tal como a sempruniana é “ouvir o apelo do passado” (GAGNEBIN, 2009: 12), “significa também estar atento a esse apelo de felicidade e, portanto, de transformação do presente, mesmo quando ele parece estar sufocado e ressoar de maneira quase inaudível” (GAGNEBIN, 2009: 12). Semprún deseja, a nosso ver, que os receptores de seus relatos sobre o horror, enquanto testemunhas não-oculares (ou estudiosos das ruínas e escombros das memórias subterrâneas) ao fecharem o livro que acabaram de ler, possam prefigurar o que Gagnebin (2006) chama de “um rastro que busca juntamente com a arte, humanizar o presente” (GAGNEBIN, 2006: 57). Dessa forma, a “testemunha não seria somente aquele que viu com seus próprios olhos” (GAGNEBIN, 2009: 57), mas também “aquele que não vai embora, que consegue ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas palavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro” (GAGNEBIN, 2009: 57). E, mais que isso, age dessa forma “não por culpabilidade ou por compaixão” (GAGNEBIN, 2009: 57), mas para estabelecer um espaço simbólico que se inscreva em “um possível alhures fora do par mortífero algoz-vítima” (PIRALIAN; ALTOUNIAN apud GAGNEBIN, 2009: 57), dando “novamente um sentido humano ao mundo” (PIRALIAN; ALTOUNIAN apud GAGNEBIN, 2009: 57). Enfim, o ouvinte se coloca como testemunha ao escutar as memórias alheias imbuído da consciência crítica de que “somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do sofrimento indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo infinitamente, mas a ousar esboçar outra história, a inventar o presente” (GAGNEBIN, 2009: 57). Isso | 81 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves é vislumbrado com clareza, como veremos na próxima parte desta Tese que trata do capítulo La tromppette de Louis Armstrong / La trompeta de Louis Armstrong, principalmente quando o próprio Semprún-narrador reconhece a existência de uma multiplicidade de testemunhos e versões de historiadores sobre os fatos após a libertação dos campos nazistas: J’imagine qu’il y aura quantité de témoignages... Ils vaudront ce que vaudra le regard du témoin, son acuité, sa perspicacité… Et pluis il y aura des documents… Plus tard, les historiens recueilleront, rassembleront, analyseront les uns et les autres: ils en feront des ouvrages savants... Tout y sera dit, consigné... Tout y sera vrai... sauf qu'il manquera l'essentielle vérité, à laquelle aucune reconstruction historique ne pourra jamais atteindre, pour parfaite et omnicompréhensive qu'elle soit… (…) la vérité essentielle de l'expérience, n'est pas transmissible... Ou plutôt, elle ne l'est que par l'écriture littéraire... (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 167) Me imagino que habrá testimonios en abundancia… Valdrán lo que valga la mirada del testigo, su agudeza, su perspicacia…Y luego habrá documentos… Más tarde, los historiadores recogerán, recopilarán, analizarán unos y otros: harán con todo ello obras muy eruditas… Todo se dirá, constará en ellas… Todo será verdad… Salvo que faltará la verdad esencial, aquella que jamás ninguna reconstrucción histórica podrá alcanzar, por perfecta y o omnicomprensiva que sea… (…) la verdad esencial de la experiencia, no es transmisible… O mejor dicho, sólo lo es mediante la escritura literaria… (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 141). Essa abundância de testemunhos faz parte do que Márcio Seligmann-Silva (2008) denomina de “política de memória” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 65), isto é, uma complexa confluência envolvendo tanto o compromisso individual quanto a mobilização coletiva. O gesto testemunhal se apresenta, assim, como “condição de sobrevivência” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 66), revestindo-se da necessidade de contar aos outros, como podemos perceber na seguinte passagem de Primo Levi (1988), citada por Seligmann-Silva (2008: 66), que deixa implícita a “dialogicidade” inserida no cerne do ato de testemunhar: “a necessidade de contar ‘aos outros’, de tornar ‘os outros’ participantes, alcançou entre nós, antes e depois da libertação, caráter de impulso imediato e violento, até o ponto de competir com outras necessidades elementares” (LEVI, 1988 apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 66). Tal como veremos a continuação, sempre se testemunha para alguém, ou seja, o testemunho precisa e exige a contrapartida de ser escutado, ainda mais quando se trata de um relato que conta a morte do outro, que dá voz ao que não pode mais falar. | 82 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1.5. Marcas da morte e da tortura: presença e ausência, contar e escutar (“La tromppette de Louis Armstrong” / “La trompeta de Louis Armstrong”) Si je n’avais pas été une parcelle de la mémoire collective de notre mort, cette question ne m’aurait pas mis hors de moi. Je n’étais rien d’autre, pour l’essentiel, qu’un résidu conscient de toute cette mort. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 160- 161) Si yo no hubiera sido una parcela de la memoria colectiva de nuestra muerte, la pregunta no me habría irritado. En lo esencial, yo sólo era un resíduo consciente de toda esta muerte. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 136). Em La tromppette de Louis Armstrong / La trompeta de Louis Armstrong, Semprún narra seus primeiros momentos de liberdade, após os dois anos nos quais passou encarcerado em Buchenwald. O episódio central se passa em uma festa embalada pela música “On the sunny side of the street” do músico e cantor norte-americano de jazz Louis Armstrong, cuja letra trata do fim do medo, das preocupações e das sombras de um indivíduo que passa a caminhar por vias ensolaradas: “Leave your worry on the doorstep / Just direct your feet / To the sunny side of the street”; “I used to walk in the shade” e “But now I'm not afraid”. O narrador-protagonista Semprún se identifica perfeitamente com essas passagens da canção: sua saída da escuridão para a luz da liberdade é sentida na carne, já que seu corpo exaurido e castigado pelo Lager revive o movimento, a doçura e o prazer da dança, o que é representado nos seguintes versos de Louis Armstrong: “Can't you hear a pitter-pat / And that happy tune is your step / Life can be so sweet / On the sunny side of the street”. O narrador sente que “la voix de cuivre de Louis Armstrong ouvrait des avenues de désir infini, de nostalgie acide et violente” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 144) / “la voz de cobre de Louis Armstrong abría avenidas de deseo infinito, de nostalgia ácida y violenta” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 123), desejo imenso de viver, esquecer e ser feliz. Entretanto, o passado ressurge persistentemente e insiste em invadir a dança; corpo e mente não conseguem se esquecer de onde estiveram. Além disso, o insistente olhar inquisitivo e repleto de curiosidade da sua parceira de dança parece ter “un désir panique de l’étrange passé dont j’arrivais, du désert qui s’annonçait malgré moi dans mes yeux” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 144)” / “un deseo pánico del insólito pasado de donde yo procedía, del | 83 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves desierto que a mi pesar se anunciaba en mis ojos” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 123). O medo ou a culpa de ser feliz apesar de tudo o que foi vivido paira sobre a vida do narrador personagem, levando-o à clausura do silêncio e nos faz pensar na análise feita por Jacques Le Goff (1992) da memória e do esquecimento através das interações psicológicas que ocorrem no momento da rememoração: Finalmente, os psicanalistas e os psicólogos insistiram, quer a propósito da recordação, quer a propósito do esquecimento, nas manipulações conscientes ou inconscientes que o interesse, a afetividade, o desejo, a inibição, a censura exercem sobre a memória individual. Do mesmo modo, a memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Os esquecimentos e os silêncios da história são reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva. (LE GOFF, 1992: 426) A memória individual do narrador sempruniano não se permite o esquecimento, pois ele constata a todo o momento e através de todos os olhares o peso que suas recordações têm no conjunto da memória coletiva. O sobrevivente passa a ser o que deve lembrar acima de tudo, mesmo que seu corpo / sua mente desejem ardentemente esquecer. Seria isso (in)justo com aqueles que sobreviveram? Onde há justiça e onde há injustiça nesse caso? Nas palavras do próprio Semprún: “La vérité que nous avons à dire – si tant est que nous en ayons envie, nombreux sont ceux qui ne l’auront jamais! – n’est pas aisément crédible... Elle est même inimaginable...” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 166)” / “La verdad que tenemos que decir (en el supuesto de que tengamos ganas, ¡muchos son los que no las tendrán jamás!) no resulta fácilmente creíble… Resulta incluso inimaginable…” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 140), por isso mesmo muitos sobreviventes se debatem com angústia ao refletir sobre a grande questão da narrativa de testemunho, traduzida da seguinte forma por Semprún: “Comment raconter une vérité peu crédible, comment susciter l’imagination de l’inimaginable, si ce n’est en élaborant, en travaillant la réalité, en la mettant en perspective? (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 166) / “¿Cómo contar una historia poco creíble, cómo suscitar la imaginación de lo inimaginable si no es elaborando, trabajando la realidad, poniéndola en perspectiva?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 141), ao que Semprún responde enfaticamente: “Avec un peu d’artifice, donc!” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 166) / “¡Pues con un poco de artificio!” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 141). Esse | 84 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves artifício é visível no princípio organizador do capítulo La tromppette de Louis Armstrong / La trompeta de Louis Armstrong que reside, segundo Marçal (2008), “na busca de adequação do sobrevivente à nova vida e na busca de transposição de sua experiência do campo ao mundo exterior. O jazz se lhe apresenta como um meio para a realização dessa adequação e transposição” (MARÇAL, 2008: 99). O jazz retorna várias vezes ao texto sempruniano, e, como bem lembra José Nêumanne (2002): Não há lembranças neutras ou inócuas no relato de Semprún. Os acordes de In the Shade of the Old Apple Tree ou On the Sunny Side of the Street, executados pela banda de jazz, lembram ao autor o fato de o tcheco Jiri Zak, que fazia as vezes do trompetista Louis Armstrong nessas execuções musicais, ter sido executado pelos russos em sua Praga natal. (NÊUMANNE, 2002: s.p.) Semprún, no capítulo El poder de escribir, – tal como veremos no capítulo 2 desta Tese –, declara que a forma fragmentária, descompassada e espiralada de sua escrita (não só de L’écriture ou la vie, pode-se dizer, de toda a sua obra) tem como matriz o próprio jazz,29 simulando no texto as improvisações sobre o mesmo tema que o jazz realiza em 29 É importante lembrar que o jazz representava justamente o ritmo musical rejeitado pelos nazistas. Inclusive, havia na Alemanha grupos de jovens que ouviam ou dançavam jazz às escondidas, como modo de resistência às imposições do nazismo no âmbito do lazer e do entretenimento. Como forma de combater as tendências contrárias aos ideais artísticos do Nazismo, os nazistas organizaram uma exposição chamada “Música Degenerada” (em alemão, Entartete Musik), em cujo cartaz figurava um cantor de jazz, lembrando músicos como Al Jolson (cantor e ator norte-americano de ascendência judaica, famoso por sua atuação no filme The Jazz Singer, 1927, dirigido por Alan Crosland) e Jonny (protagonista da ópera Jonny spielt auf, 1927, composta por Ernst Krenek): (Figura 1: Folheto da exposição Entartete Musik,1938. Disponível em: . Acesso: 28/10/2014.) Segundo o organizador da exposição Le 3e. Reich et la Musique, inaugurada em Paris, Pascal Huynh (2004), “os nazistas combateram o atonalismo, a rítmica excessiva e o jazz” e o folheto da Entartete Musik “marca com uma estrela-de-davi um saxofonista negro, caricatura da ópera ‘judaico-negra’ Jonny Spielt auf, de Ernst Krenek” (ROUX, Marie-Aude entrevista a HUYNH, Pascal. “A letal estética da infâmia”. Em: Le | 85 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves letra e melodia. Assim, nos textos semprunianos, “la musique en serait la matière nourricière: sa matrice, as structure formelle imaginaire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 209) / “la música constituiría su materia nutricia: su matriz, su estructura formal imaginaria” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 174). Somente a configuração fragmentária do jazz proporcionou à Semprún poder escrever (mesmo que, por linhas tortuosas) o que ele chama de “passé abominable” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 146) / “pasado abominable” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 124) que o enclausurou em um longo silêncio, difícil de ser superado: “Non pas d’un silence affecté, ni coupable, ni craintif non plus. Silence de survie, plutôt. Silence bruissant de l’appétit de vivre. (…) Mais je ne parvenais pas à faire taire mon regard, il faut croire.” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 145) / “No con un silencio afectado, ni culpable, ni temeroso tampoco. Era, más bien, un silencio de supervivencia. Un silencio rumoroso de apetito de vivir. (…) Pero, al parecer, no conseguía hacer que callara mi mirada” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 123-124), já que seu olhar era alvo de curiosidade e assombro quando alguém (principalmente, segundo o narrador, as mulheres) o fitavam fixamente, tentando adivinhar algo. Esse silêncio não impede que suas lembranças das torturas e privações retornem aos seus pensamentos e sonhos. Uma das recordações recorrentes ao narrador- protagonista, principalmente após a libertação de Buchenwald é do fato que o levou a ser encarcerado nesse campo nazista, quando foi traído, capturado e duramente torturado pela Gestapo e “au cours des interrogatoires” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “en el transcurso de los interrogatorios” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126), “les types de Haas, le chef de la Gestapo locale, me suspendaient haut et court par les bras tirés en arrière, mains serrées dans le dos par des menottes” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “los esbirros de Haas, el jefe de la Gestapo local, me colgaban en el aire, con los brazos estirados hacia atrás y las Monde, 17/10/2004. Trad. Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Disponível em: . Acesso 28/10/2014). De fato, “tanto os movimentos do Modernismo europeu como o Expressionismo, Dadaísmo e o Surrealismo, como o jazz americano foram tachados pela ditadura do nacional-socialismo de ‘Entartete Kunst’ – ‘arte degenerada’. O termo está fortemente arraigado em teorias racistas sobre a suposta superioridade dos ‘arianos’”. (“Arte degenerada”. Em: Deutsche Welle, 22/10/2014. Disponível em: . Acesso 28/10/2014) | 86 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves manos sujetas en la espalda por unas esposas” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126). Após essa sujeição, mergulhavam sua cabeça em uma banheira, tempo suficiente para quase afogar em uma água imunda, “délibérément souillée de détritus et d’excréments” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “que ensuciaban deliberadamente con desperdicios y excrementos” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126). Semprún relata que nesses momentos, seu corpo “devenait problématique, se détachait de moi, vivait de cette séparation, pour soi, contre moi, dans l’agonie de la douleur” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “se volvía problemático, se despegaba de mí, vivía de esta separación, para sí, contra mí, en la agonía del dolor” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126). Durante esses interrogatorios nos quais se usava a tortura para extrair confissões ou delações, o narrador lembra que seu corpo “étouffait, devenait fou, demandait grâce, ignoblement. Mon corps s’affirmait dans une insurrection viscérale qui prétendait me nier en tant qu’être moral” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “se ahogaba, se volvía loco, pedía piedad, innoblemente. Mi cuerpo se afirmaba a través de una insurrección visceral que pretendía negarme en tanto que ser moral” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126). Segundo Maria Rita Kehl (2004), o sujeito que sofre tortura se aliena de si mesmo e sente que sua alma – “isso que no corpo pensa, simboliza, ultrapassa os limites da carne pela via das representações” (KEHL, 2004: 11) – está sendo separada à força do seu corpo. De acordo com Ivete Keil (2004), “o corpo torturado é lugar de ruptura, da mais radical estranheza, mas é, sobretudo, lugar de encontro com o mal” (KEIL, 2004: 58). Para conseguir calar diante da tortura, “pour sortir vainqueur de cet affrontement avec mon corps, il me fallait l’asservir, le maîtriser, l’abandonnant aux affres de la douleur et de l’humiliation” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148) / “para salir vencedor de este enfrentamiento con mi cuerpo, tenía que someterlo, dominarlo, abandonándolo al sufrimiento del dolor y de la humillación” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126). Nesse sentido, cabe lembrar a afirmação de Maria Rita Kehl (2004), de que “é um homem esse corpo capaz de silenciar para garantir seu último grão de liberdade diante da tortura” (KEHL, 2004: 16), já que “a fala que representa o sujeito deixa de lhe pertencer, uma vez que o torturador pretende arrancar de sua vítima a palavra que ele quer ouvir, e não a que o outro teria a dizer” (KEHL, 2004: 11), restando, pois, “ao sujeito que se identifica com o corpo que sofre nas mãos do outro o silêncio, como | 87 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves última forma de domínio de si. E resta o grito involuntário, o urro de dor que o senso comum chama de ‘animalesco’” (KEHL, 2004: 11). Seu silêncio de torturado, segundo Semprún, representou para si mesmo uma vitória no sentido de ser um ato de resistência, de afirmação da vida e de defesa de seu ideal: Mais c’était une victoire à chaque minute remise en question et qui me mutilait, de surcroît, en me faisant haïr une part de moi essentielle, que j’avais jusqu’alors vécue dans l’insouciance et le bonheur physique. Pourtant, chaque journée de silence gagnée à la Gestapo, si elle éloignait mon corps de moi, carcasse pantelante, me rapprochait de moi-même. De la surprenante fermeté de moi-même: orgueil inquiétant, presque indécent, d’être homme, de cette inhumaine façon. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 148-149) Pero se trataba de una victoria que cada minuto se volvía a cuestionar y que me mutilaba, además, haciéndome odiar una parte esencial de mí, una parte que hasta entonces había vivido en la despreocupación y el goce físico. Pese a todo, cada día de silencio ganado a la Gestapo, aunque alejara de mí mi cuerpo, carcasa jadeante, me acercaba a mí mismo. A la sorprendente firmeza de mí mismo: orgullo preocupante, casi indecente, por ser hombre de esta forma inhumana. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126) As torturas impetradas pela Gestapo se juntam em seus pesadelos (norturnos ou diurnos) àquelas vividas em Buchenwald marcadas pela fome crônica, privação do sono, imenso e pérpetuo esgotamento físico e moral: “Ensuite à Buchenwald mon corps a continué d’exister pour son compte – ou ses mécomptes – dans les hantises de l’épuisement: la faim et le manque de sommeil” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 149) / “Después, en Buchenwald, mi cuerpo continuó existiendo por su cuenta – o sus trabacuentas – en las obsesiones del agotamiento: el hambre y la falta de sueño” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 126-127). Semprún descreve vários mecanismos utilizados pelos nazistas para torturar e desmoralizar os encarcerados, a ponto de muitos perderem o controle de si, transitando como zumbis sonâmbulos ou cadáveres ambulantes, enfraquecidos sistematicamente pelos maltratos físicos e psicológicos, pelo trabalho escravo, pela má alimentação chamada, animalescamente, de ração (bem escassa, à base de pão preto e de sopa bem rala), falta de sono e de descanso. Além disso, o frio era imenso, as roupas que recebiam eram bem finas e os sapatos eram rudimentares tamancos de madeira que dificultavam muito a locomoção durante os intermináveis trabalhos: “courir sur la neige avec de telles chaussures était um vrai súplice” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 115) / “correr por la nieve con semejante calzado era un auténtico suplicio” (SEMPRÚN. La escritura | 88 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 100). Às estratégias de tortura e de extermínio, somam-se as pancadas, a lotação dos alojamentos, a sujeira das latrinas, os insultos, a falta de cuidados médicos, a proliferação de doenças, todas descritas por Semprún como parte da rotina do campo. Semprún conta que no período de libertação de Buchenwald, algumas mulheres militares da Missão França pedem que ele lhes mostre as instalações do lugar: “Je les avais fait entrer par la petite porte du crématoire, qui menait à la cave. Elles venaient de comprendre que ce n’était pas une cuisine et se taisaient, subitement” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 161) / “Las hice entrar por la puertecita del crematorio, que llevaba al sótano. Acababan de comprender que no era una cocina y, de repente, enmudecieron” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 137). Semprún-personagem as leva a um local, próximo ao crematório, onde estavam os muitos instrumentos utilizados pelos S.S. para torturar os encarcerados. A narrativa caminha em um crescente de tensão e horror até chegar ao ápice (os cadáveres das vítimas, que ainda estavam ali, empilhados). Segundo Lucy Nascimento (2011), a repetição “com um paralelismo anafórico a conjugação verbal ‘les enseñé’” (NASCIMENTO, 2011:16), no original em francês “je leur ai montré” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 161), “reflete a agitação do narrador-personagem ao reavivar na memória e sentir no corpo as experiências do campo, ao mostrar e explicar o que cada objeto significava e a dor que cada um produzia” (NASCIMENTO, 2011:16), como podemos constatar na continuação: Je leur ai montré les crochets où l'on pendait les déportés, car la cave du crématoire servait aussi de salle de torture. Je leur ai montré les nerfs de bœuf et les matraques. Je leur ai montré les monte-charge qui menaient les cadavres jusqu’au rez-de-chaussé, directement devant la rangée de fours. Nous sommes montés au rez-de-chaussé et je leur ai montré les fours. Elles n’avaient plus rien à dire. (…) Elles me suivaient, comme une masse de silence angoissé, soudain. Je sentais le poids de leur silence dans mon dos. Je leur ai montré la rangée de fours, les cadavres à moitié calcinés qui étaient restés dans le fours. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 161-162) Les enseñé los ganchos donde colgaban a los deportados, pues el sótano del crematorio también servía de sala de tortura. Les enseñé los látigos y las porras. Les enseñé los montacargas que subían los cadáveres a la planta baja, directamente delante de la hilera de hornos. Subimos a la planta baja y les enseñé los hornos. Ya no tenían nada que decir. (…) Me seguían, como una masa de silencio angustiado, de repente. Sentía el peso de su silencio a mis espaldas. Les enseñé la hilera de hornos, los cadáveres medio calcinados que habían quedado en su interior. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 137) | 89 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Vemos que não são necessárias muitas palavras do ‘guia’ Semprún frente àquele cenário, por si só, ilustrativo: “Je leur parlais à peine. Je leur nommais simplement les choses, sans commentaire. Il fallait qu’elles voient, qu’elles essaient d’imaginer” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 162) / “Casi no les hablaba. Les nombraba sencillamente las cosas, sin comentarios. Era necesario que vieran, que trataran de imaginar” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 137). Semprún, frente à tarefa de apresentar o campo para as militares francesas, tenta comunicar / mostrar o que foi Buchenwald valendo-se mais das imagens / cenas do próprio espaço que da sua narrativa: “Ensuite, je les avais fait sortir du crématoire, sur la cour intérieure entourée d’une haute palissade. Là, je n'avais plus rien dit, plus rien du tout. Je les avais laissées voir” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 162) / “Después las hice salir del crematorio, al patio interior rodeado de una alta empalizada. Una vez ahí, ya no dije nada, nada en absoluto. Las dejé que vieran” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 137). As cenas com que as militares francesas se depararam eram bem mais significativas do que qualquer coisa que Semprún lhes pudesse dizer naquele momento: “Il y avait au milieu de la cour, un entassement de cadavres qui atteignait bien trois mètres de hauteur. Un entassement de squelettes jaunis, tordus, aux regards d’épouvante” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 162) / “Había, en medio del patio, un amasijo de cadáveres que superaba con mucho los tres metros de altura. Un amasijo de esqueletos macilentos, torsionados, con ojos de espanto” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 137). O exercício de rememoração do sujeito Semprún está totalmente entrelaçado às memórias daqueles que lhe cercaram e lhe comunicaram, por sua vez, suas próprias memórias e vivências, de modo que, ainda que o indivíduo (enquanto narrador- protagonista do próprio relato) não esteja na presença dos membros de sua comunidade afetiva, o seu lembrar e as formas como percebe o mundo se constituem a partir de um emaranhado de experiências intersubjetivas, que o narrador tende a perceber, ilusoriamente, como única e exclusivamente sua enquanto sujeito da recordação. Portanto, são várias as memórias que convivem e lutam entre si para construir ou contribuir para uma leitura da história contada por Semprún, sendo que algumas podem imperar sobre outras em determinados contextos. No próximo capítulo veremos como essa ilusão de memória exclusivamente individual é percebida e problematizada por Semprún. Além disso, refletiremos sobre a seguinte questão: como esses elos / fluxos | 90 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves simbólicos estabelecem a relação entre linguagem e identidade na obra sempruniana, a partir da escrita em língua estrangeira e do posterior retorno à língua materna? Em outros termos, questionaremos no capítulo 2 desta Tese: como os traços de memória da língua materna reaparecem no processo de identificação do sujeito-escritor com a língua estrangeira? | 91 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2. Capítulo 2: Língua e identidade: viver ou escrever Era mejor mirar hacia adelante y elegir la vida, que en aquel momento era la vida del refugiado, con la esperanza de acabar con la dictadura de Franco, la lucha activa. Y claro, dejé de escribir. Pero al dejar de escribir ese relato ya no escribí nada. Quería ser escritor desde la infancia, pero me hubiera parecido indecente escribir una historia de amor o una epopeya de resistencia. El no poder narrar esa experiencia de los campos me cortaba toda posibilidad de ser escritor. Para mí, en ese sentido, la política era ideal. Sobre todo la que se pretende, cree o autoproclama revolucionaria, porque siempre está en el porvenir. No necesitas para nada el análisis personal del pasado, o al menos eso crees. Todo está en el mañana, aunque el plazo sea indefinido: mañana acabamos con Franco, mañana haremos esto o aquello... Así que la política fue para mí una gran terapia de vida. No es casual que cuando se acaba este motor vital, porque estoy ya en desacuerdo muy fuerte con la línea del Partido Comunista, regresa la posibilidad literaria. (SEMPRÚN entrevistado por RIERA, 1989: 23) Neste capítulo, analisaremos a escrita plurilíngue de Jorge Semprún, um autor espanhol que escreve em francês e tem sua obra traduzida ao castelhano por ele mesmo ou por terceiros e que, depois de um longo período, retorna à escrita em espanhol. Percorreremos as relações intrínsecas entre língua / lugar / identidade que povoam e, em certos momentos, norteiam a obra sempruniana, transformando-a em uma literatura que testemunha o trauma vivenciado através de palavras estrangeiras, apropriadas a tal ponto pelo escritor que tornam essa língua alheia sua pátria-escrita “intelectual”, já que, enquanto sujeito, se sente afastado pelo exílio de sua pátria-escrita “afetiva”. Neste sentido, a escrita literária de verve autobiográfica de Semprún se aproxima mais aos atributos ficcionais e literários do que ao cunho jornalístico dos gêneros escritos em primeira pessoa e com base em fatos vivenciados pelo sujeito da narração (tais como crônicas, autorrelatos jornalísticos, etc.). Além disso, analisaremos as formas do silêncio e silenciamento, de interdição e de trauma existentes na linguagem literária sempruniana. Por fim, faremos uma leitura crítica da segunda e da terceira parte do livro L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, compostas pelos capítulos seis a dez da obra (Capítulo 6: “Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir”; Capítulo 7: “Le parapluie de Bakounine” / “El paraguas de Bakunin”; Capítulo 8: “Le jour de la mort de Primo Levi” / “El día de la muerte de Primo Levi”; Capítulo 9: “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...”; e, Capítulo 10: “Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”). | 92 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Em um panorama breve, a segunda parte de L’écriture ou la vie / La escritura o la vida trata propriamente do dilema que dá nome à obra: o impasse da escolha do autor entre viver ou escrever. A opção por viver inclui a necessidade de esquecer para retornar às vivências após a libertação do campo. A opção por escrever é marcada pelo medo de afogar-se nas memórias do trauma e não conseguir restaurar a sanidade necessária para enfrentar os desafios da vida pós-encarceramento. Já a terceira parte de L’écriture ou la vie / La escritura o la vida conta o impacto que a morte de Primo Levi teve em Semprún e como essa notícia o motivou a pensar de novo na escrita literária, culminando, pois, no debate se essa escrita deveria ser efetivada em francês ou espanhol e, finalmente, terminando com uma visita à cidade de Weimar, nas proximidades de Buchenwald. Dessa forma, o livro é encerrado no lugar onde teve começo: no passado traumático do campo de concentração, berço não só de sua vivência traumática, como de toda a experiência do horror coletivamente testemunhado. Veremos neste capítulo da Tese que o inimaginável de uma situação de extrema violência como a tortura desconstrói o mecanismo da linguagem de sobrevivente tal como Jorge Semprún, que, paradoxalmente, só pode enfrentar o vivido com a própria imaginação: “por assim dizer, só com a arte a intraduzibilidade pode ser desafiada – mas nunca totalmente submetida” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 46). Como comenta Seligmann-Silva: “narrar o trauma, portanto, tem em primeiro lugar este sentido primário de desejo e de renascer” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 47). O narrador sempruniano conta o que ele recorda das suas vivências / experiências – suas próprias ou daquelas que lhe foram contadas por outros –, e, ao mesmo tempo, ele a torna constituinte da experiência daqueles que ouvem a sua história. A narrativa em Semprún acontece enquanto ato ético / político como forma de não silenciar a dor de si, do outro, da humanidade como um todo, transformando, então, a ação de narrar sua própria história em legado / conhecimento. Por meio de seu testemunho ficcional, Semprún permite ao sujeito-leitor a construção / estruturação de uma cadeia de significantes que lhe reapresentam o mundo e sua realidade, ao mesmo tempo em que engendra novas reflexões, sonhos, perspectivas, enfim, novas experiências possibilitadas pelos aspectos catárticos, dialógicos e constitutivos da ficção. Baseando-se em estudos de Wolfgag Iser e Paul Ricœur, Rosani Umbach (2008) destaca o aspecto ficcional como elemento constituinte de todo testemunho de evento traumático, refletindo sobre a memória mimetizada na literatura, ou seja, a encenação | 93 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves envolvida nos processos mnemônicos inseridos em gêneros literários. Segundo Umbach (2008), essa ‘mimese da memória’ (UMBACH, 2008: 12) se dá em diálogo com “os discursos da memória de seu contexto de produção, trazendo à mostra o funcionamento, processos e problemas da memória (individual e coletiva) no campo ficcional, através de procedimentos estéticos” (UMBACH, 2008: 12). Indo diretamente à fonte das reflexões de Umbach, vemos que, em Paul Ricœur (1994), esses processos ou operações estão relacionados aos três estágios da poética (enquanto construção ficcional-narrativa): mythos-mimesis-catharsis (RICŒUR, 2007: 58). O primeiro movimento diz respeito a uma pré-compreensão ou “prefiguração” do acontecimento vivenciado / experimentado (um exemplo disso são os enredos / narrativas que exigem uma transmissão, evidenciando a existência de um campo ético anterior e concomitante à figuração textual). O segundo movimento toca no ato de “configuração” da trama narrativa propriamente dita – seja ela oral ou escrita – bem como a ação de refletir sobre o próprio percurso dessa construção (uma etapa que envolve tanto a intertextualidade como a metalinguagem, metaficção e metadiscurso). O terceiro movimento “refiguração” – se dá quando o mundo do texto encontra o mundo do leitor (o ato de leitura, assim, abre o tempo / espaço do texto para a esfera do agir / pensar / compreender). É fundamental entendermos os termos dessa tríade como processos (ou operações) dinâmicos, ou seja, não são fixos ou estanques e um conceito não está dissociado do outro. A narrativa, enquanto um construto, traz em si um teor ficcional sem o qual não existiria relato. É nesse sentido que Wolfgang Iser (2002) destaca a criação literária como totalmente permeada pela tríade ficção, imaginário e realidade. Para Iser (2002), a via mestra do ficcional é o imaginário, porém, a ideia de real é culturalmente construída, isto é, também passa, em alguma instância, pela via do imaginário. Por isso, temos que ter consciência de que “a relação opositiva entre ficção e realidade” (ISER, 2002: 957) é discutível, pois “já pressupõe a certeza do que sejam ficção e realidade” (ISER, 2002: 957). A nosso ver, uma crítica comprometida e séria não pode efetuar uma análise literária tomando como parâmetros verdades / realidades pré-dadas, aceitas como tal de antemão, sem a ação e a reflexão humana: “há no texto ficcional muita realidade que não só deve ser identificável como realidade social, mas que também pode ser de ordem sentimental e emocional” (ISER, 2002: 957). As visões do que é real e do que é fictício se subsidiam na linguagem, “como texto ficcional contém elementos do real, então o seu componente fictício não tem o caráter de uma finalidade em si, mas é, enquanto fingida, a preparação | 94 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de um imaginário” (ISER, 2002: 957). O que não é o mesmo que dizer que não exista verdade nos textos de ficção ou que só existam mentiras nos textos que não se dizem ficcionais As deficiências / lacunas / assimetrias da memória, o fato de não podermos nos lembrar de tudo (da mesma maneira que não podemos saber de tudo ou relatar tudo), faz da memória uma mescla de repetição e inventividade, recordação e vazios, imagens evocadas e imaginação. O conceito de ficção pressupõe sempre um deslocamento, isto é, uma fuga das convenções, transgressões de limites. O ato da leitura de um texto ficcional gera uma rede complexa de significados que, presentes na superfície do texto, nela não se esgotam, já que entre a palavra escrita e o sujeito que a lê estabelece-se uma experiência, ou seja, o encontro dessas duas instâncias pode modificar o modo de existência de ambas, pode levar a um reescalonamento de conceitos e discursos. Por isso, usando as significativas palavras de Paul Ricœur (RICŒUR, 1995 apud GAGNEBIN, 2009: 43), podemos deslocar a questão e sair da dualidade simplista entre o que seria fictício e o que seria real para pensar “a ficção remodelando a experiência do leitor pelos únicos meios de sua irrealidade, a história o fazendo a favor de uma reconstrução do passado sobre a base dos rastros deixados por ele” (RICŒUR, 1995 apud GAGNEBIN, 2009: 43). O ato de imaginar (isto é, colocar a imagem em ação: imaginação), nos possibilita diminuir a distância entre ausência e presença (distância essa que jamais será anulada por completo). A dicotomia entre uma memória que repete e uma memória que fabula, imagina e “ficcionaliza” não seria possível quando se toma a memória, não só como processo involuntário, mas também como evocação, busca e exercício de recuperação de imagens-lembranças. A ficção possui, então, uma dupla função narrativa: a irrealizante e a visualizante: “ao inverso da função irrealizante que culmina na ficção exilada no que está fora do texto da realidade inteira, é a função visualizante, sua maneira de dar a ver, que é exaltada aqui” (RICŒUR, 2007: 68). Por isso, ao percorrermos essas instâncias em movimento, num trabalho de rastreamento não de respostas, mas de possíveis direções e caminhos acerca da potência dessas teorias que pensam o fictício e a vivência nas obras semprunianas, percebemos serem essas instâncias fundamentais para a compreensão de uma narrativa memorialista que deseja deixar o legado de uma experiência, pedindo seu direito de fala, devolvendo o dever de escuta e exigindo aos olhos do leitor a devolução | 95 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves da sua capacidade de ver, em termos propriamente benjaminianos, tal como podemos visualizar nessa passagem de Adieu, vive clarté...(1998): Mais Madrid est tombée, la nouvelle était à la première page de Ce soir, tout à l’heure. § Elle y est toujours. § À quelques pas de distance, sur le trottoir, cette première page du journal est affichée contre un arbre, je viens de le remarquer. J’ai quitté l’abri de la marquise du cinéma, je me suis avancé vers ce titre qui blessait mon regard, blessait mon cœur.§ Les gens passaient, indifférents, pressés, solitaires dans leur multitude. § Il m’a semblé alors que la progression de la tache d’humidité, grisâtre, sur la feuille de journal affichée, au gré d’une pluie fine, persistante, de printemps, était une métaphore visuelle étrangement ajustée à mes sentiments. (…) § Je restai sous la pluie, longtemps, me semble- t-il: misérable. “¿No oyes caer las gotas de mi melancolía?”§ Je ne me récitais plus des poèmes de Baudelaire. M’ébrouant d’une longue incertitude brumeuse, je me suis retrouvé à dire à mi-voix un sonnet de Rubén Darío (…). § Ainsi, par un cheminement obscur – déchiffrable, pourtant, si ça en avait valu la peine –, j’étais revenu à la langue de mon enfance. § Madrid était tombée et ce malheur signait en quelque sorte la fin d'une époque de ma vie. Je m'aventurais désormais sur le territoire inconnu de l'exil, du déracinement. De l'âge adulte, aussi. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 78-79) Pero Madrid ha caído; la noticia aparecía en la primera página de Ce Soir, hace un rato. § Y ahí sigue. § Esa primera página de periódico está prendida en un árbol, a unos pasos de distancia, en la acera, acabo de reparar en ello. § He abandonado el refugio de la marquesina del cine, me he acercado a mirar ese titular que me hiere la vista y el corazón. § La gente pasaba, indiferente, presurosa, solitaria entre la multitud. § Me ha parecido entonces que la progresión de la macha de humedad, grisácea, en la hoja de periódico expuesta a una lluvia fina, persistente, de primavera, era una metáfora visual, extrañadamente ajustada a mis sentimientos. (…) § Permanecí bajo la lluvia durante largo rato, creo: miserable. “¿No oyes caer las gotas de mi melancolía?” § No me recitaba ya poemas de Baudelaire. Sacudiéndome una larga y brumosa incertidumbre, me encontré recitando a media voz un soneto de Rubén Darío (…). § Así, por un oscuro derrotero – descifrable, con todo, si ello hubiera merecido la pena –, había retornado a la lengua de mi infancia. § Había caído Madrid y tal adversidad marcaba, en cierto modo, el fin de una época de mi vida. A partir de entonces, me aventuraba en el desconocido territorio del exilio, del desarraigo. De la edad adulta, también. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 69) A cena ilustra a solidão do sujeito em meio à indiferença da multidão e remete ao desejo do sujeito de voltar ao refúgio do lar (simbolizado, aqui, pelo idioma materno). Sua dor parece ser maior devido à falta de olhares cúmplices, simpáticos, recíprocos no ambiente no qual se encontra: outro país, que se mostra praticamente alheio à guerra do seu país, e mais ainda, à derrota de seu povo. De fato, Walter Benjamin em “Experiência e pobreza” nos lembra dos olhos que perdem a capacidade de olhar quando a experiência se encontra atrofiada, relacionando essa atrofia à situação sociocultural da sociedade de sua época e encarando a experiência como um fator coletivo: “está claro que as ações da experiência estão em baixa” (BENJAMIN, 1994: 114), “pois qual o valor de todo o nosso | 96 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves patrimônio cultural, se a experiência não mais o vincula a nós?” (BENJAMIN, 1994: 115). Segundo Benjamin, o século XIX “mostrou-nos com tanta clareza aonde esses valores culturais podem nos conduzir, quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova de honradez confessar nossa pobreza” (BENJAMIN, 1994: 115), sendo que essa “pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade” (BENJAMIN, 1994: 115). Ao ler esse conceito benjaminiano, Jeanne Marie Gagnebin (1994) distingue dois termos essenciais, a saber: Erfahrung, a capacidade de trocar experiências e Erlebnis, as vivências individuais ou acontecimentos isoladamente vivenciados. O primeiro se refere à experiência inscrita numa temporalidade comum a várias gerações: A experiência implica uma tradição compartilhada e retomada na continuidade de uma palavra transmitida de pai para filho: continuidade e temporalidade das sociedades ‘artesanais’ diz Benjamin em o Narrador, em oposição ao tempo deslocado e entrecortado do trabalho no capitalismo moderno. (GAGNEBIN, 1994: 65-66) Já o termo Erlebnis significa vivência singular, particular do indivíduo: “no domínio psíquico, os valores individuais e privados substituem cada vez mais a crença em certezas coletivas” (GAGNEBIN, 1994: 59) e “a história do si [isto é, do sujeito, do eu] vai, pouco a pouco, preencher o papel deixado vago pela história comum” (GAGNEBIN, 1994: 59). Gagnebin (1994) destaca que “essa interiorização psicológica é acompanhada por uma interiorização especificamente espacial: a arquitetura começa a valorizar, justamente, o ‘interior’” (GAGNEBIN, 1994: 59). Dessa maneira, “a casa em particular torna-se uma espécie de refúgio contra um mundo exterior hostil e anônimo” (GAGNEBIN, 1994: 59). Em relação às duas expressões, Leandro Konder (1988) assinala ser a Erfahrung um conhecimento obtido por meio de “uma experiência que se acumula, que se desdobra, como numa viagem; o sujeito integrado numa comunidade dispõe de critérios que lhe permitem ir sedimentando as coisas com o tempo” (KONDER, 1988: 146). Em contrapartida, Erlebnis refere-se à “vivência do indivíduo privado, isolado, é a impressão forte, que precisa ser assimilada às pressas, que produz efeitos imediatos” (KONDER, 1988: 146). Semprún-personagem vivencia em sua adolescência a dor de ter que assimilar, sozinho e em solo estrangeiro, a derrota da República Espanhola e a vitória do Fascismo, ambos simbolizados pela queda da resistência madrilenha. Além disso, vemos no mesmo ato duas rupturas bruscas vivenciadas pelo protagonista: a constatação de que entrou no mundo adulto e o sentimento de que está desamparado de um vínculo | 97 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves coletivo (sua coletividade estava destruída, desenraizada, esvaziada). Assim, essa cena ilustra bem a questão do distanciamento entre indivíduos (não só devido à situação de exílio do narrador, mas também pelo fato desse exílio ocorrer em uma cidade grande, moderna, em um contexto desfavorável para a convivência: o entre-guerras), apontado por Benjamin como um dos principais sintomas de que a experiência autêntica começou a se perder: a vivência do choque, desencadeada pela pressa moderna, constituiu uma das condições históricas que mais impedem que “os interesses interiores do homem sejam incorporados à sua experiência” (BENJAMIN, 1991: 110). Benjamin percebe, assim, o enfraquecimento da experiência no mundo capitalista moderno, em detrimento da vivência, experiência vivida pelo indivíduo, de forma isolada: Quanto maior é a participação do fator do choque em cada uma das impressões, tanto mais constante deve ser a presença do consciente no interesse em proteger contra os estímulos; quanto maior for o êxito com que ele operar, tanto menos essas impressões serão incorporadas à experiência [Erfahrung], e tanto mais corresponderão ao conceito de vivência [Erlebnis]. (BENJAMIN, 1991: 111) Para Walter Benjamin, a vivência enquanto ato acaba no momento de sua realização; já a experiência é ação rememorada e compartilhada, permanecendo para além dos tempos, perpetuada pelas comunidades de memória. A falta da experiência (o viver coletivo) produzia um esfacelamento social e, por isso, a reconstrução da experiência gera uma nova maneira de narrar: o romance. Então, segundo Gagnebin (1994), “a uma experiência e uma narratividade espontâneas, oriundas de uma organização social comunitária centrada no artesanato, opor-se-iam formas sintéticas de narratividade” (GAGNEBIN, 1994: 9). Essa nova narratividade é, para Gagnebin, “fruto de um trabalho de reconstrução empreendido justamente por aqueles que reconheceram a impossibilidade da experiência tradicional na sociedade moderna” (GAGNEBIN, 1994: 10) e que, ao mesmo tempo, “se recusam a se contentar com a privaticidade da experiência vivida individual” (GAGNEBIN, 1994: 10). Por isso, analisa Gagnebin (1994): A psicanálise só poderia surgir daí. Benjamin capta muito bem esse momento de reorganização da subjetividade, e situa nesse contexto o surgimento de um novo conceito de experiência, em oposição àquele de Erfahrung (Experiência), o do Erlebnis (Vivência), que reenvia à vida do indivíduo particular, na sua inefável preciosidade, mas também na sua solidão. (GAGNEBIN, 1994: 59) Diante de tais considerações, observamos que na obra de Semprún o emudecimento, em língua materna, da memória testemunhal pelo trauma e o bloqueio da | 98 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves língua pelo escrever da dor em espanhol conduzem ao pensamento de que, pelo menos no primeiro momento pós-traumático, a linguagem é submetida a um processo de rigorosa filtragem da capacidade discursiva. O sujeito que diz / escreve adotaria, dessa forma, uma atitude de autodefesa, se lançando à escrita em francês para com isso lograr uma libertação linguística do que representa o aspecto mais fundamental da identidade pessoal: a língua materna. Lembrando as palavras de Gagnebin (2000): “só se pode, paradoxalmente, respeitar (...) a experiência-limite dos sobreviventes se se acolhe o silêncio e a interrogação que provocam” (GAGNEBIN, 2000: 108). Trazemos para esse panorama o pensamento de Paul Ricœur (2000) que afirma: “no se puede hacer abstracción de las condiciones históricas en las que es requerido el deber de memoria” (RICŒUR, 2000: 117), quer dizer, “algunos decenios después de los acontecimientos horribles de mediados del siglo XX” (RICŒUR, 2000: 117). Reivindicando a questão dos testemunhos que pedem voz, essa memória obrigatória em Semprún tocaria, então, no nosso entender, na “región de los conflictos entre memoria individual, memoria colectiva, memoria histórica” (RICŒUR, 2000: 117), sobretudo toca “en ese punto en que la memoria viva de los supervivientes se enfrenta a la mirada distanciada y crítica del historiador, por no hablar del juez” (RICŒUR, 2000: 117) ou do leitor / crítico literário, tal como veremos na parte deste capítulo da Tese que segue à continuação na qual analisaremos o proceso de simbolização do trauma na obra de Jorge Semprún e sua elaboração na escrita em língua estrangeira. | 99 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2.1. O exílio da língua: como narrar em “lengua ajena” (“Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir”) Je suis devenu un autre, pour pouvoir rester moi-même. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 292) Me convertí en otro para poder seguir siendo yo mismo. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos. Trad. Javier Albiñana. 1998: 244) O capítulo “Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir” conta o episódio em que narrador-protagonista acorda sobressaltado ao lado da namorada Odile devido a um pesadelo, pensando ainda estar em Buchenwald. Em seu sonho, descreve o narrador, escutava o comando de uma voz alemã “Krematorium, ausmachen!”; “Crématoire, éteignez!” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 202) / “‘¡Crematorio, apaguen!’” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 169), que descreve como “une voix sourde, irritée, impérative” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 202) / “una voz sorda, irritada, imperativa” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 169), que “me faisait croire que j’étais enfin réveillé, de nouveau – ou encore, et pour toujours – dans la réalité de Buchenwald” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 202) / “me hacía creer que por fin me había despertado, otra vez – o todavía, o para siempre – en la realidad de Buchenwald” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 169). Apavorado diante da possibilidade de jamais haver saído do campo, o narrador não consegue voltar a dormir. Odile, sua namorada na ocasião, não sabia de seu passado. Representa na narrativa a liberdade, a necessidade do esquecimento. Semprún aguarda em um bar, escutando jazz, até que amanheça para procurar a amiga de longa data Claude, que sabe de toda sua vivência, representando, assim, para ele e sua narrativa, a necessidade de rememoração. A narrativa se enreda na reflexão da estruturação da própria escrita sobre o trauma e o narrador-personagem ressalta que vários estilos musicais configurariam a sua narrativa, e conclui: “Je construirais le texte comme un morceau de musique, pourquoi pas? Il baignerait dans l'ambiance de toutes les musiques de cette expérience, pas seulement celle de jazz” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 209) / “Construiría el texto como una pieza de música, ¿por qué no? Estaría inmerso en la atmósfera de todas las músicas de esta vivencia, no sólo la de jazz” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. | 100 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Trad. Thomas Kauf. 1995: 174-175). As diferentes músicas30 ritmariam o desenrolar da narrativa, que seria ora pausada, ora acelerada, conforme a emoção suscitada no relato, revelando a essência da atroz experiência dos campos de concentração através da forma intersemiótica: La musique des chansons de Zarah Leander que les S.S. diffusaient sur le circuit des haut-parleurs du camp, à toute occasion. La musique entraînante et martiale que l'orchestre de Buchenwald jouait matin et soir, la place d'appel, au départ et au retour des kommandos de travail. Et puis la musique clandestine par laquelle notre univers se rattachait à celui de la liberté: musique classique jouée certains soirs dans un sous-sol du magasin central, l'Effektenkammer, par un quatuor à cordes réuni autour de Maurice Hewitt, musique de jazz de l'ensemble créé par Jiri Zak. La musique, les différentes musiques rythmeraient le déroulement du récit. Un dimanche, pourquoi pas? Le récit d'une journée de dimanche, heure par heure. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 209) La música de las canciones de Zarah Leander, que los S.S. difundían por el circuito de altavoces del campo, en todo momento. La música animada y marcial que la orquesta de Buchenwald tocaba cada mañana y cada noche, en la plaza donde se pasaba lista, cuando partían y regresaban los kommandos de trabajo. Y luego la música clandestina mediante la cual nuestro universo conectaba con el de la libertad: música clásica que tocaba algunas noches en un sótano del almacén central, el Effektenkammer, un cuarteto de cuerda reagrupado en torno a Maurice Hewitt; música de jazz del conjunto creado por Jiri Zak. La música, las diferentes músicas, acompasarían el desarrollo del relato. Un domingo, ¿por qué no? El relato de una jornada de domingo, hora por hora. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 175). Como uma música com diferentes influências rítmicas e melódicas, a narrativa sempruniana não é fechada e linear. O elemento musical também é referido por Semprún como responsável por trazer à tona e sobrepor recordações. Sobre esse aspecto, Valéria De Marco (2010) analisa que “a analogia com a música constrói uma metáfora da estrutura da narração” (DE MARCO, 2010: 4), isso porque a escrita sempruniana encena “a voz solitária, a dissonância e a descontinuidade da improvisação, sempre retomando o mesmo tema, a mesma frase” (DE MARCO, 2010: 4). Assim, na obra de Jorge Semprún, “à semelhança da espiral, os ecos do solo poderiam representar o movimento da voz narrativa, o andamento da narração” (DE MARCO, 2010: 4). Com essa sobreposição metaficcional entre relato e reflexão sobre sua configuração estrutural, o relato de Semprun se desorganiza novamente. O capítulo se desenrola, então, com o encontro entre Semprún e sua amiga Claude-Edmonde Magny que relê para ele uma carta sobre o que ela descreve como sua “vocação” de escritor. Segundo Márcia Marçal 30 Semprún cita várias vezes a cantora e atriz Zarah Leander que atuou em vários filmes rodados durante o Nazismo. Muitos desses filmes eram projetados nas sessões de cinema de Buchenwald. | 101 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (2008), a cena da leitura da carta de Claude Edmonde Magny, “constitui o núcleo da ação que representa a impossibilidade de o sobrevivente falar, escrever e elaborar sua experiência do Holocausto e ao mesmo tempo a impossibilidade de esquecê-la” (MARÇAL, 2008: 123), como podemos ver na passagem a continuação, na qual percebe- se o quão doloroso é o processo de simbolização do trauma em Semprún, só podendo ser possível mediante a figuração, a metaforização e a transfiguração intersemiótica: Elle cherche un autre passage de as lettre, en feuilletant les pages dactylographiées. _ Écoutez, dit-elle. On dirait parfois que je vous ai écrit pour préparer cette conversation d’aujourd’hui, pourtant imprévisible! Elle dit: “Je n’ai pas voulu dire autre chose que ceci: c’est que la littérature est possible seulement au terme d’une première ascèse et comme résultat de cet exercice par quoi l’individu transforme et assimile ses souvenirs douloureux, en même temps qu’il se construit as personnalité...” Je m’enfonce dans le silence, dans l’épuisement du désir de vivre. _ Vous êtes revenu il y a trois mois, poursuit-elle. Jamais vous ne m’avez dit un mot de Buchenwald. Du moins directement. C’est étrange, exceptionnel même... Je connais d’autres résistants revenus de déportation... Ils sont tous saisis par un véritable vertige de communication... De tentative de communication, em tout cas... Un délire verbal du témoignage... Vous, c’est le silence le plus lisse... (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 213-214) Busca otro fragmento de su carta, hojeando las cuartillas mecanografiadas: _ Escuche – dice –. Diríase a veces que le escribí para preparar esta conversación de hoy, ¡pese a todo lo imprevisible! Lee: “Lo único que he pretendido decir es lo siguiente: que la literatura sólo es posible tras una primera ascesis y como resultado de este ejercicio mediante el cual el individuo transforma y asimila sus recuerdos dolorosos, al mismo tiempo que construye su personalidad...” Me hundo en el silencio, en el agotamiento del deseo de vivir. _ Hace tres meses que ha vuelto – prosigue –. Jamás me ha dicho usted una palabra de Buchenwald. Por lo menos directamente. Es curioso, excepcional incluso… conozco a otros resistentes que han regresado de la deportación. Todos ellos están afectados por un auténtico vértigo por comunicarse….un delirio verbal del testimonio…Usted, el silencio más absoluto... (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 178-179) Dessa forma, o diálogo de Semprún com a amiga Claude-Edmonde Magny, “entrecortado com a leitura da carta, revela o esgotamento do sobrevivente, à beira do suicídio, e sua incapacidade de falar a respeito da experiência no campo de concentração” (MARÇAL, 2008: 120). É dificílimo para Semprún lograr estabelecer o movimento de simbolização estética e ética do mesmo, ainda mais quando lhe exigem uma linearidade temática e um tempo / espaço ordenado categoricamente. Sua memória é uma enxurrada de cenas, sons, imagens, sensações, cheiros desorganizados, sobrepostos. O autor se encontra no “limbo de la creación literaria” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. | 102 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Thomas Kauf. 1995: 178) / “limbes de la création littéraire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 213), já que tudo que poderia escrever corre o “peligro de tener demasiada gravedad” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 178) / “risque d’avoir trop de gravité” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 213). O capítulo “Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir”, assim, é exemplar para pensar a questão central da obra sempruniana: a dialética entre lembrar / escrever e esquecer / viver, como bem define Harald Weinrich (2001), no capítulo “Lutar com o esquecimento (Primo Levi, Jorge Semprún)” de Lete – Arte e crítica do esquecimento: Pelo seu conteúdo o título do livro poderia ser: ‘lembrar ou esquecer’, pois meio século depois Jorge Semprún teve de escolher entre deixar por escrito suas torturantes memórias e um esquecimento libertador, que lhe possibilitaria continuar vivendo sem problemas (choisir entre l’ecriture et la vie). (WEINRICH, 2001: 264) Nesse sentido, lembramos também a afirmação sobre a rememoração como um trabalho, feita por Ecléa Bosi (1994): “na maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho” (BOSI, 1994: 55). No caso de Jorge Semprún, faz-se importante indagar: o que dizer quando esse trabalho é realizado literariamente, por escrito e em língua estrangeira? Vemos que Jorge Semprún, após se deparar inicialmente com a incapacidade e a impossibilidade de elaboração escrita de suas vivências traumáticas, passa posteriormente a envolver-se em um incessante trabalho de perlaboração escrita do trauma, articulando-o com processos estéticos e criativos vinculados a uma necessidade de fundar para si uma nova pátria: a linguagem. De acordo com Ofelia Ferrán (1995), para Semprún “después de dejar atrás España y emprender, como tantos otros, el camino del exilio, el castellano ya no era, completamente, su lengua. Pero tampoco lo sería completamente el francés” (FERRÁN, 1995: 108). Segundo Maria Luisa de la Oliva (2009), o fato de Semprún ter escolhido o francês como outra língua materna pode remeter ao sentimento de necessidade de libertação das suas origens (expressadas, sobretudo, pelos adjetivos «espanhol», «rojo31», «comunista», «exilado») para apoderar-se da escrita: 31 Para Semprún, o significado da causa “roja” estava relacionado a uma sensação da infância, a algo abraçado ingenuamente como um ideal eterno, único e imutável, isto é, sem um questionamento da diversidade ideológica existente nos lados que se uniram (pelo menos em termos) contra o exército de Franco e sem o conhecimento da tradição esquerdista da Espanha. Esse sentimento infantil de ser um “rojo | 103 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Jorge Semprun a fait du français une autre langue maternelle, il a choisi d’autres origines et fait de l’exil une patrie. C’est comme s’il ne pouvait concevoir son écriture que depuis cet exil intérieur, hors de toute identification, exil qui serait l’expression de son être le plus intime. C’est ainsi qu’on peut comprendre son sentiment de libération et de renaissance au moment de son exclusion du PCE et la certitude qu’il aura, quelques semaines plus tard, en recevant le fameux exemplaire de son livre aux pages blanches, que cela allait changer sa vie. (OLIVA, 2009: 144) Semprún escreve sobre suas vivências um total de doze obras em francês / língua estrangeira e apenas uma obra (muito aclamada pela crítica, tendo recebido o importante prêmio Planeta) em espanhol / língua materna, a se saber: Autobiografía de Federico Sánchez (1977). Até que, em 2003, volta a escrever literatura em espanhol, não para tratar do ocorrido no campo de concentração de Buchenwald, mas para tratar de outro evento catastrófico, uma guerra conhecida e vivenciada em sua infância / adolescência: a Guerra Civil Espanhola, e o faz, não em uma narrativa autobiográfica, mas desde a perspectiva do romance ficcional. A obra Veinte años y un día (2003) narra alguns acontecimentos gerados no pós-guerra civil em um pequeno povoado espanhol, onde um jornalista estrangeiro investiga um estranho ritual de repetição do trauma vivenciado. Nesse romance, três momentos da história da Espanha se entrecruzam ficcionalmente: o início da Guerra Civil Espanhola, em 1936, quando numa fazenda em Toledo, os camponeses – ao saberem do levante militar – matam o señorito terrateniente, isto é, o filho mais novo dos proprietários da terra e, nos vinte anos que se seguem, a família (a viúva e os irmãos do falecido) organiza um ritual no dia de sua morte. Assim, a cada 18 de julho dos anos seguintes se procede a uma espécie de cerimônia expiatória teatral, na qual os trabalhadores da fazenda fingem repetir o assassinato para com isso não se esquecerem da sua condição de vencidos e assassinos. É ao último desses rituais que assiste, em 1956, vinte anos e um dia após a morte do filho do fazendeiro, um pesquisador americano, o narrador da história que, em 1985, contempla o quadro Judite e Holofernes, da pintora italiana Artemísia Gentileschi, que mostra, de forma significativa, duas mulheres (Judite, princesa hebreia e sua criada) decapitando o general da Babilônia Holofernes, para salvar seu povo. Vê-se que a compulsão à repetição, como destino do traumático, é tema recorrente na obra sempruniana (desde os livros de clara verve autobiográfica até o seu último romance, Veinte años y un día, considerado estritamente ficcional). Perpassa, portanto, a español”, baseado na sua vivência da especificidade do comunismo espanhol, persistiu em sua autocaracterização identitária em sua obra e ao longo de toda a sua vida. | 104 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves todas as narrativas do autor a indagação da (im)possibilidade de uma (re)presentação, enquanto presentificação isenta de criação artística do evento traumático, e se instaura a necessidade de ficção. Neste sentido, lembramos as palavras de Freud, no ensaio de 1910, Uma lembrança de Infância de Leonardo da Vinci, que sinalizam a intrínseca articulação entre os processos psíquicos inconscientes e as produções estéticas, comparando os processos de criação artística aos mecanismos de formação de sonhos e sintomas: “a natureza deu ao artista a capacidade de exprimir seus impulsos mais secretos, desconhecidos até por ele próprio, por meio do trabalho que cria” (FREUD, 1996: 64). Há um processo dialógico entre as diversas obras de Semprún e entre seus “eus” narradores e, por vezes, sentimos sua escrita como lugar de desdobramento dos discursos nos quais os “eus” semprunianos interrogam a sua própria identidade. Para ilustrar nossa afirmação pedimos de empréstimo a concepção de Sônia Maria Bley (2005) sobre o processo dialógico: “o interjogo linguageiro entre o eu e o Outro, entre um e os outros, por vezes põe uma distância e escancara ao mesmo tempo em que encobre, aquilo que a análise endereça ao âmago, ou seja, uma complexização necessária do estranho-familiar” (BLEY, 2005: 54). O sujeito Semprún se vê desestabilizado em meio às suas várias línguas e, diferentemente da maioria, não procura conforto, ao narrar seus vários “eus”, em sua língua da afetividade, da infância e da estruturação psíquica. Ao contrário de valer-se do espanhol materno, narra seus traumas na língua do Outro, isto é, sua língua de iniciação literária (o francês) é escolhida no (des)acolhimento do exílio e na insegurança da clandestinidade. Segundo Ricardo Cayuela Cally (2003), Jorge Semprún: En varios libros se ha referido a su identidad como español. En Adiós, luz de veranos narra cuando, en París, al pedir un croissant con una mala pronunciación, la dependienta se lo negó por "rojo español"; lo que le refuerza el propósito de aprender el mejor francés para que nadie pueda distinguir su acento, pero también le hace prometerse que siempre sería un exiliado republicano. La segunda vez es en La escritura y la vida, cuando cuenta cómo es clasificado en el campo como "rojo español", no como resistente francés, y, luego, tras la liberación, cuando no puede acceder a sus derechos como resistente francés por ser español, como si la historia se empeñara en que conservara su nacionalidad, pese a que no podía volver a causa de la dictadura de Franco. (CAYUELA CALLY, 2003: 36) Semprún convida o leitor a dar “escuta ao outro lugar onde a segunda língua fala: lugar do desejo de falar [no contexto sempruniano, de se expressar literariamente] em outra língua, que não a materna” (SERRANI-INFANTE, 1998: 257), isto é, o estranho e o familiar se convocam solidariamente para articular o relato do trauma, afetado pelas | 105 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves línguas – materna e estrangeira – e pela memória. Segundo Pêcheux (1995), o sujeito, ao posicionar-se discursivamente, identifica-se, contraidentifica-se ou ainda desidentifica-se com determinados saberes ou visões de mundo, os quais, por sua vez, transitam e formam sua elaboração discursiva, fundada em um espaço móvel e transitório que exige de quem se expressa em primeira pessoa em uma segunda língua que se permita e se autorize envolver-se em toda uma flexibilidade psíquica e corporal necessárias a renomeação do mundo. Isso é visível quando o escritor afirma, na obra Adieu, vive clarté... / Adiós, luz de veranos..., mudar “varias veces de lengua, al igual que una serpiente cambia de piel, tras dudar durante mucho tiempo entre el español y el francés” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos. Trad. Javier Albiñana. 1998: 49) / “changea plusieurs fois de langue, comme une serpent change de peau, ayant hésité longtemps entre l’espagnol et le français” (SEMPRÚN.Adieu, vive clarté... 1998: 56). Na análise de Ferrán (1995), a escrita de Semprún, assim como sua vida de exílio, não se prende a “ninguna lengua nacional” (FERRÁN, 1995: 108): Como explicaría más tarde, al recibir el premio de la libertad de los libreros de Alemania en 1994, Semprún no llegaría a hacer ni del francés ni del castellano su patria, sino del lenguaje en general: «de ese espacio de comunicación social, de invención lingüística...» que representa el lenguaje. (FERRÁN, 1995: 108) O sujeito imerso em outro idioma / cultura vê-se então expatriado / exilado também no campo linguístico: a língua que antes era tão onipresente em sua vida, causando-lhe “a sensação de jamais tê-la aprendido” (REVUZ, 1998: 215) se vê confrontada como um objeto estranho-familiar, “e o encontro com outra língua aparece efetivamente como uma experiência totalmente nova” (REVUZ, 1998: 215). Dessa maneira, usando a análise de Christine Revuz (1998), percebe-se que “tentar pronunciar o ‘r’ francês, o ‘j’ espanhol, o som de ‘th’ do inglês, é proporcionar uma liberdade esquecida ao aparelho fonador, explorar movimentos de contração, relaxamento, abertura, fechamento, vibração” (REVUZ, 1998: 221), isto é, aventurar-se a uma série de movimentos “que produzem, ao mesmo tempo em que os sons, muitas sensações surpreendentes no plano dessa região bucal, tão importante no corpo erógeno” (REVUZ, 1998: 221). Sensações que Semprún descreve como de revolta ou desamparo (como quando sofre preconceito e é ridicularizado por sua pronúncia do francês em seu primeiro contato com a língua falada quando entra em uma confeitaria de Paris) e de prazer, relaxamento ou esconderijo (quando pode, por meio dessa língua estrangeira, já bem aprendida e articulada, afastar a escuridão dos fatos passados e viver a liberdade | 106 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves identitária na clandestinidade e no exílio). É, pois, um sujeito duplamente expatriado do lugar natal e do idioma materno. De acordo com Jorge Semprún (2003) em uma entrevista: Incluso cuando me asimilo, o me dejo asimilar, depende del punto de vista, a la cultura y a la lengua francesa, siempre he persistido en la idea de mantenerme como español. Empecé a escribir en francés, mucho antes de la escritura de mi primer libro, pequeñas cosas, poesías, porque el idioma era muy grato para mí, pero nunca he querido hacerme francés. Me lo han propuesto muchas veces y yo siempre me he mantenido como español: primero como refugiado, luego como rojo y luego como español normal, como uno más. Curiosamente, donde se refuerza ese sentimiento, primero de solidaridad y luego de pertenencia a una comunidad española, refugiada y apátrida, es en Buchenwald. Cuando llego ahí tengo veinte años, y estoy totalmente afrancesado desde el punto de vista cultural, término polémico en España que yo digo sin complejos (como decía Luis Buñuel, con ese acento aragonés que tenía: ‘A mí me dicen afrancesado. Pues a Dios gracias, afrancesado’). Llego, pues, afrancesado al campo y ahí me encuentro con la pequeña comunidad española, de doscientas cincuenta personas, y de repente me vuelve, en la convivencia con ellos, en la memoria de la guerra, que yo no tengo pero que ellos me cuentan, en la memoria política, el idioma español. Además, por mi formación, porque tengo buena memoria y por la clase social de mis padres, que me permitió acceder a una educación, tengo una cultura que en el campo es muy útil, ya que les puedo recitar poemas de Lorca o Alberti y compartirlos con ellos. En Buchenwald me vuelve pues el idioma español, y con él mi condición de español. Luego, cuando escribo mi primer libro lo hago en francés, y sigo escribiendo en ese idioma, entre otras razones, porque la censura franquista prohíbe mis libros. Para qué voy a escribir en una lengua donde estoy proscrito (publicarlos en América Latina me parecía, en aquel entonces, algo muy lejano), cuando aquí todos están deseando publicar libros míos en francés, incluida Gallimard, la editorial de máximo postín. Pero el español me queda no sólo como idioma materno, sino también como idioma fundamental. De no ser por el campo, probablemente hubiera acabado integrado a la cultura francesa, quizá con un toque romántico de memoria española. Pero esto es ya historia ficción… (SEMPRÚN entrevistado por CAYUELA CALLY, 2003: 36) Devemos, então, em nossa análise de como se dá o uso da linguagem literária em Semprún ter em consideração que há um entrecruzamento complexo de instâncias e elucubrações que se deslocam por entre as obras. Há nas obras semprunianas, segundo Jordi Gracia, uma “extranjería” com “otra expresión literaria” (GRACIA, 2010: 91), já que “su vocación literaria fue incondicional mientras fuese esencialmente novelesca, es decir, dispuesta a no aplastarse al testimonio autobiográfico y poder usar así la experiencia vivida como materia primaria de un proyecto novelesco” (GRACIA, 2010: 88). Mas isso não se dá levianamente, sem uma consideração criteriosa da ética e da estética: “detrás de esa decisión literaria hay otra condición teórica previa, que es la superioridad de las lecciones de la ficción novelesca, frente a las lecciones de la historiografía o la literatura testimonial” (GRACIA, 2010: 88). Nessa perspectiva, a | 107 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves comparação efetuada nesta Tese extrapola a comparação entre a linguagem empreendida nas obras de Semprún e nas obras de outros sobreviventes dos campos nazistas. Avaliamos, iguamente, os matizes de ficção e de real que corroboram para a construção da verossimilhança estética nas obras semprunianas; segundo Tânia Franco Carvalhal (2006): (…) a investigação das hipóteses intertextuais, o exame dos modos de absorção ou transformação (como um texto ou um sistema incorpora elementos alheios ou os rejeita), permite que se observem os processos de assimilação criativa dos elementos, favorecendo não só o conhecimento da peculiaridade de cada texto, mas também o entendimento dos processos de produção literária. (CARVALHAL, 2006: 86) Cabe lembrar aqui as elucidadoras palavras de Michel Pêcheux (1999) que salienta: “se o homem é assim capaz de jogar sobre o sentido, é porque, por essência, a própria língua encobre esse ‘jogo’, quer dizer o impulso metafórico interno da discursividade, pelo qual a língua se inscreve na história” (PÊCHEUX, 1999: 62-63), que já acarreta, enquanto textualidade, seleção, recortes e inventividade. Complementando esse raciocínio, há que se ter em conta que “as palavras não são só nossas. Elas significam pela história e pela língua. O que é dito em outro lugar também significa nas ‘nossas’ palavras” (ORLANDI, 1996: 32). Além disso, trabalhar com a memória é debruçar-se sobre os implícitos e os vazios que se estruturam sobre “um imaginário que o[s] representa como memorizado[s]” (ACHARD, 2007: 13). É nesse sentido que Jordi Gracia comenta o empenho de Semprún em “novelar la memoria o la libertad del escritor” (GRACIA, 2010: 87): De ahí – y perdonen el atropello – se deriva todavía una consecuencia determinante, y es que la herramienta de aproximación a Buchenwald ha sido en el caso de Semprún, rigorosamente literaria (...): autorizada a seleccionar y amputar, a reinventar y recrear no únicamente el espacio en el que suceden los relatos de Buchenwald, sino también y fundamentalmente un narrador inmunizado tras digerir aquella experiencia, liberado o salvado de ella, como si verdaderamente escribiese después de la muerte y, por tanto, sin secuelas ni síntomas corruptores pese a la muy corruptora experiencia vivida por el narrador (o así lo explican la mayor parte de escritores que han meditado sobre el mismo asunto, sean Primo Levi, Jean Améry o Imre Kertész). (GRACIA, 2010: 88) O desejo preponderante da escrita de Semprún parece ser o de narrar ficcionalmente os limites do aquém / além do eu atravessado pelo trauma, pela dor duradoura, compulsiva e imperativa. Constatamos que a seguinte observação pode ser aplicada plenamente à obra de Semprún: “catástrofe, trauma e memória traduzem-se uns aos outros nessas histórias que não se deixam capturar pelo pensamento, nem pelo | 108 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves discurso” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000: 9). O trauma, aqui entendido dentro dos parâmetros freudianos, se desnuda como aquele acontecimento que o ego não consegue elaborar pelo que possui de demasia, de transbordamento absoluto, ou – ao contrário – pela falta excessiva que implica: “a consciência da catástrofe modifica o nosso modo de perceber e representar, mas também de nos contrapor ao mundo” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000: 11). Tais circunstâncias rompem o escudo protetor do ego, tendo como consequência efeitos duradouros / repetitivos sobre o psiquismo, como a produção de sintomas, cuja resolução vai depender da possibilidade de (re)presentar / simbolizar o trauma: “a característica essencial do trauma é o adiamento, ou incompletude do que se sabe” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000: 8); “o evento não é assimilado ou experenciado de forma plena naquele momento, mas tardiamente, na possessão repetida daquele que o experenciou” (CARUTH, Cathy apud NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA, 2000: 8-9). Nas obras de Semprún, a metalinguagem e a metacitação são estratégias recorrentes de estruturação discursiva: os sentidos se regularizam porque se repetem e, quando surge o novo – o acontecimento ou a rearticulação do mesmo –, a memória se desregula, se reelabora e se reconstrói na enunciação. Segundo Jordi Gracia, sua obra é “un acedio a la supervivencia de la identidad cuando la identidad se ha perdido subsumida en el esfuerzo animal de sobrevivir a la catástrofe, y quizá es ese el tema radical que persigue sin fin: el de la supervivencia” (GRACIA, 2010: 88). Dessa forma, o instinto de sobreviver seria tanto para Semprún quanto para outros escritores-sobreviventes dos campos de concentração, tais como Imre Kertész e Primo Levi, “el único instinto que carece de piedad” (GRACIA, 2010: 88). Para Gracia, em Semprún “sobrevivir a la desintegración del que uno fue antes de Buchenwald y rehuir la piedad ajena, porque no nace de la comprensión, sino de la compasión” (GRACIA, 2010: 88) é a única maneira vislumbrada para seguir vivendo após testemunhar tanta morte. Em L’écriture ou la vie (1994), o registro ficcional seria condição da escritura marcada pelo trauma, no entanto, aplica-se muito bem à narrativa de Semprún o fato de que “a imaginação não deve ser confundida com ‘a imagem’: o que conta é a capacidade de criar imagens, comparações e sobretudo de evocar o que não pode ser diretamente apresentado e muito menos representado” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 380). Isso porque o narrador sempruniano indaga-se o tempo todo em sua obra sobre os limites entre a tradutologia da violência e do mal, e como estas instâncias devem ser tratadas sem | 109 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves prescindir de uma ética da representação. Além disso, se a escrita do sobrevivente se vincula à memória daqueles que não sobreviveram; escrever, para Semprún e outros sobreviventes, seria também uma forma de não deixar que os mortos sejam esquecidos, um compromisso ético que “estende-se à morte do outro” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 58). Semprún se vale dos versos de César Vallejo – “En suma, no poseo para expresar mi vida, sino mi muerte...” (VALLEJO apud SEMPRÚN. La escritura o la vida. 1995: 160 / SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 190) – para tentar explicar o que suas próprias palavras parecem não conseguirem dizer: Il avait raison, Vallejo. Je ne possède rien d’autre que ma mort, mon expérience de la mort, pour dire ma vie, l’exprimer, la porter en avant. Il faut que je fabrique de la vie avec toute cette mort. Et la meilleure façon d’y parvenir, c’est l’écriture. Or celle-ci me ramène à la mort, m’y enferme, m’y asphyxie. Voilà où j’en suis: je ne puis vivre qu’en assumant cette mort par l’écriture, mais écriture m’interdit littéralement de vivre. § Je fais un effort, je m’arranche les mots, un par un. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 215) Tenía razón Vallejo. No poseo nada salvo mi muerte, mi experiencia de la muerte, para decir mi vida, para expresarla, para sacarla adelante. Tengo que fabricar vida con tanta muerte. Y la mejor forma de conseguirlo es la escritura. En eso estoy: sólo puedo vivir asumiendo esta muerte mediante la escritura, pero la escritura me prohíbe literalmente vivir. Hago un esfuerzo, me arranco las palabras, una a una. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 180). Percebe-se que na tradução em espanhol uma frase foi esquecida (ou, talvez, omitida por motivos que desconhecemos): “Or celle-ci me ramène à la mort, m’y enferme, m’y asphyxie” (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 215). Em português, essa frase significa, em uma tradução livre: “Porém isso me traz de volta para a morte, me bloqueia, me asfixia”. O espaço da escrita não se consolida apenas como a narrativa de um “eu”, mas de um “eu” asfixiado / bloqueado que escreve, por meio de uma língua e uma linguagem, traduzindo para uma tradição literária as palavras de “outros” que, por terem sido aniquilados, não podem se expressar; fazendo da sua escritura o túmulo dos que não foram devidamente enterrados, lugar onde “as fronteiras entre a estética e a ética tornam- se mais fluídas: testem unha-se o despertar para a realidade da morte” (SELIGMANN- SILVA, 2003: 58). No andamento do capítulo “Le pouvoir d'écrire” / “El poder de escribir”, as memórias de Buchenwald vão se tornando mais fortes enquanto as memórias da infância se tornam mais opacas e todo esse processo se dá em meio às lembranças literárias que vão de César Vallejo, Stéphane Mallarmé a Marcel Proust. Ao contar como conheceu Claude, o narrador começa a lembrar de sua infância e se dá conta de que toda | 110 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves uma vida se passou entre o encontro dos dois e sua leitura do primeiro e do último livro de Proust: Je l’avais connue en 1939, à l’occasion d’un congrès d’Esprit. Avant l’été, mais après la défaite de la République espagnole. (…) J’avais quinze ans, j’étais interne à Henri-IV despuis de la chute de Madrid aux mains des troupes de Franco. (...) La guerre d’Espagne était perdue, nous étions en exil, la guerre mondiale allait bientôt commencer: voilà l’essentiel. Je me souviens que l’ombre de sa proximité pesait sur tous les débats du congrès d’Esprit. (...) C’est là, si je me souviens bien, que j’avais recontré pour première fois Claude- Edmonde Magny. Autour de cet événement et de cette date-là. C’est alors qu’elle a commencé à utiliser ce nom, qui étai un pseudonyme, pour signer ses essais de critique littéraire. De dix ans mon aînée, elle était agrégee de philosophie, enseignait dans des lycées de province. (…) Mais ce jour-là, début août, trois mois après mon retour de Buchenwald, Claude-Edmonde Magny avait décidé de me lire une longue lettre qu'elle avait écrite deux ans plus tôt, en 1943, à mon intention. (...) Elle m’a regardé, ayant interrompu sa lecture après ce passage sur les pastiches de Mallarmé. J’ai donc eu vaguement envie de faire une mise au point à propôs de Marcel Proust. (...) Toute une vie entre le premier et le dernier volume de Proust. Toute une vie entre mes escapades au Mauritshuis, à La Haye, où mon père était chargé d’affaires de la République espagnole – visites interrompues par la fin de la guerre civile, notre départ pour la France, mon arrivée au lycée Henri-IV – et l’exposition de la National Gallery de Washington. (…) J’ai gardé le silence, cependant. La fatigue de vivre était lourde, ce matin-là. L’angoisse du réveil en pleine nuit, de la fuite éperdue qui s’était ensuivie, me serrait toujours le coeur. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 192-194) La conocí en 1939, con motivo de un congreso de Esprit. Antes del verano, pero después de la derrota de la República Española. (…) Yo tenía quince años, estaba interno en el liceo Henri-IV desde la caída de Madrid en manos de las tropas de Franco. (…) La guerra de España estaba perdida, nosotros en el exilio, la guerra mundial no iba a tardar en empezar: eso es lo esencial. Recuerdo que la sombra de su proximidad se cernía sobre todos los debates del congreso de Esprit. (…) Ahí fue, si recuerdo bien, donde vi por primera vez a Claude-Edmonde Magny. Alrededor de este acontecimiento y de aquella fecha. Fue entonces cuando empezó a utilizar este nombre, que era un seudónimo, para firmar sus ensayos de crítica literaria. Tenía diez años más que yo, era agregada de filosofía, e impartía clases en institutos de provincias. (…) Pero aquel día, a primeros de agosto, tres meses después de mi regreso de Buchenwald, Claude-Edmonde Magny había decidido leerme una extensa carta que había escrito dos años antes, en 1943, pensando en mí. (…) Me miró, tras interrumpir su lectura después de ese fragmento sobre las parodias de Mallarmé. Así pues, vagamente sentí ganas de puntualizar algunas cosas respecto a Marcel Proust. (...) Toda una vida entre el primer y el último volumen de Proust. Toda una vida entre mis escapadas al Mauritshuis, en La Haya, donde mi padre era encargado de negocios de la República Española — visitas interrumpidas por el final de la guerra civil, nuestra marcha a Francia, mi llegada al liceo Henri-IV—, y la exposición de la National Gallery de Washington. (…) Guardé silencio, sin embargo. El cansancio de vivir pesaba aquella mañana. La angustia del despertar en plena noche, de la huida insensata subsiguiente, todavía me oprimía el corazón. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 161-163). Vemos que as lembranças da infância e adolescência não são capazes de dissipar no narrador a angústia gerada pelo fantasma do passado em Buchenwald, que parece | 111 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves apagar tudo que o aconteceu antes em sua vida, marcar a ferro e fogo tudo que pertence ao presente e tornar opaco tudo o que virá no futuro. Segundo Marcia Marçal (2008), a assimilação das memórias da infância pelas de Buchenwald dão ao narrador a dimensão do desamparo e a consciência da impossibilidade de retorno ao lar: “Buchenwald significa para esta testemunha a mais radical experiência de perda do lar e isso se expressa na sua transformação no único lar possível” (MARÇAL, 2008: 129), já que não existe lar para onde voltar, “sua” Espanha não estaria ali como antes, “as memórias de Buchenwald tornam-se uma nova infância temida e recusada pelo personagem-narrador para libertar- se da dissolução do eu à qual a infância-Buchenwald arrastava-o” (MARÇAL, 2008: 129): Il y avait quelque angoisse dans cette excitation. Car le retour à la maison provoquait étrangement une sensation de désarroi. C’était précisément le retour dans les lieux-lares qui provoquait l’incertitude. En 1953, quand je suis revenu à Madrid la première fois, pour y travailler dans la clandestinité de l’organisation communiste, j’avais couru jusqu’à la rue Alfonso-XI. À peine déposée la valise à l’hôtel où j’étais descendu avec mon faux passeport, j’avais couru à travers Madrid jusqu’à la rue Alfonso-XI. La ville de mon enfance n’était pas encore devenue la metrópole industrielle, tentaculaire, sauvagement somptueuse et délabrée qu’elle est aujourd’hui. (…) Je pouvais superposer les images de ma perception attentive et émue à celles de ma mémoire: elles se fondaient les unes dans les autres, leur couleur s’ajustait à la nuance près. Pourtant, ce soir de juin 1953, malgré la parfaite identification des souvenirs et des images du présent, une angoisse indistincte, innommable plutôt, a saccgé mon coeur, dès que je suis arrivé rue Alfonso-XI, dès que j’ai contemplé les balcons du dernier étage de la Maison, ceux de l’appartement où j’avais passé mon enfance. Jamais, pendant toutes ces années vécues à l’étranger, je n’avais eu une sensation aussi poignante d’exil, d’étrangeté, qu’à ce moment privilégié du retour au paysage originaire. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 192- 194) Había un punto de angustia en aquella excitación. Pues la vuelta a casa provocaba curiosamente una sensación de desasosiego. Era precisamente el regreso a los lugares lares lo que provocaba la incertidumbre. En 1953, cuando regresé a Madrid por primera vez para trabajar en la clandestinidad de la organización comunista, me precipité a la calle Alfonso XI. Apenas había dejado la maleta en el hotel en el que me alojaba con mi pasaporte falso, atravesé Madrid a la carrera hasta la calle Alfonso XI. La ciudad de mi infancia todavía no se había convertido en la metrópoli industrial, tentacular, salvajemente suntuosa y destartalada que es hoy en día. (…) Podía superponer las imágenes de mi percepción atenta y emocionada a las de mi memoria: se fundían unas en otras, su color coincidía hasta en el matiz. Sin embargo, aquel atardecer de junio de 1953, pese a la perfecta identificación de los recuerdos y de las imágenes del presente, un desasosiego indistinto, innombrable mejor dicho, me destrozó el corazón nada más llegar a la calle Alfonso XI, nada más contemplar los balcones del último piso de la casa, donde había pasado mi infancia. Jamás, en todos esos años vividos en el extranjero, había tenido una sensación tan desgarradora de exilio, de extrañamiento, como en aquel momento privilegiado del regreso al paisaje originario. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 166-167). | 112 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Em Semprún, diferentemente de outros escritores sobreviventes dos campos nazistas, a escrita se concentra no tema de como retomar no presente o passado e não em como elucidar e contar todo o passado, tal como ocorreu; tarefa, a seu ver, infrutífera e já de antemão fadada ao fracasso. Jordi Gracia (2010) ao contrapor Jorge Semprún aos escritores-narradores-sobreviventes Imre Kertész e Jean Améry ressalta que: “el desemparo fue para ellos una casa moral común, porque no los protegía ni la fe política ni la fe religiosa; tampoco la poesía, a la que tan a menudo acude el narrador de Semprún, les servía allí para nada” (GRACIA, 2010: 103). Semprún, após a libertação dos campos nazistas, se agarrou à militância política como possibilidade de prosseguir, já Kertész e Améry se declaram sem destino, incompetentes, silenciosos e paralisados frente à vida presente. Na análise de Gracia (2010), a clandestinidade comunista vivida por Semprún em Madrid entre os anos de 1953 a 1961 representa um “periodo que fragua el laboratorio interior y las condiciones objetivas de posibilidad para que surja ese narrador purgado de aquella experiencia insuperable” (GRACIA, 2010: 88). Desse modo, continua Gracia, “la identidad que forjará desde entonces está escrita en sus libros, pero nace de haber vivido una identidad libertadora del pasado e integradora en la vanguardia del futuro: la militancia comunista” (GRACIA, 2010: 88). Semprún faz do seu sofrimento e da sua experiência traumática um motivo a mais para lutar / atuar politicamente, “lo que, sin embargo, comparten Kertész y Semprún es la seguridad en la insuficiencia del testimonio para dar cuenta de los campos” (GRACIA, 2010: 103). Por isso, segundo Jordi Gracia, tanto Imre Kertész como Jorge Semprún “optan por la novela como método para evocar o resucitar la vivencia de aquel pasado” (GRACIA, 2010: 103), isto é, nenhum dos dois escamoteia o renega o atributo ficcional dos seus relatos testemunhais, já que ambos “creen en la utilidad del artificio para narrar con veracidad su significado sin limitarse al valor documental de los libros, indispensable sin duda, pero insuficiente para transmitir en profundidad (GRACIA, 2010: 103) a experiência do horror absoluto. Sem desviar do ponto de vista discursivo e linguístico que estamos desenvolvendo neste capítulo, sobre a dificuldade de narrar o trauma na língua materna, e, ao mesmo tempo, a necessidade de fazê-lo em língua alheia, vislumbramos que o trabalho com a memória em Semprún, em termos analíticos, seria de (re)construção de vozes, vazios e implícitos por meio de operações que retomam outras obras do autor, colocando-as em diálogo, confronto e movimento. A memória surge como questão efetiva que permite o encontro entre laços que se romperam pelas catástrofes históricas. | 113 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Je ne voudrais que l’oubli, rien d’autre. Je trouve injuste, presque indécent, d’avoir traversé dix-huit mois de Buchenwald (...). Ainsi, cette nuit, ce qui m’a jeté hors du lit, (...) ce n’est pas seulement le rêve où retentissait la voix d’un Sturmführer S.S. ordonnant qu’on éteignît le crématoire, c’est aussi, davantage même, de me retrouver vivant, forcé d’assumer cet état absurde, improbable du moins (...).(SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 211-212) Sólo quisiera el olvido, nada más. Me parece injusto, casi indecente haber sobrevivido los dieciocho meses de Buchenwald (...). Así esta noche, lo que me ha sacado de la cama, (...) no es sólo el sueño en el que retumbaba la voz de un Sturmführer S.S. ordenando apagar el crematorio, sino, más aun, el hecho de estar vivo, obligado a asumir ese estado absurdo, improbable como mínimo (...). (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 177) As questões ambíguas para as quais nos remetem as obras semprunianas fazem- nos pensar na necessidade de uma representação ética das memórias traumáticas, levando em conta que o que escapa à verossimilhança necessita, por vezes, de um tratamento artístico para ser comunicado, e que “aquilo que transcende a verossimilhança exige uma reformulação artística para a sua transmissão” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 380). Isto é, o discurso de memória na escrita de Semprún não escamoteia o fato de já acarretar a questão de uma ficcionalidade, já que o trabalho de recordação configura-se como intento de recuperação de um original, que se torna ficção ao ser alterado pela narrativa a cada vez que se tenta resgatá-lo, num jogo interativo e contínuo entre verdade e verossimilhança, entre memória individual e memória coletiva: “Ne parviendront à cette substance, à cette densité transparente que ceux qui sauront faire de leur témoignage um objet artistique, un espace de création. Ou de recréation” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 25-26) / “Sólo alcanzarán esta sustancia, esta densidad transparente, aquellos que sepan convertir su testimonio en un objeto artístico, en un espacio de creación. O de recreación” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 25). No entanto, o pacto ficcional engendrado por sua narrativa não se abstém de uma ética da verdade: “Seul l’artifice d’un récit maîtrisé parviendra à transmettre partiellement la vérité du témoignage” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 26) / “Unicamente el artifício de un relato dominado conseguirá transmitir parcialmente la verdad del testimonio” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 25). O jogo textual sempruniano (assim como o ato de autonarrar-se) abre a literatura / os discursos para a história (ISER, 1996: 11), para o movimento de irrealizar-se / realizando-se. Enfim, as narrativas de Semprún (testemunhais ou não) colocam o real, o fictício e o imaginário como instâncias que só podem ser captadas contextualmente, evidenciando que os | 114 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves saberes tácitos não são autoevidentes. Sendo assim, a memória em Semprún se desnuda também como modo operatório de configuração intersubjetiva do “eu” e do “outro”; do mesmo modo como o texto só se realiza pela leitura, a memória só se realiza, só ganha corpo pelo discurso narrativo, tal como relata Semprún à sua amiga Claude: Il y a des obstacles de toute sorte à l’écriture. Purement littéraires, certains. Car je ne veux pas d’un simple témoignage. D’emblée, je veux éviter, m’éviter, l’énumération des souffrances et des horreurs. D’autres s’y essaieront, de toute façon... D’un autre côté, je suis incapable, aujourd’hui, sième personne. Je ne souhaite même pas m’engager dans cette voie. Il me faut donc un “je” de la narration, nourri de mon expérience mais la dépassant, capable d’y insérer de l’imaginaire, de la fiction... Une fiction qui serait aussi éclairante que la vérité, certes. Qui aiderait la réalité à paraîte réelle, la vérité à être vraisemblable. Cet obstacle-là, je parviendrai à le surmonter, un jour ou l’autre. Soudain, dans l’un de mes brouillons, le ton juste va éclater, la distance ajustée s’établira, j’en suis certain. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 217) Están los obstáculos de todo el tipo para la escritura. Algunos, puramente literarios. Pues no pretendo un mero testimonio. De entrada, quiero evitarlo, evitarme la enumeración de los horrores. De todos modos, siempre habrá alguno que lo intente… Por otra parte, me siento incapaz, hoy, de imaginar una estructura novelesca en tercera persona. Ni siquiera deseo meterme por ese camino. Necesito pues un “yo” de la narración que se haya alimentado de mi vivencia pero que la supere, capaz de insertar en ella lo imaginario, la ficción… Una ficción que sería tan ilustrativa como la verdad, por supuesto. Que contribuiría a que la realidad pareciera real, a que la verdad fuera verosímil. Este obstáculo, algún día conseguiré superarlo. De repente, en uno de mis borradores, estallará el tono justo, la distancia ajustada que se establecerá, no me cabe duda. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181-182) Ao inserir-nos na problemática da lembrança ligada ao lar / origem que, segundo Aleida Assmann e Jan Assmann (2013),32 relaciona o conceito de memória à questão identitária, nos deparamos com as constatações de que a memória cultural é a “faculdade que nos permite construir uma imagem narrativa do passado e, através desse processo, desenvolver uma imagem e uma identidade de nós mesmos” (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.) e “se você quer pertencer a uma comunidade, deve seguir as regras de como lembrar e do que lembrar” (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.). Em outra ocasião, Jan Assmann (2008) afirma que “en todo recuerdo siempre hay algo de ese deseo de atención y de pertenencia” (ASSMANN, 2008: 21). Transformar ou apagar a memória cultural de um povo é aniquilar sua identidade: “essa foi a estratégia do regime totalitário para destruir o passado, porque se a gente controla o presente, a gente controla o passado, e se 32 ASSMANN, Aleida; ASSMANN, Jan. “Memória cultural: o vínculo entre passado, presente e futuro”. Entrevista concedida à USP. Disponível em: . Acesso: 24/10/13. | 115 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves a gente controla o passado, a gente controla o futuro” (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.). Daí a importância de uma memória cultural sem nostalgia, direcionada para o futuro: “lembrando para frente, por assim dizer” (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.). Segundo Xavier Pla (2010): Para el joven Semprún, el internamiento de un año y medio en Buchenwald constituirá la experiencia esencial de toda una vida, el núcleo fundador de una obra literaria, la “escena primitiva” del complejo proceso de automitificación al que el escritor someterá toda su biografía. Cada nuevo libro de Semprún retomará a su manera la etapa de Buchenwald, y en todos ellos el escritor resolverá, también a su manera, los problemas literarios inevitables relacionados con la indecibilidad de la experiencia y planteará nuevos retos narrativos al lector. Desde el primer momento de la liberación, la cuestión de qué forma dar al testimonio se plantea en el pensamiento literario de Semprún. Porque, como es sabido, la cuestión del testimonio, de su estatuto, de su legitimidad, hasta de su propia existencia, no ha dejado de suscitar todo tipo de reflexiones en los debates literarios de las últimas décadas. (PLA, 2010: s.p.) Percebe-se que a vivência traumática das catástrofes que assolaram o século XX mobilizou de tal forma a articulação do discurso testemunhal sempruniano que o fez considerar o ato de escrever / publicar seu lar de exilado: “la extranjería de un escritor como Jorge Semprún tiene otra expresión literaria, pero el mismo sentido final” (GRACIA, 2010: 91), já que “en Semprún habla el escritor que sobrevive, no el hombre que vivió” (GRACIA, 2010: 98). Assim, a literatura sempruniana difere em muitos sentidos ou objetivos da obra de outros autores sobreviventes da Shoah, pois parte da presentificação própria do ato de lembrar: “en su caso no se trata de contar lo que sucedió para que los demás lo sepan, sino de contar lo que a él sucede cuando recuerda lo que sucedió allí, lo que le sucede, por tanto, al novelista mientras hace sus novelas” (GRACIA, 2010: 99). Assim, Jorge Semprún se mostra como “el sujeto que recuerda desde la identidad actual” (GRACIA, 2010: 99) e “un escritor que ha hecho del lenguaje su única patria” (GRACIA, 2010: 3), por isso, “Semprún se ha convertido también en un autor emblemático de la modernidad por su constante indagación sobre la identidad con su incesante reescritura biográfica” (GRACIA, 2010: 3) que declara e assume sua identidade de expatriado / proscrito: “asumida definitivamente su condición de ‘exiliado’, con su renovada adhesión a un bilingüismo elegido y a la vez alternado francés-español, transformando sus diversas identidades de la vida real” (GRACIA, 2010: 3) em vários romances estruturados “en una elaborada forma autobiográfica” (GRACIA, 2010: 3), tal como veremos no próximo subcapítulo desta Tese. | 116 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2.2. Autobiografia testemunhal: imagens literárias e cinematográficas de Buchenwald (“Le parapluie de Bakounine” / “El paraguas de Bakunin”) Les images se succédaient, hachées, sans grande cohésion entre elles, malgré leur force indiscutible. Sans que je fusse toujours capable de les insérer dans la continuité d’un récit, le flux d’un déroulement temporel. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 258) Las imágenes se sucedían, entrecortadas, sin gran cohesión entre sí, pese a su fuerza indiscutible. Sin que yo fuera siempre capaz de insertarlas en la continuidad de un relato, el flujo de un desarrollo temporal. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 215). Diante da obra sempruniana, o leitor se vê em um emaranhado mosaico identitário estruturado à maneira de um “quebra-cabeça” romanesco autobiográfico. Há que se destacar, então, que em uma autobiografia, apesar do foco narrativo ajustado em primeira pessoa, não se pode isolar autor da obra. Isto é, o autor não deve ser visto como encerrado e centrado apenas nele mesmo. O pacto receptivo sempre será o filtro de tal leitura: há todo um conjunto de fatos e pessoas envolvidos nos relatos. Para analisar esse embate entre o eu, o Outro e os “eus”, pediremos emprestadas a seguinte citação de Luiz Costa Lima (1989): “não é apenas o eu a matéria indispensável para a autobiografia - o que a confundiria com o diário - pois tem como seu traço absoluto o intercâmbio de um eu empírico com o mundo” (COSTA LIMA, 1989: 194). Costa Lima ressalta que “a autobiografia supõe um duplo e simultâneo foco: como o eu reage ao mundo e como o mundo experimenta o eu” (COSTA LIMA, 1989: 194). A definição de Philippe Lejeune (2005) para o termo autobiografia é: “narrativa retrospectiva em prosa que uma pessoa real faz de sua própria existência, quando focaliza sua história individual, em particular a história de sua personalidade” (LEJEUNE, 2005: 17). O autor de uma autobiografia, no entanto, deve estar ciente da ambiguidade envolvida no ato de autonarrar-se, autodescrever-se, pois, à medida que alguém narra sua vida está também delineando e construindo seu próprio “eu”. Isso porque a linguagem, segundo Alberto Manguel (2008), “não se limita a nomear, ela também confere existência à realidade: ela é um ato de evocação por meio de palavras e por meio daquelas versões dos acontecimentos reais que chamamos de histórias” (MANGUEL, 2008: 18). O autor (como narrador de si mesmo) deve pensar de que forma o contrato com o leitor do seu texto se estabelece quando opta por assumir sua identidade narrativa, tal como ocorre na | 117 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves autobiografia: “o pacto autobiográfico é a afirmação, no texto, dessa identidade, remetendo, em última instância, ao nome do autor, escrito na capa do livro” (LEJEUNE, 2005: 26), isto é, “a autobiografia (narrativa que conta a vida do autor) pressupõe que haja identidade de nome entre o autor (cujo nome está estampado na capa), o narrador e a pessoa de quem se fala” (LEJEUNE, 2005: 24). Segundo Jordi Gracia (2010), o caso literário sempruniano “está estrechamente vinculado a lo vivido en nombre propio” (GRACIA, 2010: 96). Mas, embora a escrita de Semprún seja marcadamente pessoal, ela não se abstém de tocar nas questões que afetam e conformam o coletivo, “con datos de contexto y de circunstáncia histórica que propician, e incluso reclaman, la asociación de lo narrado con un tiempo histórico y una circunstancia real: nombres reales, calles, plazas, Buchenwald, otros libros propios, etc” (GRACIA, 2010: 96). Isso faz com que sua escrita dê possibilidades de escuta / reconhecimento à história daqueles que não tiveram voz, se tornando o túmulo dos que não foram devidamente enterrados e o espelho dos que não querem / não podem ver o próprio rosto. Na análise de Gracia (2010), a relação estabelecida por Semprún entre a memória e a literatura busca uma superação presente e uma aspiração futura: “Améry o Primo Levi o Kertész reclaman implicitamente para cualquier víctima de los campos una convalecencia crónica o indefinida” (GRACIA, 2010: 105), em contrapartida “el narrador de Semprún medita sobre aquello desde una atalaya de superación, de sosiego, de consuelo traídos por la vida” (GRACIA, 2010: 105), devido ao seu foco na atuação no presente (a militância política como possibilidade de reconstrução / de impedir a repetição do passado); apesar de narrar o horror e o mal, o narrador sempruniano está “por encima de la tragédia y el horror también porque su relato pivota en el presente” (GRACIA, 2010: 105). É perceptível, pois, que o testemunho tenha surgido como literatura primordial no póscatástrofe, e, segundo Márcio Seligmann (2005), “o testemunho não deve ser confundido nem com o gênero autobiográfico nem com a historiografia” (SELIGMANN- SILVA, 2005:79), já que “ele apresenta outra voz, um ‘canto (ou lamento) paralelo’, que se junta à disciplina histórica no seu trabalho de colher os traços do passado” (SELIGMANN-SILVA, 2005:79). Vemos, entretanto que, no caso sempruniano, há muitas vezes uma fusão em sua obra entre testemunho e autobiografia. Há, pois, que se diferenciar as duas obras analisadas nesta Tese (embora exista entre elas apenas um tênue véu que demarca os limites de gêneros). O livro Adieu, vive clarté... tenderia mais para o | 118 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves gênero autobiografia; já o livro La écriture ou la vie se ligaria mais ao testemunho literário propriamente dito. Com essa escrita testemunhal, Semprún deseja curar sua dor e seu trauma (embora a cura não necessariamente aconteça ou se configure como tal) para não sucumbir à tentação do suicídio e da prisão neurótica / repetitiva aos episódios traumáticos: Frente al ‘memorial’, o ‘ensayo de reflexión autobiográfica, o ‘autobiografía política’ de corte bastante victoriano, que es como llama Semprún a su Autobiografía de Federico Sánchez, sus novelas de los campos aspiran a ‘la verdad esencial de las experiencias’. Buchenwald ha sido el espacio de experiencia escogido para construir novelas que meditan sin fin, de manera inconclusa y siempre provisional, sobre los hombres y el mal como industria en la confianza de que la novela no se ha de aplastar al testimonio y que permite, todavía, construir un protagonista vencedor, un narrador que ha salido del tratamiento o vive ya fuera de la etapa de convalecencia, recreando un narrador sin las heridas de los supervivientes. Porque no hay apenas la responsabilidad moral en el personaje que narra ni hay accidentes o averías irreparables, como si hubiese sido una persona protegida contra la toxicidad moral de la vida del campo o si no hubiesen perdurado rastros deformadores de la persona. O quizá sí, en forma de destellos, como esa tortura inmovilizante del recuerdo súbito, abrupto, ese que en tantos libros suyos inmoviliza la acción por un instante, cuando muerde un pedazo de pan negro, por ejemplo, o cuando lo desazona el hecho mismo de la supervivencia, sin que en esa razón lata la culpa: “Me parece injusto, casi indecente, haber sobrevivido los dieciocho meses de Buchenwald (...) sostenido por unas ganas de vivir insaciables (...)”. (...) De la elipsis y la metáfora a la descripción y el análisis va una vastísima franja de opciones intermedias que no son excluyentes ni predeterminan la calidad del texto literario. La literatura autobiográfica, sin embargo, ha tendido a usar poco, o culpablemente, algunas de esas opciones porque la novela ha sido una patria bastarda para la autobiografía. Semprún, sin embargo, y con él la novela del modernismo europeo, ha perdido el miedo a esa bastardía (...). Su indagación literaria es una indagación también moral (...). Si regresa a esa vivencia es con objeto de comprenderla, y comprenderla es deformarla, reescribirla, revisarla, recomponerla, reordenarla, y reescribirla para explicarla y aclararla, volver a contarla para iluminarla y así incesantemente con resultados desiguales también (necesaria y afortunadamente). (GRACIA, 2010: 106-109). A literatura de testemunho (enquanto uma modalidade de escrita autobiográfica que se encontra no cerne da literatura comparada) representa, assim, uma retomada da posição de escuta da vivência e da voz do outro, e, ao mesmo tempo, desnuda que essas vozes possuem ideologia e lugar social. Além disso, contribui para a explicitação do teor testemunhal da literatura como um todo, pois amplia a questão fundamental da literatura que é: a constatação de que o ficcional continua sendo a possibilidade mais relevante de dar conta do real (o que, lacanianamente falando, seria tentar dar uma forma ao informe) e, por conseguinte, dos eventos traumáticos que resistem a qualquer objetivação (não)simbólica. Na literatura de testemunho o pensamento interdisciplinar e as teorias itinerantes são requisitados de forma eminente: ela instaura, de maneira totalmente | 119 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves dialética, um lugar onde as várias tradições de pensamento se entrecruzam, se iluminam mutuamente, situando as vertentes críticas do testemunho no ponto de convergência entre História, Psicanálise, Filosofia, Literatura e outras Artes, pois, essencialmente, lida com conceitos operantes e indispensáveis às Ciências Humanas, tais como particular, universal, sujeito, memória, trauma, catástrofe, narrativa, real, ficção, imaginário, língua, identidade, nação e pátria. De acordo com Luis Alberto Brandão (1997), “escrever é esboçar mapas dos espaços sociais, investigar a instabilidade desses mapas e a dimensão ficcional de tais espaços” (BRANDÃO, 1997 apud CORNELSEN, 2007: 83); e segundo Elcio Cornelsen (2007): Portanto, ao refletirmos sobre a noção de espaço ficcional, necessitamos ativar uma série de outras categorias, dentre elas: a memória, quando lidamos com a representação de um espaço do passado; a mimese, quando estiver em jogo a crença na possibilidade de representação da realidade; a topografia, quando nos depararmos com um determinado tipo de espaço, como, por exemplo, o urbano; a sociedade, quando enfocarmos os elementos sociais que constituem um determinado espaço (...). (CORNELSEN, 2007: 83) No significativo capítulo “Le parapluie de Bakounine” / “El paraguas de Bakunin” de L’écriture o la vie (1994), o narrador-personagem conta como conheceu a namorada Lorène, com a qual (tal como com a ex-namorada Odile) também não consegue compartilhar sua identidade de sobrevivente do campo de concentração de Buchenwald. O capítulo se intitula inspirado no episódio em que Lorène mostra ao narrador o guarda- chuva que Bakunin havia esquecido na casa de sua família. A metáfora do esquecimento do guarda-chuva remete Semprún à sua necessidade de esquecer Buchenwald e, com isso, ao abandono do seu projeto de testemunho literário sobre seu encarceramento. Essa cena é central para entendermos o dilema entre lembrar / esquecer e escrever / viver que perpassa toda a obra de Semprún. O narrador-personagem descreve que em “una fría tarde de diciembre de 1945 asistió, junto a su compañera Lorène, a una proyección cinematográfica” (QUINTANA, 2010: 211) e se encontrou, para sua surpresa e pavor, “de repente, frente a las imágenes de un noticiario en el que se muestran los campos de concentración de Bergen-Belsen, Mauthausen, Dachau e incluso de Buchenwald” (QUINTANA, 2010: 211); “el ojo de la cámara contempla diversos deportados extenuados y famélicos en los camastros de los barracones y, posteriormente, registra el movimiento de las palas mecánicas del ejército aliado” (QUINTANA, 2010: 211) e os jovens soldados que “arrastran centenares de cadáveres para depositarlos en las fosas comunes” (QUINTANA, 2010: 211). Vale a pena determo-nos nessa cena descrita | 120 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves anteriormente para percebermos a quão ‘cinematográfica’ é a narrativa literária empreendida por Jorge Semprún: (...) j’avais dû fermer les yeux, aveuglé pendant une seconde. J eles avais rouverts, je n’avais pas rêvé, les images étaient toujours là, sur l’écran, inévitables. § J’ai oublié quel en était le pretexte ou l’occasion, mais les actualités projetées ce jour-là dans le cinema de Locarno revenaient sur la découverte des camps de concentration nazis par ler armées alliées, quelques mois auparavant. § L’œil de la caméra explorait l’intérieur d’un baraquement: des déportés à bout de forces, affalés dans les châlits, amaigris à en mourir, fixaient d’un regard exorbité les intrus qui leur apportaient – trop tard pour beaucoup d’entre eux – la libeté. L’œil de la caméra captait le mouvement des bulldozers de l’armée américaine poussant des centaines de cadavres décharnés dans les fosses communes. L’œil de la caméra saisissait le geste de trois jeunes déportés aux cheveux ras, en tenue rayée, qui faisaient circuler entre eux un mégot partagé, à lentrée d’une baraque... L’œil de la caméra suivant le lent cheminement d’un groupe de déportés clopinant sur l’esplanade d’une place d’appel, au soleil, vers une distribuition de nourriture... § Les images aivaient été filmées dans différents camps libérés par l’avance alliée, quelques mois plus tôt. À Bergen-Belsen, à Mauthausen, à Dachau. Il y en avait aussi de Buchenwald, que je reconnaissais. § Ou plutôt: dont je savais de façon certaine qu’elles provenaient de Buchenwald, sans être certain de les reconnaître. Ou plutôt: sans avoir la certitude de les avoir vues moi-même. Je les avais vues, pourtant. Ou plutôt: Je les avais vécues. C’était la différence entre le vu et le vécu qui était troublante. § Car c’était la première fois que je voyais des images de cette sorte. Jusqu’à ce jour d’hiver, un peu par hasard, beaucoup par stratégie spontanée d’autodéfence, j’étais parvenu à éviter les images cinématographiques des camps nazis. J’avais celles de ma mémoire, qui surgissaient parfois, brutalement. Que je pouvais aussi convoquer délibérément, leur donnant même une forme plus ou moins structurée, les organisant dans un parcours d’anamnèse, dans une seorte de récit ou d’exorcisme intime. C’étaient des images intimes, précisément. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 258-260) (...) tuve que cerrar los ojos, cegado durante un segundo. Los abrí de nuevo, no había soñado, las imágenes seguían estando ahí, en la pantalla, inevitables. § He olvidado cuál era el pretexto o la ocasión, pero el noticiero de actualidad que se proyectaba aquel día en el cine de Locarno se refería una vez más al descubrimiento, unos meses antes, de los campos de concentración nazis por los ejércitos aliados. § El ojo de la cámara exploraba el interior de un barracón: deportados extenuados, desplomados en los camastros, famélicos hasta la muerte, clavaban su miraba de ojos desorbitados en los intrusos que les traían – demasiado tarde para muchos de ellos – la libertad. El ojo de la cámara registraba el movimiento de las palas mecánicas del ejército americano arrastrando centenares de cadáveres descarnados a las fosas comunes. El ojo de la cámara captaba el gesto de tres jóvenes deportados con el pelo al rape, y traje de rayas, que se pasaban una colilla compartida, en la entrada de un barracón... El ojo de la cámara seguía el lento caminar de un grupo de deportados renqueando por la explanada de una plaza de armas, al sol, hacia un reparto de alimento... § Las imágenes habían sido filmadas en diferentes campos liberados por el avance aliado, unos meses antes. En Bergen-Belsen, en Mauthausen, en Dachau. También las había de Buchenwald, como reconocí. § O mejor dicho: de las cuales sabía de forma segura que provenían de Buchenwald, sin estar seguro de reconocerlas. O mejor dicho: sin tener la certeza de haberlas visto yo mismo. Las había visto, sin embargo. O mejor dicho: las había vivido. La diferencia entre lo visto y lo vivido era lo que resultaba perturbador. § Pues era la primera vez que yo veía imágenes de esta índole. Hasta aquel día de invierno, un poco por azar, mucho por estrategia espontánea de autodefensa, había conseguido evitar las imágenes | 121 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves cinematográficas de los campos nazis. Tenía las de mi memoria, que surgían a veces, brutalmente. Que también podía convocar deliberadamente, confiriéndoles una forma más o menos estructurada, organizándolas en un recorrido amnésico, en una especie de relato o de exorcismo íntimo. Eran unas imágenes íntimas, precisamente. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 215-216) Percebe-se o impacto causado no narrador-personagem que, ao ir ao cinema para ver um filme com a namorada no intuito de distrair-se, depara-se inesperadamente com as imagens mais obscuras de sua vida e de seus pesadelos: “ces images de mon intimité me devenaient étrangères, en s’objectivant sur l’écran. Elles échappaient ainsi aux procédures de mémorisation et de de censure qui m’étaient personnelles” (L’écriture ou la vie. 1994: 260) / (SEMPRÚN. “estas imágenes de mi intimidad se me volvían ajenas, al objetivarse en la pantalla. Se sustraían así a los procesos de memorización y de censura que me eran personales” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 216-217). As imagens cinematográficas dos campos nazis lembram-lhe de que todo o passado que tentava ocultar de si mesmo não havia sido sonhado e sim vivido: “je me voyais ramené à la réalité, réinstallé dans la véracité d’une expérience indiscutable. Tout avait été vrai, donc, tout continuait de l’être: rien n’avait été un rêve” (L’écriture ou la vie. 1994: 261) / “me veía a mi mismo devuelto a la realidad, reinstalado en la veracidad de una experiencia indiscutible. Todo había sido verdad, por lo tanto, todo seguía siéndolo: no había sido un sueño” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 217). Quando as imagens do seu trauma pessoal surgem na tela do cinema, elas alcançam a sua verdadeira face imagética: é um trauma não só pessoal mas também coletivo. No silêncio e na penumbra da sala de cinema, “où s’éteignaient les chuchotements et les murmures, où se figeait un silence d’horreur et de compassion: silence scandalisé” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 261) / “donde se apagaban los susurros y los murmullos, donde quedaba petrificado un silencio de horror y de compasión: silencio escandalizado” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 216), Semprún percebe que aquilo não pertence só ao seu repertório de vida, não faz parte apenas do seu imaginário ou de suas lembranças. São imagens que dizem respeito a todos que ali estão. Antes só existiam em sua mente, porém, agora as imagens estão projetadas para o público: “a memória, como substrato da identidade, refere-se aos comportamentos e às mentalidades coletivas, na medida em que o lembrar individual encontra-se relacionado à inserção histórica de cada indivíduo” (NEVES, apud NEVES DELGADO, 2010: 50). Por fim, compreendemos que aquela sessão de cinema perdura até hoje, por | 122 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves meio dos relatos de Semprún. Como sublinha Leyla Perrone-Moisés (1998): “o que é contingência de todo discurso histórico — trazer em si as marcas do presente — torna-se uma necessidade interna na história literária” (PERRONE-MOISÉS, 1998: 25), isso “porque os ‘fatos’ de que ela se ocupa não aconteceram, como os da história, uma vez só e só no passado, mas continuam a acontecer a cada leitura nova” (PERRONE-MOISÉS, 1998: 25). Porém, a cada nova leitura pelos mesmos ou por novos sujeitos, a memória adentra o lugar da necessária reflexão, abrindo espaço para esquecer e seguir adiante. Segundo Susan Sontag (2003): Talvez se atribua um valor demasiado à memória, e pouco valor ao pensamento. Recordar é um ato ético, tem um valor ético em si mesmo e por si mesmo. A memória é, de forma dolorosa, a única relação que podemos ter com os mortos. Portanto a crença de que recordar constitui um ato ético é profunda em nossa natureza de seres humanos, pois sabemos que vamos morrer e ficamos de luto por aqueles que, no curso normal da vida, morrem antes de nós – avós, pais, professores e outros amigos. Insensibilidade e amnésia parecem andar juntas. Mas a história dá sinais contraditórios no tocante ao valor de recordar, quando se trata do período muito mais longo que corresponde a uma história coletiva. Existe simplesmente injustiça demais no mundo. E recordar demais (…) gera rancor. Fazer as pazes significa esquecer. Para reconciliar-se, é necessário que a memória seja imperfeita e limitada. (SONTAG, 2003: 71). Também para Sontag (2003), “toda memória é individual, irreproduzível (...) o que se chama de memória coletiva não é uma rememoração, mas algo estipulado” (SONTAG, 2003: 73). Mas, perguntamos: quanto às imagens que apontam para fatos de uma memória histórica, seriam elas, então, igualmente individuais? A partir da exibição do noticiário (bem como da existência de outros tantos filmes, reportagens e documentários sobre a Shoah), Semprún percebe que as imagens do trauma agora não aparecem apenas na sua memória, não pertencem somente ao seu repertório mental. Elas ganham corpo e visibilidade, se tornam alheias a ele mesmo: “ces images de mon intimité me devenaient étrangères, em s’objectivant sur l’écran” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 260) / “estas imágenes de mi intimidad se me volvían ajenas, al objetivarse en la pantalla” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 216). Neste sentido, a memória, “como um dos fatores presentes no resgate da história compartilhada, é esteio para o autorreconhecimento” (NEVES DELGADO, 2010: 51) na medida em que o sujeito identifica suas similitudes e diferenças em relação ao grupo que o cerca. Segundo Àngel Quintana (2010), “la contemplación, por primera vez, de estas imágenes generó en el joven Semprún un interesante dilema interior entre lo que había visto en la pantalla y | 123 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves lo que había vivido recientemente” (QUINTANA, 2010: 211). Isso pode ser percebido com mais exatidão na seguinte constatação de Semprún-narrador: “en devenant, grâce aux operateurs dês services cinématographiques dês armées alliées, spetaculeur de ma propre vie, voyeur de mon propre vécu, il me semblait échapper aux incertirudes déchirantes de la mémoire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 261) / “al convertirme, gracias a los operadores de los servicios cinematográficos de los ejércitos aliados, en espectador de mi propia vida, en mirón de mi propia vivencia, me parecía que me libraba de las incertidumbres desgarradoras de la memoria” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 217). No entanto, continua Semprún: Comme si, paradoxalement à première vue, la dimensión d’irréel, le contenu de fiction inhérents à toute image cinématographique, même la plus documentaire, lestaient d’un poids de réalité incontestable mes souvenirs les plus intimes. D’un côté, certes, je m’en voyais dépossédé; de l’autre, je voyais confirmée leur réalité: je n’avais pas rêvé Buchenwald. § Ma vie, donc, n’était pas qu’un rêve. § Cependant, si les images des actualités confirmaient la vérité de l’expérience vécue- qui m’était parfois difficile à saisir et à fixer dans mes souvenirs – elles accentuaient en même temps, jusqu’à l’exaspération, la difficulté éprouvée à la transmettre, à la rendre sinon transparente du moins communicable. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 261) Como si paradójicamente a primera vista, la dimensión de irrealidad, el contenido de ficción inherentes a toda imagen cinematográfica, incluso la más documental, lastraran con un peso de realidad incontestable mis recuerdos más íntimos. Por un lado, indudablemente, me veía desposeído de ellos; por el otro, veía confirmada su realidad: no había soñado Buchenwald. § Mi vida, por lo tanto, no era sólo un sueño. § No obstante, a pesar de que confirmaban la verdad de la experiencia vivida, las imágenes del noticiero de actualidad – que tenía dificultades a veces para captar y para fijar en mis recuerdos – acentuaban al mismo tiempo, hasta la exasperación, la dificultad experimentada para transmitirla, para volverla si no transparente, cuando menos comunicable. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad.Thomas Kauf. 1995: 217). As imagens do horror projetadas nas dimensões da tela cinematográfica provocam um estranhamento bastante contrastante ao contrapor-se com as imagens mentais das lembranças do Semprún-narrador. As imagens da sua memória são dialéticas, dilaceradas, e, podemos dizer, portanto, mais profundas. As imagens da reportagem que durou apenas três ou quatro minutos, foram insuficientes para mostrar todo o mal que elas continham, mas “cela avait suffi pour me plonger dans un tourbillon de pensées et d’émotions” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 262) / “suficientes para sumirme en un torbellino de pensamientos y emociones” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 218), que apagaram por completo o filme ao qual iria assistir: “J’en avais été troublé au point de n’avoir pu prêter au film qui leur succéda qu’une attention sporadique, | 124 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves entrecoupée de rêveries angoissées” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 262) / “me habían perturbado hasta el punto de no poder prestar a la película que se proyectó a continuación más que una atención esporádica, interrumpida por angustiadas ensoñaciones” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 218). De acordo com Moacir Lopes (2007), o cinema tem em sua estrutura a possibilidade “de jogar simultaneamente com o espaço e o tempo, de mostrar ao espectador os fatos ocorrendo naquele mesmo instante em que o espectador está na sua poltrona” (LOPES, 2007: 326). Semprún-narrador, ao sentir-se simultaneamente espectador de duas memórias (a sua e a projetada na tela), estranha as familiares imagens de Buchenwald. A repetição do sentimento de estranheza / estranhamento é constante ao longo de toda a obra sempruniana. Em O Estranho, de 1919, Freud antecipa, segundo Miriam Chnaiderman (1997), o conceito pulsão de morte quando o psicanalista discute o eterno e constante retorno do recalcado e a compulsão neurótica pela repetição do sentimento de “estranhamento”: “é interessante observar que o texto que prenuncia a última elaboração freudiana da teoria das pulsões tenha como horizonte o sentimento estético, unindo à questão do belo a indagação sobre a morte” (CHNAIDERMAN, 1997: 219). Mais adiante, Chnaiderman (1997) afirma que: “o movimento criativo passa a ter como origem a colisão entre Eros e Tanatos, implicando em um eterno retorno de algo que pode cegar algo que, devendo ter permanecido secreto, veio à luz” (CHNAIDERMAN, 1997: 229). Dessa forma, na estética se incluem, de forma indissolúvel, o prazer estético (fonte de vida) e a morte: “A luta entre Eros e Tanatos, eis o que move a criação” (CHNAIDERMAN, 1997: 229). Maria Inês França (1997), por sua vez, destaca que em Freud, “a dimensão estética é fundamentalmente Unheimlich, na medida em que ela se constitui de uma conexão primeva, de uma aliança entre Eros e Thanatos” (FRANÇA, 1997: 145) e a arte surge como instância privilegiada de encenação desse paradoxo, já que no cerne da fruição estética se instaura também recalcado (baseado no inquietante conflito entre o familiar e o estranho). O prazer, portanto, não está desvinculado do desprazer, coexistem na estética, segundo França (1997), duas atitudes psíquicas divergentes e complementares: “uma que afirma o real da Morte, desvelando o Horror, e outra que nega o real, o oculta, e coloca em seu lugar o produto do desejo: o Belo” (FRANÇA, 1997: 140). | 125 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Nas Conferências introdutórias sobre a psicanálise (escritas em 1915-1916), Freud passa a investigar a dimensão estética sob um prisma psicanalítico e a dimensão psicanalítica sob um olhar estético, afirmando o entrecruzamento das propriedades de ambos os lados. Segundo Freud em O Estranho, na visão de um psicanalista por “estética se entende não simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das qualidades do sentir” (FREUD, 2006: 237). Nessa perspectiva, o choque vivenciado deixa de ser inacessível / intocável para Semprún. Em lugar de provocar uma infrutífera e dolorosa compulsão à repetição, que é a tentativa do psiquismo em controlar / domar retroativamente o trauma. Semprún passa a estabelecer na escrita a possibilidade de reflexão, de compartilhamento do sentir, de narrativa. Ao serem simbolizados (apresentados), os seus traumas têm acesso às várias possibilidades estéticas e afetivas de apresentações. Isso enriquece e complexifica seu texto, pois vemos que as imagens de Buchenwald deixam de habitar apenas as situações extremas, por mais terríveis e impensáveis que possam ser – como é o caso dos campos nazistas – e passam a ser reconhecidas em sua forma mais estrutural – como a história, o desejo de narrar / testemunhar o ocorrido. A arte tem a capacidade de gerar afetos e pulsões que devem ser, nessa concepção, apreciadas, sentidas e analisadas. De acordo com Sigmund Freud (2006), “um afeto inclui, em primeiro lugar, determinadas inervações ou descargas motoras e, em segundo lugar, certos sentimentos; estes são de dois tipos: percepções das ações motoras que ocorreram e sensações diretas de prazer e desprazer” (FREUD, 2006: 244). Parece-nos ser, assim, imprescindível recorrer a mais esse paradoxo para nos aproximarmos de uma arte que sofre a crítica “castradora” de não poder ser fruição e comunicação estética: Les images, en effet, tout en montrant l’horreur nue, la déchéance physique, le travail de la mort, étaient muettes. Pas seulement parce que tournées, selon les moyens de l’époque, sans prise de son directe. Muettes surtout parce qu’elles ne disaient rien de précis sur la réalité montrée, parce qu’elles n’en laissaient entendre que des bribes, des messages confus. Il aurait fallu travailler le film au corps, dans sa matière filmique même, en arrêter parfois le défilement: fixer l’image pour en agrandir certains détails; reprendre la projection au ralenti, dans certains cas, en accélérer le rythme, à d’autres moments. Il aurait surtout fallu commenter les images, pour les déchiffrer, les inscrire non seulement dans un contexte historique mais dans une continuité de sentiments et d’émotions. Et ce commentaire, pour s’approcher le plus près possible de la vérité vécue, aurait dû être prononcé par les survivants eux-mêmes: les revenants de cette longue absence, les Lazares de cette longue mort. § Il aurait fallu, en somme, traiter la réalité documentaire comme une matière de fiction. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 261-262) Las imágenes, en efecto, aun cuando mostraban el horror desnudo, la decadencia física, la labor de la muerte, eran mudas. No sólo porque habían | 126 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sido rodadas, según los medios de la época, sin toma de sonido directa. Mudas sobre todo porque no expresaban nada preciso sobre la realidad mostrada, porque sólo daban a entender retazos mínimos de ella, mensajes confusos. Se tendría que haber trabajado la película a fondo, en su propia materia fílmica a fondo, que detener a veces su desarrollo: que fijar la imagen para agrandar unos detalles determinados; que reanudar la proyección en cámara lenta, en unos casos, que acelerar el ritmo, en otros momentos. Sobre todo se habría tenido que comentar las imágenes, para descifrarlas, inscribirlas no sólo en un contexto histórico, sino en una continuidad de sentimientos y emociones. Y este comentario, para acercarse lo más posible a la verdad vivida, tendría que haber sido pronunciado por los propios supervivientes: los aparecidos de esta larga ausencia, los Lázaros de esta larga muerte. § En resumen, se tendría que haber tratado la realidad documental como una materia de ficción. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad.Thomas Kauf. 1995:217-218) Na concepção de Henri Bergson (1999), a imagem é um produto da nossa consciência, produzida, por sua vez, por meio de nossa interação (real ou imaginada) com as coisas: “por ‘imagem’ entendemos certa existência que é mais do que aquilo que o idealista chama uma representação, porém menos do que aquilo que o realista chama uma coisa - uma existência situada a meio caminho entre a ‘coisa’ e a ‘representação’” (BERGSON, 1999: 2). Bergon esclarece então o que ele chama de coisa, materialidade das coisas ou matéria como algo cuja percepção passa sempre pelo corpo: “chamo de matéria o conjunto das imagens, e de percepção da matéria essas mesmas imagens relacionadas à ação possível de certa imagem determinada, meu corpo” (BERGSON, 1999: 17). Deleuze (1999) depreende que na concepção bergsoniana das imagens, “a verdadeira unidade da experiência é a imagem movimento” (DELEUZE, 1999: 4), isto é, “não há dualidade entre a imagem e o movimento, como se a imagem estivesse na consciência e no movimento nas coisas. O que há? Somente imagens-movimento. É em si mesma que a imagem é movimento e em si mesmo que o movimento é imagem” (DELEUZE, 1999: 4). Isso nos permite pensar que as instâncias (imagens-coisas) estão profundamente imbricadas, isto é, existe a possibilidade de perceber e pensar as coisas fora da divisão dicotômica sujeito / objeto. Também, para Bergson, a imagem mental é sempre produto de uma lembrança da coisa, isto é, se configura sempre como imagem- lembrança: “de virtual ela (lembrança) passa ao estado atual; e, à medida que seus contornos se desenham e sua superfície se colore, ela tende a imitar a percepção” (BERGSON, 1999: 156). O momento decisivo da imagem, para Bergson (1999), ocorre na sua atualização ou evocação enquanto lembrança: Trata-se de recuperar uma lembrança, de evocar um período de nossa história? Temos consciência de um ato sui generis pelo qual deixamos o presente para nos recolocar primeiramente no passado em geral, e depois numa certa região | 127 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves do passado: trabalho de tentativa, semelhante à busca do foco de uma máquina fotográfica. (BERGSON, 1999: 156). Esse é um pensamento bem próximo ao desenvolvido pela fenomenologia, pois, como explica Deleuze (1999): “a imagem é o que aparece. (...) A filosofia sempre tem dito ‘o que aparece é o fenômeno’. O fenômeno, a imagem é o que aparece. Bergson nos diz então, que o que aparece está em movimento” (DELEUZE, 1999: 5). Essa passagem nos remete a concepção de Paul Ricœur (2007), já que para o filósofo a memória, em uma análise fenomenológica, está mais ligada à narrativa. Já a lembrança, por sua vez, está relacionada mais à imagem. Ricœur aproxima então imagem com lembrança e memória com imaginação, sendo que esse último par tem “como traço comum a presença do ausente, e como traço diferencial, de um lado, a suspensão de toda posição de realidade e a visão de um irreal, do outro a posição de um real anterior” (RICŒUR, 2007: 61). O tempo torna-se uma realidade palpável pelo ser humano precisamente quando é “organizado à maneira de uma narrativa” (RICŒUR, 1983: 61). A narrativa possibilita, então, “retratar os aspectos da experiência temporal” (RICŒUR, 1983: 61), ou seja, narrativa e tempo agem de modo recíproco no reforço de ambas as instâncias (narratividade e temporalidade) para criar imagens (isto é, imaginá-las e colocá-las em textualidade). Dessa maneira, o espaço literário em Semprún é marcadamente elaborado como um palimpsesto de memórias que vão se deslocando, se suplantado e se apagando ao longo de sua obra: cada livro seu parece ser, mais do que a continuação, a reescrita dos outros precedentes. Seus narradores recompõem em mosaicos as imagens / lembranças de outrora em novas formulações / reflexões, inserindo-as em novos espaços ficcionais. A memória sempruniana é “palimpséstica” e se constrói por rastros e pegadas que vão configurando sua obra como um vestiginoso labirinto. Veremos, mais adiante, como as técnicas de escrita em palimpsesto incidem na narrativa de Semprún para montar seu mosaico identitário e memorialístico. Indagaremos, ainda, respaldados na teorização sobre dialogismo e polifonia de Mikhail Bakhtin (1998): Até que ponto a palavra pura, sem objeto, unívoca, é possível na literatura? Uma palavra na qual o autor não ouvisse a voz do outro, na qual houvesse somente ele, e ele por inteiro – tal palavra pode tornar-se material de construção de uma obra literária? A qualidade de objeto, em certo grau, não é a condição necessária de todo estilo? O autor não se mantém sempre fora da língua que lhe serve de material para a obra? O escritor (mesmo no lirismo puro) não é sempre um “dramaturgo”, no sentido de que redistribui todas as palavras entre as vozes dos outros, incluindo-se nelas a imagem do autor (assim como as outras máscaras do autor)? (BAKHTIN, 1998: 337) | 128 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2.3. Mosaicos e palimpsestos: linguísticos / literários / identitários (“Le jour de la mort de Primo Levi” / “El día de la muerte de Primo Levi”) Pero no he escrito esta historia por orden cronológico, tal vez porque no soy Dios, tal vez porque me aburren los modelos bíblicos y la falaz reconstrucción de una vida desde el principio hasta el fin, tal vez porque la vida no tiene ni principio ni fin, aunque tenga principios y fines. (SEMPRÚN. Autobiografía de Federico Sánchez. 1977: 183) As línguas são a própria expressão das identidades de quem delas se apropria. Logo, quem transita entre diversos idiomas está redefinindo sua própria identidade. Dito de outra forma, quem aprende uma língua nova está se redefinindo como uma nova pessoa. (RAJAGOPALAN, 2003: 69) No capítulo de abertura da terceira e última parte de L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, intitulado “Le jour de la mort de Primo Levi” / “El día de la muerte de Primo Levi”, Semprún relata o reencontro com sua identidade de sobrevivente, negada ou escamoteada dos outros e de si mesmo bem como sua decisão em transformar-se, definitivamente, no narrador de suas vivências no campo de Buchenwald. O marco para essa decisão de assumir-se é o dia da morte de Primo Levi, principal disparador do gatilho de sua necessidade de escrever. Outros fatores propulsores da escrita, igualmente importantes, é a sua expulsão do PCE (tratada mais especificamente no penúltimo capítulo “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...”), e o seu retorno a Buchenwald para conceder uma entrevista sobre sua experiência do campo, narrado no último capítulo “Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”. Vê-se que, em Semprún, a memória “autobiográfica”, por assim dizer, está totalmente inserida em sua obra, sendo a linguagem o lugar de memória em que o escritor exilado e traumatizado tenta se reconciliar com sua própria vida: “su obra es un asedio a la supervivencia de la identidad cuando la identidad se ha perdido subsumida en el esfuerzo animal de sobrevivir a la catástrofe” (GRACIA, 2010: 88). Visualizamos em Semprún, no momento em que é libertado de Buchenwald, certa vontade de atuar como o homem da pós-modernidade tal como é descrito pelo sociólogo Zygmunt Bauman em O mal-estar da pós- modernidade (1998), isto é, no sentido dele ser alguém envolto em uma identidade de palimpsesto e que precisa sempre de novos começos e recomeços identitários para ajustar-se ao meio, enfim, inserir-se no mundo, ainda que seja clandestinamente: | 129 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves À Ascona, sous le soleil de l’hiver tessinois, à la fin de ces mois du retour dont j’ai ici un récit plutôt elliptique, j'avais pris la décision d'abandonner le livre que j'essayais en vain d'écrire. En vain, ne veut pas dire que je ne parvenais pas: ça veut dire que je n'y parvenais qu'à un prix exagéré. Au prix de ma propre survie, en quelque sorte, l'écriture me ramenant sans cesse dans l'aridité d'une expérience mortifère. § J'avais présumé de mes forces. J'avais pensé que je pourrais revenir dans la vie, oublier dans le quotidien de la vie les années de Buchenwald, n'en plus tenir compte dans mes conversations, mes amitiés, et mener à bien, cependant, le projet d'écriture qui me tenait à cœur. J'avais été assez orgueilleux pour penser que je ne pourrais gérer cette schizophrénie concertée. Mais il s'avérait qu'écrire, d'une certaine façon, c'était refuser de vivre. § À Ascona, donc, sous le soleil de l’hiver, j’ai décidé de choisir le silence bruissant de la vie contre le langage meurtrier de l’écriture. J’en ai fait le choix radical, c’était la seule façon de procéder. J’ai choisi l’oubli, j’ai mis en place, sans trop de complaisance pour ma propre identité, fondée essentiellement sur l’horreur – et sans doute le courage – de l’expérience du camp, tous les stratagèmes, la stratégie de l’amnésie volontaire, cruellement systématique. § Je suis devenu un autre, pour pouvoir rester moi-même. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 292) En Ascona, bajo el sol del invierno tesinés, al final de aquellos meses del regreso de los cuales he esbozado aquí un relato más bien elíptico, había tomado la decisión de abandonar el libro que en vano estaba tratando de escribir. «En vano» no significa que no lo consiguiera: quiere decir que sólo lo conseguía a costa de un precio exagerado. A costa de mi propia supervivencia, en cierto modo, pues la escritura incesantemente me remitía a la aridez de una experiencia mortífera. § Había sobrevalorado mis fuerzas. Había pensado que iba a poder volver a la vida, olvidar en el vivir cotidiano los años de Buchenwald, dejar de tenerlos en cuenta en mis conversaciones, mis amistades, y llevar a buen fin, pese a todo, el proyecto de escritura que tanto me interesaba. Había sido suficientemente orgulloso como para pensar que iba a poder manejar esta esquizofrenia concertada. Pero resultaba que escribir, en cierto modo, consistía en negarse a vivir. § En Ascona, pues, bajo un sol de invierno, decidí optar por el silencio rumoroso de la vida en contra del lenguaje asesino de la escritura. Lo convertí en la elección radical, no cabía otra forma de proceder. Escogí el olvido, dispuse, sin demasiada complacencia para con mi propia identidad, fundamentada esencialmente en el horror —y sin duda, el valor— de la experiencia del campo, todas las estratagemas, la estrategia de la amnesia voluntaria, cruelmente sistemática. § Me convertí en otro para poder seguir siendo yo mismo. (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 243-244) Semprún se diferencia, no entanto, do homem pós-moderno no sentido de que a sua atuação artística e seu engajamento político-ideológico remontam as ideias da utopia moderna do comunismo, não estando afeito à apatia e à falta de ação gerada pela insegurança pós-moderna, tal como descreve Bauman33 na obra Em busca da política 33“O mais sinistro e doloroso dos problemas contemporâneos pode ser melhor entendido sob a rubrica Unsicherheit, termo alemão que funde experiências para as quais outras línguas podem exigir mais palavras – incerteza, insegurança e falta de garantia. O curioso é que a própria natureza desses problemas é poderoso impedimento aos remédios coletivos: pessoas que se sentem inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade não podem assumir os riscos que a ação coletiva exige. Falta- lhes a coragem de ousar e tempo para imaginar formas alternativas de convívio; e estão preocupadas com | 130 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (2000). Para aproximar-nos do eu identitário de Semprún é-nos potencialmente mais produtivo pensar em termos de multiplicidade do que em uma identidade compacta: as identidades semprunianas são forjadas e constantemente reelaboradas / reconstruídas no exílio, no encarceramento e na clandestinidade. Isto é, a questão identidade em Semprún é sempre plural, em um devir constante, com reacomodações, ajustes, nomes, documentos e passados diversos. Sobre esse aspecto identitário múltiplo sempruniano, poder-se-ia argumentar que isso não se aplica só a Semprún, já que todas “as identidades são historicamente construídas, de acordo com aquilo que demandam o tempo e o espaço nos quais encontram realização” (HALL, 2004: 13). Porém, vê-se que em Semprún os deslocamentos identitários passam por um processo de escolhas políticas e ideológicas conscientes que se somam ao “caráter transitório das identificações dos sujeitos” (HALL, 2004: 13) e agrega um matiz ainda mais ambíguo ao escritor: o ato de valer-se da “falsidade ideológica” como meio de ser ele mesmo. Os deslocamentos identitários / literários na obra sempruniana se dão de forma convergente e a uma só vez a uma natureza temporal, espacial, discursiva e social. Isso nos remete a Alfredo Bosi (1992), segundo o qual: O testemunho vive e elabora-se em zona de fronteira. As suas tarefas são delicadas: ora fazer a mimese de coisas e atos apresentando-os “tais como realmente aconteceram”, e construindo, para tanto, um ponto de vista confiável ao suposto leitor médio; ora exprimir determinados estados de alma ou juízos de valor que se associam, na mente do autor, às situações evocadas. (BOSI, 1992: 222) Tendo em conta as devidas diferenças, em Jorge Semprún, a fuga identitária de apresentar-se, no início de sua liberação, como sobrevivente de um campo nazista; a ocultação identitária por meio da militância comunista na clandestinidade; bem como a efetiva rejeição de qualquer confinamento territorial e/ou linguístico (não é somente cidadão espanhol, nem somente cidadão francês: pertence e não pertence em igual medida a ambas as nacionalidades) e a procrastinação da tarefa de escrever (devido à uma latente necessidade de reconstruir sua vida, depois de testemunhar tanta morte); enfim, tudo isso faz de seu “eu” identitário um verdadeiro e complexo palimpsesto, no sentido de que é a identidade em palimpsesto aquela “que se ajusta ao mundo em que a arte de esquecer é um bem não menos, se não mais, importante do que a de memorizar, em que esquecer, tarefas em que não podem sequer pensar, quanto mais dedicar sua energia, e que só podem ser empreendidas em comum” (BAUMAN, 2000: 13). | 131 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves mais do que aprender, é a condição de contínua adaptação” (BAUMAN, 1998: 36). Semprún seria, portanto, um homem pós-moderno no sentido de que sobreviveu e ressurgiu das cinzas das catástrofes da modernidade; usando as palavras de Bauman (1998) sua condição é, portanto, de contínua adaptação: Em que sempre novas coisas e pessoas entram e saem sem muita ou qualquer finalidade do campo de visão da inalterada câmara de atenção, e em que a própria memória é como uma fita de vídeo, sempre pronta a ser apagada a fim de receber novas imagens, e alardeando uma garantia para toda vida exclusivamente graças a essa admirável perícia de uma incessante auto- obliteração. (BAUMAN, 1998: 36-37) No capítulo “Le jour de la mort de Primo Levi” / “El día de la muerte de Primo Levi” vemos assim o fim dessa contínua “auto-obliteração” a qual tentava se entregar Semprún e “o reaparecimento do eu testemunha reprimido como um diálogo impositivo deste fantasma com a escrita” (MARÇAL, 2008: 166). O narrador conta, então, que em 11 de abril de 1987, aniversário da liberação de Buchenwald, encontra-se novamente consigo mesmo ao “retrouver une part essentielle de moi, de ma mémoire, que j’avais été, que j’étais toujours obligé de refouler, de tenir em lisière, pour pouvoir continuer à vivre. Pour tout simplement pouvoir respirer” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 296) / “recuperar una parte esencial de mí, de mi memoria, que había estado, que seguía estando obligado a reprimir, a mantener en vereda, para poder continuar viviendo. Para sencillamente poder respirar” (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 247) e se permite escrever efetivamente em primeira pessoa. Para o narrador protagonista, a notícia do suicídio de Primo Levi aponta tanto para o risco de não sobreviver para contar como também ao risco de não conseguir seguir vivendo após ter contado. O narrador lembra-se, então do personagem Juan Larrea do seu romance La montagne blanche / La montaña blanca que se suicida nas águas do rio Sena porque havia se lembrado do cheiro dos fornos crematórios, “isto é, não conseguiu conter-se, no duplo sentido de carregar e reprimir as lembranças do campo” (MARÇAL, 2008: 178). Ao ler o livro Se questo è un uomo de Primo Levi, uma conhecida de Jorge Semprún sugere a possibilidade de que se conheçam, ao que Semprún se nega, já que “je n'éprouvais pas le besoin de rencontrer Primo Levi. Je veux dire: de le rencontrer ‘dehors’, dans la réalité extérieure de ce rêve qu'était la vie, depuis notre retour” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 318) / “no experimentaba la necesidad de conocer a Primo Levi. Quiero decir: de conocerlo fuera, en la realidad exterior de ese | 132 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sueño que, desde nuestro regreso, era la vida” (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 265). O narrador afirma ter a sensação de uma impossibilidade de diálogo entre sobreviventes, pois sente “compartilhar plenamente o sentido da experiência com Primo Levi. A identificação total recusa o diálogo” (MARÇAL, 2008: 180). Semprún esclarece nos seguintes termos sua opção de não aventurar-se a conhecer pessoalmente Levi: Il me semblait qu'entre nous tout était déjà dit. Ou impossible à dire, désormais. Je ne trouvais pas nécessaire, peut-être pas convenable, que nous eussions une conversation de rescapés, un dialogue de survivants. D'ailleurs, avions-nous vraiment survécu? (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 318) Me parecía que entre nosotros todo estaba ya dicho. O que, desde entonces, era imposible de decir. No me parecía necesario, tal vez ni siquiera conveniente, que tuviéramos una conversación, un diálogo de supervivientes. Además, ¿habíamos sobrevivido realmente? (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 265) A morte de Primo Levi faz com que “le fantôme du jeune déporté que j’avais été surgissait dans un romano ù il n’était pas prevu” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 318) / “el fantasma del joven deportado que yo había sido surgía en una novela donde no estaba previsto” (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 265). Assim, no momento em que o escritor sobrevivente de Auschwitz opta por morrer, o narrador Jorge Semprún, em contrapartida, não consegue mais obliterar sua necessidade de narrar suas memórias traumáticas, isto é, não consegue mais deixar de testemunhar: “Primo Levi atira-se para dentro da escadaria e para fora da vida, enquanto o fantasma da testemunha do personagem-narrador surge de fora da vida, de dentro da morte de Buchenwald, e atira-se para dentro da vida através da escrita” (MARÇAL, 2008: 181). Ao saber pela rádio que noticiava a morte de Levi qual era a idade do escritor italiano, Semprún se surpreende ao saber que era cinco anos mais novo que Levi e começa a pensar em quanto tempo ainda viveria, como se sua vida estivesse intimamente ligada à de Primo Levi: “avec un tremblement de toute mom âme, je me suis dit qu’il me restait encore cinq ans à vivre. (...) Je savais que c’était absurde, bien sûr. Je savais que cette certitude qui me foudroyait était déraisonnable” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 319) / “con un estremecimiento que me sacudió toda el alma, me dije que me quedaban todavía cinco años de vida. (…) Sabía que era absurdo, por supuesto. Sabía que esta certeza que me fulminaba era insensata” (SEMPRÚN, La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 266), já que “il n'y avait aucune fatalité qi m'obligeât à mourir au | 133 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves même âge que Primo Levi. Je pouvais tout aussi bien mourir plus jeune que lui. Ou plus vieux. Ou à n'importe quel momento” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 319) / “no había ninguna fatalidad que me obligara a morir a la misma edad que Primo Levi. De igual modo, también podía morir más joven que él. O más viejo. O en cualquier momento” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 266). Mesmo sabendo ser absurda essa sensação de que morreria da mesma forma, Semprún sente uma ligação muito forte em relação ao suicídio de Levi: “Mais j'ai aussitôt déchiffré le sens de cette prémonition insensée, la signification de cette absurde certitude” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 319) / “en el acto descifré el sentido de esta premonición sin sentido, el significado de esta absurda certidumbre. Comprendí que la muerte volvía a estar en mi porvenir, en el horizonte del futuro” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 266). A partir de então, o narrador começa a refletir sobre “as diferenças e semelhanças do processo de sobrevivência e de escrita como estratégia de sobrevivência” (MARÇAL, 2008: 181) entre ele mesmo e o também sobrevivente Primo Levi, pois “ao contrário de Semprún, Levi começa a escrever logo após a libertação e a escrita converte-se para ele em um estímulo de vida. Sua obra, no entanto, não tem recepção imediata. As editoras não a aceitam” (MARÇAL, 2008: 181), sendo necessários vários anos para que seu livro, Se questo è un uomo, “obtint soudain une audience” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 322) / “obtuviera de repente una audiencia” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 268): Mom expérience avait été diferente. § Si l’écriture arrachait Primo Levi au passé, si elle apaisait sa mémoire (« Paradoxalement, a-t-il écrit, mon bagage de souvenirs atroces devenait une richesse, une semence: il me semblait, en écrivant, croître comme une plante »), elle me replongeait moi-même dans la mort, m’y submergeait. J’étouffais dans l’air irrespirable de mes brouillons, chaque ligne écrite m’enfonçait la tête sous l’eau, comme si j’étais à nouveau dans la baignoire de la villa de la Gestapo, à Auxerre. Je me débattais pour survivre. J’échouais dans ma tentative de dire la mort pour la réduire au silence: si j’avais poursuivi, c’est la mort, vraisemblablement, qui m’aurait rendu muet. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 322) Mi experiencia había sido diferente. § Así como la escritura liberaba a Primo Levi del pasado, apaciguaba su memoria («Paradójicamente», escribió, «bagaje de recuerdos atroces se convertía en una riqueza, una simiente: me parecía, escribiendo, que crecía como una planta», a mi me hundía otra vez en la muerte, me sumergía en ella. Me ahogaba en el aire irrespirable de mis borradores, cada línea escrita me sumergía la cabeza debajo del agua, como si estuviera de nuevo en la bañera de la Gestapo en Auxerre. Me debatía para sobrevivir. Fracasé en mi intento de expresar la muerte para reducirla al silencio- sí hubiera proseguido, la muerte, probablemente, me habría hecho enmudecer. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 268) | 134 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves A partir de suas reflexões sobre a vida e a obra de Levi, escritor muito lembrado por dividir os sobreviventes dos campos de concentração em duas categorias, aqueles que querem falar e aqueles que querem calar, o narrador começa a refletir sobre suas próprias vivências e livros publicados. Semprún34 percebe com o suicídio de Levi, de forma ainda mais nítida, o peso que as lembranças do campo de concentração têm na vida dos sobreviventes que, como ele mesmo, precisam lidar com a falta de escuta e acolhimento social. Semprún indaga sobre os motivos do suicidio de Primo Levi: “Pourquoi, quarante ans après, ses souvenirs avaient-ils cessé d’être une richesse? Pourquoi avait-il perdu la paix que l’écriture semblait lui avoir rendue?” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 323) / “¿Por qué, cuarenta años después, sus recuerdos habían dejado de ser una riqueza? ¿Por qué había perdido la paz que la escritura parecía haberle devuelto?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 269), já que foi justamente sua necessidade de falar que o levou a escrever obras fundamentais sobre a catástrofe nazista? Semprún, perplexo, continua indagando: “Qu’était-il advenu dans sa mémoire, quel cataclysme ce samedi-là? Pourquoi lui était-il soudain devenu impossible d’assumer l’atrocité de ses souvenirs?” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 323) / “¿Qué había sucedido en su memoria, qué cataclismo, en aquel sábado? ¿Por qué le había resultado de repente imposible asumir la atrocidad de sus recuerdos?” (SEMPRÚN.. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 269). Essas perguntas ficaram sem respostas, apontando para a existência de uma dimensão do silêncio que vai além do silenciamento político: é a constatação de que o silêncio é a matéria fundante do discurso, ou seja, o silêncio é “o real da significação” (ORLANDI 2007: 29), afirmação que também pode ganhar os seguintes termos: “o silêncio é o real do discurso” (ORLANDI, 2007: 29). Nos relatos de diversos sobreviventes de catástrofes, tais como Primo Levi e Jorge Semprún, vemos que o real é intraduzível pela linguagem, já que é o vazio, o mais aquém ou o mais além do dizer: “«Nulla era vero aü'infuori del Lager. II resto era breve vacanza o inganno dei sensi, sogno...» § Rien n’était vrai en dehors du camp, tout simplement. Le reste n’aura été que brèves vacances, illusion des sens, songe incertain: voilà” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 34 “Une ultime fois, sans recours ni remède, l’angoisse s’était imposée, tout simplement. Sans esquive ni espoir possibles. L’angoisse dont il décrivait les symptômes dans les dernières lignes de La trêve” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 323) / “Por última vez, sin recurso ni remedio, la angustia se había impuesto, sencillamente. Sin regate ni esperanza posibles. La angustia cuyos síntomas describía en las últimas líneas de La tregua” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 269). | 135 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 1994: 323) / “«Nulla era vero aü'infuori del Lager. II resto era breve vacanza o inganno dei sensi, sogno...» § Nada era verdad fuera del campo, sencillamente. Lo demás tan sólo habrá sido breve vacación, ilusión de los sentidos, sueño incierto: eso es” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 269). Segundo Ana Maria Rudge (2009), “o impacto do real é um encontro com algo que não tem correspondência no simbólico, que surge fora das coordenadas de qualquer antecipação” (RUDGE, 2009: 66) e se apresenta tanto na esfera individual “quanto nos grandes traumas coletivos” (RUDGE, 2009: 66). Além disso, de acordo com Kudge (2009), durante a Primeira Guerra Mundial, Freud “para explicar o porquê de tantos combatentes terem adoecido, levanta a hipótese de que os sintomas da neurose traumática resultam da cisão do ‘eu’” (RUDGE, 2009: 66), essa cisão aparece na guerra como “um conflito entre o ‘antigo eu pacífico’ (...), em sua vida cotidiana, e o novo eu guerreiro, exigido pela situação de combate” (RUDGE, 2009: 41). Questionamos: o que acontece, porém, quando mais que uma cisão traumática, o eu sofre um estilhaçamento múltiplo (tal como ocorreu na Segunda Guerra Mundial)? Para Cathy Caruth (1999): “é porque a mente não pode confrontar a possibilidade de sua própria morte diretamente, que a sobrevivência se torna para o ser humano, paradoxalmente, um eterno testemunho da impossibilidade de existência” (CARUTH, 1999 apud RUDGE; CASTRO, 2012: 87). Na análise de Ana Maria Rudge e Silvia Castro (2012), “o que retorna nos flashbacks não é a incompreensão de ter estado tão perto da morte, mas a de ter sobrevivido a ela” (RUDGE; CASTRO, 2012: 87). É nesse sentido que Jorge Semprún caminha sua reflexão ao questionar-se sobre o que houve consigo mesmo em relação ao seu adiamento em testemunhar sua identidade como sobrevivente de Buchenwald face à sua necessidade e extrema urgência. Semprún demonstra que sentia uma necessidade de “serenar la memoria”;35 isto é, “al poco de ser liberado del campo de concentración nazi de Buchenwald trató de escribir sus vivencias y entendió que eso podría ser contraproducente para su salud mental” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.), já que “necesitaba poder contar la memoria sin angustias” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). A escrita, ainda que a princípio não fosse propriamente para publicação (ou, para publicação imediata), “era una nueva forma de liberación. Del olvido a la memoria” (SEMPRÚN em entrevista a 35SEMPRÚN entrevistado por RIAÑO, P. “Semprún: ‘La amnesia de la transición no puede ser eterna’”. Em: Público.es, 23/11/2010, disponível em: . Acesso 16/10/13. | 136 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves RIAÑO, 2010: s.p.). É importante, inclusive, recordar que suas obras foram, durante muito tempo, guardadas pelo próprio Semprún (para não causar conflitos com o partido comunista) e, além disso, após serem publicadas, foram censuradas / interditadas na Espanha e tiveram sua circulação restringida mundialmente devido aos mecanismos de controle da cultura dos diversos governos no poder no imediato Pós-Guerra; segundo Eni Orlandi (2007): (...) a censura pode ser compreendida como a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas. Consequentemente, a identidade do sujeito é imediatamente afetada enquanto sujeito-do-discurso, pois, sabe-se, a identidade resulta de processos de identificação segundo os quais o sujeito deve-se inscrever em uma (e não em outra) formação discursiva para que suas palavras tenham sentido. Ao mudar de formação discursiva, as palavras mudam de sentido. (ORLANDI, 2007: 76) O espaço da escrita (lugar de memória) se mostra em Semprún não apenas como a narrativa de um sujeito, em singular, mas de “eu” bilíngue, talvez afetivamente cansado de sua língua materna (o espanhol) devido à violenta ruptura que sofreu sua trajetória de vida (a orfandade e os exílios vivenciados na transição da infância para a adolescência), parece precisar refugiar-se intelectualmente na pátria-língua que o acolheu em exílio (a França), em um labor de preencher com palavras o horror do vazio, provocado pela presença concreta da morte em suas múltiplas facetas, como observamos em vários momentos dos relatos semprunianos. Segundo Juan Goytisolo (1998) em relação a obra sempruniana: “la libre circulación de un apátrida de fuste le convierte paradójicamente en un hijo de la tradición ilustrada europea” (GOYTISOLO, 1998: 7). O que significa essa circulação, esses deslocamentos semprunianos? No título desta introdução, colocamos o nome de Jorge Semprún ao lado da expressão “em meio aos deslocamentos literários”. O que seriam, propriamente, esses deslocamentos na obra sempruniana? Enfocamos, em nossa análise, o ato de Semprún em deslocar-se literariamente desde diferentes prismas, que relacionamos a três linhas de forças, a saber: (1) memória e vivência, (2) língua e identidade e (3) imagem e escrita; marcando que essas linhas se mesclam constantemente nos limiares da ficção. Um primeiro deslocamento que podemos destacar diz respeito ao fato de que os livros de Semprún empreendem um jogo linguístico de metacitação (ou reedição) daqueles relatos semprunianos (literários ou não) que os procederam. Isso ocorre através de flashbacks, diálogos e reflexões se repetem e se diferenciam neste deslocamento de tempo e espaço escritural. É pertinente então aplicarmos à obra sempruniana a seguinte | 137 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves análise de Antoine Compagnon (2010) referente à noção de intertextualidade e do texto como um tecido de citações (COMPAGNON, 2010: 18). O recurso de citar, segundo Leyla Perrone Moisés (1993), nasce com a literatura: “em todos os tempos, o texto literário surgiu relacionado com outros textos anteriores ou contemporâneos, a literatura sempre nasceu da e na literatura” (PERRONE MOISES, 1993: 59). No caso de Semprún, o recurso intertextual perpassa não só em relação às citações de textos de outros autores como também como um diálogo intertextual com as obras de sua própria autoria: sua obra é metacitativa, metareflexiva, metaintertextual. A definição de intertexto de Julia Kristeva, “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto é absorção e transformação de outro texto. Em lugar da noção de intersubjetividade instala-se a de intertextualidade” (KRISTEVA, 2005: 68), se aplica à obra sempruniana como: todos os livros de Semprún se constroem como um mosaico e um palimpsesto de seus livros anteriores bem como de seu arsenal enquanto profícuo leitor. Também segundo Kristeva, o texto ultrapassa a questão de ser apenas um conjunto de enunciados (gramaticais ou agramaticais), o texto “é aquilo que se deixar ler através da particularidade dessa conjunção de diferentes estratos da significância presente na língua, cuja memória ela desperta: a história” (KRISTEVA, 2005: 20). Sobre o recurso da escrita em palimpsesto, lembramos também a definição de Gerard Genette (2010), que esclarece: Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente: hipertextos) todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através de leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. (GENETTE, 2010: 5) Semprún teceu com seus livros um mosaico infinito e um palimpsesto incessante; uma literatura que não cessa de se estilhaçar e se recompor; de se reescrever / reinscrever e de dialogar consigo mesma. A obra de Semprún relê criticamente não só seu próprio passado autobiográfico (declarado ou ficcionalizado), como também todo o seu arsenal produtivo, contemplando cinema, literatura, ensaios filosóficos, artigos políticos, etc. Neste sentido, por exemplo, ao lermos L’écriture ou la vie e Adieu, vive clarté...somos remetidos textualmente, implícita ou explicitamente, às várias obras que procederam esses livros bem como aquelas que o escritor ainda pretende escrever (tendo-o realizado | 138 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves efetivamente em diversos casos ou apenas esboçado a pretensão de uma possível obra). Seus livros estão saturados de citações, relembranças, imagens, diálogos e signos de todo o seu arsenal imagético-discursivo nas diversas frentes de linguagem (artísticas ou não artísticas) nas quais o autor atuou. Além disso, o autor dialoga em seu texto literário com toda sua bagagem de ávido leitor e espectador de cinema, citando poetas, escritores, diretores, pensadores, livros e filmes que o marcaram por despertar sentimentos de empatia ou de rechaço, de concordância ou discordância. Destacamos, neste contexto, a definição bakhtiniana para o conceito de dialogismo: “em toda parte é o cruzamento, a consonância ou dissonância de réplicas do diálogo aberto com as réplicas do diálogo interior dos heróis” (BAKHTIN, 1998: 235); continua Bakhtin: “em toda parte, um determinado conjunto de ideias, pensamentos e palavras passa por várias vozes imiscíveis, soando em cada um de modo diferente” (BAKHTIN, 1998: 235). Dialogismo, polifonia, interdiscursividade: todos os cruzamentos de vozes apontados por Mikhail Bakhtin (1998) se apresentam como elementos centrais os deslocamentos linguísticos e literários presentes nas obras de Semprún. Um segundo deslocar-se, a nosso ver, toca na questão das fronteiras e dos territórios nacionais no que concerne à cultura como “bem” de um povo ou pátria: Semprún abre mão de uma nacionalidade estanque (ainda que no primeiro momento tenha sido forçado a fazê-lo, isto é, tenha sido expatriado) e se declara um apátrida por definição. A sua resposta ao exílio é, nesse sentido, paradigmática. Semprún estará sempre no “entre lugar” entre Espanha e França, bem como entre todos os lugares em que viveu (incluindo a Alemanha). Ao colocar-se não somente em um espaço de “desterritorialização”, mas em um espaço de “multiterritorialidade” (usando o termo de Haesbaert; 2007), sua literatura questiona um processo identitário que vincula sempre um escritor a uma língua-pátria. Além disso, sua posição incorpora dimensões políticas e históricas, mostrando ser mais importante para o instante que vivencia (e para si mesmo enquanto escritor) a contribuição dos escritores para a literatura mundial (ou europeia, tendo em vista seus deslocamentos físicos propriamente ditos) do que uma literatura que se diz estruturada a partir de um olhar que se mantém localizado em apenas um e singular “estado-nação”. Sua literatura é assim, ao mesmo tempo, estrangeira e engloba todas as pátrias, já que sua pátria é a própria linguagem, que não concebe fronteiras e nem linhas geográficas imaginárias. | 139 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Um terceiro deslocamento nos remete aos entrecruzamentos efetuados por sua obra entre as disciplinas ou campos do pensamento (filosofia, história, literatura, sociologia, política, etc.), as instâncias do “real” e do “fictício” como sendo complementares e não opostas e, por fim, aos próprios gêneros literários, já que sua linguagem aponta para a problemática da autoria, da reinscrição, da oscilação identitária dos narradores e caminha nos terrenos da autobiografia, do diário, da carta, do diálogo, do romance e do testemunho, tematizando certa impossibilidade de enquadramento, que sem se anularem, terminam por imbricar-se e por criar espaços oscilantes entre literário e não literário, memória e história, conto e reconto. Semprún coloca na escrita as imagens dos deslocamentos entre os saberes e as áreas, que se intercomunicam e não são mais aceitas a partir de separações estanques e determinadas, assumindo assim o que seria para Ítalo Calvino, o grande desafio da literatura, a saber: o de estar em diálogo com uma visão multifacetada e multidisciplinar do mundo. Nas palavras de Calvino (1999), na obra Seis propostas para o novo milênio: A literatura só pode viver se se propõe a objetivos desmesurados, até mesmo para além de suas possibilidades de realização. Só se poetas e escritores se lançarem a empresas que ninguém mais ousaria imaginar é que a literatura continuará a ter uma função. No momento em que a ciência desconfia das explicações gerais e das soluções que não sejam setoriais e especialísticas, o grande desafio para a literatura é o de saber tecer em conjunto os diversos saberes e os diversos códigos numa visão pluralística e multifacetada do mundo. (CALVINO, 1999: 127) Para pensar os deslocamentos literários empreendidos por Semprún é fundamental lançarmos mão dos conceitos deslocados entre territórios, da linha tênue das fronteiras. Segundo Abril Trigo no ensaio “Fronteras de la Epistemología. Epistemología de la frontera” (1997 apud VOLPE, 2005: 62), a fronteira enquanto linha que demarca territórios limita; em contrapartida, o termo “frontería” é mais flexível, pois avança e estabelece conexões: “a fronteira define territórios, a frontería desenha paisagens; a fronteira fixa identidades, a frontería abre relações; a fronteira delimita espaços, a frontería articula lugares” (TRIGO, 1997 apud VOLPE, 2005: 62). Em relação às identidades nacionais, “a fronteira afunda raízes, a frontería se esparge em rizoma; a fronteira legisla a razão do Estado, a frontería é indiferente à Nação; a fronteira é marca da História, a frontería habilita memórias fragmentárias” (TRIGO, 1997 apud VOLPE, 2005: 62). | 140 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Visualizamos os livros de Semprún sempre em um limiar de “frontería”, já que em sua obra, a questão do deslocamento como atitude de não deixar-se “limitar” é uma constante: aparece tanto em seu trabalho ficcional quanto em seus textos críticos e ensaísticos; todos estão profundamente imersos nos deslocamentos memorialísticos de fatos que, por definição, estão sempre fora do tempo e espaço nos quais ocorreram. Para o geógrafo Rogério Haesbaert (2007) é preciso pensar o caráter simbólico das experiências de territorialidade e de extraterritorialidade em conjunção com a dimensão material: “isto significa que o território carregaria sempre, de forma indissociável, uma dimensão simbólica, ou cultural em sentido estrito, e uma dimensão material, de natureza predominantemente econômico-política” (HAESBAERT, 2007: 74), da qual nenhum sujeito estaria isento. Percebe-se que em alguns escritores, como é o caso de Jorge Semprún, o deslocamento se converte não somente em “lugar” de passagem, mas, sobretudo, em lugar de moradia, em um lar propriamente dito. Ou seja, sua vida está indissoluvelmente revestida da “sensação” de desterritorialização constante, tanto na dimensão material quanto na dimensão simbólica. E seu re-terretorializar-se não se dá na dimensão material enquanto “estado-nação”, se dá na escrita, sua pátria de origem, que encena a tensão entre (não) pertencer, ao mesmo tempo e em igual medida, ao panorama literário francês e espanhol. Fazendo frente a tudo o que vivenciou (o exílio na época da Guerra Civil Espanhola, a atuação clandestina como comunista, o encarceramento no campo de concentração, etc.), o sujeito Semprún assim como seus diversos narradores se autoidentificam por meio de diferentes nomes: “todo aquello que relatan sus novelas perteneció a la biografia de un hombre que verdaderamente empieza a existir a partir de sus cuarenta años, casi como uno más de los múltiples seudónimos” (GRACIA, 2010: 95) que, por motivos de militância política “hubo de ir inventando para subsistir en la clandestinidad” (GRACIA, 2010: 95). | 141 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2.4. Traumas identitários: o ato de nomear-se como outro(s) (“Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...”) Mi verdadero nombre es Gérard, le dije interrumpiéndole. ¡Mi verdadero nombre es Sánchez, Artigas, Salagnac, Bustamante, Larrea! (SEMPRÚN. Aquel domingo. Trad. Javier Albiñana. 1999: 438). Ils ne savaient pratiquement rien, em vérité. Ils connaissaient le nom que je portais sur ma fausse carte d’identité: c’était nécessaire, puisque j’étais en príncipe leur locataire. Ils savaient que j’étais un dirigeant, bien sûr. Mais ils ne savaient pas mon rôle exact dans l’organisation clandestine, ils ne connaissaient même pas mon pseudonyme, Federico Sanchez. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 307-308) No sabían prácticamente nada, en realidad. Conocían el nombre que figuraba en mi carné de identidad falso: era necesario, ya que en principio yo era su inquilino. Sabían que era un dirigente, por supuesto. Pero desconocían cuál era mi papel exacto en la organización clandestina, ni siquiera conocían mi seudónimo, Federico Sánchez. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 256-257) O capítulo “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...” tem como título uma citação de versos36 do poeta simbolista Arthur Rimbaud. A função, nestes versos, dos signos ‘castelos’ e ‘estações’ é a de simbolizar o estado de espírito do eu- poético, que só pode ser apreendido por meio da sua junção, isto é, as palavras nada 36 “Ô saisons, ô châteaux, / Quelle âme est sans défauts? / Ô saisons, ô châteaux, / J'ai fait la magique étude / Du Bonheur, que nul n'élude. / Ô vive lui, chaque fois / Que chante son coq gaulois. / Mais! je n'aurai plus d'envie, / Il s'est chargé de ma vie. / Ce Charme! il prit âme et corps,/ Et dispersa tous efforts. / Que comprendre à ma parole? / Il fait qu'elle fuie et vole!/ Ô saisons, ô châteaux! / Et, si le malheur m'entraîne, / Sa disgrâce m'est certaine. / Il faut que son dédain, las! /Me livre au plus prompt trépas! / - Ô saisons, ô châteaux!” (RIMBAUD, Arthur. Rimbaud Livre. Trad. Augusto de Campos. Programação visual: Augusto de Campos e Arnaldo Antunes. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002: 54-56). “Castelos, estações, / Que alma é sem senões? /Castelos, estações. /Eu fiz o mágico estudo /Da Felicidade, eis tudo. /Que eu possa ouvir outra vez /Cantar seu galo gaulês. /Desejos? Dores? Olvida. /Ela é a luz da minha vida. /O Encanto entrou em minha alma. /Doravante tudo é calma. /O que esperar do meu verso? /Que voe pelo universo. /Castelos, estações! /E se me arrastar o mal, /Seu fel me será fatal. /Que a morte com seu desprezo /Me liberte desse peso! /- Castelos, estações!” (RIMBAUD, Arthur. Rimbaud Livre. Trad. Augusto de Campos. Programação visual: Augusto de Campos e Arnaldo Antunes. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002: 55-57). “¡Oh castillos, oh estaciones! / ¿Qué alma no cae en desgracia? / Ensayé la mágica alquimia / de la felicidad, que nadie elude. / Que siempre sea alabada / cuando canta el gallo galo. / ¡Ay! a nada aspira ya mi alma: / él se ocupa de mi vida. / Este hechizo tomó alma y cuerpo / y me liberó de cualquier afán. / La hora de su huida, ¡ay! / será la hora de la muerte. / ¡Oh, estaciones, oh castillos!” (RIMBAUD, Arthur. Una temporada en el infierno – Carta del vidente. Trad. Jorge Segovia. Madrid: Maldoror Ediciones, 2009: 48). | 142 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ‘significam’ isoladamente, somente podem ser lidas em conjunto. Segundo Bernardo Nascimento (2010), no poema de Rimbaud “chama a atenção, desde logo, por um lado, a referência às próprias estações, as quais estariam relacionadas à possibilidade de uma transformação incessante, tanto da vida quanto do sujeito” (NASCIMENTO, 2010: 58), e, por outro lado, há “a sugestão de certo desprendimento, de uma intencional desvalorização da intensidade das aspirações, que outrora, em outros poemas, estavam ligadas ao ímpeto revolucionário, à inadequação do sujeito ao mundo” (NASCIMENTO, 2010: 58). Dessa forma, o poema encena o abandono e a recusa do poeta pelo engajamento e/ou comprometimento político por perceber-se com necessidades mais relacionadas às palavras e a um “vôo” poético mais livre, mais leve: Abandonando-se o esforço, o empenho, recusa-se o engajamento do poeta maldito, do sujeito comprometido com a revolução, seja pessoal, seja coletiva. Aquele que, em um momento passado, teria sido acossado por um forte anseio, que lhe obrigava a uma ação muitas vezes torturante, relacionada ao seu infortúnio, agora se mostra complacente consigo mesmo, segundo a lógica de que toda alma tem os seus defeitos, as suas fraquezas, as quais devem ser relevadas: “Ô saisons, ô châteaux! / Quelle âme est sans défauts?”. (NASCIMENTO, 2010: 59) Assim também se apresenta o assunto tratado neste capítulo de L’écriture ou la vie. O capítulo “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...” apresenta dois momentos-chave e opostos na vida de Semprún (que podem ser entendidas como ‘estações’ ou ‘temporadas’ diferentes) unidos pelo cenário (os castelos) e pelas implicações causais: a libertação do dever político permite a libertação da escrita literária. Um dos momentos refere-se a uma reunião realizada para decidir a expulsão de Jorge Semprún do partido comunista, o que determina o fim da sua militância política e do seu engajamento nas causas do partido. O outro episódio é o recebimento, por parte de Jorge Semprún, do importante Prêmio Formentor pela obra Le grand voyage. Em meio à narrativa, os dois episódios se fundem e o narrador-personagem, como um ex-militante comunista, começa a refletir em como estava enganado ao defender tão cegamente o compromisso político imposto pelo partido, deixando de lado suas incoerências e falhas: Une sorte de malaise un peu dégoûté me saisit aujourd’hui à évoquer ce passé. Les voyages clandestins, l’illusion d'un avenir, l'engagement politique, la vraie fraternité des militants communistes, la fausse monnaie de notre discours idéologique: tout cela, qui fut ma vie, qui aura été aussi l'horizon tragique de ce siècle, tout cela semble aujourd'hui poussiéreux: vétuste et dérisoire. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 330) | 143 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Una especie de malestar, como una leve náusea, se apodera de mí hoy cuando evoco ese pasado. Los viajes clandestinos, la ilusión de un porvenir, el compromiso político, la fraternidad auténtica de los militantes comunistas, la moneda falsa de nuestro discurso ideológico: todo eso, que constituyó mi vida, que también habrá sido el horizonte trágico de este siglo, todo esto parece hoy harto trasnochado: vetusto e irrisorio. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 275) Como comentado, em vários momentos, de sua obra Jorge Semprún também nos faz refletir sobre o fato de não ser o estereótipo, geralmente esperado, de um sobrevivente de campo de concentração (o judeu) e sobre sua faceta identitária de prisioneiro e militante político, Jorge Semprún “mantiene que el deportado político sabía por qué era deportado. Para el escritor, el deportado político elige ser deportado, porque podría haberse quedado en casa sin plantear resistencia alguna al régimen nazi y ‘esperar a que pasara la tormenta’” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Dessa forma, Semprún “explica que la persecución era contra los resistentes, que él estuvo allí libremente. Ahí la paradoja: ‘Estoy preso porque soy libre’” (SEMPRÚN. em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Segundo Márcia Marçal (2008), “a expulsão do personagem- narrador do PCE reflete-se na invasão do passado de Buchenwald em sua vida de escritor” (MARÇAL, 2008: 183). A partir desse episódio, Semprún começa a escrever de forma mais incessante sobre o campo de concentração: “é como se a perda de poder enquanto dirigente político do partido comunista estivesse implicada na tomada do poder de escrever” (MARÇAL, 2008: 183). Semprún passa, assim, a relembrar em seus escritos literários que na época de sua libertação de Buchenwald passou a trabalhar intensamente na clandestinidade do Partido Comunista e optou pelo engajamento político ao invés do engajamento literário. Nesse momento, a política o motivou a viver o presente: “no poder narrar la experiencia de su deportación le cortaba la posibilidad de ser escritor, porque no podía escribir de otra cosa y prefería no hacerlo por salud. Así que encontró en la política la causa del porvenir” (RIAÑO, 2010: s.p.). Nas palavras de Semprún: “en política todo está en el mañana, aunque indefinido” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Portanto, a política “fue su motor vital hasta que, decepcionado, la abandona. En ese momento, regresa a la carne literaria” (RIAÑO, 2010: s.p.). A partir de então, a memória identitária sempruniana retorna aos seus escritos de modo persistente e o autor a inscreve repetidamente de modo consciente: “el control que ejerce Semprún sobre sus materiales tiende a creer en la elasticidad sin límites del empeño. Sus libros son irrenunciablemente | 144 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves reiterativos, y reaparecen a menudo hechos y sucesos” (GRACIA, 2010: 109), isso se deve segundo Jordi Gracia: No tanto porque le falte imaginación o invención para cosas nuevas como porque el impulso originario nace de creer en la literatura misma como asedio que no sabe, que ignora su destino último, que lo averigua en la exploración misma. (GRACIA, 2010: 109) O labirinto narrativo empreendido neste capítulo “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...” se inicia com a descrição de uma fotografia tirada na entrega desse prêmio, com a análise detalhada dos motivos pelos quais uma jovem da foto ter feito o narrador se lembrar de Milena Jesenská, mais especificamente de uma frase de Kafka sobre ela. Jesenská era a tradutora das obras de Kafka para o tcheco, com quem Kafka trocou várias cartas de 1920 a 1923, posteriormente reunidas em um livro. Para Jorge Semprún, a lembrança de Milena ultrapassa as fronteiras literárias, sua identificação com a história dela é grande e gera íntima comoção no escritor. O diálogo com a obra de Kafka, em especial a imagem kafkiana de Milena, povoa tanto a obra de Semprún que chega ao ponto de sua lembrança da neve (e do percorrê-la descalço) no campo de concentração se mesclar e se confundir com a lembrança literária de Milena: Je m’étais souvenu d’un souvenir de neige scintillant à la lumière des projecteurs, souvenir poignant que venait de faire éclater comme un feu glacé le souvenir de Milena elle-même: Milena Jesenskà, morte dans le camp de concentration de Ravensbrück. Je m’étais souvenu de ce souvenir de neige tombant sur les cendres de Milena Jesenskà. Je m’étais souvenu de la beauté de Milena dispersée par le vent, avec la fumée du crématoire. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 348) Me había acordado de un recuerdo de nieve centelleando bajo la luz de los reflectores, recuerdo estremecedor que acababa de hacer que estallara como un fuego helado el recuerdo de la propia Milena: Milena Jesenská, fallecida en el campo de concentración de Ravensbrück. Me había acordado de este recuerdo de nieve cayendo sobre las cenizas de Milena Jesenská. Me había acordado de la belleza de Milena dispersada por el viento, con el humo del crematorio. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 289) A imagem de Milena Jesenská, evocada por Kafka, acompanha todo o fluxo narrativo, causando uma quebra na narração, só aparentemente gratuita, que resvala na descrição do que seriam as feições ‘reais’ e ‘literárias’ de Milena37 (comparadas por 37 “Pourquoi cette jeune femme m’avait-elle fait penser à Milena? Aujourd’hui, lorsqu’il m’arrive de regarder l’une des potos prises à Salzbourg cette année-là, lointaine – 1964 –, la ressemblance ne me paraît pas frappante, c’est le moins qu’on puisse dire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 324) / “¿Por qué aquella joven me había hecho pensar en Milena? En el presente, cuando ocasionalmente contemplo alguna | 145 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Semprún as da jovem que apareceu na fotografia da entrega do prêmio Fomentor). O narrador, a partir dessa imagem, passa a refletir sobre as vantagens e desvantagens de um amor idealizado, que tal como Kafka nutria por Milena, Semprún diz haver nutrido pelo comunismo. O recurso da ironia também é amplamente usado na comparação feita entre a relação platônica de Kafka e Milena e a relação que o comunismo tece com a realidade dos sujeitos e suas necessidades individuais. Segundo Marcia Marçal (2008), “implicitamente, a narrativa faz um paralelo entre a indiferença de Kafka para com as particularidades de Milena (sua vida carnal, humana, próxima, sensível) e a relação do personagem-narrador com o movimento comunista” (MARÇAL, 2008: 186), em que seu “eu” subjetivo / individual era desconsiderado frente ao grupo, “ou ainda uma comparação com a indiferença do movimento comunista para com a realidade humana e concreta” (MARÇAL, 2008: 186). Além disso, as obras kafkianas permitem a Semprún perceber que “a razão fria, burocrática e absurda do Mal vislumbrado pela ficção de Kafka” (MARÇAL, 2008: 189) havia se tornado a triste realidade do partido comunista: O Mal dos Gulags, os processos sumários dos Estados do bloco comunista, o terror instalado na luta de poder da casta burocrática de tais Estados, informações deflagradas durante o XX Congresso do Partido Russo, constituem para o narrador ‘la realidad kafkiana del universo estalinista’. A ficção de Kafka serviu-lhe de lente para enxergar e justificar sua saída da organização comunista. (MARÇAL, 2008: 189) Ao ler a obra epistolar Cartas a Milena, Semprún tece, implicitamente, várias analogias e paralelos entre a relação de amor idealizada e imaginária de Kafka e Milena e sua relação com o movimento comunista partidário: uma relação infrutífera e destrutiva que, “se nourrissant exclusivement de l’absence, de la distance, du manque; se defáisant tristemente, misérablement, à chaque rencontré réelle, à chaque instant de présence physique” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 343) / “se alimenta exclusivamente de la ausencia, de la distancia, de la carencia; que se dehace triste, miserablemente, a cada encuentro real, a cada instante de presencia física” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 285), terminando por observar que Kafka foi o grande responsável por ele, Semprún, haver mantido um pouco de liberdade e pensamento crítico frente à adesão passiva imposta pelo partido comunista, com proibições de leituras, obras de las fotografías tomadas en Salzburgo aquel año, lejano – 1964 –, la similitud no parece evidente, es lo mínimo que cabe decir” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 270). | 146 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de arte e músicas consideradas inapropriadas aos dogmas defendidos pelos militantes comunistas, percebendo a existência de uma grande distância entre os ideais do comunismo (a teoria) e as atitudes partidárias (a prática): “Plus tard, quand il m’est arrivé d’analyser les raisons qui m’ont empêché de succomber à l’imbécillité communiste – d’y succomber totalement, du moins –, il m’est toujours apparu que la lecture de Kafka certes” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 339) / “Más tarde, cuando se me ha ocurrido analizar las razones que me han impedido sucumbir a la estulticia comunista – sucumbir totalmente, por lo menos – siempre me ha parecido que la lectura de Kafka era una de ellas, y no de poca importancia” (SEMPRUN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 282). Declara, então, o narrador Semprún: Dans le registre qui lui est propre, qui est celui de la littérature et non point de l’analyse sociologique, l’œuvre de Kafka est de toute évidence contemporaine de celle Max Weber ou de Roberto Michels, pour ne parler que de deux auteurs qui se sont attachés à élucider les mystères de la vie sociale bureaucratisée. § Ainsi, pendant toute cette période, les fictions de Franz Kafka me ramenaient à la réalité du monde, alors que le réel constamment invoqué dans le discours théorique ou politique du communisme n’était qu'une fiction, contraignante sans doute, asphyxiante parfois, mais de plus en plus délestée de tout ancrage concret, de toute vérité quotidienne. § Quoi qu'il en soit, durant l'interminable voyage du train spécial de Prague à Bucarest, j'ai passé une bonne partie de mon temps avec Kafka et Milena, en ce mois de janvier 1956, quelques semaines avant que le XXe congrès du parti communieste russe ne commençât à dévoiler, partiellement encore, avec une extrême prudence dialectique, la réalité kafkaïenne de l’univers stalinien. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 340-341) En el registro que le es propio, que es el de la literatura y no el del análisis sociológico, la obra de Kafka es a todas luces contemporánea de la de Max Weber o la de Roberto Michels, por hablar tan sólo de dos autores que se han dedicado a dilucidar los misterios de la vida social burocratizada. § Así, durante todo aquel periodo, las ficciones de Franz Kafka me remitían a la realidad del mundo, cuando lo real constantemente invocado en el discurso teórico o político del comunismo no era más que una ficción, apremiante sin duda, asfixiante a veces, pero cada vez más desprovista de cualquier anclaje concreto, de cualquier verdad cotidiana. § Sea como fuere, durante el interminable viaje del tren especial de Praga a Bucarest me pasé una buena parte del tiempo con Kafka y Milena, aquel mes de enero de 1956, pocas semanas antes de que el XX Congreso del Partido Comunista Ruso empezara a desvelar, parcialmente todavía, con una prudencia dialéctica extrema, la realidad kafkiana del universo estalinista. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 283-284) Semprún sente a expulsão do comunismo como uma liberação para escrever (a tomada de poder por sua própria vida, suas próprias opiniões e ideias). Semprún toma, assim, para si a tarefa de narrar / descrever imagens repetidas e reiteradas da solidão, do mal, da dor, do anonimato, da guerra, do exílio, do extermínio em massa, que se | 147 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves configuram como feridas abertas em seu ser e na humanidade em geral, sem prescindir, para isso, de críticas sobre o que chama de “ilusão comunista”, de elaborar um pensamento ético sobre o vivido e sem deixar de usar elementos estéticos em suas reflexões: é “una obra en que el artificio literario se pone al servicio de la verdad” (PLA, 2010: 142), o que pode ser visualizado na passagem do capítulo que descreve o porquê da criação do personagem ficcional de Le grand voyage, o garoto de Semur: “J’ai inventé le gas de Semur pour me tenir compagnie, quand j’ai refait ce voyage dans la réalité rêvée de l’écriture. Sans doute pour m’éviter la solitude qui avait été la mienne, pendant le voyage réel de Compiègne à Buchenwald” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 336) / “Inventé al chico de Semur para hacerme compañía, cuando rehice este viaje en la realidad soñada de la escritura. Sin duda para ahorrarme aquella soledad que había sido la mía, durante el viaje real de Compiègne a Buchenwald.” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 280). De acordo com Márcia Marçal (2008), Semprun escreve Le grand voyage sob o impacto da obra Se questo è un uomo, de Primo Levi e, ao criar o garoto de Semur, “sente que lembrar, mais do que um acerto de contas consigo mesmo, é uma atitude ética para com todos que pereceram nos campos de extermínio” (MARÇAL, 2008: 188). A introdução desse interlocutor fictício no vagão do trem que o deporta da França para Buchenwald é, portanto, muito significativa já que Semprún partia à noite, sozinho junto com vários desconhecidos para um local estranho em meio a pressentimentos e perspectivas totalmente aterradores, e a conversação com o garoto de Semur permite, segundo Javier Ignacio Gorrais (2011), “el desdoblamiento del yo y el diálogo consigo mismo” (GORRAIS, 2011: 299), isso é uma maneira de “hallarse «yo» en el «otro»” (GORRAIS, 2011: 299); além disso, na percepção do próprio de Semprún, o garoto de Semprún agregaria verossimilhanças à sua narrativa: “J’ai inventé le gas de Semur, j’ai inventé nos conversations: la réalité a souvent besoin d’invention, pour devenir vraie. C’est-à-dire vraisemblable. Pour emporter la conviction, l’émotion du lecteur” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 336-337) / “Inventé al chico de Semur, inventé nuestras conversaciones: la realidad suele precisar de la invención para tornarse verdadera. Es decir verosímil. Para ganarse la convicción, la emoción del lector” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 280). A narrativa labiríntica empreendida no capítulo segue, portanto, da imagem de Milena descrita por Kafka, às viagens clandestinas do narrador pelo partido comunista, bem como de sua expulsão do PCE, culminando na entrega do Prêmio Fomentor por Le | 148 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves grand voyage, livro no qual narra-se o trajeto do protagonista em direção ao desconhecido (um campo de concentração) tenho como companheiro de viagem um personagem fictício (o garoto de Semur). O capítulo destaca a importância da literatura e da arte em geral na maneira do narrador ver e atuar no mundo. Vê-se que a vida de Semprún, conforme é narrada por ele mesmo, nunca se separa de suas impressões e leituras filosóficas e literárias. Segundo Mario Vargas Llosa (2011), a obra La escritura o la vida configura- se como “una reflexión sobre la manera en que la literatura puede dar un testimonio vívido, creativo y al mismo tiempo tremendamente enriquecedor, de lo que es la experiencia vivida de la historia” (VARGAS LLOSA, 2011: 28). Para Llosa, o livro de Semprún é “desgarrador, porque en él se encuentra todo el drama de una vida que estuvo constantemente enfrentada a fracturas terribles” (VARGAS LLOSA, 2011: 28) não só para o próprio Semprún, como para toda a humanidade. Dessa forma, Semprún inscreveria o particular no universal, a memória individual na coletiva, o universo ficcional no real, já que a identidade de cada um é construída nas trocas de memórias e recordações com outros sujeitos. Portanto, a identidade literária sempruniana não é estática, vai sendo formada em um processo contínuo de relacionamento consigo mesmo e com os outros em seu entorno. Os sujeitos-narradores em Semprún se modificam, mútua e constantemente, de modo incessante (ora são militantes, ora sobreviventes, ora não sabem o que são, entre outras facetas identitárias) bem como o objeto tematizado em suas narrativas é híbrido, pois sua escrita memorialística mescla datas, fatos, reflexões, culminando sempre na reflexão sobre o texto em si (sua materialidade formal e linguística), afetado pelo trauma do campo de concentração e pela a necessidade de uma língua para narrá-lo: La neige d’antan n’a pas recouvert n’importe quel texte, me dis-je. Elle n’a pas enseveli n’importe quelle langue, parmi toutes celles qui sont représentées ici. Ni l’anglais, ni l’allemand, ni le suédois, ni le finlandais, ni le portugais, que sais-je encore, jusqu’à la douzaine. Elle a effacé la langue originaire, enseveli la langue maternelle. § Certes, en annulant le texte de mon roman dans sa langue maternelle, la censure franquiste s’est bornée à redoubler un effet du réel. Car je n’avais pas écrit Le grand voyage dans ma langue maternelle. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 351) La nieve de antaño no ha cubierto un texto cualquiera, me digo para mis adentros. No ha sepultado una lengua cualquiera, entre todas las representadas aquí. Ni el inglés, ni el alemán, ni el sueco, ni el finlandés, ni el portugués, vaya usted a saber cuáles más, hasta completar la docena. Ha borrado la lengua originaria, ha sepultado la lengua materna. Sin duda, al anular el texto de mi novela en su lengua materna, la censura franquista se limitó a repetir un efecto de lo real. Pues yo no había escrito El largo viaje en mi lengua materna. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 292). | 149 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Então, outro traço identitário de Semprún narrador-personagem, também problematizado no capítulo “Ô saisons, ô châteaux...” / “Oh estaciones, oh castillos...”, é sua relação com a língua espanhola: “La neige d’antan recouvrait les pages de mon livre, les ensevelissait dans un linceul cotonneux. La neige effaçait mon livre, du moins dans sa version espagnol” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 350-351) / “La nieve de antaño recubría las páginas de mi libro, las sepultaba, en una mortaja algodonosa. La nieve borraba mi libro, por lo menos en su versión española” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 291-292). Semprún começa a refletir sobre o porquê escreve em francês, ainda depois de ter recuperado o contato com o espanhol: “Je vivais à Madrid, pourtant, à cette époque, la plupart du temps. J’avais retrouvé avec la langue de mon enfance toute la complicité, la passion, la méfiance et le goût du défi qui fondent l’intimité d’une écriture” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 352) / “Vivía en Madrid, sin embargo, en aquella época, la mayor parte del tiempo. Había recuperado con la lengua de mi infancia toda la complicidad, la pasión, la desconfianza y la afición por el reto que fundamentan la intimidad de una escritura” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 292-293). Semprún afirma: “je savais déjà que le jour où le pouvoir d’écrire me serait rendu – où j’ en reprendrais possession – je pourrais choisir ma langue maternelle” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 352) / “sabía ya que el día en que el poder de escribir me fuera devuelto —en que tomara nuevamente posesión de él— podría escoger mi lengua materna” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 293). Entretanto, mesmo assim, Semprún resolve optar pelo francês: “On me dira que j’y avais été contraint par les circonstances de l’exil, du déracinement. Ce n’est vrai qu’en partie, en toute petite partie. Combien d’Espagnols ont refusé la langue de l’exil?” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 352-353) / “Se me replicará que me había visto obligado a ello por las circunstancias del exilio, del desarraigo. Sólo es verdad en parte, en una parte muy pequeña. ¿Cuántos españoles han rechazado la lengua del exilio?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 293). A neve e todo o Mal que ela representou em sua vida borram para Semprún seu livro em versão espanhola ou a possibilidade dele mesmo traduzir sua dor em língua materna. O espanhol representava sua infância, talvez, por isso, o idioma não lhe servia para descrever o frio perpétuo do campo. A língua espanhola representava o verão da sua infância e não o inverno infernal em que havia sofrido uma quebra identitária profunda. Semprún-narrador declara, então, ter escolhido o francês por ter feito do exílio uma pátria: | 150 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Pour ma part, j’avais choisi le français, langue de l’exil, comme une autre langue maternelle, originaire. Je m’étais choisi de nouvelles origines. J’avais fait de l’exil une patrie. (…) § Un jour, me suis-je dit dès cette soirée à Salzbourg, un jour je réécrirais ce livre sur les pages blanches de l’exemplaire unique. Je le réécrirais en espagnol, sans tenir compte de la traduction existante. – Ce n’est pasune mauvaiseidée, m’avait dit Carlos Fuentes, peu de temps après. C’était à Paris, dans un café de Saint-Germain-des-Prés. – D’ailleurs, ajoutait-il, tu aurais dû faire toi même la version espagnole. Tu n’aurais pas simplement traduit, tu aurais pu te permettre de te trahir. De trahir ton texte originaire pour essayer d’aller plus loin. Du coup, un livre différent aurait surgi, dont tu aurais pu faire une nouvelle version française, un nouveau livre! Tu le dis toi-même, cette expérience est inépuisable... (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 353-354) En lo que a mí respecta, había escogido el francés, lengua del exilio, como otra lengua materna, originaria. Me había escogido nuevos orígenes. Había hecho del exilio una patria. (…) § Un día, me dije ya en aquel momento en Salzburgo, un día reescribiré este libro sobre las páginas en blanco del ejemplar único. Lo reescribiré en español, prescindiendo de la traducción existente. —No es mala idea —me dijo Carlos Fuentes, poco después. Estábamos en París, en un café de Saint-Germaindes-Prés. —Además —añadió—, deberías haber hecho tú mismo la versión española. No te habrías limitado a traducir, te podrías haber permitido traicionarte. Traicionar tu texto original para tratar de ir más lejos. Con ello habría surgido un libro diferente, del cual podrías haber hecho una nueva versión francesa, ¡un nuevo libro! Como dices tú mismo, esta experiencia es inagotable... (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 293-294) Em vários aspectos, vemos problematizada na escrita de Semprún a afirmação de que cada ser é uno, pleno, coerente e indivisível, com trajetórias e identidades lineares: “En somme, je n’avais plus vraiment de langue maternelle. Ou alors en avais-je deux, ce qui est une situation délicate du point de vue des filiations, on en conviendra” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 353) / “En suma, ya no tenía realmente lengua materna. O entonces tenía dos, lo que constituye una situación delicada desde el punto de vista de las filiaciones, hay que reconocerlo” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 293-294). As obras semprunianas encenam o fato de que o nosso conhecimento sobre nós mesmos e sobre os outros bem como o conhecimento dos outros sobre nós será sempre descontínuo, incompleto, fragmentário, pois nunca se alcança o “todo” de uma pessoa, com origem e nacionalidades definidas e estanques, ainda mais quando o indivíduo é um exilado, tanto por imposição social como por opção pessoal: “Avoir deux mères, comme avoir deux patries, ça ne simplifie pas vraiment la vie. Mais sans doute n’ai-je pas d’inclination pour les choses trop simples” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 353) / “Tener dos madres, como tener dos patrias, no simplifica realmente la vida. Pero sin duda no siento ninguna inclinación por las cosas demasiado sencillas” | 151 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 294). A dificuldade de enquadra a personalidade Jorge Semprún advém tão somente do contexto híbrido de língua e nacionalidade ou da trajetória clandestina de falsidade ideológica, pois, pedindo por empréstimo a definição de Hall (2004), vemos que “a identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é preenchida a partir de nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros” (HALL, 2004: 39). Não é possível, portanto, pensar o sujeito sempruniano (ainda que inscrito em um relato autobiográfico e/ou testemunhal) estando imbuídos com uma pretensa análise totalizante, uma vez que, mesmo (ou, sobretudo,) no contexto da vida cotidiana, o desconhecido, o estranho, enfim, o mistério do outro nunca será inteiramente desvelado diante de nós ou desse outro diante de si mesmo. Segundo Anna de Godoy (1999): A identidade é construída pelo ato de identificação, de interpretação da palavra do outro, ela não é herdada, comprada, tampouco imposta. A identidade deve ser compreendida como um processo de movimentos incessantes entre sujeitos e suas histórias, suas crenças, seus valores e suas culturas. (GODOY, 1999: 75) Entretanto, como também destaca Godoy (1999), “esses movimentos, que são na verdade interações entre sujeitos, não podem se desenvolver em uma margem ou outra da história” (GODOY, 1999: 75). Isto é, sempre se desenvolvem na história dos sujeitos como um todo. Isso nos leva a pensar no que Birman (1998) destaca como o mal-estar do indivíduo na atualidade devido ao cuidado excessivo com o próprio eu, que se transforma em objeto permanente de admiração do sujeito e dos outros. É nessa direção que analisamos o processo de escrita sempruniano por meio dos seus vários “eus”, a necessidade de reinventar-se para voltar a entender-se consigo mesmo após anos de nomes clandestinos: “casi toda la vida, casi todas las vidas del autor hacen acto de presencia. (...) Nos encontramos de lleno (...) en el terreno de la literatura autobiográfica, en el espejo de los Narcisos de tinta” (CANAL, 2010: 54). Sobre as possíveis ressalvas críticas a respeito do narcisismo em sua obra, citamos a continuação uma interessante constatação de Semprún em Autobiografía de Federico Sánchez (1977): “Y puesto que Federico Sánchez es el protagonista de este relato, dejémosle hablar a sus anchas. Si eso se asemeja al narcisismo, diré para justificarme que ese narcisismo es el de la obra, el de | 152 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves la empresa misma: está inscrito de antemano en la estructura del libro” (SEMPRÚN. 1977: 270 apud CANAL, 2010: 54). Semprún se vê em meio ao paradoxo de que todos nós, ao adquirirmos uma imagem de nós mesmos, ainda que essa seja falsa (já que sempre será “falsa” em certo sentido), podemos nos perder e nos alienar nessa miragem: “no sé quien realmente soy” é a frase de Semprún que dá título ao artigo de opinião de Rosa Montero (1977), no qual a autora alude a “esos múltiples Semprunes bilíngües y bivitales, siempre triunfadores, que han existido de forma superpuesta durante tantos años” (MONTERO, 1977: 5). No texto intitulado significativamente de Semprún cuando ya era Semprún, Jordi Gracia (2011) analisa a fase concentracionária de Semprún nos seguintes termos elucidativos: “No es fácil imaginárselo por entonces, aunque él lo haya contado y aunque haya sido un espacio habitual de su memoria novelesca. O quizá precisamente por eso resulta tan difícil: porque sabemos que nuestra construcción es cautiva de su propio relato” (GRACIA, 2011: 30). É fundamental, nesse sentido, pensarmos no entrelugar do eu sempruniano também enquanto um cidadão de duas pátrias como podemos ler na resposta que Semprún (2003) dá à seguinte afirmação que lhe dirige o entrevistador Ricardo Cayuela Cally (2003): “en Federico Sánchez se despide de ustedes narra que la primera pregunta que le hace Solana antes de pasarlo con Felipe González, para proponerle ser ministro de cultura, es si tiene pasaporte español” (CAYUELA CALLY, 2003: 37). A resposta de Semprún é: “Así es. Nadie sabía exactamente qué era yo en términos de documentación oficial” (SEMPRÚN em entrevista a CAYUELA CALLY, 2003: 37). Além disso, Semprún acrescenta: “Pero igual me ha pasado a la inversa, cuando vienen de L’Académie Française a preguntarme si quiero ser miembro y les digo que no puedo porque soy español, y no pueden creerse que no sea francês”( SEMPRÚN em entrevista a CAYUELA CALLY, 2003: 37). A respeito de seus vários pseudônimos (dentre eles se destaca o mote Federico Sánchez), Semprún afirma, recorrentemente, que se converteu em “outros” para poder seguir sendo “ele mesmo”.38A reconstrução autobiográfica e auto analítica que Semprún estabelece em L’écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté...(1998) deixa em evidência a identidade pessoal, como uma construção narrativa dinâmica e múltipla que necessita 38“Je suis devenu un autre, pour pouvoir rester moi-même”. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 292) / “Me convertí em outro para poder seguir siendo yo mismo”. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos. Trad. Javier Albiñana. 1998: 244) | 153 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de uma continuidade temporal e de um relacionamento dialógico com o outro, esse também, ao mesmo tempo, uno e diverso, que ganha amplitude coletiva quando alcança a autoconsciência de grupo, fato que derivaria o sentimento de identidade compartilhada ou fraternidade identitária quando Semprún narra o olhar que os outros prisioneiros trocavam com ele (companheiros seus de Buchenwald), no momento que testemunharam juntos a morte de Maurice Halbwachs: “celle-ci était substance de notre fraternité, clé de notre destin, signe d’appartenance à la communauté des vivants. Nous vivions ensemble cette expérience de la mort, cette compassion” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 39) / “era ésta la sustancia de nuestra fraternidad, la clave de nuestro destino, el signo de pertenencia a la comunidad de los vivos. Vivíamos junto esta experiencia de la muerte, esta compasión” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 37).Continua Semprún: “notre être était défini par cela: être avec l’autre dans la mort qui s’avançait” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 39) / “nuestro ser estaba definido por eso: estar junto al otro en la muerte que avanzaba” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 37). De acordo com Márcia Romero Marçal (2009): A crítica literária normalmente apresenta dificuldades para classificar a obra de Jorge Semprún, mesmo aquela referente ao chamado ciclo de Buchenwald — El largo viaje (1963), Aquel domingo (1980), La escritura o la vida (1994), Viviré con su nombre, morirá con el mío (2001). Em nossa opinião, as divergências interpretativas da crítica apontam para a presença de um trabalho de composição moderno do escritor que questiona os limites e as fronteiras entre os gêneros e entre o plano da história e o da ficção. Se esses romances trazem, por um lado, elementos autobiográficos, testemunhais e memorialísticos, por outro, inscrevem-se em um modo de representação próprio da narrativa de ficção contemporânea. Ao articularem procedimentos como a fragmentação textual e discursiva, o jogo de planos temporais distintos, a pluralidade de perspectivas, a simbolização do espaço referencial, o recurso à intertextualidade e à metalinguagem, a justaposição e o desdobramento das identidades de personagens e narradores, a pluridimensionalidade do enredo, o entrecruzamento das ações, a incorporação de técnicas cinematográficas, entre outros, tais romances testemunhais geram uma tensão dialética entre o discurso referencial da narrativa não literária e o discurso figurado e ambíguo da ficção. Semprún reivindica uma versão dos fatos históricos, entre as práticas discursivas legitimadas, para produzir a verdade sobre a realidade histórico-social e da memória coletiva, através do discurso literário e das formas da prosa de ficção. (MARÇAL, 2009: 1502-1503) Para Alberto Moreiras (2001), ainda que o literário seja uma presença constante e irredutível no testemunho, sua importância cultural incidiria na dimensão extraliterária, no momento em que se suspende o literário, provocando uma abertura para uma experiência com referentes históricos, extratextuais. Desse modo, embora o testemunho atraia leitores e críticos pelo que apresenta de literário, sua relevância discursiva se | 154 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves revelaria, para Moreiras (2001), sempre mais política que literária. Nesse sentido, se o testemunho assume um papel importante numa esfera transnacional, é porque “os sujeitos testemunhais são reconhecidos como vozes em torno das quais novos movimentos sociais devem ser articulados” (MOREIRAS, 2001: 256). A voz testemunhal é, portanto, de forma metonímica, a voz do grupo ao qual pertence. Nesse sentido, cabe lembrar as palavras dos historiadores José Carlos Sebe Bom Meihy e Suzana Salgado Ribeiro (2011). Segundo eles, “a história oral testemunhal se faz imperiosa” (MEIHY; RIBEIRO, 2011: 86) quando se trata dos eventos históricos traumáticos, pois, “por afetar gerações ou interferir no andamento das relações sociais, esses eventos merecem tratamentos especiais e justificam o ‘trabalho de memória’, que ganha condição de dever social” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 86). Portanto, na perspectiva analítica da história oral mostra-se “a necessidade de procedimentos operacionais específicos, capazes de caracterizar a barbárie e apontar os efeitos ou ‘políticas de reparação’” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 86). De acordo com Eni Orlandi (2007): A relação dito / não-dito pode ser contextualizada sócio-historicamente, em particular ao que chamamos o ‘poder-dizer’. Pensando essa contextualização em relação ao silêncio fundador, podemos compreender a historicidade discursiva da construção do poder-dizer, atestado pelo discurso.§ Com efeito, a política do silêncio se define pelo fato de que ao dizer algo apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada. § A diferença entre o silêncio fundador e a política do silêncio é que a política do silêncio produz um recorte entre o que se diz e o que não se diz, enquanto o silêncio fundador não estabelece nenhuma divisão: ele significa em (por) si mesmo. (...) § Como parte da política do silêncio nós temos, ao lado do silêncio constitutivo, o silêncio local, que é a manifestação mais visível dessa política: a da interdição do dizer. (ORLANDI, 2007: 73-74) Também para Orlandi, “em face de sua dimensão política, o silêncio pode ser considerado tanto parte da retórica da dominação (a da opressão) como de sua contrapartida, a retórica do oprimido (a da resistência)” (ORLANDI, 2007: 29). Quanto ao aspecto identitário do sujeito discursivo, Eni Orlandi (2007) analisa que: “a incompletude do sujeito pode ser compreendida como trabalho do silêncio” (ORLANDI, 2007: 78), isto é, “o sujeito tende a ser completo e, em sua demanda por completude, é o silêncio significativo que trabalha sua relação com as diferentes formações discursivas, tornando mais visível a sua contradição constitutiva” (ORLANDI, 2007: 78); dessa forma, “sua relação com o silêncio é sua relação com a divisão e com o múltiplo” (ORLANDI, 2007: 78). Vemos que nos conflitos auto identitários de Semprún há um misto de fragmentação e unicidade, é um todo que se subdivide em pequenas partes (ou | 155 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves pequenos “todos”), e entre essas subdivisões há elos que tornam esses fragmentos uma única identidade (que pode ser entendida e vista sob diversos prismas analíticos: exilado, preso, sobrevivente, procurado, militante, dirigente, sobrevivente, escritor, testemunha e, tudo isso, com Semprún usando os pseudônimos políticos e/ou literários. Igualmente diversos e paradoxalmente unos são os narradores e as personagens dos livros semprunianos. No processo de escrita autobiográfica e testemunhal, Semprún lida a todo o momento com a problemática dos seus vários “eus” e do seu “eu” em essência bem como a sensação de estar exilado dentro de si mesmo e em toda parte, em todos os lugares do mundo, mesmo naqueles que poderiam ser considerados seus lugares “lares”. É sobre essa sensação de desgarramento do mundo e de si mesmo que tratararemos a seguir, analisando o último capítulo da obra La escritura o la vida, “Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”. | 156 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2.5. Exílio interno e domicílio externo: sonhos como mensagens enviadas a si mesmo (“Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”) En suma, no poseo para expresar mi vida, sino mi muerte... (VALLEJO, César apud SEMPRÚN. La escritura o la vida. 1995: 160 / SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 190) Jorge Semprún, narrador-protagonista de La escritura o la vida, tem consciência de que o processo de alienação compulsório pode levar a alguém (como ocorre com muitos dos seus outros personagens, além do seus “eus” ficcionais) a indagar-se: de todos os meus rostos, qual seria o mais próximo de mim mesmo? Ou do que eu penso que sou? O meu verdadeiro rosto já foi visto por mim? Neste sentido, é fundamental também pensar sobre a problemática dos nomes: o que ocorre com alguém (identitariamente) que se apresenta com outro nome? O que a “falsidade” ideológica (motivada por fins políticos ou literários) implica no modo de o sujeito descrever-se a si mesmo, uma vez que a imagem de si se constitui pelo olhar do outro (o qual é visto como um espelho que irá dizer quem realmente o “eu” é)? Pensemos, então, sobre o significado empírico do substantivo pseudônimo. O termo pseudônimo (do grego antigo ψευδώνυμος, composto de “ψευδο-”/ “pseudo-” e “ὄνομα” / “nome”, ou seja, “nome falso”), é um nome falso, fictício (no sentido de mentira, atribuído ao adjetivo “fictício”) usado por um indivíduo para escamotear-se como alternativa ao seu nome legal, expresso em sua documentação. O uso de pseudônimo tem larga tradição na literatura, mas a diferença crucial de Semprún é: seus pseudônimos são também extraliterários, se inserem no contexto político da clandestinidade, do falseamento identitário para fins de militância. Pode-se observar que essa relação simbiótica entre vida e ficção atravessa a atuação literária de Semprún. Essa simbiose se espelha e é espelhada pela sua atuação política, como se depreende da seguinte afirmação do autor em um artigo acadêmico de 2010: “Federico Sánchez nace como Federico (nace sin apellido) en 1953, como se produce mi primer viaje clandestino a España (...) es un primer viaje de toma de contactos com gentes y grupos” (SEMPRÚN, 2010: 168). Os nomes próprios dos pseudônimos de Semprún bem como os seus narradores superam o anonimato ao conseguirmos identificar na assinatura da capa o sujeito real (a figura do autor) que estabelece um pacto ficcional (mescla de realidade e verossimilhança) com o leitor, ao narrar-lhe suas memórias. | 157 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Quando o nome do autor empírico coincide com o autor textual e ainda com o narrador-personagem, a identidade expressa tende a ser vista pelo leitor como determinante para que uma obra seja considerada uma autobiografia propriamente “verídica”. O que dizer, no entanto, de autobiografias (ou escritas memorialísticas) escritas sob um pseudônimo? O que dizer de histórias que apresentam referências autobiográficas explícitas – pertencentes, por assim dizer, a “um tempo pesquisado e pesquisável” (GAGNEBIN, 1997: 19) e que agrega “referências cronológicas passíveis de serem encontradas” (GAGNEBIN, 1997: 19) trasladas ao campo do romanesco? Para analisar essas questões, tomaremos como exemplo a obra sempruniana Veinte años y un día (2003), já referida anteriormente, na qual não há nenhum pacto autobiográfico explícito, mas há uma evidente relação entre romance e autobiografia. Segundo Jaime Céspedes (2005), em seu texto sobre a dimensão biográfica da obra Veinte años y un día, há nessa obra uma clara mescla entre invenção e realidade histórica: Si bien el planteamiento novelesco de la obra puede justificar el rechazo, desde un punto de vista inmanente del análisis literario, de cualquier análisis biografista, nos parece en cambio sumamente interesante buscar la motivación de muchos elementos narrativos en la biografía del autor”. A fin de cuentas, se trata de una novela con muchas referencias políticas, y la alusión política invita a la crítica ideológica antes que a la meramente poética. (CÉSPEDES, 2005: 123) Essa obra leva-nos a pensar, usando a terminologia de Lejeune (2005), em um “pacto fantasmático”, ou mais precisamente, em um acordo biográfico implícito – o que não quer dizer que seja totalmente inexistente: é um pacto que permanece nas entrelinhas da memória e ao mesmo tempo defende sua estreita ligação com a ficção. Para Jaime Céspedes, nessa obra, “a todos estos personajes principales les son atribuidas características que comparten en mayor o menor medida con Semprún y todos ellos sirven de vehículo a la expresión de su ideología” (CÉSPEDES, 2005: 124). É evidente que, sabendo que Jorge Semprún é um escritor essencialmente memorialista, teremos sempre a tendência a associar seus romances à história de sua vida, ou seja, existe na sua obra uma inegável tendência autobiográfica. Isto é, como lugar comum, “a autobiografia como a conhecemos é dependente de distinções entre ficção e não ficção, entre narração retórica e narração de primeira pessoa empírica” (BRUSS, 1976: 8). Podemos pontuar essa definição usando as palavras de Brito Broca (1991) sobre o romance autobiográfico: “o que caracteriza o romance desse gênero é a transposição de um fato real para o plano da arte. Nessa transformação o fato é sempre deformado, já que não pode haver arte sem | 158 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves deformação” (BROCA, 1991: 188), surge daí “a diferença essencial entre autobiografia e romance. O objetivo da primeira é a verdade; o objetivo do segundo é a arte” (BROCA, 1991: 188). Na mesma linha de raciocínio, segundo Philippe Lejeune (2005), os livros que entrariam na categoria do romance autobiográfico são aqueles textos de ficção em que “o leitor pode ter razão de suspeitar, a partir das semelhanças que acredita ver, que haja identidade entre autor e personagem, mas que o autor escolheu negar essa identidade ou, pelo menos, não afirmá-la” (LEJEUNE, 2005: 25). Entretanto, lembramos a seguinte análise de Wander Melo Miranda (1992) que afirma: O leitor é convidado a ler romances não apenas como ficções que remetem a uma verdade de natureza humana, mas também como fantasmas reveladores de um indivíduo, onde as duas categorias - autobiografia e romance - não são redutíveis a nenhuma das duas isoladamente, num jogo em que ficção e não ficção se interpenetram não se restringindo, no conjunto de uma mesma obra, a territórios nitidamente demarcados. (MIRANDA, 1992: 37) Os narradores semprunianos a todo o momento reconhecem e explicitam que para narrar (e, assim, recriar) as suas lembranças não o podem fazê-lo ancorados apenas e exclusivamente no vivido. A memória traumática está plenamente marcada pelo real e sua presentificação nunca é plena, pois o real (o trauma) sempre escapa a simbolização. Dessa forma, lembramos as palavras de Elcio Cornelsen, já que “nós teremos um real diferente do realismo, um real que resiste a representação” (CORNELSEN, 2008: 95). Contudo, percebe-se que essa resistência de apreensão não é uma manipulação fraudulenta, já que não deixa de ter “responsabilidade diante da própria representação da vivência individual e intransferível” (CORNELSEN, 2008: 95). A voz narrativa assume seu relato como um trabalho cognitivo baseado na busca de uma linguagem que melhor dê conta da matéria ou essência de como sentiu ou viveu os acontecimentos narrados: “ao narrar as pessoas estão sempre fazendo referências ao passado e projetando imagens, numa relação imbricada com a consciência de si mesmas, ou daquilo que elas próprias aspiram ser na realidade social” (KHOURY, 2000: 131). Aplicamos, por isso, aos narradores semprunianos a seguinte afirmativa de Torres Montenegro (1953), para quem o dom de evocar é um dos segredos do narrador: “não evocar somente pela memória, mas evocar com o auxílio da imaginação, evocar menos como quem recorda do que como quem recria e alonga o passado no presente” (MONTENEGRO, 1953: 137). Notadamente, em muitos dos livros de Jorge Semprún personagens se repetem, há tramas muito parecidas, diálogos reiterados, cenários conhecidos e até mesmo obras que dialogam e se completam, dando | 159 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ao leitor certa sensação de déjà vu ou replay. Conforme Pêcheux (1999), esse fato toca em “um dos pontos de encontro com a questão da memória como estruturação de materialidade discursiva complexa, estendida em uma dialética da repetição e da regularização” (PÊCHEUX, 1999: 52). Esse é o caso das obras que tratam de sua vivência no campo de concentração de Buchenwald e das suas vivências como militante comunista na resistência contra a ditadura franquista. Segundo Xavier Pla (2010): Semprún se ha convertido también en un autor emblemático de la modernidad por su constante indagación sobre la identidad con su incesante reescritura (auto) biográfica. Toda la experiencia vivida es, en Semprún, una gran trama novelesca porque está atravesada por los avatares de la historia. Asumida definitivamente la condición de ‘exiliado’, con su renovada adhesión a un bilingüismo elegido y a la vez alternado francés-español, transformando sus diversas identidades de la vida real en una elaborada forma autobiográfica, Semprún culmina en sus libros diversas décadas de diálogo entre literatura y experiencia, entre memoria y olvido, entre acción y reflexión, tejiendo una especie de memorias literaturizadas, escritas como novelas, en las que se combinan todos los géneros literarios, desde el ensayo hasta la evocación lírica del recuerdo. La novela contemporánea que ejemplifica Semprún es híbrida, mimetiza formalmente a la autobiografía, coquetea con el ensayo e incorpora modalidades de escritura que provienen del reportaje, de la autobiografía o del dietario. (PLA, 2010: 3). A memória ativada no discurso testemunhal negocia com os tempos sincrônicos e diacrônicos da vida dos sujeitos incluídos no pacto de leitura, tramita também com a distância temporal entre o vivido, o narrado e o lido. É a evocação do passado enquanto substrato das lembranças atualizadas no presente que permite o compartilhar ou, como afirma Walter Benjamin, “incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1994: 98). Dessa forma, “a memória discursiva seria aquilo que, em face de um texto que surge como acontecimento a ler, vem restabelecer os ‘implícitos’ (...) de que sua leitura necessita: a condição do legível em relação ao próprio legível” (PÊCHEUX, 1999: 52). Vemos isso claramente no último capítulo da obra La escritura o la vida, “Retour à Weimar” / “Retorno a Weimar”, que trata do reencontro do narrador- protagonista como o seu temido passado, o seu “eu” jovem encarcerado no campo de concentração, entre os anos de 1944-1945. Esse reencontro se dá através de sua visita, em 1992, à cidade de Weimar, devido a uma rede televisiva sobre as suas vivências de Buchenwald. Jorge Semprún diz ter recusado no mesmo momento, sem refletir: “J’avais aussitôt refusé, sans prendre le temps de réfléchir” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 357) / “Rechacé su propuesta en el acto, sin tomarme el tiempo de meditarla” | 160 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 291), mas quando na noite seguinte, ele volta a sonhar com Buchenwald, muda de ideia: J’entendais dans mon rêve la voix de Zarah Leander au lieu de celle, attendue pourtant, habituelle, répétitive et lancinante, du Sturmführer S.S. demandant qu’on éteignît le four crématoire. Je l’entendais poursuivre sa chanson d'amour, comme tant de dimanches d’autrefois à Buchenwald. (...) § Je me suis alors réveillé. J'avais compris le message que je m'envoyais à moi-même, dans ce rêve transparent. Dès la première heure, j’allais téléphoner à Peter Merseburger, à Berlin, lui dire que j’étais d’accord. Que je voulais bien retourner à Weimar, faire avec lui l’entretien qu’il souhaitait. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 358) Oía en mi sueño la voz de Zarah Leander en vez de aquélla, sin embargo esperada, habitual, repetitiva y lancinante, del Sturmführer S.S. ordenando apagar el horno crematorio. La oía proseguir su canción de amor, como tantos domingos de entonces en Buchenwald. (…) § Entonces me desperté. Había comprendido el mensaje que me enviaba a mí mismo, en este sueño transparente. A primera hora de la mañana, telefonearía a Peter Merseburger, a Berlín, para decirle que estaba de acuerdo. Que estaba dispuesto a volver a Weimar, y hacer con él la entrevista solicitada. (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 298-299) Na ocasião da sua visita a Buchenwald, Semprún descobre que sua profissão, estudante de filosofia, fora registrada de outro modo em sua ficha de entrada: estucador, fato que o rendera maiores chances de sobrevivência, pois naquelas circunstâncias as profissões técnicas e braçais eram consideradas mais úteis aos interesses dos nazistas. O responsável pela alteração foi um prisioneiro comunista, já veterano no campo, que o recebera na sua chegada e, em nome da fraternidade comunista, o salvara com esse ato simples, apesar da insistência do jovem e ingênuo Semprún em ser fichado com sua profissão real. Segundo Márcia Marçal (2008), “esta descoberta muda a acepção que fazia da sobrevivência” (MARÇAL, 2008: 198), já que “antes, ele pensava que a sobrevivência se devia em parte a determinantes objetivos, como chegar ao campo bem de saúde e falar alemão, e a fatores imponderáveis como a sorte” (MARÇAL, 2008: 198). Devido à descoberta desse episódio inusitado, Semprún se depara com “o elemento solidário diferencial” (MARÇAL, 2008: 198), que o leva a pensar na “dialética entre Mal e fraternidade” (MARÇAL, 2008: 199) e “a reinterpretar sua história e identidade enquanto narrador” (MARÇAL, 2008: 199): Être en bonne santé, curieux du monde et connaitre l'allemand: la chance ferait le reste, en effet. § Toute ma vie - ma survie - j'avais pense cela. Même quand je ne parlais pas de cette expérience. D’où mon incapacité à ressentir un sentiment de culpabilité. Coupable d’être vivant? Je n’ai jamais éprouvé ce sentiment – ou ressentiment? – tout en étant parfaitement capable de le concevoir, d'en admettre l'existence. D'en débattre, donc. § Mais ce dimanche | 161 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves de mars, en 1992, sur la place d’appel de Buchenwald, l'apparition de la fiche établie le jour de mon arrivée, et ce mot incongru, Stukkateur, m’obligeaient à une nouvelle réflexion. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 385) Estar bien de salud, tener curiosidad y saber alemán: la suerte se encargaría del resto, en efecto. § Toda mi vida – mi supervivencia – había estado pensando lo mismo. Incluso cuando no hablaba de esta experiencia. De ahí mi incapacidad para experimentar un sentimiento de culpabilidad. ¿Culpable por estar vivo? Jamás he experimentado este sentimiento – ¿o resentimiento? – aun siendo perfectamente capaz de concebirlo, de admitir su existencia. De discutir al respecto, por lo tanto. § Pero aquel domingo de marzo de 1992, en la plaza de Buchenwald, la aparición de la ficha establecida el día de mi llegada, y esa palabra incongruente, Stukkateur, me obligaban a una nueva reflexión. (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 320) Assim como não seria possível lembrar em detalhes todos os fatos passados, não é possível narrar tudo o que se viveu: como o episódio anteriormente citado demonstra, há coisas que acontecem conosco que simplesmente desconhecemos. Para empreender sua narrativa sobre as vivências durante tantos meses em que esteve no campo de concentração, no exílio e na clandestinidade, Semprún se vale dos fatos, sim, mas com todo o esforço de suas lembranças: não pode contar o que não sabe ou o que não recorda. De acordo com Alain Brossat (2010), a recusa de Semprún de uma memória presunçosamente “segura en su función restitutiva va a conceder los derechos de la ficción” (BROSSAT, 2010: 197) que o autor exerce em suas obras. Assim, para Brossat, “de la condición de labilidad del régimen de memoria de la escritura, Semprún va a hacer (...) un medio de libertad” (BROSSAT, 2010: 197), e, sobretudo, “va a arraigar los derechos de ficción verídica en esta misma condición de incertidumbre generalizada del recuerdo y del olvido” (BROSSAT, 2010: 197). É importante ressaltar que, quando se trata de lembranças, as sobreposições, as fantasias, os equívocos, as dúvidas relativas à forma como ocorreram determinados acontecimentos são plenamente possíveis e naturais, bem como muitos detalhes escapam à nossa memória sempre “lacunar, imprevisible e irregular” (BROSSAT, 2010: 197). Portanto, muito do que ocorreu se perde no esquecimento e será, inegavelmente, recriado, ficcionalizado em narrativas autobiográficas, importa-nos, contudo, observar que quando “los derechos de la ficción son así estabelecidos en nombre de un tipo de principio de veracidad que implica la supremacía de la verosimilitud por encima del simple ‘haber sido’” (BROSSAT, 2010: 197), “un vasto horizonte se abre ante el autor” (BROSSAT, 2010: 197). Isso ocorre em Semprún por meio de um constante processo dialógico às claras com o leitor e com o próprio processo de escrita. A partir da descoberta do episódio da troca, efetuada pelo | 162 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves prisioneiro comunista, em sua ficha da profissão estudante para estucador, o narrador reflete sobre a ideologia comunista, capaz de atos de extrema solidariedade, como o sentimento de fraternidade mútua, bem como atos de intensa brutalidade, tais como, por exemplo, o pacto germano-soviético: Certes, c’était le hasard qui m’avait placé devant le communisme allemand au regard glacial, survivant des années terribles de Buchenwald. Un autre communiste allemand – j’en ai connu de nombreux, trop nombreux, qui auraient agi ainsi – aurait pu, excédé par mon arrogance intellectuelle, m’inscrire comme Student. Sans doute même sans essayer de me donner la moindre explication sur l’univers du camp. Excédé, et, à la limite, pas préoccupé du tout d’envoyerà Dora un jeune bourgeois. «Qu’il se démerde, ce merdeux! Qu’il apprenne à vivre, ce blanc-bec! De toute façon, ils ne sauront jamais comment c’était vraiment: les camps ne sont plus que des sanas, désormais!» § Combien de fois n’ai-je pas entendu, plus tard, dans des situations sinon identiques du moins comparables, des expressions comme celles-là dans la bouchede vieux détenus allemands! § Il n’empêche: mon communiste allemand inconnu avait reagi em tant que communiste. Je veux dire: de façon conforme à l’idée du communisme, quelles qu’em aient été les péripéties historiques plutôt sanglantes, asphyxiantes, moralement destructrices. Il avait reagi em fonction d’une idée de la solidarité, de l’internationalisme. En savait rien de moi, il m’a vu passer quelques secondes dans sa vie, comme tant de milliers d’autres inconnus, au long de ces années terribles. Peut-être a-t-il même oublié ensuite ce geste qu’il avait fait, ce mot qu’il avait retrouvé par association phonétique. Peut-être m’a-t-il complètement oubliè, ensuite. § Il n'empê’he: c’est parce que cet Allemand anonyme était communiste qu’il m’a sauvé la vie. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 385-386) Sin duda, la suerte me había colocado delante del comunista alemán de mirada glacial, superviviente de los años terribles de Buchenwald. Otro comunista alemán – he conocido a muchos, demasiados, que habrían actuado así – hubiera podido, irritado por mi arrogancia intelectual, registrarme como Student. Probablemente sin siquiera tratar de darme la más mínima explicación sobre el mundo del campo. Irritado y, en última instancia, totalmente despreocupado por enviar a Dora a un joven burgués. «¡Qué espabile, ese mequetrefe! ¡Qué aprenda ese mocoso lo que es la vida! ¡De todos modos, jamás sabrán cómo funcionaban de verdad las cosas antes: ahora los campos no son más que balnearios!» § ¡Cuántas veces habré escuchado, más tarde, no en situaciones idénticas pero por lo menos comparables, expresiones semejantes en boca de viejos comunistas alemanes! § No importa: mi comunista alemán desconocido había reaccionado en tanto que comunista. Quiero decir: de manera conforme a la idea del comunismo, cualesquiera que hayan sido sus peripecias históricas, más bien sangrientas, asfixiantes, moralmente destructoras. Había reaccionado en función de una idea de la solidaridad, del internacionalismo. En función de una idea generosa del hombre. No sabía nada de mí, apenas me había visto pasar unos segundos por su vida, como tantos otros miles de desconocidos a lo largo de aquellos años terribles. Tal vez hasta olvidara más adelante este gesto que había tenido, esta palabra que se le había ocurrido por asociación fonética. Tal vez me olvidara por completo más adelante. § No importa: porque era comunista, este alemán anónimo me salvó la vida. (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 320-321) | 163 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Na continuação no capítulo, o narrador empreende uma reflexão sobre o K.P.D, a organização clandestina do partido comunista alemão em Buchenwald, e o sentimento de total traição difundido entre seus membros quando souberam do pacto germano-soviético: “Peut-on faire l’effort d’imaginer ce que cela represente d’être um fidèle communiste, à Buchenwald, en 1939, au moment du pacte entre Hitler et Staline?” (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 387) / “¿Se puede hacer el esfuerzo necesario para imaginar qué representa ser un comunista fiel, en Buchenwald, en 1939, en el momento del pacto entre Stalin e Hitler? (SEMPRUN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 322). A partir desse pacto, muitos comunistas, principalmente os alemães, ficaram muito frustrados, passaram a ser mais individualistas ou até desistiram do comunismo: “Quelles discussions, quels déchirements, quels affrontements cet événement a-t-il dû produire dans les organisations illégales de Buchenwald!” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 387) / “¡Qué discusiones, qué desgarramientos, qué enfrentamientos debió de producir este acontecimiento en las organizaciones ilegales de Buchenwald!” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 322). Semprún declara em vários momentos e obras, que seu sentimento em relação ao comunismo não estava ligado a Stalin, mas sim aos ideais revolucionários dos “rojos” espanhóis. E, em sua visita a Weimar, vê que, apesar das decepções sofridas, “seu amigo” anônimo, o prisioneiro comunista alemão, o salvou em nome da fraternidade comunista. Entretanto, novamente Semprún constata as contradições comunistas ao lembrar que em 1945, pouco tempo depois de sua libertação do mando nazista, “Buchenwald avait été rouvert par les autorités d’occupation soviétiques. Sous le controle du K.G.B., Buchenwald était redevenu un camp de concentration” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 390) / “Buchenwald había sido reabierto por las autoridades de ocupación soviéticas. Bajo el control del K.G.B., Buchenwald se había convertido de nuevo en un campo de concentración” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 324-325), sendo desativado só em 1950. Semprún constata, então, que a Alemanha fatalmente é “le seul pays européen qui ait eu à vivre, à souffrir, à assumer critiquement aussi, les effets dévastateurs des deux entreprises totalitaires du XXe siècle: le nazisme et le bolchevisme” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 392) / “el único país europeo al que le ha tocado vivir, padecer, y asumir críticamente también, los efectos devastadores de las dos iniciativas totalitarias del siglo XX: el nazismo y el bolchevismo” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 326). De modo nenhum, segundo Semprún, essa situação é | 164 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves determinante, pois em “sua visão dialética da História, a radicalidade da contradição, do Mal, pode engendrar a transformação” (MARÇAL, 2008:), como podemos constatar na seguinte passagem: Je laisse aux savants docteurs ès sciences politiques le soin de signaler ou souligner les indiscutables différences spécifiques entre ces deux entreprises. Ce n'est pas mon propos, pour l'heure, à cet instant où je me souviens, dans ma chambre de l'Eléphant, de la neige qui est tombée sur mon sommeil. Mon propos est d'affirmer que les mêmes expériences politiques qui font de l'histoire de l'Allemagne une histoire tragique peuvent lui permettre aussi de se placer à l'avant-garde d'une expansion démocratique et universaliste de l'idée de l'Europe. § Et le site de Weimar-Buchenwald pourrait en devenir le lieu symbolique de mémoire et d'avenir. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 392) Ya se encargarán los sabios doctores en ciencias políticas de señalar o de destacar las diferencias específicas indiscutibles entre ambas iniciativas. No es éste mi propósito, ahora, en este instante en el que recuerdo, en mi habitación del Hotel Elephant, la nieve que ha caído sobre mi sueño. Mi propósito consiste en afirmar que las mismas experiencias políticas que hacen que la historia de Alemania sea una historia trágica, también pueden permitirle situarse en la vanguardia de una expansión democrática y universalista de la idea de Europa. § Y el emplazamiento de Weimar-Buchenwald podría convertirse en el lugar simbólico de memoria y de futuro. (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 326) O capítulo que encerra a obra L’écriture ou la vie termina com o despertar de Jorge Semprún no Hotel Elephant na manhã seguinte após sua visita a Buchenwald. Porém, esse despertar na verdade é a entrada em outro sonho, sobre o qual o narrador- personagem demonstra estar confuso sobre o que é sonho e o que é realidade: “Je ne rêvais plus, j’étais revenu dans ce rêve qui avait été ma vie, quis era ma vie” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 393) / “Ya no estaba soñando, había regresado a ese sueño que había sido mi vida, que será mi vida” (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 327). No seu sonho, Semprún caminha em uma neve densa, com seus netos Thomas e Mathieu Landman e fala com eles sobre Maurice Halbwachs, o bloco 56, as latrinas, os recitais de poemas com Serge Miller e Yves Darriet. Mas, de repente, seus netos não conseguem mais caminhar com ele, ficaram presos na neve, e, Semprún volta a ter vinte anos e está correndo em direção ao barracão, onde os companheiros o esperam para ouvir o testemunho do sobrevivente de Auschwitz. A descrição desse sonho, que encerra a narrativa de L’écriture ou la vie, mistura, portanto, os eventos vividos durante o dia pelo narrador com o significado concreto das suas memórias despertadas pelo retorno a Weimar. No entanto, como parece mostrar o fato dos netos não conseguirem, no sonho, seguir a caminhada com o avô, o testemunho se revela frágil para compartilhar | 165 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves todo o significado da experiência dos campos de concentração nazistas. Como bem analisa Anne Martine Parent (2006), “la scène de témoignage onirique reprend des événements de la journée: Semprun a en effet marché dans cette forêt avec ses petits- fils” (PARENT, 2006: 122), no entanto, há uma reviravolta: “mais le rêve prend une autre direction, celle du passé, de l’expérience réelle de Buchenwald, dans laquelle Thomas et Mathieu ne peuvent suivre leur grand-père” (PARENT, 2006: 122). Conforme Anne Martine Parent (2006) observa, é justamente a neve, um dos símbolos mais fortes na narrativa sempruniana sobre Buchenwald, o que impede que seus netos o sigam na caminhada em direção ao passado traumático: La neige, qui constitue, pour Semprun, le signe du camp, est justement ce qui empêche Thomas et Mathieu de le suivre. Autrement dit, le symbole du camp, c’est-à-dire la neige, est précisément ce qui sépare Semprun de ses petits-fils – et de tous les non-déportés. La neige, chez Semprun, représente le réel de l’expérience de Buchenwald, le noyau traumatique qui ne cesse de revenir et de hanter le sujet. Le rêve de Semprun le plonge à nouveau dans ce réel traumatique qui l’habite et le possède. (PARENT, 2006: 123) Semprún-narrador acorda assustado e percebe que se encontra no barracão dos doentes contagiosos de Buchenwald, sozinho, apenas na presença do kapo responsável por aquele lugar, Ludwig G. Trata-se, então, de um sonho que não terminou, um sonho dentro de outro sonho. O narrador-personagem revive / relembra então, em um ambiente onírico, o domingo em que ouviu o testemunho do sobrevivente de Auschwitz e, com o frio crescente e a neve caindo, escuta dormindo um eco da “voix monocorde, au débit irrégulier, tantôt lent, minutieux, répétitif, tantôt précipité, comme sous le coup d’une émotion soudain trop forte” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 394) / “voz monocorde, de elocución irregular, ora lenta, minuciosa, repetitiva, ora precipitada, como bajo el efecto de una emoción de repente demasiado flerte” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 327) daquele sobrevivente. O narrador sussurra alguns versos de Bertolt Brecht (“O Deutschland, bleiche Mutter...”) e é interrompido por Ludwig G., que aparentemente não conhecia esses versos. Semprún ouve, então, apitos e começa a se sentir apreensivo, pois se lembra de que tinha que voltar para seu bloco, pois “l’heure avait tourné, ces sifflets annonçaient le couvre-feu” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 396) / “habían pasado las horas, aquellos pitidos anunciaban el toque de queda” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 329). A confusão entre sonho e realidade mostra o efeito do trauma na percepção do sobrevivente. Semprún | 166 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves demonstra sentir, em toda sua obra, um medo constante de acordar de novo no campo e perceber que nunca saiu de lá, que sua libertação foi só um delírio, um desejo, enfim, uma ilusão. Dessa forma, segundo Anne Martine Parent (2006), a vivência do campo invade a vida presente do narrador, pois “la narration montre et renforce la prédominance de la réalité de Buchenwald sur la vie. En effet, quand Semprun se réveille de son rêve, qu’il est revenu dans «ce rêve qui a été [sa] vie, qui sera [sa] vie», il a de nouveau vingt ans et il est dans le camp” (PARENT, 2006: 124). É significativo o fato de Semprún haver voltado a Weimar acompanhado dos seus netos: ele deseja passar para eles a memória de suas vivências, atribuindo a elas um valor educativo fundamental: “il fit la visite du camp accompagné de deux petits-fils, car il pensait qu’avec eux il pourrait évoquer cette expérience sans impression d’échec ou d’indécence. C’est à eux qu’il voulait passer le témoin de la mémoire” (OLIVA, 2009: 146). É também muito significativo o fato do livro encerrar-se com um sonho que, efetivamente, começa com o ato de testemunhar (lembrando que o sonho de Semprún inicia-se com ele mesmo nomeando e descrevendo para os netos algumas pessoas, lugares e acontecimentos do campo de concentração). Segundo Maria Luisa de la Oliva (2009), Semprún vê o testemunho como indiscernível de sua transmissão, isto é, da sua capacidade de atrair ouvintes: “pour Semprun, le témoignage est inséparable de sa valeur de transmission, qui va au-delà du récit de l’expérience, qui comporte le risque de tomber dans l’obscénité” (OLIVA, 2009: 146). Assim, para conseguir uma audição atenta sem resvalar para o obsceno, o testemunho precisa conter sabedoria: “selon lui, si le témoignage n’a pas valeur d’enseignement, il n’a pas de raison d’être” (OLIVA, 2009: 146). Quando Semprún parece constatar que seus sonhos sempre o farão acordar na triste realidade de Buchenwald, a narrativa empreende outra reviravolta: o narrador percebe que a neve parou de cair e que a noite está clara. Essa imagem faz com que a narrativa se encerre, ainda em uma atmosfera onírica, de forma mais esperançosa. Semprún finaliza sua obra dizendo sentir uma felicidade insensata e inesquecível ao observar a beleza da noite (que fica em suspenso se é a noite visualizada em sonho ou a noite vista já em estado desperto): “Je me souviendrai toute ma vie de ce bonheur insensé, m’étais-je dit. De cette beauté nocturne” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 396) / “Me acordaré toda mi vida de esta felicidad insensata, me dije para mis adentros. De esta beleza nocturna” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 329- | 167 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 330). A narrativa sempruniana, ao deixar no ar o fato de que a beleza da vida pode ajudar a superar os traumas da morte, se encerra de forma ambígua, com uma última fala de Semprún, repleta de alusões sinestésicas: “J’ai levé les yeux. § Sur la crête de l’Ettersberg, des flammes orangées dépassaient le sommet de la cheminée trapue du crématoire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 396) / “Alcé la mirada. § En la cresta del Ettersberg, unas llanas anaranjadas sobresalían de lo alto de la maciza chimenea del crematorio” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 330). Vemos, no capítulo de encerramento de L’écriture ou la vie, que os embates entre desconhecer e saber / lembrar e esquecer na obra sempruniana nos abrem um leque de possibilidades de análises teóricas. As vivências de Semprún, sujeito empírico da interlocução literária, são perlaboradas via linguagem para nos mostrar “un relato infinito en forma de palimpsesto, en el que siempre se reescribirá la misma historia sobre el texto borrado y grabado de la versión precedente” (BROSSAT, 2010: 197). A leitura conjunta de suas obras nos possibilita visualizar “toda la serie de ajustes oportunos del relato ‘reactualizado’ a efectos de coyuntura ideológica” (BROSSAT, 2010: 197-198), empreendidos por Semprún. Vemos mudanças de ordem diversa, “de variación a rectificación, de recuperación a reorganización” (BROSSAT, 2010: 197) e observamos uma relação simbiótica entre ficção e memória na obra de Semprún, um romancista que depõe ao narrar. Segundo Halbwachs (2006), a memória autobiográfica se apoia na memória histórica, uma é interior e a outra, exterior; uma é pessoal e a outra social: A primeira se apoiaria na segunda, pois toda história de nossa vida faz parte da história em geral. Mas a segunda seria, naturalmente mais ampla do que a primeira. Por outra parte, ela não nos representaria o passado senão sob uma forma resumida e esquemática, enquanto que a memória de nossa vida nos apresentaria um quadro bem mais contínuo e mais denso. (HALBWACHS, 2006: 59) No ato de “reviver” a lembrança / re-presentar o acontecido, Semprún desconfia da narração de um “eu” contínuo e coerente. Descarta também um “eu” somente literário ou somente biográfico. Isso ocasionou muitas críticas de estudiosos que defendem a separação total (a nosso ver, sempre ilusória) entre os campos discursivos. Tal como bem recorda-nos Jordi Gracia (2010): “de ahí la desconfianza de algunos lectores, como Carlos Castilla Del Pino, incapaz de percibir verdad alguna cuando Semprún trata de la guerra o de Buchenwald” (GRACIA, 2010: 96). Gracia (2010) cita a crítica que Castilla Del Pino (2002) faz ao uso declarado de construtos ficcionais em obras biográficas: “cuando una | 168 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves biografía hay literariedad, como le sucede a la de Semprún, por ejemplo, yo – no me importa decirlo públicamente – empiezo a dudar de su autenticidad, porque el estilo es un disfraz” (CASTILLA DEL PINO, 2002 apud GRACIA, 2010: 96). Cabe então a pergunta: as verdades ficcionais são menos autênticas (ou menos verdadeiras) por assim se declararem? Não estaria justamente nesse fato a verdade narrativa, isto é, autodeclarar- se um construto discursivo (sujeito ao uso de criação como qualquer outro)? Como Semprún nos lembra na frase que colocamos na epígrafe anterior: a memória (e acrescentamos: assim como a “verdade”) é como uma boneca russa que quando chega à “última de talla diminuta, (...) ya no puede abrirse”. (SEMPRÚN. Autobiografía de Federico Sánchez. 1977: 226). Existe um núcleo inalcançável em toda memória, em toda verdade, que será sempre revestido por fatos ficcionais, ainda que o sujeito que rememora e que conta suas recordações não o admita, tente obliterar o fato ou nem sequer tenha consciência dele (a memória – colocada no campo ótico da verdade – sempre nos prega peças!). De fato, a narrativa sempruniana se inscreve na captura das zonas limítrofes entre o real e o fictício. E isso provoca uma reviravolta crítica nos discursos que apregoam a existência de uma ruptura entre as instâncias da realidade e da ficção, como podemos entrever na seguinte frase de Castilla Del Pino (2002): <>porque <> experiencias como la guerra civil o Buchenwald porque acaban siendo herramientas <>. (CASTILLA DEL PINO, 2002 apud GRACIA, 2010: 96) Castilla Del Pino e outros críticos que têm uma percepção da autobiografia e do testemunho como discursos neutros acabam por estabelecer uma hierarquia (cada vez mais recusada pelos escritores e, igualmente, rechaçada pelos intelectuais de outras áreas do conhecimento – tais como filósofos, historiadores, psicanalistas, antropólogos, etc.) entre a literatura e os discursos da “verdade” e do “saber científico” em detrimento dos outros saberes: “como si nada fuese capaz de igualar el efecto y la intención de verdad del documento testimonial y racional” (GRACIA, 2010: 97 comentando o texto de CASTILLA DEL PINO, 2002). Muitos confundem, assim, ficção com mentira e se esquecem de que todos os discursos são artefatos construídos, isto é, tem sua dose fictícia de (re)criação. Em nossa análise da literatura testemunhal ou da literatura de memórias, temos que ter em conta que a palavra ficção não pode ser tomada simplesmente como sinônimo de falsidade / mentira. Por isso, cabe-nos, indagar: a memória (seja histórica, | 169 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves seja literária), por si só, já não é um construto ficcional? Ou, reformulando: todo discurso não seria em si mesmo um construto, independente de suas estratégias ficcionais ou não- ficcionais? Desse modo, não seria o termo “memória ficcional”, em certa medida, redundante, já que todo processo rememorativo é, por assim dizer, uma (re)construção? Além disso, só seria ficcional uma memória levada ao campo literário? Só seria ficcional uma memória que se autodesnuda como tal? A memória testemunhal estaria livre de ser também, em alguma medida, ficcional? Assim, sobre a relação memória, vivência, ficção pode-se verificar em muitos trabalhos - como os de “Castilla y su poética de la memoria” (CASTILLA DEL PINO, 2002 apud GRACIA, 2010: 97) acerca dos processos de rememoração inseridos em textos literários o uso do conceito “memória ficcional” como uma espécie de memória vivida (real) posta em ficção ou, então, como o traslado, para a palavra escrita, de procedimentos “recordatórios” – incertezas, dúvidas, lacunas etc. Recursos que muitas vezes (mas nem sempre) são atribuídos a uma obra como características negativas ou depreciativas. Isto é, ao falar-se da realidade textual remetendo ao que é vivenciado no plano ficcional, se poderia pensar em escritas que pretendam colocar uma memória vivida em cena através da linguagem, realizando assim, uma memória literária, termo esse que será rearticulado na nossa leitura da obra sempruniana em relação ao pacto de leitura tal como o visualiza Wolfgang Iser (1999), através da pergunta: “como pode existir algo que, embora existente, não possui o caráter de realidade?” (ISER, 1999: 14). Cabe aqui a análise de Diana Irene Klinger (2007). Ela sinaliza que depois de Roland Barthes ter declarado a morte do autor, “a auto-referência em primeira pessoa talvez” (KLINGER, 2007: 33) passou a ser “uma forma de questionamento do recalque modernista do sujeito” (KLINGER, 2007: 33) e, talvez, também uma maneira de mostrar que toda escrita de si não deixa de ser também uma escrita do outro. Beatriz Sarlo denominou o atual fenômeno da valorização da primeira pessoa de guinada subjetiva: “restaurou-se a razão do sujeito, que foi, há décadas, mera ‘ideologia’ou ‘falsa consciência’” (SARLO, 2007: 19) e, “por conseguinte, a história oral e o testemunho restituíram a confiança nessa primeira pessoa que narra sua vida (privada, pública, afetiva, política) para conservar a lembrança” (SARLO, 2007: 19). | 170 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3. Capítulo 3: Literatura e política: em meio às catástrofes do século XX Je n’aimais pas l’idée d’être confiné dans le rôle du survivant, du témoin digne de foi, d’estime et de compassion. L’angoisse me prenait d’avoir à jouer ce rôle avec la dignité, la mesure et la componction d’un rescapé présentable: humainement et politiquement correct. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 100) No me gustaba la idea de quedar reducido al papel de superviviente, de testigo digno de fe, de estima y de compasión. Me angustiaba verme obligado a desempeñar ese papel con la dignidad, el comedimiento y la compunción de un superviviente presentable: humana y políticamente correcto. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 89) Neste capítulo, indagamos as possibilidades de “apresentação” histórica na obra de Jorge Semprún (1923-2011) a partir do seu engajamento discursivo e da imbricada relação que o autor estabelece entre literatura e política. Empreendemos um caminho de rastreamento dos vestígios e pegadas históricas da Guerra Civil Espanhola, da Segunda Guerra Mundial, do encarceramento e da libertação dos campos de concentração bem como da militância política no pós-Segunda Guerra a partir da escritura sempruniana e a referência aos fatos históricos por ele vivenciados. Faremos, para isso, uma leitura crítica dos quatro capítulos que compõem obra Adieu, vive clarté... / Adiós, luz de veranos... (Capítulo 1: “J'ai plus de souvenirs que si j'avais mile ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...”; Capítulo 2: “Je lis Paludes...” / “Leo Paludes...”; Capítulo 3: “Voilà la Cité Sainte, assise à l’Occident...”/ “He aquí la Ciudad Santa, asentada en Occidente...”; e, Capítulo 4: “Bientôt nous plongerons dans le froides ténèbres...”/“Caeremos muy pronto en las frías tenieblas”). Veremos que Jorge Semprún empreende suas narrativas sobre os eventos traumáticos que marcaram o extremado século XX por meio de uma aguçada crítica e de um modo de ver bastante singular, entre desiludido e firme diante dos seus sonhos e ideais democráticos. Em face disso, a pergunta central deste capítulo é: como recuperar uma memória tão amarga e dolorosa a partir de um discurso engajado politicamente (ou seja, que deseja refletir sobre o passado, atuar no presente e alcançar o porvir histórico)? A partir daí, cabe discutir como os acontecimentos da chamada era das catástrofes ou era dos extremos provocaram uma guinada no pensamento ocidental, levando a um total questionamento deste labirinto desviado do centro que foi a modernidade europeia (época em que as luzes se apagaram, as ilusões e as utopias se | 171 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves perderam em um emaranhado de impasses e perplexidades). Segundo Soledad Fox Maura (2011), “en su obra, Semprún supo borrar hábilmente las fronteras entre autobiografía, ficción e historia, pero no hay que confundir sus personajes-narradores con el autor” (FOX MAURA, 2011: s.p.), já que não se pode prescindir do aspecto literário de sua narrativa: “lo que cuenta está basado en su experiencia histórica y posee un gran valor testimonial, pero, por otra parte, habría que destacar y recordar sus méritos como creador literario” (FOX MAURA, 2011: s.p.). Nesse sentido, argumenta Soledad Fox Maura (2011): Una vida dramática no es suficiente para hacer literatura. Semprún tuvo una vida «extraordinaria», pero hay miles de vidas extraordinarias del siglo xx – vidas que incluso pasaron por el exilio republicano en Francia, por los campos de concentración, o por la militancia comunista clandestina–, que son y serán siempre anónimas. Hay que reconocer al Semprún escritor, porque para él la escritura fue el único camino (a diferencia del «único camino» de la Pasionaria) que le permitió ser libre y porque pagó un precio muy alto por seguirlo. Solo al escribir pudo esquivar las reducidas categorías –siempre enemigas– que la vida le proponía: en Francia fue durante mucho tiempo el rouge espagnol, en España un rojo afrancesado. Para los franquistas fue un radical militante y para los comunistas nunca dejó de ser un aburguesado. Para los nazis era enemigo y prisionero de guerra, y para algunos su experiencia en Buchenwald no contaba tanto porque, como no era judío –únicamente prisionero de guerra– y hablaba alemán, le trataron mejor. ¿Cómo pudo vivir Semprún entre tantas sandeces, tanto odio, tanta envidia? Una de las preguntas que le hacían era si «se sentía» más francés o español. «¿Te sientes español?». Una pregunta ambigua cargada de fascinación y desprecio hacia los que han vivido fuera, que insinúa que el interrogado tiene la obligación de sentirse español, aunque no el derecho. Una pregunta que se encuentra motivada por ese afán de encasillarlo todo y a todos. ¿Cómo no iba a sentirse Semprún español, cuando para él la infancia –madrileña– era primordial, y vuelve a ella en casi todas sus obras, cuando se pasó la vida intentando desentrañar y manipular el rompecabezas de esas imágenes de la niñez como hizo Proust con las suyas? Madrid era el paraíso perdido de los primeros años, donde murió precozmente su madre, Susana Maura, donde su abuelo Antonio Maura dominaba la política y la joven dinastía familiar que vivía en el señorial barrio al lado del Museo del Prado, el Retiro, el Jardín Botánico. No le perdonarían muchos a Semprún el hecho de haber pasado su infancia en ese entorno, aunque le duró poco. (FOX MAURA, 2011: s.p.) Em Adiós luz de veranos... / Adieu, vive clarté..., obra considerada pela crítica como romance autobiográfico, vemos o narrador-personagem Jorge Semprún com quinze anos em Paris, internado há poucos meses no célebre liceu Henry IV, enquanto o exército do General Franco invade a cidade de Madri. Ficaram para trás as fugazes recordações da infância, em especial os iluminados verões de Santander e Lekeitio, nos quais ele passava os dias em brincadeiras com os irmãos no jardim e escutando o pai, José Maria de Semprún Gurrea (1893-1966), recitar poemas ao anoitecer. Além disso, essa fase é marcada pela visita ao avô materno Antonio Maura e a inesperada morte da mãe, Susana | 172 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Maura Gamazo (1894-1932). O estalido da Guerra Civil Espanhola em 1936 havia provocado o exílio de sua família republicana, primeiro em La Haya e depois em Paris. Semprún começa então a forjar suas primeiras convicções políticas e filosóficas ao entrar em contato com os amigos intelectuais de seu pai, conhece a esquerda francesa em anos decisivos para o futuro da Espanha e todo o continente europeu. São também os anos do descobrimento da sexualidade, das leituras que o marcaram por toda a vida e do frutífero encontro com a língua francesa, assim quando o narrador “advierte que está utilizando episodios ya contados em otros libros, reconoce también el riesgo de deformarlos porque conoce desde antiguo ‘las tretas’ de la memoria” (GRACIA, 2010: 95). Os fatos da narrativa de Adieu, vive clarté... se dão durante o período que antecedeu a prisão de Semprún no campo de concentração de Buchenwald. Pode-se descrever esse livro como as memórias pessoais de Semprún frente às confusões da adolescência em meio ao exílio e aos mistérios de Paris, que se confundem com as (não) descobertas realizadas diante da “linguagem-mundo” das mulheres e da “linguagem-mundo” dos estrangeiros, personificados ambos como sendo a tentativa de entendimento das relações humanas e da apropriação da língua / literatura francesa. Nesta obra, os fatos estilísticos e culturais do francês só podem ser apreendidos na linguagem, que é o veículo com o qual Jorge Semprún percorre suas lembranças. Recordações que se assemelham a um mosaico despedaçado, num intento de compreender ou pelo menos refletir sobre os tantos eventos que se seguiram antes da sua entrada em Buchenwald e que, eventualmente, colidiram para dar sentido (ou não sentido) à sua experiência: Dans mon souvenir, le temps est changeant. (...) Mais depuis longtemps j’ai appris à déjouer les tours de ma mémoire. Ses ruses m’en apparaissent cousues del fil blanc: trop visibles. (...) Mais je ne vais pas me laisser faire, cette foisci, par les tours et détours de ma mémoire, par ses ruses habituelles. Souvent, je me laisse faire. Je laisse fleurir ou flamboyer les coincidences. (...) Je frotte délibérément deux pierres de souvenance différentes, pour voir quelle étincelle en jaillira. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 95-96) El tiempo es cambiante en mi recuerdo. (...) Pero hace tiempo que he aprendido a burlar las jugarretas de mi memoria. Sus tretas me resultan ahora evidentes; demasiado visibles. (...) Pero esta vez no voy a dejarme embaucar por las vueltas y revueltas de mi memoria, por sus tretas habituales. Me dejo embaucar con frecuencia. Dejo florecer o fulgurar las coincidencias. (...) Froto deliberadamente dos piedras de recuerdo diferentes para ver qué chispa brotará. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 84- 85) É importante destacar que na obra sempruniana é na história vivida, e não na história aprendida, oficializada, que se apoiam as memórias. Além disso, sua escrita se dá | 173 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves na releitura dos vestígios, reminiscências e sensações a partir da sempre presente atualização do passado, a partir do olhar e do sentir do agora. Quando Semprún se dispõe a relatar suas memórias, ele não retorna empiricamente para tal tempo vivido, mesmo porque, até então, é impossível essa volta ao passado. A memória, vista dessa maneira, “é construção do passado pautada por emoções e vivências. É flexível e os eventos são lembrados à luz da experiência subsequente e das necessidades do presente” (FERREIRA, 2002: 321), da identidade e das identificações do eu da rememoração no tempo do seu relato. Por isso que Pierre Nora diferencia memória e história. Enquanto a memória é “viva”, encontrando-se em “permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento” (NORA, 1993: 9), a história apresenta-se como, de certa forma, “morta” nos livros e nos documentos (por vezes, ressuscitada pelo estudo, pela leitura), já que é a “reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais” (NORA, 1993: 9), do que já foi. Deste modo, Nora conclui que “a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente; a história uma representação do passado” (NORA, 1993: 9). Entretanto, vemos que tanto em Nora como em Semprún, memória e história são conceitos a serem apreendidos em conjunto, da mesma forma que os termos presente / ausente, desperto / adormecido, vida / morte. No prólogo da edição francesa da obra Las trece rosas, de Jesús Ferrero, Semprún escreve: Si el sueño de la razón produce monstruos, como afirmaba Goya, el despertar de ésta, el desarrollo de la razón democrática, disuelve los monstruos del pasado, permite que se los afronte a plena luz, que se les plante cara. Así, las trece rosas rojas de la lejana epopeya salen de su largo sueño. Las rosas de la memoria roja de los combates populares se exponen de nuevo en la literatura más reciente, en la cual florecen. (SEMPRÚN apud CÉSPEDES, Jaime. 2005: 131) Em Semprún, o espaço da escrita não se consolida somente como a narrativa de um “eu”, mas, sobretudo, de um “eu” que escreve por meio de uma língua e uma linguagem a impossibilidade de ser ele mesmo. Semprún textualiza assim na sua escrita da memória, usando a linha de raciocínio de Astor Diehl, apossibilidade de aprendizagem e de socialização (DIEHL, 2002: 117), de comunicabilidade e de construção identitária. Os narradores semprunianos traduzem para a tradição literária as palavras de “outros” (que podem, inclusive, fazer referência às várias identidades do sujeito empírico Semprún) que, por terem sido “aniquilados”, “censurados” ou “alienados” não podem (ou não querem) se expressar a não ser baixo um pseudônimo (que também pode ser o nome próprio) ou a voz de outro. Segundo Diehl (2002), “para a história, não são as memórias | 174 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves e identidades os pontos centrais, mas as suas respectivas representações nas experiências e expectativas de vida” (DIEHL, 2002: 113), assim, “se pensarmos memória dentro dessa perspectiva, então ela não aparece como fonte de informações para o conhecimento histórico, mas como expressão do próprio pensar histórico” (DIEHL, 2002: 120): Memória possui contextualidade e é possível ser atualizada historicamente. Ela possui maior consistência do que lembrança, uma vez que é uma representação produzida pela e através da experiência. Constitui-se de um saber, formando tradições, caminhos – como canais de comunicação entre dimensões temporais –, ao invés de rastros e restos como no caso da lembrança. A memória pode constituir-se de elementos individuais e coletivos, fazendo parte de perspectivas de futuro, de utopias, de consciências do passado e de sofrimentos. Ela possui a capacidade de instrumentalizar canais de comunicação para a consciência histórica e cultural, uma vez que pode abranger a totalidade do passado num determinado corte temporal. (...) Nesse nível, ela representa possibilidades de aprendizagem e de socialização, expressando assim continuidade e identidade daquelas tradições. (DIEHL, 2002: 116-117) No caso de Semprún, “el escritor ha suplantado al hombre para vampirizar su experiencia, manejarla y amputarla, gobernarla y cribarla, y sólo son las expectativas morales o de género literario las que tienden a leer tales textos como lo que no son” (GRACIA, 2010: 95), ou seja, “acaban exigiéndoles un relato confesional y lineal del hombre que el autor ni quizá pueda dar tampoco” (GRACIA, 2010: 95-96). A questão colocada por David Farrell Krell: “qual pode ser a verdade da memória, uma vez que as coisas passadas estão irrevogavelmente ausentes?” (FARREL KRELL apud RICŒUR, 2007: 29) e a afirmativa: “o ato de recordar está sempre ancorado no presente” (SELIGMANN-SILVA, 2003: 45) entram em sintonia na medida em que remetem à limitação da memória em “reproduzir”, com fidelidade, o repertório de imagens que povoa a psique de quem sofreu uma ruptura na linha da vida. A memória do traumatizado, num movimento pendular, situa-se, então, entre um tempo pretérito, enquanto cronologia, e o presente cristalizado no ego da vítima. Os obstáculos estão sempre presentes na narrativa sempruniana do trauma e a necessidade, nesse sentido, é paradoxal, pois seu testemunho “só existe sob o signo de seu colapso e de sua impossibilidade” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 65). Trata-se da cisão entre a linguagem e o evento, a impossibilidade de revestir o vivido com o verbal: De um lado, a necessidade premente de narrar a experiência vivida; de outro, a percepção tanto da insuficiência da linguagem diante dos fatos (inenarráveis) como também – e com um sentido muito mais trágico – a percepção do caráter | 175 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves inimaginável dos mesmos e da sua consequente inverossimilhança. (SELIGMANN-SILVA, 2003: 45). Segundo Alfredo Bosi (1999), o trabalho do escritor é complexo, pois sua matéria- prima, a palavra, carrega sentidos diversos que lhe foram sendo atribuidos ao longo dos anos e, por isso, a arte da palavra incide em “reviver e potenciar a expressão que o uso desgastou” (BOSI, 1999: 57), por isso, no campo da escrita estética-literária “a força da arte literária busca formas que tragam à luz da significação os percursos do desejo e da pena, da angústia e da alegria; formas que revelem sentidos latentes ou, quem sabe, resgatem o não-sentido da existência quotidiana” (BOSI, 1999: 57). A complexidade da escrita literária alcança seu auge com o advento da literatura, como a de Jorge Semprún, Imre Kertész, Elie Wiesel e Primo Levi, que narra as catástrofes do século XX, especificamente em relação às vivências nos campos de trabalho forçado e extermínio na Segunda Guerra Mundial, provocando reflexões sobre o “literário” e o “real”, a “ficcionalidade” e a “referencialidade”. O “real” do trauma que escapa ao discurso referencial, escapando a capacidade de significação dos sujeitos e lança luz à necessidade do atributo ficcional nos discursos. Visitamos no capítulo 3 desta Tese, pois, os instantes que não raramente ocorrem, nos quais Semprún escritor e Semprún ficcional se fundem. São os momentos em que vemos o relato de sua dor de “Ser”. Sua identidade (como ser humano e como escritor) vai se definindo de forma confusa e nebulosa no final da Guerra Civil Espanhola, durante a Segunda Guerra Mundial e no encarceramento no campo de concentração de Buchenwald. Após sua libertação, em abril de 1945, essas experiências marcam-no com um índice impossível de ser apagado e que se sobreporia a qualquer outro vestígio identitário, a saber, o rótulo de sobrevivente – “Je n’aimais pas l’idée d’être confiné dans le rôle du survivant” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 100) / “No me gustaba la idea de quedar reducido al papel de superviviente” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 89). Estigma esse que Semprún tenta camuflar e, até mesmo, aplacar através do exercício de uma intensa militância política no período imediato à sua saída de Buchenwald. Podemos ver na obra sempruniana a sua busca identitária para configurar-se plenamente como um intelectual engajado politicamente sem abrir mão da escrita literária / artística / ficcional. Semprún funda para si mesmo uma pátria literária para “convertir en experiencia comunicable la experiencia privada incomunicable” (GRACIA, 2011: s.p.). O autor deseja, assim, fazer com que seu testemunho tenha audiência ao “hacer | 176 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves literatura con la vivencia intransferible, y eso significaba que para contar su pasado como víctima del totalitarismo en Buchenwald y como comunista en la posguerra española necesitaba las armas de la ficción para contar la verdad” (GRACIA, 2011: s.p.). Sobre esse lugar “inventado” por Semprún no panorama literário, fazemos nossas as palavras de Jordi Gracia no texto Jorge Semprún, la excepción hispánica (2011): “su experiencia biográfica y su rareza casi biológica podrían quedar sepultadas por el tiempo si no hubiese una obra literaria capaz de detener la carcoma corrosiva del olvido” (GRACIA, 2011: s.p.). É mesmo notável o fato de que Jorge Semprún “ha visto, vivido y tomado parte en tantos acontecimientos que bastarían para llenar siete vidas” (AUGSTEIN, 2010: 11) e, como analisa sua biógrafa Franziska Augstein (2010), “la pregunta ‘¿por qué está usted aquí?’ no tiene demasiada importancia para Semprún. Él siempre ha ido allí adonde le han llevado sus convicciones políticas” (AUGSTEIN, 2010: 11). Segundo Xavier Pla (2010), na apresentação do livro Semprún o las espirales de la memoria: Semprún es uno de los testimonios más lúcidos del siglo XX. Su vida y su obra ya forman parte de la historia de nuestros tiempos. Pero detrás de la figura pública de Semprún, hay una obra literaria en torno a la cual se ha desplegado la ‘vertiginosa espiral de la memoria’, y que ha sido quizá poco estudiada por los historiadores y críticos literarios hispánicos. Hay una profunda reflexión sobre la experiencia concentracionaria. Hay una brillante teorización sobre la novela, los límites de la ficción narrativa y la verdad literaria. Hay un filósofo que ha proclamado la necesidad de pensar las identidades y la cuestión del testimonio. Hay un ensayista político que ha intentado reformular la lucha contra todos los autoritarismos. Hay un exigente lector de poesía europea. Hay, en definitiva, un escritor que ha hecho del lenguaje su única patria. (PLA, 2010: 2-3) Como veremos na próxima parte deste capítulo da Tese, tanto as narrativas referentes às lembranças pré-adolescentes de Jorge Semprún (o “verão” nublado pelo exílio) quanto suas lembranças juvenis (o longo “inverno” representado pelos quase dois anos de encarceramento no campo de concentração) refletem de maneira significativa a seguinte análise de Jeanne Marie Gagnebin (2006) sobre os motivos que levam alguém a ser escritor, razões essas que tocam no legado a ser comunicado / transmitido: “quando alguém escreve um livro, ainda nutre a esperança de que deixa assim uma marca imortal, que inscreve um rastro duradouro no turbilhão das gerações sucessivas” (GAGNEBIN, 2006: 112), instaurando uma rasura no desenrolar da história, “como se seu texto fosse um derradeiro abrigo contra o esquecimento e o silêncio, contra a indiferença da morte”. (GAGNEBIN, 2006: 112) | 177 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3.1. A escrita literária do exílio traumático: lembranças juvenis (“J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...”) Je ne possédais plus rien, en effet. Plus rien d’autre que moi- même, mes souvenirs. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté...1998: 99) No poseía ya nada, en efecto. Sólo me tenía a mí, y a mis recuerdos. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 17) Assim como o próprio livro Adieu, vive clarté... / Adiós, luz de veranos..., o primeiro capítulo dessa obra tem como título alguns versos de Charles Baudelaire: “J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...”. Esses versos são do poema Spleen e se valem da figura de linguagem hiperbólica para demonstrar a amplitude, o alcance e a imensidão atribuídas pelo eu-lírico às suas memórias. O título do poema aponta para o conteúdo melancólico do mesmo: a angústia do sujeito diante das inúmeras lembranças de sua vida. Vemos que Semprún se identifica com esse eu de memória milenar que tem mais lembranças do que se tivesse mil anos. De fato, como bem lembra Franziska Augstein (2010), “rastreando su biografía se puede narrar buena parte de la historia europea del siglo XX” (AUGSTEIN, 2010: 11). E a primeira memória, por assim dizer, histórica evocada por Semprún em Adieu, vive clarté... diz respeito ao exílio dos “rojos” espanhóis durante e após a Guerra Civil Espanhola: “J’avais quinze ans, la guerre d’Espagne était perdue” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 14) / “Tenía quince años, y la guerra de España estaba perdida” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 14), frase que, segundo Beatriz Coca Méndez (2013), em sua simplicidade evidencia a causa do seu exílio: “dans sa simplicité, cette phrase suggère la cause évidente de l’exil ainsi que les connotations intimes qui l’accompagnent” (MÉNDEZ, 2013: 69). Mais adiante no capítulo, o conteúdo expresso nessa frase é repetido várias vezes, em outros contextos e com outros termos, como, por exemplo, nas seguintes passagens: “Je n’avais pas encore seize ans, la guerre d’Espagne était perdue, les miens étaient humiliés, maltraités, dispersés dans le vaste monde” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 31) / “No había cumplido aún dieciseis años, la guerra de España estaba perdida, los míos había sido humillados, maltradados, dispersados por el ancho mundo” | 178 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 28) e “En mars, à la fin du mois de mars, j’étais seul et Madrid était tombée. Je lisais le titre de Ce soir et des larmes me montaient aux yeux. Une colère sombre, aussi, au cœur, impuissante mais rageuse” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 71) / “En marzo, a fines del mes de marzo, estaba solo y había caído España. Leí el titular en Ce Soir y me llenaron los ojos de lágrimas. Me invadió también una ira, impotente pero rabiosa” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 62). A nosso ver, a reiteração dessa cena em diversos momentos do primeiro capítulo adquire o efeito de um eco labírintico e nebuloso que nos faz adentrar, aos poucos e cada vez mais, nas profundezas da memória de Semprún. Sobre isso, declara Beatriz Coca Méndez (2013) que “la répétition de cette phrase, qui prend les allures d’un refrain, l’effet de son itération, se prête à des réflexions et à des variations thématiques, de sorte que la poétique de la répétition se perd et s’égare dans des temps et des espaces différents” (MÉNDEZ, 2013: 70). Além disso, “du point de vue stylistique, la répétition –sous la forme de l’anaphore, de l’énumération et, encore, de la construction en parallèle– ne vise qu’à exprimer cet état d’esprit spleenétique” (MÉNDEZ, 2013: 70). Vemos que esse aspecto melancólico da recordação sempuniana é, ao mesmo tempo e paradoxalmente, nostálgico, remetendo em vários momentos ao aspecto repetitivo do fato traumático, como podemos ver na seguinte passagem de outra obra de Semprún: “Ma vie c’est tout le temps du déjà-vu, du déjà vécu, de la répétition, du même jusqu’à la satiété, jusqu’à devenir autre, étrange, à force d’être identique” (SEMPRÚN. Quel beau dimanche! 1980: 367). Nesse sentido, lembramos que Freud, em seu ensaio de 1920, intitulado Além do princípio do prazer, nos fornece uma série de elementos para a análise das implicações de uma escrita atravessada por uma vivência traumática, quando lança luz ao conceito de “neurose traumática”, articulando o trauma com a compulsão em repetir a ação ou a representação do momento do choque. O vocábulo trauma se origina do grego (traũma, traũmatos) e significa ferida / ferimento. Na medicina, a terminologia trauma admite uma ampla rede de acepções que vai desde qualquer lesão ou perturbação produzida no organismo humano por outro agente (localizado no exterior ou no interior do indivíduo, acionado por uma força ou choque interno ou externo), até uma grande ferida, contusão ou traumatismo mais sério, que pode levar ao óbito. O conceito médico de trauma inclui, ainda, os acontecimentos emocionalmente dolorosos (ou traumáticos) que podem tornar os sujeitos que os vivenciaram sensíveis (traumatizados) e até mesmos | 179 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves indefesos em situações que os façam lembrar-se do que lhe é traumático. No dicionário da Real Academia Española encontram-se as seguintes definições para esse termo em espanhol: Trauma.39(Del gr. τραῦμα, herida). 1. m. Lesión duradera producida por un agente mecánico, generalmente externo. 2. m. Choque emocional que produce un daño duradero en el inconsciente. 3. m. Emoción o impresión negativa, fuerte y duradera. O trauma cobra do sujeito uma reação imediata, cataclísmica, porém, o mesmo se encontra impossibilitado de agir, tomado pelo susto e pelo imediatismo do impacto sofrido. Vemos nesse verbete que a palavra “duradera(o)” se repete nas três acepções dadas ao vocábulo. O trauma é, portanto, algo que dura e que perdura: uma dor duradoura. Também em francês, língua escolhida pela escrita do traumático em Semprún, a palavra trauma se refere tanto a uma lesão ou dano (de ordem física ou psicológica) de efeito duradouro: Trauma.40 Nom masculin singulier. (médecine) blessure locale produite par un agent extérieur. (psychanalyse) émotion violente qui influe sur la personnalité du sujet et qui entraîne destroubles durables. Vê-se, que todos os significados de trauma encontram-se ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atingem os sujeitos, impactando-os com força e produzindo-lhes diversas formas de danos, corporais e/ou morais duradouros. Assim, o transtorno traumático se apresenta como um choque vivenciado pelo sujeito ao ser atacado de surpresa. Este susto, o fato de estar despreparado para agir, instaura a impossibilidade de elaboração psíquica imediata por parte daquele que sofre o choque. Está desamparado, catatônico. O ocorrido exige um nível de elaboração alto demais para quem o vive. Segundo Fernanda Altermann Batista (2006), “o trauma passa a ser entendido como consequência do rompimento do escudo defensivo pelo excesso de excitações que põem em risco a dominância do princípio de prazer e a estruturação do aparelho psíquico” (ALTERMANN BATISTA, 2006: 3). Dessa forma, “o fator susto passa a ser considerado elemento essencial para o surgimento 39Disponível em . Acesso em 05/08/2012. 40Disponível em . Acesso em 05/08/2012. | 180 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves do trauma” (ALTERMANN BATISTA, 2006: 4), que “inspira a compulsão à repetição, entendida como a repetição do evento traumático em função de tendências anteriores à instalação do princípio de prazer” (ALTERMANN BATISTA, 2006: 4). Isto é, “o que repete pode ser entendido como o que não conseguiu entrar na cadeia associativa, não se inscreveu nos sistemas mnêmicos” (ALTERMANN BATISTA, 2006: 4). O acontecimento traumático suspende e paralisa os mecanismos de elaboração emocional e, ao mesmo tempo, cria a impossibilidade de recalcamento da dor, que se quer compartilhada, que deseja transbordar-se em palavras, para a narrativa oral e escrita. O que seria, então, a escrita do/sobre o trauma? Como um alto acúmulo de dor, difícil de ser suportado pelo psiquismo humano, poderia externalizar-se como narrativa? Em Freud, o evento traumático revela-se inseparável da ação de uma força pulsional que consegue, de alguma forma, transgredir os limites do ego. A nosso ver, o transbordamento desses limites se apresenta na narrativa de Jorge Semprún como um choque que, em meio a uma compulsão por representar o traumático, estabelece artifícios de metalinguagem, metacognição e metapsicoanálise. A escrita sempruniana persegue a transgressão do choque e estabelece a sua recriação via elaboração narrativa; aplica-se, pois, perfeitamente a Semprún a seguinte análise de Seligmann-Silva (2003) sobre a recriação linguística empreendida pelo sobrevivente no ato de testemunhar: Aquele que testemunhou sobreviveu – de modo incompreensível – à morte: ele como que a penetrou. Se o indizível é a base da língua, o sobrevivente é aquele que reencena a criação da língua. Nele a morte – o indizível por excelência, que a toda hora tentamos dizer – recebe novamente o certo e o império sobre a linguagem. O simbólico e o real são recriados na sua relação de mútua fertilização e exclusão. (SELIGMANN-SILVA, 2003: 52) Jorge Semprún analisa em suas obras o testemunho a partir do aspecto (in)vivível da experiência, matizando assim o caráter praticamente indiscernível entre o trauma vivenciado e o indizível. Pode-se entrever a possibilidade de pensar-se o testemunho como o “guardião da memória” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 3); ainda que esse testemunho, como admite Jorge Semprún, opere em base ao caráter insuficiente da língua em transpor em palavras o trauma. Ou seja, uma escrita que encara a problemática da literatura como um todo que é, segundo Seligmann-Silva (2008), “a incapacidade de traduzir o vivido em imagens ou metáforas” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 2) e, paradoxalmente, a necessidade de fazê-lo. O que aconteceria, então, na chamada literatura de testemunho, totalmente marcada pelas aporias da violência, é que “a catástrofe | 181 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves dificulta, ou impede a representação” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA; 2000: 7- 8), já que a “catástrofe é, por definição, um evento que provoca um trauma” (NESTROVSKI; SELIGMANN-SILVA; 2000: 7-8). Como vimos antes mesmo da tortura pela Gestapo e do encarceramento em Buchenwald, o elemento traumático em Semprún nasce da derrota “roja” na Guerra Civil Espanhola, vivenciada na solidão do exílio. De fato, o exílio marcou profundamente toda a obra sempruniana, a tal ponto de Jorge Semprún se declarar, repetidas vezes, ser um apátrida, sugerindo ser isso uma extensão da sua condição de exilado e, posteriormente, ex-exilado. Marta Segarra Montaner (2006) analisa que “sus personajes son frecuentemente seres desarraigados, que no acaban de encajar en una sociedad ajena a ellos” (MONTANER, 2006: 61) e, segundo Felipe Nieto (2006), “en el caso de Jorge Semprúm, el exilio puede ser considerado como la circunstancia clave de su vida para la forja de una identidad plenamente alcanzada” (NIETO, 2006: 825), já que como o escritor mesmo declara, Semprún fez do exílio sua pátria, declarando-se “<>. La lucha política es la reacción inmediata al decreto del exilio” (NIETO, 2006: 826). Ressoam aqui as palavras de Edward Said (2003): “o exílio é irremediavelmente secular e insuportavelmente histórico” (SAID, 2003: 47), “é uma condição criada para negar a dignidade e a identidade das pessoas” (SAID, 2003: 47). Nesse contexto, é interessante pensarmos nas relações entre língua, lugar e identidade que aparecem sob o signo do exílio na obra de Semprún por diversas ocasiões, como por exemplo, no capítulo 1: "J'ai plus de souvenirs que si j'avais mile ans..." / "Tengo más recuerdos que si tuviera mil años..." da obra Adieu, vive clarté... / Adiós, luz de veranos... que descreve o seu primeiro dia como interno do Liceu Henry IV, no qual o adolescente Semprún se depara com os procedimentos de revista e inventário das bagagens. O autor lembra que, ao ser revistado, “un sursaut d’orgueil insensé est venu tempérer mon désarroi. Je ne possédais plus rien, en effet. Plus rien d’autre que moi-même, mes souvenirs” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 18) / “un arrebato de descabellado orgullo vino a atemperar mi desconcierto. No poseía ya nada, en efecto. Sólo me tenía a mí y a mis recuerdos” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 17). O trauma do desarraigo é visível no modo como Semprún percorre seu relato dos tempos juvenis, pois o que antes chamava de pátria ou de casa, agora é apenas recordação, como entrevemos na passagem a seguir: J’avais l’impression d’être dénudé, en voyant ainsi exposés mes sous- vêtements. D’être fouillé au corps, en quelque sorte, forcé dans mon intimité. | 182 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Il y avait aussi la certitude, infondée mais évidente, d’une fin radicale. Ou d’un commencement absolu. § C’était la fin de l’enfance, de la première adolescence: finis les demeures familiales, les rires et les joux de la tibu, fini l’us et coutume de la langue maternelle. Comme si, par ce geste au demeurant banal, au cours de l’inventaire obligatoire de mon trousseau d’interne, la vieille religieuse qui n’en pouvait mais, souriante et précise à l’ombre de sa cornette, me projetait dans le territoire immense et désolé de l’exil. § Et de l’âge d’homme. § Je ne possédais plus rien d’autre que ce mince bagage d’interne du lycée Henri-IV, j’avais été dépossédé de tout le reste. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 17-18) El ver así expuesta mi ropa interior me hacía sentir como si me desnudaran. Como si me hurgaran en el cuerpo, violando mi intimidad. Me embargaba también la certeza, infundada pero evidente, de que se tratara de un fin radical. O de un comienzo absoluto. § Aquel suponía el fin de la infancia, de la primera adolescencia: se habían acabado las casas familiares, las risas y juegos del clan fraterno, el uso y el hábito de la lengua materna. Como si, a través de ese gesto al postre trivial, la anciana monja, totalmente ajena al asunto, sonriente y precisa a la sombra de su toca, me lanzara al inmenso y desolado territorio del exilio. § Y de la vida adulta. § Tan sólo poseía ese liviano bagaje de interno del liceo Henry IV. De todo lo demás se me había desposeído. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 16-17) O exílio em Semprún se inscreve plenamente em sua escrita, já que ora se exila na língua espanhola, ora se exila na língua francesa, tendo sua identidade em constante deslocamento, como se pode entrever nas frases: “soy español en París y francés en Madrid” (SEMPRÚN, 2005: s.p.) e “acabo un párrafo en francés y continúo en español, sin darme cuenta” (SEMPRÚN, 2005: s.p). O único que não muda é o meio / lugar de “exilar-se” identitariamente: ele o faz através da escrita. Para Myriam Schleiss (2011), “au moment où le franquisme chasse les rouges espagnols de leur patrie, le narrateur est voué définitivement à l'exil. Le passage d'une langue à l'autre correspond, comme le dit bien cet extrait, au passage de l'enfance à l'âge adulte” (SCHELEISS, 2011: 47). Semprún nutre uma relação conflituosa com a língua espanhola: “mi relación con el castellano es evidentemente de amor / odio” (SEMPRÚN, 1988: 10), marcada pela sombra do exílio e das tragédias históricas: “Me parece una lengua bellísima, desde luego infinitamente más rica que el francés, pero con el enorme peso negativo de haber sido lengua imperial, lengua retórica, pasto de conferenciantes que se creen Dios” (SEMPRÚN, 1988: 10). Segundo Marta Segarra Montaner (2006), “podríamos pensar entonces que el escritor recurre al francés para los libros donde predomina la ficción, y al castellano en aquéllos donde se cuentan sus experiencias realmente vividas” (MONTANER, 2006: 62), hipótese essa que poderia ser confirmada “por el propio autor en su novela L'Algarabie, ya que el protagonista de ésta, Rafael Artigas, es un escritor de origen español que utiliza el castellano para sus escrituras «íntimas» pero escribe novelas en francés” (MONTANER, | 183 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2006: 62). Entretanto, conforme admite Montaner, “esta distinción es inaplicable a la obra de Semprún” (MONTANER, 2006: 62), pois “todas sus novelas están basadas en hechos supuestamente autobiográficos, aunque sus personajes sean ficticios” (MONTANER, 2006: 62). Além disso, acrescentamos ao argumento da crítica o fato de que a única obra sempruniana considerada testemunhal (L’écriture ou la vie) e o seu relato autobiográfico (Adieu, vive clarté...), ou seja, relatos bem íntimos, estão redatados em francês, assim como uma de suas obras consideradas mais ficcionais (Veinte años y un día) foi escrita em espanhol. Portanto, o exílio em Semprún contribuiu para que o escritor assumisse “una postura distanciada y crítica frente al lenguaje en general, no sólo frente a la lengua francesa, visto que sus relatos están sembrados de comentarios sobre expresiones francesas y también españolas” (MONTANER, 2006: 63), assim como ao valor que cada língua agrega ao significado discursivo: Su preocupación por el lenguaje sorprende al lector no avisado, dado que se trata de un escritor que parece encajar en el marco de la novela política o social, y ésta ha demostrado tradicionalmente muy poco interés por el «estilo» y por disquisiciones eruditas sobre el lenguaje. Semprún se aleja de esta postura. Sus obras están salpicadas de reflexiones lingüísticas que se integran perfectamente en el relato. Constituyen, en definitiva, una parte sustancial de éste aunque a menudo estas observaciones están hechas en tono irónico, alejándose de toda pretensión docta. (MONTANER, 2006: 61) O exílio, sem dúvida nenhuma, contribuiu para o fomento desse aspecto metalinguístico e metarreflexivo na obra sempruniana, cujos narradores investigam a todo o momento (e no ato mesmo de narrar) a forma e o conteúdo de sua narrativa. Semprún declara em uma entrevista que percebe em sua escrita uma “esquizofrenia idiomática” (SEMPRÚN, 1988: 9), causada pelo bilinguismo, e termina por constatar: “Si tuviera que escoger una de mis dos lenguas, enloquecería” (SEMPRÚN, 1988: 9). Como bem analisa Marta Segarra Montaner (2006), “este bilingüismo es debido (…) a sus circunstancias vitales y a su formación” (MONTANER, 2006: 63); além disso, segundo o próprio Semprún, suas duas línguas, o francês e o espanhol, são para ele como “capas geológicas” (SEMPRÚN, 1988: 16) que se sobrepõem em sua escrita literária: “una con el castellano de la infancia; otra con el francés del colegio; otra francesa, de la resistencia y la deportación; la española de la clandestinidad y las amistades de la juventud; la francesa de la vida cotidiana en París; el lenguaje del cine” (SEMPRÚN, 1988: 16). No entanto, como observa Montaner (2006), “el bilingüismo es un atributo arriesgado para un escritor, porque las dos lenguas pueden interferir entre sí, tanto en el plano de la sintaxis como en | 184 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves el del léxico” (MONTANER, 2006: 63), como por exemplo, “provocando la aparición de barbarismos41 o la traducción literal de giros característicos de uno de los dos idiomas” (MONTANER, 2006: 63). No caso de Jorge Semprún isso ocorre com frequência e é adotado pelo autor, conscientemente, como marca estilística da sua linguagem literária: En cuanto a la sintaxis francesa de Jorge Semprún, cabría hablar de una posible influencia de la lengua castellana, más proclive a digresiones y a infinitos meandros en una misma frase, sobre su estilo en francés. Pero esta sintaxis sempruniana que acoge favorablemente las oraciones subordinadas, formando a menudo frases interminables, ha sido considerada también el producto de una influencia proustiana y, por tanto, de origen ortodoxamente francés. (…) La aparición de barbarismos causados por dicha contigüidad es casi inevitable. Semprún asume este riesgo encarándose frontalmente a él: L'Algarabie, por ejemplo, es una palabra que no existe en francés. Dar un hispanismo por título a una obra francesa no deja de ser una osadía. No se trata además de un caso aislado: en ésta y en otras novelas aparecen barbarismos que son debidamente remarcados por el escritor. Estas incorrecciones voluntarias son generalmente traducciones literales de palabras o de modismos españoles. Obedecen, en su mayoría, a un deseo de acrecentar la expresividad, de perfilar un matiz semántico no existente en francés (ya qué Semprún piensa que el español es una lengua «infinitamente más rica»). (…) Los hispanismos redundan, en algunos casos, en un análisis sociológico e incluso político. En Netchaiév est de retour se esboza, por ejemplo, un análisis lingüístico de un comunicado (real) del grupo terrorista «Action Directe». Dicho comunicado está plagado de hispanismos, lo cual permite al narrador inferir ciertas conclusiones político-lingüísticas. (MONTANER, 2006: 63-64). O uso da língua do exílio (o francês) em suas obras, povoado de expressões da língua materna (o espanhol) é, portanto, em Semprún uma escolha marcadamente política. Para Semprún, o espanhol marca sua identidade, colocando-a em crise, já o francês contribui para dar-lhe um lugar literário (o sem-lugar do exílio): “como si el castellano fuera la lengua de la última instancia, la que verdaderamente me representa hasta el extremo de plantearme, en una versión ajena, una especie de crisis de identidad” (SEMPRÚN, 1988: 14). Aplicamos, pois, a Jorge Semprún as palavras que Wander Melo Miranda (2005) dedica a Edward Said: “afina-se a posição corajosa de Said como o que está sempre ‘fora do lugar’, fadado ao ‘desassossego’ e ao exílio enquanto condição real e metafórica de sobrevivência” (MIRANDA, 2005: 5) e em constante deslocamento, “o exilado não tem um caminho prescrito ou seguro: há sempre que inventá-lo” 41 Considera-se, muitas vezes, o “barbarismo” ou o “estrangeirismo” como sendo um desvio da norma padrão, isto é, o emprego da pronúncia, da sintaxe ou da semântica de uma língua em outra seria considerado um erro linguístico ou um vício de linguagem. Semprún, entretanto, faz um uso literário e artístico das muitas línguas que compõem seu arsenal discursivo, fazendo dessa estratégia estrutural uma forma consciente, política e cosmopolita de escrever. | 185 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (MIRANDA, 2005: 5). Para Said, “porque nada é seguro”, “o exílio é uma condição ciumenta” (SAID, 2003: 51), “por mais que tenha êxito” (SAID, 2003: 55), os exilados “sentem sua diferença” (SAID, 2003: 55), “como um tipo de orfandade” (SAID, 2003: 55). E, por isso, muitas vezes agarram-se a essa diferença e tentam bloquear o contato externo: insistem “no direito de se recusar a pertencer a outro lugar” (SAID, 2003: 55). Vemos que há também no Semprún-exilado momentos em que demonstra uma ardente necessidade de autopreservação em relação ao entorno (no qual se encontra expatriado). Sentimento esse entremeado pela sensação de ser hostilizado e de querer, por isso, reagir de forma hostil, tal como pode ser visualizado no andamento do capítulo “J'ai plus de souvenirs que si j'avais mile ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...”, quando percebe-se sozinho no exílio para defender-se do mundo exterior e se sente invadido ao ser revistado pela freira que o recebe no liceu: Eh bien, j’allais leur em faire voir. Ils n’avaient pas fini d’en voir avec moi. § Ils? Qui étaient-ils? C’était qui? § Derrière le visage usé par la prière et la bonté de la lingère du lycée Henri-IV, j’ai vu grouiller les képis affreusement prétentieux des policiers belges. Et le regard bleu glacial d’un prêtre hollandais qui condamnait les rouges espagnols à l’enfer. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 18) Pues bien, iban a ver ellos lo que es bueno. No les quedaba poco que apechugar conmigo. § Pero ¿ellos? ¿Quiénes eran ellos? § Tras el rostro consumido por la oración y por la bondad de la monja del liceo Henry IV, vi rebullir los quepes horrendos y pretenciosos de los policías belgas. Y la glacial mirada azul de un sacerdote holandés que condenaba a los rojos españoles al infierno. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 17) Neste momento, fundem-se nas suas lembranças três momentos: a revista no liceu, a passagem pela Bélgica e a missa em que seu pai discutiu com um sacerdote holandês que era contrário aos comunistas. Os traumas passados ressoam como ecos e se inscrevem no presente como potenciadores da atividade de reminiscência. Semprún se desnuda, então, como o exilado, o expatriado, por excelência, isto é, um sujeito que vive a problemática da identidade ligada ao lar-lembrança e cujo regresso será sempre impossível, pois não se volta verdadeiramente para “casa”, já que essa nunca será a mesma da partida; tampouco o indivíduo será o mesmo. O exílio de Semprún na escrita serve, assim, para descortinar os únicos bens que carregou de casa consigo: todo um passado traumático, velado e obliterado, repleto de lembranças. A memória é apresentada, então, como a arma de defesa do exilado contra o apagamento e a escamoteação daquilo que lhe afastou de sua casa. Esse sentimento de solidão no exílio é retomado no capítulo | 186 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3 da obra Adieu, vive clarté..., que narra a reação do adolescente Semprún ao se deparar com um grupo de turistas espanhóis. Semprún menino, vivendo afastado de sua família e do conforto do lar, demonstra não acreditar que a Espanha (do imediato pós-Guerra Civil) ainda continuava a ser um lar para outros espanhóis que, diferentemente dele e dos seus entes queridos, não haviam sido expatriados: Avant de comprendre les mots de leur conversation à tue-tête, je reconnus des compatriotes à leurs gestes, leur habillement, leur teint, la coleur de leurs cheveux. Ainsi, l’Espagne existait encore? Des Espagnols en arrivaient encore, pour un voyage que leurs vêtements luxueux et leurs bagages à main em cuir cossu laissaient présager de loisir? Un innocent voyage de vacances estivales? Ainsi, sans nous, sans moi, malgré la douleur de notre exil, la perte de nos racimes, l’Espagne n’était pas morte? Elle n’était pas devenue fantomatique, irréelle? § J’ai regardé passer ces Espagnols, bavards et visiblement heurex – bien portants, bien habillés, biens dans leur peau –, avec un effroi étrange. Comme si leur aisance vitale m’enfonçait encore davantage dans la solitude bourbeuse d’une agonie. D’une certaine façon de ne plus être au monde, en tout cas. La surprise a été si forte que je n’ai pas eu la présence d’esprit de les insulter ni même de les haïr. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 171) Antes de entender las palabras de su conversación gritona, supe que eran compatriotas por sus ademanes, su indumentaria, su piel, el color de sus cabellos. ¿O sea que todavía existía España? ¿Seguían viviendo españoles para hacer un viaje que, por sus ropas caras y sus lujosas maletas de cuero, se advertía que era de placer? ¿Un inocente viaje de vacaciones estivales? Así pues, sin nosotros, sin mí, pese al dolor de nuestro exilio y la pérdida de nuestras raíces, ¿no estaba muerta España? ¿No era un país fantasmagórico, irreal? § Miré pasar a aquellos españoles, locuaces y visiblemente felices – saludables, bien vestidos, a gusto con sus personas –, con un extraño pavor. Como si su desenvoltura vital me hundiera aún más en la fangosa soledad de una agonia. En cualquier caso, una agonía como de no estar ya en este mundo. Tan mayúscula fue mi sorpresa que no tuve ánimos para insultarlos ni aun para odiarlos. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 150) Para Ricœur (2000), é visível em vários casos a existência de uma “memoria herida, incluso enferma. Lo demuestran expresiones corrientes como traumatismo, herida, cicatrices, etcétera” (RICŒUR, 2000: 96). O exilado vive essa memória ferida e acaba se convergindo numa parte da pátria natal que se desgarrou do todo. Nesse sentido, o exílio é diferenciado por Edward Said (2003) da imigração, já que o exilado não pode voltar. Além de ter que conviver com a solidão de se adaptar à língua e à cultura num terreno desconhecido e, muitas vezes, hostil, o exilado não tem perspectivas de regresso. O espaço da escrita (lugar de memória) se mostra em Semprún não apenas como a narrativa de um sujeito, em singular, mas de “eu” bilíngue, talvez afetivamente cansado de sua língua materna (o espanhol) devido à violenta ruptura que sofreu sua trajetória de vida (a orfandade e os exílios vivenciados na transição da infância para a adolescência), | 187 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves parece precisar refugiar-se intelectualmente na pátria-língua que o acolheu em exílio (a França), em um labor de preencher com palavras o horror do vazio, provocado pela presença concreta da morte em suas múltiplas facetas, como observamos em vários momentos dos relatos semprunianos. Segundo Juan Goytisolo (1998) em relação a obra sempruniana: “la libre circulación de un apátrida de fuste le convierte paradójicamente en un hijo de la tradición ilustrada europea” (GOYTISOLO, 1998: 7). Segundo Raquel Macciuci (2004): El niño español al que exigentes institutrices germanas le habían enseñado el idioma alemán, continuó su formación en colegios franceses. Un idioma materno y dos de adopción; el alemán le permite salvar su vida en el campo de concentración, el francés le proporciona la base de su escritura. La práctica literaria en una lengua prestada tiene representantes paradigmáticos en la literatura universal, pero es de destacar que no es ajena a la tradición hispana. No ya transmigrado a Francia sino a Inglaterra, el siglo pasado ofrece la figura de Blanco White, exiliado romántico que escribe gran parte de su obra en inglés. Semprún sigue la línea de los afrancesados —como los ilustrados del siglo XIX— y agudiza su integración en Francia hasta el punto de convertir el francés en su primera lengua literaria. La mayor parte de los escritores españoles exiliados después de la Guerra Civil de 1936-1939 dedicaron grandes esfuerzos a la salvaguardia de la lengua de origen, herramienta insustituible de su práctica literaria y eslabón con la cultura peninsular. Posiblemente la edad de Semprún cuando inicia el exilio haya influido en la asimilación de la lengua del país de asilo, pero no es este el dato central. El francés se convierte en el instrumento para la asimilación de una cultura universal sobre la que Semprún sienta las bases de su personal mapa literario. A partir de la expansión de las fronteras culturales y la construcción de una tradición desuncida del canon de la literatura española, se vincula con otros compatriotas que convirtieron el desarraigo en fuerza reconfiguradora de la cultura nacional heredada. (MACCIUCI, 2004: 2) Surge, então, o momento de retomar a seguinte indagação: se para Hannah Arendt (1999), após passar pela atroz experiência de retenção em um campo de concentração nazista, o único que lhe restara de seu país de origem era a língua alemã, pois nada, para ela, poderia substituir a língua materna; que relação se estabelece nas obras de Semprún entre escrita em francês e escrita em espanhol? Por que suas obras tidas como mais “rememorativas” ou “testemunhais” (tais como L’écriture ou la vie e Adieu, vive clarté...) se encontram primeiramente em francês? Podemos pensar na confluência de pensamento entre Imre Kertész e Jorge Semprún sobre o caráter insuficiente da língua quando se trata de tentar transpor em palavras o trauma vivenciado: “ouso dizer que a descoberta chocante feita pelos escritores em nosso tempo foi que a língua, na forma que chegou a nós, legado de uma cultura primitiva, tornou-se inadequada para significar conceitos e processos que um dia foram claros e reais” (KERTÉSZ, 2004: 11). A nosso ver, a língua | 188 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves espanhola em Semprún estaria intimamente relacionada aos traumas vividos, não podendo ser suportada em sua obra de cunho mais testemunhal, isto é, na escrita / linguagem enquanto lugar de memória que testemunha o trauma, designando o escritor este papel à língua francesa. A literatura de testemunho é, em Jorge Semprún, uma escrita (da dor e do trauma) realizada na língua alheia e que trata de lidar de forma simultânea com a necessidade e a dificuldade de expressar por palavras o que foi extremamente difícil de viver e, por conseguinte, também o é de recordar (como, por exemplo, as lembranças sobre a perda dos vínculos familiares pela guerra e pelo exílio, já no início da adolescência). Ainda mais difícil seria fazê-lo em língua materna. Aplicando as palavras de Nestrovski (2000) ao contexto da obra de Semprún vemos que sua escrita busca “representar o irrepresentável; resgatar, sem trair um evento latente na memória; redescobrir alguma força viva na língua, que nos torne capazes de testemunhar o que foi visto” (NESTROVSKI, 2000: 186). Memória e identidade estão, assim, totalmente imbricadas. Esse sentimento coesivo advém de um repertório compartilhado de formas de conduta, de socialização, crenças, estilos de vida, valores e símbolos que norteiam maneiras de pensar, perceber e sentir. Entretanto, esse norte não é estanque, está em constante reelaboração, com retornos e mudanças, de geração em geração. As lembranças, assim, se constituem nas diversas memórias de que um grupo dispõe, e raramente a recordação individual ocorre externamente ao referencial coletivo / social. Por diversas vezes na obra de Semprún suas lembranças da infância se entretecem às suas leituras literárias e ao compartilhamento de impressões entressacadas da convivência com seu círculo íntimo (pai, madrasta, irmãs e irmãos). Várias dessas impressões se mesclam aos estudos, principalmente das línguas alemã – imposta pelo pai (idioma da então babá e futura madrasta do menino Semprún) – e francesa (estimulada pelos poemas de Baudelaire e pelos estudos de francês das irmãs mais velhas, Maribel e Susana): Les poèmes de Baudelaire m’ouvrient l’accès à la beauté de la langue française. À sa beauté concrète et complete, j’entends: beauté du son autant que du sens, prosodique autant que conceptuelle, sensuelle autant que significative. (...) § Dans mon enfance, la langue éstrangère que j’avais apprise n’était pas le français mais l’allemand. (...) § (...) Le groupe d’agê que nous constituions, Gonzalo, Alvaro et moi – au centre de la fratrie: deux sœurs aînées, deux frères cadets –, a disposé à demeure d’une gouvernante allemande. Anita L. fut la dernière, je l’ai déjà dit. § Ma première reencontre avec la langue française – la première dont je me souvienne – n’avait d’ailleurs pas été plaisante. Et c’est Victor Hugo qui fui la cause de ce déplaisir. Un vers de lui, plutôt. § Mes sœurs aînées suivaient les cours par correspondance de l’École Universelle de Paris. (…) § Un jour, Maribel el Susana eurent à commenter um poème de Victor Hugo. Dont le titre m’échappe – quelque | 189 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves chose comme “Après la défaite”, (...) et où se trouve un vers fameux: “Mon père, ce héros au sourire si doux...”. § Dans la suite du poème, on peut s’em souvernir, Hugo décrit le blessé espagnol qui décharge son arme sur son colonel de père, alors que ce dernier s’apprête à lui donner à boire: l’homme, une espèce de Maure...” Ces mots avaient provoqué peiné de mes sœurs. Elles lurent à la famille réunie au grand complet le commentaire vengeur et patriotique qu’elles se disposaient à envoyer aux correcteurs de l’École Universelle. § Victor Hugo, écrivaient-elles à peu près dans leur rédaction française, n’avait pas été bien inspiré lorsqu’il qualifiait, quelques vers plus loin, “d’armée en déroute” l’espagnole, précisément. Au vu du résultat final, désastreux, des campagnes de Napoleón dans la péninsule Ibérique, il fallait beaucoup d’aveuglement national du filial, en effet, pour traiter ainsi les troupes qui s’étaient battues contre l’Empereur, et qui l’avaient battu. Mais le portrait du combattant espagnol, qualifié “d’espèce de Maure”, était, poursuivaient-elles, particulièrement mal venu. § Et sans doute, dirai-je aujourd’hui, dans le legitime rejet du mépris racial que charrie objectivement le vers de Victor Hugo, pourrait-on déceler quelque trace de la même pulsion, du même poison: l’indignation que suscite cette comparaison quasiment raciste peut n’être qu’une forme négative, une image renversée, du même aveuglement. Surtout si l’on se rapelle que “le Maure”, el Moro, a été, est encore solvente, dans l’imaginaire collectif espagnol, le stéréotype de l’Autre, par définition et antonomase: l’étranger fourbe et inquiétant. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 61-64) Los poemas de Baudelaire me abrieron el acceso a la belleza de la lengua francesa. A su belleza concreta, es decir, belleza tan sonora como expresiva, prosódica como conceptual, sensual como significativa. (...) § La lengua extranjera que aprendí en mi infancia no fue el francés, sino el alemán. (...) § (...) El grupo que, por nuestra edad, formábamos Gonzalo, Álvaro y yo – entre dos hermanas mayores y dos hermanos pequeños – dispuso permanentemente de una aya alemana. Anita L. fue la última, como ya he dicho. § Mi primer contacto con la lengua francesa – el primero que recuerdo – no había sido por otra parte, placentero. Y el causante de ese desencanto fue Victor Hugo. O, mejor dicho, un verso suyo. § Mis hermanas mayores seguían el curso por correspondencia de la École Universelle de París. (...) § Un día Maribel y Susana tuvieron que comentar un poema de Victor Hugo. No recuerdo el título; era algo así como “Tras la derrota”, (...) y en él aparece un verso famoso: “Mon père, ce héros au sourire si doux...” (“Mi padre, ese héroe de sonrisa tan dulce...”). § Más a delante se recordará, Victor Hugo describe al herido español que descarga su arma sobre su padre el coronel, mientras éste se dispone a darle de beber: “l’homme, une espèce de Maure...” (“el hombre, una espécie de moro...”). Estas palabras provocaron la dolida extrañeza de mis hermanas. Leyeron ante la familia reunida el patriótico comentario que, a modo de desquite, se disponían a mandar a los profesores de la École Universelle. § Victor Hugo, venían a decir en su redacción, no había estado muy inspirado al calificar, unos versos más allá, de “ejército derrotado”, “armée en deroute”, precisamente el español. A la vista del resultado final, desastroso, de las campañas de Napoleón en la península ibérica, se necesitaba mucha ceguera nacionalista o filial para denominar así a las tropas que habían combatido el emperador y le habían derrotado. Pero el retrato del combatiente español, calificado como “especie de moro”, era – proseguían – particularmente desafortunado. § Y sin duda– añadiré hoy – en el legítimo rechazo del desprecio racial de Victor Hugo, podría atisbarse alguna huella de la misma pulsión, del mismo veneno: la indignación que suscita esa comparación casi racista puede no ser sino una forma negativa, una imagen invertida, de la misma ceguera. Sobre todo si se recuerda que “el moro” ha sido, sigue siendo a veces, en la mente colectiva española, el estereotipo del Otro, por definición | 190 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves y antonomasia: el extranjero pérfido e inquietante. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 54-56) Vê-se nessa passagem que tanto nos processos de produção da memória e/ou exercícios de rememoração (as memórias vivenciadas em conjunto, representada na citação de Semprún por suas vivências familiares) como na definição identitária e, consequentemente, na busca da alteridade cultural (o “mouro”, na “mente coletiva” espanhola), o Outro, estranho / estrangeiro tem uma função essencial. O Outro funciona tanto como elo da memória constitutiva da língua materna e dos referenciais culturais da nação como também enquanto representante de uma alteridade linguística, cultural e, por consequência, identitária. Semprún vive, assim, um embate entre a identificação ao rechaço das irmãs (especificamente na parte relativa ao exército espanhol, tido como “fracassado”) e um estranhamento a esse mesmo rechaço fraternal (no que concerne à visão de que seria depreciativo chamar os espanhóis de “mouros”, posição essa que Semprún demonstra não querer compartilhar). Evidencia-se, dessa forma, que a identidade nacional é constituinte da identidade pessoal e ambas são configuradas por meio de narrativas, são entidades construídas e “narradas”: “la memoria cultural es, ante todo, relevante para la identidad y está referida a la autoimagen” (ASSMANN; ASSMANN; 1988: 29). Essa autoimagem remete ao sentimento de “identidade nacional”, que estabelece certos matizes do que é considerado nacional e do que é visto como estrangeiro, que pode divergir (já que a imagem que fazemos do nosso povo ou de nós mesmos nem sempre é a imagem que os outros fazem como bem demonstra a indignação patriota das irmãs de Semprún); de acordo com Castiñeira (2005): Las naciones, al igual que decíamos de la identidad personal, necesitan también continuidad (temporal, demográfica, territorial, cultural, política), reconocimiento interno y externo, dar coherencia y diferencialidad a las vivencias compartidas de sus miembros y (…) construir e interpretar su identidad narrativa a través de su propia memoria biográfica: la memoria colectiva. (CASTIÑEIRA, 2005: 48-49) Visualiza-se, também nesta passagem de Adieu, vive clarté..., que as memórias, tanto individual como coletiva, têm nos lugares uma referência para a sua constituição enquanto imagens e discursos, se referenciando nos espaços em que os sujeitos habitam (na passagem em questão, o lar ou o seio familiar), nas relações que constroem com estes espaços (conversas, estudos, debates, divergências) e com os outros sujeitos que ali convivem, compartilhando o tempo presente, as recordações pretéritas e as aspirações | 191 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves futuras. Cada um dos sujeitos envolvidos pode reter aspectos diferentes do vivido ou pode lembrar-se de maneira diferente das mesmas situações. Neste sentido, a citação da obra de Semprún, anteriormente referida, nos remete também ao historiador Pierre Nora (1993), segundo o qual a memória, por ser um processo pulsante, em constante vivência e perpetuado por grupos de sujeitos vivos, se encontra em permanente cambio, sendo suscetível a todos os tipos de manipulações, falhas, equívocos e distorções: “a memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento” (NORA, 1993: 14), e como bem demonstra a literatura sempruniana, a memória é “susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações” (NORA, 1993: 14). Essas reflexões apontam para a necessidade de identificar o entrecruzamento das ações humanas e das dimensões espaço- temporais na configuração da memória como forma de perceber o funcionamento de um meticuloso trabalho de articulação do mnemônico com a palavra que envolveria todas as recordações, mesmo as que se mostram subterrâneas, silenciosas, involuntárias. Como aponta Elcio Cornelsen (2007), “não obstante o modo diversificado com que é tratado, o espaço ficcional tornou-se fundamental para discutirmos diversas questões contemporâneas” (CORNELSEN, 2007: 87). Entre os diversos modos de lidar com a categoria do espaço, destacam-se aqueles que se preocupam com questões atuais e extremamente complexas, como, por exemplo, “a relação entre identidade e alteridade, o hibridismo, a desterritorialização, a migração e a imigração, a multiculturalidade, a espacialização na literatura e em outras artes, a espacialidade da linguagem literária, entre outras” (CORNELSEN, 2007: 87). Em nossas análises do espaço ficcional, podemos emprender relações de “ordem geográfica, histórica, social, psicológica, discursiva, etc.” (CORNELSEN, 2007: 87). Dessa forma, deve-se considerar a língua como um significativo espaço recordatório ou lugar de memória na obra de Jorge Semprún, isto é, um lugar em que ocorre a produção, a reconfiguração e a perpetuação da memória. Segundo Pierre Nora (1993), os lugares de memórias são identificados “nos três sentidos da palavra, material, simbólico e funcional, simultaneamente somente em graus diversos” (NORA, 1993:7): Mesmo um lugar de aparência puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se a imaginação o investe de uma aura simbólica. Mesmo um lugar puramente funcional como um manual de aula, um testamento, uma associação de antigos combatentes só entra na categoria se for objeto de um ritual. Mesmo um minuto de silêncio, que parece um exemplo extremo de uma significação simbólica, é ao mesmo tempo o recorte | 192 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves material de uma unidade temporal e serve, periodicamente, para uma chamada concentrada de mudança. (NORA, 1993: 7) No capítulo “J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans...”/ “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...” há uma série de comentários do narrador, interpolados à narrativa de suas recordações da infância e da adolescência, sobre vários aspectos identitários e ideológicos de sua formação. Entre esses aspectos se encontram: suas convicções políticas, nascidas da esperança republicana e da Guerra Civil Espanhola – “Je n’avais qu’un seul critère de jugement, à l’époque: l’attitude passée des uns et des autres par rapport à la République espagnole. Je ne prétends pas que ce fût le comble du raffinement politique. Mais c’était le cri de mon cœur” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 32) / “Por aquel entonces, mi único criterio a la hora de formarme um juicio era la actitud que habían adoptado unos y otros con respecto a la República Española. No pretendo que fuera el colmo del refinamiento político. Pero era lo que dictaba el corazón” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 29); seu desejo / vocação de ser escritor – “Il était établi, en effet, que je serais écrivain, que je poursuivrais la tradition paternelle” (SEMPRÚN.Adieu, vive clarté... 1998: 20) / “Se daba por sentado, em efecto, que yo sería escritor, que proseguiría la tradición paterna” – (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 19); e, algumas de suas referências / influências literárias e filosóficas (Antonio Machado, Hemingway, Karl Marx, Baudelaire, André Malraux, Rubén Darío, Gustavo Adolfo Bécquer, Max Aub), isto é, como travou contato com esses autores e que impressão lhe causou cada um deles. Além disso, outro aspecto a ser destacado neste capítulo são as premonições do narrador sobre seu futuro incerto e sombrio. De fato, a atmosfera das lembranças juvenis do narrador, em diversos momentos, é nublada pelas suas vivências posteriores como prisioneiro em Buchenwald. Isso pode ser visualizado em diversas passagens, como por exemplo na que citamos a continuação: Le lendemain, nous devions partir pour Paris, Gonzalo et moi, au lycée Henri- IV où nous serions internes. Plus jamais – je ne le savais pas: comment le deviner? – ne serions-nous de nouveau réunis, frères et sœurs, tous ensemble. Nulle part, jamais plus. Mais nous ne le savions pas. § Le feu rougeoyait dans le cheminée, l’ombre de la nuit tombait dans nos cœurs. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 36) Al día siguiente, Gonzalo y yo teníamos que marchar a París para ingresar como internos en el liceo Henri IV. Nunca más – yo lo ignoraba: ¿cómo advinarlo? – voltaríamos a reunirnos todos los hermanos y hermanas. Nunca más; en ningún sitio. Pero entonces no lo sabíamos. § El fuego rojeaba en la | 193 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves chiminea; la oscuridad de la noche caía en nuestros corazones. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 32-33) Para Txetxu Aguado (2004), escritores representantes da memória histórica e da literatura testemunhal dos extermínios e genocídios, tais como Semprún e outros sobreviventes das catástrofes causadas pela humanidade contra a própria humanidade, “sólo pueden ser ciudadanos de un estado democrático y posnacional formado por gentes diversas y plurales cuando se reconozcan las desidentificaciones que han vivido, cuando sus vidas no sean reducidas a excepcionalidad” (AGUADO, 2004: 198) e “cuando sus testimonios hayan alcanzado por fin la capacidad de rememorar una vez más para no tener que volver a repetir jamás” (AGUADO, 2004: 198). Enfim, isso só “ocurrirá cuando el pasado no sea nunca más un espacio y tiempo de muerte descrito por una historia desprovista del aliento humano de los que la vivieron, la sufrieron o ayudaron a hacerla” (AGUADO, 2004: 198). Buchenwald, segundo Aguado (2004) citando o livro de Semprún Mal et modernité (1995), enquanto lugar de memória histórica tem “una doble tarea” (AGUADO, 2004: 198): “esa del trabajo del duelo que permitirá adueñarse críticamente del pasado, esa de la elaboración de los principios de un futuro europeo que permitirá evitar los errores del pasado”42 (SEMPRÚN apud AGUADO, 2004: 198). Assim, “la toma de responsabilidad por las experiencias del pasado ajenas” (AGUADO, 2004: 199) – no sentido de que formam parte do arsenal histórico de toda a humanidade, algo como dar escuta às memórias dos outros e “hacer propia la experiencia de los otros” (AGUADO, 2004: 199) – “va a exigir la participación en diálogo intersubjetivo dentro de la esfera pública” (AGUADO, 2004: 199). É fundamental então, a partir dessas considerações, pensar como certos traumas passam de uma geração à outra, o que Aleida e Jan Assmann (1988) denominam de memória vinculadora, uma memória que surge da aspiração de pertencimento, de um desejo de elaborar uma identidade social a partir do acervo da memória coletiva, da qual trata Halbwachs (2006): “a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada” (HALBWACHS, 2006: 75-76). Mesmo a memória aparentemente mais particular remete a um grupo maior, já que os 42 “Celle du travail de deliu qui permettra de maîtriser critiquement le passé, celle de l’élaboration des principes d’un avenir européen qui nous permettre d’éviter les erreurs du passé” (SEMPRÚN. Mal et modernité: le travail de l’histoire. 1995: 122). | 194 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sujeitos (portadores das recordações) estão sempre em interação com os grupos e as instituições que formam uma sociedade, como podemos ver na seguinte passagem de Adieu, vive clarté...: Je ne parle pas seulement des ‘miens’ au sens strict et étroit, familial: je parle des miens au sens large, au sens plein. Je parle de la communauté souffrante des rouges espagnols, persécutée en Espagne franquiste, éparpillée au vent rude et glacial de l’exil en Europe et dans les Amériques. § En Espagne, la répression était brutale. Pendant quelques mois, elle fut même comparable, en intensité, en ampleur, aux répressions totalitaires de Hitler et de Staline. Elle provoqua des dizaines de milliers de victimes. En France, la masse des réfugiés anonymes, la piétaille de l’armée populaire et des partis politiques antifascistes, était parquée dans les camps de concentration du Sud, sur le sable clos de barbéles d’Argelès ou de Barcarès, dans des conditions d’hygiène épouvantables. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 31) No me refiero solo a los ‘míos’ en el sentido estricto, familiar, sino en el sentido más amplio, en el sentido pleno. Hablo de la martirizada comunidad de los rojos españoles, perseguida en la España franquista, arrojada al viento áspero y glacial del exilio en Europa y las Américas. § La represión en España era brutal. durante unos meses fue incluso comparable, en intensidad y amplitud, a las represiones totalitarias de Hitler y Stalin. Provocó decenas de miles de víctimas. En Francia, la masa de refugiados anónimos – los hombres de a pie del ejército popular y de los partidos políticos antifascistas – estaba recluida en los campos de concentración del sur, en la arena rodeada de alambradas de Argelès o Bacarès, en espantosas condiciones de higiene. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 28) O narrador prossegue o capítulo “J'ai plus de souvenirs que si j'avais mille ans...” / “Tengo más recuerdos que si tuviera mil años...” com a lembrança de sua obstinação adolescente em ocultar a identidade espanhola, mesmo declarando que no íntimo sempre seria e cultivaria o orgulho de ser um “rouge espagnol, à tout jamais” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 87) / “rojo español, a perpetuidad” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 76). Segundo Myriam Schleiss (2004), “la volonté de se fondre dans une prononciation correcte du français correspond à un mécanisme de protection de son identité culturelle” (SCHLEISS, 2004: 47), pois “le narrateur n'adopte pas l'accent français pour devenir français, mais paradoxalement pour préserver son identité de «Rouge espagnol»” (SCHLEISS, 2004: 47). O narrador conta que, ao pedir um croissant em uma padaria francesa, a atendente riu do seu sotaque espanhol em uma atitude claramente xenófoba e, buscando a cumplicidade dos outros clientes, fez uma alusão ao exército derrotado da república espanhola. Semprún ainda não tinha domínio oral suficiente do francês e não conseguiu se defender. Além disso, a queda de Madrid era um choque emocional recente, que ainda não havia sido curado. Ele conta que fugiu da padaria sem comer o seu lanche, se sentindo humilhado, sem ter como se | 195 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves defender. Em um artigo contemporâneo à publicação de Adieu, vive clarté..., o crítico Mateo Maciá (1998) comenta da seguinte maneira esse episódio: “aquella panadera influyó de una sola vez en las literaturas francesa y española” (MACIÁ, 1998: s.p.), já que a partir desse momento, Semprún escolheu converter-se ao bilinguismo para preservar sua identidade extrangeira. Assim, diante da hostilidade e do deboche da comerciante em relação a sua condição não só de estrangeiro exilado, mas de “republicano derrotado”, Semprún-adolescente declara para si mesmo: J'ai pris la décision d'effacer au plus vite toute trace d'accent de ma prononciation française: personne ne me traitera plus jamais d'Espagnol de l'armée en déroute, rien qu'à m'entendre. Pour préserver mon identité d'étranger, pour faire de celle-ci une vertu intérieure, secrète, fondatrice et confondante, je vais me fondre dans l'anonymat d'une prononciation correcte. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 87) He tomado la decisión de eliminar cuanto antes todo vestigio de acento de mi francés: nadie volverá a llamarme <> con sólo oírme. Para preservar mi identidad de extranjero, para convertirla en una virtud interior, secreta, fundadora y singularizante, voy a fundirme en el anonimato de una pronunciación correcta. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 76). Após fugir correndo da padaria, o narrador-protagonista percebe a noite já estava chegando e já era hora de voltar ao liceu Henri IV, o que não lhe era de todo desagradável, apesar de saber que não estava propriamente voltando para a casa: “Je ne rentrais pas chez moi, certes. Mais je ne rentrerais pas de sitôt chez moi, j’en avais la confuse certitude” (SEMPRÚN.Adieu, vive clarté... 1998: 88) / “No regresaba a mi casa, evidentemente. Pero a mi casa no regresaría en mucho tempo, de eso tenía una vaga certeza” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 77). Ao sentir-se deslocado e desmerecido, o narrador pensa nos lugares-lares em que era acolhido e considerado, então, o capítulo termina com a constatação do narrador de que a estância que estava marcada em suas lembranças e sentimentos como lar era a casa de La Haya, que “malgré l’absence de ma mère, dont le souvenir s’inscrit dans l’appartement de la rue Alfonso-XI où elle mourut, et dans la villa de Santander, où elle vécut son dernier été” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 88) / “pese a ausencia de mi madre, cuyo recuerdo se inscribe en el piso de la calle Alfonso XI donde murió, y en el chalé de Santander, donde pasó su último verano” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 77), se inscreve em suas lembranças com “ses magnolias en fleur” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 88) / “sus magnolios en flor” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. | 196 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Javier Albiñana. 1998: 77) que são a senha “glorieuse et nostalgique” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 88) / “gloriosa y nostálgica” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 77) de sua “mémoire éblouie” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 88) / “deslumbrada memoria” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 77). Assim, vemos mais uma vez reiterado pelo narrador que um aspecto imprescindível ao tratarmos da sua memória é a sua relação íntima e, por vezes, indissolúvel com os lugares pelos quais transitou. É no contexto desses lugares e das relações intersociais ali entravadas que as lembranças individuais semprunianas são (re)construídas, (re)transferidas e (re)significadas: Lo privado, lo sufrido íntimamente, lo personal, ha de encontrar las voces para convertirse en público. Porque las experiencias vividas, tanto la del Mal como la de la resistencia franquista, aun siendo intraducibles, incomunicables a los que no la han vivido sin desfigurarlas, deben de encontrar un traductor y una traducción, pues son parte de la historia colectiva y no sólo una problemática individual. La traducción y el traductor son la negociación fruto de la cual se sigue viviendo sin el lastre paralizador del pasado del campo de concentración o de figuras fantasmáticas como la de Franco. (AGUADO, 2004: 190-191) De acordo com Benoît Denis (2010), “Jorge Semprún se inscribe primero en una ‘geopolítica literaria’ singular, ya que pertenece al pequeño contingente de escritores ‘apátridas’ que, en la posguerra, se incorporaron al centro parisino” (DENIS, 2010: 112) não só como refúgio físico quanto também cultural: “como ‘extranjeros de Paris’ que abadonaron su lengua materna para hacer del francés su lengua de escritura” (DENIS, 2010: 112). Denis (2010) sinaliza ser este “gesto altamente simbólico porque condiciona una postura concreta ante la literatura francesa y ante los valores que se considera que debe transmitir” (DENIS, 2010: 112), porém, destaca que ao fazer-se um autor não- nacional, isto é, ao escolher o francês como nação literária, o autor se “induciría a una relación con la lengua desprovista de familiaridad y, por lo tanto, portadora de una distancia creadora que permitiría renovar códigos y las convenciones literárias” (DENIS, 2010: 112). Benoît Denis (2010) destaca que no caso de Semprún, “como escritor español, o sea, heredero de una tradición literaria tan prestigiosa como la francesa, su elección posee un contenido político: el francés es para él ‘la lengua del exilio’” (DENIS, 2010: 112), além disso, “expresa implícitamente la condena de la ditadura franquista que impide que España sea para Semprún una ‘patria literaria’” (DENIS, 2010: 113). Para Denis (2010), “en este aspecto Semprún no es exactamente un escritor apátrida: está profundamente integrado en el mundo francés” (DENIS, 2010: 113), pelo menos no | 197 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sentido intelectual e político. Entretanto, “aunque ventajosa, la posición de Semprún no le deja a salvo de lo que podemos llamar ‘chocs en retour’ (‘choques de rechazo’)” (DENIS, 2010: 113). Exemplo disso é “el episodio tragicómico de la candidatura abortada a la Academia francesa (...), puesto que la reticencia parece estar motivada de forma simultánea por su nacionalidad y su pasado político” (DENIS, 2010: 113). Benoît Denis (2010) destaca também que, ao oposto de Semprún, a Academia francesa “es principalmente de derechas y contó en sus filas con un gran número de colaboracionistas” (DENIS, 2010: 113) ao anticomunismo. Nas palavras de Semprún,43 em relação a sua dupla identidade nacional: “a fin de cuentas mi patria no es la lengua, ni la española ni la francesa: mi patria es el lenguaje” (SEMPRÚN, 2004: 16). O autor funda, assim, sua pátria na invenção linguística pressuposta pela escrita literaria: sua pátria é, pois, a linguagem, “o sea, un espacio de comunicación social, de invención lingüística; una posibilidad de representación del universo, de modificarlo también, aunque sea mínima o marginalmente, por el lenguaje mismo” (SEMPRÚN, 2004: 16). Segundo Ofelia Ferrán (1995), Jorge Semprún, “después de su experiencia de exilio concentracionario” (FERRÁN, 1995: 112), na qual consegue “crear ese «espacio de comunicación social», de que se ha logrado transmitir algo de esta experiencia intransmitible” (FERRÁN, 1995: 112) faz do exílio literário sua patria. No entanto, “la patria que este espacio literario supone no es tan estable” (FERRÁN, 1995: 112): Hacer del exilio una patria es un oxímoron. Pero apunta a una realidad. La patria que se busca en ese «espacio de comunicación, de invención lingüística» es una patria que está siempre en proceso de crearse, pues esa «invención lingüística» no termina nunca. Por lo tanto, esa patria no llega nunca a existir del todo. La necesidad de «hacer del exilio una patria» también demuestra que la persona que mejor puede contar esta historia de exilio es la que sigue en ese estado de exilio permanente, la que no logra superarlo jamás. (FERRÁN, 1995: 113) Outra vez, vê-se surgir a ideia da linguagem como uma pátria. Ou, como diria Semprún (ser errante, deslocado, que encontra seu lugar na escrita), sua pátria-exílio: “Soy español en París y francés en Madrid. Thomas Mann, cuando tuvo que exiliarse por culpa del Nazismo, dijo que la patria de un escritor es la lengua. Yo prefiero el término lenguaje antes que lengua” (SEMPRÚN, 2005: s.p.). Isto é, os processos de identificação cultural e histórica encontram-se, portanto, não somente na língua em si, mas, sobretudo, 43 SEMPRÚN, Jorge. Una tumba en las nubes. Discurso pronunciado con ocasión del Premio de la Paz, Barcelona: Tusquets Editores, 1994. | 198 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves no que a estrutura (a linguagem como instância maior), e atuam na relação do escritor com o processo de escrita em um embate dinâmico entre lembrar e esquecer, narrar e calar, viver e escrever, na tentativa de desnudar e reinventar a mescla entre realidade e ficção, estranheza e familiaridade. Essas questões trazem à tona uma necessidade de se pensar às lembranças intersubjetivas imersas também no campo dos “afetos” em relação ao que é materno ou pátrio e o que é alheio ou estrangeiro. Em outras palavras, o fato de Semprún narrar na língua “do outro” o trauma próprio fez surgir nesta pesquisa inúmeras questões, dentre as quais estão: de que maneira ou em que medida um escritor é afetado pela língua na qual escreve? Por que Semprún opta por exilar-se na língua alheia para narrar um trauma vivenciado pessoalmente? Que língua materna é essa que se reveste de estrangeira para contar o trauma? Em um ciclo de conferências pronunciadas em Madri no ano de 2003 e publicadas em 2011 pela revista Isegoría, Semprún nos dá um possível ponto de partida, descrevendo a língua espanhola como destinada ao mais íntimo do seu ser e a língua francesa como direcionada ao compartilhamento / à socialização: Al preparar estas conferencias y rebuscar entre los papeles, que tengo desordenados pero de todas maneras localizables, he encontrado un texto titulado La experiencia del mal radical, que no sé bien por qué lo he escrito; para quién lo he escrito; con qué motivo; con qué objetivo, y que no recuerdo haberlo publicado. Está escrito en castellano, cosa que demuestra que es un texto muy íntimo, porque en general los textos que destino a ser publicados, o que tienen esa intención, los escribo en francés. Por una alusión al mes de marzo, está escrito en marzo, pero no sé de que año; por la tipología de la máquina de escribir tiene por lo menos diez años. (SEMPRÚN, 2011: 278) A língua, segundo Ángel Castiñeira (2005), é um grande fator de identificação, geradora por excelência do sentimento de pertencimento a uma determinada “nação” ou “identidade coletiva”, conceitos que devem ser amplamente problematizados, já que fazem parte de sistemas simbólicos, isto é, devem ser lidos como estruturas não fixas usadas para facilitar a cognição e marcar identificações, não só geográficas, mas também histórico-sociais: “esta identidad conquistada a un destino está intrísecamente relacionada con la del escritor, que ha sabido transfigurar el recuerdo con el arte, único acceso a lo universal” (NICOLADZÉ, 2010: 156). Neste sentido, o pacto de leitura se estabelece em vias de igualdade entre escritor e leitor, escrita e leitura, signo e significado. Atuando dessa forma, segundo Françoise Nicoladzé, Jorge Semprún (2010) “permite a sus lectores heridos de diversa manera por la vida a ‘poner palabras a su sufrimiento’, ya que la palabra sempruniana llega a la esencia del dolor... en el espacio donde todos los seres que | 199 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves sufren pueden decirse: también habla de mí’” (NICOLADZÉ, 2010: 156). Sua obra toca a identidade pessoal como um construto narrativo dinâmico e múltiplo que necessita de uma continuidade temporal e de um relacionamento dialógico com o outro, esse também, ao mesmo tempo, uno e diverso, para ganhar amplitude coletiva e alcançar a autoconsciência de grupo universal (a humanidade como um todo). Um dos elementos mais importantes, que afirmam esse caráter social, coletivo (ou universal) da memória, é a linguagem que, logicamente, se veicula através de um idioma construído historicamente e em constante reconstrução. A pátria em Semprún é a linguagem. Então, neste sentido, todos nós, seres de linguagem, somos seus compatriotas. Como veremos na continuação desta Tese, fazer da escrita literária uma pátria significou na obra sempruniana um grande engajamento político e intelectual: uma militância que extrapolou a escrita e valeu-se da escrita para refletir sobre suas ações. De fato, podemos ver que na obra de Jorge Semprún, a todo o momento, a sua questão identitária de intelectual engajado politicamente é problematizada: os narradores semprunianos são imbuídos da necessidade eminente de discutirem como os eventos traumáticos do século XX, a era das catástrofes, provocaram uma guinada no pensamento ocidental, levando a um total questionamento das bases ideológicas e utópicas da modernidade; segundo Mario Vargas Llosa (2011), a Jorge Semprún: Le tocó vivir la Guerra Civil Española en el exilio; luego, cuando viene la Segunda Guerra Mundial, es un estudiante de filosofía y pasa muy joven todavía a militar en la resistencia; es capturado por los nazis, es torturado y es enviado a la experiencia más atroz de la época, que son los campos de concentración. Pasa casi dos años en Buchenwald y sobrevive, en cierta forma, de milagro. Luego milita en el Partido Comunista, para vivir la utopía de la sociedad sin clases, de la igualdad absoluta, y durante muchos años es un militante muy arriesgado, porque durante el franquismo lo envían a España para tratar de constituir grupos o células comunistas en Madrid, y en cada viaje se juega literalmente la vida. Son los años de su pseudónimo, Federico Sánchez, sobre los que escribió después un libro muy interesante, la Autobiografía de Federico Sánchez; luego le toca vivir también la crisis del comunismo. Se convierte en una víctima del estalinismo: es expulsado por tratar de introducir en el comunismo español el eurocomunismo, un comunismo más bien democrático y abierto, lo que para él es un desgarramiento terrible, porque había consagrado toda su vida al Partido Comunista, y luego tuvo que reconstruirse ideológicamente adoptando la cultura democrática, volviéndose un crítico tan severo como Orwell o Koestler de los viejos comunistas. Y luego está su inserción en el mundo democrático: llega a ser ministro de Cultura de un gobierno socialista sin perder nunca una independencia que desde que fue expulsado del Partido Comunista lo caracterizó siempre a la hora de escribir. (VARGAS LLOSA, 2011: 42) | 200 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3.2. Modernidade, utopia e escolhas pós-modernas: compromisso intelectual e engajamento político (“Je lis Paludes...” / “Leo Paludes...”) A mí nadie me ha obligado a ser resistente. Yo hubiera podido seguir mis estudios de filosofía y habría terminado, claro que en contradicción con mis ideas. Así que la primera experiencia de la libertad de Buchenwald es que yo he estado ahí libremente. Claro que no he decidido libremente sufrir los porrazos de las SS, no soy masoquista, pero he elegido la actividad que sabía que podía conducir al campo. Es la paradoja, casi sartreana, de que estamos condenados a ser libres. Yo estoy preso porque soy libre. (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.) Al salir del campo, la poesía ya no era para mí algo decisivo; en ese momento lo que me parecía más importante es la idea de testimonio. Es algo que les ha ocurrido a todos los escritores, sobre todo a los que aún no lo eran al ser deportado. (SEMPRÚN entrevistado por RIERA, 1989: 22) No capítulo 2 de Adieu, vive clarté… intitulado “Je lis Paludes...” / “Leo Paludes…”, o narrador desnuda ao leitor suas intenções e objetivos ao escrever a obra: “Ce livre est le récit de la découverte de l’adolescence et de l’exil, des mystères de Paris, du monde, de la féminité. Aussi, surtout sans doute, de l'appropriation de la langue française” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 101) / “Este libro es el relato del descubrimiento de la adolescencia y del exilio, de los misterios de Paris, del mundo, de la feminidad. También, y acaso sobre todo, de la apropiación de la lengua francesa” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 89). Prossegue o narrador afirmando que nessa obra não tratará de Buchenwald: “L'expérience de Buchenwald n'y est pour rien, n'y porte aucune ombre. Aucune lumière non plus” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 101) / “La experiencia de Buchenwald no entra para nada en ello, ni proyecta ninguna sombra. Tampoco ninguna luz” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 89). Para o narrador-personagem, o lugar a partir do qual se constrói sua fala nessa obra (as memórias da infância e da adolescência), lhe permitiria recuperar uma liberdade perdida (ou roubada?), depreendida da recordação / compreensão da sua vida anterior ao encarceramento no campo de concentração de Buchenwald: “Voilà pourquoi, en écrivant Adieu, vive clarté..., il m'a semblé retrouver une liberté perdue, comme si je m'arrachais à la suite de hasards et de choix qui ont fini par me composer une sorte de destin” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 101) / “Por eso, al escribir Adiós, luz de veranos…, me ha parecido recobrar una libertad perdida, como si me desprendiera de algo | 201 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves tras una serie de azares y opciones que han acabado forjándome una especie de destino” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 89). Entretanto, apesar dessa afirmação, a sombra de Buchenwald pode ser prevista desde o título da obra. De fato, dizer adeus à luz, ao verão implica sim, afirmar a existência da sombra, da escuridão, do inverno (a neve perpétua que caía em Weimar). O que pode ser visualizado na páragrafo imediatamente posterior à essa negação da presença do campo na obra Adieu, vive clarté...: Même si le hasard ou la chance m'avaient évité de tomber dans le piège de la Gestapo, à Joigny – à Épizy, à proprement parler, sur le chemin de halage, dans la maison d’Irène Chiot –, même si mon maître Maurice Halbwachs n'avait pas agonisé dans mes bras, au block 56 de Buchenwald, j'aurais été ce garçon de quinze ans qui découvrait l'éblouissante infortune de la vie, ses joies aussi, inouïes, à Paris, entre les deux guerres de son adolescence. § M'y voilà de nouveau. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 101) Aun si el azar o la suerte me hubieran evitado caer en la trampa de la Gestapo en Joigny – en Épizy, para ser exactos, en el camino de sirga, en casa de Irène Chiot –, aun si mi maestro Maurice Halbwachs no hubiera agonizado en mis brazos, en el barracón 56 de Buchenwald, habría sido aquel muchacho de quince años que descubría el deslumbrante infortunio de la vida y también sus inconcebibles alegrías, en Paris, entre las dos guerras de su adolescencia. § Heme allí de nuevo. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 76). Ao falar dos dois dias “primeiros de maio”, de anos diferentes, que se embaralhavam em sua memória ao assistir o desfile de comemoração ao dia do trabalhador (o dia 1 de maio de 1939, no qual o amigo de liceu, Armand J., o desanimava de ler Paludes, de André Gide por discordar politicamente de suas ideias; e o dia 1 de maio de 1945, quando o narrador, dois dias após sair do campo de concentração, assiste também ao desfile comemorativo), vemos que Buchenwald aparece na obra Adieu, vive clarté... pelo signo da negação de sua presença: “Il m’est impossible, en effet, d’évoquer le 1er de Mai 1945 sans dire un mot, pour bref qu’il soit, retenu, elliptique même, de Buchenwald” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 98) / “No puedo, en efecto, evocar el 1 de Mayo de 1945, sin decir unas palabras, por breves que sean, contenidas, elípticas incluso, sobre Buchenwald” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 87). Neste sentido, não se deve escamotear ou deixar em segundo plano o fato de que ocorre, na obra Adieu, vive clarté..., um embate entre o dito, o entredito e o não dito, já que toda a narrativa mostra as circunstâncias que contribuíram para que Semprún se tornasse um intelectual politicamente engajado. Fato que, não se deve obliterar, o levou a ser prisioneiro de um campo de concentração nazista: “Yo hubiera podido seguir mis | 202 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves estudios de filosofía y habría terminado, claro que en contradicción con mis ideas. Así que la primera experiencia de la libertad de Buchenwald es que yo he estado ahí libremente” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.). Vê-se também, em Adieu, vive clarté..., um embate crescente entre as memórias individuais (o sujeito Semprún que se sente traído e iludido frente aos ideais comunistas defendidos em sua juventude) e as memórias coletivas (que fazem ou farão parte do acervo universal sobre as ações do comunismo no século XX). Assim, são várias as memórias que convivem e lutam entre si para construir ou contribuir para uma leitura da história contada por Semprún, sendo que algumas podem imperar sobre outras em determinados contextos. De acordo com Jordi Canal (2010), “en L’écriture ou la vie, (…) Jorge Semprún explicaba con gran precisión la esencia de la ilusión comunista” (CANAL, 2010: 76). Isso também pode ser visto em Adieu, vive clarté..., no capítulo Je lis Paludes...” / “Leo Paludes…”, quando o narrador conta sobre o episódio em que teve contato com o termo historicidade, em uma reunião dos amigos de seu pai, o congresso de Esprit: “Pour moi, ce mot d’historicité, chargé de sens et de sang, symbolise une découverte: celle de l’univers réel de la politique et de l’histoire” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 124) / “Para mí, en cualquier caso, la palabra ‘historicidad’, cargada de sentido y de sangre, simboliza un descubrimiento: el del universo real de la política y de la historia” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 109). Esse vocábulo fez nascer no narrador-personagem as primeiras centelhas do sentimento de engajamento político, gerando “l’impression dominante, quasiment physique, comme une fièvre spirituelle, que je retrouvai plus tard, dans d’autres contextes, à la lecture de Shakespeare ou des tragédiens grecs, de certains textes de jeunesse de Marx et de Lukács” (SEMPRÚN.Adieu, vive clarté... 1998: 124-125) / “la impresión dominante, casi física, parecida a una fiebre, que experimenté más tarde, en otros contextos, al leer a Shakespeare o la los trágicos griegos, o algunos textos de juventud de Marx y de Lukács” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 110), enfim, a impressão “d’une appartenance active au monde: illusion de le connaître, volonté de le transformer” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 125) / “de una pertenencia activa en el mundo: ilusión de conocerlo, voluntad de transformarlo” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 110). | 203 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Segundo Semprún (1968) no seu ensaio escrito44 sobre o que são e o que podem fazer os textos literários: “o poder da literatura é imenso, mas ambíguo” (SEMPRÚN, 1968: 29), isso porque a literatura “tanto é mistificadora como desmistificadora (…), mas não se trata de um poder imediato: não está na posse direta dos acontecimentos, está sempre em atraso ou em avanço” (SEMPRÚN, 1968: 29) no que diz respeito às utopias ou “às exigências políticas” (SEMPRÚN, 1968: 29). É nesse sentido que vemos empreendida na obra sempruniana a revitalização do que seriam o compromisso e o engajamento político do intelectual. Sobre isso, declara Mario Vargas Llosa (2011): “como pocos escritores de su tiempo, como a Malraux, a Arthur Koestler o a Orwell, a Semprún le tocó vivir como actor, no como testigo, los grandes hechos históricos del siglo XX” (VARGAS LLOSA, 2011: 42), no entanto, acrescenta Vargas Llosa (2011): “tuvo la capacidad, muy infrecuente en el hombre de acción, de tomar una distancia intelectual para analizar lo que vivió o escribir ficciones a partir de su experiencia histórica” (VARGAS LLOSA, 2011: 42). Como exemplo dessa distância intelectual para analisar as vivências / ações políticas, podemos citar o destaque que as obras semprunianas dão ao ideal de fraternidade que originalmente motivou a ideologia comunista e que, segundo Lucas Hénaff (2010), para Semprún permaneceria em suas lembranças para além da rejeição da ideologia, sendo que, ao mesmo tempo, Semprún de certa forma alertaria ao leitor de seus livros a que também não “sucumba à estupidez comunista”: Mettre en scène, sans la nommer, cette faiblesse, c’est l’avouer et tendre un miroir au lecteur qui aurait pu, lui aussi, «succomber» à la «bêtise» communiste, d’autant que cette dernière ne partait pas d’un mauvais sentiment. À travers toute son oeuvre, Semprun rappelle l’idéal de fraternité qui l’a initialement motivé et qui demeure, au-delà du rejet de l’idéologie. (HÉNAFF, 2010: 130) Para Jordi Canal (2010), a descrição de Semprún em suas obras das ações comunistas, ou da “ilusión mortífera de la aventura comunista, (...) está fundamentada en esta verdad de las mentiras, en estas mentiras de la verdad” CANAL, 2010: 76), na qual “la sangre y el fuego comunista (...) han tenido su más aberrante concreción en el Gulag” (CANAL, 2010: 77). A existência do Gulag, também segundo Canal (2010), leva Semprún a interrogar-se e a analisar “los campos de concentración soviéticos, a la luz y a partir de la experiencia de los campos de concentración nazis” (CANAL, 2010: 77). 44 SEMPRUN, Jorge. Que pode a literatura. Lisboa: Editora Estampa, 1968. | 204 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Jordi Canal tece esses comentários a partir de uma passagem da obra sempruniana que (em meio a muitas outras reflexões de outros livros e textos de Semprún) nos informa a preocupação do autor com “la reflexión y la denuncia del Gulag” (CANAL, 2010: 77) por meio de um questionamento estupefato que apareceria implícito ou explícito em livros como Le grand voyage (1963), Quel beau dimanche! (1980), L’écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté... (1998): “¿cómo pensar el Gulag habiendo sido comunista, como él, em Buchenwald?” (CANAL, 2010: 77). Eis uma das passagens da obra de Semprún analisada por Jordi Canal: L’histoire de ce siècle aura donc été marquée à feu et à sang par l’illusion meurtrière de l’aventure communiste, qui aura suscité les sentiments les plus purs, les engagements les plus désintéressés, les élans les plus fraternels, pour aboutir au plus sanglant échec, à l’injustice sociale la plus abjecte et opaque de l’Histoire. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 267) Así pues, la historia de este siglo ha estado marcada a sangre y fuego por la ilusión mortífera de la aventura comunista, que habrá suscitado los sentimientos más puros, los compromisos más desinteresados, los impulsos más fraternales, para acabar desembocando en el fracaso más sangriento, en la injusticia social más abyecta y opaca de la Historia. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 276) Também no capítulo 2 de Adieu, vive clarté... (1998), “Je lis Paludes...” / “Leo Paludes…”, vemos essa questão da ambiguidade das ações comunistas ser reiterada pelo narrador através da constatação de que suas leituras literárias o fizeram, ao mesmo tempo, descobrir-se comunista e manter alguma criticidade diante do comunismo. Entre o acervo literário responsável por formar suas convicções políticas, Semprún destaca os romances de André Malraux, “La condition humaine et L’espoir. Si je n’avais pas, à cet âge-là, lu le premier; je ne serais pas devenu communiste” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 128-129) / “La condición humana y La esperanza. Si no hubiera leído la primera, a aquella edad, no me hubiera hecho comunista” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 113) e “si je n’avais pas lu L’espoir, d’autre côté, je n’aurais pas conservé, à l’intérieur de ma façon violente d’être communiste (...), quelque lueur d’esprit critique” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 129) / “por otra parte, si no hubiera leído La esperanza no habría conservado, en el interior de mi manera violenta de ser comunista (…), alguna chispa de espíritu crítico” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 113). Semprún explica essa sua maneira “violenta” de ser comunista como a visão de que o comunismo não se exerce a não ser pela prática, o que implica luta e guerra: “car je n’ai jamais envisagé le communisme | 205 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves comme une sorte de jeu purement théorique, mais comme um engagement total, un appel aux armes” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 129) / “porque nunca me he planteado el comunismo como una especie de juego puramente teórico, sino como un compromiso total, un llamamiento a las armas” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 113). Assim, prossegue o narrador dizendo que “certes, il n’y a pas que L’espoir qui m’ait aidé à ne pas succomber totalement à l’imbécillité communiste. Il y a la lecture de Kafka, aussi. D’autres lectures sans doute. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 129) / “cierto que no sólo La esperanza me ayudó a no sucumbir totalmente a la imbecilidad comunista. También la lectura de Kafka. Y otras lecturas, sin duda” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 113). Porém, assim como a obra kafkiana, dentre os livros que merecem destaque na sua formação literária e política, segundo Semprún, o romance La esperanza é crucial por inserir-se em sua vida em momentos chave de sua formação político-ideológica, proporcionando duas leituras (ou maneiras de ver o comunismo) conflitantes e, ao mesmo tempo, esclarecedoras: J’ai lu L’espoir d’un œil fort différent, au long des longues années où ce livre m’a tenu compagnie. Je l’ai d’abord lu comme le recite lyrique d’une geste populaire: épopée de la fraternité combattante des humiliés et des offensés. C’est ce livre-là, aux pages imprégnées de l’entêtante odeur du plastic, que j’avais dans mon sac, dans le maquis du ‘Tabou’. (...) § Plus tard, j’ai relu L’espoir d’un point de vue différent, prêtant davantage attention à son fond philosophique qu’à as forme lyrique ou épique, éclatante et éclatée. § Car Malraux a réussi ce tour de force – en partie inconscientemment, sans doute: guidé par un instinct très sûr, parce que très retors – de réunir en un seul mouvement romanesque l’apologie et la critique du communisme. Apologie de la rigueur et de l’efficacité communistes dans la pratique d’un antifacisme militant; critique radicale des fins ultimes et du discours global du communisme. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 129-130) Leí La esperanza con ojos sumamente distintos en el curso de los largos años en que ese libro me hizo compañía. Primero lo leí como el relato lírico de una gesta popular: epopeya de la fraternidad combatiente de los humillados y los ofendidos. Ese libro, con las páginas impregnadas del inquietante olor a explosivo, lo llevaba en la mochila durante mi estancia en el maquis del ‘Tabou”. (…) § Más adelante, releí La esperanza bajo un ángulo diferente, prestando más atención a su fondo filosófico que a su forma lírica o épica, deslumbrante y gráfica. § Porque Malraux logró – en parte inconscientemente, sin duda: guiado por un instinto astuto y por ello muy seguro – la proeza de reunir en un solo acto novelesco la apología y la crítica del comunismo. Apología del rigor y de la eficacia comunistas en la práctica de un antifascismo militante; crítica radical de los fines últimos y del discurso global del comunismo. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 113-114). Semprún destaca a importância de Paludes, de André Gide em seu interesse mais pela estrutura da língua francesa do que pelo conteúdo filosófico da obra: “Je pourrais | 206 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves évoquer d’autres livres de cette époque qui ont eu pour moi davantage d’importance morale que Paludes” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 130) / “Podría evocar otros libros de aquella época que tuvieron pra mí más importancia moral que Paludes” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 115). Entretanto, para o narrador Paludes foi essencial para seu enamoramento da língua francesa: “On ne peut concevoir Paludes dans aucune autre langue que le français” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 131) / “No cabe concebir Paludes en otra lengua que en francés” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 115). Pois bem, no questionador “metarromance” Paludes, que satiriza a falsa busca pela felicidade no ambiente parisiense, marcado mais pela inércia do que pela vontade de mudança, Gide demonstra que a obra não pode nascer senão da sua própria escrita. Disso, parece-nos advir a convicção de Semprún de que o comunismo não deve ser entendido (ou vivido) como simplesmente uma teoria. Semprún, no entanto, destaca dessa obra não o seu conteúdo, mas a sua riqueza formal e léxica que o fizeram tomar a decisão de ocultar sua identidade de estrangeiro por detrás da língua francesa: “J’avais besoin de cette langue, qui, apparemment, coulait de source, mais dont la limpidité était le résultat d’un exigeant travail sur l’inertie et l’opacité naturelles du langage” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 132) / “Necesitaba esa lengua que, aparentemente, fluía de una fuente, pero cuya limpidez era el fruto de un exigente trabajo sobre la inercia y la opacidad propios del lenguaje” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 116). O narrador prossegue sua argumentação sobre a relação existente entre a leitura de Paludes e a sua opção pelo idioma francês na escrita literária, destacando que, enquanto “la commerçante du boulevard Saint-Michel, boulangère forte en gueule et aux idées courtes (…) m’avait chassé, d’une phrase qui se voulait blessante (‘espagnol de l’armée en déroute’), de la communauté des élus” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 132) / “la panadera del bulevar Saint-Michel, mujer de lengua larga e ideas cortas (…) me había expulsado, con una frase que pretendía ser hiriente (‘español del ejercito derrotado’) de la comunidad de los elegidos” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 116), a obra Paludes de Gide lhe havia dado uma ajuda imensa para empreender “ce travail d’appropriation d’une langue – patrie possible, ancrage solide dans l’incertain de mon univers – que Paludes me fut d’un secours inestimable” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 133) / “esa labor de apropiación de una lengua – patria posible, firme asidero en la incertidumbre de mi universo –, Paludes supuso para | 207 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves mí una ayuda inestimable” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 117). Então, segundo o narrador-protagonista, “la boulangère du boulevard Saint- Michel me chassait de la communauté, André Gide m’y réintégrait subrepticement” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 133-134) / “la panadera del bulevar Saint-Michel me había expulsado de la comunidad; André Gide me reintegró a ella de manera subrepticia” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 117), pois “dans la lumière de cette prose qui m’était offerte, je franchissais clandestinement les fronteires d’une terre d’asile probable” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 134) / “iluminado por aquella prosa que se me brindaba, crucé clandestinamente las fronteras de una probable tierra de asilo” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 117). Foi assim que Semprún diz ter se refugiado na universalidade da língua francesa: “André Gide, dans Paludes, me rendait accesible, dans la transparente densité de sa prose, cet universalisme” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 134) / “André Gide, con Paludes, con la trasparente densidad de su prosa, hizo accesible para mí ese universalismo” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 117). De acordo com Mario Vargas Llosa (2011), “no se puede separar al Semprún militante, actor en los grandes acontecimientos históricos de su siglo, del escritor y del intelectual” (VARGAS LLOSA, 2011: 42), porque “al vivir de esa manera tan intensa, y como actor de los grandes hechos históricos, Semprún escribió libros comprometidos en un momento en el que ya no estaba de moda la literatura comprometida” (VARGAS LLOSA, 2011: 42). Entretanto, o fato de não estar na moda a literatura comprometida e, acrescentamos, ideológica, não significa que não existam mecanismos ideológicos operando discursivamente nos textos literários da época a que se refere Vargas Llosa. A grande diferença de Semprún, em nossa opinião, é o não escamoteamento de sua opção pelo engajamento político também, e, sobretudo, em sua escrita filosófica e literária. Apesar dos muitos discursos que, hipócrita ou ingenuamente, apregoam a existência de uma verdadeira “igualdade sem fronteiras”, há claramente uma hierarquização (atuante na disseminação de certos discursos, a partir dos seus lugares enunciativos) que acaba por determinar quais serão as memórias dominantes e quais serão as marginais / os marginalizados. Jordi Canal (2010) afirma que uma questão continua sendo objeto de debate “entre los científicos sociales y entre los escritores e intelectuales en general” (CANAL, 2010: 78); esta questão diz respeito à “las similitudes entre el comunismo y el fascismo, las dos | 208 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves grandes ilusiones, los dos grandes totalitarismos del siglo XX” (CANAL, 2010: 78). Para Canal, “el comunismo ha sido, en definitiva un totalitarismo” (CANAL, 2010: 78). E, isso é também percebido na análise posterior de Semprún, já agora um ex-comunista: “su posición en esta polémica no es otra que la de una persona que ha vivido el siglo XX y ha participado y sufrido, como actor o como víctima, los dos sistemas, los dos totalitarismos” (CANAL, 2010: 79), é a posição de um ser humano que “se propone, a partir de esta experiencia, pensar críticamente el mal, las mentiras y los compromisos” (CANAL, 2010: 79). A partir dessa reflexão, Jordi Canal analisa o que chamaria de perda de fé no comunismo no discurso de Semprún em que o escritor estabelece uma “oposición entre el compromiso orgánico y el compromiso inorgánico” (CANAL, 2010: 82), se enquadrando no segundo tipo (ligado a, por assim dizer, “inorganicidade” do compromisso intelectual): De intelectual en el Partido Comunista, un intelectual estalinizado, como él mismo escribiera, pasó a recuperar, tras el abandono de esta formación, amplios espacios de libertad de pensamiento. Gregorio Moran ha asimilado con acierto estas crisis en el universo comunista a la pérdida de fe, pues “donde no hubo razón, sino la fe, se producen conversiones y renuncias”. En un discurso pronunciado en 1977 con motivo de la entrega del Premio de Jerusalén, aseguraba Jorge Semprún: “(...) el compromiso del escritor tiene forzosamente un carácter global (...) Ni Vargas Llosa ni yo aceptaríamos hoy una mediatización de nuestro compromiso por ninguna organización política partidaria: lo consideramos como algo personal e intransferible. (...) Personalmente – dejo de arrastrar a Vargas Llosa en mi argumentación; asumo la primera persona singular del discurso – me considero un intelectual inorgánico. Recordaré que éste era el adjetivo que los ideólogos y los turiferarios de la dictadura franquista ponían, despectivamente, al sistema democrático de las libertades públicas: ‘democracia inorgánica’, decían. Pues bien, así sea y a mucha honra: ‘intelectual inorgánico’. O sea, directa y personalmente implicado en la realidad de nuestro mundo, de nuestras sociedades. Inorgánico: que no pretende hablar en nombre de la historia, ni de una clase social, ni de un partido mesiánico que se atribuya a sí mismo el papel de demiurgo de la realidad o de portavoz de la verdad absoluta y del progreso histórico. Que sólo habla en su propio nombre, en función de una reflexión social que arranque de la duda. De la perplejidad, a fin de cuentas”. (CANAL, 2010: 80-82) Na opinião de Jesús Ruiz Mantilla (2001, apud CANAL, 2010: 82) no texto Hoy el compromiso es libre, esse compromisso do intelectual atual “es diferente, más arriesgado, pero mejor para la sociedad porque la vértebra y no se atiene a disciplinas ni dogmas” (MANTILLA, 2001, apud CANAL, 2010: 82). O compromisso do intelectual é agora muito mais livre e amplo, “se ha quitado finalmente de encima, resistencias al margen, el enorme peso de la organicidad” (CANAL, 2010: 82). Neste sentido, o legado – entendido por Canal em sentido amplo – de Jorge Semprún é fundamental, já que “su | 209 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves obra constituye un esfuerzo importantísimo para pensar el siglo XX y todos sus conflictos, guerras, cegueras y utopías” (CANAL, 2010: 83). Como podemos ler na seguinte entrevista a Semprún, de 2010, suas experiências ideológicas fizeram-lhe pensar que o fracasso comunista não deve significar a impossibilidade de lutar politicamente por um mundo mais igualitário: ¿Cuál es el lugar para un no comunista como usted, dónde se queda? El lugar hay que inventárselo cada día. Hay que partir del hecho de que el fracaso de la revolución comunista no significa que la sociedad actual sea una sociedad justa. Significa que por esos métodos no podremos y que hay que inventar otros. La economía de mercado provoca cada día injusticias y focos de desigualdad. El hecho del fracaso ideológico y moral del leninismo no te autoriza a cualquier cosa. Hay que reconocer que el mercado es fuerte, pero no se puede capitular ante la realidad capitalista. Lo importante es reconocer que existe y elaborar una estrategia que no tiene nada que ver con el leninismo. Tengo como definición de la dialéctica una frase mejor que la de Mao. Es de ScottFitzgerald: "Deberíamos saber que las cosas que no tienen remedio deberíamos estar decididos a cambiarlas". Una frase justa, pero imposible de utilizar como eslogan. Es perfecta como moral. Al final de una de mis películas, el protagonista decía: "He perdido mis certidumbres, he conservado mis ilusiones". Sólo con ilusiones no movilizas a nadie, debes apuntar cuáles son los objetivos de la lucha, pero la ilusión de que se puede conseguir mayor igualdad en este mundo no podemos perderla. ¿El capitalismo se ha quedado con todo, basta con la ilusión o la moral? No se puede moralizar el capitalismo. El capitalismo no se ha inventado para eso. Se puede regular, limitar. Pero no se puede moralizar: el beneficio máximo, por definición, es inmoral y no puede ser otra cosa. Los partidos dicen que las cosas no se pueden cambiar, pero que hay que luchar por ello... Pues llámenme cuando tengan alguna propuesta más concreta. (SEMPRÚN entrevistado por RIAÑO, 2010) Pensamos, assim, ser pertinente aplicar às obras de Semprún a seguinte afirmação de Verena Alberti (2005), pois ainda que a sempruniana seja uma memória majoritariamente escrita (embora, existam diversas entrevistas do autor sobre suas vivências), ela se aproxima muito mais da história oral do que da história ‘oficial’ e ‘canônica’: “a principal característica do documento da história oral não consiste no ineditismo de algumas informações, nem tampouco do preenchimento de lacunas de que se ressentem os arquivos de documentos escritos ou iconográficos, por exemplo.” (ALBERTI, 2005: 5). A peculiaridade da história oral “decorre de toda uma postura com relação à história e às configurações socioculturais, que privilegia a recuperação do vivido conforme concebido por quem viveu” (ALBERTI, 2005: 5), então, “é nesse sentido que não se pode pensar em história oral sem pensar em biografia e memória” (ALBERTI, 2005: 5). Segundo Aguado (2004), a intenção de Semprún “no es exclusivamente la de | 210 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves volver al pasado para recuperar la memoria de unas experiencias olvidadas al haber sido experienciadas” (AGUADO, 2004: 155). Seria mais algo como a recuperação de um esquecimento inicial, uma forma de anamnese (no sentido médico de exame clínico que antecede ao diagnóstico), tal como formulado por Iñaki Urbanibia, seguindo as ideias de Lyotard: “pero una 'anamnesis' que no sea una recuperación ecléctica y nostálgica del pasado y de sus valores, ni una aceptación resignada de los simulacros y efectos de superficie en un mundo nihilista y cínico” (URBANIBIA apud AGUADO, 2004: 156). Para Aguado, a anamnese se apresenta em Semprún como um “ejercicio recordatorio cuando no es celebratorio” (AGUADO, 2004: 156), sendo “siempre doloroso, máxime si supone enfrentarse con una parte del recuerdo excluida de sentido” (AGUADO, 2004: 156). A escrita sempruniana demonstra que recordar não implica somente ler o passado com os olhos do presente, “el volver la vista atrás no es un mero ejercicio retórico de desentrañamiento, de deconstrucción” (AGUADO, 2004: 156) dos fatos pretéritos, pois também o passado (o que é decisivo para uma postura crítica da rememoração, da memória conscientemente exercida) permite a leitura, o entendimento e o julgamento do presente: “el pasado evalúa el ahora al introducir criterios valorativos, lo relativiza a una posibilidad entre todas, le otorga una memoria al abrirlo a la comprensión de su origen en las causas o elaboraciones que lo produjeron” (AGUADO, 2004: 156). Vê-se que, em Semprún, a memória “autobiográfica”, por assim dizer, está totalmente inserida em sua obra, sendo a linguagem o lugar de memória em que o escritor exilado e traumatizado tenta se reconciliar com sua própria vida: “su obra es un asedio a la supervivencia de la identidad cuando la identidad se ha perdido subsumida en el esfuerzo animal de sobrevivir a la catástrofe” (GRACIA, 2010: 88). Visualiza-se em Semprún, no momento em que é libertado de Buchenwald, certa vontade de atuar como o homem da pós-modernidade tal como é descrito pelo sociólogo Zygmunt Bauman em O mal-estar da pós- modernidade (1998), isto é, no sentido dele ser alguém envolto em uma identidade de palimpsesto e que precisa sempre de novos começos e recomeços identitários para ajustar-se ao meio, enfim, inserir-se no mundo, ainda que seja clandestinamente. Entretanto, Semprún se diferencia do homem pós-moderno no sentido de que a sua atuação artística e seu engajamento político-ideológico remontam às ideias da utopia moderna do comunismo, não estando afeito à apatia e à falta de ação geradas | 211 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves pela insegurança pós-moderna, tal como descreve Bauman45 na obra Em busca da política (2000). A passagem do moderno / pós-moderno não implica, certamente, uma ultrapassagem, mas uma convivência de sistemas de convenção concorrentes das formas artísticas e dos meios de produção. A polarização instaurada de paródia (mais agressiva, com uma dicção violenta que se coloca como superior ao desqualificar um objeto) versus pastiche (mais dialógico, sem hierarquias, que introduz elementos novos sem negar a tradição, além de conter o vetor lúdico) nos leva a pensar nas tentativas dos novos paradigmas teóricos em cultivar um espaço experimental para lidar com as categorias modernas / pós-modernas. Vê-se que, nas pós-modernidades, os discursos teóricos buscam desestabilizar o sistema e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, garantir um lugar dentro dele, instaurando um emaranhado de tensões na tradição dos discursos instituídos. Vê-se que o rosto prenhe de horror do anjo da história de Benjamin é suplantado em várias textualidades pelas fronteiras entre o (in)dizível e o (in)vivível. O horror é tido como algo a não ser encoberto: precisamos narrar, apesar de tudo. A partir daí, cabe discutir como os eventos traumáticos do século XX, cunhado por Eric Hobsbawm como a era das catástrofes, provocaram uma guinada no pensamento ocidental, levando a um total questionamento desse labirinto que se desviou do seu centro que foi a modernidade europeia,46 tão violenta e bélica; de acordo com Ana García Díaz (2011): La propuesta ético-política de Semprún supone un intento de presentización de la experiencia a través de la inclusión del lector en una comunidad afectiva que comparta una serie de valores constitutivos que permitan establecer un vínculo fraterno superador del enfrentamiento entre europeos y que tenga su manifestación política en una Europa supranacional (representación constituida por la UE). En este sentido, la novela propondría una aproximación a la experiencia que le confiriera una categoría política al tiempo que retornara 45“O mais sinistro e doloroso dos problemas contemporâneos pode ser melhor entendido sob a rubrica Unsicherheit, termo alemão que funde experiências para as quais outras línguas podem exigir mais palavras – incerteza, insegurança e falta de garantia. O curioso é que a própria natureza desses problemas é poderoso impedimento aos remédios coletivos: pessoas que se sentem inseguras, preocupadas com o que lhes reserva o futuro e temendo pela própria incolumidade não podem assumir os riscos que a ação coletiva exige. Falta- lhes a coragem de ousar e tempo para imaginar formas alternativas de convívio; e estão preocupadas com tarefas em que não podem sequer pensar, quanto mais dedicar sua energia, e que só podem ser empreendidas em comum” (BAUMAN, 2000: 13). 46 De acordo com o historiador Antonio Pedro (1994): “Se compararmos a Primeira Guerra com a Segunda, poderemos concluir que a última é que foi verdadeiramente mundial: o mundo todo foi direta ou indiretamente envolvido. E como o fim do segundo conflito, a Europa já não era mais o centro das decisões mundiais. (...) Outra grande diferença entre a Primeira e a Segunda Guerra é que durante a Primeira havia diferença entre os combatentes e os não-combatentes. Já a Segunda Guerra envolveu a população como um todo. Era o novo conceito de guerra total. Se na Primeira o objetivo era a derrota do inimigo no campo de batalha, na Segunda era a destruição total e a submissão de povos inteiros” (PEDRO, Antonio. A Segunda Guerra Mundial. 1994: 76-77). | 212 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves al ámbito político europeo una problemática que, como ya han advertido varios autores, se está desplazando discursivamente hacia los EEUU. Sin duda, La escritura o la vida constituye una superación del discurso filosófico al aunar (y, de hecho, enraizar de tal manera que no existe una sin la otra) una resistencia intelectual (que parta de unas propuestas ideológicas que combinen rasgos propios de la modernidad como el valor de la subjetividad y el individuo) con una propuesta de resistencia activa y textual. (GARCÍA DÍAZ, 2011: 51-52) Segundo Seligmann-Silva (2008), “na ‘era das catástrofes’, a identidade coletiva (e mesmo nacional) tende a se articular cada vez menos com base na ‘grande narrativa’ dos fatos e personagens heroicos e a enfatizar as rupturas e derrotas” (SELIGMANN- SILVA, 2008: 3), “daí também a atualidade do conceito de testemunho para articular a história e a memória do ponto de vista dos 'vencidos'.” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 3). O testemunho vem à tona como “o guardião da memória” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 3). Isto é, ainda que o testemunho, como admite Jorge Semprún, lide com o caráter insuficiente da língua em transpor para palavras / imagens o trauma, a verve testemunhal se desnuda como uma válvula de escape para o abafamento / escamoteamento do catastrófico. O testemunho literário sempruniano encara, assim, a problemática da literatura comparada como um todo: lidar com “a incapacidade de traduzir o vivido em imagens ou metáforas” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 2) e fazê-lo tanto estética como eticamente. Como aponta o filósofo, historiador e físico Marco Chiaretti (1995), as consequências da Segunda Guerra Mundial “se estendem até nossos dias” (CHIARETTI, 1995: 5); “a guerra, de fato, mudou a face do mundo” (CHIARETTI, 1995: 5), “o mundo pós-45 parecia ter pouco a ver com o que o antecedera” (CHIARETTI, 1995: 5), tanto que “o físico Albert Einstein chegou a dizer que não sabia como seria a terceira guerra mundial” (CHIARETTI, 1995: 5), caso houvesse uma, “mas que a quarta certamente seria disputada a paus e pedras” (CHIARETTI, 1995: 5). Chiaretti acrescenta numa possível alusão a Primo Levi: “um escritor italiano disse certa vez que vira muitos mortos na guerra, mas que o mais morto deles era o garoto que ele fora” (CHIARETTI, 1995: 6); por fim, ressalta Chiaretti: “a geração inteira que se perdera na dor teve de reconstruir seu mundo, que, afinal, é o nosso. Um drama que as gerações atuais não podem esquecer” (CHIARETTI, 1995: 6), sob o risco de repetir os mesmos equívocos. Na obra crítico- filosófica Pensar en Europa (2006), Jorge Semprún comenta nos seguintes termos a suposta morte das utopias, tão proclamada pelas críticas do pós-guerra: | 213 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Algunos, posteriormente, comparando la época con esa utopía racional supranacional de una Europa inspirada por la razón y por el espíritu crítico, han puesto en evidencia el carácter aparentemente irrisorio de ese racionalismo abstracto y utópico, retórico. Y, sin embargo, esa razón democrática ha triunfado, y en la Europa actual, al margen de todos los problemas a los que han aludido quienes me han precedido, todos los problemas de la virulencia de los nacionalismos y de la disgregación de los imperios, resulta evidente que la idea capital que el anciano filósofo expresaba patéticamente en 1935 en Viena ha cobrado forma y ha cobrado cuerpo. (SEMPRÚN, 2006: 261) Ao tratar do processo de “descentramento” do sujeito moderno / absoluto do século XIX e o surgimento do sujeito múltiplo do século XX, Ernesto Laclau (1996) também aponta para a crítica necessária dos valores tidos como universais além de destacar o perigo dos particularismos puros. O universal não é senão um particular que, num certo momento, passou a ser dominante, isto é, o global foi um particular que se universalizou graças a processos discursivos e impositivos de poder. Mas, com o avanço das fronteiras capitalistas, a formação de um sistema global e a morte de antigos centros de poder e saber (lugares de onde os sujeitos universais falavam) é crescente a multiplicação de novas identidades. Vê-se que o desmoronamento das narrativas hegemônico-universais marca um deslocamento do sujeito, tendo esse cada vez mais que buscar uma rearticulação de sua identidade pulverizada. Segundo Laclau (1996), é o paradoxo imanente à tensão entre universal e particular - a saber, de que o universal é incomensurável com o particular, mas que um não existe sem o outro - que anima o jogo democrático, pois permite a concorrência, mesmo que muitas vezes desleal, entre projetos particulares que aspiram à condição de universal. Na entrevista de Aleida Assmann e Jan Assmann (2013), concedida à USP, ressalta-se as reflexões dos estudiosos sobre os “riscos e benefícios da memória cultural derivada de eventos traumáticos” (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.) por meio das seguintes questões: (...) essa memória traz à tona um potencial agressivo ou resulta num maior respeito e diálogo entre vizinhos? Torna uma sociedade mais vingativa ou mais consciente de seu passado? Faz dos indivíduos cidadãos mais sensíveis ou insensíveis à violação dos direitos humanos ou à condição das minorias? (...) a memória cultural não deve ser entendida como uma fixação patológica com o passado, mas como um back-up, uma espécie de bagagem necessária para que a sociedade construa seu futuro. Mas, (...) essa memória deve ser inspecionada criticamente, como acontece com qualquer bagagem. Por isso, (...) é preciso tomar cuidado para que o passado negativo, uma vez transformado em memória, não desperte o revanchismo: ‘a memória pode ser perigosa e destrutiva se desenterrar raiva e a vontade de revisar a história’. (ASSMANN; ASSMANN, 2013: s.p.) | 214 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Está claro que nessa passagem o termo “revisar” se refere ao negacionismo ou revisionismo que muitos quiseram empreender em relação ao genocídio em massa de judeus nos campos de concentração e extermínio nazistas. Dessa forma, um chamado ao particularismo puro também não é solução para os problemas que encaramos nas sociedades contemporâneas. Fazê-lo, sem levar em conta o apelo a uma universalidade que o transcenda, seria levar adiante uma operação que se nega a si mesma, seria a nosso ver, recorrer às mesmas estratégias dos totalitarismos. Segundo Laclau (1996), os direitos das minorias podem ser defendidos em nome do particularismo; mas se o particularismo é o único princípio válido, tem-se também que aceitar “los derechos a la autodeterminación de todo tipo de grupos reaccionarios dedicados a prácticas anti- sociales” (LACLAU, 1996: 53). Por isso, o recurso a princípios norteadores universais se torna necessário para intermediar conflitos e propiciar o cumprimento de direitos universais, tais como o acesso a bens culturais e econômicos. Nesse sentido, Ellen Wood (1999) afirma que “ambos os lados da ambígua história do século XX – tanto seus horrores como suas maravilhas – sem dúvida contribuíram na formação da consciência pós-modernista” (WOOD, 1999: 16). No entanto, quando se faz uma crítica aprofundada do senso comum difundido na atualidade, segundo Wood (1999), percebe-se que “os horrores que solaparam a antiga ideia de progresso, porém, são menos importantes na definição da natureza característica do pós- modernismo corrente” (WOOD, 1999: 16) em comparação com “as maravilhas da tecnologia moderna e as riquezas do capitalismo consumista” (WOOD, 1999: 16). Por isso, segundo Daniel Bensaïd (2008), frente às “loucuras nas quais o século XX foi pródigo” (BENSAÏD, 2008: 23), faz-se necessário o ressurgimento da crítica moderna (ou marxista) à pós-modernidade, não um retorno ao ideal das verdades iluministas contidas nas “fontes intelectuais, racionalistas e republicanas da modernidade” (BENSAÏD, 2008: 23), mas sim, por meio do desejo proeminente de “encarar o desafio da pós-modernidade admitindo sua parte pertinente” (BENSAÏD, 2008: 23). Ou seja, o pensamento marxista aplicado ao momento atual deve “considerar a produção dos discursos e das imagens” (BENSAÏD, 2008: 23) no repertório contemporâneo, sabendo ler esses discursos e essas imagens difundidas no / pelo capitalismo pós-moderno em sua “dimensão essencial da reprodução social e da dominação simbólica” (BENSAÏD, 2008: 23), já que “modernidade e pós-modernidade constituem” (BENSAÏD, 2008: 84), sob | 215 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves uma leitura marxista, “os dois pólos magnéticos da acumulação do Capital” (BENSAÏD, 2008: 84). José Teixeira Coelho Neto (2005) descreve a passagem (ou ultrapassagem) do moderno para o pós-moderno com a significativa afirmação: o ato de tentar identificar o que é pós-moderno não é uma atitude criticamente pós-moderna. Para Coelho Neto (2005), se compararmos o ato de definir com o de flechar um alvo percebemos que, em relação à pós-modernidade, “não havia flechas para o arco. Mas não tem importância porque tampouco havia alvo no qual atirar, moderno e pós-moderno constituem, por enquanto, um vazio em relação ao qual a pós-modernidade é uma flecha ausente” (COELHO NETO, 2005: 223). De acordo com Gagnebin (1997), “poderíamos dizer que a filosofia benjaminiana abre uma possibilidade — que me parece essencial para a nossa famosa ‘pós-modernidade’ — de um pensamento que desista da visão da totalidade, mas que, no entanto, continue crítico e perturbador” (GABNEBIN, 1997: 97). Sobre esse panorama, Michael Löwy (2008) chama a atenção para a crescente revisitação que ocorre nos dias atuais às obras dos pensadores da Escola de Frankfurt (ressaltando as figuras de Walter Benjamin e de Theodor Adorno). Pensando na verve ideológica dos conceitos de modernidade, utopia e pós-modernidade, Löwy analisa em diversos textos a revitalização crítica que ocorre atualmente do marxismo como sendo revestida por uma espécie de crítica moderna da pós-modernidade, buscando acentuar as implicações teóricas e políticas de tal postura filosófica. Dessa forma, segundo Löwy (2008), “a modernidade tem de ser vista dialeticamente, como já apontava a Escola de Frankfurt” (LÖWY entrevistado por MASCARO, 2008: 99), isto é, “por um lado, temos as conquistas da Filosofia das Luzes e da Revolução Francesa, os valores modernos de liberdade, igualdade e fraternidade” (LÖWY entrevistado por MASCARO, 2008: 99), e, lamentavelmente, temos no mesmo século, “por outro lado, o ‘progresso’ da civilização industrial capitalista moderna, que produziu Auschwitz e Hiroshima, e que está nos levando, com uma rapidez crescente, a um desastre ecológico de proporções inéditas” (LÖWY entrevistado por MASCARO, 2008: 99). O marxismo é concebido por Löwy como um “canteiro de obra, sempre inacabado” (LÖWY, 2000: 67), isto é, como um método de análise que se reinventa e, por isso mesmo, pode proporcionar uma compreensão significativa do que chamamos pós-modernidade: “a leitura das ‘Teses’ (...) afetou minhas certezas, (...) transformou minhas hipóteses, (...) me obrigou a refletir de outra maneira, sobre uma série de questões | 216 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves fundamentais: o progresso, a religião, a história, a utopia, a política” (LÖWY, 2005 apud MASCARO, 2008: 7-8). Podemos ler, no sentido de releitura crítica, o destaque dado por Semprún à partilha inusitada (traduzida em espanhol como fraternidade) existente em Buchenwald, pois, para o autor, “l’expérience de Buchenwald était celle de la certitude, parfois abominable, parfois rayonnante, de la mort: expérience d’un partage inouï” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 99) / “la experiencia de Buchenwald era la de la certidumbre, unas veces abominable, otras radiante, de la muerte: de una fraternidad inusitada” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 87). Segundo Augstein (2010), “la ‘fraternidad’ que experimentó Semprún en el campo de concentración” (AUGSTEIN, 2010: 172), o autor não encontra descrita nos relatos sociológicos e/ou históricos, mas sobretudo nas obras de outros artistas (testemunhas ou não) que se valem da literatura e do cinema para expressar “el mal específico del campo de concentración” (AUGSTEIN, 2010: 172), daí a constatação do autor de que somente a arte consegue tocar no horror ocorrido, e, por isso também, “le gusta [a Semprún] L’Espoir, de Malraux, porque muestra la lucha del ‘mal absoluto’ contra la ‘fraternidad’” (AUGSTEIN, 2010: 173), tal como veremos na próxima parte desta Tese. | 217 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3.3. Traduções literárias da fraternidade: entre a cultura e a barbárie (“Voilà la Cité Sainte, assise à l’Occident...” / “He aquí la Ciudad Santa, asentada en Occidente...”) L’expérience de la mort du prochain m’appartenait, en effet. Et je lui avais appartenu. Elle m’était essentielle, elle me constituerait, désormais. Mon identité serait douteuse sans cette autérité partagée de la mort du prochain. (SEMPRUN. Adieu, vive clarté...1998: 213) La experiencia de la muerte del próximo me pertenecía, en efecto. Y yo le había pertenecido. Era para mí fundamental; en lo sucesivo, formaría parte intrínseca de mí. Mi identidad sería vaga sin esa alteridad compartida de la muerte del prójimo. (SEMPRUN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 185-186) No capítulo 3 de Adieu, vive clarté…, “Voilà la Cité Sainte, assise à l’Occident...” / “He aquí la Ciudad Santa, asentada en Occidente...”, o narrador descreve seu ingresso na cultura do país de seu exílio por meio do (re)conhecimento da geografia parisiense, antes só vislumbrada nas leituras de descrições literárias. O mapa da cidade de Paris é delineado através dos percursos transcorridos pelo protagonista que, juntamente com a descoberta da geografia parisiense, se aventura cada vez mais na literatura francesa. Esses novos aspectos se unem para configuração identitária do sujeito adolescente em formação. Como vimos anteriormente, ao percorrer as ruas parisienses, o jovem Semprún se depara com um grupo de turistas espanhóis, fato que lhe traz revolta já que, enquanto vários espanhóis estavam em exílio, o grupo vencedor vivia o pós-Guerra Civil confortavelmente, passeando e aproveitando as delícias da vida. Esse episódio o faz atentar ainda mais para a sua necessidade de mergulhar na vida / cultura francesa, pois, ao que tudo indica sua estadia será longa e seu retorno à terra natal não tem prazo para se efetuar: Mes souvenirs de ces premières heures d'exil sont vagues, confus. Il y avait les estivants, qui nous regardaient avec une curiosité plutôt hostile. Indifférente, au mieux. Pas forcément parce qu’ils étaient partisans de Franco. Plutôt parce que notre arrivée leur rappelait la proximité de la guerre, les dangers de l’histoire, du monde réel. Cette irruption de la réalité que nous incarnions était dérangeante. Dégoûtante, peut-être. À cette époque, il me semble que les Français auraient donné n'importe quoi pour éviter la guerre. Ils ont d'ailleurs donné n'importe quoi, mais ils ont eu la guerre en prime. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté...1998: 192) Mis primeros recuerdos de aquellos primeros momentos del exilio son vagos, confusos. Estaban los veraneantes que nos miraban con curiosidad más bien hostil. Indiferente, a lo sumo. No necesariamente porque fueran partidarios de Franco. Más bien porque nuestra llegada les recordaba la proximidad de la guerra, los peligros de la historia, del mundo real. Esa irrupción de la realidad | 218 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves que encarnábamos resultaba fastidiosa. Asquerosa, tal vez. Por aquel entonces, me da la impresión de que los franceses hubieran dado cualquier cosa por evitar la guerra. Y dieron cualquier cosa, pero tuvieron la guerra por añadidura. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 168) Segundo Lies Theeten (2008), é visível neste fragmento, por um lado, o fato de os franceses não estarem “muy felices con la llegada de miles de españoles que escapaban del franquismo español. No querían inmiscuirse en los asuntos de los españoles” (THEETEN, 2008: 19-20). Além disso, a insatisfação de Semprún com seus compatriotas, apoiadores de Franco, era palpável: “fuera de eso, también los veraneantes españoles los miraban despreciativamente. Lo que tenía que ser todavía peor para el joven Semprún: fue excluido por la gente de que él pensaba formar parte” (THEETEN, 2008: 20). A cena mostra “la España vencedora, rica y gritona frente a los exiliados en París” (ILLESCAS, 2008: 41). De acordo com Raúl Illescas (2008), Semprún vive “la situación de una familia que en las vicisitudes del exilio se disgrega para siempre” (ILLESCAS, 2008: 38) e sente “[el] dolor por la privación de la condición de ciudadano español” (ILLESCAS, 2008: 38) ao ser “señalado como un rojo republicano derrotado” (ILLESCAS, 2008: 38). A cena também ilustra, sobretudo, o sentimento do protagonista de “duelo por la expulsión del territorio de la infancia y de la adolescencia para ser arrojado a una violenta e inesperada adultez” (ILLESCAS, 2008: 38). Para Illescas, o duplo sentimento de humilhação do protagonista ao ser “expulsado de su España, a la cual ya no pertenece por integrar el bando derrotado” (ILLESCAS, 2008: 38) e ao ser “depreciado del lado francés que le señala a cada paso su condición de extranjero por la incorrección de la lengua” (ILLESCAS, 2008: 38), leva-o a uma resposta lógica para um adolescente – “je vais me fondre dans l'anonymat d'une prononciation correcte” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 87) / “voy a fundirme en el anonimato de una pronunciación correcta” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 76) –, e, então, conservar sua condição de estrangeiro secreta e interior: “De allí que se vea impelido a ser un parisino pero si dejar de ser um rojo español, como se lo juró. Tal vez las circunstancias coloquen a Semprún en el lugar de mestizaje cultural” (ILLESCAS, 2008: 42). Podemos visualizar esse aspecto na seguinte passagem de Adieu, vive clarté...(1998): Mais l’appropriation de la langue française – nouvelle patrie sans aucune des horreurs du patriotisme; enracinement dans l’universel et non dans un quelconque terroir; ouverture sur le ciel et non sur le clocher; sérénité d’une beauté à son apogée, à l’heure entre toutes émouvante d’un déclin historique prévisible (...) – n’entraînait pas dans mon cas l’oubli, encore moins le | 219 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves reniement de l’espagnol. (...) § La langue espagnole ne cessa pas pour autant d’être mienne; de m’appartenir. De sort que je ne cessais jamais d’être à elle – traversé par elle – , de lui appartenir. Je ne cesserais pas de m’exprimer avec ses mots, sa sonorité, sa flamboyance, l’essentiel de moi-même, à l’occasion. § En somme, du point de vue de la langue, je ne devins pas français mais bilingue. Ce qui est tout autre chose, de bien plus complexe, on peut l’imaginer. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté...1998: 149-150) Pero la apropiación de la lengua francesa – nueva patria sin ninguno de los horrores del patriotismo; arraigo en lo universal y no en un territorio cualquiera; mentalidad abierta al cielo y no al campanario del pueblo; serenidad de una belleza en su apogeo, en el momento, conmovedor como ninguno, de un declive histórico previsible (…) – no implicaba en mi caso el olvido, ni mucho menos la renuncia del español. (…) § Con todo la lengua española no dejó de ser la mía, de pertenecerme. De modo que nunca dejé de ser de ella – de estar inmerso en ella, movido por ella –, de pertenecerle. Jamás dejaré de expresar con sus palabras, su sonoridad, su resplandor, lo esencial de mí mismo, llegado el caso. § En suma, desde el punto de vista de la lengua, no me volví francés sino bilingüe. Lo que es algo del todo diferente, mucho más complejo, como puede Cosa totalmente distinta y mucho más compleja, como cabe imaginar. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 130-131) No que concerne à mescla cultural, apontada por Raúl Illescas (2008), no âmbito das leituras poéticas de Semprún em língua espanhola, enfatizam-se, em Adiós, luz de veranos..., várias personalidades que “perviven en la memoria y en la recitación” (ILLESCAS, 2008: 42) do narrador: Antonio Machado, Rubén Darío, Federico García Lorca, Gustavo Adolfo Bécquer, Rafael Alberti e “hasta Semprún Gurrea, su padre” (ILLESCAS, 2008: 42). E, no panorama do exílio, se destaca a cidade de Paris como um berço e um caldeirão cultural, enfim, como um lugar de memória importante na formação pessoal e literária de Semprún, especialmente no que concerne a poesia parisiense, com ênfase em Charles Baudelaire, Paul Valéry, Stéphane Mallarmé, e Arthur Rimbaud, poetas que influenciaram muito o gosto e o ingresso de Semprún pelas letras francesas e seu amor pelo idioma francês: “J'étais séduit, c'est tout, heureux de l'avoir été: ça se passait dans le bonheur” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 149) / “Estaba seducido, sin más, feliz de que esa seducción se producido: todo transcurría en un clima de dicha” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 131). A identificação ou afinidade literária de Semprún com Rimbaud (1854-1891) é indicada já no título do capítulo: a frase “Voilà la Cité Sainte, assise à l’Occident...” / “He aquí la Ciudad Santa, asentada en Occidente...” é um verso do famoso poema rimbaudiano intitulado L'orgie parisienne ou Paris se repeuple / La orgía parisina o París vuelve a poblarse, escrito em 1871, quando o poeta francês estava com dezesseis anos, auge de sua adolescência e | 220 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves produção poética. Mais adiante no capítulo, o narrador-protagonista destaca igualmente o poeta Charles Baudelaire como um guia para a descoberta do território parisiense: Le coeur contente, je suis monté sur la montagne / D’où l’on peut contempler la ville en son ampleur… Ces deux derniers vers – médiocres, pour une fois – de l’épilogue poétique que Baudelaire écrivit pour ses proses du Spleen de Paris me conviennent parfaitement. À ceci près que je n’avais pas à Monter sur la Montagne Sainte-Geneviève: j’y vivais déjà. § Charles Baudelaire ne m’a pas seulement introduit aux beuatés de la langue française, il a aussi été mon guide – avant même Baedeker – dans ma découverte de Paris. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 156) Con ánimo gozozo, subí a la montaña / de donde se contempla la ciudad en un amplitud… Estos dos últimos versos – mediocres, por una vez – del epílogo poético que escribiera Baudelaire para sus prosas del Esplín de París me vienen como anillo al dedo. Con la diferencia de que yo no tenía que subir a la Montagne Sainte-Geneviève; vivía ya en ella. § Charles Baudelaire no sólo me introdujo en las bellezas de la lengua francesa; fue también mi guía – antes incluso que Baedeker – en mi descubrimiento de París. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 137-138) Semprún comenta que, além dos poemas baudelairianos, o outro cartógrafo nas suas expedições pela cidade de Paris foi um volume em alemão do guia de Karl Baedeker, Paris und Umgebung, Handbuch für Reisende (em português, ‘Paris e seus arredores, manual para viajantes’), que passou a ler de modo sistemático pelos corredores do liceu Henri IV. Quando o jovem Semprún lia “les quelques lignes sur le lycée Henri-VI et les vestiges d’abbaye de Sainte-Geneviève qui lui sont incorporés” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 157) / “las pocas líneas que dedicaba Baedeker al liceo Henri VI y a los vestigios de la abadía de Sainte-Geneviève que le fueron incorporados” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 139), sentiu que alguém tocava seu ombro. Era o encarregado de vigiar os internos e recolher as leituras licenciosas (tais como revistas pornograficas): “– Montrez-moi ce que vous lisez! Me disait-il, impératif. § Il avait l’air émoustillé, savourant d’avance, semblait-il, la découverte qu’il semblait sûr de faire. Certains internes le soupçonnaient d’être friand des publications obscènes qu’il confisquait” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 158) / “– ¡A ver qué estás leyendo! Me dijo con tono imperioso. § Parecía encantado, saboreando de antemano el descubrimiento que estaba seguro de hacer. Algunos internos sospechaban que era aficionado a las publicaciones obscenas que confiscaba” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 139). No entanto, ao recolher o guía de Baedeker, “il eut l’air déçu, en voyant apparaître le petit volume rouge. Le prit pourtant pour le feuilleter, suspicieux. § – De l’allemand! Pourquoi de l’allemand? Aboya-t-il peu après” | 221 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 158) / “pareció decepcionado al ver el librito rojo. Aun así lo cogió por hojerarlo, receloso. § – ¡Alemán! ¿Por qué alemán? – Vociferó al momento” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 139). Semprún descreve que o ódio na voz do funcionário do liceu “on aurait pu croire que le simple fait de lire en allemand était un crime. Un délit, du moins. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 159) / “dejaba entrever que el mero hecho de leer en alemán era un crimen. Cuando menos, un delito” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 140). Então, o disciplinário envia o estudante ao gabinete do supervisor escolar: “Les internes les plus âgés ont commencé à emboîter le pion. (...) § – Bon, je vous colle un avertissement! Lectures frivoles sans rapport avec le programme d’études… Vous irez voir demain le surveillant général! (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 159- 160) / “Los internos mayores empezaron a abuchear al pion. § – ¡Muy bien, te has ganado una falta de orden! Lecturas frívolas sin relación con el programa de estudios… ¡Mañana te presentas ante el jefe de estudios!” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 140). Na manhã seguinte, como mandado, Semprún se apresenta no gabinete da supervisão: “– C’était quoi votre lecture frivole? – J’avais apporté le Baedeker, à tout hasard. Il l’a pris et feuilleté” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 160) / “– ¿Qué lectura frívola era ésa? § Yo había llevado conmigo el Baedeker, por si acaso. Lo cogió y lo hogeó” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 140). Ao saber do que se tratava e ao averiguar que Semprún, mesmo sendo espanhol, sabia alemão, o supervisor de estudos anula a falta de ordem indicada pelo disciplinário e começa a recitar versos de Goethe, em alemão, com o jovem aluno. O diálogo final entre os dois é bem significativo: C’est la première fois que la connaissance de la langue allemande m’a été utile: il y en eut d’autres. § Au moment où j’allais franchir la porte, revoyé d’un geste, mais bienveillant, il s’adressa de nouveau à moi. – Il va durer longtemps, Franco? Je me retournai, la main sur la poignée de la porte. – Aussi longtemps que Hitler, monsieur! Lui dis-je. § Prognostic fondé en raison, certes, mais bien trop optimiste, l’histoire l’aura montré. Il fit un geste d’appobation résignée. –N’hésitez pas à venir me trouver, ajouta-t-il, si vous avez des problèmes... J’ai eu un faible pour la République espagnole! (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 161) Fue la primera vez que me resultó útil el conocimiento de la lengua alemana, pero hubo otras. § En el momento en que me disponía a salir, despedido con un ademán – benévolo –, el jefe de estudios se dirigió de nuevo a mí. – ¿Durará mucho Franco? Me volví, con la mano en el pomo de la puerta. | 222 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves – Durará lo que Hitler – contesté. Pronóstico no carente de lógica pero demasiado optimista, como demostraría la historia. El jefe de estudios hizo un gesto de resignada aprobación. – Si tiene problemas, no dude en venir a verme… –añadió–. ¡Tengo debilidad por la República española! (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 141-142) Com essa esperança de voltar a ver sua Madrid no cerne de uma Espanha republicana, mas sem perspectivas de quando isso ocorrerá, o adolescente se lança a percorrer a cidade de Paris e aproveitar o “odeur caramélisée” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 165) / “olor caramelizado” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 145) que exalava de suas ruas e praças. Visita livrarias e restaurantes, contempla as moças, a arquitetura e a paisagem parisiense. Tudo o que podia fazer a pé ou indo de bonde, pois, no início, só usava o metrô em alguns domingos nos quais ia encontrar-se com seu pai, em Saint-Prix, no mais “je n’utilisais pas volontiers ce moyen de transport dans Paris” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 175) / “no utilizada de buen grado ese medio de transporte de Paris” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 153). Isso porque o adolescente ficava perdido, confuso em meio às linhas e conexões: “Il fallait demander mon chemin et cela se passait mal, souvent. Les gens étaient confus, peu aimables. Pas seulement, à cause de mon accent. Je crois qu'ils étaient peu aimables en général: pressés, bourrus, solitaires” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 175) / “Tenía que preguntar el camino, y con frecuencia la cosa no funcionaba. La gente no era clara ni amable. No sólo por mi acento. Creo que eran poco amables, en general: hoscos, solitarios, siempre con prisas” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 153-154). Outro motivo que o fazia caminhar era a poesia de Baudelaire, especialmente seu soneto À une passante – na sua inocência pueril, sonhava em ver passar pelas ruas parisinas a musa baudelairiana, que via em cada bela mulher: “Ai-je besoin de préciser que mon regard, quel que fût le nombre de belles indifférentes croisées dans Paris, ce printemps-là, en 1939, ne réveilla aucun écho, aucun éclair de reconnaissance ou d’intérêt” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 178) / “No necesito precisar que mi mirada, fuese cual fuese el número de beldades con quienes me cruzara en Paris aquella primavera de 1939, no despertó el menor eco, la menor chispa de agradecimiento o interés” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 156). Dos encontros com seu pai em Saint- Prix, Semprún lembra um trajeto que fez de metrô, lendo o poema de Rimbaud, no qual se deparou com uma cena inusitada: uma mulher bonita e bem vestida fazendo sexo, sem | 223 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves despir-se totalmente, com um operário em pé, no fundo vagão do metrô que, ao perceber que estava sendo observada pelo adolescente Semprún, sorri libidinosamente para ele. Quando o operário desce do metrô junto com outros passageiros, o garoto de quinze anos escuta um convite da misteriosa mulher para ir ao seu encontro: Alors, au moment où le métro repartait vers la Gare du Nord, comme si elle avait deviné que j’allais y descendre à mon tour, elle a dit en me regardant, d’une voix posée, distincte argentine: “Nous descendons à Marcadet- Poissonniers!”. § J’ai acquiescé, d’un signe de tête qu’elle a enregistré d’une geste. Mais elle n’avait pas eu l’air inquiet, avant: elle était sûre de ma réponse. Elle avait raison, que pouvais-je faire d’autre? (…) La première femme de ma vie, ça en avait l’air. § Je laissai donc filer la station Gare-du-Nord, elle en fut visiblement satisfaite. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 196-197) Entonces, el en momento en que arracaba el metro hacia la estación del Norte, como adivinando que también yo me apeaba, me ha mirado y ha dicho con voz pausada, nítida, argentina: “¡Nos apearemos en Marcadet-Poissonniers!”. § Yo he asentido con un movimiento de cabeza que ella ha registrado con un gesto. Pero tampoco parecía inquieta antes, estaba segura de la respuesta. Tenía razón, ¿qué otra cosa podía hacer yo? (…) La primera mujer de mi vida, o al menos eso parecía. § Así pues, dejé pasar la parada de la estación del Norte, lo cual, a todas las luces, pareció satisfacer a la mujer. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 171-172) Ao descer do metrô, o adolescente segue a desconhecida, que anda na frente, percorrendo ruas boêmias, repletas de bêbados, loucos, músicos, poetas e prostitutas: era claramente o espetáculo da “cidade santa” do poema rimbaudiano. A mulher entra em um prédio e a porta se fecha antes de Semprún entrar: “Lorsque je sonnai au troisième étage – il n’y avait qu’une porte par palier, aucun doute n’était possible – on tarda à réagir (...)§ La porte s’ouvrit, au momento où j’avais décidé de m’em aller” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 200-201) / “Cuando llamé al tercer piso – sólo había una puerta por rellano, imposible equivocarse –, tardó en abrir. (...)§ Cuando ya había decidido macharme, se abrió la puerta” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 175). E diante dele apareceu a mulher, mas com um aspecto totalmente distinto do que havia visto no vagão: “– Que désirez-vous? a-t-elle demande d’une voix sèche, pas du tout argentine. § (…) J’étais muet. La possibilité de lui parler s’éloignait à tout jamais, m’a-t- il semblé” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 201) / “– ¿Qué desea? – preguntó con voz seca y nada argentina. § (...) Me quedé mudo. La posibilidad de hablar con ella se alejaba para siempre, según me pareció” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 175). O narrador diz que fugiu dali como um indesejável, um louco ou idiota: “Je n’avais pas encore seize ans, dirai-je. Je ne pouvais pas comprendre quelle | 224 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves comédie elle jouait. Ni dans quel but” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 201) / “Cierto que no había cumplido los dieciséis años. No podía entender a qué jugaba ella. Ni con qué finalidad” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 176). Antes desse episódio, o narrador não havia mergulhado na atmosfera boêmia parisina: “Jamais jusqu’alors le charme de Paris ne m’avait paru infernal. Ni me serait venu à l’idée de traiter cette ville de catin ou de putain, comme le faisaient à l’unisson Baudelaire et Rimbaud” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 202) / “Nunca hasta entonces me había parecido infernal el hechizo de Paris. Ni se me hubiera acorrido llamar a esa ciudad ramera o putal, como lo hacían al unísono Baudelaire y Rimbaud” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 177). Semprún passa então a ver a cara não só alegre e laboriosa de Paris, ao mesmo tempo tipicamente francesa e cosmopolita, aberta ao mundo, mas também a face secreta, rebelde, promíscua e misteriosa da cidade. Como não tinha dinheiro para voltar dessa desventura de metrô, vai a pé rumo à estação do norte e se depara com o submundo parisiense, onde dezenas de mulheres; “des jeunes et de moins jeunes” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 203) / “jóvenes y menos jóvenes” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 178); deambulavam pelos passeios: “je ne comprenais pas la moitié des mots qu’elles employaient pour appâter le client posible” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 203) / “se me escapaba la mitad de las palabras que utilizaban para atraer al posible cliente” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 178). Assim, Semprún passou a entender certas expressões utilizadas nos poemas de Baudelaire e Rimbaud para descrever a orgia infernal de Paris: “soûlé d’images insolites, inouïes, glorieuses et misérables, j’ai traversé le quartier, en route vers la gare du Nord” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 203) / “ebrio de imágenes insólitas, inusitadas, gloriosas y miserables, crucé el barrio rumbo a la estación del Norte” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 178). A imagem do hexágono passa a ser não somente aquela geometria harmoniosa (responsável por fundar tanto nos franceses como nos estrangeiros uma autoconsciência patrimonial / nacional). Os arredores parisienses, com seu submundo de delícias, ascos e perdições, passam a ser para o protagonistas igualmente lugares que remetem aos valores tanto funcionais como simbólicos do meio urbano francês, contribuindo para a construção de elementos identitários e ideológicos da cidade e dos cidadãos que nela habitam. Esse conjunto cosmopolita e paradoxal gera no narrador uma memória (inscrita em objetos concretos | 225 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ou imateriais) marcada por uma visão poética, erótica e violenta, tal como a expressada pelos poetas “malditos”. Essa inscrição contribui também para o estabelecimento da polaridade, muito marcada, entre Paris e a província. Ou seja, mais do que uma divisão geográfica, o narrador percebe a efetivação de uma relação de dominação: a visão preconcebida da província como uma deficiência e Paris como o centro do mundo, estabelecendo uma desvalorização de tudo o que não é Paris. Neste sentido, Semprún comenta, já de início no capítulo, texto de Mona Ozouf, publicado sob edição de Pierre Nora no livro “Les lieux de mémoire”, que trata sobre os marcos e os monumentos identitários franceses. O narrador-protagonista reflete especificamente sobre o caso do Panteão, de inspiração greco-romana, situado no Quartier Latin, cujas obras foram encomendadas pelo monarca Louis XV em tributo à padroeira de Paris, Santa Genoveva (Sainte Geneviéve) e só ficou pronto após a Revolução Francesa, sendo estabelecido como túmulo de grandes defensores dos ideais revolucionários franceses, tais como Rousseau e Voltaire. Na fachada do monumento encontra-se a inscrição “Aux grands hommes, la patrie reconnaissante”, assim, mais que uma igreja, o Panteão tornou-se um museu e um templo-túmulo republicano. No entanto, sua importância como lugar de memória histórica acabou por ficar estagnada no passado, não sendo reatualizado nos debates contemporâneos à época vivenciada por Semprún (relembrada no presente narrativo de Adieu, vive clarté...): L’un des premiers jours de sortie, j’avais visité le Pantheón. Je n’y suis plus jamais revenu despuis, découragé par la froideur de l’édifice et la niaiserie des images de Laurens et de Puvis de Chavannes. § Dans un texte de Les lieux de mémoire, Mona Ozouf a observé avec pertinence que le mouvement étudiant de 1968, si appliqué à réinvestir des monuments et des institutions dans son délire de symbolisation révolutionnaire, a pourtant oublié ou méprisé le Panthéon, malgré sa centralité topographique dans la commune de la rive de gauche. Sans doute parce que ce lieu, enjeu de tant des batailles du siècle passé quant à sa destination religieuse ou laïque, ne réveille plus aucune passion. Aucune passion juvénile, du moins. (SEMPRUN. L’écriture ou la vie. 1994: 154-155) Uno de los primeros días de salida, visité el Panthéon. Desde entonces no he vuelto, desanimado por la gelidez del edificio y la simplonería de las imágenes de Laurens y de Puvis de Chavannes. § En un texto de Les lieux de mémoire, Mona Ozouf observó con pertinencia que el movimiento estudiantil de 1968, tan empeñado en utilizar monumentos e instituciones en su delirio de simbolización revolucionaria, olvidó o despreció el Pantheón, pese al céntrico lugar que ocupa en el término municipal de la Rive Gauche. Sin duda porque ese lugar, objeto de tantas controversias en el siglo pasado con respecto a su destino religioso o laico, no despierta ya ninguna pasión. Cuando menos, ninguna pasión juvenil. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 136) | 226 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves O texto de Mona Ozouf é, pois, citado por Semprún como fundamental para sua compreensão de Paris. De fato, em seu artigo “Le Panthéon. L'Ecole normale des morts”, Mona Ozouf (Em: NORA, Pierre. Les lieux de mémoire. 1984) fornece um fundo geográfico e histórico para se compreender o desenvolvimento da cultura e da língua francesa, sob um olhar historiográfico atual a respeito da memória coletiva da França (sobre si mesma e na perspectiva estrangeira). Ozouf (1984) reflete também sobre o simbolismo do slogan da Revolução e lema da República Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Essas três palavras mágicas, segundo a historiadora, estariam entre os lugares de memória simbólicos parisienses, isto é, lugares não-palpáveis, imateriais, mas presentes em toda a arquitetura da cidade. Nesta tríade, para Ozouf (1984), há que de destacar o termo fraternidade, como aquele que demonstra maior adesão calorosa, pois indica a possibilidade de abraçar os estrangeiros que também lutam para a introdução ou a manutenção da liberdade e da igualdade. O adjetivo “fraterno” instauraria no lema uma ética de reciprocidade, que lembra a máxima de não fazer aos outros o que não gostaria que fizessem a si mesmo. Assim, segundo Ozouf, fraternidade é comumente o termo do lema recebido com mais entusiasmo, pois, ressalta que por mais que os termos liberdade e igualdade possam ser vistos como direitos a serem adquiridos e defendidos, ser fraterno é um dever de cada um para com os outros. É, portanto, um sentimento moral que ganha adesão e apoio dos cidadãos para se comprometerem com um mundo melhor, mais fraterno para todos. A memória de Buchenwald interrompe o fluxo narrativo sempruniano e suas reflexões sobre a cidade de Paris. Semprún revive mais uma vez, em um turbilhão de emoções, a sensação de estranha fraternidade experimentada no campo de concentração (uma fraternidade relacionada à morte coletiva): L’expérience de la mort du prochain m’appartenait, en effet. Et je lui avais appartenu. Elle m’était essentielle, elle me constituerait, désormais. Mon identité serait douteuse sans cette autérité partagée de la mort du prochain. (SEMPRUN. Adieu, vive clarté...1998: 213) La experiencia de la muerte del próximo me pertenecía, en efecto. Y yo le había pertenecido. Era para mí fundamental; en lo sucesivo, formaría parte intrínseca de mí. Mi identidad sería vaga sin esa alteridad compartida de la muerte del prójimo. (SEMPRUN. Adiós, luz de veranos... Trad. Javier Albiñana. 1998: 185-186) Esse sentimento de fraternidade vivido em meio à barbárie é paradoxal. E aparece em vários contextos diferentes. Por isso é necessário analisar a carga semântica presente nos dois termos. No que toca ao termo “fraternidade”, Mona Ozouf (1984) questiona a | 227 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ambiguidade existente na realidade francesa: a coexistência de uma nação democrática com uma nação aristocrática (que persiste em existir). Isto é, a duplicidade de um país, paradoxalmente, ao mesmo tempo, revolucionário e conservador, fraterno e xenofóbico. Por isso, segundo Ozouf (1984), ao contrário do que ocorre com os ideais de liberdade e de igualdade, a fraternidade é também uma das ideias mais questionadas no lema francês, por estar baseada em um projeto político moral. De fato, o forte vínculo existente nas comunidades políticas fraternas pode ser um disfarce para radicalismos e individualismos extremos, nos quais só há reciprocidade com os “irmãos”, ou seja, aqueles que pensam e agem da mesma forma, como bem identificou Semprún ao analisar as ações comunistas no século XX e a distância entre os ideais do comunismo (a teoria) e as atitudes partidárias stalinistas (a prática); segundo Claudio Magris (2011), Jorge Semprún: Ha atravesado el comunismo, en un principio militando en él con pasión y desempeñando funciones eminentes y después separándose del mismo con una durísima crítica, pero – a diferencia de tantos otros arrogantes excomunistas convertidos, tan prestos al fácil escarnio – sin olvidar ni renegar, aun en el rechazo de la osteoporosis política y de las muchas falsificaciones ideológicas del partido, el "coraje y la fraternidad" y "la atención a la idea del hombre" que el comunismo le infundió a él igual que a muchos otros, dando de esa forma el impulso para combatir por la libertad, la justicia y la dignidad. En nombre de estas últimas, que fue el comunismo sobre todo quien le enseñó a amar, es como Semprún critica despiadadamente la perversión que el propio comunismo puso en práctica. (MAGRIS, 2011: s.p.) Há sim (reconhecida por Semprún) a existência (em todos os –ismos da história: iluminismo, terrorismo, stalinismo, nazismo, franquismo, comunismo, capitalismo, socialismo, etc.) o perigo da fraternidade ser identificada com a coesão de um grupo que se organiza contra o “outro”, o inimigo, digno de ódio e desconfiança: enfim, uma barbárie disfarçada de fraternidade. O conceito de barbárie não existe sem o de civilização, e a civilização não existe sem a barbárie. O termo bárbaro era usado na antiguidade pelos gregos para designar os estrangeiros, cujas nações não-gregas eram “consideradas primitivas, incultas, atrasadas e brutais” (LÖWY, 2009: s.p.) pelos gregos antigos; a palavra barbárie tem “dois significados distintos, mas ligados: ‘falta de civilização’ e ‘crueldade de bárbaro’” (LÖWY, 2009: s.p.). De acordo com Michael Löwy (2009), “a história do século XX obriga-nos a dissociar essas duas acepções e a refletir sobre o conceito – aparentemente contraditório, mas (...) coerente – de ‘barbárie civilizada’” (LÖWY, 2009: s.p.). Há que se pensar que, ao longo da história, houve diversas situações que servem de um indicador alarmante para o fato de que quanto maior | 228 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves é a “civilização” maior é a barbárie que ela engendra para se afirmar como império. Neste sentido, lembramos a seguinte citação de Seligmann-Silva: Não por acaso se conta que Hitler em um discurso a seus chefes militares em 22 de agosto de 1939, às vésperas da invasão da Polônia, teria dito “Quem se lembra hoje do extermínio dos armênios [durante a Primeira Guerra Mundial]?”. Sua intenção era clara: apenas o lado heróico da guerra seria lembrado, a impunidade estaria garantida. A negação antecedeu o próprio ato, ou seja, a tentativa de extermínio dos judeus europeus. A memória da barbárie tem, portanto, também este momento iluminista: preservar contra o negacionismo, como que em uma admoestação, as imagens de sangue do passado. (SELIGMANN-SILVA, 2008: 75) Para Walter Benjamin “todos os bens culturais (...) têm uma origem sobre a qual não se pode refletir sem horror” (BENJAMIN, 1996: 225), já que “devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos” (BENJAMIN, 1996: 225). Por isso, segundo o filósofo alemão “nunca houve um monumento de cultura que não fosse também um monumento de barbárie” (BENJAMIN, 1996: 225). Essa ideia tem no livro das Passagens a seguinte formulação: “a barbárie se esconde no próprio conceito da cultura enquanto tesouro de valores, e mesmo quando ela não é vista como independente do processo produtivo em que surgiu, é vista como independente do processo produtivo em que sobrevive” (BENJAMIN apud ROUANET, 1987: 44). As reflexões benjaminianas (sobre não existir documento de cultura que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie e o fato de a história da civilização ser, ao mesmo tempo, a história da barbárie) nos fazem indagar as relações entre os termos civilização, cultura e barbárie no cerne da definição do estudo histórico e seus documentos. Segundo Frederic Jameson (1989), “debemos restaurar la identificación que hace Benjamín de la cultura y la barbarie en su propia secuencia, como la afirmación no solamente de la dimensión utópica de los textos ideológicos” (JAMESON, 1989: 241), mas também, sobretudo, “de la dimensión ideológica de toda alta cultura” (JAMESON, 1989: 241). Entretanto, assim como Jorge Semprún, Michael Löwy (2009) reflete que: Não se trata também de reduzir a história do século XX aos seus momentos bárbaros: essa história conheceu também a esperança, as sublevações dos oprimidos, as solidariedades internacionais, os combates revolucionários: México, 1914; Petrogrado, 1917; Budapeste, 1919; Barcelona, 1936; Paris, 1944; Budapeste, 1956; Havana, 1961; Paris, 1968; Lisboa, 1974; Manágua, 1979; Chiapas, 1994; foram alguns dos momentos fortes – mesmo se efêmeros – dessa dimensão emancipadora do século. Eles constituem pontos de apoio | 229 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves preciosos para a luta das gerações futuras por uma sociedade humana e solidária. (LÖWY, 2009: s.p.) Segundo Francisco Fernández Buey, no texto Tres notas sobre civilización y barbarie (2004), a aproximação feita por Benjamin entre cultura e barbárie, “que todavía podía suscitar perplejidad cuando fue escrita por primera vez, a mediados de la década de los treinta del siglo XX, pasó a ser parte de la conciencia histórica europea” (BUEY, 2004: 9) depois da chamada era das catástrofes, ou seja, “después de la segunda guerra mundial, después de Auschwitz, después del GULAG, después de los bombardeos sobre Hiroshima y Nagasaki” (BUEY, 2004: 9). No ensaio Experiência e pobreza (1933), Benjamin lança um olhar sobre a falácia civilizatória que, teoricamente, deveria se contrapor a barbárie, mas que longe disso, promove a aniquilação do patrimônio cultural. A centralidade conferida por Benjamin na necessidade de uma concepção radicalmente aberta da história bem como do próprio método de se pensar a história, mostrando que, em meio ao progresso, sempre há uma latente barbárie. Para Michel Löwy (2009), “a história aberta quer dizer, então (...), considerar a possibilidade – e não inevitabilidade – das catástrofes, por um lado, e de grandes movimentos emancipadores, por outro” (LÖWY, 2009: s.p.). Benjamin propõe, então, também um conceito novo, positivo de barbárie como um modo de sobrevivência humana / cultural, uma forma de recomeçar: A horrível mixórdia de estilos e cosmovisões do século passado nos mostrou tão claramente onde conduzem a simulação ou a imitação da experiência, que é hoje em dia uma prova de honradez confessar nossa pobreza. Sim, admitamos: essa pobreza de experiências não é urna pobreza particular, mas uma pobreza de toda a humanidade. Trata-se de uma espécie de nova barbárie. Barbárie? Pois é. Nós a mencionamos para introduzir um conceito novo, um conceito positivo de barbárie. Pois o que traz ao bárbaro a pobreza de experiência? Ela o leva a começar do começo; a começar de novo; a saber se virar com pouco; a saber construir com pouco, sem olhar nem para a direita nem para a esquerda. (BENJAMIN, 1986: 196) Fernández Buey (2004) cita a influência de Walter Benjamin no pensamento de diversos autores e ressalta a obra Dialética da Ilustração de Adorno e Horkheimer, “donde se constata la tendencia de la razón instrumental a convertirse en locura asesina, se denuncia la luminosidad helada de la razón proyectista que lleva en su seno la simiente de la barbarie y se esboza la noción paradójica de progreso regresivo” (BUEY, 2004: 9). Para Buey (2004), “la pregunta entonces es precisamente qué queda del viejo concepto de barbarie en este progreso regresivo en el que las fuerzas de producción de lo constructivo se transforman en fuerzas destructivas” (BUEY, 2004: 9). Buey destaca que | 230 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves a pergunta é moral, já que quando se fala em regressão da civilização se alude à cultura “euro-norteamericana”. Fernández Buey (2004) explica que “lo que enlaza la vieja barbarie como crueldad y ferocidad, atribuida al otro de la antigüedad, con la nueva barbarie presentemente percibida entre nosotros” (BUEY, 2004: 9), em outros termos, “lo que permite calificar de regresiva a la civilización, hablando con propiedad, es sobre todo la permanencia, y hasta la ampliación, de aquel rasgo subrayado por el magistrado de Coetzee en el destacamento del Imperio: la tortura” (BUEY, 2004: 9). Buey (2004) lembra que “esta identificación del progreso regresivo del siglo XX con la persistencia de la práctica de la tortura ha sido puesta de manifiesto, justamente al tratar de civilización y barbarie, por Eric Hobsbawn y por Michael Löwy” (BUEY, 2004: 9). Segundo Michael Löwy, “existe (...) um domínio específico da ‘barbárie civilizada’ no qual se pode efectivamente falar de regressão: a tortura” (LÖWY, 2009: s.p.). Para Löwy (2009), se nos referirmos ao sentido da palavra ‘bárbaro’ como “atos cruéis, desumanos, a produção deliberada de sofrimento e a morte deliberada de não combatentes (em particular, crianças)” (LÖWY, 2009: s.p.), o século XX se destaca pela barbárie disseminada: “nenhum século na história conheceu manifestações de barbárie tão extensas, tão massivas e tão sistemáticas quanto o século XX” (LÖWY, 2009: s.p.). Löwy (2009) reconhece que “certamente, a história humana é rica em atos bárbaros, cometidos tanto pelas nações ‘civilizadas’ quanto pelas tribos ‘selvagens’” (LÖWY, 2009: s.p.), entretanto, o autor destaca que “a história moderna, depois da conquista das Américas, parece uma sucessão de atos desse gênero: o massacre de indígenas das Américas, o tráfico negreiro, as guerras coloniais” (LÖWY, 2009: s.p.). Para Löwy (2009), nesses casos “trata-se de uma barbárie ‘civilizada’, isto é, conduzida pelos impérios coloniais economicamente mais avançados” (LÖWY, 2009: s.p.). No caso do século XX, “um limite é transgredido” (LÖWY, 2009: s.p.), que podemos denominar de limite técnico-tecnológico: “trata-se de uma barbárie especificamente modernas, do ponto de vista do seu etos, das suas ideologias, dos seus meios, da sua estrutura” (LÖWY, 2009: s.p.). Isso porque, “jamais no passado tecnologias tão modernas – os tanques, o gás, a aviação militar – tinham sido colocadas a serviço de uma política imperialista de massacre e de agressão numa escala tão grande” (LÖWY, 2009: s.p.). Segundo Michael Löwy (2009), o filósofo Walter Benjamin, com “seu pessimismo: não fatalista, mas ativo e revolucionário” (LÖWY, 2009: s.p.), “é um dos raros pensadores marxistas a compreender que o progresso técnico e industrial pode ser | 231 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves portador de catástrofes sem precedentes” (LÖWY, 2009: s.p.). Neste sentido, Löwy destaca que “Auschwitz não representa uma ‘regressão’ em direção ao passado, em direção a uma idade bárbara primordial, mas é realmente um dos rostos possíveis da civilização industrial ocidental” (LÖWY, 2009: s.p.); pois, no seu entender analítico, “atrocidades de massa, tecnologicamente aperfeiçoadas e burocraticamente organizadas, pertencem unicamente à nossa civilização industrial avançada. Auschwitz e Hiroshima não são mais ‘regressões’: são crimes irremediavelmente e exclusivamente modernos” (LÖWY, 2009: s.p.). Portanto, a leitura dialético-crítica do progresso e seus desdobramentos, de acordo com Löwy (2009), denunciariam a existência de uma barbárie eminentemente moderna. De acordo com Fernández Buey (2004), “la última corrección manifiesta del uso tradicional de los términos civilización y barbarie en la cultura euro-norteamericana procede de los llamados estudios culturales y poscoloniales” (BUEY, 2004: 9). Os estudos culturais nos ajudaram a notar que o conceito de barbárie é parte intrínseca ao conceito de civilização: “lo que hoy llamamos barbarie es parte de la civilización” (BUEY, 2004: 10). Assim, “el dicho de Walter Benjamin puede ser ilustrado abundantemente no sólo a través de la historia sino también en el presente” (BUEY, 2004: 10), ou seja, “una guerra entre barbaries civilizadas, en la que se superponen constantemente lo premoderno, lo moderno y lo pós-moderno” (BUEY, 2004: 10). Por fim, cabe destacar a afirmação de Buey de que essas guerras entre barbáries civilizadas “apontam para a torpeza e a degradação que norteiam a vida de setores enormes da população, em que se cruzam a barbárie existencial e a sofisticação tecnológica” (BUEY, 2004: 10). Além disso, cabe destacar que os termos barbárie, civilização e cultura foram utilizados, ao longo da história humana, para legitimar o poder e superioridade de certos grupos e menosprezar a identidade de outros povos. Como afirma Eric Hobsbawm (1998), a “verdadeira distinção” (HOBSBAWM, 1998: 237) entre bárbaros e civilizados não é de ordem geográfica, nem ideológica e “não é necessariamente étnica” (HOBSBAWM, 1998: 238); “ela separa a superioridade sentida da inferioridade imputada conforme definida por aqueles que se consideram ‘melhores’, ou seja, pertencendo normalmente a uma classe intelectual, cultural ou mesmo biológica mais elevada que a de seus vizinhos” (HOBSBAWM, 1998: 238). Assim, segundo o autor, “na Europa, como em outros lugares, a fronteira universalmente mais reconhecida entre civilização e barbárie” (HOBSBAWM, 1998: 238) difundida | 232 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves atualmente passa pelo filtro esmagador do capitalismo, ou seja, “passa entre os ricos e os pobres, em outras palavras, entre os que têm acesso aos luxos, educação e o mundo exterior, e o resto.” (HOBSBAWM,1998: 237). É nesse sentido que George Steiner e Antoine Spire (2004), na obra Barbárie da Ignorância, perguntam estupefatos: “porque é que as humanidades, no sentido mais amplo da palavra, porque é que a razão nas ciências, não nos deram qualquer proteção frente ao inumano?” (STEINER; SPIRE, 2004: 17) e, em relação ao século XX, “porque é que efetivamente se pode tocar Schubert ao serão para, de manhã, se voltar, no campo de concentração, ao cumprimento do dever?” (STEINER; SPIRE, 2004: 17) Os autores constatam que “nem a grande leitura, nem a música, nem a arte puderam impedir a barbárie total. E – devemos ir mais longe – foram até, muitas vezes, um adorno dessa barbárie” (STEINER; SPIRE, 2004: 18), e foram “muitas vezes um cenário, uma decoração, uma bela moldura ao horror…” (STEINER; SPIRE, 2004: 18). A história é perpassada pelas ações dos grupos dominantes, os quais constroem relações de poder que incluem as relações políticas e econômicas, mas não se restringem a essas dimensões. A dominação também se materializa nos instrumentos da cultura. Ele assevera que “nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento de barbárie. E assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é tampouco, o processo de transmissão da cultura” (BENJAMIM, 1996: 225). Como ressalta Seligmann-Silva (2008), “é interessante ler a tradução do próprio Benjamin dessa famosa passagem: ‘Tout cela [l’héritage culturel] ne témoigne [pas] de la culture sans témoigner, en même temps, de la barbarie’” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 74). Para o iluminista Denis Diderot (1713-1784), “do fanatismo à barbárie não há mais do que um passo” (DIDEROT apud LIMA PIVA, 2007: 173) e segundo o escritor Anatole France (1844-1924), “o que os homens chamam de civilização é o estado atual dos seus costumes e o que chamam de barbárie são os estados anteriores. Os costumes presentes serão chamados bárbaros quando forem costumes passados” (FRANCE apud BARBOSA, 1979: 26). Pensando no presente, Rouanet em Mal-estar na modernidade (1993) salienta: “como a civilização que tínhamos perdeu sua vigência e como nenhum outro projeto de civilização aponta no horizonte, estamos vivendo, literalmente, num vácuo civilizatório. Há um nome para isso: barbárie” (ROUANET, 1993: 11) para alguns, e transição, rupturas e descontinuidades para outros; “o que sabemos é que de fato o mundo de hoje, | 233 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves globalizado, não é o mesmo de séculos passados. Por isso, torna-se fundamental tentar compreender a vida social na pós-modernidade” (ROUANET, 1993: 11). Segundo Sergio Rouanet (1993), “talvez a melhor maneira de resumir esse debate é dizer que não há uma relação necessária entre as humanidades e o pensamento progressista, mas há uma relação probabilística” (ROUANET, 1993: 325). Ou seja, “um professor de latim pode denunciar estudantes, e um torturador pode aplicar choques elétricos ouvindo Beethoven, mas tais fatos são e permanecerão raros” (ROUANET, 1993: 325). Portanto, “uma imersão ampla nas humanidades” (ROUANET, 1993: 325), isto é, música, filosofia, história, etc., com “questionamento e crítica” (ROUANET, 1993: 325) e “seus inesgotáveis ensinamentos sobre a tirania e a resistência à tirania, cria pelo menos uma presunção de que os indivíduos sujeitos a esse processo não serão presas fáceis do autoritarismo” (ROUANET, 1993: 325). Assim, “exercitado pelo confronto incessante com autores antigos e modernos, tendo adquirido o hábito de dialogar com ideias e arbitrar entre posições contraditórias” (ROUANET, 1993: 325), enfim, estando exposto ao estudo dialético-crítico, “o pensamento se torna mais apto a desmascarar os sofismas do poder e a resistir às investidas do obscurantismo” (ROUANET, 1993: 325). Para Rouanet, “o Iluminismo é as duas coisas: dominação através de uma razão que calcula e manipula e ao mesmo tempo a única perspectiva possível de quebrar o jugo do mundo reificado” (ROUANET, 1993: 333). Essa seria então a dialética do Iluminismo, a saber, a “unidade da repressão e do progresso, da liberdade e da barbárie. Em nossos dias, só resta a dimensão repressiva: a dialética do Iluminismo levou à supressão da dialética” (ROUANET, 1993: 333). Cabe finalizar lembrando a noção de “alegria melancólica”, desenvolvida por Idelber Avelar (2003) no livro Alegorias da derrota: Pois é a alegria na melancolia – a alegria que deriva de que ainda nos melancolizemos ante a barbárie política – que prova que ainda não fomos narcotizados pela pilha de catástrofes a ponto de tomá-las como naturais; pela mesma razão, é a melancolia na alegria, o reconhecimento de um limite, uma impotência fundamental da afirmação gaia o que evita que a alegria caia na felicidade complacente própria dos que são cegos à catástrofe. (AVELAR: 2003, 188) Alguns anos depois de pronunciar a célebre frase “Depois de Auschwitz, não é mais possível escrever poemas” (ADORNO, 1973 apud FELMAN, 2000, p. 46), Theodor Adorno esclarece sua intenção aporética e não simplesmente negativa da sua afirmação, dizendo: “Não tenho nenhum desejo de amenizar o dito de que escrever poesia depois de Auschwitz é um ato de barbárie (...). Mas a resposta de Enzensberger de que a literatura | 234 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves tem de resistir a este veredito, também permanece verdade” (ADORNO, 1982 apud FELMAN, 2000, p. 47). Adorno destaca a arte na tarefa de escavar a história e responder as demandas contemporâneas das vítimas: “Agora é virtualmente apenas na arte que o sofrimento pode ainda achar sua própria voz, consolação, sem ser imediatamente traído por ela” (ADORNO, 1982 apud FELMAN, 2000, p. 47). Vemos a literatura de Semprún inserida nesse contexto de resistência ao veredito adorniano. Podemos perceber também essa concepção em Primo Levi, na qual ele responde ao famoso pensamento adorniano segundo o qual escrever poesia após Auschwitz seria um ato de barbárie: A minha experiência prova o contrário. Pareceu-me, então, que a poesia era melhor mesmo do que a prosa para exprimir o que me oprimia. Quando eu digo ‘poesia’ eu não penso em nada lírico. Nesta época eu teria reformulado a frase de Adorno: depois de Auschwitz não se pode escrever poesia senão sobre Auschwitz. (LEVI apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 80) De acordo com Seligmann-Silva, “de fato, o próprio Adorno reformulou aquele dictum alguns anos depois em um sentido próximo ao de Levi” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 81), ao escrever em 1962: “o excesso de sofrimento real não permite esquecimento” (ADORNO, 1962 apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 81); o sofrimento “requer também a permanência da arte que proíbe” (ADORNO, 1962 apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 81) e “não há quase outro lugar [senão na arte] em que o sofrimento encontre a sua própria voz” (ADORNO, 1962 apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 81). Seligmann-Silva (2000: 94) reflete em outro texto que a intensidade e a brutalidade da experiência do campo de concentração geram efeitos de não-realidade. Dessa maneira, as representações hiper- realistas do encarceramento concentracionário plasmam na trama textual uma impressão total de irrealidade, impedindo um “trabalho de rememoração e reintegração da cena traumática” (SELIGMANN-SILVA, 2000: 94). Segundo Ana García Díaz (2011), “el testimonio de Semprún, escrito en 1995, seis años después de la caída del muro de Berlín y tras la apertura a la Europa comunitaria de Alemania” (GARCÍA DÍAZ, 2011: 48) é notadamente influenciado pelos acontecimentos presentes e “supone una defensa ideológica de la organización política europea como un símbolo de la superación de la experiencia y de la fraternidad europea” (GARCÍA DÍAZ, 2011: 48). Vemos que, à contramão do hiper-realismo, “la novela de Semprún propone superar las diferencias nacionales en las construcciones de memoria”. De acordo com García Díaz (2011): Esta superación política tendrá su correspondencia en el intento de establecer una «literatura supranacional», superadora de los espacios fronterizos al incluir | 235 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves a autores como César Vallejo (compartiendo, así, la propuesta de Husserl de que la espiritualidad europea supera los mismos límites geográficos de Europa). Por otro lado, la inclusión de autores vinculados a la tradición judeo- alemana (Freud, Halbwachs, Levinas, Benjamin, Adorno o Celan) se convierte en una estrategia de recuperación de una tradición que trató de ser anulada por el nazismo y cuya ausencia, como señala Semprún, supone «una de las grandes lagunas en la construcción actual de Europa». (GARCÍA DIAZ, 2011: 52) Dessa forma, “não podemos dizer que as humanidades traíram na Alemanha nazista sua vocação essencial, pois desde a origem elas têm com a barbárie uma relação íntima” (ROUANET, 1987: 324). Além disso, “ao mesmo tempo, a cultura se eleva acima das circunstâncias de sua gênese e acena, por sua própria estrutura interna, para um futuro além da barbárie” (ROUANET, 1987: 324), ou seja, “a cultura pode aliar-se à barbárie: mas a ausência de cultura é a barbárie. Sua demolição é sempre, necessariamente, um gesto bárbaro” (ROUANET, 1987: 324). Nesse sentido é que Rouanet (1987) entende a frase de Adorno “escrever poesia depois de Auschwitz é um ato bárbaro, mas (...) deixar de escrever poesia é igualmente bárbaro” (ROUANET, 1987: 324). Esta é, então, a “dialética da cultura” (ROUANET, 1987: 324), “que confunde a origem da obra de arte com sua validade” (ROUANET, 1987: 324): Sem a divisão de trabalho entre produtores manuais e intelectuais e sem a apropriação privada do excedente, não haveria a música de Mozart, mas a música de Mozart nada tem a ver com essas relações sociais. Em seu conteúdo, como promessa de felicidade, ela alude a novas relações sociais, além de todas as servidões contemporâneas. É por isso que, se em sua gênese a cultura é fruto de uma injustiça, em seu funcionamento ela tende a denunciar a injustiça. Sem dúvida, o amor pelas humanidades não é nenhuma garantia absoluta de comportamento humano, e os exemplos nazistas confirmam esse fato. Mas há outros exemplos, que apontam em outra direção: a queima de livros, a condenação da arte moderna como ‘degenerada’, a frase de Goebbels de que sentia vontade de sacar o revólver quando ouvia falar em cultura ilustram o desconforto do poder fascista diante de uma cultura vista como subversiva. Não há melhor prova de que, se a cultura pode ocasionalmente dobrar-se ao poder, sucumbindo às velhas afinidades genéticas com a barbárie, o poder sente-se mais à vontade onde não há cultura. (ROUANET, 1987: 325) Na próxima parte deste capítulo da Tese, discutiremos a encruzilhada histórica vivenciada por Semprún que permeia a sua obra, retomando termos chave de sua escrita, tais como: fraternidade, resistência, terrorismo, clandestinidade e intervenção intelectual. Nas obras de Semprún, a metalinguagem e a metacitação é uma estratégia recorrente de estruturação discursiva: os sentidos se regularizam porque se repetem e, quando surge o novo – o acontecimento ou a rearticulação do mesmo –, a memória se desregula, se reelabora e se reconstrói na enunciação. Segundo Jordi Gracia, sua obra é “un acedio a la supervivencia de la identidad cuando la identidad se ha perdido subsumida en el esfuerzo | 236 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves animal de sobrevivir a la catástrofe, y quizá es ese el tema radical que persigue sin fin: el de la supervivencia” (GRACIA, 2010: 88). Dessa forma, o instinto de sobreviver seria tanto para Semprún como para outros escritores-sobreviventes dos campos de concentração, tais como Imre Kertész e Primo Levi, “el único instinto que carece de piedad” (GRACIA, 2010: 88). Para Gracia (2010), em Semprún “sobrevivir a la desintegración del que uno fue antes de Buchenwald y rehuir la piedad ajena, porque no nace de la comprensión, sino de la compasión” (GRACIA, 2010: 88) é a única maneira vislumbrada para seguir vivendo após testemunhar tanta morte. | 237 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3.4. Na encruzilhada da história: em meio às várias guerras (“Bientôt nous plongerons dans le froides ténèbres...”/ “Caeremos muy pronto en las frías tenieblas...”) L'Espagne, son malheur, le désarroi et la souffrance des miens, exilés, ‘Espagnols de l'armée en déroute’, ou comme le disait le poète León Felipe, ‘del exódo y del llanto’, de l’exode et des larmes, avaient continué à m’habiter. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 226) España, su infortunio, la zozobra y el sufrimiento de los míos, exiliados, ‘españoles del ejército derrotado’, o, como decía León Felipe, ‘del exódo y del llanto’, seguían estando presentes en mi pensamiento. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 197). No último capítulo de Adieu, vive clarté… (1998) vemos que o coração geográfico do livro é movido da centrica Paris para Hendaye, fronteira entre França e Espanha. O narrador-protagonista se encontra em um terraço sombreado do qual pode contemplar, do outro lado do fronteiriço rio Bidassoa, terras espanholas: “L'Espagne toute proche, interdite, condamnée à n'être qu'un rêve pour la mémoire” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 223) / “Contemplaba España, próxima, vedada, condenada a ser un mero sueño en la memoria” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 195). Esse capítulo marca o fim de um curto verão que se obscuresce diante do prelúdio da Segunda Guerra Mundial: “Toute la journée, la lumière d'août qui s'évaporait dans la brume du soir avait été remuée, traversée par des reflets d'automne” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 223) / “Durante todo el día, reflejos otoñales habían agitado y atravesado la luz de agosto que se difuminaba en la bruma del atardecer” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 195). É, então nessa atmosfera crepuscular que se dá o encerramento de Adiós, luz de veranos... O tíulo do capítulo, “Bientôt nous plongerons dans les froides ténèbres...”/ “Caeremos muy pronto en las frías tenieblas”, é a citação dos versos inicias da Chant d'automne de Charles Baudelaire e, já de entrada, remete metaforicamente aos augúrios que estão por vir tanto na história individual, do narrador, como na história da humanidade, fatos que povoam toda a obra sempruniana, inclusive o livro L’écriture ou la vie (1994), analisado nos capítulos iniciais desta Tese, como podemos ver na seguinte passagem: “La guerre d’Espagne était perdue, nous étions en exil, la guerre mondiale allait bientôt commencer: voilà l’essentiel” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 192) / “La guerra de España estaba perdida | 238 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves nosotros en exilio, la guerra mundial no iba a tardar en empezar: eso es lo esencial” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 161). Semprún-adolescente encontra-se em uma mesa com amigos de Édouard- Auguste, e ao ver aquelas pessoas reunidas, surge em sua mente versos de seu pai. O narrador diz que naquele momento se deu conta, mais uma vez do infortúnio dos “rojos” espanhóis: “l'Espagne, si proche: inaccessible, territoire d'une enfance disparue, d'une vie familiale annihilée” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 226) / “España, tan cercana: inaccesible, territorio de una infancia desaparecida, de una vida familiar reducida a la nada” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 197). Semprún se encontra, portanto, em um momento chave de sua vida e da História, e percebe que a memória histórica do Século XX está totalmente imbricada à sua memória pessoal, atravessada o tempo todo, ainda que como omissão ou uma sombra à espreita, pela realidade dos campos de concentração nazistas “incomprensible, ininteligible, indescriptible, inconmensurable, inexpresable e intransferible, donde las víctimas experimentaron quizás una vivencia de la muerte” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.) e suas atrocidades, “sólo puede ser referida, según Jorge Semprún, a través de recursos artísticos y a través del silencio” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.), “pues la muerte sólo para el hombre es personal, es decir, es para él, puede serlo para él, y para él sólo” (SEMPRÚN. El largo viaje apud PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p). Esse compromisso com uma literatura engajada politicamente é referido por Semprún em uma entrevista titulada “La memoria como escritura” (2003): Buchenwald no era un campo como Auschwitz-Birkenau, que fue un campo de exterminio directo, inventado y edificado para el exterminio del pueblo judío. En Buchenwald, la mano de obra era utilizada en fábricas de armamento, con lo cual los nazis estaban entre la contradicción de producir las armas que necesitaban o exterminar a sus adversarios. Incluso creo que se puede afirmar que lograron un perverso equilibrio entre la dialéctica del exterminio y la dialéctica de la producción. Buchenwald es un campo de exterminio por el trabajo: por el agotamiento, porque las raciones de comida eran mínimas y además disminuían conforme la guerra la iban perdiendo los alemanes. En ese contexto, el deportado político sabía, y esta era una de sus armas espirituales de resistencia, por qué estaba deportado. En cierto modo, libremente había elegido ser deportado, puesto que podía perfectamente haberse quedado en casa, no meterse en nada, esperar a que pasase la tormenta de la guerra. La persecución iba contra los resistentes. Naturalmente, durante la ocupación, la persecución iba contra el conjunto de la población francesa, pero en el sentido de las restricciones alimenticias, o las restricciones de movimiento y trabajo, o la censura, no en el sentido del acoso personal, de la vida o la muerte. A mí nadie me ha obligado a ser resistente. Yo hubiera podido seguir mis estudios de filosofía y habría terminado, claro que en contradicción con mis ideas. Así que la primera experiencia de la libertad de Buchenwald es que yo he estado | 239 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves ahí libremente. Claro que no he decidido libremente sufrir los porrazos de las SS, no soy masoquista, pero he elegido la actividad que sabía que podía conducir al campo. Es la paradoja, casi sartreana, de que estamos condenados a ser libres. Yo estoy preso porque soy libre. (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003) Muitos críticos da obra sempruniana comentam essa intrínseca relação entre sua atuação política, sua visão artística e seu trabalho como intelectual, principalmente na literatura e no cinema. Segundo Josep Ramoneda (2010), Semprún começou a escrever o primeiro livro sobre os campos de concentração quando “empezaba a salir del Partido Comunista. Dos años después, en 1964, lo echaron. Creo que esta es la relación entre la escritura y la vida; entre la escritura, la vida y la política” (RAMONEDA, 2010: 24), isto é, essa seria para Semprún uma questão definitiva, pois a relação que sua obra estabelece entre escritura e vida “es el que lo lleva a la política, pero es también el que lo lleva a salir de las perversiones de la política” (RAMONEDA, 2010: 24). Da mesma forma, para Augstein (2010), a escrita literária sobre os traumas sofridos por Semprún somente veio à tona quando o intelectual se desvencilhou do comunismo, ou seja, após se sentir traído pela causa que havia defendido durante toda uma vida: En los nueve años que duró su actividad clandestina logró convertirse en el hombre más buscado de España. Pero había algo que le agobiaba: no escribir un libro sobre sus experiencias en Buchenwald. Sólo cuando se liberó de sus opiniones ortodoxas, estalinistas incluso y criticó la estrategia del PC español, consiguió escribir sin esfuerzo. Desde entonces es lo que siempre ha querido ser: un escritor muy respetado, galardonado y admirado. (AUGSTEIN. 2010: 13) Outro aspecto que gerou polêmicas na biografia de Semprún foi o seu constante embate entre memória e esquecimento, tanto em sua obra como em sua vida. Sua defesa do equilíbrio entre o tempo de esquecer e o momento de lembrar é destaque também em sua análise da transição espanhola da ditadura para a democracia. Na entrevista de 2010 que tem como título a afirmação sempruniana “La amnesia de la transición no puede ser eterna”,47 Semprún comenta a necessidade de em países que viveram a censura e o silenciamento da memória (tais como a Espanha), haver a necessidade de um momento de esquecimento. Esse momento, porém, não pode ser eterno, já que a “memoria está construida en torno a los valores de los vencedores” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 47 RIAÑO, Peio. “Jorge Semprún: ‘La amnesia de la transición no puede ser eterna’”. Em: Público, 23/11/2010. Disponível em: . Acesso: 09/01/2014. | 240 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 2010: s.p.). Percebe-se que “para Semprún hay casos en los que el silencio también es positivo, señalando su propia experiencia. ‘Primero, apaciguar la memoria para cerrar una reconciliación nacional’” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Semprún, dessa forma, “confirma el espíritu de la transición española que él mismo protagonizó. ‘En España hubo un proceso de transición basado en la amnistía y la amnesia y fue positivo’” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Mais adiante, “sin embargo, el autor insiste desde hace tiempo en que ya es hora de salir de la desmemoria en España” (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.). Para Jorge Semprún é preciso refletir sobre esse suposto “benefício” da amnésia no período da transição: Siempre he dicho que una dosis de amnesia deliberada era necesaria durante la Transición, pero también he pensado que eso tiene un precio. Por eso la amnesia no puede ser eterna. En 1973 hice un documental, Las dos memorias, una encuesta sobre las memorias republicana y franquista. La desmemoria era una medida urgente pero provisional. Es que España es un país muy extraño: el régimen de monarquía parlamentaria construido sobre los valores que defendió la Segunda República, y la memoria está construida en torno a los valores de los vencedores. Debemos aspirar a un reequilibrio. Y está claro que el argumento de la derecha para no hacerlo es revivir las heridas del pasado y tal y cual... Pero hoy la democracia está lo suficientemente consolidada como para permitirse el lujo de tener las dos memorias. No es fácil. Recuerdo que a Hemingway le enfurecía que llamáramos a la Guerra Civil ‘nuestra guerra’. Él, que hablaba un perfecto castellano con un acento muy americano, decía que lo único que unía a los españoles era ‘nuestra guerra’. (SEMPRÚN em entrevista a RIAÑO, 2010: s.p.) A obra de Semprún e suas vivências não cessam de nos mostrar que é no indivíduo que a história encontra sua fonte de dados, mas sua referência não se esgota nele, uma vez que aponta para a sociedade como um todo. As vivências individuais, coletadas e analisadas pela história (principalmente a que se respalda na oralidade e no testemunho), têm em vista o conhecimento do social. Ou seja, a narrativa constitui a matéria prima para o conhecimento histórico e sociológico que busca, por intermédio do indivíduo e da realidade por ele vivida, apreender as relações sociais em que se insere. Por meio da narrativa de sua história de vida, se delineiam as relações do narrador-protagonista sempruniano com os membros de seu grupo, de sua profissão, de sua camada social e da sociedade em geral: “se nós somos, se todo indivíduo é a reapropriação singular do universal social e histórico que o rodeia, podemos conhecer o social a partir da especificidade irredutível de uma práxis individual” (FRANCO FERRAROTI, 1988: 26). Vemos que no capítulo final de Adiós, luz de veranos..., o narrador prossegue a análise de suas memórias a partir da constatação das consequências históricas das práticas | 241 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves individuais em geral e, em particular, a sua mesma. Naquele momento específico de abertura do capítulo (o almoço entre amigos em um restaurante na fronteira, à beira rio), faz o protagonista constatar a efemeridade da vida e a fugacidade dos momentos felizes, bem como lembra o fato de sentir-se, no passado, um privilegiado e desmerecedor de viver aquele momento: À l'idée de tout ce bonheur immérité - mérite-t-on le bonheur de toute façon? –, insolite, en tout cas, vu les circonstances réelles, un sentiment aigu de nostalgie me serra le coeur. Une sorte de pressentiment funeste: la fin s’annonçait, de toutes ces joies minimes, inoubliables. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 226) Al pensar en toda esa felicidad inmerecida - ¿puede merecerse la felicidad, por otra parte? –, insólita, en cualquier caso, habida cuenta de las circunstancias reales, un agudo sentimiento de nostalgia me encogió el corazón. Una especie de funesto presentimiento: se avecinaba el fin de todos aquellos goces mínimos, inolvidables. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 198) A mesa do almoço se torna um palco de discussões políticas e Semprún-narrador empreende uma retrospectiva de acontecimentos históricos, conhecidos e desconhecidos dos componentes daquela roda de debates formada de improviso, no restaurante de Biriatou, citando as ações dos totalitarismos naquele momento e o destino de pensadores / personalidades importantes em meio às turbulências históricas da Segunda Guerra Mundial. Assim, ao empreender sua reflexão sobre as grandes catástrofes do século XX e tentar apresentá-los estética e eticamente, de forma a não banalizá-los, mas sem deixar de lado o fator de radical estranheza que lhes é próprio, Semprún recorre à observação empírica de seus sentimentos e de sua época. Na escrita sempruniana, vê-se claramente seu posicionamento frente ao abafamento do trauma: se o que vivenciou não for apresentado, escrito e simbolizado, acredita Semprún que estaria, efetivamente, contribuindo para seu esquecimento, sua negação, sua idealização, além de dar mais elementos para as forças do apagamento, do obscurantismo que disso podem se valer para prevalecer sobre os fatos históricos. Dessa forma, usando as palavras de Seligmann-Silva (2005), podemos considerar que em Semprún “estar no tempo ‘pós-catástrofe’ significa habitar essas catástrofes” (SELIGMANN-SILVA, 2005: 63), isso porque os traumas advindos dos eventos catastróficos não desaparecem necessariamente (ou “magicamente”) no findar das tragédias, mas perduram e condicionam a existência futura dos indivíduos no pós-trauma na tentativa de superar e de sobreviver ao acontecido. Citemos então a passagem do último capítulo de Adieu, vive clarté... que ilustra como | 242 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Semprún empreende a análise das catástrofes encenando ao mesmo tempo seu olhar no presente narrativo que evoca as lembranças e na época efetiva de suas vivências: Hitler était en train de masser ses divisions motorisées à fronteire polonaise, nous le savions. Ribbentropp s’apprêtait à s’envoler pour Moscou pour signer un accord avec Staline, nous l’ignorions. Les prisons de Franco étaient pleines, les exécutions massives, c’était de notoriété publique. Prague avait été envahie par les troupes nazies, en stricte conséquence de la capitulation des démocraties à Munich, nous y pensions sans cesse. Et Milena Jesenská avait pleuré de rage, ce jour-là, néfaste, en contemplant le déferlement nazi dans les rues de as ville, cela, nous l’apprendrions plus tard, lorsqu’elle deviendrait compagne de nos rêves. À Moscou, dans les cachots de la Loubianka, Carola Neher, jeune beauté allemande, grande comédienne amie de Brecht, communiste exilée en URSS, condamnée comme espionne trotskiste, commençait le long périple à travers l’archipel du Goulag où elle perdrait la vie: oú sa vie serait perdue, effacée sans laisser de traces, prise dans le gel immémorial de la steppe sibérienne, ombre glaciale et désolante semblable à la pluie de cendres grises issue des crématoires nazis. C’est seulement un demi- siècle plus tard que je rencontrerais Carola Neher, dans un court poème de Bertold Brechet. Et Albert Einstein venait d’écrire au président américain Franklin Delano Roosevelt pour lui proposer de commencer le travail de recherche qui aboutirait à l’invention de l’arme atomique, conçue comme arme absolue des démocraties contre l’absolue folie de domination de Hitler. Et Sigmund Freud cette nuit-là du 22 août, à Londres, ne supportait péniblement qu’à l’aide de la morphine l’atroce souffrance empuantie de son câncer de la mâchoire. Et George Orwell, le lendemain, à l’annonce de la signature du pacte germano-soviétique, allait commencer ce revirement radical – prenant les choses à la racine – qui le conduirait à la réinvention de la raison démocratique, revirement exemplaire et si peu suivi, connu, apprécié par les intellectuels de gauche de sa génération. Et d’une trop grande partie des suivantes. § Pourtant, malgré ces données du réel, certaines mais accesibles à une méthode rigoureuse de pensée, si l’on m’avait demandé à ce moment-là, sur la terrasse de Biriatou, interrompant ma griserie, quel bilan je ferais de ce dernier été, j’aurais répondu sans hésiter qu’il y avait eu Paludes et la beauté d’Hélène. Sans oublier, bien entendu, le visage de bonheur rayonnant et douloureux de la jeune femme inconnue de la ligne Orléans-Clignancourt, dont je gardais l’icône au tréfonds de la mémoire. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 257-258) Hitler estaba concentrando sus divisiones motorizadas en la frontera polaca, lo sabíamos. Ribbentropp se disponía a volar a Moscú para firmar un pacto con Stalin, lo ignorábamos. Las cárceles de Franco estaban atestadas; las ejecuciones eran masivas, eso era de dominio público. Praga había sido invadida por las tropas nazis en estricta consecuencia de la capitulación de las democracias en Munich, pensábamos en ello sin cezar. Y Milena Jesenská había llorado de rabia aquel día nefasto, contemplando la irrupción de los nazis en las calles de su ciudad, eso lo sabríamos más adelante, cuando pasó a ser compañera de nuestros sueños. En Moscú, en los calabozos de la Lubianka, Carola Neher, joven beldad alemana, gran artista amiga de Brecht, comunista exiliada en la URSS, condenada como espía trostkista, iniciaba su largo periplo a través del archipiélago Gulag donde perdería la vida: donde su vida se perdería, borrada sin dejar rastro, atrapada en el hielo inmemorial de la estepa siberiana, glacial y desoladora sombra semejante a la lluvia de cenizas grises que salía de los crematorios nazis. Sólo medio siglo más tarde volvería a tropezarme con Carola Neher, en un breve poema de Bertold Brecht. Y Albert Einstein acababa de escribir al presidente de Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, brindándose para iniciar la labor de investigación que desembocaría | 243 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves en la invención del arma atómica, concebida como arma absoluta de las democracias contra la absoluta locura de dominación de Hitler. Y Sigmund Freud, aquella noche del 22 de agosto, en Londres, aguantaba penosamente con ayuda de morfina el atroz y pestilente sufrimiento que le infligía su cáncer de mandíbula. Y George Orwell, al día siguiente, ante el anuncio de la firma del pacto germanosoviético, iniciaría aquel giro radical – yendo al fondo de las cosas – que le conduciría a la reinvención de la razón democrática, giro ejemplar y escasamente conocido, o respaldado por los intelectuales de izquierda de su generación. Y por demasiados de las siguientes. § Así y todo, pese a esos datos de la realidad, algunos evidentes, otros aún inciertos y vagos, aun accesibles a un método riguroso de pensamiento, si me hubieran preguntado en aquel momento, en la terraza de Biriatou, interrumpiendo mi embriaguez, cuál era mi balance de aquel último verano, hubiera citado sin vacilar Paludes y la belleza de Hélène. Sin olvidar, por supuesto, la radiante y dolorosa expresión de placer de la joven desconocida de la línea Orléans- Clignancourt, cuya imagen conservaba en los entresijos de la memoria. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 224-225) Semprún, mesmo em meio aos dissabores dos acontecimentos históricos presenciados em sua juventude, consegue restaurar lembranças leves e guardar a devida importância dessas vivências na sua constituição humana: havia guerra, tortura e morte em suas lembranças juvenis, porém, havia também a descoberta da literatura e da beleza feminina (representada pela mulher misteriosa que quase o iniciou sexualmente e por Hélène, uma das pessoas presentes naquele fim de tarde, no restaurante de Biriatou a quem Semprún-narrador nomeia como belle de jour). Vemos então, por essa longa e significativa passagem, que a ficção de Jorge Semprún interpela essa realidade multifacetada e ressalta os condicionantes que influenciam no desenrolar de sua narrativa, que embora não queira assenhorear-se de uma pretensa objetividade científica, não se abstêm de pensar nas verdades envoltas também na subjetividade discursiva. Dessa forma, ainda que o horror e a catástrofe excedam os limites da linguagem (ou da imaginação), Semprún projeta seu texto para além da “estética do irrepresentável, do indizível, ou do sublime” (GAGNEBIN, 2006: 79) e não se abstém de tratar de assuntos cotidianos de um adolescente em meio às descobertas da vida. Dessa forma, Semprún não trabalha apenas com um discurso eufórico ou disfórico, mas se equilibra entre as duas esferas, abrindo a possibilidade de uma terceira opção: o discurso reflexivo. Para Semprún, a sua própria autobiografia se transforma diante da possibilidade de narrar e exige uma nova abordagem memorialística. Uma consequência disso é o fato de suas obras literárias atuarem como ressonâncias umas das outras, iluminando-se em complementaridades / suplementaridades. A peculiar prática sempruniana de estar sempre a reescrever suas memórias, optando pela não linearidade e pelos fragmentos marca tanto seu estilo literário quanto sua filosofia de vida. A memória puramente textual do narrador | 244 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves torna-se uma espécie de equivalente da memória que realmente “viveu” o escritor e, por isso, muitos críticos ao analisar a obra sempruniana usam a imagem da “espiral” da história e/ou da memória. Cabe lembrar a afirmação do personagem central de Quel beau dimache! / Aquel domingo de que sua narrativa é um completo ‘déjà vu’, uma repetição do mesmo até a saciedade, tornando-se outro, estranho, à força de ser o mesmo. A existência de um jogo textual entre lembrar / escrever na obra Adiós, luz de veranos... pode ser vista em diversos momentos que encenam uma luta do escritor contra os buracos negros do esquecimento inerentes à memória e suas imagens: Depuis que j’ai entrepris d’écrire ce récit, mettant en œuvre toutes les procédures de la réminiscence, de la reconstruction du passé (introspection; recherche et développement des images égarées, oblitérées, d’une mémoire assoupie, mais restée vivace, capable de reproduire des moments enfouis dans les trous noirs de l’oubli involontaire ou intéressé; analyse des documents historiques de l’époque, pour établir les ‘cables sociaux’ de mes souvenirs, etc.), depuis que j’ai commencé à écrire Adieu, vive clarté..., une image me hante, que je n’arrive pas à fixer, pour ensuite la déchiffrer, l’interpréter. § Est- ce un rêve, est-ce un souvenir réel? (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 268) Desde que decidí escribir este relato, recurriendo a todos los procedimientos de la reminiscencia, de la reconstrucción del pasado (introspección; búsqueda y desarrollo de las imágenes perdidas, borradas, de una memoria adormecida pero aún viva, capaz de reproducir momentos sepultados en los agujeros negros del olvido involuntario o interesado; análisis de los documentos históricos de la época, para delimitar los ‘marcos sociales’ de mis recuerdos, etc.), desde que empecé a escribir Adiós, luz de veranos..., me obsesiona una imagen, una imagen que no logro fijar, para poder luego descifrarla, interpretarla. § ¿Es un sueño, o un recuerdo real? (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 233-234) A imagem pela qual o narrador se diz obcecado é a de lembrar, vagamente, que conheceu pessoalmente Walter Benjamin, alguns meses antes de seu suicídio, mas Semprún não tem certeza absoluta disso: “mais il n’y a pas de doute, pas de flou, sur cette partie de mon souvenir. C’est sur la présence de Walter Benjamin à cette table du Select que j’ai de l’incertitude” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté... 1998: 269) / “pero en ese ámbito de mi recuerdo, no hay dudas ni zonas difuminadas. Lo único incierto para mí es la presencia de Walter Benjamin en la mesa del Select” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 235). O episódio ao que se refere o narrador é uma recordação de quando foi a um café de Montparnasse, chamado Select, em companhia do amigo de seu pai da revista Esprit, Paul-Louis Landsberg,48 e se sentaram 48 Paul-Louis Landsberg ou Paul-Ludwig Landsberg (1901-1944) foi um filósofo e professor universitário, nascido em Bonn, Alemanha, em uma família de origem judia. Perseguido pela Gestapo, foi mandado para | 245 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves com um grupo de intelectuais que discutiam a terrível situação em que se encontravam naquele momento: “Jusqu’à la veille de la déclaration de guerre, ils ont été surveillés, controles, leur anti- fascisme militant (...) risquant de déplaire aux autorités nazies, avec lesquelles, (...) la France tenait à avoir de bonnes relations d’apaisement” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 268-269) / “Hasta la víspera de la declaración de guerra, la policía les ha vigilado y controlado, dado que su antifascismo militante (...) podía disgustar a las autoridades nazis, con quienes Francia estaba interesada en mantener buenas y pacíficas relaciones” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 234). Semprún diz que ao perguntarem sobre suas impressões de Paris, denominada ‘capital do século XIX’, foi apresentado pelos senhores da mesa a um intelectual que trabalhava em um livro sobre o tema: “nom que je n’ai pas retenu sur le moment, mais qui était forcément celui de Benjamin” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 270) / “nombre que no retuve en aquel momento, pero que por fueza era el de Benjamín” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 235). Jorge Semprún teve suas suspeitas confirmadas (ainda que não totalmente, devido às armadilhas da memória, que ele mesmo destaca reconhecer), quando viu fotografias de Walter Benjamin anos mais tarde: “Plus tard, lorsque j’ai vu des fotos de ce dernier, il m’a semblé reconnaître l’inconnu du Select que les autres réfugiés allemands écoutaient avec attention, lorsqu’il prenait la parole, rarement” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 269) / “Más adelante cuando vi fotos de este último, me pareció reconocer al desconocido del Select a quienes los demás refugiados alemanes escuchaban con atención cuando tomaba la palabra, lo que ocurría raras veces” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 235). Desde então, o narrador-protagonista declara que lê e relê apaixonadamente os ensaios benjamininanos, em especial os reunidos no livro Das Passagen-Werk e as teses sobre o conceito de história: “Lecture inépuisable; on ne cesse d’y découvrir de nouvelles richesses, d’y mettre au jour de nouvelles possibilités d’interprétation” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 271) / “Lectura inagotable, no deja uno de descubrir en ella riquezas insospechadas, de evidenciar nuevas posibilidades de interpretación” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 236). Semprún declara também que nunca poderá ter certeza de que o campo de concentração de Sachsenhausen / Oranienburg, em Berlim, onde faleceu em 1944. Entre suas obras se destaca o Ensaio sobre a experiência da morte, publicado originalmente em francês (Essai sur l’expérience de la mort), na revisra Esprit, em 1935. | 246 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves aquele homem era Walter Benjamin, já que quem poderia confirmar (o amigo de seu pai Paul-Louis Landsberg, responsável pelo encontro em Select) já havia falecido (de fato, segundo nossas pesquisas, Landsberg faleceu em 1944): Chaque fois, à m’émerveiller de la concision à la fois hermétique et rayonnante de la prose allemande de Benjamin, je me demande si c’était lui, ce petit personnage qui semblait vouloir se cacher derrière une carafe d’eau et des monceaux de journaux, au bout d’une table du Select, un jour de début septembre 1939. § Je ne le saurai jamais, mais je donnerais n’importe quoi pour que ce fût vrai, pour avoir eu la chance de croiser, même anonymement, ce douloureux, torture – tortueux aussi: labyrinthique, comme l’univers lui-même de ce siècle qu’il s’est efforcé de déchiffrer – génie de la pensée contemporaine. (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 271) Cada vez, cuando me maravillo de la concisión a la par hermética y deslumbrante de la prosa alemana de Benjamín, me pregunto si era él aquel pequeño personaje que parecía querer ocultarse tras una jarra de agua y montones de periódicos, en el extremo de una mesa, un día de principios de septiembre de 1939. § Nunca lo sabré, pero daría cualquier cosa por que me fuese cierto, por haber tenido la suerte de cruzarme, aun anónimamente, con aquel doloroso, torturado – tortuoso también: laberíntico, como el propio universo de aquel siglo que se esforzó en descifrar – genio del pensamiento contemporáneo. (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 236). A obra Adieu, vive clarté… (1998) transcorre sua narrativa a partir da digressão labiríntica dos acontecimentos vividos por Semprún em um verão de sua adolescência que representou um parêntese entre dois desastres da história mundial: a vitória do exército de Franco na Guerra Civil Espanhola e a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Segundo o crítico Pascal Bruckner (2011), “pour se raconter, Semprun utilise la méthode de la digression circulaire; chaque partie rayonne autour d'un thème en de multiples directions. Une anecdote en suscite une autre qui par contagion éveille de nouveaux souvenirs” (BRUCKNER, 2011: s.p.). Assim, “la mémoire qui s'exprime ici est foisonnante, proliférante et manifeste une désinvolture très baroque à l'égard du déroulement ordonné des choses” (BRUCKNER, 2011: s.p.). Bruckner (2011) destaca também que todos os eventos narrados em Adieu, vive clarté… estão marcados pelo selo da iniciação, intelectual ou sentimental. Além disso, como veremos na seguinte parte deste capítulo da tese, existe uma forte conexão entre as obras L'écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté…(1998), em que uma está mergulhada na escuridão de Buchenwald e a outra em uma atmosfera crepuscular, em que a sombra dos totalitarismos paira no ar; como bem observa Bruckner (2011): Le paradoxe ultime de ce texte est d'éclairer cet enthousiasme romantique sous la douce lumière du crépuscule. Autant le récit de Buchenwald et de l'horreur | 247 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves concentrationnaire, dans son ouvrage précédent, générait un sursaut, une violente bouffée d'énergie, autant l'histoire des premières amours, des premiers émois s'accompagne ici de mélancolie. (BRUCKNER, 2011: s.p.) O final de Adieu, vive clarté…(1998) se dá em meio a uma discussão de como escrever a palavra “fim” em seu romance autobiográfico – “Je ne pouvais pas écrire le mot ‘fin’ de ce récit” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté… 1998: 273) / “No podia escribir la palavra ‘fin’ de este relato” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 238). Semprún prossegue sua discussão a respeito da dificuldade de concluir o relato, nos seguintes termos: “je ne dis pas le finir: tout récit autobiographique est par définition infini” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté…1998: 273) / “no digo finalizarlo: todo relato autobiográfico es por definición infinito” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 238). Então, segundo Semprún, “le mot ‘fin’ ne marque qu’un temps d’arrêt, une césure ou respiration; ou simplement signale l’impossibilité provisoire d’aller plus loin, de creuser plus profond” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté…1998: 273-274) / “la palabra ‘fin’ no marca sino un tiempo de suspenso, una censura o respiro; o sencillamente señala la imposibilidad provisional de ir más lejos, de cavar más hondo” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 238). O narrador, então, opta por terminar seu relato da mesma forma em que começou, com a citação de versos baudelairianos: “‘Bientôt nous plongerons dans les froides ténèbres: Adieu, vive clarté de nos étés trop courts!’ / ‘Caeremos muy pronto en las frías tinieblas: ¡Adiós, luz de veranos que se van tan aprisa!’” (BAUDELAIRE apud SEMPRÚN, 1998: 243). Versos representativos, que marcam claramente a transição do “période d’entre les deux guerres de mon adolescence” (SEMPRÚN. Adieu, vive clarté…1998: 272) / “período de entreguerras de mi [su] adolescencia” (SEMPRÚN. Adiós, luz de veranos… Trad. Javier Albiñana. 1998: 237). | 248 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves 3.5. Deslocamentos artísticos, biográficos e críticos: Deus, a justiça e o horror absoluto – “Shoah” ou “Holocausto”? ¿Cómo pretendes evitar que tu memoria o tu imaginación novelesca no desemboquen tan a menudo en la memoria histórica, si ambas están, en lo que se refiere al menos a este siglo XX, totalmente entrecruzadas, entreveradas? (SEMPRÚN. Veinte años y un día. 2003: 25) Es un lugar ideal, la explanada de Buchenwald, para recordar el origen de Europa, pero también para pensar en su futuro, en este momento de crisis, involución, falta de aliento y empuje. Un momento en el que viene a la memoria la frase de Edmund Husserl, pronunciada en Viena en 1935, en pleno apogeo de los totalitarismos: ‘El mayor peligro para Europa es el cansancio’. (Jorge Semprún, 05 de abril de 2010, “Mi último viaje a Buchenwald”, El País) Em uma das conferências que Semprún (2011) proferiu em Madrid para a revista Isegoría, ele analisa a visão ortodoxa do filósofo humanista cristão Jacques Maritain, “un personaje muy curioso, porque es para mi modo de ver – es una opinión personal y subjetiva, no pretendo que sea la verdad absoluta –, (…) es un filósofo y un teólogo bastante endeble, bastante contradictorio y bastante poco convincente” (SEMPRÚN, 2011: 384). Semprún prossegue o texto falando sobre Maritain, autor do livro Dieu et la permission du mal, de 1963. De acordo com Semprún, em“Dios y el permiso del mal, (…) [Maritain] manifiesta clarísimamente cuál es su posición, y es tajante. Dios no tiene nada que ver con el mal” (SEMPRÚN, 2011: 384).Segundo Semprún, na visão de Maritain “hay dos líneas, no dice dos ejes, pero dice dos líneas, la línea del bien y la línea del mal, Dios sólo es responsablede la línea del bien. La línea del mal es la línea del hombre” (SEMPRÚN, 2011: 384). Para Semprún, ao afirmar isso Maritain “searriesga a mucho desde el punto de vista metafísico” (SEMPRÚN, 2011: 384), porque “si el hombre, su único espacio de libertad y autonomía, llega a ser el mal, ¿qué hacemos con Dios? Da armas para luchar contra la idea de Dios” (SEMPRÚN, 2011: 384). Entretanto, Jorge Semprún afirma que “en cambio Maritain, que es, (…) un teólogo y filósofo de la religión tomista muy rígido, muy anticuado y muy poco flexible, es, como filósofo político, un hombre de una extraordinaria clarividencia” (SEMPRÚN, 2011: 384), pois: Maritain es el hombre que escribe en el año 1939, tres semanas después de que comience la II Guerra Mundial, una serie de artículos publicados en Francia en aquel momento donde dice, resumen rápido: Hitler veía perder la guerra, nosotros cuando la ganemos no tenemos que volver a perder la paz, tenemos que evitar hacer con Alemania lo que hemos hecho después de la guerra del 14 al 18. No hay que humillar a Alemania, hay que ayudarla a reconstruirse | 249 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves democráticamente, hay que hacer de Alemania un Estado Federal que sea ejemplo para la Europa federal que necesitamos. (SEMPRÚN, 2011: 284) Para Txetxu Aguado (2004), em L'écriture ou la vie (1994), “Buchenwald se convierte en sinónimo del Mal, un Mal vivido como experiencia de la muerte, porque es sólo a través de este concepto que puede entender-se lo que ocurrió allí” (AGUADO, 2004: 173), e, seguindo esse pensamento: “la muerte expulsa a la vida de lo posible, y si es la vida lo que se busca al salir del campo, Semprún optará por permanecer callado” (AGUADO, 2004: 173). Semprún precisou, então, de vários anos para digerir (nos sentidos biológico e psicológico do termo) a relação conflituosa entravada com as próprias lembranças (as quais queria calar) após sua libertação de Buchenwald e, conflituosamente, viveu uma intensa necessidade de escrever sobre o trauma (publicando anos depois vários livros com base em uma escrita romanesca sobre o tema e anos depois obras com uma verve testemunhal). Além disso, levando em conta a realidade terrível vivenciada no campo de concentração e sua (im)possibilidade momentânea de representá- los literariamente, dando-lhe a devida dimensão, Semprún se indaga: “la elección era sencilla: la escritura o la vida. ¿Iba a tener el valor – la crueldad para conmigo mismo – de pagar este precio?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. 1995: 226) / “le choix était simple: l’écriture o la vie. Aurais-je le courage – la cruauté envers moi-même – de payer ce prix?” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 271-272), isto é, teria ele a necessidade de pagar o preço por colocar como tarefa central, antes mesmo da junção dos escombros de sua vida, a questão da representabilidade do trauma via escrita literária? Segundo Leonor Londero (1999), em L’écriture ou la vie: Semprún describe cuidadosamente los rodeos y tentativas de acercamiento a lo que se le presentaba, al principio, como una serie de tanteos que, a partir de la imprecisión de la subjetividad, intentan cubrir aquellos espacios de lo indecible que serían difícilmente representables con una narración directa u “objetiva”. El texto adquiere así las características de una suerte de relampagueo lingüístico que trata de alumbrar fugazmente el mundo del caos y del horror, (…) no se limita al solo relato de los hechos, sino que incluye las interrogaciones de su propia formulación. (LONDERO, 1999: 39) Complementamos também com Jeanne Marie Gagnebin (2009) dizendo que “a preocupação com a verdade do passado se completa na exigência de um presente que, também, possa ser verdadeiro” (GAGNEBIN, 2009: 47), cabendo-nos observar: “a experiência do nazismo e da Shoah” (GAGNEBIN, 2009: 60) é paradigmática nesse sentido, pois, “obriga a filosofia a pensar a realidade do mal e do sofrimento” | 250 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (GAGNEBIN, 2009: 60), questões extremamente complexas e contraditórias, “não só como fazendo parte necessariamente da condição humana finita, mas como o mal e o sofrimento foram impostos por determinados homens a outros” (GAGNEBIN, 2009: 60). Em outras palavras pensar “mal e sofrimento vinculados, portanto, a fenômenos históricos e políticos precisos, que devem ser investigados, passados no crivo, no intuito crítico de sua recusa ativa” (GAGNEBIN, 2009: 60). Segundo Lucy Miranda do Nascimento (2011), “o escritor publica sua primeira obra, El largo viaje (1963), dezoito anos depois da sua libertação, na qual ele narra episódios referentes ao campo de concentração” (NASCIMENTO, 2011: 32-33), todavia, completa a pesquisadora, “grande parte da crítica não a considera de cunho testemunhal” (NASCIMENTO, 2011: 32-33). Nascimento (2011) cita, por exemplo, Márcio Selligmann-Silva, para assinalar que dentre as obras semprunianas existem os romances cujos enredos misturam ficção e realidade e “existem aquelas com caráter de testemunho autobiográfico como La escritura o la vida (1995), que foi publicada quarenta e nove anos depois da sua soltura” (NASCIMENTO, 2011: 33). Citando as palavras do próprio Seligmann-Silva (2003), referidas anteriormente por Nascimento (2011): Jorge Semprún, um sobrevivente de Buchenwald, redigiu o seu testemunho sob a forma de romances, nos quais a sua experiência é narrada em meio a um enredo que mistura ficção e realidade, como A grande viagem e em Um belo domingo. O seu testemunho autobiográfico “testamental” (c.f. testis), ou seja, redigido programaticamente “fora” do gênero romance de testemunho, ele publicou apenas em 1994 com o título L’écriture ou la vie. (SELIGMANN- SILVA, 2003: 380) Como comentamos anteriormente, no ensaio Crítica Cultural e Sociedade (1949), Theodor Adorno declara que “escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de porque hoje se tornou impossível escrever poemas” (ADORNO: 1998: 26). Se a ficção, a estética, o artístico estão abolidos do horizonte literário, por assim dizer, ético após o horror dos campos de concentração, já que escrever poema após estes acontecimentos é um ato de barbárie; cabe então questionar: o que dizer dos romances de Jorge Semprún sobre o trauma, que reivindicam a todo instante os atributos artísticos e fictícios do literário? Estariam impossibilitados ou vetados de inscrever-se e fazer-se ler desde a perspectiva de uma estética crítica e ética? Neste sentido, lembramos as palavras de Seligmann-Silva (2002): | 251 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves A perspectiva aberta por Adorno, que põe em discussão a própria possibilidade, tanto de se escrever poesia após Auschwitz, como o seu metadiscurso teórico, ainda constitui, até as publicações mais recentes, um ponto de vista frutífero e complexo, uma vez que, nele, teoria da representação, reflexão estética e ética se entrecruzam de um modo particularmente condizente com as nossas discussões atuais marcadas pela inter e transdisciplinaridade. (SELIGMANN-SILVA, 2002: 69) Ruth Franklin (2011) ressalta que a afirmação de Adorno nos leva a pensar nas implicações tanto éticas quanto estéticas e da tendência perigosa de se pender para a estetização do horror, em virtude de se usar a atrocidade como uma inspiração para a literatura (FRANKLIN, 2011: 3). Márcio Seligmann-Silva, entretanto, comenta que com a afirmativa (de que a poesia é impossível após Auschwitz), Adorno mesmo “reconheceu que de certo modo só é possível se falar na ordem do poético após Auschwitz: este é o double bind que comanda as complexas atividades e reflexões artísticas dos últimos 50 anos” (SELIGMANN-SILVA, 2008: 6). Seligmann-Silva também destaca a seguinte frase da filósofa e escritora Sarah Kofman (sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, cujo pai morreu em Auschwitz) em Paroles suffoquées: “Sobre Auschwitz e depois de Auschwitz, não é possível narração, se por narração entende-se: contar uma história de eventos fazendo sentido” (KOFMAN apud SELIGMANN-SILVA, 2008: 6); “E citando Blanchot ela [Kofman] continua: ‘Toda narração será a partir de agora de antes de Auschwitz não importa a data em que foi escrita’” (KOFMAN apud SELIGMANN- SILVA, 2008: 6). Segundo Imre Kertész, também sobrevivente dos campos de concentração, no discurso proferido em 2002, ao receber o Prêmio Nobel da Literatura: “o problema real de Auschwitz é que aconteceu, e isso não pode ser modificado” (KERTÉSZ, 2004: 17); “ao pensar em Auschwitz dessa forma, eu penso, talvez, paradoxalmente, não no passado, mas no futuro” (KERTÉSZ, 2002: 20). Isto é, pensar no passado catastrófico não significa abster-se de pensar nas catástrofes que ainda repercutem (e ocorrem) no presente. Além do mais, também não se trata de diluir o horror em uma espécie de “culpa” transcendental: trata-se, antes, de perceber, como mostra Paul Ricœur, que o mal exige uma explicação, embora não possa ser totalmente explicado: “há um ponto para além do qual o mal pode ser apenas contado, narrado, descrito por intermédio da história, dos mitos, da ficção” (RICŒUR, 1988: 50). Daí a necessidade da linguagem literária, como a de Jorge Semprún, que se apresenta como potencializadora do expurgo e da reflexão. Aqui ressoa a lição deixada por Primo Levi de que a indiferença frente à violência com o outro nos | 252 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves torna cúmplices dessa violência, matando-se duplamente o cadáver: “não podemos nem devemos compreender a motivação de certos atos violentos sob pena de nós nos identificarmos com aqueles que o praticam ou nos vermos um dia no lugar daqueles que o sofrem” (LEVI, 2000: 58). A literatura sempruniana mostra-nos, pois, que o que devemos fazer é pensar criticamente sobre a banalidade do mal, a violência que o engendra e suas implicações no campo da ética, da política, da estética, enfim, de todas as esferas da ação humana. Refletir, tal como o fez Semprún, sobre o mal radicalizado, no qual tudo é possível e a vida humana é vista como supérflua e descartável, nos convertendo a todos em sobreviventes. Uma reflexão que nos dê suporte para ter ouvidos para a dor do outro e olhos para perceber o mal, onde ele esteja camuflado: Nous tous qui allions mourir avions choisi la fraternité de cette mort par goût de la liberté. § Voilà ce que m'apprenait le regard de Maurice Halbwachs, agonisant. § Le regard du S.S., en revanche, chargé de haine inquiète, mortifère, me renvoyait à la vie. Au fou désir de durer, de survivre: de lui survivre. À la volonté farouche d’y parvenir. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 39) Todos nosotros, que íbamos a morir, habíamos escogido la fraternidad de esta muerte por amor a la libertad. § Eso es lo que me enseñaba la mirada de Maurice Halbwachs, agonizando. § La mirada del S.S., por el contrario, cargada de odio desasosegado, me remitía a la vida. Al deseo insensato de durar, de sobrevivir: de sobrevivirle. Al propósito firme de conseguirlo. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 37) Paul Ricœur (1988), na obra O mal um desafio à filosofia e à teologia, estuda a incorporação mítica do mal à arte literária através de rituais imbuídos de saberes arcaicos, marcados pelas interdições e proibições. Ricœur (1988) evidencia os contatos sacralizadores movidos pelos sentidos ambivalentes, que têm a capacidade de provocar os desejos de profanação, através das representações figurativas do mal, estendendo-se à sustentação do pensamento das religiões ocidentais, constituídas pela Filosofia e pela Teologia. Logo, explicar o mal é uma tarefa que remonta aos saberes dos primórdios da humanidade, que foram conservados e difundidos pelas narrativas cósmicas. Hannah Arendt analisa ser “inerente a toda a nossa tradição filosófica que não possamos conceber um mal ‘radical’, e isso se aplica tanto à teologia cristã, que concedeu ao próprio Diabo uma origem celestial, como a Kant” (ARENDT, 2004: 510), que segundo Arendt seria “o único filósofo que, pela denominação que lhe deu, ao menos deve ter suspeitado que esse mal existiria, embora logo o racionalizasse no conceito de um ‘rancor pervertido’” (ARENDT, 2004: 510). Para Kant, o homem é um ser finito, ao mesmo tempo sensível, | 253 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves razoável e inteligível que age livremente, podendo constituir sua própria personalidade segundo seus pensamentos, sentimentos e atos. Segundo Olinto Pegoraro (1995), “o mal radical surge como uma fissura intrínseca ao homem por ser constitutivamente finito. Esse mal consiste no conflito entre a lei do dever moral e a lei do prazer e da satisfação sensível” (PEGORARO, 1995: 57), uma vez que: O ser humano, pelo exercício da liberdade, inclina-se ora para um lado, ora para outro e oscila entre dois apelos: moral e sensitivo, transcendente e natural. Sendo a sensibilidade uma resistência permanente à razão prática inclinando- a a violação da lei moral, ela não seria intrinsecamente má, antes, responde Kant, as inclinações são naturais e obedecem às leis da natureza como em todos os outros seres. O mal, o desvio moral, está em converter a sensibilidade em suprema norma da moral e fazer do desejo um absoluto. O resultado é a instauração do egoísmo com seus desejos superiores e inferiores. (PEGORARO, 1995: 57) Segundo Sontag (2003), “nosso fracasso é de imaginação, de empatia: não conseguimos reter na mente essa realidade.” (SONTAG, 2003: 13). Sontag aponta que por um longo tempo as pessoas acreditaram que “se o horror pudesse ser apresentado de forma bastante nítida, a maioria das pessoas finalmente apreenderia toda a indignidade e a insanidade da guerra.” (SONTAG, 2003: 17). Trata-se da utilização de fotografias como terapia de choque, usadas para examinar os traumas derivados das experiências de guerra e de morte. O processo de (re)elaboração mnemônica empreendido por Semprún em suas obras é, ao mesmo tempo, altamente literário e político: o autor se coloca como porta voz dos que não regressaram dos campos de concentração e, por isso, tiveram suas memórias apagadas e suas vozes silenciadas. Semprún desejaria, pois, fazer da escrita literária uma maneira de “também lutar contra a repetição do horror” (GAGNEBIN, 2006: 470). Como ressalta Joan Ramón Resina (2012) em sua análise da latência das memórias (entendida como categoria de análise histórica) no pós-guerra civil espanhola: Después de mencionar el retraso entre el momento en que la experiencia se almacena en forma de memoria y el momento en que se produce su significado histórico (retraso formalmente reminiscente del empleo del término latencia por Freud para denotar la manifestación de una neurosis), Halbwachs pasa a establecer su famosa distinción entre historia y memoria colectiva: § “La historia no es todo el pasado, pero tampoco es todo lo que queda del pasado. O, se si prefiere, al lado de una historia escrita hay una historia viva que se perpetúa o se renueva a través del tiempo y donde es posible reencontrar un gran número de estos antiguos corrientes que sólo en apariencia habían desaparecido” (Halbwachs, 1997, p.113). § Según esto, hay un pasado que persiste fuera del alcance de la consciencia histórica. Se trata de un pasado activo, de una “historia viva” que abraza largos períodos y produce las repeticiones que el psicoanálisis atribuye a las neurosis y los traumas irresueltos. Sólo que Halbwachs no presupone un inconsciente psíquico sino | 254 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves uno histórico: lo que es provisionalmente inaccesible a la historia permanece activo en el flujo ancestral de la memoria colectiva de un pueblo. (RESINA, 2012: 43-44) Em um contexto de deterioração das relações e do valor da vida humana, segundo Nádia Souki (1998), “dissolvem-se os parâmetros de bem e de mal, de certo e de errado, de justo e injusto” (SOUKI, 1998: 105). Dessa forma, “o homem não pensa e não julga, só age, indiferentemente, como um ‘instrumento do mal’, como nos fala Kant”. Para Souki (1998), “nessa situação extrema e perversa o homem é, ao mesmo tempo, vítima e instrumento desse mal” (SOUKI, 1998: 105). Hannah Arendt estabelece a leitura do mal radical como uma forma de violência tornada possível e difundida pela política: “podemos dizer que esse mal radical surgiu em relação a um sistema, no qual todos os homens se tornaram supérfluos” (ARENDT, 2004: 510). Segundo Nádia Souki (1998), isso ocorre porque a existência humana passa a não ter justificativa por si mesma, “mas se torna condicionada a um valor utilitário, a um valor relativo às necessidades definidas pelas contingências históricas e políticas” (SOUKI, 1998: 135). Souki (1998) continua mais adiante seu raciocínio ressaltando que: Nessa relativização de valor a vida humana perde, também, seu significado, deixando de ser necessária e essencial, para ser inconseqüente e banal. Aí, onde o homem é destruído em sua humanidade, a ação humana, conseqüentemente, se degenera. A ação humana, que é essencialmente caracterizada pela espontaneidade e pela possibilidade de sempre poder iniciar, poder perene de começar e de fundar a novidade, é interditada em sua própria fonte: a liberdade. (SOUKI, 1998: 135) A relativização da vida ganha sua face extrema de assepsia e tecnologia no episódio das bombas de Hiroshima e Nagazaki; assim como mostra sua face de horror sádico e bárbaro nos campos de concentração e na chamada “solução final” (termo eufemístico empregado pelos nazistas para se referir à aniquilação total do povo judeu na Europa e, quiçá, no mundo todo). Muitos historiadores, escritores e estudiosos da catástrofe empreendida pelo regime nazista preferem o termo Shoah ao vocábulo Holocausto. Isso porque, adotando-se a palavra hebraica Shoah (que significa catástrofe / desastre), não se daria margem para a significação de sacrifício humano em termos teológicos, mas em um projeto bárbaro engendrado para o extermínio dos judeus. A palavra Holocausto remete ao significado religioso do sacrifício a Deus, configurando- se, o seu emprego, incompatível com a barbárie praticada pelos nazistas. Victor Klemperer, professor de origem judia, salvou-se no bombardeio de Dresde de ser | 255 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves internado em um campo de extermínio, e escreveu a obra LTI: la lengua del Tercer Reich, onde analisa esse surgimento de novas palavras durante e após a Segunda Guerra Mundial de forma bem interessante, destacando a manipulação nazista (política, ideológica e emocional) da linguagem: Campo de concentración. Sólo había oído la palabra cuando era niño, y entonces tenía un matiz exótico-colonial nada alemán: durante la guerra anglo- bóer… Luego el término desapareció del todo del habla alemana. Y ahora reaparece de golpe y designa una institución alemana, una institución de tiempos de paz, dirigida sobre suelo europeo contra alemanes, una institución duradera y no una medida bélica provisional contra los enemigos. Creo que en el futuro, cuando se pronuncie la palabra ‘campo de concentración’, se pensará en la Alemania de Hitler, única y exclusivamente en la Alemania de Hitler. (KLEMPERER, 2001: 218) Segundo Giorgio Agamben (2008), nos campos de concentração nazistas se estabelece uma indefinição das fronteiras entre o humano e o não humano, a norma e o horror. São condições extremas, em que não há preceitos básicos de humanidade ou de atuação ética, na qual o homem é reduzido a uma vida nua, numa ausência de qualquer dignidade: o que importa para o enclausurado é o sobreviver, restar. Através do extermínio, sua máquina de fabricação de cadáveres, “Auschwitz é exatamente o lugar em que o estado de exceção coincide, de maneira perfeita, com a regra, e a situação extrema converte-se no próprio paradigma do cotidiano” (AGAMBEN, 2008: 57). Além disso, “uma das lições de Auschwitz consiste precisamente em que entender a mente de um homem comum é infinitamente mais difícil que compreender a mente de Spinoza ou de Dante” (AGAMBEN, 2008: 21). Para Agamben (2008), “é também nesse sentido que deve ser entendida a afirmação de Hannah Arendt, tantas vezes mal interpretada, sobre a banalidade do mal” (AGAMBEN, 2008: 21). E, voltando à Semprún, sobre o Mal cotidiano. Podemos perceber a impossibilidade de se decretar a inumanidade do Mal no desabafo filosófico que Semprún-personagem empreende em L’écriture ou la vie (tendo como interlocutor ficcional o tenente Rosenfeld): Vous savez quel est le dernier livre que j’ai lu, avant d’être arrêté à Joigny? C’est Michel qui l’avait apporté… La traduction de La religion dans les limites de la simple raison, de Kant… 1793, vous vous souvenez? La théorie du Mal radical, das radikal Böse... D’où Schelling, mon intérêt pour ses recherches, sans doute empêtrées dans l’hystérie conceptuelle de l’idéalisme romantique, mais où s’élabore, à partir de Kant et de la critique des théodicées, la conception très forte, prégnante, d’une assise originaire où s’enracine la liberté humaine, capable de produire le Bien et le Mal, ontologiquement équivalents… D’où l’impossibilité de décréter l’inhumanité du Mal… À Buchenwald, les S.S., les Kapo, les mouchards, les tortionnaires sadiques, | 256 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves faisaient tout autant partie de l'espèce humaine que les meilleurs, les plus purs d’entre nous, d'entre les victimes... La frontière du Mal n’est pas celle de l’inhumain, c'est tout autre chose. D’où la nécessité d’une éthique qui transcende ce fonds originaire où s'enracine la liberté du Bien que celle du Mal... Une éthique, donc, qui se dégage à jamais des théodicées et des théologies, puisque Dieu, par définition, les thomistes l’ont assez proclamé, est innocent du Mal. Une éthique de la Loi et de sa transcendance, des conditions de sa domination, donc de la violence qui lui est justement nécessaire... (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 216) ¿Sabe usted cuál fue el último libro que leí antes de que me detuvieran en Joigny? Michel me lo había dado... La traducción de La religión dentro de los límites de la mera razón, de Kant... 1793, ¿lo recuerda? La teoría del Mal radical, das radikal Böse... De ahí Schelling, mi interés por sus investigaciones, sin duda imbricadas en la histeria conceptual del idealismo romántico, pero en la que se elabora, a partir de Kant y de la crítica de las teodiceas, la muy poderosa concepción, que se impone, de un asiento originario donde arraiga la libertad humana, capaz de producir el Bien y el Mal ontológicamente equivalentes... De lo que resulta la imposibilidad de decretar la inhumanidad del Mal... En Buchenwald, S.S., los Kapos, los soplones, los torturadores sádicos, formaban parte de la especie humana al mismo título que los mejores, los más puros de nosotros, de entre las víctimas... La frontera del Mal no es la de lo inhumano, es algo totalmente distinto. De ahí la necesidad de una ética que transcienda ese fondo originario donde arraiga tanto la libertad del Bien como la del Mal... Una ética, por lo tanto, que se libere para siempre de las teodiceas y de las teologías, puesto que Dios, por definición, y no será porque los tomistas no lo hayan proclamado hasta la saciedad, es inocente del Mal. Una ética de la Ley y de su transcendencia, de las condiciones de su dominación, por lo tanto de la violencia que le resulta precisamente necesaria... (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 180-181) Em Auschwitz e Moscovo ‒ o silêncio de Deus em Auschwitz, João Medina (2006) lembra a expressão “eclipse de Deus”, cunhada por Martin Buber que causou angústia em muitos sobreviventes do campo de concentração, significando para muitos “o local onde Deus se calou e escondeu a face, onde Deus, como no Livro de Job, não respondeu ao grito de horror do homem que sofria” (MEDINA, 2006: 65). Em detrimento dos termos eclipse ou silêncio de Deus em Auschwitz, Primo Levi (2005) preferia uma reflexão mais racional e científica, que apontava para a confluência entre o fascismo e as correntes antissemitas europeias, como podemos entrever na seguinte passagem da obra Trilogia de Auschwitz: “Entré en el Lager como no creyente, y como no creyente fui liberado y he vivido hasta hoy; es más, la experiencia del Lager, su iniquidad espantosa, me ha confirmado en mi condición laica” (LEVI, 2005: 597). Levi destaca, então, a sua laicidade como essencial para que não vivenciasse uma crise espiritual, tal como a que atingiu a maior parte dos prisioneiros judeus: “Me impidió, y todavía hoy me lo impide, concebir cualquier forma de providencia o de justicia trascendental: ¿por qué los moribundos en vagones de ganado?, ¿por qué los niños en las cámaras de gas? (LEVI, 2005: 597). Mais | 257 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves adiante no seu relato, no entanto, Levi reflete sobre a dificuldade de ser laico ou ateu convicto quando se depara com a possibilidade de morrer: “Debo admitir, sin embargo, haber experimentado, una sola vez, la tentación de ceder, de buscar refugio en la oración” (LEVI, 2005: 597). Isso ocorreu, segundo Levi, em outubro de 1944, “en el único momento en el que llegué a percibir con lucidez la inminencia de la muerte” (LEVI, 2005: 597): (…) cuando, desnudo y apretado entre compañeros desnudos, con mi ficha personal en la mano, esperaba para desfilar delante de la ‘comisión’ que, de una ojeada, decidiría si iría de inmediato a las cámaras de gas, o si en cambio era lo bastante fuerte para seguir trabajando. Durante un instante, sentí la necesidad de pedir ayuda y asilo; después, a pesar de la angustia, prevaleció la ecuanimidad: no se cambian las reglas del juego al final del partido, ni cuando se va perdiendo. Una oración en aquellas condiciones no solo hubiera sido absurda (¿qué derechos podía reivindicar? Y ¿de quién?), sino blasfema, obscena, marcada por la máxima impiedad de la que uno no creyente es capaz. Borré aquella tentación: sabía que en caso contrario, de haber sobrevivido, hubiera debido avergonzarme de ello. (LEVI, 2005: 598) Diferentemente de Levi, na opinião de Semprún (1994), aqueles que melhor resistem às adversidades “son los que tienen ideales, sean religiosos o políticos” (SEMPRÚN entrevistado por ALAMEDA, 1994: s.p.), “aunque luego descubra que todo es una farsa” (SEMPRÚN entrevistado por ALAMEDA, 1994: s.p.); no campo de concentração para Semprún, “el creyente y el comunista era el que mejor aguantaba, mucho mejor que el agnóstico y el escéptico” (SEMPRÚN entrevistado por ALAMEDA, 1994: s.p.). No entanto, mesmo sendo uma pessoa de fé (e, em nossa opinião, exatamente por ser um devoto), Elie Wiesel, ainda um menino, estudante fervoroso do Talmud, viu- se desesperado ao sentir-se abandonado por Deus ao confrontar-se com o horror dos campos de concentração, como podemos ver nas seguintes palavras de decepção escritas na obra Noite (2003): “Pela primeira vez, senti crescer em mim a revolta. Por que é que eu devia santificar o seu Nome? O Eterno, Senhor do universo, o Eterno Todo-Poderoso e Terrível calava-se, por que razão eu Lhe agradeceria?” (WIESEL, 2003: 41). Wiesel (2003) prossegue sua confissão, emocionado, dizendo: “Nunca mais esquecerei esta noite, a primeira noite no campo, que fez da minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada” (WIESEL, 2003: 41). De fato, a dificuldade de esquecer os horrores vividos e de justificá-los a partir de sua fé foi ficando a cada dia no campo mais difícil para Wiesel e, no momento de sua libertação sentiu necessidade de desabafar esses sentimentos por escrito: | 258 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Nunca mais esquecerei aquele fumo. Nunca mais esquecerei as pequeninas caras das crianças cujos corpos eu tinha visto transformarem-se em espirais sob um azul mudo. Nunca mais esquecerei estas chamas que consumiram para sempre a minha Fé. Nunca mais esquecerei este silêncio noturno que me privou para a eternidade, do desejo de viver. Nunca mais esquecerei estes momentos que assassinaram o meu Deus e a minha alma, e os meus sonhos, que tomaram a aparência de um deserto (WIESEL, 2003: 42). Na obra La escritura o la vida, Semprún também descreve, como Levi, a necessidade de oração em um momento de desespero total (a morte de seu amado professor Halbwachs): “dans une panique soudaine, ignorant si je puis invoquer quelque Dieu pour accompagner Maurice Halbwachs consciente de la nécessité d’une prière, pourtant, la gorge serée, je dis à haute voix (...) quelques vers de Baudelaire” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 37) / “presa de un pánico repentino, ignorando si podía invocar a algún Dios para acompañar a Maurice Halbwachs, consciente de la necesidad de una oración, no obstante, con un nudo en la garganta, dije en voz alta (...) unos versos de Baudelaire” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 35). Semprún declara que foi a única coisa que lhe ocorreu, selando com as seguintes palavras sua despedida ao amigo: “0 mort, vieux capitaine, il est temps, levons l'atiere... / ... nos coeurs que tu connais sont remplis de rayons”. Jorge Semprún declara em uma entrevista que, a seu ver, os conceitos de justiça divina e de existência de Deus não significam a ausência do mal, mas sim o contrário: “el mal no desaparecerá mientras haya humanidad. El mal es una de las posibilidades que le da al hombre el ser libre, es un subproducto de la libertad humana” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.). Dessa forma, para Semprún, “mientras el hombre sea libre, también será libre para hacer el mal. Ésta es, para mí, una certeza metafísica” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.). Além disso, acrescenta o escritor sua concepção filósofica da questão: “paradójicamente, y sin que esto sea una provocación, veo al mal como a Dios: el hombre es libre y porque es libre puede hacer el mal, y porque es libre inventa a Dios” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.). Segundo Verónica Abdala (1999), na obra escrita em conjunto por Semprún e Wiesel, Se Taire Est Impossible (1995): El tema de la muerte los conduce directamente a la pregunta sobre la existencia de Dios. Semprún, proveniente de una familia católica y ateo desde su juventud, dice: ‘Mi problema es que no concibo los campos, con Dios ni sin Dios’. Wiesel, judío, admite: ‘Hay un momento, en el campo, en que inevitablemente te planteas: ¿Y si Dios se hartó de su pueblo? ¿Y si sencillamente estuviera del lado del enemigo?’. La responsabilidad que supone transmitir sus experiencias a las nuevas generaciones (“que se mueven a partir de la sana curiosidad, de la sed de saber”) acaso quede resumida en este | 259 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves planteo: “Nosotros descubrimos el Mal Absoluto y no el Bien Absoluto. ¿Cómo hacer para que los jóvenes no caigan en la desesperación y hagan el bien, en lugar del mal?”. Al final, entre esos dos hombres, sólo quedan las preguntas, y un insondable silencio. (ABDALA, 1999: s.p.) Jorge Semprún declara, diversas vezes em suas obras, o seu desejo “de mettre au clair, une fois pour toutes, mes rapports de voisinage avec Dieu” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 125) / “de poner en claro, de una vez por todas, mis relaciones de vecindad con Dios” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 107). Sua posição acaba sendo agnóstica quando termina por constatar que mais interessante do que debater-se na dúvida infrutífera da existência ou não de Deus (questão persistente em seu pensamento, mas, para Semprún, fadada a não ter resposta), é refletir criticamente sobre: “pourquoi l’homme est-il un être qui éprouve – pour exister, pour se savoir au monde – le besoin vital, compulsif, de se poser la question du Non-Être, celle de sa propre finitude? La question de la transcendance, donc? (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 127) / “¿por qué es el hombre un ser que experimenta – para existir, para saberse en el mundo – la necesidad vital, compulsiva, de plantearse la cuestión del No-Ser, la de su propia finitud? ¿La cuestión de la transcendencia, por lo tanto?” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 109). Para Semprún, essa é a única interrogação produtiva de sentido. Mas, por que Deus (caso exista) não interferiu nos horrores dos campos de concentração? Por que Deus permite o mal? Semprún se aproxima de Hannah Arendt ao tentar responder essas questões declarando que a origem do mal não é divina, mas humana: “La frontière du Mal n’est pas celle de l’inhumain, c’est tout autre chose” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 216) / “La frontera del Mal no es la de lo inhumano, es algo totalmente distinto” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181). Advém daí, segundo Semprún, “la nécessité d’une éthique qui transcende ce fonds originaire où s’enracine autant la liberté du Bien que celle du Mal…” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 216) / “la necesidad de una ética que transcienda ese fondo originario donde arraiga tanto la libertad del Bien como la del Mal...” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181). Uma ética que Semprún define como liberada “des théodicées et des théologies, puisque Dieu, par définition, les thomistes l’ont assez proclamé, est innocent du Mal” (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 216) / “de las teodiceas y de las teologías, puesto que Dios, por definición, y no será porque los tomistas no lo hayan proclamado hasta la saciedad, | 260 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves es inocente del Mal” (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 181). Semprún argumenta em uma entrevista que “no se trata de decir, como piensan los ateos, que Dios no existe. Vamos a ser más finos filosóficamente: Dios no es pero existe. Mientras haya hombres habrá Dios” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.). Por fim, Semprún, nessa mesma ocasião, discute o que denomina de “condiciones sociales del mal y del bien” (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.): Hay sociedades que te llevan al bien, o, si queremos dejar la cosa romántica del bien, que te llevan a la justicia, y otras que todo lo contrario. Hay educación y familias que conducen a un lado y otras a otro. Hay un postulado metafísico y luego su ejercicio en unas ciertas circunstancias sociales. Si naces en una sociedad en la que te dicen que todo judío es un miserable, la propensión al mal es mayor que en una sociedad que postula la igualdad de todos los seres humanos. Pero no pensemos nunca que una sociedad puede educarse o reeducarse de tal forma que desaparezca el mal. Eso es un sueño totalitario. El hombre nuevo de la sociedad soviética es un sueño totalitario. (SEMPRÚN entrevistado por GALLY, 2003: s.p.) De fato, ao elaborar seu conceito de banalidade do mal, Hannah Arendt ressalva a necessidade de recusar dois erros conceituais: o primeiro seria considerar, falsa e ingenuamente, que os carrascos auxiliadores do nazismo na sua máquina de execução eram indivíduos que carregavam dentro de si um mal nato, excepcional, não atribuível a pessoas comuns (já que, pelo contrário, esses colaboradores eram pessoas, na maioria das vezes, portadores de passados imaculados socialmente e sem nenhuma mancha criminal); e o segundo erro seria o de estabelecer a ideia de que em cada ser humano habita um mal adormecido, que pode acordar em situações extremas (já que pensar isso é desconsiderar por completo a capacidade crítica e de atuação ética por parte dos sujeitos, gerando um sentimento de culpabilidade universal da espécie humana, como se todos agissem de forma igual, sem resistência nenhuma, o que, igualmente, diluiria a culpa e a responsabilidade individual de cada sujeito por seus próprios atos). Na análise de Agamben (2008), a “zona infame de irresponsabilidade é o nosso primeiro círculo do qual confissão alguma nos conseguirá arrancar e no qual, minuto após minuto, é debulhada a lição da temível banalidade do mal” (AGAMBEN, 2008: 31). E como bem sinalizou Shoshana Felman (2000), a violência do extermínio nos campos de concentração, isto é, “a própria essência do apagar e do aniquilar” (FELMAN, 2000: 64) não é o que mais nos assombra, o problema “não é tanto a morte em si, mas o fato ainda mais obsceno de que a própria morte não faz diferença, o fato de a morte ser radicalmente indiferente: todos | 261 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves são colocados num mesmo plano, pessoas morrem como números, não como nomes próprios” (FELMAN, 2000: 64). Neste sentido, pensar a banalidade (ou banalização) do mal tal como o fez Arendt é pensar em indivíduos comuns como Eichmann, com muita disponibilidade para cumprir ordens “superiores” e até para incrementar, sadicamente, estas mesmas ordens. Isto é, o banal incide no fato de que ele era um sujeito comum que se auto justifica sob a máscara de que apenas cumpria sua tarefa, totalmente legalizada pelo Estado naquelas circunstâncias. Um indivíduo que contribui voluntariamente para exercer essa fratura entre ética e legislação, essa protocolização da violência e ser uma das engrenagens principais para fazer funcionar a maquinaria do poder a serviço da tortura, dos campos de trabalho forçado, da prisão sem julgamento e do extermínio em massa. Assim, a afirmação determinista de que cada um de nós, por fazermos parte da espécie humana, carregaríamos um Eichmann dentro de nós, é totalmente repudiada por Hannah Arendt, pois, segundo a autora, somos portadores de reflexão ética, seres que podem escapar ao determinismo; podemos escolher, mesmo que isso signifique sermos também exterminados: “o pensar e o julgar são abordados [por Arendt] como os antídotos do mal, aquilo que evitaria a banalidade do mal” (SOUKI, 1998: 137). A atitude de Eichmann é encarada por Arendt como uma escolha consciente de um sujeito comum (advém daí o atributo banal relacionado ao mal). Hannah Arendt (1999) percebe que há uma impressão generalizada de que “a era do regime de Hitler, com seus crimes gigantescos e sem precedentes, constituiu um ‘passado indomado’ não apenas para o povo alemão ou para os judeus do mundo” (ARENDT, 1999: 306), mas é de difícil aceitação para toda a humanidade ter ocorrido “essa catástrofe no coração da Europa” (ARENDT, 1999: 306). Arendt acrescenta que, “questões morais gerais, com todo seu intrincamento e complexidades modernas” (ARENDT, 1999: 306), assombrando as mentes e pensando os corações humanos, “repentinamente passaram a primeiro plano da opinião pública” (ARENDT, 1999: 306). Na polêmica obra do historiador norte-americano Daniel Goldhagen, traduzida ao português como Os carrascos voluntários de Hitler (1997; título original: Hitler’s Willing Executoners), o autor enfoca a culpabilidade alemã no que ele chama de “Holocausto”. Goldhagen demonstra que os campos de concentração nazistas não foram uma maquinária de horror da qual os cidadãos alemães da época foram obrigados a presenciar ou a participar, mas sim, para grande parte da população alemã, todo o contrário disso. O | 262 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves autor cita diversos casos em que a participação na “solução final” (Endlösung) hitleriana foi voluntária, isto é, uma adesão feita a contento, produto de uma ideologia amplamente compartilhada pelo povo alemão durante a primeira metade do século XX (o sentimento antissemita), gestado no século XIX. Assim, nessa outra possibilidade de análise se coloca o foco no antissemitismo disseminado na sociedade alemã, que fez com que cidadãos comuns (como Eichmann) soubessem e, mais que isso, apoiassem a política eliminacionista do nazismo (a chamada solução final): O genocídio era imanente à conversação na sociedade alemã. Era imanente a suas linguagens e emoções. Era imanente a sua estrutura cognitiva. E era também imanente às práticas de uma sociedade protogenocida durante os anos 30. Sob circunstâncias apropriadas, o antissemitismo eliminacionista se transformou através de metástase em sua forma mais virulenta exterminadora e os alemães comuns tornaram-se assassinos genocidas voluntários. (GOLDHAGEN, 1997:477) Goldhagen analisa, então, a contribuição de milhares de alemães no genocídio perpetrado contra judeus e afirma que, “apesar das meias intenções do regime de esconder o genocídio da maioria dos alemães, milhões sabiam dos assassinatos em massa” (GOLDHAGEN, 1997: 16), isso porque “Hitler anunciou muitas vezes, enfaticamente, que a guerra chegaria ao fim com o extermínio dos judeus. Os assassinatos gozavam da compreensão geral, se não da aprovação” (GOLDHAGEN, 1997: 16). Portanto, para Goldhagen os alemães comuns não só sabiam dos campos de concentração e extermínio como também apoiaram o genocídio dos judeus motivados por um antissemitismo eliminacionista ferrenho e virulento, desenvolvido remotamente em associação à construção da identidade da Alemanha. Na concepção de Adorno (1998), “é preciso buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, assassinadas sob os pretextos mais mesquinhos (...). É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos” (ADORNO, 1998: 116). Dessa forma, o pensador acredita que se revelaria “tais mecanismos a eles próprios” (ADORNO, 1998: 116), “procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos” (ADORNO, 1998: 116). Haveria, portanto, na opinião de Adorno uma dificuldade das pessoas constituírem consciência própria e por isso elas a substituem por autoridades externas, manipuladoras e conformadoras de ideologias que as persuadem, dando-lhes sentido de pertencimento a um grupo, tais como os nacionalismos extremos. Para justificar essas afirmações, Theodor Adorno cita um diálogo seu com Walter Benjamin: | 263 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Em Paris, durante a emigração, quando eu ainda retornava esporadicamente à Alemanha, certa vez Walter Benjamin me perguntou se ali ainda havia algozes em número suficiente para executar o que os nazistas ordenavam. Havia. Apesar disto a pergunta é profundamente justificável. Benjamin percebeu que, ao contrário dos assassinos de gabinete e dos ideólogos, as pessoas que executam as tarefas agem em contradição com seus próprios interesses imediatos, são assassinas de si mesmas na medida em que assassinam os outros. Temo que será difícil evitar o reaparecimento de assassinos de gabinete, por mais abrangentes que sejam as medidas educacionais. Mas que haja pessoas que, em posições subalternas, enquanto serviçais, façam coisas que perpetuam sua própria servidão, tornando-as indignas; que continue a haver Bojeis e Kaduks, contra isto é possível empreender algo mediante a educação e o esclarecimento. (ADORNO, 2003: 117) Adorno (1998) coloca a educação como meio de defesa contra os extremismos e reflete sobre o fato de que a maioria dos algozes era de origem iletrada, citando o livro O Estado da SS, de Eugen Kogon, “que contém abordagens importantes deste todo complexo e que não recebeu a atenção merecida por parte da ciência e da pedagogia” (ADORNO, 1998: 117). Para Adorno, o fato que não recebeu uma leitura cuidadosa foi a afirmação de Kogon de que “os algozes do campo de concentração em que ele [Kogon] mesmo passou anos eram em sua maioria jovens filhos de camponeses” (ADORNO, 1998: 117). A partir daí, Adorno esclarece suas ideias a respeito de como deve ser a Educação após Auschwitz (título do seu ensaio): a educação como a medida de prevenção contra a barbárie humana. Interpretamos o texto de Adorno como uma resposta imediata ao que o contexto apresentava como questão. Sabemos que há afirmações polêmicas, porém seu ensaio está imerso a um desejo intenso de compreender a capacidade de alguns homens, em pleno século XX, agirem como “bárbaros”, imbuídos de tanta agressividade e violência. Segundo Adorno, “a diferença cultural ainda persistente entre a cidade e o campo constitui uma das condições do horror, embora certamente não seja nem a única nem a mais importante” (ADORNO, 1998: 119). A partir dessa constatação, Adorno percebe o contraponto entre o campo (que induz os sujeitos a aderirem a grupos extremistas) e a cidade (que produz violência e agressividade excessivas). Adorno ressalva, no entanto, ter em conta o fato de que a violência não permeia toda a civilização, mas afirma que são perceptíveis a adesão e a manipulação de sujeitos pertencentes a determinados grupos minoritários (que juntos formam uma maioria). São minorias, paradoxalmente, consideradas, em uma visão superficial e distante, supostamente, mais felizes e enquadrados socialmente: Para mudar essa situação, o sistema normal de escolarização, frequentemente bastante problemático no campo, seria insuficiente. (...) Entretanto não deve | 264 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves haver nenhum mal-entendido quanto à inclinação arcaica pela violência existente também nas cidades, principalmente nos grandes centros. Tendências de regressão — ou seja, pessoas com traços sádicos reprimidos — são produzidas por toda parte pela tendência social geral. Nessa medida quero lembrar a relação perturbada e patogênica com o corpo que Horkheimer e eu descrevemos na Dialética do esclarecimento. Em cada situação em que a consciência é mutilada, isto se reflete sobre o corpo e a esfera corporal de uma forma não livre e que é propicia à violência. Basta prestar atenção em certo tipo de pessoa inculta como até mesmo a sua linguagem — principalmente quando algo é criticado ou exigido — se torna ameaçadora, como se os gestos da fala fossem de uma violência corporal quase incontrolada. (...) Tudo isso se relaciona de um modo ou outro à velha estrutura vinculada à autoridade, a modos de agir — eu quase diria — do velho e bom caráter autoritário. Mas aquilo que gera Auschwitz, os tipos característicos ao mundo de Auschwitz, constituem presumivelmente algo de novo. Por um lado, eles representam a identificação cega com o coletivo. Por outro, são talhados para manipular massas, coletivos, tais como os Himmler, Höss, Eichmann. (ADORNO, 1998: 118). Percebe-se claramente que o ensaio adorniano se vale constantemente da psicanálise para afirmar que “a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica” (ADORNO, 1998: 119). Para Adorno, depois de Auschwitz, é preciso educar contra a barbárie: “qualquer debate acerca de metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não se repita” (ADORNO, 1998: 119). O autor continua sua análise afirmando a importância da ação educativa já no início do desenvolvimento cognitivo e emocional humano: “contudo, na medida em que, conforme os ensinamentos da psicologia profunda, todo caráter, inclusive daqueles que mais tarde praticam crimes, forma-se na primeira infância” (ADORNO, 1998: 120). Para Adorno, o ato de educar deve, também, se concentrar na desmantelação de uma consciência coisificada, no intuito de não deixar que o homem abstenha-se da companhia humana, preferindo as máquinas. Segundo Adorno, a tecnologia teria um vetor preponderante nessa “coisificação” da consciência, por alienar os homens de si próprios e deixarem de perceber que eles devem governar a tecnologia, não o contrário: “Os homens inclinam-se a considerar a técnica como sendo algo em si mesma, um fim em si mesmo, uma força própria, esquecendo que ela é a extensão do braço do homem” (ADORNO, 1998: 120). Dessa forma, a educação após os eventos catastróficos deve ser emancipatória, por isso, “a educação que tem por objetivo evitar a repetição precisa se concentrar na primeira infância” (ADORNO, 1998: 121). Na obra El Estado de la SS, Eugen Kogon comenta sobre a “psicologia” dos membros da SS como rude e pouco elaborada, incapaz de refletir sobre a crueldade de seus atos, completamente anestesiados aos sentimentos de compaixão humanitária: | 265 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Todos los secuaces de la SS que hemos conocido mis amigos y yo eran, en este sentido, (...) unos bárbaros y no poseían ningún elemento de auténtica cultura, es decir, de capacidad de confrontar críticamente el espírito y el instinto uno con otro, con el mundo circundante y con normas de validez general (...). (...) basándonos en ideales válidos para todos los hombres o basándonos en ideales cristianos (...), los ideales de la SS no tenían nada que ver con el mundo de normas, aunque a veces pareciera que en algunos lo rozaba. Para ellos, la única cuestión necesaria era exclusivamente la de si los instintos o los sentimientos (...) eran útiles o daniños a los fines de la SS. (KOGON, 2005: 435-436) A nosso ver, não podemos colocar simplesmente a “banalidade do mal” sob a “justificativa” da vulnerabilidade humana ao erro e a necessidade de sentir-se incorporado a um coletivo. Tanto Hannah Arendt como Theodor Adorno não minimizam o mal ao identificá-lo com o ordinário, com o cotidiano. Pelo contrário, eles denunciam o que a falta de reflexão, a necessidade de uma educação emancipadora para impedir uma adesão acrítica à violência. Entretanto, tendo em conta os dados levantados por Goldhagen, cabe- nos pensar: se todo discurso é ideológico, existiria tal “adesão acrítica”? Não haveria nas ideias ensaiadas por Adorno, no texto anteriormente citado, certo prejulgamento, preconceito em relação às diferenças campo-cidade? Nesse sentido, há que se problematizar a conivência pacífica e a apatia generalizada por parte destes voluntários, anestesiados e/ou corrompidos pelo sistema. Homens, levados pelo esvaziamento de motivações, de comprometimento ético com os próprios atos, incapazes de perceber o horror da zona cinzenta, se convertendo em sub-homens: Os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram porque nunca pensaram na questão, e, sem lembrança, nada consegue detê-los. Para os seres humanos, pensar no passado significa mover-se na dimensão da profundidade, criando raízes e assim estabilizando-se, para não serem varridos pelo que possa ocorrer – o Zeitgeist, a História ou a simples tentação. O maior mal não é radical, não possui raízes, e, por não ter raízes, não tem limitações, pode chegar a extremos impensáveis e dominar o mundo todo. (ARENDT, 2004: 160) Os atos de genocídio pressupõem a existência de uma convivência entre mal radical e mal banal, de certa forma, reivindicada pelos ex-prisioneiros dos campos de concentração, como necessária para efetuar-se a escrita da dor e a aproximação aos seus testemunhos. A banalidade do mal instaura, portanto, a possibilidade do inumano no humano e, por outro lado, a existência dos chamados “sujeitos sádicos”, como bem lembra Adorno, que embora antes fossem sujeitos comuns, colaboram por vontade própria e fazem da ideologia do coletivo a sua própria ideologia e consciência individual. Na escrita de Jorge Semprún visualiza-se um esforço tremendo para gerar diferença, para sair dessa zona de indefinição entre bem e mal, para contrapor à banalização da memória | 266 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves e da avalanche de imagens que anestesiam, enfim, fugir dessa saturação imagética que retira possibilidades de reflexão. Nessa perspectiva, não se trata de uma defesa do maniqueísmo (o dualismo entre Bem e Mal), já que é uma a separação muito maior do que entre o que é humano e o que é desumano, no qual seria cabível procurarmos em nós mesmos a oposição do bem e do mal ao invés de pressupor-nos donos da Verdade e da Justiça. Sobre essa situação de culpabilidade alemã na Shoah, Jorge Semprún comenta em L’écriture ou la vie (1994): Paul Celan, on s’en souvient, voulait obtenir de Martin Heidegger une formulation claire sur son attitude face au nazisme. Et plus précisément sur l’extermination du peuple juif dan les camps hitlériens. Il ne n’obtint pas, on s’en souvient sans doute aussi. Il n’obtint que ce silence que d’aucuns essaient de faire oublier, ou de combler par des bavardages superficiels: le silence définitif de Heidegger sur la culpabilité allemande. (...) Je me récite à haute voix le poème de Celan et je pense au destin de la langue allemande: langue de commandement et d’aboiement SS – <>, a pu écrire Celan: <> – et langue de Kafka, de Husserl, de Freud, de Benjamin, de Canetti, de Paul Celan lui-même – de tant d’autres intellectuels juifs qui ont fait la grandeur et la richesse de la culture allemande des anées trente de ce siècle: langue de subversion, donc, d’affirmation universelle de la raison critique. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 370-372) Paul Celan, como recordará el lector, quería conseguir de Martin Heidegger una formulación clara sobre su actitud frente al nazismo. Y más precisamente sobre el exterminio del pueblo judío en los campos hitlerianos. No la consiguió, como sin duda también recordará el lector. Tan sólo consiguió aquel silencio que algunos tratan de hacer olvidar, o de colmar con chácharas superficiales: el silencio definitivo de Heidegger sobre la culpabilidad alemana. (...) Me recito en voz alta el poema de Celan y pienso en el destino de la lengua alemana: lengua de mando y de ladrido SS – <>, pudo escribir Celan: <>– y lengua de Kafka, de Husserl, de Freud, de Benjamin, de Canetti, del propio Celan, y de tantos otros intelectuales judíos que han hecho la grandeza y la riqueza de la cultura alemana de los años treinta de este siglo: lengua de subversión, por lo tanto de afirmación universal de la razón crítica... (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 308- 310) Essa reflexão de Jorge Semprún sobre o destino de barbárie da língua alemã no período nazista, contrastante com sua riqueza cultural em outras épocas, nos remete aos textos de Victor Klemperer, filólogo judeu alemão, sobrevivente da Ditadura Hitlerista. Na obra LTI – A Linguagem do Terceiro Reich, Klemperer (2009) analisa a manipulação da língua alemã executada pelos nazistas, entre 1933 e 1945, como forma de persuardir o povo alemão a incorporar plenamente o antissemitismo. Segundo Klemperer (2009), “o Nazismo se embrenhou na carne e no sangue das massas por meio de palavras, expressões e frases impostas pela repetição, milhares de vezes, e aceitas inconsciente e | 267 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves mecanicamente” (KLEMPERER, 2009: 55). Klemperer (2009) reflete que as estratégias nazistas de valer-se dos recursos linguísticos como instrumento de dominação nos possibilitam perceber que “as palavras podem ser como minúsculas gotas de arsênico: são engolidas de maneira despercebida e parecem ser inofensivas; passado um tempo, o efeito do veneno se faz notar” (KLEMPERER, 2009: 55). O efeito desse veneno, segundo Klemperer, foi fatal já que, fanatismo, por exemplo, passou a ser sinônimo de heroísmo: “se, por um longo tempo, alguém emprega o termo ‘fanático’ no lugar de ‘heroico e virtuoso’, ele acaba acreditando que um fanático é mesmo um herói virtuoso, e que sem fanatismo não é possível ser herói” (KLEMPERER, 2009: 55). Assim, o Terceiro Reich adulterou o sentido de muitas palavras e a frequência de seu uso, adaptando a língua alemã a seu sistema e tornando-a uma poderosa arma de manipulação e propaganda ideológica. A linguagem, portanto, foi distorcida e empobrecida pelo Nazismo como forma de instalar ideias simplistas e preconceituosas, fáceis de ser assimiladas por uma massa sedenta por culpabilizar o Outro e receber explicações rápidas. No relato de Klemperer (2009) consta que, no curso noturno que ministrava antes de ser demitido da Universidade Popular de Dresden bem como nos debates promovidos por outras instâncias universitárias ligadas à juventude alemã, diversas vezes se deparou com a forma “como jovens inocentes e sinceros se apegavam ao modo nazista de pensar para suprir erros e lacunas de sua formação, que deixava muito a desejar. Sem perceber, estavam confundidos e seduzidos” (KLEMPERER, 2009: 38). Klemplerer (2009: 38) agrega que a linguagem foi, definitivamente, o solo mais fértil do Nazismo, sendo fator crucial para conseguir adesões massivas. Essa desumanização da linguagem reflete-se também na possibilidade de existência, manutenção e modo de funcionamento dos campos de concentração. A prática de reificação do Outro, o inimigo, o impuro, àquele que precisa ser eliminado é plenamente difundida dentro e fora dos campos nazistas. Palavras do campo semântico técnico e médico foram deslocadas e utilizadas eufemisticamente de forma generalizada: “infecção”, “desinfecção”, “solução”, “limpeza”, “purificação”, “eliminação”, “vírus”, “doença”, etc.; segundo Theodor Adorno (1987) em La Ideología como Lenguaje: Las palabras se convierten en palabras de jerga sólo por la constelación que niegan, por el porte de unicidad de cada una de ellas... La jerga, objetivamente un sistema, aplica como principio organizado la desorganización, la desintegración del lenguaje en palabras en sí... el carácter de la jerga sería sobremanera formal: ella se encarga de que lo que desea sea sentido y aceptado por su exposición, en gran parte sin tener en cuenta el contenido de las palabras. El elemento preconceptual y mimético del lenguaje lo toma ella bajo su | 268 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves dirección, a favor de los efectos por ella deseados... Quien domine la jerga no necesita decir lo que piensa, ni siquiera pensarlo rectamente: de esto le exonera la jerga, que al mismo tiempo desvaloriza el pensamiento... (ADORNO, 1987: 13-14). Os eufemismos utilizados pelos hitleristas foram, assim, fundamentais para promover a deshumanização do extermínio, ‘suavizando’ e ‘naturalizando’ suas práticas cruéis diante das ‘mentes e corações’ dos adeptos da ideologia nazista. A palavra assassinato é substituída por ‘tratamento especial’ e o extermínio em massa é transfigurado ‘positivamente’ por meio da expressão ‘solução final’. Segundo Perla Sneh e Juan Carlos Cosaka (1999), “precisar los términos excede lo meramente argumental, ya que hablamos de una lógica de segregación que no sólo mutó al exterminio radical y sistemático, sino que hizo del eufemismo un recurso fundamental” (SNEH; COSAKA, 1999: 36), chegando mesmo a “acuñar un término específico para ello, Sprachregelung, que en alemán significa utilización del idioma a los fines del régimen”. Sneh e Cosaka (1999) comentam ainda que diversos recursos linguísticos “servían a la maquinaria del exterminio como lenguaje administrativo y como recurso de propaganda y ocultamiento, lo que permitía llevar a cabo las tareas de la matanza sin llamarlas por su nombre” (SNEH; COSAKA, 1999: 37), dessa forma, “palabras y expresiones de significado neutro o generalmente positivo, servían como denominación para el terror y el exterminio” (SNEH; COSAKA, 1999: 37). Dessa maneira, “borrada toda equivocidad, la lengua se convierte en un cementerio de palabras congeladas, un universo de ‘figuren’” (SNEH; COSAKA, 1999: 40). Sneh e Cosaka (1999) explicam que o termo ‘figuren’ tem o significado de “‘marionetas’ (y otros como schmattes -trapos- o stücken -piezas-)” (SNEH; COSAKA, 1999: 40) e “estaban obligados a usar bajo pena de muerte inmediata, los integrantes de los sonderkommando, es decir, los 'comandos especiales'” (SNEH; COSAKA, 1999: 40). Essa deshumanização da linguagem tornou, em grande medida, ainda mais dolorosa a vivência da brutalidade dos campos. Vários sobreviventes afirmam em seus testemunhos que as palavras das quais as diversas línguas dispõem são incapazes de fornecerem os recursos necessários para traduzir o absurdo de um campo de concentração e seu o horror extremo. Vê-se que “la vivencia de la muerte impelió a los participantes a una profunda deshumanización. Un ejemplo excelente de ello nos lo ha dado Primo Levi con su obra Si esto es un hombre” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.). O texto de Levi descreve o lento e doloroso “proceso de desvanecimiento de los elementos de identidad | 269 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves y pertenencia producidos por la violencia ejercida sobre los prisioneros del Lager” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.) com as seguintes palavras: (...) imaginemos ahora a un hombre a quien, además de sus personas amadas, se le quiten las casa, las costumbres, las ropas, todo, literalmente todo lo que posee: será un hombre vació, reducido al sufrimiento y a la necesidad, falto de dignidad y de juicio, porque a quien lo ha perdido todo fácilmente se sucede perderse a si mismo; hasta tal punto que se podrá decidir sin remordimiento su vida o su muerte prescindiendo cualquier sentimiento de afinidad humana. (LEVI apud PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.) Segundo Juan Pablo Patiño Káram (2007), a “deshumanización descrita por Primo Levi la representa simbólicamente Jorge Semprún a través de la muerte, como la vivencia de la muerte” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.), quando Semprún fala que nessa “experiencia del Mal, lo esencial es que habrá sido vivida como una experiencia de la muerte”, além disso, a experiencia do Mal e da morte “no es algo que hayamos rozado (…) La hemos vivido (…) Esto, por supuesto, sólo resulta decible de forma abstracta. O de soslayo...” (SEMPRÚN apud PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.). Jorge Semprún fundamentou a sua obra na alternativa radical – escrever ou viver. Segundo Patiño Káram (2007), “la pretensión de escribir para Semprún no es entonces una simple enumeración y descripción del horror sino una representación de la ‘esencia de la vivencia’: de esa muerte” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.). E isso “solamente puede conseguirse, según él, en la ficción. Esa es la estrategia utilizada en El largo viaje” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.) e nas obras analisadas nesta Tese, nas quais Jorge Semprún descreve o desamparo produzido pelo exílio e a “la degradación de la subjetividad del individuo producida por su estancia en el Lager” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.). Jorge Semprún descreve, assim como as outras testemunhas do Lager, a grande humilhação sofrida pelos sobreviventes que “implica también una pérdida irreparable de los individuos violentados por el régimen nacional-socialista. Semprún afirma: ‘una parte de mi esencial, no regresaría jamás’” (PATIÑO KÁRAM, 2007: s.p.). | 270 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Considerações finais: entre o (in)dizível, o (in)vivível e o (in)visível L’histoire de ce siècle aura donc été marquée à feu et à sang par l’illusion meurtrière de l’aventure communiste, qui aura suscité les sentiments les plus purs, les engagements les plus désintéressés, les élans les plus fraternels, pour aboutir au plus sanglant échec, à l’injustice sociale la plus abjecte et opaque de l’Histoire. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 267) Así pues, la historia de este siglo ha estado marcada a sangre y fuego por la ilusión mortífera de la aventura comunista, que habrá suscitado los sentimientos más puros, los compromisos más desinteresados, los impulsos más fraternales, para acabar desembocando en el fracaso más sangriento, en la injusticia social más abyecta y opaca de la Historia. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 276) Nesta pesquisa, procuramos analisar a organização discursiva das obras L’écriture ou la vie e Adieu, vive clarté.... Nosso referencial teórico-metodológico propiciou descrever o ato crítico (e ético) que envolve movimento de subjetivação e dessubjetivação na escrita da memória como estratégia de enfrentamento das questões: Como e por que narrar / reviver o trauma (in)dizível? Como e por que lembrar / contar o horror (in)vivível? Como e por que descrever uma imagem tão forte e desfocada que se deseja (in)visível? Vimos que a ficção possui uma dupla função narrativa: a irrealizante e a visualizante: “ao inverso da função irrealizante que culmina na ficção exilada no que está fora do texto da realidade inteira, é a função visualizante, sua maneira de dar a ver, que é exaltada aqui” (RICŒUR, 2007: 68). O ato de imaginar (isto é, colocar a imagem em ação: imaginação), nos possibilita diminuir a distância entre ausência e presença (distância essa que jamais será anulada por completo). A dicotomia entre uma memória que repete e uma memória que fabula, imagina e “ficcionaliza” não seria possível quando se toma a memória, não só como processo involuntário, mas também como evocação, busca e exercício de recuperação de imagens-lembranças. As deficiências / lacunas / assimetrias da memória, o fato de não podermos nos lembrar de tudo (da mesma maneira que não podemos saber de tudo ou relatar tudo), faz da memória uma mescla de repetição e inventividade, recordação e vazios, imagens evocadas e imaginação. Neste sentido, faz-se necessário destacar a influência das imagens cinematográficas na literatura após a Segunda Guerra Mundial é crescente, particularmente na literatura de Semprún, que se torna roteirista de filmes (por vezes diretor e até ator). Nesse sentido, pode-se perceber como atesta Lopes (2007): | 271 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Crescendo no pós-guerra, a influência do cinema como mensagem artística, e valorizando, de verdade, a importância da imagem, não cabia mais praticar-se uma literatura com detalhes exaustivos de descrição e narração, até com excesso de diálogos, surgindo uma literatura não apenas carregada de metáforas, mas como uma metáfora do princípio ao fim, usando-se mais o simbólico para expressar as situações, valorizando-se a narrativa intimista. (LOPES, 2007: 328). Para exemplificar a relação intrínseca entre imagem e escrita na obra Semprún, entretanto, não basta apenas lembrar-se dos roteiros cinematográficos escritos pelo autor. Temos que perceber a intensa relação intertextual que sua produção para o cinema entretece com sua criação literária e vice-versa, como por exemplo, quando o escritor (revestido da máscara de narrador) coloca em tensão (no romance Veinte años y un día, 2003) que sua narrativa, enquanto um construto, traz em si um teor ficcional sem o qual não existiria relato algum: “¿Cómo pretendes evitar que tu memoria o tu imaginación novelesca no desemboquen tan a menudo en la memoria histórica, si ambas están, en lo que se refiere al menos a este siglo XX, totalmente entrecruzadas, entreveradas?” (SEMPRÚN. Veinte años y un día. 2003: 25). A obra literária de Semprún, embora seja revestida da linguagem cinetatográfica, é mais alegórica que simbólica, no sentido atribuído a esses termos por Jeanne Marie Gagnebin. A alegoria, para Gagnebin (1994), se oporia ao símbolo, uma vez que: “na relação simbólica, o elo entre a imagem e sua significação (imagem da cruz e significação da morte de Cristo) é natural, transparente” (GAGNEBIN, 1994: 47), formando “uma unidade harmoniosa de sentido” (GAGNEBIN, 1994: 47). Por sua vez, “na relação alegórica (uma mulher com olhos vendados, segurando uma balança, como representação da justiça), o elo é arbitrário, fruto de uma laboriosa construção intelectual” (GAGNEBIN, 1994: 48). De acordo com Gagnebin (1994), “a alegoria sempre foi criticada por pretender uma tradução sensível do conceito, ao invés de fazer ver o sentido em sua imediaticidade” (GAGNEBIN, 1994: 48). A autora destaca, no entanto, que “não pode haver imediaticidade no conhecimento humano nem (...) evidência estética como a que o símbolo pretende concretizar” (GAGNEBIN, 1994: 48-49). Ademais, “a visão alegórica não pretende qualquer totalidade, mas instaura-se a partir de fragmentos e ruínas” (GAGNEBIN, 1994: 49). Por isso, “a visão alegórica funda-se sempre sobre a desvalorização do mundo aparente” (GAGNEBIN, 1994: 49) e “a arte moderna é tão [mais] realista” (GAGNEBIN, 1994: 49), quando, entre outros aspectos, “denuncia alegoricamente a crueldade destruidora da organização capitalista, do que quando | 272 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves pretende criar-lhe uma imagem coerente através da totalização simbólica” (GAGNEBIN, 1994: 49). As imagens da violência, do mal, dos campos, da guerra e do pós-guerra (produzidas / reproduzidas de várias maneiras e em diversos suportes), foram levadas ao cinema e à literatura por Semprún pelo viés da ficcionalidade. A memória autobiográfica sempruniana apoia-se tanto na ficção como na memória histórica, uma vez que ao olhar para seu passado, Semprún desnuda diversos acontecimentos conflituosos e marcantes da história da humanidade com um todo, se valendo do contexto social em que viveu como matéria criativa tanto das suas memórias quanto dos seus romances e ficções. Segundo Luiz Costa Lima (1984): “a ficção (...) não é uma especificidade da linguagem (verbal ou não verbal), confiada à literatura e às artes” (COSTA LIMA, 1984: 8), isso se evidencia pelo fato de que “há uma ficção cotidiana, como há uma ficção literária, as quais não se definem por si próprias, mas em função de um reconhecimento que lhes prestam ou deixam de prestar períodos e culturas” (COSTA LIMA, 1984: 8). Nas palavras de Semprún (1994): Mon problème à moi, mais il n’est pas technique, il est moral, c’est que je ne parviens pas, par l’écriture, à pénétrer dans le présent du camp, à le raconter au présent… Comme s’il y avait un interdit de la figuration du présent… Ainsi, dans tous mes brouillons, ça commence avant, ou après, ou autor, ça ne commence jamais le camp. Et quand je parviens enfin à l’intérieur, quand j’y suis, l’écriture se bloque… Je suis pris d’angoisse, je retombe dans le néant, j’abandonne… Pour recommencer autrement, ailleurs, de façon différente… Et le même processus se reproduit… (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 218-219) Mi problema, que no es técnico sino moral, es que no consigo, por medio de la escritura, penetrar en el presente del campo, narrarlo en presente… Como si existiera una prohibición de la figuración en presente… De este modo, en todos mis borradores la cosa empieza antes, o después, o alrededor, pero nunca empieza dentro del campo. Y cuando por fin he conseguido llegar al interior, cuando estoy dentro, la escritura se bloquea… Me alcanza la angustia, vuelvo a sumirme en el vacío, abandono… Para volver a empezar de otro modo, en otro lugar, de forma distinta… Y el mismo proceso vuelve a repetirse… (SEMPRÚN. La escritura o la vida.Trad. Thomas Kauf. 1995: 182) Jorge Semprún insiste na necessidade da ficção literária para representar eventos limites que extrapolam a verossimilhança, mas reconhece não se tratar de uma tarefa fácil, já que pode exceder limites considerados “intransponíveis” tanto pela ética como pela estética. Apesar de não acreditar na impossibilidade da narrativa da catástrofe, Semprún destaca a incomunicabilidade que surge no texto que trata de uma situação que foi invivível, isto é, considerada humanamente impossível de ser suportada, extrapolando as | 273 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves barreiras de identificação entre narrador/destinatário por não alcançar a imaginação de “algo realizável”, “vivível” pelo ouvinte ou leitor. Assim, apenas através da recriação artística, literária, esteticamente trabalhada, se poderia lograr uma narrativa eficaz (comunicável) da experiência traumática. Por isso, paradoxalmente, somente através da ficção é que a realidade poderia parecer “real”. A obra sempruniana é, assim, exemplar para estudar as tensões nas teorias do testemunho, que surgem majoritariamente da discussão de uma possível estetização do testemunho como gênero literário, isto é, escritas que incidem e indagam sobre a ética da representação, resvalando em duas vertentes principais: uma em que o elemento estético da obra sempruniana é negado, dando a ênfase ao teor histórico e a outra, em que o elemento estético é reivindicado como condição mesma de escritura (como no caso das obras de Jorge Semprún). Com suas indagações acerca da relação sempre conflituosa entre o testemunho e a crítica do testemunho, Moreiras (2001) assinala que “a crítica do testemunho difere do testemunho em si de maneira muito especial, que não é paralela à maneira em que a crítica literária difere da prática literária” (MOREIRAS, 2001: 256), isso ocorreria devido à distância experiencial entre os dois sujeitos textuais, “entre o enunciador e o receptor, em torno de que o testemunho está essencialmente construído, o enunciador do testemunho só pode tornar-se ‘um de nós’ à medida que sinaliza ser primeiramente outro” (MOREIRAS, 2001: 257). Para Moreiras (2001), existe um perigo eminente de que a crítica fetichize o testemunho apenas como objeto literário, disciplinar, esquecendo-se de que ele sinaliza a irrupção de um novo tipo de política, que deve ser acompanhada também pela busca de “uma política alternativa de saber” (MOREIRAS, 2001: 260). Semprún-protagonista (enquanto personagem principal de dois dos seus livros aqui analisados, L’écriture ou la vie e Adieu, vive clarté...) parece-nos viver um processo psicológico que, inicialmente produziu um estado de forte excitação por esquecer, seguido de ímpetos de destruição e depois de uma letargia profunda, que o induzia à apatia, à inanição, à loucura ou mesmo à morte. A escrita, para ele, foi uma forma de escapar disso tudo. Na leitura de Txetxu Aguado (2004), “en un primer momento Semprún busca los medios que le permitan afirmar su voluntad de vivir, de vivir con el sentido de archivo, convirtiendo el proceso escritural en un acto balsámico” (AGUADO: 2004: 171). Aguado (2004) analisa que a escrita semprunina se converte “en el elemento esencial del proceso de curación para asimilar y poner el recuerdo de Buchenwald de | 274 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves lado, y para volver a la vida” (AGUADO: 2004: 171-172). No entanto, segue dizendo Aguado “la muerte vuelve siempre para reclamarse como una experiencia fundacional porque después de haberla 'vivido', se deviene un aparecido, un fantasma de lo que una vez se fue” (AGUADO: 2004: 171-172). Para Aguado, esse processo de voltar da morte como uma aparição, inexoravelmente diferente do que se era antes, torna ainda mais difícil a escrita autobiográfica, “por ello la escritura resulta más complicada de lo que en un principio pudo parecer” (AGUADO, 2004: 172). Para justificar sua afirmação, o pesquisador cita a seguinte frase de Semprún: “sólo puedo vivir asumiendo esta muerte mediante la escritura, pero la escritura me prohíbe literalmente vivir” (SEMPRÚN apud AGUADO, 2004: 172). A literatura de testemunho (enquanto uma modalidade de escrita autobiográfica que se encontra no cerne da literatura comparada) representa, assim, uma retomada da posição de escuta da vivência e da voz do outro, e, ao mesmo tempo, desnuda que essas vozes possuem ideologia e lugar social. Além disso, contribui para a explicitação do teor testemunhal da literatura como um todo, pois amplia a questão fundamental da literatura que é: a constatação de que o ficcional continua sendo a possibilidade mais relevante de dar conta do real e, por conseguinte, dos eventos traumáticos que resistem a qualquer objetivação (não)simbólica. Na literatura de testemunho o pensamento interdisciplinar e as teorias itinerantes são requisitados de forma eminente: ela instaura, de maneira totalmente dialética, um lugar onde as várias tradições de pensamento se entrecruzam, se iluminam mutuamente, situando as vertentes críticas do testemunho no ponto de convergência entre História, Psicanálise, Filosofia, Literatura e outras Artes, pois, essencialmente, lida com conceitos operantes e indispensáveis às Ciências Humanas, tais como particular, universal, sujeito, memória, trauma, catástrofe, narrativa, real, ficção, imaginário, língua, identidade, nação e pátria; segundo Elcio Cornelsen (2007): Portanto, ao refletirmos sobre a noção de espaço ficcional, necessitamos ativar uma série de outras categorias, dentre elas: a memória, quando lidamos com a representação de um espaço do passado; a mimese, quando estiver em jogo a crença na possibilidade de representação da realidade; a topografia, quando nos depararmos com um determinado tipo de espaço, como, por exemplo, o urbano; a sociedade, quando enfocarmos os elementos sociais que constituem um determinado espaço, uma vez que “escrever é esboçar mapas dos espaços sociais, investigar a instabilidade desses mapas e a dimensão ficcional de tais espaços” (SANTOS. Paul Auster topógrafo: o espaço urbano contemporâneo, p. 107). (CORNELSEN, 2007: 83). | 275 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves O gesto de enunciação sempruniano encena, sobretudo, o vazio lacunar e as rasuras intrínsecas ao ato de rememorar: o autor se insere no espaço-mundo (extra e intraliterário) como sujeito afetivo / cognitivo, imbuído de linguagem ética / estética, na tarefa de testemunhar o descontínuo do tempo, a instabilidade dos espaços, sem ocultar a existência mesma dessa descontinuidade temporal e espacial da narração empreendida por ele. Semprún desnuda esteticamente o fato de sua narrativa ser, ao mesmo tempo, produto de uma construção, repleta de saltos, vazios, rupturas e incompreensões, inscrita na encruzilhada estabelecida entre o espaço-tempo crônico (a História), o espaço-tempo cronológico (o passado) e o espaço-tempo psicológico (a percepção sobre o passado, os “eus” de antes e os “eus” de agora). Ademais, o autor mostra a não coincidência entre o espaço-tempo das vivências e o espaço-tempo da escrita (que, por sua vez, se desdobrará em diversos espaços-tempos de leituras). Semprún rastreia várias “línguas” e disciplinas para escrever esse “saber paradoxal” produzido pela literatura, que “baseia-se na geração de imagens simultaneamente inusitadas e familiares” (SANTOS, 1997: 187), isto é, se pauta “na busca de um efeito de identificação do real que é tão mais intenso quanto maior o estranhamento produzido” (SANTOS, 1997: 188). Dessa forma, Semprún é exemplar para percebermos e analisarmos as imagens-lembranças que ficam latentes e tardam a serem registradas em memórias escritas, sendo silenciadas por longos períodos de latência. Imagens que “também remetem ao indizível, mas não por sua falta, e sim por conta de um excesso” (SELIGMANN-SILVA, 2012: 65), hiperimagens que são “inimagináveis” (SELIGMANN-SILVA, 2012: 65) e “tendem a um campo da inscrição mnemônica que não é nem o do simbólico, nem o da imaginação. São como marcas do real, ou seja, manifestação daquilo que consideramos o insimbolizável e o inimaginável” (SELIGMANN-SILVA, 2012: 65); para Seligmann-Silva (2012): Essas imagens são tanto visuais e podem ser contempladas por todos, sem perder sua característica de hiperimagem, como também são “não-imagens privadas”, que foram cauterizadas na parede da memória de indivíduos ou de coletividades. Elas têm por característica uma particular resistência ao tempo, apesar de não podermos dizer que são imagens da memória em sentido estrito, já que são também, a seu modo, imagens do esquecimento. Hiperimagens estão ligadas a fatos que possuem uma fortíssima carga emocional. Essa emoção determina uma conformação sui generis da imagem, como que a congela para além do ser estático das imagens sem movimento de um modo geral. Estamos falando de imagens gorgôneas, petrificantes, como se nelas o real tivesse se petrificado e elas possuíssem a capacidade de nos contaminar com essa disposição ao estarrecimento. A intensidade emocional ligada a essas imagens normalmente tem uma origem em fatos violentos, muitas vezes relacionados à morte. (SELIGMANN-SILVA, 2012: 65-66). | 276 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves As imagens evocadas pelo discurso da memória sempruniana acarretam tanto a questão da ficcionalidade como o âmbito do trauma, já que o trabalho de recordação de Semprún configura-se no intento de recuperação de um original que se que esquecido e que se torna ficção ao ser alterado pela narrativa a cada vez que se tenta resgatá-lo. Sobre o que fica recalcado / latente após o evento traumático, Resina (2012) cita o “período de incubación” (FREUD apud RESINA, 2012: 42) assinalado por Freud como “el tiempo transcurrido entre el accidente y la aparición de los síntomas (...). Se trata del rasgo que podríamos llamar latencia” (FREUD apud RESINA, 2012: 42). Essa latência se verifica em Semprún em diversos aspectos: em sua relutância e dificuldade em escrever no período imediato a sua libertação e, após longos anos sem testemunhar o trauma, na deliberada avalanche de publicações sobre o mesmo tema (sua vivência de Buchenwald, sua atuação na militância comunista e seu desligamento do partido). Esse jogo interativo e contínuo da escrita de Semprún entre verdade e verossimilhança, entre o visto e o imaginado, o presenciado e o ouvido reflete-se bem, a nosso ver, na seguinte frase de Gabriel García Marquez: “a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la” (GARCÍA MÁRQUEZ, 2003: 353). A obra sempruniana se apresenta, também, como totalmente metalinguística, pois tem como fio narrativo a sua própria composição, em que o titubeio da narrativa entre figurar o mal e, ao mesmo tempo, assegurar uma ética da representação do horror para não banalizá-lo, apresenta-se como a dificuldade, não somente de narrar o trauma, mas de encontrar formas e razões de fazê-lo de maneira não indecente, não obscena: como passar um sentimento tão particular para uma linguagem tão universal? Como se dá a fusão entre particular e público na memória testemunhal? Cabe aqui lembrar as palavras de Antônio Torres Montenegro (2013): “há que se reconhecer que a memória coletiva tem uma dimensão subjetiva, que a distingue, de forma bastante específica da história” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19). A memória coletiva representa um arsenal de fatos, acontecimentos, situações que está em constante, contínua e variada reelaboração: “tanto o grupo como o indivíduo operam estas transformações. Embora parta do real, do fato, do acontecido, o processo da memória se descola e passa a operar através de uma dimensão onde as motivações inconscientes e subjetivas” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19) atuam significativamente. Na tarefa paradoxal de transmissão e reconhecimento da “irrepresentabilidade” da experiência da catástrofe, as narrativas de traumas de guerra assumem o caráter | 277 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves paradoxal, tenso, discordante e intempestivo da ficção sobre o caos real prenhe de horror. O texto ficcional contém muitos fragmentos identificáveis da realidade, que, através da seleção, são retirados tanto do contexto sociocultural, quanto da literatura prévia ao texto. Assim, retorna ao texto ficcional sempruniano uma realidade de todo reconhecível, posta, entretanto, agora sob o signo de “artifício” e uma apresentação em que se estabelece “o jogo mutuamente fecundante entre a imaginação e a reflexão” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 95), jogo este que permite a invenção. Tomamos de empréstimo os dizeres a continuação, por constatarmos que Semprún mostra-nos abertamente a relação intrínseca existente entre a política e sua escrita testemunhal: O gesto de inventar (...) possui um caráter fundamentalmente político na medida em que propõe uma efetiva intervenção nos modos de gestão e vivência dos espaços sociais, ou seja, nas formas de elaboração de uma realidade coletiva. Inventar não é propor uma ordem falsa, incompatível com a ordem do real, mas, ao contrário, é afetar o real, explorar o que o real tem de maleável, ampliando as margens de sua mutabilidade. (SANTOS, 1997: 108) Dessa forma, trabalhar com a memória não significa considerá-la apenas como um objeto de estudo, mas trata-se de uma tarefa ética quando a preocupação está relacionada ao resgate das utopias não realizadas no passado, que ainda estão pendentes de emancipação / realização: “desde meados do século XX (...) está se construindo uma nova ética e estética da historiografia” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 65). Cada vez mais, percebe-se que “é sempre a partir de como se institui o passado que são criadas as condições imaginárias para definições dos projetos políticos” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 16). Filósofos como Walter Benjamin contribuíram muito para propiciar essa guinada crítica. Benjamin denunciou em sua obra o “historicismo classista” dos vencedores e a necessidade de superá-lo ao propor uma compreensão da história “a contrapelo”, que recuperasse a história dos vencidos: “seguindo Benjamin, (...) vale afirmar: é nos fenômenos-limite que o pensamento encontra os (des)caminhos / desvios que permitem melhor desdobrar as ideias” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 65); a ilusão falaciosa de uma representação total ou imparcial da história, os “conceitos iluministas – que estavam na base da historiografia –, como o de progresso e o de ascensão linear da história, também deixam de ter sentido” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 65). Na visão benjaminiana, “o historiador materialista – ou seja, anti-historicista – deve visar à construção de uma montagem: vale dizer, de uma collage de escombros e fragmentos de um passado que só existe na sua configuração presente de destroço” | 278 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves (SELIGMANN-SILVA, 2006: 70). O arquivo histórico deve estar aberto e permitir outras leituras, outros registros, para evitarmos o equívoco de acreditarmos na “traduzibilidade total do mundo / do passado” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 64). Nas palavras de Benjamin: “O historicista apresenta a imagem ‘eterna’ do passado, o materialista histórico faz desse passado uma experiência única. Ele deixa a outros a tarefa de se esgotar no bordel do historicismo, com a meretriz ‘era uma vez’” (BENJAMIN, 1996: 230-231). Então, a referência à história como também um discurso, uma narrativa (como uma tradução, que não se efetua sem o trabalho da imaginação) não deve ser feita através de uma desconsideração da questão ética: “pode-se falar em uma ética da representação do passado que implica nossa dívida para com os mortos” (SELIGMANN-SILVA, 2006: 64). Neste sentido, “o historiador constrói sua narrativa, sua versão, seu mosaico” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19), que “se apresenta bastante distinto do que foi vivido; no entanto, ele se ancora nos elementos resgatados da realidade, em outras histórias já produzidas” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19). Dessa dorma, esse “processo de construção ou de produção opera em uma dimensão em que, partindo do real, do acontecido, a memória – como elemento permanente do vivido–, atende a um processo de mudança ou de conservação” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19). Vale pensar, então, em escritas literárias, como a sempruniana, que buscam uma explosão no continuum, uma autorreflexão nas maneiras de contar/narrar a(s) história(s)/memória(s). E, por assim dizer, acabam se colocando no limiar entre ética e estética, no sentido de tocar nas regiões do real, do ficcional e do imaginário. Narrativas que possibilitam a imersão de marcos históricos no campo das memórias, dos imaginários e que proporcionam o debate em torno desses conceitos não só como pontes que permitem o caminhar do pensamento, mas também como definições que se apresentam como respostas ao contexto social ao qual se vinculam: “a memória tem como característica fundante o processo reativo que a realidade provoca no sujeito (...) formando todo um imaginário que se constitui em uma referência permanente de futuro” (TORRES MONTENEGRO, 2013: 19-20). Pode-se perceber que nas teorias que discutem as tensões entre memória particular e universal há uma textura política da qual não se pode fugir, e, nesse sentido, a literatura como fabulação da memória é a política se realizando enquanto textualidade. Nessa mesma direção argumentativa, ao comentar as relações entre literatura de testemunho e história literária, Valeria de Marco (2004) afirma que: | 279 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves A eleição de critérios estéticos na análise da literatura de testemunho supõe a interlocução do exercício crítico com a história literária. E o diálogo com a historiografia da literatura exige a consideração de obstáculos decorrentes de alguns limites dos pressupostos metodológicos consolidados nesse terreno. Talvez a dificuldade mais evidente seja a relativa aos parâmetros que regem as práticas de periodização. Na bibliografia sobre a literatura de testemunho, e nas obras da historiografia de diversas literaturas, nota-se a ausência da associação entre ela e a literatura moderna. Considere-se que nas histórias de diferentes tradições literárias há um consenso quanto a certos traços do perfil do texto moderno, nucleados em torno da exploração estética das propostas de várias vanguardas objetivada em alguns procedimentos: a fragmentação, a exposição da prevalência da forma, a pluralidade de vozes, a justaposição de imagens ou pontos de vista, a ruptura com a ilusão realista, os ensaios de representação dos movimentos psíquicos, o amálgama de diferentes linguagens etc. Nestes vários procedimentos pulsam uma aversão à linearidade ou à referencialidade e uma tendência a representar a crise da noção de sujeito no mundo da automação, da técnica e dos meios de comunicação de massas. No entanto, note-se que é subjacente a essa leitura dos textos certa interpretação da modernidade, quase nunca explicitada: se, por um lado, reconhece-se nela a ameaça ao indivíduo, mantém-se ainda a crença na razão iluminista, no progresso da ciência, na vocação civilizadora do Estado e no traço eufórico distintivo do artista, o possante criador. Dessa forma, nota-se nas interpretações ainda hegemônicas da modernidade uma resistência a reconhecer nela as marcas de um rosto prenhe de horror. (MARCO, 2004: 61) As imagens da dor e do trauma em Semprún são narradas na perspectiva do olhar do outro, isto é, ali onde só existe a dor e o mal cotidiano, o “Ser”, o eu que estava enclausurado nas guerras e no campo não é mais capaz de discernir entre si e os demais, entre os vivos e os mortos. No caso do campo, só lhes restam aos prisioneiros arrastarem sua sobrevida e, por isso, vão perdendo aos poucos a sensibilidade, a tal ponto de não terem mais medo: “Los SS a veces disparaban ráfagas a ciegas, tratando de obligar a los deportados a reunirse en la Plaza donde pasaban lista” (SEMPRÚN, 1995: 20); “¿pero cómo aterrorizar a una multitud determinada por la desesperación, que está más allá del umbral de la muerte?” (SEMPRÚN, 1995: 20). Ao tratar das imagens fotográficas tiradas por membros dos SS em Auschwitz, Didi-Huberman nos lembra de que “para recordar hay que imaginar” (DIDI-HUBERMAN, 2008: 55). No ato de ver o sujeito se implica de tal forma que não há como dissociar o olhado do que olha. O olhar é uma operação do “eu” e, portanto, congrega consigo a fenda inquieta e agitada da névoa e do recorte, presente em tudo que há subjetividade. Vemos o que nos olha (DIDI-HUBERMAN, 2008: 169), pois não podemos separar o que vemos do que acreditamos que vemos, isto é, dos discursos e pensamentos que fazem parte de nosso “eu”. O que podemos e devemos fazer é, segundo Didi-Huberman (2006), perscrutar “o entre”. | 280 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Intertextualidade e autoficção: várias facetas biográficas de Semprún Un hombre se propone la tarea de dibujar el mundo. A lo largo de los años puebla un espacio de imágenes de provincias, de reinos, de montañas, de bahías, de naves, de islas, de peces, de habitaciones, de instrumentos, de astros, de caballos y de personas. Poco antes de morir, descubre que ese paciente laberinto de líneas traza la imagen de su cara. (Borges, Jorge Luis. El hacedor. Epílogo. Barcelona: Alianza Editorial, 1960) Vimos ao longo desta Tese que Jorge Semprún, ao contar sua vida, cria sua própria identidade, marcada pelas nuances multi facetarias, pelas suas vivências diversas e multifuncionais. Sua narrativa autobiográfica introduz muitos elementos autoficticíos. De fato, a autoficção é, em Semprún, uma ferramenta visível e explicitada em todas as suas obras, mesmo naquelas que a ficção se sobreprõe ao termo “auto” (tal como no romance Veinte años y un día). Sua identidade autobiográfica aparece nas obras de forma intertextual e fragmentada, remetendo a cada etapa de sua vida, como por exemplo: a Guerra Civil Espanhola noticida e vivida pelos seus familiares em sua infância e o seu exílio vivido na adolescência (Adieu, vive clarté.../ Adiós, luz de veranos...); a viagem ao desconhecido após ser preso e torturado pela Gestapo (Le grand voyage / El largo viaje); seu trabalho na clandestinidade política na luta contra o franquismo empreendida pelo Partido Comunista Espanhol (Autobiografía de Federico Sánchez); sua desilusão com o comunismo e a necessidade de livrar-se dos seus traumas vivenciados no campo de concentração, no exílio e na luta partidária (L’écriture ou la vie /La escritura o la vida); sua atuação como Ministro da Cultura da Espanha (Federico Sánchez se despide de ustedes); sua necessidade de trabalhar a memória da Guerra Civil Espanhola, contribuindo para a transição democrática (Veinte años y um día). É fundamental perceber, segundo Lies Theeten (2008), “de qué manera el autor se da las diferentes identidades y cómo su identidad múltiple ha tenido un impacto en su modo de escribir” (THEETEN, 2008: 6), sendo a intertextualidade “un fenómeno muy frecuente en las obras de Semprún que también podemos considerar como un medio que utiliza para crearse esta múltiple identidad” (THEETEN, 2008: 6). Como vimos, Semprún estabelece em suas obras um método bastante eficaz de elidir o silêncio através de um tecido de autocitações autobiográficas. Philippe Lejeune (1975) na obra Le pacte autobiographique, define autobiografía como “récit rétrospectif en prose qu’une personne réelle fait de sa propre existence, lorsqu’elle met l’accent sur sa vie individuelle, en particulier sur l’histoire de sa | 281 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves personnalité” (LEJEUNE, 1975: 14), assim, etimológicamente, autobiografìa significa um relato que alguém escreve sobre si mesmo e quase sempre essa narrativa ocorre em primeira pessoa, coincidindo, portanto, a identidade do narrador com a identidade do personagem principal. Além disso, o protagonista, por sua vez, é o prórpio escritor: “C’est ce que Gérard Genette appelle la narration «autodiégétique» dans sa classification des «voix» du récit, classification qu’il établit à partir des oeuvres de fiction” (LEJEUNE, 1975: 16). Existe, também, um tipo de autobiografia em que “el autor habla de sus propias experiencias pero al mismo tiempo añade acontecimientos y/o personajes completamente inventados, es decir ficticios” (THEETEN, 2008: 6), ganhando portanto um status diferente, denominado comumente de autoficção. Na obra El pacto ambiguo: de la novela autobiográfica a la autoficción, Manuel Alberca (2007) afirma que a autoficção seria como “un experimento de reproducción literaria asistida” (ALBERCA, 2007: 15), que consistiria em “tomar genes de los dos grandes géneros narrativos, novela y autobiografía, y mezclarlos en la probeta” (ALBERCA, 2007: 15). Para Federico Campbell (2006), o termo autoficção “pasó a ser de uso común en la crítica literaria, en un sentido más vago y más general para referirse a ese espacio que se crea entre una autobiografía que no quiere decir su nombre y una ficción que no quiere despegarse de su autor” (CAMPBELL, 2006: s.p.). A estrutura do texto semprunian o pode ser lida como um entrelaçamento entre seu compromisso ético e seu estilo literário, esteticamente fragmentário, intertextual e espaço-temporalmente difuso. Assim, as obras testemunhais e autobiográficas de Semprún estudadas nesta Tese se valem do recurso da autoficção literária, embaralhando assim, “as categorias de autobiografia e ficção de maneira paradoxal ao juntar, numa mesma palavra, duas formas de escrita que, em princípio, deveriam se excluir” (FIGUEIREDO, 2010: 2). Valendo-nos mais uma vez das palavras de Eurídice Figueiredo (2010), é preciso afirmar o quanto se faz perceptível que “a maneira de construir e encarar as categorias de autobiografia e ficção sofreu grandes transformações nos últimos 30 anos, e hoje as fronteiras entre elas se desvaneceram” (FIGUEIREDO, 2010: 1). Figueiredo (2010) lembra também, na esteira de Mikhail Bakhtin, que para escrever uma autobiografia, “deve tornar-se outro em relação a si mesmo, olhar-se com os olhos de outro” (FIGUEIREDO, 2010: 1), pois o “acontecimento estético, para se realizar, necessita de dois participantes, pressupõe duas consciências que não coincidem” (BAKHTIN, 2003: 20). Dessa forma, Figueiredo (2010) analisa, a partir de Philippe Vilain (2005), que a | 282 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves particularidade da imaginação autobiográfica “reside em sua capacidade de desdobramento narcísico que permite ao sujeito inventar para si um duplo, ideal ou não, e tornar possível uma forma de autoficcionalização” (VILAIN, 2005: 119 apud por FIGUEIREDO, 2010: 6), através do jogo especular. Segundo Figueiredo (2010), o temo autofiction foi cunhado por Serge Doubrovsky (1977) para qualificar seu livro Fils, explicando sua escolha com as seguintes palavras: Autobiografia? Não, isto é um privilégio reservado aos importantes deste mundo, no crepúsculo de suas vidas, e em belo estilo. Ficção, de acontecimentos e fatos estritamente reais; se se quiser, autoficção, por ter confiado a linguagem de uma aventura à aventura da linguagem, fora da sabedoria e fora da sintaxe do romance, tradicional ou novo. Encontro, fios de palavras, aliterações, assonâncias, dissonâncias, escrita de antes ou de depois da literatura, concreta, como se diz em música. Ou ainda: autofricção, pacientemente onanista, que espera agora compartilhar seu prazer (DOUBROVSKY, 1977: 10 apud FIGUEIREDO, 2010: 8). De fato, de acordo com Figueiredo (2010), Doubrovsky (1977) problematiza que “quando se escreve autobiografia, tenta-se contar toda sua história, desde as origens. Já na autoficção pode-se recortar a história em fases diferentes, dando uma intensidade narrativa própria do romance” (FIGUEIREDO, 2010: 8). Figueiredo (2010) argumenta, ainda que em conjunção com Philippe Vilain (2005) que a autoficção, tal como também concebida por Doubrovsky, seria “uma variante ‘pós-moderna’ da autobiografia na medida em que ela não acredita mais numa verdade literal, numa referência indubitável” (VILAIN, 2005: 212 apud FIGUEIREDO, 2010: 8), sabendo-se, portanto, uma “reconstrução arbitrária e literária de fragmentos esparsos de memória” (VILAIN, 2005: 212 apud FIGUEIREDO, 2010: 8). Essa estratégia se aproxima muito, a nosso ver, a obra de Jorge Semprún que, tendo em mente o alerta de não banalização do termo lançado por Vincent Colonna (2004: 198), se encaixa no que Collona descreve como escritores que criam para si tanto uma personalidade como uma existência literária e cuja sintaxe textual se vale de artifícios marcadamente ficcionais. Para Philippe Gasparini (2008), é autonarração ou autoficção todo texto autobiográfico e literário cuja estrutura “apresenta numerosos traços de oralidade, de inovação formal, de complexidade narrativa, de fragmentação, de alteridade, de disparato e de auto-comentário, os quais tendem a problematizar a relação entre a escrita e a experiência (GASPARINI, 2008: 311 apud FIGUEIREDO, 2010: 8). Visualizamos, ao longo da argumentação empreendida nesta pesquisa, dessa forma o esforço sempruniano | 283 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves em transformar-se em outro para seguir sendo ele mesmo, para rememorar, selecionar imagens e compor um mosaico estilhaçado de memórias, demonstra seu compromisso ético-estético com a verdade, mesmo que esta se desnude sob o prisma da verossimilhança, da criação literária e da interpretação individual. Semprún encena, dessa forma, o que Philippe Lejeune (2005) descreve em relação à inscrição da estrutura autobiográfica, pertencente ao mesmo tempo e em um só ato a “um sistema referencial ‘real’ (em que o compromisso autobiográfico, mesmo passando pelo livro e pela escrita, tem valor de ato)” (LEJEUNE, 2005: 57) e, também, a “um sistema literário, no qual a escrita não tem pretensões à transparência, mas pode perfeitamente imitar, mobilizar as crenças do primeiro sistema” (LEJEUNE, 2005: 57). Vimos que em Adieu, vive clarté… / Adiós, luz de veranos... o passado da infância e da adolescência revelado / revisitado na narrativa sempruniana é também uma interpretação, isto é, uma releitura / uma revisão que não foge do olhar atento e crítico do adulto-escritor do momento presente. E, em L’écriture ou la vie / La escritura o la vida, todas as obras semprunianas anteriores ajudam no trabalho de (re)significação do passado, ora através da metacitação explícita, ora se insinuando nas dobras do relato, destacando a nosso ver que os escritores e, segundo Giorgio Agamben (2005), “os poetas – as testemunhas – fundam a língua como o que resta, o que sobrevive em ato à possibilidade – ou à impossibilidade – de falar” (AGAMBEN, 2005: 160). | 284 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Perplexidade e lucidez: o discurso literário-filosófico na obra sempruniana Escrever um romance significa, na descrição de uma vida humana, levar o incomensurável a seus últimos limites. Na riqueza dessa vida e na descrição dessa riqueza, o romance anuncia a profunda perplexidade de quem a vive. (BENJAMIN, Walter. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. 1994: 201) Escrever um romance significa levar o incomensurável ao auge na representação da vida humana. Em meio à plenitude da vida e através da representação dessa plenitude, o romance dá notícia da profunda desorientação de quem vive. (BENJAMIN, Walter. Trad. Modesto Carone. 1980: 60) Discutimos nesta Tese os conceitos de ética e estética que permeiam a obra sempruniana, verificando questões como: o embate entre perplexidade e lucidez em seu discurso literário-filosófico; as imagens e as metáforas semprunianas para comunicar o mal e o horror absoluto; as indagações semprunianas sobre Deus, justiça, liberdade, fraternidade, vivência e sobrevivência. A literatura sempruniana se faz, portanto, bem atual já que vivemos em uma época em que a perplexidade está difundida, permeando as relações sociais, entretanto, raramente esses pensamentos perplexos se tornam críticos, lúcidos. Percebemos, através da obra de Jorge Semprún, que é por meio da compreensão de como se dá esse processo alienante no sujeito, visto em todos os seus mecanismos, que podemos visualizar sua superação ou o alcance da consciência / lucidez que leva à transformação. Entretanto, é sempre difícil estabelecer alguma lucidez quando se trata de acontecimentos dos quais não temos distanciamento temporal para ter a maturação fundamental para a reflexão. Outro fator que contribui para que o sentimento de perplexidade não gere lucidez é a incessante obsessão pelo crescimento econômico e pelo sistema de valores que lhe é subjacente, que criou um meio ambiente físico e mental extremamente insalubre. Nesse panorama, os sujeitos perplexos se vêem afundados no mar discursivo em busca da necessária lucidez operativa ao pensamento / razão. A sociedade ocidental (e, devido à globalização e à difusão mundial do capitalismo, grande parte da sociedade oriental passou também a ter esse comportamento) continua se orientando por informações presumidas de totalmente racionais, no sentido de que há de se ter evidências e provas para todas as questões existentes. Porém, nos embates entre teorias científicas, muitos se esquecem de que essas evidências e provas estão em constante revalidação, sujeitas à reformulação e a novas descobertas, já que o | 285 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves racional e o intuitivo são modos complementares de funcionamento da mente humana. O pensamento racional é linear, concentrado, analítico. Pertence ao domínio do intelecto, cuja função é discriminar, medir reclassificar. Nesse sentido, o conhecimento racional tende a ser fragmentado, já o conhecimento intuitivo, por outro lado, baseia-se numa experiência não-intelectual da realidade, em decorrência de um estado ampliado de percepção consciente. Tende a ser sintetizador, holístico e não linear. Vemos assim, ao caminhar nos “senderos labirínticos de la perplejidad” (SEMPRÚN, 1989: s.p.), a necessidade de se pensar e de se trabalhar a razão também no sentido a ela conferido pela arte (não só como técnica e estudo, mas também como intuição, como fruição estética). Jorge Semprún enumera, no discurso De la perplejidad a la lucidez (pronunciado em 19 de março de 1989), vários intelectuais judeus (que agindo como poetas-filósofos) explicitaram com lucidez os eventos catastróficos, a partir de uma “perplejidad positiva operativa” (SEMPRÚN, 1989: s.p). Entre aqueles “que han elaborado los principios de una moderna Guía de Perplejos” (SEMPRÚN, 1989: s.p.), se destaca, como já referido, Walter Benjamin. A escrita benjaminiana carregada de reflexões ora proféticas, ora denunciadoras, nos permite um enfoque totalmente atual da sociedade contemporânea, marcada por contradições, conflitos, rupturas e continuidades. Vemos o termo atual no sentido atribuído por Seligmann-Silva (2010) no livro A atualidade de Walter Benjamin e de Theodor Adorno: a atualidade não se resume ao ponto de vista meramente pragmático, mas ganha em Benjamin e em Adorno matizes que apontam para “a capacidade de uma ideia ir ao encontro de seu presente de modo a possibilitar uma mudança” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). Assim, “o texto de análise voltado para a atualidade é abertamente parcial em mais de um sentido. O ‘atualizador’ não teme cortar e recortar o fato cultural que ele estuda” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). Segundo Seligmann-Silva (2010): “trata-se de um modo diverso do que normalmente se pratica na crítica acadêmica, pois a escrita voltada para a atualização está mergulhada na atualidade e não pode ser simples encômio e comemoração” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). Nessa linha de raciocínio, “o autor que busca a atualidade de um pensamento parte de um diagnóstico de seu presente. Atualizar implica estar atento para o que se passa no presente do autor que escreve agora” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). Dessa maneira, “a atualização busca um curto circuito entre o ocorrido e o agora. Trata-se de um ato de memória e, como toda modalidade de atuação, parte de um conceito forte de agora” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). | 286 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Para Seligmann-Silva (2010), os ensaios de Walter Benjamin colocam a pleno vapor a atualidade da filosofia, pois, são capazes de “mobilizar ainda hoje não tanto abordagens filosóficas, mas, antes leituras vitais (...) para pensar de modo inteligente e ativo no nosso contexto de habitantes do século XXI” (SELIGMANN-SILVA, 2010: 11). O pensamento plural de Benjamin motiva a perplexidade frente ao real e ao imaginário. Sua ensaística, ao criar metáforas capazes de levar o leitor à mais profunda reflexão a respeito do ser e da condição humana, o leva também a questionar a pretensa capacidade do intelecto em conhecer e demonstrar a verdade (‘abstendo-se’, para isso, das emoções e das intuições). Muitas das metáforas benjaminianas acabam por se fixar como interrogações nas mentes filosóficas devido à paradoxal sensação que causam ao nos possibilitar, no mesmo único ato de leitura, o sentimento dual de perplexidade e de lucidez. Para Jorge Semprún, a “esencia misma del quehacer filosófico” (SEMPRÚN, 1989: s.p.) é essa capacidade de nos fazer perplexos e lúcidos ao mesmo tempo: “no hay reflexión teórica digna de este nombre, en efecto, que no arranque del asombro, de la duda. De la perplejidad, en fin de cuentas” (SEMPRÚN, 1989: s.p.); em outros termos: “un pensamiento afincado en la certeza absoluta de sus propios postulados o puntos de partida no sería tal, en verdad. Sólo sería discurso monolítico, dogmático monólogo” (SEMPRÚN, 1989: s.p.). Aplicamos essa constatação também à literatura. Nas palavras do filósofo espanhol José António Zamora (2009):49 É muito curioso, por exemplo, quando Benjamin se fixa em tipos humanos que povoam o que hoje chamaríamos de shopping, mas que naquela época eram as passagens parisienses. Então, o filósofo fala da relação que os sujeitos têm quando estão na massa, quando estão nessas concentrações humanas. E ele se dá conta de que os passeantes se exibem diante dos outros, se vendem diante dos outros, adquirem eles mesmos o caráter de mercadoria que se oferece ao outros. O que Marx havia analisando, que o homem vende a sua força de trabalho e se converte em mercadoria no mercado [laboral] (...), é insuficiente para entender o capitalismo na época posterior e atual. E Benjamin rastreia uma forma de conversão dos sujeitos em mercadoria que tem a ver com o fetichismo da mercadoria, com a aura alucinatória, com a experiência estética, cultural com a mercadoria, não material. Pensemos que ele está escrevendo nos anos 1920-1930 do século passado, então se supõe um adiantamento, uma [alta] lucidez. (ZAMORA, 2009: 35-36) Flávia Belo Rodrigues (2006), usando como paradigma José Saramago (especificamente as obras Ensaio sobre a cegueira e Ensaio sobre a lucidez), demonstra 49 ZAMORA, José António. “Walter Benjamin e o império do instante”. Entrevistado por Márcia Jungués. Trad. Moisés Sbardelotto. Em: IHU – Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Edição 313 São Leopoldo: pp.34-39, 03 de novembro de 2009. | 287 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves que podemos pensar nos embates filosóficos do mundo presente em termos de “cegueira” e “lucidez”, onde crescem os desconcertos, as desorientações e as perplexidades que não chegam a fazerem-se lúcidas. A pesquisadora destaca que o olhar está em crise pelo excesso de perplexidade que não se converte em reflexão, mas sim vira cegueira ou alienação, já que os sujeitos estão sendo cada vez mais anestesiados pelo treino de insensibilidade dos meios de comunicação. Para corroborar sua reflexão, ela cita a seguinte fala de Win Wenders no documentário Janela da Alma: (...) temos muitas coisas em excesso nos dias de hoje. A única coisa que não temos suficiente é tempo, (...) e ter tudo em excesso significa que nada temos. A atual superabundância de imagens significa, basicamente, que somos incapazes de prestar atenção. Somos incapazes de nos emocionarmos com as imagens. Atualmente, as histórias têm de ser extraordinárias para nos comoverem, porque as histórias simples... não conseguimos mais vê-la. (WENDERS apud RODRIGUES, 2006: 31) Segundo Rodrigues (2006), “é curioso notar que ‘alienação’ pode significar também loucura (‘alucinar, perturbar’)” (RODRIGUES, 2006: 24). Dessa forma, a alienação (termo que se opõe tanto à perplexidade quanto à lucidez) é logo relacionada a uma fragmentação ou a uma verdadeira falta de consciência da realidade ao redor e/ou do panorama político. Flávia Rodrigues (2006) destaca também o consumismo e a obsolescência programada dos produtos como outras formas de alienação: “o sujeito é apenas o que tem. Se nada possui, nada consegue ser. (...) Consumir consiste em um círculo vicioso gerado por necessidades criadas pela mídia e não por necessidade real”. (RODRIGUES, 2006: 30). Dessa forma, prossegue refletindo Rodrigues (2006), o sujeito adquire determinados objetos que se tornarão obsoletos e serão rapidamente descartados, em um ciclo do qual não se libertará sob o risco de perder o seu próprio valor como cidadão (que hoje é tido como um cliente, mero consumidor). Na análise de José Saramago, no documentário Janela da Alma, transcrita e citada por Rodrigues (2006): (...) a ditadura hoje é econômica! (...) poderia-se chamar também de ‘capitalismo autoritário’. Numa situação dessas em que as pessoas são levadas a crer que o melhor é triunfar na vida, e triunfar é ter muito, ter o mais que se possa, três automóveis em vez de um, duas, ou três ou quatro, quer dizer, tudo aquilo, todos os bens, quer dizer tudo aquilo a que se chamam bens. Essa máquina de produção de bens, muitas vezes inúteis, que nos obriga a comprar, (...). O conceito de cidadão, que nos vem do século XVIII e que mais ou menos se manteve até os dias de hoje foi substituído por cliente. Nos converteram em clientes, somos consumidores nada mais! E isto põe, creio que sim, graves problemas. (SARAMAGO apud RODRIGUES, 2006: 30-31) | 288 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Pensamos, juntamente com Semprún, que só a lucidez permite ao indivíduo identificar, citando Walter Benjamin (1996: 225), o cortejo dos despojos que são os bens culturais50 (Tese 7) e atentar para aquilo que Benjamin (1996: 226) chama de o estado de exceção que já é regra51 (Tese 8). Uma lucidez perplexa ou uma perplexidade lúcida capaz de empreender a tarefa de escovar a história a contrapelo. No entanto, infelizmente, parece possível que, mesmo depois de experiências intensas de lucidez e perplexidade, ainda exista a possibilidade do retorno da cegueira-alienação, como em um movimento pendular. Percebe-se que o pensamento lúcido não é algo que, uma vez conquistado, não possa mais ser perdido, devendo, portanto, ser buscado incessantemente, sendo sobreposto, a cada novo dia, à alienação Nas palavras de Jorge Semprún, devemos ser “espíritu[s] perplejo[s], (...) pero ansioso[s] de reconquistar a cada momento, y por arriesgada que sea, intelectual o humanamente, la lucidez operativa de la opción moral, de la acción política” (SEMPRÚN, 1989: s.p.). 50 “Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão. Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe. Esses despojos são o que chamamos bens culturais” (BENJAMIN, 1996: 225). 51 “A tradição dos oprimidos nos ensina que o "estado de exceção" em que vivemos é na verdade a regra geral. Precisamos construir um conceito de história que corresponda a essa verdade. Nesse momento, perceberemos que nossa tarefa é originar um verdadeiro estado de exceção; com isso, nossa posição ficará mais forte na luta contra o fascismo” (BENJAMIN, 1996: 226). | 289 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Indagações semprunianas: o que é sobreviver? O que é liberdade? Como pode ainda existir vida depois de ter vivido tudo isso? Para Primo Levi não houve essa possibilidade; para Semprun, sim. Ele se deu conta finalmente de que todos os personagens de sua vasta obra literária nada mais eram do que cadáveres inventados, um engodo que ele agitava tal como o pano do toureiro frente ao touro mortal: “É dessa maneira que eu me esquivava, que eu a distraía. O tempo que a morte perdia - tão brava e estúpida quanto um touro de combate - em adivinhar que mais uma vez só tinha conquistado um simulacro, era para mim uma vitória, eu ganhava tempo”. Os personagens de seus romances funcionavam como se, no momento em que o balão tivesse perdendo altitude, ele jogasse um saquinho de areia - o balão tornava a subir. Quando a morte se aproximava, jogava outro saquinho, alimentava-a por meio das figuras de seus romances. Finalmente, descobriu que “A morte enfiava os seus dentes sobre cadáveres de sonho”. Um grande escritor. Cadáveres de sonhos são fantasias que as pessoas oferecem à morte.52 (FORBES, Jorge. Em: “Do insulto e do elogio”, 1999) Nesta Tese, procuramos analisar importantes questões acerca da constituição identitária de Jorge Semprún construída por meio da escrita literária, tendo como recorte de investigação as obras L’écriture ou la vie (1994) e Adieu, vive clarté… (1998). Vimos que Semprún sobrevive tanto às guerras, à tortura da Gestapo, ao campo de concentração e à clandestinidade, como à sua dificuldade de viver com essas lembranças e, à relutância mesmo, de dedicar-se a escrevê-las sem, no entanto, desistir de prosseguir com sua vida, isto é, entregar-se ao risco do suicídio. O essencial para Semprún, em todos esses acontecimentos de sua vida, era não se entregar. Era sobreviver para contar, para testemunhar, para não deixar aquilo impune, esquecido, obliterado, maquiado. Para Semprún, como para todos aqueles que deixaram registrado seus testemunhos, a escrita do sobrevivente se vincula, de forma inextrincável, à memória daqueles que não sobreviveram para contar. Isso significa, segundo Seligmann-Silva (2003: 55), que escrever é também uma forma de dar túmulo aos mortos, para que não sejam esquecidos. As obras de Semprún corroboram com essa afirmação e destacam a necessidade do registro ficcional na elaboração escrita das vivências traumáticas. Isso porque a reflexão sobre o horror, para Semprún, deve levar em conta não só a verdade como também a verossimilhança, não só o locutor como também o interlocutor, não só o fato ou a lembrança do mesmo, mas, sobretudo a forma como essa recordação será transmitida e recebida. Semprún declara, assim como outros escritores em sua mesma situação, ter sido 52 FORBES, Jorge. “Do insulto e do elogio”, 03/01/1999. | 290 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves esse o motivo central que o fez lutar com todas as forças pela sobrevivência: era imperativo sobreviver para contar / testemunhar o horror dos campos de concentração. Vimos que a literatura escrita por Jorge Semprún implicou, também no sentido de “sobreviver”, de atravessar os limites da vida, beirando, assim, a morte. Portanto, a nosso ver, o testemunho dado pela obra sempruniana é uma maneira de ultrapassar o contato com a morte ao desfazer-se do bloqueio traumático. Mesmo que o reencontro com as lembranças dos traumas venha a causar dor, para Semprún o ato de escrita significa vencer a morte, paradoxalmente, ao relatar a proximidade com a morte. Na reflexão de Primo Levi, em É isto um homem?: “Também neste lugar pode-se sobreviver, e para isso é preciso querer sobreviver” (LEVI, 2001: 40), tendo como principal propulsor da sobrevivência a possibilidade de dar testemunho. Para Levi, então, para sobreviver “é importante esforçarmo-nos para salvar pelo menos o esqueleto, os pilares, a forma da nossa civilização” (LEVI, 2001: 40), por isso também, continua Levi “temos, portanto, sem dúvida de lavar a cara sem sabão, na água suja, e limparmo-nos ao casaco. Temos de engraxar os sapatos, não porque a tal obriga o regulamento, mas por dignidade e propriedade” (LEVI, 2001: 40), e, mesmo sendo difícil, manter-nos eretos, “temos de caminhar direitos, sem arrastar as socas, certamente não em homenagem à disciplina prussiana, mas para nos mantermos vivos, para não começarmos a morrer” (LEVI, 2001: 40). Na reflexão de Jorge Semprún, para sobreviver é preciso desejar com todas as forças ser livre e, para ser livre, deve-se, por sua vez sobreviver; tendo isso em mente, encerramos esta Tese com as palavras do autor: Nous tous qui allions mourir avions choisi la fraternité de cette mort par goût de la liberté. § Voilà ce que m'apprenait le regard de Maurice Halbwachs, agonisant. § Le regard du S.S., en revanche, chargé de haine inquiète, mortifère, me renvoyait à la vie. Au fou désir de durer, de survivre: de lui survivre. À la volonté farouche d’y parvenir. (SEMPRÚN. L’écriture ou la vie. 1994: 39) Todos nosotros, que íbamos a morir, habíamos escogido la fraternidad de esta muerte por amor a la libertad. § Eso es lo que me enseñaba la mirada de Maurice Halbwachs, agonizando. § La mirada del S.S., por el contrario, cargada de odio desasosegado, me remitía a la vida. Al deseo insensato de durar, de sobrevivir: de sobrevivirle. Al propósito firme de conseguirlo. (SEMPRÚN. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. 1995: 37) | 291 Entre o (in)dizível, o (in)visível e o (in)vivível: imagens da dor e do mal em Jorge Semprún Luiza Santana Chaves Referências bibliográficas Obras literárias de Jorge Semprún (objetos de estudo da Tese) SEMPRÚN, Jorge. L’écriture ou la vie. Paris: Ed. Gallimard, 1994. SEMPRÚN, Jorge. La escritura o la vida. Trad. Thomas Kauf. Barcelona: Ed. Tusquets, 1995. SEMPRÚN, Jorge. A escrita ou a vida. Trad. Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. SEMPRÚN, Jorge. Adieu, vive clarté... Paris: Ed. Gallimard, 1998. 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