FABÍULA SEVILHA DE SOUZA ASTROS, ÓRBITAS E PODERES: modernidade, desenvolvimentismo e modernização na Primeira República BELO HORIZONTE 2017 1 FABÍULA SEVILHA DE SOUZA ASTROS, ÓRBITAS E PODERES: modernidade, desenvolvimentismo e modernização na Primeira República Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em História da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora em História. Linha de Pesquisa: História e Culturas Políticas Orientadora: Profa. Dra. Regina Horta Duarte Belo Horizonte Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais Data da Defesa: 10/11/2017 2 981.05 S729a 2017 Souza, Fabíula Sevilha de Astros, órbitas e poderes [manuscrito] : modernidade, desenvolvimentismo e modernização na Primeira República / Fabíula Sevilha de Souza. - 2017. 373 f. Orientadora: Regina Horta Duarte. Tese (doutorado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Inclui bibliografia 1.História - Teses. 2. Brasil – História – República Velha, 1889 - 1930 Teses. 3. Minas Gerais – História – Teses . 4.Modernidade – Teses. 5. Elites (Ciências sociais) – Teses. I. Duarte, Regina Horta , 1963 - . II. Universidade Federal de Minas Gerais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. III.Título. 3 4 Ao Guilherme Queiroz de Souza, meu grande companheiro de vida e sonhos, por me apresentar as Minas Gerais. À Penha Sevilha, pelo apoio e amor incondicionais. Aos professores e professoras que me ensinaram a amar o ofício de historiadora. 5 Agradecimentos Escrever esta tese talvez tenha sido o maior desafio que já enfrentei. As montanhas mineiras pareciam intransponíveis, indecifráveis a uma paulistana. Sempre que eu chegava ao ponto que considerava mais alto, como Sísifo, uma força esfíngica me recolocava no marco zero. Inúmeras vezes cogitei desistir. Demorei a entender que era preciso rodear as montanhas, subir em zigue-zague, pacientemente. Somente assim sobraria fôlego para observar o horizonte. É como diria Brás Cubas: “[a vida] não inventou os calos, senão porque eles aperfeiçoam a felicidade terrestre”. A escrita da história parece ter também suas ironias machadianas. Todos os impasses foram fundamentais para as reflexões de cada etapa da pesquisa. Paradoxalmente, tenho agora não uma sensação de alívio, mas de gratidão. Foram anos de grande aprendizagem, em que a construção da tese esteve mesclada com a minha construção como professora- pesquisadora (talvez, por isso, um trabalho tão árduo). Os nomes que arrolo abaixo foram, sem dúvida, os meus esteios nesta jornada montanha acima para, de lá, analisar o universo mineiro, seus planetas e asteroides. Inicio os agradecimentos com a Professora Regina Horta Duarte, minha querida orientadora, que foi bem mais do que isso. Fez as vezes de conselheira, terapeuta. Sempre preocupada com a dimensão humana do pesquisador, recebeu-me de braços abertos em terras mineiras. Soube me ouvir, guiar, amparar (e frear!) nos momentos mais críticos (e não foram poucos!). Com suas rigorosas correções, aprendi o valor de não ter medo de recomeçar tantas vezes quanto fossem necessárias; com o seu apoio e carinho, segui em frente e encontrei o meu “fio de Ariadne”. Muito obrigada por acreditar no meu potencial e compartilhar das minhas inquietações. Ao Professor José Carlos Reis, minha mais profunda gratidão e admiração. Este trabalho tem para com ele uma dívida inestimável. Receio que estas linhas não sejam capazes de expressar a importância de ter cursado a sua disciplina e, principalmente, de tê-lo como leitor do meu texto de qualificação. Doze foram os desafios dispostos em uma generosa paleta de cores. Espero não decepcioná-lo com as nuances que escolhi para compor o meu poliedro. As dicas que me deu, em diversas situações ao longo destes quatro anos e especialmente nos últimos tempos, foram como “cartas na manga”, um fôlego extra nos momentos de maior dificuldade. As palavras de incentivo foram, são, e sempre serão fontes de inspiração; carrego- as comigo como um (re)encontro encorajador com o propósito do ofício. Muito obrigada pela gentileza de me considerar como interlocutora. Agradeço, sobretudo, por me fazer acreditar no poder da intuição para traçar um horizonte de expectativa. 6 À Professora Eliana Dutra, por compartilhar de maneira tão generosa e entusiástica a enorme erudição de que dispõe. Sou muito grata pelos debates na disciplina, pela acolhida nas reuniões do grupo de estudos Brasiliana: escritos e leituras sobre a nação, ocasiões de enorme aprendizado, e por poder contar com a sua leitura perspicaz tanto no Exame de Qualificação quanto na defesa. Às Professoras Cláudia Maria Ribeiro Viscardi e Marieta de Moraes Ferreira, e ao Professor Otávio Soares Dulci, sempre gentis e acessíveis, por terem aceitado prontamente integrar a banca de defesa e pelas leituras tão cuidadosas. As arguições foram verdadeiras aulas e proporcionaram um diálogo profundamente estimulante. É uma responsabilidade, mas também um enorme privilégio ter as suas principais referências bibliográficas como interlocutores. Sinto-me honrada! Ao ensino público brasileiro. Com esta tese completo um ciclo de formação educacional e profissional inteiramente custeado pela sociedade brasileira. Foi ela quem me permitiu concluir os ensinos fundamental e médio, graduação e pós-graduação, os dois últimos como bolsista de Iniciação Científica, Mestrado e Doutorado. Friso como um alerta, vital em tempos tão difíceis para a universidade pública brasileira, sobre a importância de continuarmos a lutar para que, assim como eu, outros tenham a oportunidade de uma educação pública, gratuita e de qualidade. À toda a infraestrutura e ao material humano oferecidos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Na Biblioteca da FAFICH, agradeço a presteza e gentileza de Vilma Carvalho de Souza. No Programa de Pós-Graduação em História da UFMG, além do Maurício Mainart, que sempre me ofereceu respaldo impecável, pude contar com o apoio de três coordenadores – Professores José Newton Coelho Meneses, Luiz Carlos Villalta e Douglas Attila Marcelino – e de três funcionários – Mary Ramos, Edilene Oliveira e Gustavo Monteiro. Mais do que vencer inúmeros procedimentos burocráticos, todos, de uma forma ou de outra, ajudaram-me a abreviar distâncias, desde o processo seletivo. Ainda no PPGHIS-UFMG, agradeço às Professoras Kátia Gerab Baggio e Heloísa Maria Murgel Starling pelos debates enriquecedores nas disciplinas. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, por meio do Programa de Excelência Acadêmica (PROEX), pela bolsa usufruída entre março de 2013 e fevereiro de 2015, um período fundamental para que eu pudesse cursar disciplinas no PPGHIS- UFMG e me dedicar integralmente aos meses de pesquisa em arquivos, acervos e bibliotecas. Ao Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte e seus funcionários. Agradeço não só pela presteza dos serviços, mas pela gratuidade, algo cada vez mais raro e difícil de manter em um país cujos governantes ainda menosprezam a preservação da memória. 7 Ao Georg Fischer (Aarhus Universitet – Dinamarca), sempre solícito, pela gentil colaboração, envio de material e intercâmbio de ideias. À Judith Mansilla (Florida International University – Estados Unidos), pela ajuda “técnica” em diversos momentos e torcida constante. Aos meus companheiros de angústias, alegrias e expectativas do programa de pós- graduação da UFMG. Virgílio Coelho, um grande interlocutor e amigo querido. Yuri Simonini e Gabriel Pereira, tão “forasteiros” quanto eu, compartilharam comigo a “aclimatação” em terras mineiras e as deliciosas incursões pelos caminhos da História Ambiental. Flávia Schettino, Marina Meira, Rute Torres, Walderez Ramalho, Luan Vasconcelos, Flávio Giarola, Márcio Motta (serei eternamente grata pela “luz” no fim do túnel!) e Kellen Silva, por me fazerem sentir em casa, rodeada de carinho. A caminhada, nos dois anos em que residi em “Beagá”, certamente se tornou mais prazerosa e divertida com a presença de vocês. E, por fim, aos meus maiores incentivadores, meus verdadeiros alicerces, porto-seguro para onde sei que sempre poderei recorrer, e que me tornam uma pessoa melhor. À Maria da Penha Barroso Sevilha, por tudo, sempre; e ao Guilherme Queiroz de Souza, pelo que foi, o que é e o que será. Vocês foram fundamentais para que eu conseguisse superar mudanças, desafios, perdas (hasta luego, Marilyn!) e os traumas de um acidente automobilístico na reta final do doutorado. Por amor e com amor, esta tese não seria possível sem o apoio incondicional de vocês. Infinitas vezes obrigada, muito obrigada! 8 “Lá, na Bruzundanga, os Mandachuvas, quando são eleitos, e empossados, tratam logo de colocar em bons lugares os da sua clientela. Fazem reformas, inventam repartições, para executarem esse seu alto fim político”. (Lima Barreto [1881-1922] – Os Bruzundangas). 9 RESUMO A passagem do Império para a República trouxe consigo a promessa de chegada de um novo tempo, da entrada triunfal do Brasil na Modernidade. Entretanto, no decorrer dos primeiros anos, a euforia deu lugar à desilusão com os rumos tomados pelo sistema republicano. Em Minas Gerais, o sentimento foi de “estagnação” e “decadência”. Ao assumir a Presidência do Estado, em 1906, João Pinheiro colocou-se como um vetor de aceleração rumo ao “inexorável caminho do Progresso”, a partir de um “programa de ação” para o desenvolvimento econômico mineiro. A interpretação comumente aceita pela historiografia é de que a morte prematura de João Pinheiro, em 1908, teria interrompido a consecução do projeto, retomado somente na década de 1930. Esta tese questiona esta versão e propõe uma nova leitura sobre o processo de gestação (1889-1903) e implantação (1906-1908) da agenda de modernização econômica de João Pinheiro nas dimensões dos poderes de Minas Gerais. As relações intra-elites mineiras, examinadas nas Mensagens aos Congressos Mineiro e Nacional, Anais da Câmara dos Deputados, Leis, Decretos e correspondências, constituem o nosso fio condutor, por meio do qual é possível ampliar as perspectivas de análise e mapear novos personagens que deram continuidade à agenda pinheirista. Em termos gerais, defendemos a hipótese de que Arthur Bernardes, Nelson de Senna e Raul Soares atuaram em conjunto como peças-chave nas fases seguintes do projeto, por nós denominadas como execução (1908-1918), revisão (1919-1922), reordenamento (1922-1926) e desmantelamento. Mais do que seguidores, o trio fez da (re)leitura das ideias pinheiristas um meio para a construção do capital político necessário para alcançarem posições de relevo nos Legislativos e Executivos estaduais e federais. Como desdobramento, sustentamos que o projeto desenvolvimentista de João Pinheiro tornou-se um programa político nacional durante o governo de Arthur Bernardes na Presidência da República, entre 1922 e 1926, para o qual igualmente propomos uma revisão histórica. Palavras-chave: Modernidade; Modernização; Desenvolvimentismo; Arthur Bernardes; Raul Soares; Nelson de Senna; relações intra-elite. 10 ABSTRACT The passage from the Empire to the Republic brought along the promise of a new time: the grand entrance of Brazil into Modernity. However, during the its early years, such euphoria was replaced with a disillusion regarding the paths taken by the republican system. In Minas Gerais, the feeling which prevailed was of “stagnation” and “decay”. By taking on the Presidency of the State in 1906, João Pinheiro stood as an acceleration vector towards the “inexorable course of Progress” with an “action program” for the economic development of Minas. The interpretation commonly accepted in the scope of historiography is that João Pinheiro’s premature death, in 1908, would have interrupted the fulfilment of the project – to be resumed only in the 1930s. This dissertation questions such version and proposes a new interpretation on the processes of elaboration (1889-1903) and implementation (1906-1908) of the economic modernization agenda by João Pinheiro in the scopes of forces in Minas Gerais. The intra-elite relationships in the state, analyzed according to the Mensagens aos Congressos Mineiro e Nacional (Messages to the National and state Congresses), Annals of the House of Representatives, Laws, Decrees and correspondences, configure our common thread through which it is possible to enlarge the perspectives of analysis as well as to map new characters who continued Pinheiro’s agenda. In general terms, we sustain the hypothesis that Arthur Bernardes, Nelson de Senna and Raul Soares worked together as key elements at the following stages of the project, which we named as execution (1908-1918), review (1919-1922), reordering (1922- 1926), and dismantling. More than followers, the trio turned the (re)interpretation of Pinheiro’s ideas into a mean for the establishment of political capital necessary for them to reach important positions at both the state and federal Legislative and Executive branches. As an outcome, we support that the João Pinheiro’s developmentalism project became a national political program during Arthur Bernardes’ government at the Republic Presidency between 1922 and 1926, regarding which we also propose a historical review. Keywords: Modernity; Modernization; Developmentalism; Arthur Bernardes; Raul Soares; Nelson de Senna; intra-elite relationship. 11 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS APCBH – Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte CNT – Conselho Nacional do Trabalho CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil CSCB – Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira EECM – Estação Experimental de Combustíveis e Minérios EMOP – Escola de Minas de Ouro Preto ESAV – Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa FALDOP – Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto NCS – Nelson Coelho de Senna SGMB – Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil 12 SUMÁRIO Introdução ..................................................................................................................... 15 Parte 1 – Na órbita de Júpiter ...................................................................................... 26 Capítulo 1 – Cosmografia Política ............................................................................... 27 1.1 – A Conformação dos Astros .................................................................................... 28 1.1.1 – A política de recrutamento da Tarasca ............................................................. 32 1.1.2 – Tipologias e trajetórias: Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares ... 38 Capítulo 2 – A Gestação (1889-1903) ........................................................................... 48 2.1 – O vórtice da Modernidade ..................................................................................... 49 2.1.2 – Minas e os “novos tempos” .............................................................................. 53 2.2 – Do micro ao telescópio: diagnóstico e prognóstico ............................................... 58 2.2.1 – As teses do I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial ............................... 62 Capítulo 3 – A Implantação (1906-1908) ..................................................................... 73 3.1 – O(s) binômio(s) de Júpiter ...................................................................................... 74 3.1.1 – O desenvolvimentismo de João Pinheiro.......................................................... 86 3.2 – Entre asteroides e planetas: a implantação da agenda pinheirista .......................... 90 a) “Saber produzir” ...................................................................................................... 92 b) “Poder produzir” ..................................................................................................... 99 c) “Colocar a produção” ............................................................................................ 112 Parte 2 – Na órbita de Marte ...................................................................................... 116 Capítulo 4 – A Execução (1908-1918) ........................................................................ 117 4.1 – Estado, oligarquias e modernização .................................................................... 118 4.1.1 – A dança dos corpos celestes: o projeto e os poderes da República ............... 125 13 a) Crédito e cooperativa ........................................................................................... 126 b) Cafeicultura e siderurgia ..................................................................................... 129 c) Ensino agrícola .................................................................................................... 137 d) Produção e circulação .......................................................................................... 142 4.1.2 – Poeira no espaço: os pontos de impasse ......................................................... 144 a) Legislação, tributação e demarcação fundiárias ................................................... 144 b) Desapropriação por utilidade pública ................................................................... 149 c) Desmatamento e siderurgia .................................................................................. 154 d) Regionalismo e representação de interesses......................................................... 166 Capítulo 5 – A Revisão (1919-1922) .......................................................................... 172 5.1 – Novas práticas, novos discursos ........................................................................... 173 5.1.1 – Planeta em ação: as reformas de Arthur Bernardes ........................................ 177 a) Reorganização do sistema cooperativista ............................................................. 177 b) Revisão do Imposto Territorial ............................................................................ 182 c) Planos de viação ................................................................................................... 184 d) Reformas educacionais ......................................................................................... 185 5.1.2 – A reconfiguração de Marte ............................................................................. 201 a) A Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa ................................. 202 b) O problema siderúrgico mineiro ......................................................................... 205 c) Nacionalismo e tendências autoritárias ............................................................... 213 5.2 – Modernidade e Modernização: pares antitéticos? ................................................ 229 Capítulo 6 – O Reordenamento (1922-1926) ............................................................ 232 6.1 – Entre estrelas de segunda grandeza ...................................................................... 233 6.1.1 – A Reação Republicana .................................................................................... 238 6.1.2 – A (des)articulação dos astros ........................................................................... 243 6.2 – No universo da Federação: a nacionalização da agenda mineira ......................... 248 a) Modernização agrícola ......................................................................................... 250 b) Protecionismo e intervencionismo ....................................................................... 261 c) Saneamento das finanças ...................................................................................... 273 14 6.3 – Ideologia de Estado: o recrudescimento bernardista ............................................ 277 6.3.1 – Fomento à crise e combate à “perversão de costumes” ................................... 277 a) Reforma Constitucional de 1926 ......................................................................... 285 b) Reforma João Luís Alves-Rocha Vaz ................................................................. 293 Capítulo 7 – O Desmantelamento .............................................................................. 307 7.1 – Fora de órbita: a perda do projeto siderúrgico ...................................................... 308 7.1.1 – Alternativa à Itabira-Iron ................................................................................ 308 7.1.2 – O “Nacionalismo defensivo” e a escolha de Volta Redonda.......................... 319 7.2 – Rota de Colisão: crise oligárquica e depuração das elites .................................... 325 7.2.1 – A degola de 1929 ........................................................................................... 326 7.2.2 – O período Varguista ...................................................................................... 330 Considerações finais .................................................................................................... 336 Anexos ........................................................................................................................... 342 Referências bibliográficas ........................................................................................... 345 15 Introdução Dois eventos marcaram a história recente do Brasil enquanto escrevíamos este trabalho. Rememorá-los é uma forma de apresentar ao leitor o ponto de partida das inquietações presentes nas páginas que se seguem. O primeiro foi a grave crise político-institucional, que em 2016 culminou no Impeachment da presidente Dilma Rousseff. A contestação do resultado das eleições de 2014, por parte da oposição, encontrou terreno fértil para fomentar a ideia de “crise” nos protestos da população nas Manifestações de Junho de 2013, inicialmente contra o aumento do preço da passagem de ônibus; depois, como ressonância de reivindicações diversas. Ao longo do processo de Impeachment, as sessões de debate e defesa no Congresso Nacional foram amplamente midiatizadas. Pela primeira vez, conchavos e alianças do sistema político brasileiro foram exibidos em tempo real e em rede mundial, pela internet. A população, num jogo de espelhos, viu-se confrontada com aqueles que, apesar de serem seus “representantes”, lhe eram estranhos, evidenciando o abismo entre povo e elite, e as fragilidades da democracia no Brasil. A sociedade sai deste processo, ainda em curso, com um sentimento de ausência de projeto e de representatividade; desiludida com a classe política e as instituições republicanas brasileiras. A incerteza diante da linha sucessória presidencial – “afinal, quem assume em caso de impedimento?”, era a dúvida recorrente – demonstrou a pouca familiaridade da população com os trâmites e funções dos poderes da República. O que cabe ao Executivo e ao Legislativo? Como se dá a relação entre estes poderes? Como a ideia de colapso social e degeneração política alimenta o sentimento de “crise”, e este serve de substrato para avanços conservadores? Diante do descontentamento, o que é preciso para superar a “crise”? Como elaborar um novo projeto político? Como ele passa do terreno das ideias para o da ação, da política pública? São questões atuais, pertinentes à sociedade brasileira, e que percorrem toda esta tese. O momento de construção das instituições da República no Brasil, em suas décadas iniciais, foi também de definição dos seus atores, cenários, e modos de ação na concepção de um projeto de futuro (o país de hoje!?), que tinha como horizonte o Progresso e a Modernidade. Isso nos leva ao segundo evento, compreendido como a maior tragédia ambiental do Brasil. Em 05 de novembro de 2015, o rompimento de duas barragens da Mineradora Samarco devastou completamente o já empobrecido distrito de Bento Rodrigues, em Mariana/MG, submerso em lama tóxica de detritos de mineração, matando 19 pessoas. A Vale S/A, uma das sócias da Samarco, foi fundada por Getúlio Vargas, em 1942, para a exploração de minério de ferro na região de Itabira/MG, após longas controvérsias sobre os limites da intervenção do Estado e do 16 capital estrangeiro na indústria extrativa nacional. Uma das promessas das correntes em disputa, construída em Minas Gerais, na Primeira República, era de que a exploração racional de minério de ferro, e seu beneficiamento no próprio território em que foi extraído, levaria ao ideal de uma nação forte, autossuficiente, símbolo do Progresso econômico e do desenvolvimento social. Foi isso o que a tragédia de Mariana demonstrou? Certamente, não. Em que momento, então, este projeto se afastou de sua concepção inicial? Quais as perspectivas que o seu reexame nos abre? Como professava Lucien Febvre, são as questões do presente que ressignificam o passado. Ao historiador cumpre “interpretar”, “organizar”, “reconstituir” e “completar” as respostas do passado, conforme as preocupações do presente.1 A crise político-institucional por que passa o Brasil atualmente e a tragédia da Samarco são resultados de processos históricos que precisam ser investigados melhor, inclusive para superá-los, evitá-los. Um primeiro ponto a ser considerado é a construção do Estado republicano no Brasil, que se deu pari passu à elaboração de um projeto para a industrialização e o crescimento do país enquanto potência econômica. Em outras palavras, a relação entre Estado e pensamento desenvolvimentista. A historiografia tende a localizar essa associação no Brasil a partir do governo de Getúlio Vargas, na década de 1930. O ponto alto da sistematização e materialização do desenvolvimentismo teria sido com Juscelino Kubistchek e as teorias da CEPAL, na década de 1950, levado às últimas consequências nos governos militares. Para muitos economistas, historiadores e cientistas sociais, falar sobre desenvolvimentismo antes destes marcos temporais é uma heresia. Portanto, antes de avançar na questão, convém precisar o conceito. Por desenvolvimentismo entendemos uma ideologia que congrega três elementos básicos: a defesa da industrialização, do intervencionismo e do nacionalismo. Pedro Fonseca explica que, dispersos, eles são apenas ideias, pontos de vista. Unidos, em um “núcleo duro”, tornam-se uma “política consciente e deliberada”, segundo a qual a razão de ser dos governos é o desenvolvimento econômico. Desta perspectiva, o desenvolvimento, mais do que um conceito relacionado ao crescimento, é transformado em “um fim em si mesmo, porquanto advoga para si a prerrogativa de ser condição para desideratos maiores, como bem-estar social, ou valores simbólicos de vulto, como soberania nacional”. O desenvolvimentismo é, sobretudo, um “projeto de sonho” que incita um “programa de ação”, materializado pela “racionalidade burocrática e política”.2 É possível encontrar a defesa da industrialização, do intervencionismo e do nacionalismo articulados como agenda governamental antes de 1930? A hipótese de 1 FEBVRE, Lucien. Combates pela História. Lisboa: Editorial Presença, 1989, p. 26. 2 FONSECA, Pedro Cezar Dutra. Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil. Pesquisa & Debate, SP, vol. 15, n. 2 (26), 2004, p. 227-228. 17 Fonseca é que o ponto de inflexão em que a ideologia se transformou em programa de ação ocorreu quando Vargas assumiu o governo do Rio Grande do Sul, em 1928. A nossa proposta, no entanto, é de recuar ainda mais no tempo histórico brasileiro. O “programa de ação” para o desenvolvimento econômico associado, articulado e politizado, da maneira como elencamos acima, já estava presente nas Minas Gerais do início do século XX. O arcabouço para sua concepção está no projeto ocidental de Modernidade, a partir do qual o porvir passou a ser visto como qualitativamente superior e inédito, em relação ao passado e ao presente. O “giro para o futuro” impôs uma consciência histórica linear e ascendente rumo à perfectibilidade das capacidades humanas, ao Progresso. Neste sentido, interessa-nos a “ousada combinação” de prognósticos racionais e previsões salvacionistas da filosofia do Progresso, denominada por Reinhart Koselleck como “perspectivismo”, um arquétipo oitocentista de experiência temporal que instituiu o desvendar e o acelerar do tempo histórico como tarefa política.3 Não queremos, com isso, escavar gêneses para explicar nexos causais, trabalho infrutífero que coloca o historiador como refém do “demônio das origens”, como já nos alertou Marc Bloch,4 mas frisar que as práticas políticas e sociais muitas vezes antecedem a sua conceituação teórica. Em um clássico debate historiográfico sobre a formação das classes sociais, Edward Thompson inovou ao defender que, se um fato histórico não está de acordo com as “costumeiras categorias”, “em vez de golpear a história para salvar as categorias, devemos instigá-las com novas análises”.5 Inspirados por esta proposta, partimos do pressuposto de que o desenvolvimentismo mineiro foi moldado no seu próprio fazer-se, na medida em que os sujeitos da ação também se inventavam como elite política de um sistema republicano em plena construção. O Executivo e o Legislativo de Minas Gerais foram as “forjas” de beneficiamento destes produtos brutos. O problema que orienta a tese é: como o projeto político-intelectual de desenvolvimentismo mineiro se fez e obteve materialidade nas dimensões dos poderes estaduais e federais da Primeira República, transformando-se, como defendemos, de um projeto regional para nacional? Dele resultam questões complementares: quem foram os atores na proa dos acontecimentos e debates? Como seus papeis foram definidos? 3 KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora da PUC-Rio, 2006. 4 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 58. 5 THOMPSON, Edward P. As Peculiaridades dos Ingleses e Outros Ensaios. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012, p. 276. 18 Na historiografia e na memória social, a ideia de Progresso mineiro está diretamente associada à figura de João Pinheiro, muito embora ele tenha falecido antes de fomentar uma autoimagem. A construção desta simbologia, segundo Angela de Castro Gomes, se deu a partir do cultivo de uma memória estrategicamente articulada pela família Pinheiro,6 o que explicaria uma vertente historiográfica que atribui ao filho, Israel Pinheiro, a façanha de ter continuado a “obra inacabada do pai”. Por esta lógica, o projeto desenvolvimentista mineiro teria ficado em stand by de 1908 a 1933, ano em que Israel assumiu a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais, e o “ciclo familiar” somente foi cumprido em 1966, quando Israel assumiu o governo de Minas Gerais.7 Contudo, se transpusermos a linhagem familiar e avançarmos na questão das permanências e rupturas das culturas políticas, abre-se um novo leque de possibilidades analíticas. As fontes selecionadas para a pesquisa – discursos parlamentares, Mensagens Presidenciais aos Congressos estadual e nacional, correspondências, leis, decretos e demais documentos que possibilitassem mapear a ideia e a materialização do projeto desenvolvimentista mineiro – nos permitiram acrescentar outros personagens e delimitar as distintas fases pelas quais o projeto passou: gestação (1889-1903), implantação (1906-1908), execução (1908-1918), revisão (1919-1922), reordenamento (1922-1926) e desmantelamento. O presente trabalho analisa esse processo e dedica um capítulo a cada uma das fases. Para compreender a elaboração da agenda desenvolvimentista mineira é preciso radiografar o seu centro operacional. Na Primeira República, o Partido Republicano Mineiro foi o elemento central em torno do qual a política de Minas Gerais esteve articulada. A metáfora que propomos para interpretá-lo é a do Sistema Solar. Como o próprio nome sugere, o principal corpo celeste do sistema é o Sol, responsável por irradiar a luz recebida para os planetas que em torno dele gravitam. Parecidos com os planetas, porém, muito menores são os asteroides, cuja maior concentração está no chamado “Cinturão de Asteroides”, um anel entre as órbitas dos planetas Marte e Júpiter. Por analogia, temos que o núcleo, o Sol, corresponde à Comissão Executiva do PRM, que ficou conhecida como Tarasca. Dela emergiam as diretrizes e o modus operandi da política mineira, desde a escolha dos candidatos, até a definição das funções que cada um deles exerceria no Estado. Em uma espécie de sociologia dos quadros políticos do PRM, John Wirth dividiu os recrutados em tipos com níveis de grandeza/importância distintas. 6 GOMES, Ângela de Castro. Memória, Política e Tradição Familiar: os Pinheiro das Minas Gerais. In: GOMES, Angela Maria de Castro (org.). Minas e os fundamentos do Brasil moderno. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005, p. 81. 7 A este respeito, ver: DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1981; e PINHEIRO FILHO, Israel. Prefácio. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil Moderno, op. cit. 19 No primeiro escalão estariam os “superchefes”, aqui entendidos como “planetas”. Para a defesa de seus interesses, os políticos desse estrato se cercavam dos de segundo escalão, para nós os “asteroides”, que Wirth denomina como “cérebros a serviço do partido”. Um ponto esvanecido pelo autor, que merece destaque, é que havia entre as escalas uma mobilidade vertical e ascendente. A trajetória desses elementos foi construída em relação ao poder gravitacional da Tarasca e dos seus principais planetas: quanto mais próximos, maior o seu grau de influência. A afirmação nos conduz à, pelo menos, duas indagações: como se dava essa proximidade? Quais os recursos necessários para o jump da categoria de político de segundo para o de primeiro escalão? Estas questões orientaram a elaboração do Capítulo 1. Pela importância que teve na construção de uma intrínseca relação de Minas com os “fundamentos do Brasil moderno” e pelo elevado magnetismo que exerceu, consideramos João Pinheiro o maior planeta desse sistema. Nascido no Serro, zona central de Minas, em 16 de dezembro de 1860, Pinheiro participou, como republicano histórico, do processo de implantação da República em Minas. Em 21 de janeiro de 1890 foi nomeado pelo Governo Provisório primeiro como vice e depois como governador interino de Minas.8 Em julho de 1890 Pinheiro exonerou-se do cargo, segundo ele, por não concordar com a nomeação do diretor- interino da Escola de Minas de Ouro Preto. Uma outra explicação plausível é que tenha vislumbrado a possibilidade, concretizada em dezembro do mesmo ano, de ser eleito para a Comissão dos 21 parlamentares incumbidos de analisar o anteprojeto da Assembleia Constituinte de 1891. Após os trabalhos constituintes na capital federal, retornou à Minas, onde passou a se dedicar à Fábrica de Cerâmica Caeté. Em 1903, o então Presidente de Minas, Francisco Sales, convidou João Pinheiro para presidir o I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais, com o objetivo de elaborar propostas para a recuperação econômica do Estado e da União. O evento marcou o retorno de Pinheiro à vida pública, o delineamento das diretrizes do que aqui denominamos desenvolvimentismo mineiro e a inauguração da nova capital de Minas, atual Belo Horizonte. Como veremos no Capítulo 2, o pano de fundo do evento e da gestação da agenda pinheirista foi o “inescapável” vórtice da Modernidade, que atingiu o país a partir da revolução científico-tecnológica de 1870; e a concepção dela advinda, de que, diante do diagnóstico de “estagnação” de Minas e do Brasil, o prognóstico era “abreviar” o caminho até o Progresso via ordenação da economia. 8 BARBOSA, Francisco de Assis. Cronologia. In: Ideias Políticas de João Pinheiro: cronologia, introdução, notas bibliográficas e textos selecionados. Brasília – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980, p. 17. 20 Na condição de protagonista desse processo em Minas, João Pinheiro firmou-se como o motor de aceleração. Com esta promessa, assumiu, em 1906, a Presidência do Estado, objeto do Capítulo 3. No período de dois anos, Pinheiro esforçou-se por modernizar a economia mineira, a partir dos binômios Trabalho-Educação e Policultura-Transportes. Sob sua órbita, o desenvolvimentismo mineiro foi gestado e implantado, este último passo com o apoio de dois aliados estrategicamente posicionados no Legislativo estadual, lugar de verdadeira representação dos interesses do sistema republicano mineiro. Da passagem como Professor da Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto, Pinheiro pinçou dois jovens bacharéis, alavancando- os para a vida política mineira: Nelson Coelho de Senna, nascido no Serro, em 04 de outubro de 1876; e Arthur da Silva Bernardes, nascido em Viçosa, em 08 de agosto de 1875. Ambos já eram antigos conhecidos quando Pinheiro os convocou para assumirem a cadeira de deputados no Congresso mineiro. O marco da estreita convivência da dupla se deu entre 1894 e 1897, na casa-alojamento do Externato Ginásio Mineiro, em Ouro Preto, e na fundação do periódico A Academia. Do grupo de amigos fazia parte, ainda, Raul Soares de Moura, nascido em Ubá, em 07 de agosto de 1877, que contou com a intermediação de Bernardes para tornar-se deputado estadual em 1911.9 Os três fizeram parte do que a historiografia denominou como uma “segunda geração” de políticos republicanos mineiros. Apesar do ponto de partida em comum para a preparação política e da coincidência geracional, as trajetórias do trio tiveram destinos distintos. Como o planeta Júpiter procede em relação à energia que recebe do Sol, Pinheiro amplificou a potência da Tarasca na promoção de talentos que marcaram a política mineira. No sistema solar do PRM, relações de parentesco, instrução e poder aquisitivo eram a matéria de que esses corpos celestes eram compostos, fatores que Pierre Bourdieu sintetiza como capital social, capital econômico e capital cultural. Não obstante, o capital político poderia tanto ser reconhecido e atribuído quanto fundar-se em uma “ação inaugural”. Para nós, a espécie e o volume de capital simbólico reunido em torno das ideias pinheiristas influenciaram o itinerário político destes astros na política da Primeira República. O divisor de águas foi a morte de João Pinheiro, em 1908. Nelson de Senna permaneceu na Câmara dos deputados estadual até 1921,10 e aí se consolidou como um asteroide, um corpo menor do sistema solar, mas ainda assim um astro, que teve o seu capital político reconhecido e atribuído graças à envergadura intelectual, o 9 É comum na historiografia os nomes destes três políticos aparecerem grafados de maneiras distintas. Optamos por respeitar a forma assinada por eles em discursos e documentos da época. 10 ARQUIVO PÚBLICO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE (APCBH) – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº909 – Ofício do Secretário do Diretório Político do PRM comunicando-lhe o envio da cópia impressa da reorganização do Diretório filiado, de 07 de maio de 1918. 21 conhecimento jurídico e o poder de retórica. Arthur Bernardes, após atuação destacada na reforma tributária do governo pinheirista, passou de deputado estadual a federal (1909), e daí para o cargo de Secretário de Finanças (1910-1914). Na sequência, Raul Soares deixou a Assembleia Legislativa para ser nomeado Secretário da Agricultura (1914-1918). Foram os primeiros degraus para a transformação de Bernardes e Soares em verdadeiros planetas. Ocupando dois dos poderes da República, o trio manteve os laços de sociabilidade política construídos nos tempos ouro-pretanos. No que denominamos como “dança dos corpos celestes”, de que trata o Capítulo 4, Bernardes, Soares e Senna esforçaram-se para dar continuidade ao plano de modernização de João Pinheiro, a despeito da “força da tradição” imposta pela estrutura oligárquica. Nessa dinâmica, acreditamos que Bernardes vislumbrou a oportunidade de ocupar um “vazio” deixado por João Pinheiro. Tal qual Senna, o projeto desenvolvimentista mineiro passou a orbitar entre João Pinheiro e Arthur Bernardes. A chegada de Arthur Bernardes à Presidência de Minas, em 1919, coroou este momento, a partir da revisão do projeto pinheirista. O programa de reformas, objeto do Capítulo 5, se deu primeiro nas diretrizes de colegiado do PRM, em colaboração direta com Raul Soares, e, em um segundo momento, nos sistemas cooperativista, educacional, de tributação territorial e de concessão dos direitos de exploração para a siderurgia mineira. Para nós, estas medidas, respaldadas pelas atuações de Senna como deputado estadual e de Soares como Secretário do Interior e da Justiça, correspondem à primeira fase de ampliação do projeto desenvolvimentista mineiro para bases nacionais. Os grandes marcos foram a concepção da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa e o início das controvérsias em torno do caso Itabira-Iron. Sob a órbita de Bernardes, aqui referenciado como o planeta Marte, o programa pinheirista de defesa da agricultura foi associado à guerra nacionalista em prol da industrialização e do ferro mineiro. O reformismo autoritário bernardista foi um ingrediente a mais no conturbado caminho da campanha eleitoral de Bernardes para a Presidência da República, no âmbito da Reação Republicana. Em 1921, Raul Soares preparava-se para suceder o companheiro mineiro na Presidência do Estado ao mesmo tempo em que articulava a ascensão de Arthur Bernardes ao Catete. Como veremos no Capítulo 6, uma das estratégias foi colocar Nelson de Senna, experimentado nos trâmites legislativos mineiros, no Congresso Federal para completar o serviço que Soares iniciou no Senado, para onde havia acabado de se eleger. Representando com maestria o movimento da cintura de asteroides, Senna, que iniciou a carreira política orbitando em torno de Pinheiro e nela se manteve sob a órbita bernardista, agora cumpria um duplo objetivo: a defesa da posse de Bernardes, amplamente questionada pela oposição, e do projeto siderúrgico 22 mineiro. Novamente em articulação, o trio não só conseguiu com que Bernardes ocupasse como se mantivesse à frente da Presidência da República, período em que o projeto desenvolvimentista de João Pinheiro, revisado e reformado, foi finalmente alçado para os quadros da nação. A nossa hipótese é de que a transposição manteve como essência o tripé fundamental do programa modernizador pinheirista, qual seja, a reorganização do trabalho, o estabelecimento de crédito e a sistematização dos meios de transporte. O percurso, no entanto, não foi o da orientação liberal pactuada pinheirista, e sim o da via autoritária e conservadora, do qual os maiores exemplos foram as reformas no sistema educacional e na Constituição de 1891, como estratégia de neutralização, sobretudo dos movimentos operário e tenentista. A nossa hipótese é de que Bernardes lançou mão da ideologia de Estado em voga à época com dois propósitos conjugados. O primeiro, para justificar a forte represália aos seus opositores, e o segundo para implementar as reformas que entendia necessárias à nacionalização das ideias pinheiristas. As consequências desse reordenamento são analisadas no Capítulo 7. De um lado, a persistência nacionalista de Bernardes em resguardar o beneficiamento de ferro em Minas contribuiu para a “perda do projeto siderúrgico mineiro”,11 com a construção de Volta Redonda/RJ. De outro, a ideologia de Estado atuou como uma quebra no modus operandi político mineiro. Foi com estes elementos na bagagem, aos quais se somou o falecimento de Raul Soares, em 1924, que Nelson de Senna e Arthur Bernardes chegaram ao processo de depuração das elites, compreendido entre 1930 e 193712 Ao final, examinamos o modo como as conjunções astrais e orbitais dos corpos celestes de Minas e do Brasil influenciaram na rota a ser perseguida, bem como sobre o destino final, isto é, a forma que o projeto desenvolvimentista mineiro assumiu quando passou do plano das ideias para os jogos de poderes da Primeira República. *** 11 DINIZ, Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira, op. cit. 12 PANDOLFI, Dulce; GRYSZPAN, Mário. Da Revolução de 30 ao Golpe de 37. Rio de Janeiro: CPDOC, 1987. 23 Itinerários: das fontes e construção do objeto O nosso primeiro indício da continuidade das ideias pinheiristas na Primeira República se deu quando pesquisávamos o Arquivo Pessoal de Nelson Coelho de Senna, no Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte. O acervo, catalogado e aberto ao público, é extremamente rico, composto por documentos pessoais, correspondências, estudos temáticos, atividades parlamentares e acadêmicas, publicações, iconografias e exéquias. No intuito de elaborar uma história intelectual de Nelson de Senna, objeto inicial desta tese de doutorado, deparamo-nos com a referência constante à figura de João Pinheiro, especialmente nos discursos parlamentares. A questão, até então apenas tangenciada, teve a sua importância ressaltada conforme o adensamento da pesquisa. A pista foi seguida com atenção. Ao avançar nos estudos sobre a biografia de Senna e a relação com João Pinheiro, optamos por privilegiar a sua atuação política; mais especificamente, por examinar até que ponto os projetos que defendia estavam em consonância com os direcionamentos do Executivo. Incluímos, então, em nosso escopo outros dois conjuntos de fontes: as Mensagens ao Congresso Mineiro e as Mensagens ao Congresso Nacional, relativas ao período em que Senna foi deputado estadual e federal (1907-1929). Destinadas a indicar aos parlamentares as medidas julgadas mais urgentes, bem como a prestar contas, as Mensagens Presidenciais são importantes termômetros das relações entre os membros do Executivo e do Legislativo, e nos permitiram chegar aos nomes de Arthur Bernardes e Raul Soares. Nelson de Senna já havia aparecido associado a ambos no período em que estudaram em Ouro Preto, mas a bibliografia não fazia menção ao momento posterior. O viés inexplorado, somado ao fato de que a presença das ideias pinheiristas nas Mensagens de Bernardes como Presidente de Minas e da República, e de Soares como Presidente de Minas, era uma constante, nos levou a procurar os indícios das relações dos três nos epistolários de Senna, no APCBH, posteriormente ampliado ao epistolário de Soares, no CPDOC. Foram encontradas correspondências trocadas entre Senna e Soares, e por este e Bernardes num período bastante específico, 1919 a 1924. Embora esporádicas, os assuntos das cartas são bastante relevantes, como Soares felicitando Senna pela eleição a deputado federal; Senna informando Soares sobre a sua posse na Câmara federal (pelo que foi felicitado), indicando as lutas travadas no Congresso e pedindo-lhe aprovação para um discurso; e Soares articulando com Bernardes a composição de ministérios, chapas eleitorais e conchavos de campanha. Detectadas as trocas de correspondências e a recorrência de alguns temas comuns, presumimos que o trio poderia estar em permanente diálogo, ainda que nem sempre 24 diretamente, a partir da adesão e (re)leitura de princípios defendidos por João Pinheiro, e das posições ocupadas nos poderes da República mineira. A hipótese foi se confirmando à medida que cruzávamos as Mensagens Presidenciais estaduais e federais com os discursos parlamentares, agora estendidos a Bernardes e Soares, e um quarto conjunto de fontes, os relatórios das secretarias que estes dois ocuparam no período. A pesquisa também mostrou que eles não foram os únicos a realizarem a apropriação das ideias pinheiristas no intervalo de tempo consultado. Antônio Carlos e Francisco Campos poderiam ser igualmente incluídos nesse grupo, especialmente pela apropriação que fizeram do projeto educacional de Pinheiro. Como Presidente de Minas, entre 1926 e 1929, Antônio Carlos realizou uma importante reestruturação do ensino primário e normal mineiro. É de seu governo também a criação da Universidade de Minas Gerais (atual UFMG). As reformas educacionais foram dirigidas por Francisco Campos, inspirado pelo movimento Escola Nova. Já na década de 1920, como Bernardes, Campos defendia a modernização e burocratização das instituições políticas por um Estado forte, centralizado e intervencionista. No Estado Novo, Campos uniu a burocratização com o autoritarismo em uma reforma educacional ampliada ao ensino secundário e superior, como projeto de construção da nacionalidade. Por que, então, não foram diretamente contemplados em nosso estudo? Por que um trio e não um quinteto? A justificativa imediata é que toda operação historiográfica pressupõe a definição de critérios para um recorte, e toda escolha implica em ganhos e perdas. Nosso interesse inicial em Senna, Bernardes e Soares foi a sociabilidade estabelecida quando jovens, em Ouro Preto, e o fato de Senna e Bernardes terem sido recrutados por Pinheiro no âmbito da renovação dos quadros do PRM. A partir daí, definimos como critério a possibilidade de compreender em que medida a adesão/simpatia às ideias pinheiristas foram operacionais na trajetória e conformação como políticos de primeiro e segundo escalão. Este parâmetro já excluía Antonio Carlos, que passou de advogado a Secretário de Finanças em 1902, portanto, antes de João Pinheiro tomar posse; e Francisco Campos, que foi de advogado a deputado federal em 1918, já no governo de Arthur Bernardes. Poderia também excluir Raul Soares, somente eleito deputado estadual em 1911. No entanto, a ascensão meteórica ao mais alto escalão do PRM, ao lado de Arthur Bernardes, parceria de uma vida inteira, e o papel de articulador desempenhado no acesso de Bernardes e Senna aos mais altos cargos de suas carreiras, o colocaram como um personagem chave para compreender a (re)leitura das ideias pinheiristas e a sua força na constituição do capital político dos três. A importância de Nelson de Senna evidentemente não é a mesma que a de Arthur Bernardes e Raul Soares. Apesar de ter sido um intelectual e político respeitado em sua época, 25 Senna nunca foi visto pela historiografia como uma peça central no processo histórico mineiro, e não é esta a nossa reivindicação. Além de ser parte do desenrolar da própria pesquisa, com argumentos empíricos, a inclusão de Senna está baseada no potencial que o estudo dos ocupantes das posições intermediárias, situados entre os polos mais fortes e mais fracos do espaço social, tem para a compreensão do próprio campo.13 Acreditamos que a pesquisa ganha em conhecer o papel que estes elementos secundários da hierarquia política desempenharam no respaldo, defesa e legitimação dos projetos dos grandes chefes, tanto quanto em compreender a dinâmica pela qual se apropriaram de algumas ideias e elaboram suas próprias propostas. A coincidência temporal das movimentações políticas de Senna com as de Soares e Bernardes pelo Executivo de Minas e da União, e pelo Partido Republicano Mineiro é um dado que não pode ser desprezado, especialmente quando pensada no universo da política de recrutamento na Primeira República mineira. Não estamos afirmando uma sólida e íntima amizade entre o trio, mas a existência de cruzamentos bastante relevantes em uma rede de sociabilidade política. O fator integrador foi a afinidade de ideias apropriadas do conjunto de propostas desenvolvimentistas de João Pinheiro. Com isso não estamos atribuindo à agenda pinheirista o qualitativo de projeto original, bem definido, coerente, e que permaneceu sem alterações de 1908 a 1930. Ao contrário, é justamente a sua historicidade, a dialética entre permanências e rupturas na dinâmica de apropriação e releitura dos tópicos defendidos por Pinheiro na Primeira República que nos interessa, e é dele que nos ocupamos nas páginas que se seguem. *** 13 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 1989, p. 133-136. 26 Parte 1 Na órbita de Júpiter 27 Capítulo 1 Cosmografia Política Estamos no ano de 1894, na efervescente e estudantil Ouro Preto. O murmurinho das enxadas e picaretas, não muito longe dali, no antigo Curral d’El Rei, anuncia os derradeiros momentos ouropretanos como capital de Minas Gerais. Em uma das casinhas anexas aos pequenos edifícios que fazem fronteira com o casarão da Rua da Barra, reúnem-se jovens estudantes do curso preparatório para a Faculdade de Direito, do Externato Ginásio Mineiro. Representantes da elite mineira e rapazotes de famílias menos abastadas, estes sob os auspícios do Dr. Fecor,14 dividem sonhos, anseios, preferências políticas, dormitórios e refeitórios. Entre um debate e outro sobre os Inconfidentes e as ideias republicanas, sobre o passado colonial das Gerais e o futuro modernizante representado pela Cidade de Minas, a partir de 1901 denominada Belo Horizonte,15 cinco estudantes fundam o periódico A Academia. A publicação teve vida efêmera, mas os laços de amizade e sociabilidade política perduraram. O quinteto tinha entre seus componentes três nomes que se tornariam importantes na política estadual, sendo dois deles de renome e importância nacional. Nelson de Senna (redator- chefe), Raul Soares (secretário) e Arthur Bernardes (redator)16 foram talhados, ainda em Ouro Preto para a política republicana de Minas. Como alunos da Faculdade de Direito de Ouro Preto, entraram em contato com importantes nomes da primeira geração de republicanos mineiros. O principal foi João Pinheiro, que em seu segundo governo à frente da Presidência do Estado recrutou Senna e Bernardes para o Congresso estadual, como parte de um projeto de renovação nos quadros do Partido Republicano Mineiro. Raul Soares veio em um segundo momento, muito em função do prestígio que Arthur Bernardes angariou neste contexto. Rapidamente Soares e Bernardes ascenderam aos mais altos cargos da República mineira e brasileira, sempre acompanhados da atuação parlamentar estratégica de Senna. Neste capítulo, o objetivo é compreender a “gênese social” do campo de poder da política republicana mineira. Interessa- nos apreender a “crença que o sustenta”, o “jogo de linguagem” e os elementos necessários à composição do “capital simbólico” dos seus integrantes.17 14 Dr. Fecor é como o diretor do Externato Ginásio Mineiro, o Engenheiro José Ignácio Carneiro, era conhecido pelos estudantes. REGINA, Maria. Autobiografia de Custódio Lustosa. Memória Histórica. Revista USP, nº 112, 1977, p. 443-458. 15 Para facilitar a compreensão do leitor, doravante, quando nos referirmos à Cidade de Minas, utilizaremos o seu nome atual, Belo Horizonte. 16 MAGALHÃES, Bruno de Almeida. Arthur Bernardes: estadista da República. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973. 17 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op.cit, p. 69. 28 1.1 – A Conformação dos Astros Os anos iniciais da República brasileira foram um período em que homens formados pelo Império se viram submergidos em um intenso processo de aprendizagem política.18 Como nos recordam Angela de Castro Gomes e Marieta de Moraes Ferreira, o novo sistema foi um “projeto de ação abraçado por uma geração de políticos e intelectuais que, como ‘mosqueteiros’, por ele lutaram na virada do século”. Os intelectuais se autoatribuíam um papel de vanguarda e uma missão, respaldada pela sociedade, de “iluminar as elites que construiriam o povo-nação.19 Era, provavelmente, dessa maneira que os republicanos da primeira geração em Minas Gerais se sentiam em relação aos jovens para os quais lecionavam em instituições de ensino secundário e superior ouro-pretanas, preparando-os para sucedê-los.20 Um dos principais nomes desta primeira geração foi João Pinheiro da Silva. Nascido em 16 de dezembro de 1860, no Serro, zona central de Minas Gerais, após a morte do pai, em 1870, ingressou no Seminário de Mariana com o irmão, José, onde permaneceu até a conclusão dos estudos em humanidades. Em 1881, foi admitido na Escola de Minas de Ouro Preto, mas, sem numerários para prosseguir os estudos, abandonou-a antes de completar o terceiro ano, transferindo-se, em 1883, para o curso jurídico da Faculdade de Direito de São Paulo. Um ano antes de se formar, alistou-se como eleitor na cidade de São Paulo, recebendo o “Diploma de eleitor republicano”. Bacharelado em Direito, Pinheiro retornou a Ouro Preto no início de 1888, onde começou a exercer a profissão de advogado e inteirou-se do movimento republicano mineiro. Muito embora não fossem recentes – os Inconfidentes e Teófilo Ottoni são exemplos disso – as ideias republicanas parecem ter serpenteado nas montanhas mineiras com menor rapidez do que no planalto paulista. As inclinações abolicionistas afastaram grande parte das elites rurais mineiras, excessivamente dependentes da mão-de-obra escrava, do Republicanismo até pelo menos 1888. Retirado o empecilho da questão escravista pela Abolição, a perspectiva de ampliação do poder local, presente no Federalismo defendido pelos paulistas, tornou-se 18 GOMES, Angela Maria de Castro; PANDOLFI, Dulce Chaves e ALBERTI, Verena (orgs.). A República no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002. 19 FERREIRA, Marieta de Moraes; GOMES, Angela Maria de Castro. Primeira República: um balanço historiográfico. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 4, 1989, p. 269-270. 20 John Wirth identifica a existência de três gerações políticas republicanas mineiras. A primeira composta pelos políticos nascidos antes de 1869; a segunda pelos nascidos entre 1869 e 1888; e a terceira por aqueles que nasceram após 1888. Cada uma dessas gerações vai atribuir graus de importâncias diferentes a cada uma das partes que compõem o conceito de Federalismo. Entre 1889 e 1897, a preocupação com o estado foi maior do que com o país; de 1898 a 1929, houve um equilíbrio entre as esferas estaduais e nacionais; e de 1930 a 1937, observa-se uma maior ligação entre os destinos destes políticos e os destinos da União. Ver WIRTH, John. O Fiel da Balança: Minas Gerais na Federação Brasileira, 1889-1937. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 225-232. 29 sedutora, angariando adeptos interessados em um programa de desenvolvimento regional descentralizado e sem as amarras da legislação imperial.21 A chegada de João Pinheiro à antiga capital mineira coincidiu com este momento. No mesmo ano de 1888 ele compôs, com mais trinta e três membros, a primeira reunião do Partido Republicano em Minas, na residência do Coronel Francisco Ferreira Alves,22 da qual saiu eleito para a Comissão Executiva, junto com o anfitrião e Leônidas Botelho Damásio.23 Era a primeira tentativa sólida de organização dos republicanos mineiros, até então esparsos em “grupos partidários [que] se formavam aqui e acolá”, carentes de “um chefe que imprimisse unidade de ação a estes esforços isolados”. Seguindo as indicações de João Pinheiro, Aurélio Pires, correspondente do O Paiz, publicou uma convocação no jornal para o Primeiro Congresso do Partido Republicano de Minas. Ao chamado atenderam “os mais notáveis chefes locais”, reunidos em Ouro Preto entre os dias 15 e 18 de novembro de 1888, para votar a organização do partido.24 Foi neste contexto, como “republicano histórico”, que João Pinheiro firmou-se no cenário político de Minas. Pode-se mesmo dizer que, em termos de representatividade da ideia de Progresso, tornou-se, como Júpiter, o maior planeta do sistema solar mineiro. Proclamada a República, lançou-se como candidato a deputado pelo Partido Republicano de Minas; em 21 de janeiro de 1890 foi nomeado pelo Governo Provisório como primeiro vice-governador de Minas, recebendo o cargo de Governador interino das mãos de Cesário Alvim, em 11 de fevereiro de 1890.25. Apenas alguns meses depois, João Pinheiro pediu para deixar o governo. A gota d’água, segundo ele, teria sido a contenda em torno da nomeação do diretor-interino da EMOP, escolhido entre um clube que lhe era hostil, pelo Ministro da Instrução Pública, sem o seu consentimento. A justificativa foi de que isto feria o princípio básico do federalismo, de 21 SILVA, Vera Alice Cardoso. A política regionalista e o atraso da industrialização em Minas Gerais (1889/1930). Dissertação de Mestrado em Ciência Política. Belo Horizonte: UFMG, 1977; WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit.; RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais: o novo PRM (1889-1906). Belo Horizonte: UFMG/PROE, 1982. 22 Nascido em Catas-Altas, município de Queluz, em 23 de outubro de 1843, era descendente de tradicional família mineira. Teria herdado o espírito liberal de seu pai, Francisco Ferreira Alves, participante ativo da Revolução Liberal de 1842, em Minas. Tornou-se, desde jovem, um propagandista republicano, e sua casa um ponto de reunião de anti-monarquistas. Também fez parte da Diretoria da Estrada de Ferro Ouro-Pretana. Ver: O Centenário de Ferreira Alves: traços da personalidade do republicano mineiro. O CENTENÁRIO de Ferreira Alves. A Noite, Rio de Janeiro, Edição 11388, de 24 de outubro de 1943, p. 10. 23 Lente preparador de Química e Física da Escola de Minas de Ouro Preto, abolicionista aguerrido, fez parte da Sociedade Libertadora Mineira, anos mais tarde, de 1913 a 1914, tornou-se diretor da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. 24 PIRES, Aurélio. Homens e Fatos do Meu Tempo. Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, vol. 46. 25 PINHEIRO, João. Idéias Políticas de João Pinheiro: cronologia, introdução, notas bibliográficas e textos selecionados por Francisco de Assis Barbosa. Brasília – Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1980. 30 não-intervenção nos Estados.26 É possível também que almejasse preparar-se para os trabalhos da Constituinte de 1891, o que se concretizou em dezembro do mesmo ano com a sua eleição para Comissão dos 21 parlamentares incumbidos de analisar o anteprojeto da Carta Magna. Após os trabalhos na capital federal, Pinheiro retornou à Minas, onde passou a se dedicar à Fábrica de Cerâmica Caeté. As dissidências partidárias, somadas à derrota para Cesário Alvim e à renúncia de Deodoro da Fonseca da Presidência da República, podem ter contribuído para a “desilusão” com os rumos tomados pela República e a iniciativa de se afastar da vida política. Entre o pedido de exoneração e o seu retorno à vida pública, em 1903, alguns fatos foram marcantes. As agitações que tomaram conta das decisões em torno das novas instituições da República no Brasil também puderam ser sentidas em território mineiro. A convocação para a Assembleia Nacional Constituinte de 1890 evidenciou tanto a necessidade quanto a dificuldade de um acordo para definir os representantes da chapa mineira. O recém fundado Partido Republicano estava cindido entre os “republicanos históricos”, e aqueles que adentraram no movimento às vésperas de 1889, chamados “adesistas” ou “republicanos de décima-primeira hora”.27 Após uma reunião dos históricos em Juiz de Fora, houve o entendimento de que somente uma delegação unida poderia fazer frente aos interesses do Rio de Janeiro, motivo pelo qual se optou por uma chapa mista. Um ano mais tarde era a vez de eleger os membros da Constituinte estadual, o que acirrou ainda mais os ânimos e colocou novamente a oposição entre os grupos na ordem do dia. Em vão foi tentado um acordo para equacionar as correntes dissonantes. A fratura parecia inevitável, de modo que o já frágil Partido Republicano de Minas Gerais se dividiu em dois. De um lado, os adesistas se aglutinaram sob a direção da política conciliadora e conservadora de Cesário Alvim, agrupamento que em 1894 passou a denominar-se Partido Republicano Conciliador. De outro, em plena Zona da Mata, ergueu-se o antialvinista e histórico Carlos Vaz de Melo,28 que, com Antonio Olinto,29 fundou o Partido Republicano 26 PINHEIRO, João. Exposição dos Motivos ao Deixar o Governo do Estado. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 131. 27 CALICCHIO, Vera. PARTIDO REPUBLICANO MINEIRO (PRM). In: ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionário Histórico-Biográfico da Primeira República (1889-1930). op. cit. 28 Carlos Vaz de Melo nasceu em Vila Nova, Minas Gerais, em 08 de setembro de 1842. Como filiado ao Partido Liberal, foi deputado geral por Minas (1881-1885), prefeito de Viçosa (1887-1890), deputado federal por Minas (1894-1902) e Senador no Congresso Mineiro (1903-1904), além de liderar a oposição ao Marechal Deodoro da Fonseca em Viçosa. Fundou duas fábricas de tecidos em Viçosa, bem como o semanário “Cidade de Viçosa”. Uma de suas filhas, Clélia Vaz de Melo, casou-se com Arthur Bernardes, garantindo a este a liderança política de um dos dois partidos entre os quais a cidade de Viçosa se viu dividida após a morte do patriarca. SOUZA, Ioneide Piffano Brion de. MELO, Carlos Vaz de. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 29 Antônio Olinto dos Santos Pires nasceu no Serro, Minas Gerais, em 15 de dezembro de 1860, neto de Josefino Vieira Machado, barão do Guaicuí, participante da Revolução de 1842 e chefe político em Diamantina. Com João Pinheiro esteve presente no Congresso Republicano de Ouro Preto para a fundação do Partido Republicano de 31 Constitucional (PRC). Segundo John Wirth, o PRC logrou deslocar o eixo decisório da zona da mineração para as regiões de café e transformar a política mineira em um minissistema federal, com três superchefes: Crispim Jacques Bias Fortes, eleito presidente estadual em 1894; Silviano Brandão, eleito Presidente do Senado estadual; e o seu cunhado, Júlio Bueno Brandão, líder da maioria na Câmara.30 A primeira grande vitória do PRC, com a consequente derrocada do alvinismo, teve como marco a eleição de Bias Fortes, que inaugurou um período de fortalecimento do silvianismo e do biismo.31 Fato marcante da Primeira República, os processos eleitorais eram sempre conturbados, momentos de rearranjo das alianças políticas e de revisão de hegemonias.32 Silviano Brandão, colocava-se como candidato natural à sucessão de Bias Fortes na Presidência do Estado, no pleito de 1897. A candidatura enfrentou a oposição de Mendes Pimentel, que liderou um manifesto de oposição ao sistema de indicação à sucessão por parte de deputados estaduais e federais, reivindicando o sistema de indicação por delegados dos diretórios locais. A proposta de Vaz de Melo de eleger uma comissão de 15 membros responsável pela definição da chapa ao governo estadual foi vitoriosa por 58 votos a 40, resultando na indicação de Silviano Brandão e Costa Sena à presidência e à vice-presidência. Os dissidentes, liderados por Mendes Pimentel, organizaram em 20 de dezembro de 1897 uma convenção na nova capital mineira, com o objetivo de formular o programa de um novo partido e indicar os seus candidatos à presidência e à vice-presidência do Estado. Francisco Bressane, delegado silvianista, compareceu à reunião encarregado de um acordo no qual as reinvindicações dos opositores seriam acatadas em troca do apoio à Silviano Brandão no plano estadual, e a Campos Sales, no plano federal.33 Firmado o acordo, a Convenção instalou-se no dia seguinte, 21 de dezembro, data em que foram votadas as bases orgânicas de um novo partido e a sua Comissão Executiva, composta por dois silvianistas, o deputado federal Vaz de Melo e o deputado estadual Júlio Bueno Brandão, e pelos três dissidentes, os deputados federais Mendes Pimentel e Teles de Menezes, e o deputado estadual Sabino Barroso.34 Estava fundado aquele que seria o núcleo da política mineira na Minas. Proclamada a República, foi nomeado governador interino (1890), transmitindo o cargo após uma semana a Cesário Alvim. Foi, ainda, deputado federal por Minas (1891-1894) e Ministro da Viação e Obras Públicas (1894-1896). CACHAPUZ, Paulo Brandi. OLINTO, Antônio. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 30 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 158-159. 31 RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit. 32 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: uma revisão da “política do café com leite”. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012. 33 Ainda segundo Maria Efigênia Lage de Resende, neste acordo estaria o embrião de uma articulação que resultou na oficialização da Política dos Governadores, em 1900. RESENDE, Formação da estrutura de dominação..., op. cit., p. 168. 34 CALICCHIO, Vera. PARTIDO REPUBLICANO MINEIRO (PRM), op. cit. 32 Primeira República - o Partido Republicano Mineiro,35 locus de atividade dos três personagens que citamos no início do capítulo. 1.1.1 – A política de recrutamento da Tarasca Neste ínterim, afastado da política, João Pinheiro dedicou-se a sua fábrica de Cerâmica Caeté e atuou como professor na Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto (FALDOP).36 Acreditamos que foi nesta instituição que entrou em contato mais próximo com aqueles três rapazes que, após os cursos preparatórios, finalmente ingressaram no curso superior. Nelson de Senna e Raul Soares37 ingressaram na FALDOP, em 1895, seguidos por Arthur Bernardes, matriculado como ouvinte do primeiro ano de Direito, em 1896.38 Como bem sinalizou Amílcar Vianna Martins Filho, além de oferecer formação profissional, os cursos superiores desempenhavam um importante papel na socialização política dos membros da elite mineira, muitas vezes dispersa em seu mosaico de regiões.39 Mais do que isso, a fundação de uma Faculdade de Direito era importante para a própria consolidação da República em Minas Gerais. O bacharel em Direito seria o responsável por organizar o Governo, as instituições políticas e a administração como um todo.40 A instalação da Faculdade de Direito em Ouro Preto, em 1892, gerou um polo de atração para aqueles jovens que antes rumavam para as Faculdades de Direito de São Paulo ou de Olinda, e que agora podiam ser alunos de muitos dos políticos da primeira geração republicana de Minas Gerais.41 Com a construção da nova capital, que teve João Pinheiro como um dos principais articuladores, a FALDOP foi transferida de Ouro Preto para Belo Horizonte, em 1898. Ainda neste ano, já formado, Nelson de Senna mudou-se para lá, enquanto Raul Soares transferiu-se para a Faculdade de Direito de São Paulo, acompanhado, um ano depois, por Arthur Bernardes. Neste período, o percurso do trio também foi semelhante, com destacadas atuações na imprensa, na advocacia e na docência, itens que despertavam a atenção dos dirigentes do Partido Republicano Mineiro. 35 FLEISCHER, David. O Recrutamento Político em Minas (1890-1918). Revista Brasileira de Ciência Política, Belo Horizonte, 1971, p. 54. 36 LANA, Vanessa. João Pinheiro. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 37 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Raul Soares. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 38 MALIN, Mauro. Artur Bernardes. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 39 MARTINS FILHO, Amilcar Vianna. O segredo de Minas: a origem do estilo mineiro de fazer política (1889- 1930). Belo Horizonte: Crisálida, 2009, p. 141. 40 NETO, Silveira. O Centenário da Faculdade de Direito de Belo Horizonte. Revista de Informação Legislativa, Ano 29, nº 113. Brasília, jan/mar 1992, p. 516. 41 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 141. 33 A seleção dos indivíduos para integrar o PRM era criteriosamente elaborada por sua Comissão Executiva, ou Tarasca42 que, segundo David Fleischer, foi a “mais importante estrutura de recrutamento até 1937”. A fala do deputado Levindo Coelho, apesar de extensa, é importante por dar-nos uma ideia da visão que o PRM se esforçava por difundir sobre a seleção de talentos quando da escolha dos candidatos, como se apenas os predicados morais importassem: A Executiva reunia-se preliminarmente em Palácio, com o Presidente do Estado. O chefe do Governo, que era sempre do PRM, sugeria o nome ou nomes dos candidatos. O presidente tinha o cuidado de, escolhendo os nomes de influência política no Estado, organizar uma lista desses nomes e, na reunião analisava um por um, levando em consideração não apenas o valor político dos mesmos, mas, principalmente, a idoneidade, o grau de cultura, os predicados morais, os serviços que já houvessem apresentado e as atividades por eles desenvolvidas, estas de real proveito público. Nestas condições, os membros da Comissão Diretora do PRM se retiravam para a sede do Partido, onde procediam a uma acurada apreciação dos nomes indicados e, quase sempre por unanimidade, eram escolhidos os candidatos os candidatos às eleições de presidente do Estado, vice-presidente, senadores e deputados. Lavrava-se a ata e os nomes dos candidatos seguiam para a publicidade no jornal do PRM, o Diário de Minas.43 Contra qualquer aspecto de monolitismo que a fala de Levindo Coelho possa deixar transparecer, John Wirth afirma que o que se processava era justo o contrário, ou seja, uma política de coalizão entre os chefes políticos regionais e o Presidente. As sugestões enviadas pelo Presidente para a Comissão Executiva eram repassadas aos coronéis sob a articulação de Francisco Bressane, secretário perpétuo do Partido, o qual cuidava de dizer para cada coronel como os votos deveriam ser distribuídos e, assim, evitar os elementos de oposição. Ao coronel ficava assegurado, ao menos em tese, a contrapartida do acesso aos impostos locais. Dessa forma, o PRM fugia dos aspectos mais problemáticos das crises de sucessão que atuavam como enfraquecedores de outros Estados.44 De acordo com Maria Efigênia Lage de Resende, no espaço de uma década o PRM se tornou um instrumento central de dominação oligárquica, graças ao fortalecimento da Tarasca, ocorrido em 1898, com a alteração do artigo XVII das Bases Orgânicas do Partido, que passou de 5 para 7 os membros da Comissão Executiva, e a nova eleição dos seus componentes, que conseguiu eliminar Mendes Pimentel e anular as dissidências no interior do partido. A partir de 42 A denominação “Tarasca” remete ao poderio que a Comissão Executiva centralizava em suas mãos. Do francês Tarrasque, remete ao fabuloso monstro das lendas provençais que depois passou a ser encenado pelo manequim de um animal monstruoso carregado durante as procissões de Pentecostes em Tarrascon, no sul da França. TARASCA. In: DICIONÁRIO Caldas Aulete, op. cit. 43 COELHO, Levindo. Apud FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit. 44 WIRTH, John. Apogeu e declínio da Comissão Executiva do PRM, 1889-1929. In: V Seminário de Estudos Mineiros. A República Velha em Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG/PROED, 1982, p. 65. 34 então, o PRM se transformou “em um rótulo e suas Bases Orgânicas em mero recurso introdutório para acobertar os desmandos da Comissão Executiva”.45 Foi contra este estado de coisas que João Pinheiro se ergueu. A partir de sua posse como Presidente do Estado pela segunda vez, em 1906, Pinheiro promoveu uma importante renovação no partido. Foram realizadas alterações no programa do PRM no que se refere às representações legislativas. As indicações dos candidatos ao Congresso Federal e Estadual, antes feitas à Comissão Executiva por delegados plenipotenciários, passaram a ser indicações diretas dos diretórios locais, o que resultava em escrutínio prévio; e as listas de candidatos poderiam ser incompletas. Resende frisa que tais mudanças tiveram efeito reverso ao que Pinheiro programou. A criação dos diretórios locais foi justamente uma forma de Silviano Brandão ligar os coronéis ao PRM e neutralizar os redutos de oposição. Fingindo acatar a orientação pinheirista, a Comissão Executiva reduziu o PRM e o Executivo aos seus desígnios, sob a fachada de preocupações liberais-democráticas,46 resultando em diretrizes tecnocráticas que facilitaram a cooptação de grupos de interesses mineiros.47 De todo modo, o objetivo de republicanizar o partido e afastá-lo das práticas oligárquicas coadunou-se em torno de um grupo jocosamente apelidado de “Jardim de Infância”, do qual faziam parte, além de Pinheiro, nomes como Afonso Pena, David Campista, Miguel Calmon, Carlos Peixoto, entre outros. Este grupo, que reunia não só políticos mineiros como gaúchos, fluminenses e baianos, pregava como elementos vitais da política republicana a inteligência, a cultura, o patriotismo e a honestidade.48 Não nos parece exagerado afirmar que Pinheiro tenha reconhecido essas qualidades em Nelson de Senna49 e Arthur Bernardes quando lhes ministrou aula na Faculdade de Direito de Ouro Preto, tanto assim que a entrada destes para o Congresso estadual coincide com o início de seu mandato como Presidente de Minas Gerais. Igualmente plausível é supor que Silviano Brandão, que foi professor da cadeira de Medicina Legal e Higiene Pública da mesma Faculdade, tenha aí observado as inclinações político-intelectuais destes jovens.50 45 RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit., p. 180. 46 RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit., p. 188-189. 47 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 174. 48 FRANCO, Afonso Arinos. Um estadista da República. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1977, p. 419. 49 Uma carta de 27/10/1902 de João Pinheiro a Nelson de Senna para tratar de assuntos agrícolas e a remessa de amostras de cebolas mostra que os dois mantiveram contato nesse período em que Pinheiro estava afastado da política. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 80 – Carta de João Pinheiro versando sobre questões agrícolas. Caeté, 1 fl, 27 de outubro de 1902. 50 Nelson de Senna afirma em sua caderneta de notas autobiográficas ter tido aulas com Silviano Brandão na Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto. APCBH – NCS 1 (6) – DOCUMENTOS PESSOAIS, p. 17. 35 Segundo Wirth, o recrutamento de indivíduos talentosos foi uma constante no período de apogeu do PRM, sob o pretexto de que se caso não se submetessem ao aliciamento nunca conseguiriam chegar ao Congresso federal. A este processo o autor dá o nome de “sargentação”, cuja finalidade era estabilizar a guerra dos coronéis, encorajando a circulação geográfica das elites e a seleção dos melhores profissionais.51 A homogeneidade e reserva com estranhos, explica, eram fatos conhecidos sobre a elite política mineira, de modo que os laços de família, a educação e o dinheiro eram atalhos comumente utilizados para garantir o status de elite e acesso à carreira política. Conquanto Minas Gerais muitas vezes apareça na historiografia como ensimesmada em suas montanhas, sua elite estava aberta aos jovens talentosos que pudessem fazer seu patrimônio aumentar. Aqueles que detinham o grau de Direito saíam na frente, pois podiam colaborar na formulação de contratos, em decisões jurídicas, além de engrossar as fileiras do ego literário mineiro, com a publicação de obras.52 O jogo era transparente até mesmo para as partes recrutadas, que muitas vezes naturalizavam, ou se empenhavam em fazer crer que a dinâmica era fruto dos mais legítimos ideais republicanos. A este respeito, afirmou Senna nos derradeiros dias de sua carreira política: “as tendências e finalidades da formação do espírito republicano, em Minas Gerais, se definem, conseguintemente, por uma política selecionadora das capacidades”, buscando vultos que exprimam indiscutíveis valores mentais, habituados ao trabalho e cheios de fé no futuro do país.53 Nelson de Senna e Arthur Bernardes se encaixavam tanto nos planos de João Pinheiro quanto possuíam – da mesma maneira que Raul Soares – características próprias a um grupo de interesse ao qual o PRM era bastante sensível. Amílcar Vianna Martins Filho fez, em seu estudo de biografia coletiva da elite política mineira, um elucidativo levantamento dos critérios observados entre 1891 e 1930 para o recrutamento. Em primeiro lugar, todos eram brancos e predominantemente católicos. O alto nível educacional era ponto de destaque: 98,4% dos 511 políticos que o autor logrou obter informações sobre a escolaridade tinham diploma universitário. Destes, seguindo uma tendência bacharelesca, 315, ou seja, 61,6% eram formados em Direito. Ainda no secundário, esses futuros candidatos à elite política já compartilhavam sua formação em três grandes centros educacionais da época, como o Externato Ginásio Mineiro (17,9%), o Colégio do Caraça (17,6%) e o Seminário de Mariana (9,3%). Quanto ao 51 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 191. 52 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 205-206. 53 APCBH – NCS 4 (23) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Discurso proferido na sessão da Câmara Federal sobre a “Presença do Espírito de brasilidade nos políticos mineiros e sua contribuição para a política nacional”, em agosto de 1929. 36 local de origem, eram em sua maioria provenientes da Zona da Mata (22,5%), da Zona Metalúrgica (22,1%), do Campo das Vertentes (10,3%) e do Alto Jequitinhonha (7,4%).54 De posse desses dados, Martins Filho sinaliza os que mais influíam no acesso à elite política. O diploma universitário era o grande diferenciador numa sociedade em que o acesso ao ensino superior era restrito a um pequeno grupo, o que explica a principal ocupação ser de advogados (51,8%), seguida de professores (29,2%). Possuir experiência na política municipal aumentava as chances de acesso. Concomitância de ocupações era a regra e não a exceção, tanto que 44,1% eram ao mesmo tempo profissionais liberais e funcionários públicos. Ao contrário do que se esperaria em uma sociedade agrária, exercer uma profissão liberal ou ocupar cargos burocráticos eram atributos pessoais mais importantes do que a posse de terra, por exemplo. De tudo, porém, um dos itens mais fundamentais era o que autor chama de “conexão prévia com a elite por meio de parentescos”. A parentela com pelo menos um outro membro da elite política foi encontrada em 51,7%.55 A importância deste conjunto de requisitos era tamanha que interferia no sucesso e durabilidade da carreira. A conclusão a que o autor chega é a de que as chances de permanecer na elite política após os quatro primeiros anos chegavam a duplicar para aqueles que possuíam ligações de parentesco, além de facilitar a mobilidade ascendente para os cargos de alto escalão. Para os políticos que tinham mais de três parentes na política, pontua Martins Filho, a probabilidade de vir a ocupar os mais importantes cargos de governo56 aumentava em seis vezes. No entanto, em decorrência do sistema clientelista, a maior concentração de aparentados políticos era nos cargos de baixo escalão, onde as exigências de especialização e talento eram menores. Esses elementos se materializaram com maestria na trajetória do trio de “jovens talentos”. Nelson de Senna era conterrâneo de João Pinheiro, originário do Serro, no centro do Estado ou, mais especificamente, no Alto do Jequitinhonha; Raul Soares era de Ubá e Arthur Bernardes de Viçosa, ambos na região da Zona da Mata mineira. Soares frequentou o Seminário de Mariana e Bernardes o Colégio do Caraça. Como vimos, se encontraram com Senna no curso 54 MARTINS FILHO, O segredo de Minas..., op. cit., p. 137-163. 55 MARTINS FILHO, O segredo de Minas..., op. cit., p. 137-163. 56 Amílcar Vianna Martins Filho faz um escalonamento dos níveis de cargos ocupados. No nível 1 estão: diretor da Imprensa Oficial, Presidente do Banco hipotecário, Presidente do Banco Estadual, Prefeito da capital. No nível 2 estão: deputados e senadores estaduais. No nível 3 estão: juiz do Tribunal de Justiça do Estado, Secretário de Agricultura, Secretário de Finanças, Secretário do Interior, Chefe de Polícia e Vice-Governador. No nível 4 estão: Deputados Federais, Senadores, Presidente do Banco do Brasil, Prefeito do Distrito Federal. E, no nível 5 estão: Governador do Estado, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Ministro do Interior e Justiça, Ministro das Relações Exteriores, Ministro do Exército, Ministro da Marinha e Vice-Presidente da República. MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 158. 37 preparatório do Ginásio Mineiro, e depois na Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto. Após colarem grau em Direito, Senna foi professor de história no mesmo Externato Ginásio Mineiro e substituto na Faculdade de Engenharia de Minas Gerais; Soares foi professor de português no Ginásio Oficial de Campinas e na Faculdade de Direito de Belo Horizonte; e Bernardes foi professor de latim do Instituto de Ciências e Letras de São Paulo. Paralelamente, garantiam a requisitada experiência no serviço público e burocrático. Apenas para citar alguns dos cargos, Senna foi Vice-Presidente do Conselho Superior de Instrução Pública de Minas Gerais (1900- 1902) e Juiz de Direito do Estado de Minas Gerais (1904);57 Soares foi promotor de justiça e delegado interino de polícia em Carangola/MG (1900) e vereador de Rio Branco/MG;58 e Bernardes foi nomeado Promotor de Justiça da Comarca da Manhuaçu (1901) e vereador do distrito de Teixeiras/MG (1904).59 O que levou esses jovens de bacharéis e professores a galgar posição de potenciais candidatos ao Congresso Estadual? Para compreender os meandros da questão, partimos de duas ideias trabalhadas por Pierre Bourdieu. A primeira é a de “espaço social”, no qual os agentes e grupos de agentes são definidos não pelo que representam em si, mas a partir das suas posições relativas. Importa compreender o campo de forças que se impõe a todos os agentes, sem reduzir-se às intenções individuais destes ou às interações que estabelecem entre si.60 O passeio pelas várias instâncias burocráticas e liberais preparou-lhes para a vida pública, é verdade. Mas foi o parentesco que lhes abriu a porta para a vida política. A família materna de Raul Soares dominava politicamente a região de Ubá e tinha em sua linhagem cargos políticos desde a época do Império, como os dos seus irmãos, Francisco Soares de Moura, que atuou como deputado provincial (1888-1889) e deputado federal por Minas (1899-1902 e 1921-1930), e de Camilo Soares de Moura Filho, que foi deputado estadual (1894-1897) e federal (1903- 1908); além disso, ele era primo de Carlos Peixoto, presidente da Câmara dos Deputados no governo de Afonso Pena (1906-1909).61 Arthur Bernardes contraiu núpcias com a filha de Carlos Vaz de Melo, “republicano histórico”, fundador do PRM e importante político da Zona da Mata, que morreu três dias depois que o genro foi eleito vereador, deixando-lhe como herança a liderança política da região.62 Já Nelson de Senna, que era filho de Cândido José de 57 FLORIVAL, Romeu. Traços Biográficos do Dr. Nelson Coelho de Sena. Rio de Janeiro: Typographia Leuzinger, 1914. 58 CARVALHO, Afranio de. Raul Soares, um líder da República Velha. Rio de Janeiro: Forense, 1978. 59 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 60 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 133-136. 61 VISCARDI, Claudia Maria Ribeiro. Estudo Crítico: Raul Soares, itinerários de um articulador. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & GOMES, Maria do Carmo Andradre (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Raul Soares de Moura. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006, p. 35-53. 62 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 38 Sena, político e coronel da Guarda-Nacional, casou-se em dezembro de 1896 com Emília Gentil, filha do Coronel Antônio Gentil Gomes, que, à época do Império, havia sido deputado e chefe político de Mariana.63 Isoladamente, no entanto, esses fatores não justificam os rumos que a carreira de cada um deles tomou. Como explicar que Arthur Bernardes se elegeu Presidente da República, e que ele e Raul Soares se tornaram centrais no PRM, responsáveis por sua reformulação, enquanto Nelson de Senna, em termos políticos, não ultrapassou as portas do Congresso Federal? Qual teria sido o gatilho para que Bernardes e Soares se tornassem verdadeiros planetas na constelação política, enquanto Senna permaneceu um simples asteroide? Conforme Bourdieu, a dimensão relacional se dá em um campo de poder, portanto, é preciso ter em mente as “relações de forças entre as posições sociais que garantem aos seus ocupantes um quantum suficiente de força social – ou de capital – de modo a que estes tenham a possibilidade de entrar nas lutas pelo monopólio do poder”.64 De um lado, temos que o suporte político de parentesco de Senna já devia ter menor influência por advir da política imperial. De outro, temos uma aliança política com Vaz de Mello, Senador da República, ocupação nível 4 na escala de Martins Filho, cargo de relevância e projeção nacional – e, principalmente, integrante da Tarasca, de 1897 a 1904. Ao centro, um parentesco com Carlos Peixoto, membro do “Jardim de Infância”, e uma carreira política iniciada no contexto da morte de Camilo Soares de Moura Filho, motivada pelo embate de facções políticas em torno da campanha civilista de Rui Barbosa e do apoio da família de Soares a Hermes da Fonseca na sucessão presidencial de 1910, fato igualmente de repercussão nacional. Neste cenário, Soares e Bernardes encontraram o espaço aberto para fazer a linha de frente da elite política mineira, representantes do sucesso da política de recrutamento do PRM, afinal, a habilidade em apresentar jovens talentos pelo sistema de sargentação era motivo de orgulho para os dirigentes do Partido.65 1.1.2 – Tipologias e trajetórias: Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares Resgatar a descrição que Wirth faz dos tipos de político mineiro nos ajuda a entender trajetória percorrida por cada um deles. O político de primeiro escalão é o supercoronel, normalmente pertencente à segunda geração de republicanos mineiros e nascido ou na Zona da Mata ou no Sul do Estado. Formado na Faculdade de Direito de São Paulo, retorna à sua terra 63 FLORIVAL, Romeu. Traços Biográficos do Dr. Nelson Coelho de Sena, op. cit. 64 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 28. 65 WIRTH, Apogeu e declínio da Comissão Executiva do PRM, 1889-1929, op. cit., p. 67-68. 39 natal onde contrai matrimônio com a filha de um importante político da região, o que lhe facilita o acesso às instâncias de poder local, nos cargos de promotor público, vereador, até chegar ao de deputado estadual e federal, e senador estadual e federal. No Rio, torna-se parte do sistema de comissão dominado pelos mineiros, nas sessões de Finanças ou Agricultura. Passa por alguns Ministérios, e, se tudo sair como previsto, alcança o cargo de Presidente do Estado e da República. Esta descrição é praticamente um resumo do itinerário político de Arthur Bernardes e Raul Soares.66 Como genro do eminente Vaz de Melo, Bernardes logrou espaço para recepcionar o Presidente Francisco Salles, quando de sua passagem por Viçosa, em 1904. O discurso da ocasião foi elogiado pelo jornal local, e visto como “o lançamento de Bernardes na senda política”. A partir de então, a ascensão foi relâmpago: no intervalo de dois anos foi de vereador a Presidente da Câmara Municipal de Viçosa (1906). Na renovação da Câmara Estadual, durante o segundo governo de João Pinheiro, foi indicado pelo PRM e eleito como deputado pela 2ª circunscrição eleitoral, responsável pela Zona da Mata. Poucos dias após a abertura da legislatura, foi eleito 1º Secretário da Câmara por quase unanimidade (apenas o seu próprio voto foi contrário). A predileção pelos temas econômicos e financeiros possivelmente o levou a ser escolhido orador do Congresso das Municipalidades da Zona da Mata (1907), em cuja abertura pronunciou um discurso de exaltação à figura de João Pinheiro, presente no evento. A demonstração pública de alinhamento com as propostas pinheiristas não tardou a gerar resultados. Bernardes foi convidado por Pinheiro para revisar o cadastro fiscal e sugerir medidas necessárias ao aumento da arrecadação. Em tese, pela importante cooperação nesta reforma tributária, foi o único deputado estadual promovido a deputado federal na renovação do terço do Senado e da totalidade da Câmara dos Deputados, em 1909.67 Durante este tempo, Bernardes e Soares nunca deixaram de manter contato próximo e assíduo, mesmo residindo em cidades distintas. Esta ligação, afirma Afrânio de Carvalho, manteve Soares em intercâmbio com a cúpula política mineira enquanto se dedicava à carreira intelectual, o que foi fundamental para conseguir pareceres favoráveis à sua candidatura como deputado estadual. A despeito da exigência colocada pela Constituição do Estado de Minas Gerais (1891), de que o candidato fosse residente e domiciliado no Estado, houve o entendimento de que este período não precisaria ser contínuo, de modo que o tempo que residiu em São Paulo não era empecilho. Bueno Brandão, uma vez eleito Presidente de Minas, 66 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 220-221. 67 Tal fato teria gerado grande descontentamentos entre os adversários municipais de Arthur Bernardes. Ainda assim, o PRM lançou o seu nome à Câmara federal. MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 40 convidou Bernardes para Secretaria das Finanças (1910-1914), e deu o aval para que Soares fosse candidato. Além da intermediação de Bernardes, Antônio Carlos também trabalhou para que os diretórios municipais o escolhessem, como fica explícito em uma correspondência para Soares: “quanto às próximas eleições estaduais creio certa sua indicação pelo diretório deste município [Juiz de Fora], junto ao qual trabalharei em tal sentido”.68 Era o fim do interlúdio de convivência do trio, a retomada da comunhão de ideias e o pontapé de relações políticas sólidas, que duraram até a morte de seus componentes. Soares foi eleito para a legislatura de 1911-1914 da Câmara Estadual, onde se encontrou com Nelson de Senna e preparou o caminho para que Bernardes, seu fiel companheiro, chegasse à Presidência de Minas. Já para Senna os caminhos até a política foram menos lineares. O seu tipo se aproximou mais do político de carreira de segundo escalão, ou seja, do intelectual que serve ao partido e oferece o seu cérebro aos superchefes. De acordo com Wirth, os que se encaixam neste perfil geralmente vinham de família modesta, mas politicamente bem relacionada, forma-se em Direito, casa-se e vai praticar advocacia. Alia-se a um importante político, que lhe garante a legislatura em outra zona, e muda-se para Belo Horizonte, onde ministra aulas na recém- inaugurada faculdade. Por fim, a eleição para a cadeira de uma renomada academia o torna líder cultural.69 Senna não chegou a ocupar a Academia Brasileira de Letras, como o tipo político que Wirth exemplifica, mas as provas de seu vigor intelectual são incontáveis. Foi sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o que certamente abriu portas para que fosse correspondente de diversos IHG’s regionais e internacionais. Das instituições internacionais, destacam-se a Societé Academique D’Historie Internacionale de Paris (1911) e o Instituto Geográfico da Universidade Alemã de Wurzburgo (1927). O reconhecimento de seu valor como literato veio ao entrar para a Academia Mineira de Letras, em 1910. Como explica Bourdieu, no estudo do espaço social, os ocupantes das posições intermediárias ou médias são particularmente interessantes, uma vez que muitas de suas características mais típicas advêm justamente do fato de situarem-se “entre os dois polos do campo, no ponto neutro do espaço, e de oscilarem entre as duas posições extremas”.70 Nelson de Senna é um destes exemplos. Acreditamos que tão relevante quanto entender o porquê da ascensão de Soares e Bernardes seja compreender a via contrária, os limites impostos à carreira de Senna, a despeito da importância que, a nosso ver, teve para a implantação, execução, revisão 68 Carta de Antônio Carlos de 10/01/1911, no Arquivo de Raul Soares Apud CARVALHO, Raul Soares, um líder da República Velha, op. cit. 69 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit., p. 220-223. 70 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 133-136. 41 e reordenamento do projeto desenvolvimentista de João Pinheiro. Por este motivo, a sua trajetória merece ser pormenorizada. Os escassos estudos que trazem informações sobre ele afirmam que a sua entrada na política se deu pelos “braços fortes” de João Pinheiro. De acordo com Romeu Florival, o apadrinhamento pinheirista e a fidelidade a essa e outras “sinceras amizades”, como a de Delfim Moreira e Wenceslau Braz, às quais acrescentamos a de Soares e Bernardes, teriam lhe garantido eloquência na ação política.71 O seu reconhecimento político, entretanto, não ficou para a posteridade. Para Vera Alice Cardoso Silva, a explicação está no fato de não ter liderado reformas nem ocupado cargos no Executivo, lugar do poder efetivo na Primeira República.72 Ora, isto nos parece parte da pergunta e não da resposta. A engrenagem que fazia a máquina do PRM girar tornava imprescindível elementos a meio-termo. João Pinheiro tornou-se Presidente do Estado em 1906 e Nelson de Senna foi eleito deputado estadual em 1907. No entanto, havia pelo menos quatro anos que Senna trabalhava para se tornar candidato ao cargo. Se analisarmos a dinâmica do processo de recrutamento de acordo com as sequências sugeridas por Fleischer, pode-se dizer que a passagem de Senna como vice-presidente do Conselho Superior de Instrução Pública parece ter corroborado para transpô- lo – momentaneamente – do primeiro para o segundo estágio.73 Para aí permanecer, tentou ocupar a vaga deixada pelo falecimento do deputado estadual Luiz Cassiano Martins Pereira. Suas pretensões esbarraram na temível Tarasca. Em carta do PRM do Serro, de 27 de março de 1903, os representantes partidários do município informam que, apesar do “inestimável talento e ilustração”, Nelson de Senna não poderia ser candidato ao cargo vacante, pois a Comissão Executiva de Belo Horizonte já havia negado casos semelhantes em que o partido tentou intervir diretamente na indicação de um nome. A decisão, afirma o documento, baseava-se na “disciplina política” de que somente o Dr. Sabino Barroso Júnior poderia julgar a indicação que fosse mais conveniente ao partido.74 Em sua defesa foram apresentados abaixo-assinados à Tarasca. O primeiro, de 25 de março de 1903 – que antecede a carta de negativa do PRM do Serro, talvez porque esperasse 71 FLORIVAL, Traços Biográficos do Dr. Nelson Coelha de Sena, op. cit. 72 Vera Alice Cardoso Silva defende que é justamente por esta razão que devemos buscar esclarecer a importância da contribuição de Nelson de Sena em sua época, e julgamos que o mesmo se aplica à Americano do Brasil. Ver: SILVA, Vera Alice Cardoso. Estudo Crítico: Nelson de Sena: Ideias e Ideais de um Republicano Conservador. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & LANNA JÚNIOR, Mário Cléber Martins (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2006, p. 31-57. 73 David Fleischer divide a dinâmica do Recrutamento Político nas seguintes etapas: “1) a motivação inicial de um indivíduo que deseja ser candidato a um cargo eletivo ou posição nomeada; 2) o recrutamento e a seleção de pessoas para funções políticas; e 3) a interação de pessoas e funções dentro de instituições governamentais e estruturas políticas”, FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit., p. 17. 74 APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº93 – Ofício da diretoria do Partido Republicano do Serro explicando os motivos de não indicar sua candidatura ao Congresso Municipal. Serro, 27 de março de 1903. 42 por ela, continha quatro folhas de assinaturas dos eleitores de Belo Horizonte em apoio à candidatura dele para a vaga de Luiz Cassiano.75 O segundo abaixo-assinado, de 31 de março de 1903, veio acompanhado de uma carta do Diretório do PRM do distrito de Guanhães. Em face da não-escolha de um cidadão para ocupar a vaga de Cassiano, o diretório achava por bem solicitar a indicação de Nelson de Senna, nome que diziam ser o que detinha o maior número de eleitores em toda a vasta zona da 5ª circunscrição.76 A “acurada ilustração”, as “exímias qualidades” e o “comprovado patriotismo” foram reforçados na justificativa apresentada pela Secretaria do Centro Diretor da Política de Nossa Sra. do Porto de Guanhães em outra carta endereçada ao presidente e demais membros da Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro de Belo Horizonte, na qual afirma que a opinião dos membros do diretório e de seu eleitorado era, de fato, a indicação de Senna.77 Nelson de Senna não conseguiu emplacar na vaga de Luiz Cassiano, e continuou com a carreira acadêmica, participando de congressos, associações e academias. Em 1906 o assunto torna a aparecer em seu epistolário. Em carta de 11 de setembro do referido ano, Antônio Carlos diz estar tranquilo quanto à candidatura de Nelson de Senna, confiante na ação do “nosso Sales”, uma vez que já havia tratado tanto da sua candidatura quanto da de Senna em repetidas cartas. Sugere, pois, que entre em contato com Sales e diga que ambos permanecem tranquilos fiando-se na promessa que lhe fora feita.78 A correspondência é interessante por três razões. Coincidência ou não, o teor é muito semelhante à correspondência trocada com Soares em 1911, na qual Antônio Carlos se coloca como intermediário das negociações eleitorais. Já nas primeiras linhas descobrimos que Antônio Carlos era padrinho de Lucio Octávio, filho de Nelson de Senna. Confrontando os dados biográficos dos dois, é provável que Senna e Antônio Carlos tenham se conhecido, ou, pelo menos se tornado mais íntimos, quando o último era Secretário de Finanças, em 1902, e Senna pleiteava autorização para fazer pesquisas de mineração na região do Peçanha.79 75 APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº92 – Abaixo-assinado dos eleitores de Belo Horizonte para a Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro..., Belo Horizonte, 25 de março de 1903. 76 Os signatários da carta eram Joaquim Bento Coelho, João Batista de Magalhães, Marçal de Magalhães Barbalho, Francisco Antonio Chaves e João Rodrigues Coelho. Em anexo, o abaixo-assinado dos eleitores de São Joaquim de Bicas, descrevia Senna como um homem “de um talento cuidadosamente cultivado”, que quase por idolatria vinha se esforçando pelo progresso da terra mineira. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 97 – Representação dos eleitores de Patrocínio de Guimarães [sic] para a Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro apoiando a sua candidatura ao Congresso Nacional..., Guanhães, 31 de março de 1903. 77 APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº98 – Ofício de Ludgero Pereira dos Santos, Presidente do Diretório Político de Porto de Guanhães, informando-lhe sua apresentação como candidato à Deputado Estadual pelo Partido Republicano Mineiro. Porto de Guanhães, 02 de abril de 1903. 78 APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº272 – Carta de Antônio Carlos falando de assuntos políticos, do jornal e pessoais. Petrópolis, 09 de novembro de 1906. 79 APCBH – NCS 3.6 (1) AG – MINERAÇÃO E SIDERURGIA, 1902. 43 O “nosso Sales”80 a que a correspondência se refere é Francisco Sales,81 o qual, tão logo ocupou a presidência do Estado, em 1902, tratou de cercar-se dos mais jovens e promissores nomes para o seu secretariado, como o próprio Antônio Carlos. O ponto alto de sua plataforma de governo foi a realização do I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais, em 1903, sob a liderança de João Pinheiro. Assim, as linhas de Senna se cruzavam com três importantes nomes da política mineira. Ele adentrou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelas mãos de João Pinheiro, que voltou à cena política pelas mãos de Francisco Sales,82 o mesmo que já havia prometido suporte às candidaturas de Nelson de Senna e Antônio Carlos. Ao que a conjunção de dados indica, promessa cumprida na eleição do primeiro como deputado estadual (1906) e do segundo como senador estadual (1907). A explicação encontra-se no fato de que já em 1902 Francisco Sales logrou administrar com destreza os chefes regionais e os membros da Tarasca, dominando, assim, um dispositivo fundamental: a governança, responsável por arbitrar os pleitos e arranjos políticos. Como explica Fleischer, o retorno de Pinheiro como ponto neutro nas querelas garantiu a Sales o domínio futuro da cúpula do PRM.83 Apoiado pelo Presidente do Estado, Nelson de Senna foi eleito para a 5ª legislatura, como deputado estadual da 5ª circunscrição, representando Diamantina e o Vale do Jequitinhonha. Para a 2ª circunscrição, responsável por vários municípios da Zona da Mata, foi eleito Arthur Bernardes. Em 1911, para esta mesma circunscrição, foi a vez de Raul Soares. Seja pela competência demonstrada na reforma tributária, por força de sua ligação com Vaz de Melo ou pela campanha ao lado de Hermes da Fonseca, fato é que Bernardes foi o primeiro a ser “promovido”, do congresso estadual ao federal e daí para o cargo de Secretário de Finanças. Na sequência, Soares deixou a Assembleia Legislativa para ser nomeado Secretário da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas do governo de Delfim Moreira (1914- 1918), ao fim do qual foi também eleito deputado federal. Senna ainda permaneceu nas 6ª, 7ª e início da 8ª legislaturas, nem todas pela mesma circunscrição, como revela a sua carta de renúncia à cadeira de deputado pelo 11º distrito de Minas Gerais.84 80 O “nosso Sales” vinha em oposição ao “Sales deles”, ou seja, a Campos Sales, Presidente da República no período de 1898-1902. 81 Nascido em Lavras do Funil e formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, Francisco Antônio de Sales foi prefeito de Belo Horizonte (1899), deputado federal (1900-1902), Presidente de Minas (1902-1906) e senador (1906-1910; 1915-1923). LANA, Vanessa. SALES, Francisco. In: ABREU, Dicionário Histórico- Biográfico..., op. cit. 82 WIRTH, Apogeu e declínio da Comissão Executiva do PRM, 1889-1929, op. cit., p. 67. 83 FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit., p. 57. 84 APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº909 (no catálogo do APCBH consta como nº908, mas no acervo está catalogado como nº909). – Ofício do Dr. Nelson de Senna renunciando seu mandato de Deputado de 1919 a 1922. Belo Horizonte, 1919. 44 O fato de Senna ter sido eleito para zona diversa da sua origem, o que não ocorreu com Raul Soares e Arthur Bernardes, merece destaque. O estudo basilar de Vitor Nunes Leal nos ensina que o coronelismo tinha como pilar um compromisso mútuo de deveres e favores. Para que o sistema se mantivesse, a clientela teria que ser cada vez maior,85 e nem sempre as instituições e cargos políticos comportavam todos os barganhados. De acordo com Victor Fonseca Figueiredo, a política do PRM de reserva de vagas para intelectuais tendia a privilegiar as zonas do Estado com menor influência política, normalmente distintas do seu local de origem. Mais do que recrutar, a tendência era deslocar os excedentes, sobretudo a partir de 1915, em tese, para renovar os quadros políticos; na prática, para representar o chefe estadual que proporcionou a entrada na política.86 Nelson de Senna era natural do Centro de Minas, mas na Assembleia Legislativa esteve à frente da 5ª circunscrição, da região de Guanhães, justamente onde sua família tinha tradição, e na 13ª legislatura federal foi alocado no 7º distrito, formado pelo norte e nordeste mineiro.87 Com vistas à promoção na carreira política, novamente foi a Francisco Sales que o então deputado estadual recorreu. Em carta de 01 de maio de 1919, Sales afirma ter recebido o cartão que Nelson de Senna enviou em 26 de abril de 1918, comunicando a sua intenção de suceder à vaga deixada em seu distrito. Sobre isso, Sales prometia buscar entendimento com os representantes do Partido, comunicando-lhe o que ficasse decidido.88 A questão é que este era um período em que o domínio de Sales na Comissão Executiva do PRM já encontrava forte resistência. No que para muitos estudiosos corresponde a uma renovação na política do Partido, possibilitada pelo envelhecimento e declínio de seus fundadores,89 Raul Soares e Arthur Bernardes ganharam projeção. A dupla incorporava a retórica de uma nova geração menos compromissada com o Liberalismo, à serviço do desenvolvimento econômico e da tecnocracia em lugar da oligarquia.90 85 LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. 86 FIGUEIREDO, Vítor Fonseca. Os Senhores do sertão: coronelismo e parentela em uma área periférica de Minas Gerais (1889-1930). Dissertação de Mestrado em História. Juiz de Fora: UFJF, 2010, p. 85. 87 MELO FRANCO, Afonso Arinos de. Um Estadista da República: Afrânio de Melo Franco e seu tempo. Fase Nacional. Rio de Janeiro: José Olympio, 1955, vol. 2. 88 A catalogação do APCBH afirma que a carta é de 1917. Há um erro de leitura, pois no documento é possível identificar a data de 1919. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº862 (no catálogo do APCBH consta como nº861, mas no acervo está catalogado como nº862) – Carta de Francisco Salles, do Gabinete do Ministro da Fazenda, comunicando-lhe que fará referências a seu respeito aos representantes do distrito. Rio de Janeiro, 01 de março de 1919. 89 Sobre o tema, ver: IGLÉSIAS, Francisco. Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930). In: V Seminário de Estudos Mineiros..., op. cit., p. 115-144; e FLEISCHER, David D. A Cúpula Mineira na República Velha – origens socioeconômicas e recrutamento dos presidentes e vice-presidentes do Estado e de deputados federais. In: V Seminário de Estudos Mineiros..., op. cit., p. 11-33. 90 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 300. 45 Agora eram Soares e Bernardes que faziam as vezes de Sales e Pinheiro. No pleito eleitoral da sucessão de Delfim Moreira, Raul Soares sugeriu o nome de Arthur Bernardes para acalmar os ânimos entre biistas, salistas e silvianistas, acatado sem grandes resistências. Com a eleição de Bernardes para a presidência de Minas Gerais, em 1918, a Tarasca viu pela primeira vez seus poderes esvanecerem diante do Executivo. O político de Viçosa não só deslocou o eixo de poder do Sul para a Zona da Mata, como promoveu inúmeras reformas que puseram fim ao sistema de colegiado. Para isso, suspendeu o recrutamento do funcionalismo público para o Legislativo,91 e convidou Soares para a Secretaria do Interior e da Justiça, cargo que oferecia as “melhores oportunidades de ascensão política”92 e o tornava responsável por todas as eleições do estado.93 A medida surtiu efeito. Os índices de renovação observados em 1919, no Legislativo Mineiro, e em 1921, na bancada federal, foram os maiores desde 1900.94 A partir daí, 72% dos antigos deputados e 50% (cota máxima estipulada) dos senadores estaduais foram destituídos do cargo. Na montagem da nova estrutura, o fato de a imensa maioria dos deputados ser portador do diploma universitário demonstra que a preferência foi dada para homens de talento. Outro ponto relevante foi o retorno de vários dos ex-pinheiristas afastados pelas três facções rivais em 1908.95 Arthur Bernardes tratou de garantir a institucionalização de suas medidas na Convenção do Partido, realizada em 17 de setembro de 1919. O impacto sobre os líderes da Tarasca se fez sentir já na organização dos representantes – o máximo de 5 distritos, sendo que em convenções anteriores Sales e Bressane somaram até 30 para cada um. Também com o objetivo de diminuir o poder de voto de Sales, presidente da Comissão Executiva, este foi promovido, juntamente com os ex-presidentes, a membro perpétuo, vagando três lugares que foram perspicazmente ocupados pelo adversário histórico de Sales na Zona da Mata, Astolfo Dutra; pelo líder católico do Norte, Francisco Badaró; e por Raul Soares. Por fim, estabeleceu-se a rotatividade anual da presidência e da secretaria da Comissão Executiva.96 Nelson de Senna não só não foi engolido pela reforma, como recebeu a sua grande promoção política no âmbito dela. Uma vez mais ele preenchia os requisitos necessários. Era pinheirista, diplomado em curso universitário, proveniente do Centro e alinhado aos ideais do reformismo conservador que tanto agradava a Soares e Bernardes. Não obstante, pesava o fato 91 FLEISCHER, A Cúpula Mineira na República Velha, op. cit., p. 27. 92 VISCARDI, Estudo Crítico: Raul Soares, op. cit., p. 35-53. 93VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 94 FLEISCHER, A Cúpula Mineira na República Velha, op. cit., p. 27. 95 WIRTH, O Fiel da Balança, p. 165. 96 WIRTH, Apogeu e declínio da Comissão Executiva do PRM, 1889-1929, op. cit., p. 68-69. 46 de serem amigos de longa data. De acordo com Amílcar Martins Filho, as correspondências pessoais de Soares revelam um processo de patronagem e clientelismo fundamentais na consolidação da política oligárquica,97 ao qual nem ele nem Bernardes conseguiram escapar. Não se trata do apadrinhamento mais primitivo – Senna era qualificado para o cargo –, mas há certamente um favorecimento.98 Como nos recorda Wirth, as múltiplas atividades profissionais davam acesso às “panelinhas de amigos” e estas compartilhavam tanto informações quanto “acesso aos mais poderosos e influentes em âmbito estadual e federal”.99 Os laços tecidos nos tempos de Ouro Preto, e fortalecidos pela convivência na Assembleia Legislativa e na Câmara federal, colocaram o político serrano na lista de pretendentes ao cargo. O diploma de deputado federal só foi reconhecido em abril de 1921, mas desde setembro de 1919 já devia estar ciente de sua eleição. Prova disso é a carta renúncia que escreveu e guardou em seu epistolário. Em 15 de novembro de 1922, Arthur Bernardes tomou posse na Presidência da República, enquanto seu amigo, Raul Soares, o sucedeu na Presidência de Minas Gerais. Neste momento, as decisões do PRM concentravam-se nas mãos do Governador em detrimento da Tarasca. Era a justa retribuição de Bernardes por este amigo que tanto trabalhou como intermediador e como arguidor no Senado, cargo que ocupou em 1921, para a sua projeção nacional, materializando o item que o havia impedido de candidatar-se à sucessão federal em 1918. Da mesma maneira, todos os indícios nos levam a crer que Raul Soares tenha sido o responsável por abrir as portas da Câmara Federal para Nelson de Senna. Tanto assim que, ao tomar posse, Senna enviou uma correspondência a Soares pedindo-lhe ordens100, e, mesmo já estando na Câmara, chegou a pedir-lhe “aprovação” para o seu discurso.101 O que pode ser facilmente taxado de subserviência deve ser visto do prisma da lealdade política, única condição para ter acesso ao poder na política republicana mineira.102 A nosso ver, o objetivo da eleição de Senna à Câmara federal era de fornecer um suporte às pretensões de Soares e Bernardes, tanto de sustentação da candidatura deste último como de 97 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit. p. 216. 98 A vaga deixada por Nelson de Senna na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, por exemplo, foi cobiçada por um importante político de Montes Claros. Em carta enviada a Raul Soares, Camilo Filinto Prates pede que este interceda por seu filho, Lincoln, para ocupar o lugar de Senna na Câmara Estadual. A candidatura do filho de Prates não obteve o apoio da Câmara Municipal de Montes Claros, tanto que esta enviou uma carta a Soares indicando o nome de Marciano Alves Maurício. CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – Série Correspondências. RS c 1922.01.15. 99 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 122. 100 CPDOC – RS c1922.03.24/1. Telegrama de Nelson de Sena a Raul Soares informando de sua posse na Câmara Federal e pedindo suas ordens. Rio de Janeiro, 24 de março de 1923. 101 CPDOC – RS c 1924.05.23/3. Cartão de Nelson Sena a Raul Soares solicitando aprovação para o discurso que manda em anexo, e enviando votos por seu restabelecimento. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1924. 102 MARTINS FILHO, Amílcar Vianna. O Segredo de Minas..., op. cit., p. 213. 47 viabilização do projeto siderúrgico mineiro. Para nós, o que estava em jogo na atuação conjunta da tríade, após a morte de João Pinheiro, era a continuidade não só da “renovação” do modus operandi político mineiro, que Senna e Bernardes simbolizaram em suas primeiras legislaturas na Câmara estadual, mas, sobretudo, do projeto desenvolvimentista mineiro. As duras resistências que enfrentaram nas etapas de execução, revisão e reordenamento, acreditamos, salientam a importância desta aliança política, tanto quanto a sua organicidade. Como veremos, o capital político do trio foi continuamente reproduzido por mecanismos e estratégias,103numa dinâmica que se confunde com a defesa e (re)leitura do projeto pinheirista, objeto de que nos ocupamos nos próximos capítulos. 103 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 194. 48 Capítulo 2 A Gestação (1889-1903) O desenvolvimentismo mineiro é praticamente uma entidade cultural, abordado das mais diversas formas pela historiografia. Neste capítulo, o caminho que propomos para entendê- lo é partir do projeto ocidental de Modernidade, afunilando a escala para a Primeira República e para a estratégia mineira de elaborar uma agenda econômica capaz de solucionar, a um só tempo. a sua “estagnação” e “decadência” econômica, e fazer frente ao poderio representando pela elite cafeicultora paulista nos destinos da política econômica da nação. Para nós, o ponto de inflexão da gestação do pensamento desenvolvimentista mineiro está nos anos iniciais do Brasil republicano (1889-1903). A integração do país no “todo” global da economia capitalista, a partir de 1870, evidenciou os contrastes já existentes e deu origem a outros. De um lado, entre o Brasil e os países industrializados. A sensação, fomentada por uma postura neocolonial e imperialista das ditas “nações civilizadas” era de que o Brasil tinha a obrigação de acelerar o seu avanço na escala evolutiva rumo ao destino irrefutável e incontornável do Progresso. De outro, as inovações técnico-científicas, custeadas pelas fortunas feitas pela cafeicultura, e o momento de efervescência política e ideológica, que se alastrava pela capital do país, contrastavam com o ritmo das zonas interioranas. A estas era imposta a urgência de vencer o desnível entre um Brasil arcaico e um Brasil moderno, sob pena de perder “o bonde da história”. A perspectiva de um novo regime político abria o horizonte de expectativa para a ideia de um tempo novo, que seria capaz resolver os impasses externos e internos. O sonho a ser perseguido era o da Modernidade, o caminho, o Progresso. Em Minas, simbolicamente, este momento tem uma data, um local, um evento e um nome. O I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial, realizado em maio de 1903, em Belo Horizonte, tinha duas funções. A primeira era apresentar a recém-fundada capital mineira para a nação, como símbolo máximo da modernidade e do republicanismo. A segunda era traçar as diretrizes para que Minas fizesse jus ao destino aberto pela nova capital: o da prosperidade. Convocado pelo Presidente Francisco Sales, como um momento de “ação para a reconstrução”, o evento reuniu a elite política e empresarial mineira para debater a realidade econômica e social de Minas e do Brasil, e combater um contexto visto como estagnado e decadente. Na proa do evento estava João Pinheiro, que retornava à cena política em grande estilo, para logo depois lançar-se novamente à Presidência do Estado e incorporar as teses desenvolvimentistas e modernizadoras do I CACI à sua plataforma de governo. 49 2.1 – O vórtice da Modernidade O despontar da República no Brasil prometia coroar um “tempo novo”, construído sobre os contrários moderno/tradicional, aceleração/marasmo, mudança/permanência, urbano/rural, civilização/barbárie. 104 Analisar como a tensão entre estas antinomias incidiu sobre o programa desenvolvimentista mineiro implica compreender o projeto ocidental de Modernidade. Num primeiro momento, entre os séculos XII e XVI, o prognóstico político foi colocado no lugar da profecia escatológica., tornando possível projetar e programar o que se esperava do futuro, de circunscrevê-lo a “um campo de possibilidade finitas, organizadas segundo o maior ou menor grau de probabilidade”.105 No segundo momento, a partir do século XVIII, a promessa de salvação do Juízo Final foi transferida para a ideia iluminista de que o homem tinha o poder de acelerar o tempo rumo ao caminho inexorável, incontornável do Progresso, extensivo não apenas ao conhecimento, mas a todas as esferas da vida humana, como princípio ordenador e universal.106 Como imperativo categórico, a Modernidade temporalizou todas as histórias e civilizações em um único processo e época.107 Seguindo o princípio ordenador do “desenvolvimento” e do “progresso”, o ritmo deveria ser estimulado ou freado pela ação política, conforme a necessidade, mas, acima de tudo, constituiu-se em tarefa “impulsionar ou ultrapassar outras posições, grupos, estamentos, classes, nações, ciências e conhecimentos”, uma missão, “uma coerção à qual ninguém podia escapar”.108 A revolução cultural representada pela Modernidade permitiu, internamente, a constituição de novas ordens na política (Estado burocrático), economia (ética do trabalho e empresa capitalista) e sociedade (não-fraternidade religiosa). Externamente, “acompanhou e tornou possível a expansão europeia pelo mundo”. No Oitocentos, a concepção foi atualizada, as “engrenagens internacionais” imperialistas descobriram nas áreas periféricas o combo de mercado lucrativo, mão-de-obra barata, fartura de matéria-prima e ausência de direitos sociais, o qual, complementado pelos trustes e cartéis, desenharam novas formas para as políticas 104 BOMENY, Helena. Guardiães da razão: modernistas mineiros. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Tempo Brasileiro, 1994, p. 106. 105 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit., p. 277-278. 106 REIS, José Carlos. História & Teoria: Historicismo, Modernidade, Temporalidade, Verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2003. 107 KOSELLECK, Futuro Passado... op. cit. 108 KOSELLECK, Futuro Passado... op. cit. 50 monopolistas.109 Esta égide neocolonial e expansionista foi a base da Revolução Científico- Tecnológica, iniciada em meados do século XIX e plenamente configurada em 1870. Pelo lado positivo, o fenômeno representou um grande salto na implantação de uma economia mecanizada, possibilitada pelo uso de novos recursos energéticos, como a eletricidade e o petróleo, nos recém-inventados altos fornos, indústrias químicas e metalúrgicas de alumínio, níquel, cobre e aços especiais. O saldo negativo foi a integração forçada do mundo num “todo” global da economia capitalista, por meio dos “gigantescos complexos industriais, com equipamentos sofisticados e de grande escala”, e de uma “corrida voraz pela disputa das matérias-primas em todas as partes do mundo”.110 Além de incorporar mercados, o que essa escalada imperialista promulgava era a transformação do modo de vida tradicional das sociedades, incutindo-lhes novos hábitos e práticas de produção e consumo.111 Como explica Alain Touraine, o Ocidente concebeu a modernidade como uma “revolução”, na qual a racionalização impunha a destruição de vínculos, sentimentos, costumes e crenças ditas tradicionais. O autor defende que, na esfera econômica, a manifestação desta ideologia se deu pela “definição negativa da modernidade”. No geral, tanto os países europeus quanto os Estados Unidos identificaram “a sua modernização com a ideia geral de modernidade, como se a ruptura com o passado e a formação de uma elite propriamente capitalista fossem as condições necessárias e centrais da formação de uma sociedade moderna”.112 Em outras palavras, mais do que construir o novo, a modernidade teria representado a destruição do velho. A conclusão de Touraine nos impõe algumas indagações: se na proa do sistema capitalista o projeto se deu em negativo, como, então, pensar este processo para as ditas “periferias”? Como ele foi implantado e no que consistiu exatamente? No Brasil, os projetos de modernidade e de República foram desde cedo associados. De acordo com Nicolau Sevcenko, o turbilhão “dramático e complexo” de mudanças, que tomou o contexto brasileiro de assalto, entre 1870 a 1914, afetou “desde a ordem e as hierarquias sociais até as noções de tempo e espaço das pessoas”. No contexto desestabilizador, fundou-se o Partido Republicano (1870) e emergiu a Geração de 1870. O sistema federalista tornou-se a bandeira para garantir o controle dos rendimentos e fazer valer o poderio econômico nas decisões políticas. Proclamada a República, a “ideia das novas elites era promover uma 109 NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República: o Brasil na virada do século XIX para o século XX. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (orgs.). O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 20. 110 SEVCENKO, Nicolau. O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões de progresso. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da Vida Privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, vol. 3, 1998, p. 07-48. 111 SEVCENKO, O prelúdio republicano... op. cit. 112 TOURAINE, Alain. Critica de la Modernidad. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1994. 51 industrialização imediata e a modernização do país ‘a todo custo’”. Se no período o pano de fundo mundial foi a crença na ideia de prosperidade, para Sevcenko, o correspondente brasileiro deste entusiasmo foi a atmosfera da “Regeneração”, a partir da qual “a sensação entre as elites [era] de que o país havia se posto em harmonia com as forças inexoráveis da civilização e progresso”, e que a República veio para consolidar a ruptura com a letargia do passado, sintonizando o Brasil “no concerto das nações modernas”.113 Contudo, adverte José Murilo de Carvalho, entre 1870 e 1914, moderno, modernizante e modernização tiveram significados múltiplos: Eram as novidades tecnológicas: a estrada de ferro, a eletricidade, o telégrafo, o telefone, o gramofone, o cinema, o automóvel, o avião; eram as instituições científicas: Manguinhos, Butantã, a Escola de Minas, as escolas de Medicina e Engenharia; eram as novas ideias, o materialismo, o positivismo, o evolucionismo, o darwinismo social, o livre cambismo, o secularismo, o republicanismo; era a indústria, a imigração europeia, o branco; era a última moda feminina de Paris, a última moda masculina de Londres, a língua e a literatura francesas, o dândi, o flâneur; e era também o norte-americanismo, o pragmatismo, o espírito de negócio, o esporte, a educação física.114 Carvalho defende que foi a combinação de todos estes elementos, com maior ou menor rompimento com a tradição, que delimitou o teor da modernidade no Brasil. De início, afirma o autor, é possível pontuar o que a modernidade brasileira não foi. Primeiro, não incorporou realmente os conceitos de igualdade e democracia. Ao invés de uma democratização, os projetos de modernização urbana associaram “civilização” com a “aristocratização” e o afrancesamento do espaço público para as elites. Diretamente ligado a isso, o próprio Progresso significou, entre nós, uma ambiguidade.115 Como explica Monica Pimenta Velloso, a visão pessimista da nacionalidade, atrelada ao “atraso cultural” e à “inferioridade étnica”, trazia a ideia subjacente do darwinismo social de que “esse quadro de atraso e inferioridade poderia ser modificado, desde que o país conseguisse acelerar a sua marcha evolutiva”. A nacionalidade era vista como matéria-prima em estado bruto, a ser lapidada pelo saber científico das elites intelectuais, o que, frisa a autora, demonstra o caráter autoritário do pensamento político do modernismo no Brasil.116 Segundo José Murilo de Carvalho, os positivistas ortodoxos brasileiros acreditavam que a marcha da história poderia ser acelerada pelo voluntarismo do 113 SEVCENKO, O prelúdio republicano... op. cit. 114 CARVALHO, José Murilo de. Brasil 1870-1914: a força da tradição. In: Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999, p. 119-120. 115 CARVALHO, Brasil 1870-1914: a força da tradição, op. cit., p. 108. 116 VELLOSO, Monica Pimenta. O Modernismo e a Questão Nacional. In: FERREIRA & DELGADO, O Brasil Republicano, op. cit., p. 355-356. 52 Estado, “pela ação de uma vanguarda política bem organizada, homogênea, disciplinada”, por isso propunham “um bolchevismo de classe média”.117 Inspiradas em Comte e em Pombal, formou-se entre as elites políticas brasileiras a ideia de que a superação do atraso passava pela constituição de uma “república ditatorial”, responsável por estimular e fomentar a criação de uma classe de empresários, sempre tutelados.118 A maior representação deste processo talvez esteja no plano de remodelação e saneamento do Rio de Janeiro, com o “Bota Abaixo” da Reforma Pereira Passos, que, pelo “espírito” cosmopolita da belle époque, identificou civilização e hábitos citadinos, impondo-os com truculência e autoritarismo.119 Remodelado, urbanizado, o Rio de Janeiro parecia ser o símbolo da modernidade brasileira. Como defende Margarida de Souza Neves, o “otimismo sem limites” proporcionado pelos conceitos de Progresso e Civilização impôs uma concepção de tempo e história (evolucionista e linear), que era “o reverso do panorama” brasileiro. Se “vertigem e aceleração do tempo” foi a sensação da população fluminense na virada do século XIX para o século XX, “marasmo” designaria o tempo que transcorria no interior do país, onde prevaleciam a rotina secular, os privilégios, a lógica do favor e da vontade senhorial, e a “marcha inexorável” do Progresso mal podia ser percebida. O problema, explica a autora, é que os dois cenários compunham a síntese dos “impasses do sonho republicano”, na medida em que na nova escala temporal, evolucionista e linear, as “diferenças” passaram a ser concebidas como “desigualdades”. A institucionalidade republicana, com as suas utopias de civilização e progresso, criou, portanto, um fosso entre o “âmago do país” e o “litoral vastíssimo”, que “exclui da arena política formal os rudes patrícios” e “mantém intocadas as hierarquias que subordinam aos interesses e ao mando dos que imprimem a direção à República”.120 Entre nós, o “moderno” não chegou sem constrangimentos e mesmo no “marasmo” o processo foi violento, num acelerado avanço sobre as sociedades tradicionais e agrícolas, as quais, segundo Sevcenko, “se viram dragadas rapidamente pelos ritmos mais dinâmicos da industrialização”.121 Do exposto, é possível traçar algumas linhas gerais sobre o “vórtice da modernidade” da Primeira República. Ele foi múltiplo, contraditório e ambíguo. (Con)fundiu, de maneira autoritária, o moderno e o arcaico; foi, a um só tempo, moralizante e cientificista, especulativo e contracionista; aristocratizou quando teve a oportunidade de democratizar; excluiu sob o 117 CARVALHO, A Formação das Almas, op. cit., p. 139. 118 FAORO, Raymundo. A Questão Nacional: a modernização. Estudos Avançados, São Paulo, vol. 6, n. 14, 1992, p. 07-22. 119 OLIVEIRA, Lucia Lippi. A Questão Nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990. 120 NEVES, Os cenários da República..., op. cit., p. 15-18. 121 SEVCENKO, O prelúdio republicano... op. cit. 53 pretexto de integrar; impôs, aos sobressaltos, um tempo histórico evolutivo, contínuo, ascendente, tanto à capital quanto ao interior; eclodiu, implodiu, explodiu do centro para as extremidades, muitas vezes em estilhaços. Representou, em suma, um fenômeno que Neves denominou como “paradoxo maior”: quanto mais as nações periféricas corriam para alcançar a modernidade, mais se ampliava a reprodução da riqueza do capitalismo internacional e o abismo em relação às ditas “nações civilizadas e progressistas”. Diferenças fundamentais que, no entanto, eram nubladas pela promessa constantemente refeita pela ideologia do Progresso.122 No interior destas linhas gerais é necessário avaliar as aproximações e problematizar, sobretudo, os desvios. Este será nosso trabalho na análise do projeto desenvolvimentista mineiro, meio para um fim maior, a modernidade. Em que consistiu? Quais as sinuosidades? Terá ele sido exitoso? Quem foram os protagonistas? E os opositores? 2.1.2 – Minas e os “novos tempos” Antes de adentrar nestas questões específicas, é preciso afunilar nosso olhar sobre o itinerário da modernidade do contexto macro para o micro. Neste sentido, as questões colocadas por Koselleck123 podem ser aqui tomadas como referência e estendidas para Minas: o que se deve esperar da expressão “novo tempo” ou “modernidade” no contexto mineiro? Quando começou a ser utilizada? No que resultou depois que ela monopolizou temporalmente a denominação das épocas? O texto Ouro, Terra e Ferro: vozes de Minas, de José Murilo de Carvalho, indica-nos um possível roteiro a ser percorrido. Partindo do livro de Alceu Amoroso Lima, Carvalho contesta a ideia de que Minas teria apenas uma voz e, em meio a polifonias e cacofonias, identifica três vozes proeminentes, que dão título ao artigo. A primeira, predominante até meados do século XIX, é a da economia do ouro, da Minas “mineradora, urbana, caótica, rebelde”, instável tanto pela incerteza da atividade econômica quanto pela volatilidade da estratificação social. Em conflito com a máquina repressora e fiscal da metrópole, perseguia o sonho de liberdade política, civil e até da insubmissão às leis. O maior eco dessa voz esteve no ideal de República dos Inconfidentes, que associou liberdade e progresso, ouro e indústria, a partir da iniciativa individual, características que levam Carvalho a identificá-la como uma voz americana. O declínio da produtividade mineradora levou a uma lenta transformação da Minas urbana para uma Minas agrária. Personagem ilustrativo dessa transição foi Teófilo Ottoni, político mineiro, que organizou a Companhia de Navegação e 122 NEVES, Os cenários da República..., op. cit., p. 15-18 123 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit., p. 271. 54 Comércio do Vale do Mucuri, e fundou a cidade de Nova Filadélfia, onde deveriam ser exercidos os ideais da democracia americana. A proposta fracassou, mas a ideia de fundação de uma cidade como um gesto de simbolização da inovação e do pioneirismo permaneceu no horizonte dos políticos mineiros.124 O oposto da Minas da liberdade é a Minas da Terra, que prevaleceu da segunda metade do século XIX até meados do século seguinte. Permeada pelo ritmo rural, da natureza, imóvel e imutável, esta voz foi se tornando cada vez mais acentuada na medida em que a cafeicultura se expandia pelo Sul de Minas e a Zona da Mata. Ela diz respeito a um tipo mineiro “conservador, tradicional, retraído, simples, beirando o simplório, honesto, sovina, religioso, voltado para a família”. Ligada a um tempo ibérico, arcaico, apegada “à tradição, à hierarquia, à religião, à família, à moderação, ao trabalho” no mundo privado; e à preponderância do Estado sobre a iniciativa individual no mundo público. Sua “máquina operacional” foi o Partido Republicano Mineiro com o enquadramento de coronéis, a restrição dos poderes municipais e a unificação da política do estado. Sob a liderança de Silviano Brandão, a partir de 1897, o PRM passou a designar o que seria o caráter da política mineira – “governista, conservadora, cautelosa, estável”, uma imagem que perdura ainda hoje no senso comum. No curso deste tempo tradicional, proclamou-se a República e fundou-se a Cidade de Minas, nova capital, que, como nos lembra Carvalho, “foi concepção de um pioneiro [João Pinheiro] e tornou-se símbolo da modernidade”. Mesmo contemporâneo da Minas da Terra, Pinheiro teria sido o personagem- ponte da Minas do Ouro para a Minas do Ferro.125 No interlúdio, afirma o autor, a Escola de Minas de Ouro Preto, fundada em 1876, representou o pontapé da (vagarosa) transição da Minas da Terra para a Minas desenvolvimentista. Chegamos, pois, à terceira voz, cujo primado se deu a partir da segunda metade do século XX. É a Minas do Ferro, do progresso, da busca de novas fontes de riqueza para superar a crise de 1929, mas, sobretudo, da ênfase na indústria de base, na siderurgia. É a Minas de Benedito Valadares e Israel Pinheiro, que combinaram industrialização e interesses rurais, em um ambiente autoritário, ao estilo da modernização conservadora prussiana. Sua formulação melhor acabada foi Juscelino Kubitscheck, que, em relação aos anteriores, não se deixou seduzir pelo autoritarismo. Assim como Ottoni e Pinheiro fizeram com Nova Filadélfia e a Cidade de Minas, respectivamente, JK construiu o complexo da Pampulha, em Belo 124 CARVALHO, José Murilo de. Ouro, Terra e Ferro: vozes de Minas. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil moderno, op. cit., p. 57-61. 125 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 61-68. 55 Horizonte, como símbolo da inovação, e entrou para a história como um entusiasta do progresso, do desenvolvimento com democracia.126 Não passa ao largo o fato de que a análise de José Murilo de Carvalho ampara-se numa tipificação sociológica, o que, evidentemente, requer algumas precauções, sob pena de estereotipificações. Convém ressaltar que nosso interesse pelos modelos das vozes é tanto “interrogar sistematicamente o caso particular” quanto “retirar as propriedades gerais ou invariantes”.127 Em primeiro lugar, Carvalho delineia o tipo de “ianque modernizador” que as vozes de Minas geraram e fizeram procriar: eram originários da região mineradora, ligados ao mundo urbano, ainda que donos de propriedades rurais; empresários, com espírito de iniciativa e de pioneirismo; provenientes de famílias pobres e/ou imigrantes, valorizavam a experiência de se fazerem por si mesmos, e acreditavam no ideal de mudar a realidade pela ação política e pela técnica.128 A partir deste modelo global é possível pensar não apenas o caso paradigmático de João Pinheiro, mas os de outros atores políticos. Em segundo, Carvalho ajuda-nos a mapear o que significou e quando um “tempo novo” começou a ser ansiado em terras mineiras. Compulsando as três vozes e suas linhas de intersecção, o autor conclui que a modernidade adentrou o universo mineiro pela racionalidade, pela tecnocracia, e, principalmente, pelo urbano. Mas, de modo geral, Minas não fugiu à regra das antinomias que vimos como constituidoras da modernidade ocidental, observadas no projeto de modernização do Brasil na Primeira República. De acordo com Carvalho, na modernidade mineira, os dois polos – da Terra e do Ferro – não foram auto-excludentes. Ao contrário, houve entre o urbano e o rural, entre a ênfase na sociedade ou no Estado; na Ciência ou na Religião, na indústria ou na agricultura, no indivíduo ou na linhagem familiar, no progresso ou na ordem, no futuro ou na tradição, uma relação dialética.129 Em terceiro, as vozes do Ouro, da Terra e do Ferro, que para Carvalho correspondem a “diferentes tipos de economia e sociedade”, para nós indicam três conceitos – Liberdade, Tradição e Progresso, que se entrecruzam em temporalidades distintas, e trazem consigo a forma como a sociedade mineira se relacionou com o tempo histórico. 130 Para a voz do Ouro, o passado minerador era do surto de descoberta desordenada dos veios auríferos, dos grandes 126 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 68-74. 127 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 32. 128 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 68-74. 129 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 74. 130 Nosso referencial, nesse sentido, é a ideia hartoguiana de “regimes de historicidade”, a partir da qual o autor busca responder, levando-se em consideração os lugares, os tempos e as sociedades, “De que presente, visando qual passado e qual futuro, trata-se aqui ou lá, ontem ou hoje?”. HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013, p. 38-39. 56 lucros e riqueza fácil, sem obstáculos; o presente era de opressão fiscal da Metrópole, de declínio da mineração; o futuro, inconfidente, era a liberdade americana e o progresso do ferro. A voz da Terra via o passado da desordem, da violência, do caos minerador; o presente da terra era o da tradição, da estabilidade, da conservação, do equilíbrio, da conciliação; e o futuro era o da continuidade com esses valores basilares, por meio de uma modernização controlada, um progresso cauteloso. Remetendo-se à primeira, a voz do Ferro via o passado da opulência e da liberdade do ouro como promessa a ser cumprida; o presente, rural, tacanho, arcaico, era o momento a ser extirpado em prol de um futuro promissor, arrojado, industrializado, progressista.131 Tendo em vista que Liberdade e Progresso indicavam o moderno, pode-se considerar que desde o princípio da formação histórica, Minas (ou melhor, parte dela) afigurava-se como apontada para o futuro. Contudo, é como se o caminho da modernidade, traçado pelo Tempo Inconfidente (urbano), tivesse sido interrompido pelo Tempo da Tradição (rural), e ao Tempo do Progresso (desenvolvimentista)132 coubesse a missão de retomá-lo e recolocá-lo nos trilhos do tempo evolucionista e linear rumo ao ápice da escala temporal humana. Os personagens que permeiam nossa pesquisa emergem entre os intervalos dos vibratos como elos. João Pinheiro colocava-se como um acelerador, um trampolim do tempo dos inconfidentes ao dos desenvolvimentistas; um liberal intermediador de uma espécie de “ruptura controlada e pactuada” com valores importantes da Minas arcaica. Já Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares, como veremos a partir do Capítulo 4, posicionavam-se como a transição, com continuidade, da Terra para o Ferro, sempre respeitando a ordem no sentido do progresso. Sintomaticamente, Pinheiro esteve direta ou indiretamente envolvido em três eventos que se autoatribuíram a função de representar “o novo tempo” nas Minas da Primeira República. No contexto mineiro, a aura de modernidade trazida pelo 15 de novembro foi coroada com a fundação da Cidade de Minas, atual Belo Horizonte. Ouro Preto, tornada capital pela dinâmica dos primeiros tempos da mineração, era considerada anacrônica aos interesses da elite mineira desde os tempos da Minas do Ouro. As pressões para que o projeto saísse do plano das ideias se avolumaram no ano de 1890, com uma campanha iniciada pelo jornal juiz-forano O Pharol, ao que respondia contrariamente o Jornal de Minas, defendendo a permanência em Ouro Preto. Da imprensa, a disputa entre anti-mudancistas e mudancistas seguiu para as ruas e as esferas de poder da República. No Congresso Constituinte Mineiro, o primeiro grupo, 131 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 132 Adotamos, neste sentido, as denominações/temporalizações que José Carlos Reis propõe às “vozes de Minas”. Ver: REIS, As Identidades do Brasil 3..., op. cit. 57 composto por monarquistas e republicanos de última hora, foi liderado por Cesário Alvim. O segundo grupo subdividia-se entre propagandistas republicanos das regiões cafeicultoras, que disputavam entre si a sede da nova capital, e os vinculados ao alvinismo, liderados por João Pinheiro, que eram favoráveis à construção de uma nova capital. Após intensa contenda, venceu a “solução técnica” do Vale do Rio das Velhas, encabeçada pela atuação de Afonso Pena na Presidência de Minas. A opção atendia plenamente os interesses dos republicanos históricos ligados a João Pinheiro, ainda que ele, neste momento, já estivesse afastado da vida pública.133 A transferência da capital teve uma dupla imbricação/função. A primeira foi representar o que denominamos como o “tempo novo de novo”, no sentido de reaver um projeto da voz do Ouro, uma vez que o estabelecimento de uma nova capital, como nos lembra John Wirth, já estava entre os “dogmas” dos Inconfidentes.134 Marshall Eakin endossa esta versão, mas ressalta um segundo significado que denominamos como “novo tempo novo”, em virtude de aperfeiçoar a ideia de futuro da Minas da Liberdade. De acordo com o autor, Belo Horizonte foi criada como um símbolo e um catalisador. De um lado, deveria dinamizar o crescimento econômico e a integração do estado. Concebida por políticos e tecnocratas, foi um trabalho de concentração personalista e clientelística de uma rede de poder política, econômica e social. De outro, simbolizaria as forças modernizadoras que estavam transformando o Brasil e Minas Gerais.135 Utopia política, utopia de futuro. Conforme Helena Bomeny, Belo Horizonte tinha a missão de depurar costumes “bárbaros” e transformar a mentalidade da população local, incutindo-lhe o gosto estético e o platonismo retórico, numa clara alusão à ideia da técnica como neutralizadora de conflitos. Era a cidade-sonho, sinal da modernidade que chegava (ou invadia!) ao tradicional. As linhas retas do traçado urbano, desenhadas pela técnica e pela engenharia, sinalizavam o projeto de tempo linear em direção a um futuro que não mais comportava a sinuosidade de Ouro Preto, representante de um tempo histórico circular, onde o passado era a referência. Para Bomeny, a nova capital traduzia o projeto político-intelectual de mudança da noção de tempo, no qual o presente, independente do passado, era valorizado em nome do futuro.136 Se a cidade foi o espaço de representação simbólica da nova temporalidade republicana,137 o I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais foi o ato inaugural – da nova capital, da 133 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. A Capital Controversa. Revista do Arquivo Público Mineiro, v. XLIII, 2007, p. 28-41. 134 WIRTH, O Fiel da Balança, p. 41; 66-67. 135 EAKIN, Marshall C. Tropical Capitalism: The Industrialization of Belo Horizonte, Brazil. New York: Palgrave, 2002. 136 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 47-55. 137 JULIÃO, Letícia. Sensibilidades e representações urbanas na transferência da capital de Minas Gerais. História (São Paulo), vol. 30, n. 1, 2011, p. 114-147. 58 ventilada inovação da República, e do desenvolvimentismo de João Pinheiro138. Deste evento nos ocupamos a seguir, com o objetivo de complementar o cabedal das ideias formativas da “modernidade” em Minas e da gestação do projeto desenvolvimentista mineiro. 2.2 – Do micro ao telescópio: diagnóstico e prognóstico Além de impor uma temporalização homogênea e abstrata, a Modernidade coloca-se como autorreferente de planejamento. Este “futuro previsto”, como tarefa política, corresponde ao processo de recolher os dados racionais e inconscientes da experiência vivida, por meio do diagnóstico, e tensioná-los com as expectativas do porvir para que novas soluções sejam elaboradas. Tais prognósticos já são, em sua formulação, agentes transformadores da realidade; eles constroem as ações que levam ao futuro, que abrem o horizonte de expectativa, colocando os projetos para o serem já, sem espera.139 Neste sentido, o I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais foi um evento privilegiado, considerado até meados do século XX como o “grande ponto de referência da modernização de Minas”.140 O I CACI foi realizado em Belo Horizonte, entre os dias 13 e 19 de maio de 1903, portanto, após uma década iniciada com a euforia do Encilhamento e encerrada com a política deflacionária e a estagnação do Funding-Loan (1898). A seca de 1889, somada ao efêmero boom do início dos anos 90 e à especialização crescente da lavoura cafeeira, levou à uma maior demanda por importações – de gêneros alimentícios a maquinários, incompatível tanto com a disponibilidade de empréstimos estrangeiros no país quanto com as possibilidades de incremento das exportações. No mercado internacional, os preços do café já apresentavam queda desde o início da década, situação agravada pela recessão que passou da Europa aos Estados Unidos, a partir de 1894, e pelo aumento da oferta de café proveniente dos cafezais plantados no Brasil quando da euforia da “bolha especulativa”. Para tentar conter a desvalorização cambial resultante deste processo, Prudente de Moraes, então presidente da República, e seu sucessor já eleito, Campos Sales, firmaram um acordo com os credores externos para que os antigos empréstimos fossem refinanciados com novos empréstimos a juros 138 DULCI, Otávio Soares. Política e recuperação econômica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1999. 139 KOSELLECK, Futuro Passado... op. cit.; REIS, História & Teoria, op. cit. 140 DULCI, Otávio Soares. João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil moderno, op. cit., p. 109-136. 59 elevados.141 Apesar da elevação da taxa de câmbio, os preços do café continuaram a declinar. A tendência do governo, de creditar às forças do mercado a capacidade de regular a relação entre oferta e demanda elevou a crise a níveis seríssimos.142 Ao assumir a Presidência de Minas neste contexto, em 1902, Francisco Sales estava convencido de que era preciso buscar alternativas à cafeicultura e à falta de crédito. Em sua primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, expressou certo entusiasmo com o desenvolvimento paulatino das variadas indústrias em Minas, segundo suas palavras, libertando o Estado do equilíbrio instável advindo da dependência do imposto de exportação do café.143 Como explica Amílcar Vianna Martins Filho, a crise cafeeira foi um importante estímulo aos produtos mineiros, intensificando uma característica econômica que o Estado já apresentava desde meados do século XVIII, com numerosas e variadas pequenas unidades produtivas dispersas pelo território mineiro, com padrões de policultura, de grande diversificação da produção, e de forte tendência à autossuficiência. Ainda segundo o autor, a transição para a pecuária e a indústria de laticínios durante a crise do café foi não só percebida, como estimulada pelos governadores no quadriênio 1900-1904.144 Assim, o esforço de organizar um evento com as principais classes produtoras vinha no intuito de: 1) chegar a um consenso sobre o café, desde as formas de barrar a superprodução, até as de promover a especialização de melhores qualidades de café;145 e 2) aproveitar este momento para incrementar a economia mineira, libertando-a da superdependência cafeicultora. Para presidir o I CACI, Francisco Sales convidou João Pinheiro, que, de acordo com testemunhos da época, foi o verdadeiro inspirador do evento. Afastado da vida pública desde 1891 para se dedicar à sua fábrica de Cerâmica de Caeté, João Pinheiro aí adquiriu uma verve de empresário industrialista que contribuiria com os intuitos econômicos de Sales. O primeiro passo foi a nomeação de uma Comissão Fundamental (CF), com importantes nomes da economia mineira. Dela fizeram parte José Joaquim Monteiro de Andrade (secretário), cafeicultor, natural de Juiz de Fora, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, 141 FAUSTO, Boris. Expansão do café e política cafeeira. In: FAUSTO, Boris (dir.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil republicano. Estrutura de poder e economia (1889-1930). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, tomo III, vol. 8, p. 215-276. 142 PERISSINOTTO, Renato Monseff. Estado e Capital cafeeiro em São Paulo, 1889-1930. São Paulo: Fapesp; Campinas, SP: UNICAMP, 1999. 143 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1902. 144 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 29. 145 Para Wirth, este era o objetivo principal. Tendo em vista a advertência de Martins Filho sobre a tendência historiográfica de subestimar o papel da cafeicultura na economia de Minas, e, sobretudo, o entusiasmo de Francisco Sales com a ideia de policultura nas Mensagens ao Congresso Mineiro, acreditamos necessário incluir um segundo objetivo, de maneira a complementar este primeiro. WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 83; MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 13-33. 60 posteriormente presidente do Banco do Crédito Rural de Minas Gerais (1926) e do Banco do Brasil (1930);146 Carlos Pereira de Sá Fortes, natural de Barbacena, formado pela Imperial Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, patrono da Sociedade Nacional de Agricultura, fundador da primeira fábrica de laticínios do Brasil (1888), da primeira Companhia de laticínios brasileira (1890),147 e do Banco União de Minas (1892);148 João Ribeiro de Oliveira e Souza, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, um dos fundadores do Banco de Crédito Real de Minas (1890), e do Banco Mercantil do Rio de Janeiro, e futuro ministro da Fazenda do Governo Provisório de Delfim Moreira (1919);149 Ignácio Burlamaqui, presidente da Junta Comercial do Estado de Minas Gerais; Francisco Mascarenhas, dono da Fábrica de tecidos Cachoeira;150 e George Chalmers, superintendente da Saint John Mining Co., companhia de mineração de Morro Velho, e engenheiro de minas nos rios Paraopeba e das Velhas. Francisco Sales acreditava que o futuro do país dependia dos rumos que a classe dirigente traçasse, por isso, convidou delegados representantes das “três classes sinceramente empenhadas em colaborar na reorganização econômica do Estado”, ou seja, agrícola, comercial e industrial.151 Com efeito, os breves dados biográficos dos componentes da CF mostram que havia cafeicultores, pecuaristas, banqueiros, representantes dos setores têxtil e minerador. O empenho, até então inédito, na racionalização dos trabalhos é digno de nota. Para cada tema elencado como prioritário foi destinado um membro da CF, de acordo com a sua especialidade/experiência. Monteiro de Andrade ficou responsável por tratar da Cultura de café, cana, fumo, policultura, ensino agrícola e profissional; Sá Fortes da pecuária, colonização, mobilização da riqueza do imóvel, águas minerais, impostos municipais, viticultura, vinicultura e sericicultura; João Pinheiro das pequenas culturas e criação, fretes, tarifas e indústrias novas em geral; Chalmers da mineração e indústrias conexas; Mascarenhas das indústrias manufatureiras; Burlamaqui das questões comerciais e dos impostos interestaduais; e Oliveira e Souza das questões bancárias.152 Como a própria introdução das atas revela, tratava-se da materialização da necessidade resultante de uma crise econômica “sem precedentes”: a de mapear os problemas e planejar o 146 CPDOC. Verbete Biográfico. ANDRADE, José Joaquim Monteiro de., op. cit. 147 Decreto nº 432 de 29 de maio de 1890, assinado pelo Governo Provisório do Mal. Deodoro da Fonseca. 148 Decreto nº 823, de 24 de maio de 1892, assinado por Floriano Peixoto. 149 EAKIN, Tropical Capitalism… op. cit. 150 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit., p. 114; 139. 151 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1903, p. 07. 152 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903. In: Análise e Conjuntura. Fund. J. P. Belo Horizonte, 11 (5/6) 122-220, mai/jun, 1981, p. 127. 61 desenvolvimento.153 A situação contra a qual a reunião se colocava foi descrita pela Comissão Fundamental como um momento em que os empreendimentos se acham enfraquecidos pela retração de crédito, os capitais desconfiantes pelo insucesso de tentativas mal pensadas em quase um decênio de loucuras, e o maior fator das fortunas pública e particular brasileiras, o café, atravessando uma crise sem exemplo em nossa história econômica e financeira.154 Se o diagnóstico do contexto mineiro era de “perda da substância” e necessidade de “recuperação econômica”, como ressaltam John Wirth e Otávio Dulci, o que e quando foi perdido? O que era preciso recuperar? Estas questões são um bom ponto de partida para compreendermos as soluções propostas pelo I CACI. Desde a época da Inconfidência, a distância dos portos e das vias de escoamento da produção, afirma Wirth, imprimia à Minas o ressentimento por uma situação de dependência em relação a outros estados, em especial Rio de Janeiro (administrativamente) e São Paulo (economicamente). De fins do Império aos anos iniciais da República, enquanto o Sul se especializava em café de qualidade superior, as classes inferiores eram produzidas em abundância em território mineiro. A crise cafeeira, com o debate em torno das políticas de valorização e de sobretaxa do café de classes inferiores, diminuía ainda mais o poder de competitividade do setor exportador mineiro. As elites políticas e econômicas entendiam esse processo como “perda da substância econômica”.155 Nas palavras de Dulci, havia a percepção se não de uma completa decadência, ao menos de uma estagnação, que direcionou as preocupações e ações intervencionistas dos grupos dirigentes mineiros nas três primeiras décadas republicanas. A imagem se formava no imaginário da elite mineira sempre que o contexto de Minas no período era confrontado tanto com o seu passado setecentista de riqueza e prestígio, quanto com o progresso de algumas capitais, como São Paulo. Uma noção que provinha muito mais dos parâmetros de comparação do que propriamente da realidade.156 Alcir Lenharo recorda-nos que este diagnóstico advinha, via de regra, da constatação de uma economia voltada para a subsistência, quase sempre caracterizada por baixa produtividade e rentabilidade, de economia de natureza fechada e tendente à autossuficiência,157 quando, em verdade, a complexidade da economia mineira oitocentista escapou à compreensão daqueles 153 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1903, p. 07. 154 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 122. 155 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit. 156 DULCI, Política e Recuperação Econômica... op. cit. 157 LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 1808- 1842. São Paulo: Símbolo, 1979, p. 26. 62 que a enxergaram apenas pela visão viciada de “decadência” e “estagnação”. Como observa Douglas Cole Libby, houve um elevado grau de complementaridade entre os setores de transformação e a agricultura mercantil de subsistência. Esta, juntamente com a Siderurgia, a fabricação doméstica e industrial de fios e panos, e a mineração subterrânea das companhias estrangeiras se articulavam num todo responsável pela “acomodação evolutiva” à nova situação pós-declínio da mineração, garantidora de uma dinâmica própria, mas nem por isso irrelevante.158 Feita a ressalva, importa destacar que a percepção de uma economia estagnada e decadente, embora questionável, foi o que moveu as classes dirigentes mineiras a transformarem o debate sobre a recuperação econômica em assunto primordial da agenda política estadual na Primeira República, do qual o I CACI foi o principal representante.159 2.2.1 – As teses do I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial Os trabalhos foram iniciados em janeiro de 1903, com sessões em fevereiro, março e abril. Segundo a dinâmica de preparação para o I CACI, cada subcomissão recebeu da Comissão Fundamental um princípio norteador e questões a serem respondidas, a partir das quais elencou as medidas prioritárias, postas em votação no primeiro dia do evento, que contou com 170 representantes da vida econômica mineira e, na sessão de encerramento, com Antônio Carlos, Ministro das Finanças, representando a União.160 Na tabela em anexo podemos observar quais foram as ações prontamente incorporadas para o pleito do dia 13 de maio. As questões que orientaram a elaboração do relatório final foram divididas em eixos temáticos: lavoura do café; policultura e pequena cultura; pecuária; indústrias extrativas; indústrias diversas; comércio; transportes e fretes; colonização; impostos e tarifas; mobilização da riqueza móvel; e questão bancária. Para Dulci, a importância de cada subcomissão é mensurável pela quantidade de ações destinada a cada uma delas.161 Foram 13 itens para a Mineração e Águas Minerais; 10 itens para a Indústria em geral; 09 itens para a Agricultura; 20 itens para o Comércio; 22 itens para a Pecuária; 06 itens para a Tecelagem; 09 itens para a Viação Férrea e Tarifas; 5 itens para Estradas de Rodagem; 05 itens para o Café; 04 itens para Curtumes; 05 itens para a Viti e a Vinicultura; 11 itens para Bancos.162 158 LIBBY, Douglas Cole. Transformação e Trabalho em uma economia escravista: Minas Gerais no século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988. 159 DULCI, Política e Recuperação Econômica..., op. cit. 160 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 192. 161 DULCI, Política e Recuperação Econômica..., op. cit., p. 44. 162 IGLÉSIAS, Francisco. Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930). In: V Seminário de Estudos Mineiros..., op. cit., p. 120. 63 De fato, em virtude da crise, a cafeicultura mobilizou as atenções, congregando em torno de si uma série de subtemas de infraestrutura.163 Apesar do café ser o principal produto de exportação e Minas ser o segundo maior produtor brasileiro, a posição no mercado ainda era marginal. As condições do solo faziam o café da Zona da Mata ter qualidade inferior ao do Sul. A diferença de realidade, afirma Wirth, resultava em interesses muitas vezes divergentes e, logo, na ausência de um grupo suficientemente coeso para exercer pressões, como ocorria com os cafeicultores paulistas. Diante da crise, os cafeicultores mineiros se viram obrigados a aderir a uma solução que aumentasse a exportação de café para dar conta da superprodução; ao passo que o mercado impunha a limitação das plantações e do café de baixa qualidade, peso que recaía diretamente sobre o produtor mineiro.164 A conclusão do I CACI era, pois, a de que o café se transformou de riqueza em flagelo graças à superprodução paulista. Para Monteiro de Andrade, os encargos recaíam sobre Minas, onde faltavam elementos naturais e financeiros para contornar a situação. A solução estaria na diminuição de imposto, na facilidade de crédito e no ensino agrícola para fomentar não só a produção de sementes de melhor qualidade como de outros gêneros agrícolas.165 Segundo Francisco Iglésias, estariam aqui formulados os princípios gerais projetados no Convênio de Taubaté, três anos mais tarde, com a defesa da intervenção estatal no mercado para resolver o “urgente problema da valorização do café”.166 No contexto de superprodução, a cafeicultura em larga escala foi vista como um pesado fardo, sobretudo por fazer a lei da oferta e da procura desequilibrar, com predomínio da primeira. O momento era considerado ideal para desfazer esta situação. A crise nos preços do café tornava o negócio menos lucrativo e disponibilizava capitais para outros setores da economia. A relação estabelecida pela CF não era infundada. Além de amparar-se no que o contexto apresentava, correspondia a uma dinâmica que se repetiria com a crise de 1929, quando a diminuição da procura estrangeira pelo café e o aumento do preço das importações forçou o investimento em fábricas e indústrias nacionais para suprir a demanda do que não podia ser adquirido do exterior, desencadeando a preponderância do mercado interno, em detrimento do externo, na formação do capital.167 Seguida de perto pela ênfase na problemática da cafeicultura, a CF discutiu diversas formas para incrementar a pecuária, “atividade-chave da economia estadual”.168 Conforme 163 DULCI, Política e Recuperação Econômica..., op. cit. 164 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit. 165 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 139 166 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 121. 167 FURTADO, Celso. História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Companhia Nacional, 2005. 168 DULCI, Política e Recuperação Econômica..., op. cit., p. 44. 64 dados apresentados pela relatoria, em que pese o clima favorável, no ano de 1901 a exportação total de gado bovino e suíno não passou de 102.545 e 24.336 cabeças, respectivamente. A ausência do ensino técnico e prático de agropecuária contribuía para este fraco desenvolvimento da atividade. As condições mesológicas eram, para o relator Sá Fortes, propícias às mais variadas espécies, mas diante da difícil tarefa de importá-las, acreditava que os criadores poderiam realizar o cruzamento da primeira geração e mudar os processos nas futuras crias.169 Isto porque, enquanto o preço do café manteve-se favorável, a pressão para modernizar a produção pecuária esteve sob controle. Com a desvalorização cafeeira e o aumento dos preços de importação, o diagnóstico da deficiência modernizadora na pecuária assumiu caráter de urgência.170 A constatação era de que a pecuária mineira já saía em desvantagem pela deficiência de comunicações. Não obstante concorrer com a produção platina, muitas carnes verdes chegavam aos mercados sem as mínimas condições de consumo. Para Sá Fortes, o recurso à iniciativa particular para os matadouros seria uma solução ainda mais problemática, pois acabaria por criar um monopólio do mercado de carnes. O Estado deveria encabeçar a empreitada. A fim de evitar os constantes prejuízos com o transporte de gado, era necessária a formação de pequenos pastos fechados e subdivididos, com forragens e silos para auxiliar os criadores nos momentos de carestia; o investimento na indústria de congelamento das carnes e na solução dos problemas de higiene. Era preciso fomentar as estações agronômicas, escolas de zootecnia e veterinária, responsáveis por ensinar ao produtor a ação do ar, luz e calor sobre o leite e seus derivados. Ao Estado cabia promover concursos, exposições regionais e prêmios para animar e estimular a atividade. As feiras de gado serviriam para livrar o produtor mineiro dos abusos dos intermediários. Igualmente para auxílio ao produtor se prestariam os bancos populares e industriais, com formas diferentes de crédito, para amparar com eficácia a indústria agrícola em momentos de crise como o que estavam vivendo no momento.171 Na visão do CACI, a única forma de romper com o “atraso relativo”, diretamente ligado à manutenção do sistema agroexportador, era investir no mercado interno por meio do estímulo à diversificação.172 A policultura era vista como a saída mais natural, aproveitando racionalmente uma tendência já em curso em Minas. A viti e a vinicultura estavam, nos dizeres de Sá Fortes, “em via de prosperidade”, com boas perspectivas para a fabricação do vinho em 169 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 163-166. 170 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit., p. 91. 171 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit. 172 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit. 65 pequenas propriedades. As produções cerealistas, como a de aveia, cevada e trigo, também encontravam em algumas regiões mineiras solo apropriado. Associada a estas atividades, a sericicultura poderia galgar o papel de coadjuvante na economia produtiva mineira. Os ensaios com bicho da seda, o bombix mori, apesar da pequena quantidade, igualmente davam resultados promissores e com a vantagem de baixos investimentos. Ao governo cabia fiscalizar para que as moléstias da vinha não fossem importadas; criar estações de viticultura, com campos práticos de experimentação sob os cuidados de profissionais competentes; criar viveiros de amoreiras brancas; distribuir sementes e ovos de boas raças do bicho da seda; fundar usinas de preparo do fio da seda em centros sericícolas; e criar prêmios de animação.173 Todas estas atividades comporiam o conjunto de medidas necessárias ao processo de substituição de importações, para o que a disponibilidade de mão-de-obra especializada, leia- se imigrante, era fundamental. A ideia era promover o “estabelecimento de famílias estrangeiras que trouxessem técnicas novas e servissem de exemplo aos nacionais”.174 O principal obstáculo para a imigração em Minas era, para Sá Fortes, o sistema ineficaz de aliciamento, que, ao invés de dotar a lavoura de “trabalhadores inteligentes”, trazia consigo “mercenários estrangeiros incapazes de nacionalizarem-se”. Por serem “aventureiros”, pontua Sá Fortes, esses imigrantes somente eram atraídos pelo lucro fácil e certo da lavoura nova e altamente produtiva, o que não era a regra em Minas. Em uma espécie de mea-culpa, o relator conclui que nem governo e nem sociedade mineiros ofereciam a esses estrangeiros os meios de se fixar à terra, em alguns casos por um medo “anacrônico” de que sugassem a nacionalidade. Desta maneira, deixava-se de atrair mão-de-obra e capitais, “os elementos mais úteis e necessários nos países novos para impulsionar o seu desenvolvimento industrial e constituir sua riqueza”.175 Segundo Sá Fortes, além da fixação da mão-de-obra, outra medida essencial para salvar a lavoura e suprir uma necessidade não só mineira, mas nacional, era a definição de um regime de sindicatos que se inspirasse nas experiências bem-sucedidas de outros países como França, Suíça e Alemanha. Não se tratava de trustes ou cartéis, defende-se ele, mas de uma “associação de classes, de caráter verdadeiramente fraternal, para se auxiliarem”, que por prestar favores a todo o país deveria ter favores especiais. O objetivo maior era que os sindicatos, como pessoa jurídica, contribuíssem para a melhoria econômica e moral dos trabalhadores e moradores do campo, por meio da aquisição de bens próprios, contração e concessão de empréstimos, 173O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit. 174 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 123. 175 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 157. 66 fundação de filiais e cooperativas. Cabia ao governo incentivar e favorecer o espírito de associação “tão pouco desenvolvido entre nós”.176 A “dinamicidade da riqueza móvel” deveria ser também estimulada. Em primeiro lugar, inspirando-se no sistema de Torrens, com a criação de um imposto territorial, ligado ao título de propriedade, para a organização do crédito agrícola. Os impostos intermunicipais eram suscetíveis às influências políticas locais, e, para Sá Fortes, representavam uma “guerra econômica fratricida”, uma vez que cada uma das municipalidades fazia uso do instrumento de acordo com os seus interesses. Na concepção do relator Burlamarqui, o imposto interestadual, além de inconstitucional, era muitas vezes confundido com imposto de importação e o de trânsito, o que sobretaxava alguns artigos. Danosos do ponto de vista comercial, o relator advogava pela sua abolição completa, a fim de fomentar a livre permuta de produtos entre os estados. As queixas não eram menores quando se tratava da indústria manufatureira de Minas Gerais. Para o relator Mascarenhas, a crise nas fábricas de fiação e tecido advinha dos pesados impostos federais, estaduais e municipais. Os acessórios fundamentais ao funcionamento das fábricas tinham de ser importados e sofriam com a tributação excessiva. Para as fábricas do interior a situação era ainda pior, pois a distância das linhas férreas obrigava arcar com os custos pesados de fretes e impostos interestaduais, principalmente do algodão importado da Bahia e de outros estados do Nordeste. Nem mesmo as fábricas de curtume escapavam aos impostos e tributos onerosos. O ponto central era de que as zonas sertanejas precisavam de boas estradas de rodagem e da navegabilidade de seus principais rios. Mesmo as regiões servidas por estradas de ferro não estavam suficientemente amparadas; era necessário tarifas e serviços melhores. No geral, tanto as zonas afastadas quanto as centrais careciam de créditos a preços módicos para facilitar o escoamento da produção e desonerar o transporte.177 Se a mobilidade de mercadorias e riquezas era vista com bons olhos, o mesmo não se pode dizer no que se refere às pessoas. Um tipo específico era visto como grande perigo: o errante, o vadio. À ausência de leis reguladoras e de repressão à vadiagem, Sá Fortes atribuiu “a falta de segurança individual e das propriedades, a escassez de braços para os trabalhos agrícolas e industriais, a alta dos salários, a desorganização do serviço doméstico”. De acordo com o relator, o combate à vadiagem era dificultado pela linha tênue entre as medidas de coerção e a liberdade do indivíduo. O problema seria evitado com o registro dos trabalhadores e suas condutas, a proibição do não-domiciliado desempregado permanecer no município por mais de oito dias, e a criação não só de colônias correcionais como oficinas de trabalho nas 176 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 158-159. 177 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 152. 67 cadeias do estado.178 Muito mais do que uma preocupação assistencialista, o enfoque na vadiagem revela um movimento de desqualificação dos pobres, cuja imagem negativa foi disseminada no corpo social da Primeira República como uma forma que “naturalizava a condição social de uma classe social aos olhos de todos e justificava a exploração econômica, a rudeza do aparato repressivo e o exercício oligárquico do poder”.179 A fim de compor o processo de racionalização produtiva, do qual as idiossincrasias acima elencadas são parte constitutivas, Sá Fortes estabeleceu uma relação de complementaridade entre pecuária e agricultura: a elevação da primeira dependia do “exercício racional e científico” da segunda. Instruir para produzir vantajosamente, mais do que uma lição, teria de se converter em meta. O relator estava certo de que instrução e difusão do ensino eram condições intrínsecas da “grandeza física e moral de um povo”. Somente o ensino teórico e prático seria capaz de extirpar as “práticas rotineiras” e “contraproducentes”, e as estações agronômicas eram ideais para cumprir a missão de executar experiência científicas; e analisar terras, águas, adubo, leite, vinho, entre outros, para descobrir possíveis fraudes no teor dos produtos. A grade de ensino seria composta de cursos regulares e temporários, com estudos teóricos e práticos de dois anos de duração, conforme o plano de estudos da Escola Prática de Agricultura e Pecuária de Córdoba. Para a parte prática, a instituição deveria ser dotada de ferramentas, utensílios, máquinas aperfeiçoadas, biblioteca rural (com sala de leitura), laboratório químico, museu agrícola regional, depósito de sementes, oficina de ferraria e carpintaria, um pequeno rebanho, etc.180 Completando o rol de atividade produtoras, a industrialização dependia do reavivamento da mineração. A tarefa não era fácil, desde 1876, pelo menos, os professores da EMOP procuravam formas de viabilizá-la. Como causas diretas da decadência das explorações auríferas, o relatório do I CACI apontava desde a carência de infraestrutura básica até a exigência de mecanismos e técnicas aperfeiçoadas. De acordo com o relator George Chalmers, para que as jazidas mineiras se constituíssem em objeto de larga exploração era preciso enfrentar, além da insuficiência de minérios, as dificuldades e despesas inerentes ao transporte que acabavam por tornar inviável, ou ao menos pouco lucrativo, o trabalho daqueles minerais de qualidade menor. Os minérios de baixo teor, explica, só se tornariam lucrativos quando trabalhados em larga escala. Os meios adequados de transporte eram fundamentais não só para 178 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 162. 179 PATTO, Maria Helena Souza. Estado, ciência e política na Primeira República: a desqualificação dos pobres. Estudos Avançados (São Paulo), vol. 13, n. 35, 1999, p. 167-198. 180 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 188. 68 dar vazão à produção, como para incrementá-la. A instalação de uma fábrica de maquinário para a mineração em Minas Gerais dependia disso, pois, segundo Chalmers, o ferro gusa fabricado em Itabira e misturado ao ferro velho vinha demonstrando potencialidade que tendia a aumentar com a importação de aço. Quanto às minas com exploração interrompida, elas poderiam voltar a funcionar com bons resultados se fosse usado o cianureto de potássio. O consumo deste, por sua vez, aumentaria se o preço baixasse, para o que a subvenção do governo parecia crucial. O sonho de retorno aos dias de glória minerador dependia, pois, de transporte e combustível. Para atender a estas necessidades, a Comissão Fundamental destacou o valor industrial da exploração dos rios. Era sabido que as grandes profundidades guardavam depósitos minerais consideráveis, razão pela qual o primeiro item apontado como de suma importância para o governo do estado foi a dragagem, cujo processo, afirma Chalmers, mostrava-se vantajoso por “reunir quatro operações em uma única, ou seja: a draga desmonta, carrega o material, transporta e beneficia numa única operação, permitindo a viabilidade econômica da jazida”. Dessa maneira, transformava-se o depósito em jazidas aluvionares, trazendo o mineral para a superfície.181 Chalmers acenava com a possibilidade de grandes lucros. Todavia, era preciso definir o que era público e o que era privado, o que era passível de ser navegado ou não. Nos dizeres do relator, se considerássemos que os rios públicos eram os rios navegáveis, sobrariam poucos ribeirões em Minas que não fossem propriedade particular. Como muitos desses eram rios encachoeirados, e, portanto, não navegáveis, o governo deveria decretar que todos os rios e ribeirões no Estado com largura média de 15m e profundidade média de um metro passassem a ser propriedade estadual, salvo em casos que o proprietário comprovasse a posse. Para evitar que rios valiosos fossem vendidos pelo governo por preços baixos, dever-se-ia nomear uma comissão formada por engenheiros da EMOP a fim de levantar a planta dos rios com “aparência mais animadora” e averiguar a quantia total de ouro neles existente. Ao mesmo tempo em que os esforços se voltavam para recuperar a pujança econômica do apogeu minerador, o I CACI buscava entender os motivos de sua volatilidade. A resposta quase inevitável era o sentimento de espólio colonial, que, como veremos, foi constantemente acionado como lição para o futuro. Se havia desmoralização da indústria aurífera no Brasil, afirma Chalmers, era graças à negociata 181 MINISTÉRIO DE MINAS E ENERGIA. Métodos de Lavra. Disponível em: http://www.redeaplmineral.org.br/pormin/noticias/legislacao/metodos_de_lavra.pdf . Acesso em 03 Out 2016. 69 estrangeira; somente com o fim da “especulação escandalosa”, regulada pelo Estado, a mineração teria algum futuro.182 O relatório específico sobre a mineração sinaliza um perspectivismo183 que nos interessa de perto e que não se restringe ao olhar de Chalmers. A CF entendia que a verificação dos antecedentes históricos era fundamental para a análise dos fenômenos econômicos e para a exata compreensão das “forças imanentes que só esperam impulso audacioso e esclarecido para transformarem uma atualidade de penúria num futuro de opulência estável”. Neste confronto entre experiência e expectativa, o ponto era como conciliar os interesses da Minas da Terra com os anseios projetados para uma Minas do Ferro? Para Wirth, a articulação não só não foi automática como houve o embate entre três posicionamentos: dos produtores, que lutavam pelo controle da política do café; dos estancieiros, comerciantes e industriais, que viam a reunião como um fórum de debates dos problemas que enfrentavam; e do Estado, que buscava manter as duas partes sob controle.184 É possível que o autor tenha privilegiado a compreensão das teses de cada subcomissão, o que impede de enxergar a hipótese que propomos, do evento como um momento basilar da aliança entre burguesia nascente e aristocracia rural, colocadas sob a tutela do Estado. Como mostraremos nos próximos capítulos, este fato incidiu diretamente sobre os rumos da modernidade mineira e mesmo brasileira. Aqui, cumpre sinalizar a coalizão e o seu papel na definição de uma agenda política desenvolvimentista, de modo que a apreensão individualizada dos relatórios interessa menos do que a sua totalidade. Observados em conjunto, vemos que, apesar dos ramos distintos de cada um dos integrantes do I CACI e dos eventuais embates para a supremacia de algum setor, diagnósticos e prognósticos pareciam ter mais pontos em comum do que divergentes. A lógica do I CACI era de recuperação econômica, a partir de soluções práticas e racionalizadoras, como remover os obstáculos (impostos e infraestrutura deficiente), estimular e incentivar a produção (por prêmios e crédito). A longo prazo, o que se pretendia era a integração produtiva de Minas, primeiro pela consolidação e integração do mercado interno, e depois pelo fortalecimento da produção agropecuária, industrial e extrativa em moldes capitalistas.185 O antídoto contra a “decadência” e a “estagnação” era a ênfase no Progresso e na Modernidade. A “perda de substância econômica” advinha da situação de dependência em 182 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit., p. 149-150. 183 KOSELLECK, Futuro Passado... op. cit. 184 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit. 185 OLIVEIRA, Marcos Fábio Martins. O Pensamento econômico de Francisco Salles, João Pinheiro e João Luís Alves e o desenvolvimento de Minas Gerais (1889-1914). Doutorado em História Econômica. São Paulo: USP, 2012. 70 relação ao café e ao capital estrangeiro. Esta somente seria vencida se o Estado se empenhasse em diversificar, qualificar e sistematizar a produção, cuja condição sine qua non era vencer as barreiras da deficiência de transportes e de crédito e dos onerosos tributos. Segundo Dulci, a intervenção estatal reivindicada era a do “auxílio indireto”, como um estímulo introdutório à iniciativa privada.186 A curto e médio prazo, o direcionamento era para a modernização agrícola, caminho para a geração do capital a ser investido no objetivo futuro maior: a industrialização. A ingenuidade, se assim podemos denominar, talvez estivesse no fato de que, para os modernizadores, a industrialização dependia tão somente “de um foco acelerador, difusor e propulsor” do desenvolvimento industrial,187 o que abria caminho para a atuação de um Estado centralizador e autoritário. A questão de que o Estado deveria assumir a frente da tarefa de modernizar a nação, que José Murilo de Carvalho identifica como emergente no Brasil a partir da segunda década do século XX já estava aqui esboçada.188 A constatação corrobora com a tese defendida por Steven Topik, de que o papel preponderante do intervencionismo estatal no desenvolvimento econômico do país já era um dado incontestável no período de 1889 a 1930. Além da estrutura econômica e social brasileira, que favorecia essa presença governamental marcante, 189 a própria ideia de Progresso, que tanto seduzia alguns setores da elite republicana, promovia este encontro. Conforme Alain Touraine, o conceito tornou-se um meio-termo entre as ideias de racionalização, cuja primazia é atribuída ao conhecimento, e o de desenvolvimento, que considera a política como vetor primordial. O Progresso, em primeiro lugar, seria realizado pela racionalização do trabalho; em segundo, pela ação de um poder político no sentido de acelerar a modernização. O progresso, afirma o autor, se realizaria pela correspondência entre razão e vontade, conseguida pela subordinação do indivíduo à sociedade, da modernização da produção conduzida à força do Estado, ambas com a roupagem de “afirmação de uma vontade nacional que se identifica com a modernização”.190 O intuito, na concepção de Francisco Sales e dos integrantes do I CACI, era patriótico, pois o futuro do país dependia de como as classes dirigentes iriam traçar os rumos da economia. Para Sales, as 119 decisões do I CACI constituíam “um verdadeiro sistema harmônico de medidas tendentes a um remodelamento econômico”.191 Francisco Iglésias, com o 186 Ver: DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit. 187 FAORO, A Questão Nacional: a modernização, op. cit., p. 14. 188 CARVALHO, Brasil 1870-1914... op. cit. 189 TOPIK, A Presença do Estado na Economia... op. cit. 190 TOURAINE, Critica de la Modernidad, op. cit., p. 68-69 191 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1903, p. 07. 71 distanciamento histórico que a análise historiográfica lhe proporciona, é mais cético em dizer que são 119 recomendações de uma política econômica que “não tem audácia, é antes a consolidação de quanto se pregava e por vezes se praticava, mas sem ordem e sequência”.192 A esta afirmação podemos acrescentar a de Otávio Dulci, para quem as medidas mais exóticas, como as relativas ao gado ovino, bicho-da-seda e ao trigo, foram inconsistentes por serem “estranhas ao meio”.193 Em que pesem as críticas à sua real aplicabilidade, propomos que a agenda governamental do I CACI seja interpretada a partir de três eixos: 1) o de uma modernização produtiva, por meio de conhecimentos técnicos e maquinário, voltada inicialmente para a atividade agrícola e logo expandida para os demais setores; 2) o de defesa dos interesses regionais e nacionais frente à ameaça de espoliação estrangeira, sobretudo na questão siderúrgica; e 3) o do Estado como elemento convergente e intervencionista. Há nestas diretrizes elementos fundantes do pensamento desenvolvimentista. Mas, como explica Pedro Cézar Dutra Fonseca, não basta que industrialização, intervencionismo pró- crescimento e nacionalismo (em sentido amplo) estejam referenciados. Para considerar um governo efetivamente “desenvolvimentista”, são necessários alguns pressupostos básicos, como a associação dos três elementos deste “núcleo duro” e a defesa explícita de que ao governo competia promover o desenvolvimento econômico, a partir de uma “política consciente e deliberada”.194 Um ensaio foi feito quando Sales afirmou que o primeiro passo para o desenvolvimento e o progresso do país cumpria aos representantes do Legislativo mineiro, responsáveis por transformar as indicações do evento em força de lei.195 A preparação da Lei nº363 teve este objetivo. Aprovada em setembro de 1903, concedia prêmios para as culturas de arroz e algodão; para a aclimatação de raças estrangeiras e melhoramento de rebanhos da pecuária; para os criadores de ovelhas; para os cultivadores de bicho-da-seda e plantas têxteis; para as cooperativas agrícolas; e para as “indústrias auxiliares”, como fábricas de vasilhames. Além disso, autorizava feiras e exposições agropecuárias, instituía o sistema de extensão rural, o estudo de moléstias/pragas, aquisição de sementes e a criação da Revista Agrícola, Comercial e Industrial Mineira. Nos dizeres de Dulci, esta lei representou “uma espécie de pacote econômico que oficializava a política de diversificação produtiva”. Na proa de sua elaboração estava João Pinheiro, que sucedeu a Sales na Presidência do Estado e fez do desenvolvimentismo a 192 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 121. 193 DULCI, Política e recuperação econômica, op. cit., p. 47. 194 FONSECA, Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil, op. cit., p. 227-228. 195 MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1903, p. 07. 72 plataforma política de seu governo.196 Minas mostrava-se preparada para a Modernidade não só porque dispunha de uma capital que era “filha primogênita da República”, mas porque tinha a frente de seu governo um homem empenhado em solucionar o problema econômico brasileiro, em sorver a “necessidade premente” da “ânsia de progresso”. Se Minas representava um resumo do que era o solo e o povo brasileiro, síntese e aperfeiçoamento da nação, de “longa tradição” republicana, como queria João Pinheiro,197 ela também possuía a chave e os “fundamentos do Brasil moderno”. 196 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit. 197 PINHEIRO, João. Ao Povo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 73 Capítulo 3 A Implantação (1906-1908) João Pinheiro, o “modernista de final de século”,198 esteve direta ou indiretamente envolvido nos três fenômenos históricos cuja incumbência era simbolizar a chegada da “modernidade” em Minas. Republicano histórico, favorável à mudança da capital e inspirador do I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais, ele mesmo passou a representar o “novo”, o “progresso”, sobretudo após a morte precoce, em 1908. Em dois anos como Presidente de Minas esforçou-se por colocar em prática grande parte das medidas do I CACI, buscando alternativas tanto para repaginar a cafeicultura, principal fonte de receita pública, quanto para complementar a pecuária e a manufatura, com vistas à uma economia diversificada e emancipada, capaz de gerar as divisas para aquela que era a promessa de futuro, a indústria siderúrgica. A postura, segundo Otávio Dulci, foi de “diversificar o sistema produtivo, sem descuidar do café, e de melhorar a qualidade da produção através de sua atualização tecnológica”.199 Neste processo, as atuações de Arthur Bernardes e Nelson de Senna merecem destaque. Além de representarem a renovação que João Pinheiro buscou imprimir aos quadros do PRM, a dupla desempenhou notável papel na defesa dos tópicos mais importantes da agenda pinheirista no Congresso Mineiro, garantindo às medidas de modernização pela via dos binômios Educação-Trabalho e Policultura-Transportes a marca indelével da agenda pinheirista em Minas Gerais. Compulsar os debates na Câmara com os direcionamentos pontuados por João Pinheiro nas Mensagens Presidenciais é um caminho interessante para entender a forma de implementação da agenda desenvolvimentista pinheirista. Além disso, permite-nos validar a hipótese de que Senna e Bernardes contribuíram, cada qual a sua maneira e intensidade, para a construção do “capital pessoal profético – heroico – carismático” de João Pinheiro. Aplicar as diretrizes do I CACI, a rigor a própria agenda pinheirista, era mais do que executar uma política econômica. Tratava-se, a nosso ver, de materializar a “ação inaugural, realizada em situação de crise, no vazio e no silêncio deixados pelas instituições e os aparelhos”,200 da qual resultou grande parte do capital político de João Pinheiro. Este capítulo ocupa-se deste processo. 198 BOMENY, Guardiães da razão, op. cit., p. 25. 199 DULCI, Política e recuperação econômica..., op. cit., p. 46. 200 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 191-192. 74 3.1 – O(s) binômio(s) de Júpiter O afastamento de João Pinheiro da vida pública, entre 1891 e 1903, foi fundamental para a elucubração das principais diretrizes de seu projeto político e, logo, para os objetivos de nosso trabalho. Por duas razões: a primeira, já abordada no Capítulo 1, é que foi em 1892 que passou a atuar como lente na Faculdade Livre de Direito de Ouro Preto, onde, acreditamos, teve contato mais próximo com Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares; e, a segunda, mas não menos importante, foi neste intervalo de tempo que pode realizar-se como empresário, fundador e diretor da Fábrica de Cerâmica Caeté, uma espécie de laboratório para a concepção da “mística” que se tornou a menina dos olhos de seu segundo governo, e se alastrou pelo país como sintoma maior do descontentamento com os políticos republicanos: o economismo.201 O I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de 1903 foi não somente o momento de amadurecimento e explanação deste pensamento, como marcou o seu retorno triunfal à política mineira. A colocação de João Pinheiro, um elemento “neutro” entre silvianistas e biistas, como diretor do I CACI era parte de um plano pacientemente arquitetado por Francisco Sales, para preparar o terreno e lançá-lo como seu sucessor à Presidência do Estado. Desde 1898, ano de fundação oficial do PRM, Sales e outros dois grupos, encabeçados por Silviano Brandão e Bias Fortes, disputavam o controle da Comissão Executiva. O argumento para a reconciliação era que a autonomia de Minas Gerais no pacto federativo exigia o mínimo de coesão interna. Conforme Otávio Dulci, a passagem da Monarquia para a República foi operada de cima para baixo, numa “solução de compromisso entre as velhas e novas elites”, e João Pinheiro foi “uma espécie de consciência reflexiva do processo”. Pragmático, sabia aliar realismo e idealismo, como ficou evidente no I CACI. O político do Serro tinha consciência de que, diante da inesperada transição de regime, “o fortalecimento da república requeria a colaboração dos políticos egressos da monarquia que haviam aceitado a mudança de regime”.202 Ao assumir a Presidência do Estado, em 1906, o objetivo de Pinheiro era fazer de sua agenda econômica uma conciliadora e aceleradora da chegada do tempo futuro, enquanto o presente ele mesmo enxergava como uma “época de transição”, da escravidão para o trabalho livre, da monarquia para a república, do arcaico para o moderno.203 Estas antinomias da 201 BARBOSA, Francisco de Assis. João Pinheiro e seu ideal republicano. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 42. 202 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit., p. 110-111. 203 PINHEIRO, João. Maior Produção de Cereais. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 333. 75 Modernidade, bem como a pluralidade dos projetos de República para o Brasil, estão fortemente presentes no programa pinheirista. Isto porque a agenda de Pinheiro não é fruto de uma única linha, mas de uma mescla de correntes de pensamentos centrais na Primeira República, não raras vezes em combinações contraditórias. Para Angela de Castro Gomes, João Pinheiro se vincula à corrente do “liberalismo modernizador” que têm raízes na Geração de 1870.204 Conforme Ângela Alonso, apesar da grande heterogeneidade social, os cerca de 130 membros que o compunham possuíam em comum o sentimento de exclusão e marginalização política. As ideias do “Positivismo”, “cientificismo”, ou “novo liberalismo” foram utilizadas como “armas retóricas” para combater o modo de pensar e agir do Império. Outros pontos de convergência eram a opção por reformas ao invés de revolução, e a solução pedagógica elitista, que via o Estado como responsável pela formação do povo, sem alteração da hierarquia social. Historicamente datado, o movimento esvaneceu quando o inimigo comum – a escravidão – foi vencido. 205 Admitindo-se que Gomes e Alonso estejam corretas, como, então, avaliar a vinculação de Pinheiro a esta Geração? Quais características permaneceram em seu projeto? Um primeiro ponto a ressaltar é que, tal como a política modernizadora de Rio Branco, a mudança da capital de Minas “acabou contribuindo para introduzir um cavalo de Tróia moderno dentro de seu reino conservador”.206 Belo Horizonte, projetada para ser símbolo da Modernidade, sublinhava as discrepâncias entre as expectativas em relação ao novo centro político-administrativo e a realidade das demais zonas do Estado. A crise cafeeira afetou de maneira desigual cada uma das partes do “mosaico mineiro”. A Zona da Mata, onde predominava a cultura do produto, sentiu o peso maior da queda nos preços do café no mercado internacional,207 agravando o olhar de “decadência” e “estagnação” a partir do qual o contexto econômico mineiro era visto pelas elites políticas da época. O chamado “desenvolvimentismo mineiro”, segundo Dulci, está diretamente ligado à percepção precoce deste atraso como “questão política relevante”,208 algo que João Pinheiro tomou para si como tarefa e plataforma de governo, num projeto de modernidade que pregava a Liberdade republicana conjugada com a Ordem e o Progresso positivistas.209 204 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar, op. cit., p. 105. 205 ALONSO, Angela. Crítica e Contestação: o movimento reformista da Geração 1870. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 15, n. 44, 2000, p. 35-55. 206 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 207 PINHEIRO, João. Fortalecimento econômico dos munícipios. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. p. 307. 208 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit. 209 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit., p. 126. 76 Cientes de que estes conceitos, se aplicados genericamente, acarretam imprecisões que corroboram para uma certa mitificação da imagem de João Pinheiro, é importante indagar: de que Liberdade e de qual Ordem e Progresso estamos falando? Para Dulci, João Pinheiro interessava-se pelos tópicos que compunham a ideia de “Progresso” de Comte, ou seja, produção, trabalho e tecnologia.210 A esta afirmação acrescentamos outra acepção relevante, apenas tangenciada pela historiografia com a ideia de que o político mineiro possuía um “forte senso de ordem”. Para João Pinheiro, os processos revolucionários cometiam o “absurdo” de uma minoria destruir a lei estabelecida. Por isso, era favorável à “ordem material mantida sob a plena liberdade espiritual, o progresso realizado por movimentos que não abalem, operando reformas e não ruínas”.211 Adentramos, pois, num segundo ponto. Estas palavras foram proferidas na apresentação da sua candidatura como Presidente do Estado de Minas, em 1906, evidenciam o direcionamento reformista, contrário à revoluções e mudanças bruscas. A exemplo do que pregava o pensamento comteano, João Pinheiro defendia que o desenvolvimento da humanidade resultava da combinação equilibrada entre estática (ordem) e dinâmica (progresso). Para tanto, era preciso liberdade, o que significava seguir as leis naturais, por meio de um rígido sistema moral.212 Em virtude do apego à disciplina, o positivismo ficou associado ao autoritarismo, aspecto do qual João Pinheiro se afastava. A via escolhida pelo republicano histórico mineiro para a Modernidade e o Progresso aproximava-se mais da ideia liberal de Spencer. Vale ressaltar que o evolucionismo teve uma boa acolhida na Faculdade de Direito de São Paulo, tradicionalmente liberal, onde Pinheiro estudou. A perspectiva individualista interessava aos bacharéis liberais, fornecendo-lhes o modelo explicativo da ascensão social como fruto da sobrevivência do mais apto.213 O próprio João Pinheiro foi apresentado por um dos mais importantes jornais da época como “um self-made man, feito na rija escola da provação e do trabalho”. Segundo o mesmo jornal, seu conjunto de ideias econômicas era fruto não de teoria, mas “da prática de um experimentado tirocínio de trabalhador”.214 Todavia, a característica que o alinhava à corrente de pensamento comum aos seus colegas da faculdade de direito também o diferenciava. Diante de uma certa elite homogênea, 210 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit., p. 114. 211 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 179. 212 COMTE, Auguste. Catecismo Positivista. In: GIANNOTTI, José Arthur (org.). Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 470-471. 213 ALONSO, Angela. O Positivismo de Luís Pereira Barreto e o Pensamento Brasileiro no Final do Século XIX. Coleção Documentos. Série Teoria Política. IEA/USP, São Paulo, vol. 9, 1995, p. 01-18. 214 PINHEIRO, João. O Novo Governo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 200. 77 João Pinheiro constituía uma exceção: tinha origem social humilde, era órfão e pobre.215 A percepção da urgência das medidas do I CACI, dizia Pinheiro, lhe veio graças aos “anos de vida prática como industrial e produtor”,216 Deste modo, quando o assunto era a forma de utilização do conhecimento científico na política, João Pinheiro ia na contramão do bacharelismo que caracterizava a Faculdade de Direito e ao encontro da outra instituição em que estudou, a Escola de Minas. Muito embora ambas tenham sido importantes núcleos de difusão do Positivismo no Brasil,217 a primeira enveredou por um viés mais humanista, enquanto a segunda foi mais pragmática. Interessava a Henri Gorceix, diretor da EMOP, a ideia comteana de que não bastava conhecer as leis da natureza, disseminar teorias para “um surto intelectual e moral”. A prática contínua e cotidiana era o que dava uma direção determinada e um destino progressivo na esfera pública e privada.218 João Pinheiro aproximava-se desta concepção ao afirmar, por sua própria história de vida, que para a recuperação econômica o povo tinha de ser ensinado a ganhar dinheiro, não por conselhos, mas pela prática.219 Torna-se compreensível, neste ponto, a crítica de um bacharel ao bacharelismo: com Gorceix, Pinheiro aprendeu a máxima de que era preciso fugir da retórica vazia.220 Para Helena Bomeny, com quem corroboramos, a simpatia de João Pinheiro pela associação entre instrução e progresso não faz dele um positivista em si, mas adepto de um grupo empenhado em “encontrar no positivismo um caminho para a racionalização e modernização da vida econômica e política do país”.221 Para nós, o trânsito pelas tendências cientificistas da época, ora pelo positivismo, ora pelo evolucionismo, indica que, de maneira semelhante aos membros da Geração de 1870, o político mineiro mobilizou aqueles elementos que eram adequados às suas estratégias de ação.222 Como explica Angela de Castro Gomes, o “evangelho republicano” de Pinheiro possuía dois pontos principais: a associação do regime republicano a um projeto de “melhoramentos”; e a ideia de Progresso como produção de crescimento econômico e igualdade social. O projeto dele era de um “capitalismo liderado pelo Estado e capaz de grande poder de arregimentação”, o que significava que pobres e ricos poderiam ascender socialmente. A utopia, explica Gomes, uma crença sólida nos anos iniciais 215 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit. 216 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 193. 217 PAULA, João Antônio de. Raízes do Desenvolvimentismo: pensamento e ação de João Pinheiro. Pesquisa & Debate, SP, vol. 15, n. 2 (26), 2004, p. 257-282. 218 COMTE, Catecismo Positivista, op. cit., p. 474. 219 PINHEIRO, Maior Produção de Cereais, op. cit. 220 CARVALHO, José Murilo de. A Escola de Minas de Ouro Preto: o peso da glória. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisa Sociais, 2010, p. 83. 221 BOMENY, Helena. O Brasil de João Pinheiro: o projeto educacional. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil moderno, op. cit. 222 ALONSO, Crítica e Contestação... op. cit. 78 da República, partia da premissa de “uma interação virtuosa entre autoridade política, crescimento econômico e igualdade social”.223 Conquanto pareça mais democrático do que a Geração de 1870, é preciso fazer uma distinção entre o ser favorável e o que esta paridade social efetivamente significava. João Pinheiro afirmava que a metodologia de seu governo consistia em auscultar, no seio das massas, os desejos legítimos para convertê-los em leis, instituir reformas e executá-las imediatamente, com os recursos do próprio meio. Com isso, dizia realizar um dos seus maiores desejos republicanos, que era o de aproximar o governo do povo.224 Mas não há uma defesa quanto à participação política direta. O que João Pinheiro postulava, no âmbito do seu economismo, era a ampla participação econômica. A postura condiz com o liberalismo dos projetos de República em debate no Brasil de fins do século XIX, devidamente calibrado e assentado não em uma sociedade igualitária, como a dos colonos dos Estados Unidos, e sim na de um darwinismo social utilizado como instrumento ideológico para justificar a profunda desigualdade herdada de três séculos de escravidão. Como nos recorda Carvalho, ao assumir os contornos de um proletariado estatal, incorporado à sociedade moderna por meio de políticas sociais garantidas pelo Estado, a noção abstrata de povo da versão de República Positivista pareceu menos ameaçadora às elites da época.225 Neste sentido, Pinheiro guiava-se por três pressupostos. O primeiro era de que a modernização deveria ser articulada e implementada pela elite. Desde as classes mais baixas, todos deveriam ter a oportunidade de se tornar empresários capitalistas, com um adendo que o perfilava com o grupo de 70: a ascensão teria de ser orientada por uma intelligentsia. O segundo é de que a agricultura era o termômetro do sucesso do desenvolvimento. A modernização deste setor era o eixo do seu programa, um direcionamento que Bomeny e Dulci interpretam pela chave do realismo, em concordância com o contexto agrário do Brasil de início do século XX.226 Em Minas, Estado que da agricultura tirava a sua principal fonte de receita, dizia Pinheiro: O trabalho agrícola, pela vastidão de seus recursos, pela sua extensa aplicação, pelo seu hábito generalizado em toda a massa do povo, pela facilidade de sua aprendizagem, constitui a forma simples e poderosa do trabalho nacional e por ela deve começar a reorganização econômica do Estado.227 223 GOMES, Angela Maria de Castro. Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 94-95. 224 PINHEIRO, João. Primeira Exposição Geral do Estado. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 346. 225 CARVALHO, José Murilo de. Cidadania na Encruzilhada. In: BIGNOTTO, Newton (org.). Pensar a República. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000, p. 106. 226 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit.; BOMENY, O Brasil de João Pinheiro... op. cit. 227 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 06. 79 Portanto, embora considerasse o setor industrial fundamental, a agricultura era responsável pela “fortuna política”, a beneficiária maior da grande massa, de modo que a questão agrícola impunha-se como “fato principal” ao seu “pensamento capital” de organização econômica.228 O terceiro era o da estreita correlação entre desenvolvimento e divisão racional e/ou qualificação para o trabalho.229 Diante do diagnóstico de uma Minas mergulhada “na profunda crise do atraso econômico e do tradicionalismo”, o prognóstico pinheirista era um projeto de modernização sustentado no binômio Trabalho-Educação. Ocorre que ele não se pautava apenas pelo regionalismo. Preocupava-se, em nível nacional, “com a construção de uma sociedade mais preparada para a nova ordem, a ordem do mercado e do trabalho”. Como mais um sintoma do olhar realista, João Pinheiro tinha a noção de que uma sociedade, cuja identidade carregava a mácula do escravismo, não teria condições de integrar o projeto modernizador sem que as relações de trabalho fossem modernizadas, função que atribuía à educação técnico-agrícola. O desenho que Pinheiro propunha para a modernidade de Minas e do país passava pela ideia de “diluir pela qualificação e pelo trabalho a mancha da degradação escravista”.230 O Estado deveria preconizar o “desenvolvimento pessoal para o empreendimento coletivo de um mercado de trabalho livre”. Em consonância com o seu republicanismo, Pinheiro acreditava que a instrução primária era o único benefício direto “que o povo poderia ver e tocar”. Sua principal queixa era de que os governos se preocupavam em demasiado com a “instrução aparatosa das academias e ginásios equiparados”, voltados às classes mais afortunadas, e esqueciam a escola primária, responsável tanto por educar o povo quanto pela “sorte futura da coletividade inteira”. Habituar as crianças das escolas do campo, desde os verdes anos, a se familiarizarem com os modernos maquinismos agrícolas, como se está fazendo; retirar-lhes dos olhos os antigos instrumentos de trabalho aviltados pela escravidão, a enxada e a foice, que lembram, com esse aviltamento, a razão da pobreza dos homens livres de agora; faze- las compreender que estes novos mecanismos lhes garantem a bela independência dos que do seio da terra, com o mínimo esforço aliado à maior inteligência, retiram a própria subsistência – é, certamente, ter prestado à grande massa do povo incalculável benefício.231 A falta de cuidado com a educação popular e a consequente permanência de métodos de trabalho e manuseio da terra tradicionais eram, a seu ver, as razões da “inferioridade 228 PINHEIRO, O Novo Governo de Minas, I. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 229 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 153. 230 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit. 231MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908, p. 40. 80 brasileira”.232 Nas palavras de Pinheiro, o “grande estorvo da agricultura é a ignorância do agricultor”, motivo pelo qual, em conjunto com os cuidados destinados às futuras gerações, acreditava que era preciso investir no ensino primário da agricultura aos adultos e prepará-los para o manejo simples de máquinas agrícolas “aperfeiçoadas”. Era urgente integrar o ensino ao Estado, o que se daria por meio do ensino profissional técnico, em que os alunos praticassem as artes e as indústrias. Por intermédio da educação, visava alcançar tanto o desenvolvimento econômico quanto o da formação moral e científica do trabalhador.233 Bomeny explica que objetivo de Pinheiro com o binômio Trabalho-Educação era o “controle e a disciplinarização da mão-de-obra”. Era preciso ensinar o gosto pelo trabalho lucrativo e criar o senso de propriedade em pequenos agricultores. O aspecto negativo, ressalta a autora, é que esta era uma forma de preservar o latifúndio. Ao criar uma mentalidade favorável à ideia de posse, a tendência era de que a propriedade de outrem passasse a ser respeitada e inquestionável.234 Um elemento digno de nota, como nos lembra Dulci, é que, apesar de empresário da indústria, no governo, Pinheiro colocava-se como “direto representante das classes produtoras”.235 Por outro lado, ressalta Wirth, uma característica basilar do comportamento político mineiro era a “capacidade de abrandar-se as diferenças em casa a fim de apresentar uma frente unida ao Rio”.236 Na historiografia como na sociedade, este comportamento aparece com denominações variadas. Mineiridade, mineirismo e mineirice, explica Amílcar Vianna Martins Filho, tornaram-se “sinônimas de perspicácia política e de disposição para barganhar e para aceitar fazer concessões, atitudes frequentemente associadas à tendência a rejeitar posicionamentos ideológicos, a preferir a visão pragmática”.237 Alceu Amoroso Lima transformou essas categorias em discurso ideológico para reivindicar um lugar político, onde o mineiro desempenharia uma “missão salvacionista”.238 De acordo com Maria Arminda do Nascimento Arruda, a construção do mito da mineiridade e da identidade cultural do mineiro correm paralelamente. Eleva-se no conceito uma tripla dimensão – mítica, ideológica e imaginária – que configura o regionalismo como representação nacional,239 e um caráter plural, com destaque para o equilíbrio entre antinomias (idealismo e realismo, urbano e rural, liberdade e 232 BOMENY, O Brasil de João Pinheiro: o projeto educacional, op. cit. 233 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro, op. cit. 234 BOMENY, O Brasil de João Pinheiro: o projeto educacional, op. cit. 235 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 127. 236 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 174. 237 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 229. 238 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 21. 239 ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Mitologia da mineiridade: o imaginário mineiro na vida política e cultural do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1990. 81 ordem, entre outras) e a articulação estável entre tradição e modernidade.240 Para Otávio Dulci, a simbologia da mineiridade serviu mais para dar coesão à elite do que para generalizar o sentimento de identidade regional entre os mineiros. Trata-se, evidentemente, de uma construção discursiva ilusória, mas operacional do ponto de vista do jogo político republicano,241 tanto que as menções a este cunho conciliador foram constantes nos momentos de conflito, como veremos adiante. Uma vez que João Pinheiro ilustrava este “ideário político mineiro de conciliação como projeto de articulação política”, houve uma estratégia deliberada de modernização que partia não da ruptura, mas de uma aliança com as elites tradicionais agrárias. Se as mudanças acarretadas pela modernização eram necessárias, os seus impactos poderiam ser amenizados pela “prudência política”, que consistia em antecipar (logo, controlar) algumas medidas a fim de dirimir os conflitos entre a nova e a velha ordem.242 A educação teria este papel neutralizador. A ideia republicana de bem comum era, para João Pinheiro, a razão de ser do projeto modernizador. O governo deveria ser um meio para realizar a “felicidade pública”, entendida como “aperfeiçoamento moral”, para o qual a segurança e a independência materiais do indivíduo e da coletividade eram condições.243 Estas ideias estão presentes na matriz norte- americana do republicanismo, segundo a qual a proteção do indivíduo é uma condição da garantia dos direitos; a liberdade depende da preservação dos interesses, dotados de valor agregativo; e a implantação de uma República em territórios de extensão continental torna-se possível por um governo nacional forte, mas limitado pela tarefa de preservar as liberdades do Estado republicano.244 O limite de seu Liberalismo estaria na concepção de “protecionismo ad tempore”, ou seja, como uma necessidade momentânea, imposta pela transição entre a sociedade pré-capitalista e a sociedade capitalista de mercado.245 Do ponto de vista de João Pinheiro, cabia ao Estado criar politicamente, de cima para baixo, as condições para a formação de um capitalismo burguês, por meio do incentivo à criação de “ethos empresarial do trabalho e da produtividade” e da coordenação dos agentes privados, o que fugia aos padrões do “liberalismo canônico”.246 Paralelo à questão educacional, a difusão 240 RAMALHO, Walderez Simões Costa. A Historiografia da Mineiridade: trajetórias e significados na história republicana do Brasil. Dissertação de Mestrado em História. Belo Horizonte: UFMG, 2015. 241 DULCI, Otávio Soares. As elites mineiras e a conciliação: a mineiridade como ideologia. Ciências Sociais Hoje (São Paulo), vol. 7, 1984, p. 07-32. 242 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 147. 243 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 179. 244 STARLING, A Matriz Norte-Americana, op. cit. 245 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit. 246 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 130. 82 de um “espírito capitalista” passava pela promoção da diversificação produtiva e pela criação de infraestrutura. Como já pregava o I CACI, prêmios pecuniários, cooperativas de crédito e tarifas protecionistas deveriam ser os aliados nesta empreitada. Os primeiros serviriam para estimular a iniciativa particular; os segundos representariam “o grande instrumento de força produtora que as associações constituem”; e as últimas “a condição necessária da colocação das riquezas acrescidas”. A partir da análise de John Wirth, podemos afirmar que o binômio que melhor resume o direcionamento pinheirista nestes tópicos é o de Policultura-Transportes.247 O incentivo à produção diversificada para livrar-se da dependência exclusiva do café era uma diretriz central do programa de João Pinheiro. Além de condenar a superprodução, o que já havia sido um ponto de atrito entre a Comissão Fundamental do I CACI e os produtores mineiros, contrários a qualquer medida de redução do plantio,248 João Pinheiro sinalizava o problema da falta de crédito e da ampliação de consumo. A situação não era melhor para uma das principais esperanças de fazer frente à cafeicultura. A exploração de minérios e pedras preciosas padecia da falta de infraestrutura técnica e de escoamento, de pesados impostos e dos problemas de propriedade.249 Sob a lógica pinheirista, era preciso buscar novas alternativas para criar uma economia efetivamente diversificada e emancipada. Entendemos que a leitura que João Pinheiro fazia da cafeicultura e da mineração convergia num problema bastante pragmático e objetivo, a partir do qual organizou todas as suas estratégias desenvolvimentistas: Minas (e o Brasil) não detinha o controle sobre o processo produtivo destes itens, fato que agravava a sua dependência e a deixava vulnerável no cenário de escalada imperialista pós-1870. O seu temor estava no diagnóstico de que “os povos modernos progridem rapidamente, alguns vertiginosamente, e a fatalidade deste progresso impele-os ao imperialismo, no qual as nações fracas serão irremediavelmente sacrificadas”.250 Fortalecer-se significava investir em recuperação econômica, mote do I CACI, em cuja sessão de encerramento, João Pinheiro sintetizou a conjuntura econômica mineira da seguinte forma: É nossa a grande opulência natural desta Pátria, é nosso este clima para todas as produções, é nossa a exuberante terra brasileira; mas em mãos estranhas estão a exportação das nossas riquezas, a importação do que não temos querido produzir, a regularização do nosso crédito, a exploração do alto comércio internacional, estando condenados em nome de uma liberdade comercial absurda a sermos um povo pobre no seio da mais rica das pátrias.251 247 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit. 248 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 132. 249 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit. 250 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit. 251 PINHEIRO, João. Congresso Agrícola, Industrial e Comercial. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 155. 83 A afirmação permite pelo menos duas interpretações. De um lado, há uma crítica ao imperialismo e ao poder de autorregulação do mercado, impondo o seu ritmo aos “países novos”. Mas a desaprovação é no sentido de reivindicar um lugar de integração, de querer alcançar o Progresso e a Modernidade para tornar o Brasil um país imperialista, e não de repúdio ao sistema. De outro, a exaltação de Minas como lugar central, que detém o melhor da riqueza natural, o ambiente mais propício ao Progresso, vinha no intuito de mostrá-la como digna de uma posição privilegiada tanto nos quadros nacionais quanto no “concerto das nações civilizadas”. Convém lembrar que este é o contexto pós assinatura do Convênio de Taubaté, firmado em fevereiro de 1906, entre São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, os principais estados produtores de café. Não é demasiado identificar aí uma censura ao posicionamento paulista em relação às decisões sobre a política cafeicultora. No documento final, o Convênio estabeleceu um preço fixo para a exportação do café; a criação de uma comissão para avaliar os tipos produzidos; a diminuição da produção; e a propaganda para aumento de consumo.252 Mas, nas sessões preparatórias, a postura da bancada paulista no Congresso Federal foi muitas vezes a de defender a taxação do café de qualidade inferior, largamente produzido em Minas, em detrimento da redução da produção, a raiz de todos os males no entender de João Pinheiro. Na concepção de Cláudia Viscardi, o documento foi uma tentativa de equacionar as diferentes alternativas buscadas pelos governos destes estados para a crise do preço do café. A proposta paulista era de constituição de uma comissão de estudo de planos de valorização, e autonomia em relação ao governo federal; já a mineira era de união entre os governos federal e estadual para o estabelecimento de medidas protetoras.253 Affonso de Taunay sinaliza que essas tendências já estavam delineadas nos dois congressos agrícolas que Minas e São Paulo sediaram em 1903. Já naquele momento as medidas para a solução da crise cafeeira nos dois estados dividiam-se em duas correntes: “uma querendo a intervenção direta, imediata e urgente do Governo da União, por meio do monopólio; outra, confiando de preferência na iniciativa individual, na solidariedade das classes agrícolas e industriais, indiretamente auxiliadas pelo Governo”.254 Acreditamos que João Pinheiro esteve a meio-termo de ambas. Se modernizante por um lado, por outro, era nas classes conservadoras que buscava apoio.255 A elas cabia o 252 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 141. 253 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 140. 254 TAUNAY, Affonso de E. História do Café no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional do Café, vol. 9, tomo 1, 1939, p. 488. 255 PAULA, Raízes do Desenvolvimentismo... op. cit., p. 270. 84 protagonismo do projeto de recuperação econômica; ao passo que ao Estado cumpria ajudá-las na organização e estruturação, tanto do plano empresarial quanto corporativo.256 O sistema cooperativista, organizado e credor, era um passo fundamental para a autonomia, ao qual seguir-se-ia um segundo. Para emancipar-se das “mãos estranhas”, João Pinheiro entendia que a industrialização dos países novos deveria partir das matérias-primas que produzia. Esta estratégia foi muito comum entre os adeptos da cisão entre “indústria natural” e “indústria artificial”, que marcou o pensamento industrialista brasileiro. Segundo Nícia Vilela, as origens desta diferenciação estão nas tendências fisiocráticas setecentistas. No Império, fundamentou-se a ideia de que a política protecionista necessária ao desenvolvimento industrial deveria se restringir àquelas matérias-primas que o país fosse capaz de produzir. Com a República e a crise da década de 1890, esse pensamento ganhou força e se dividiu em duas correntes: a do liberalismo econômico, que era contrária à intervenção estatal, por considerar que a indústria natural era capaz de se desenvolver autonomamente, desde que dotada de capital, mão-de-obra e facilidade de transporte; e outra, protecionista, que advogava em favor do privilégio das indústrias naturais.257 Mais uma vez, é preciso ressaltar a combinação peculiar que João Pinheiro fazia de elementos muitas vezes destoantes. O apelo aos produtos fornecidos de maneira “natural” pelo meio era apenas uma primeira etapa, fundamental para gerar capital necessário às indústrias mais complexas. Da mesma forma, o protecionismo, que, para ele, não deveria ultrapassar o estágio inicial de impulso à iniciativa privada. Pinheiro casava, portanto, a postura protecionista com a crença na espontaneidade do mercado, algo fundamentalmente liberal. O seu desenvolvimentismo era, nos termos de Dulci, um programa de “crescimento para dentro”, etapista e organicista.258 Para João Pinheiro, a industrialização se daria de maneira natural, como “marcha de todo organismo que se desenvolve” perante “uma lei de adaptação orgânica e de adaptação social”. Fornecendo as bases para a indústria simples, como a manufatura, por meio da proteção do governo e da educação do operário, seu desenvolvimento se daria naturalmente. Antes, porém, era preciso criar capital, incentivar a produção e formação da mão-de-obra, o que só seria viável a partir do investimento na agricultura. Além da educação profissional, a fixação do trabalhador no solo era, a seu ver, uma questão essencial do “problema agrícola”. Por considerar a concentração de latifúndios um desperdício das potencialidades econômicas, 256 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 46. 257 LUZ, A Luta pela Industrialização do Brasil, op. cit., p. 84-86. 258 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 129. 85 defendia para o trabalhador nacional a divisão do solo e o barateamento da Justiça para a partilha das heranças fundiárias. A outra medida era o Estado investir na colonização de maneira ativa, com a distribuição de lote, construção de casa e estudo das condições da terra.259 Nas colônias, o mais prudente era seguir a espontaneidade da natureza,260 ao invés de realizar a “substituição forçada” por novas culturas exóticas, nem sempre compatíveis com os hábitos do lavrador ou necessidades do consumidor.261 A aposta prioritária era a cultura cerealista, vista por ele como capaz de tomar o lugar imediato do café, graças ao fato de ser base da alimentação pública, possuir terras férteis e abundantes para a sua plantação, ter um baixo custo e um comércio ilimitado.262 Sobre o fato de que seu protecionismo poderia parecer paradoxal a quem defendia a “absoluta liberdade em suas diversas formas”, João Pinheiro respondia que, além de defensor da liberdade econômica, acreditava que a liberdade de trabalho era a propulsora do progresso, mas de que nada adiantava a liberdade sem os fundamentos básicos. O protecionismo tinha como função fixar a indústria e, pelo exemplo do êxito, incitar novas iniciativas até que a industrialização estivesse completamente nacionalizada.263 O político do Serro dizia estar ciente de que o “problema” econômico brasileiro não se revolveria apenas pela força das “odiosas” tarifas protecionistas. A elas deveriam ser somados o estudo do solo, a elaboração de estatísticas exatas, prêmios de animação, estímulo à iniciativa particular, educação técnica, diminuição das tarifas ferroviárias, a competitividade no trabalho, fundação de estabelecimentos-modelo, e exposições periódicas e agrícolas.264 Todavia, a intervenção do Estado geraria um claro círculo virtuoso: O protecionismo determinará o surgimento das culturas em vasta escala, por tornar o negócio lucrativo; o negócio lucrativo atrairá a convergência de capitais em procura da melhora remuneração; a convergência dos capitais e dos esforços multiplicará a produção; da produção multiplicada resultará a concorrência na qualidade e nos preços, - e o Protecionismo, mantido com firmeza, terá feito surgir a cultura, terá permitido a aprendizagem essencial e então os próprios fenômenos econômicos torná- lo-ão desnecessário.265 Vencidas as barreiras seculares da organização do trabalho e da produção, seria possível repetir em Minas e no Brasil o “avanço da civilização” que a produção cerealista estimulou no 259 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 260 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 261 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 262 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 182. 263 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 264 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 180. 265 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 15. 86 interior dos Estados Unidos e retomar o crescimento econômico abortado em fins do século XVIII, com o declínio da mineração. Otávio Dulci entende este “impulso intelectual e político à superação do atraso regional” como uma tentativa de emparelhar o Brasil com outros países, como mostram as referências de Pinheiro aos Estados Unidos, México, Argentina, Austrália e Japão. Aqui estaria a gênese do desenvolvimentismo mineiro.266 3.1.1 – O desenvolvimentismo de João Pinheiro A avaliação que este projeto recebeu de parte da historiografia é bastante positiva. Para Angela de Castro Gomes, foi um “exemplo paradigmático” da crença no Progresso para todos, na medida em que “contemplava novos ângulos, como o da proteção do Estado aos pequenos proprietários, nacionais ou imigrantes, que podiam ser organizados em cooperativas e ter seus filhos estudando em escolas técnicas”.267 Segundo Vamireh Chacon, consistia numa “reforma agrária realista com irrigação, colonato, mecanização da lavoura, ensino prático aos camponeses e diversificação do café aos cereais”.268 Para Helena Bomeny, apesar do lastro conservador inerente a todo credo positivista que, amparado pelo evolucionismo, acredita na mudança inexorável do mundo social, o sentido moderno da proposta está no “desenvolvimento do indivíduo e na constituição de uma sociedade plural, diferenciada, distinta dos moldes patriarcais com que nos modelamos de origem”.269 De outra parte, autores como João Antônio de Paula entendem a agenda pinheirista como um “projeto de modernização capitalista atrofiado, periférico, dependente e excludente”, formado a partir da perspectiva de uma mentalidade “protocapitalista e burguesa”, que via na iniciativa privada “o núcleo do desenvolvimento da nação”.270 Paula identifica na política econômica de João Pinheiro elementos que caracterizam o desenvolvimentismo que se seguiu no Brasil com Getúlio Vargas e Juscelino Kubitscheck, e mesmo com o que utilizamos contemporaneamente. Ao proceder de tal forma, compreendendo o desenvolvimentismo como processo de fortalecimento da indústria nacional para a substituição das importações, é possível que tenha desembocado em leitura semelhante à elaborada pela Teoria da Dependência, cujas principais críticas recaíam sobre a relação entre industrialização e desenvolvimento econômico, 266 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 115. 267 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 96. 268 CHACON, Vamireh. A genealogia do nacional-desenvolvimentismo brasileiro: João Pinheiro, Vargas, Jk e Israel Pinheiro. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil moderno, op. cit., p. 199. 269 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 166. 270 PAULA, Raízes do Desenvolvimentismo... op. cit., p. 269-270; 276. 87 e a inexistência de uma burguesia nacional (a dita classe produtora na qual Pinheiro apostava as suas fichas) capaz de fazer frente ao poderio do centro imperialista.271 Não é o caso de enveredar pelo extenso debate acerca das ideias cepalinas, mas, entre visões tão destoantes, como avaliar o projeto de João Pinheiro? Ainda que concordemos com a afirmação de Angela de Castro Gomes, de que a agenda pinheirista possuía a originalidade de romper com uma série de dicotomias, como indústria/agricultura, indústria artificial/indústria natural, trabalhador nacional/estrangeiro, as ideias de João Pinheiro não devem ser vistas como fruto de uma originalidade a toda prova. A própria autora sinaliza, embora não contemple, o ponto de partida para relativizar a “novidade” das ideias: as propostas de João Pinheiro acerca do desenvolvimento para dentro e da confrontação do modelo agroexportador dominante no Brasil tinham paralelo com as ideias de Alberto Torres e Nilo Peçanha.272 Para entender o pensamento torresiano, é preciso dimensioná-lo em dois momentos, como indicado por Adalberto Marson – antes e depois da Primeira Guerra Mundial, quando enveredou pelo pensamento autoritário.273 Por ser posterior à morte de João Pinheiro, a segunda fase será abordada no capítulo sobre o governo de Arthur Bernardes. Quanto à primeira, ela corresponde ao direcionamento “liberal-popular”. Assim como em João Pinheiro, neste momento do pensamento de Alberto Torres a preferência era pelos métodos “conciliatórios e pacíficos”, o conceito de “povo” era marcado pela generalidade, os lemas “construção” e “ordem” eram vistos como garantia de liberdade, e o “partidarismo” como o responsável pelos “interesses egoísticos e agitações estéreis”, que feriam o princípio republicano.274 Esta fase abarca o mandato de Torres na Presidência do Rio de Janeiro (1897-1900), período em que o estado enfrentava uma grave crise econômica. De acordo com Marieta de Moraes Ferreira, a “reconversão de uma economia escravista essencialmente baseada no café para uma economia policultora e voltada para o mercado interno” foi penosa para as elites. Um grupo de 35 políticos atuantes no Executivo e Legislativo fluminense debateu uma série de medidas julgadas urgentes para recuperar a economia de “forma complementar à cafeicultura”, isto é, reaproveitando os “fatores de produção subutilizados”. Torres foi quem deu início à implementação das reformas. O programa consistia no enfoque na pequena propriedade, no trabalhador nacional, na diversificação agrícola e na transformação da base tributária, com o imposto territorial e a redução do imposto de exportação. Entre 1903 e 1906, Nilo Peçanha, 271 BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. As Três Interpretações da Dependência. Perspectivas, São Paulo, vol. 38, 2010, p. 17-48. 272 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 40. 273 MARSON, Adalberto. A Ideologia Nacionalista em Alberto Torres. São Paulo: Duas Cidades, 1979. 274 MARSON, A Ideologia Nacionalista em Alberto Torres, op. cit. 88 então Presidente do Rio de Janeiro, reeditou o programa de Torres, amenizando as medidas mais polêmicas e enfocando uma diversificação agrícola que atendesse às demandas do próprio estado e o livrasse da importação de gêneros de primeira necessidade.275 A política de diversificação agrícola implementada por Nilo Peçanha no Rio de Janeiro foi baseada em quatro vertentes: a redução dos fretes de transporte ferroviário; a sobretributação dos importados também fabricados localmente; a diminuição dos impostos sobre as exportações, e os estímulos diretos e indiretos ao policultivo. Nilo tinha a convicção de que era preciso criar novas frentes de produção para a economia fluminense, protegendo os mercados, removendo obstáculos às iniciativas particulares dos produtores e garantindo-lhes um comércio vantajoso. Estas propostas foram as principais diretrizes do Ministério de Agricultura, em torno do qual se articularam os setores contrários ao Convênio de Taubaté e favoráveis à criação de um projeto alternativo à hegemonia cafeicultora. Aprovado por lei em 1906, o Ministério só se concretizou quando Nilo assumiu a Presidência da Nação (1909-1910), após a morte de Afonso Pena. Nilo fez da instalação da pasta uma frente de combate à política favorável à Valorização do Café, por acreditar que o intervencionismo estatal deveria beneficiar todos os setores da produção agrícola.276 Os antecedentes deste debate e do Ministério estão na “reação ruralista” proveniente da crise efetiva dos preços dos bens primários exportáveis e do Encilhamento, compondo um “movimento de institucionalização, em nível da sociedade civil e da sociedade política, da diferenciação dos interesses agrários no Brasil”. Os grandes temas de ação propostos pela “reação ruralista” para superar a crise/atraso da agricultura brasileira na Primeira República foram “o do povoamento/colonização; educação; modernização/racionalização produtiva e crédito/cooperativismo”. À testa destas grandes linhas diversificadoras e modernizantes, estavam três tipos de agentes: os elementos com formação técnica, oriundos das áreas onde a cafeicultura estava em decadência; os das áreas mais prósperas da cafeicultura, mas preocupados com as flutuações do mercado; e os políticos profissionais, que buscavam superar a crise econômica das áreas onde tinham suas bases de poder.277 João Pinheiro, Alberto Torres e Nilo Peçanha enquadram-se neste último grupo, assim como Arthur Bernardes, Nelson de Senna e Raul Soares. 275 FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da Idade do Ouro: as elites políticas fluminenses na Primeira República (1889-1930). Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994, p. 57. 276 MENDONÇA, Sônia Regina de. O Ruralismo Brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997, p. 123-125. 277 MENDONÇA, O Ruralismo Brasileiro (1888-1931), op. cit., p. 34 e p. 85. 89 Como podemos perceber, os tópicos de interesse eram coincidentes e partiam de uma agenda nacional. No Rio de Janeiro como em Minas, tratava-se de “desenhar uma estratégia para promover a recuperação econômica e política do estado”, ou seja, “estabelecer uma agenda de prioridades a perseguir”. O programa reformista fluminense sofreu forte repressão dos setores rurais, o que não ocorreu com as medidas implementadas durante o governo de João Pinheiro. Talvez uma diferença em relação ao programa pinheirista esteja no fato de que as medidas fluminenses “concentravam-se na esfera da circulação e da comercialização”, sem que nada fosse feito “para enfrentar os problemas na esfera produtiva – ou seja, melhorar a qualidade do produto e diminuir os custos de produção”. Ao que parece, as elites políticas fluminenses também não conseguiram “organizar uma força política estável e coesa” pela frágil penetração das ideias republicanas e pela ausência de um grupo republicano forte.278 Minas, vimos acima, construiu ideologicamente essa pretensa coesão, escamoteando os conflitos de interesses e as posições divergentes,279 ainda que estes tenham permanecido como pontos de impasse na execução das ideias pinheiristas após 1908. A partir do momento em que Pinheiro se colocava como um representante das classes produtoras, um conciliador por excelência, seu projeto de modernização sem ruptura tinha um forte apelo entre as elites mineiras. Pinheiro fazia a mediação entre os velhos políticos e a nova ordem por considerar a unidade política mineira primordial na nova reordenação do país.280 Mas é preciso destacar que esta característica também não lhe era exclusiva. Afonso Pena, por exemplo, teve um papel fundamental como “conciliador de interesses”. Como nos lembra Maria Efigênia Lage de Resende, à frente da Presidência do estado, entre 1892 e 1894, Pena esforçou- se por conduzir as negociações da transferência da capital de modo a alcançar o almejado equilíbrio econômico, fundamental aos interesses políticos de Minas.281 Justamente por ser tão importante, o estratagema da conciliação foi constantemente acionado pelos políticos e intelectuais. Regionalmente, a singularidade de João Pinheiro parece estar em fazer desta “conciliação” um programa de desenvolvimento econômico. O seu projeto tinha a vantagem de ser uma alternativa que não privilegiava economicamente uma região específica, e que se apresentava como o único projeto que permitiria contemplar o conjunto de um estado tão diverso e extenso como Minas. De acordo com Dulci, seja como uma construção ideográfica 278 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro...op. cit., p. 16 e p. 71. 279 DULCI, As elites mineiras e a conciliação..., op. cit. 280 BOMENY, Guardiães da Razão, op. cit., p. 147. 281 RESENDE, Maria Efigênia Lage de. Uma interpretação sobre a fundação de Belo Horizonte. In: Simpósio Nacional dos Professores Universitários de História. A Cidade e a História. São Paulo: FFLCH-USP, 1974, p. 601-633. 90 ou uma adesão simbólica, este roteiro estratégico pinheirista foi um importante referencial para as elites mineiras pelo menos até meados do século XX, com Juscelino Kubitscheck. 282 Admitidas as ressalvas sobre os limites do liberalismo e do viés democrático, João Pinheiro defendia um projeto de desenvolvimento guiado pela “mística do economismo” sem desvincular-se da perspectiva humanista. Se o projeto desembocaria, por suas próprias mãos, em um processo de modernização conservadora, como sugere Paula, e como ocorreu com Alberto Torres, é uma incógnita. A nossa hipótese é de que este foi o caminho seguido por Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares, após a morte de João Pinheiro, em consonância com os direcionamentos do próprio contexto nacional e internacional. Para nós, se Nilo abriu as portas do projeto de diversificação agrícola fluminense para os quadros nacionais, via Ministério da Agricultura, Arthur Bernardes procurou nacionalizar as propostas desenvolvimentistas de João Pinheiro, a partir de um programa de reformas na Presidência da República, tendo exatamente Nilo como um dos principais adversários a combater. Para compreender este processo o ponto de partida é analisar como a proposta pinheirista de reorganização da economia via ordenação modernizadora do trabalho e da educação foi implantada em Minas no período de 1906 a 1908. 3.2 – Entre asteroides e planetas: a implantação da agenda pinheirista Ao assumir a Presidência do Estado de Minas em 07 de setembro de 1906, João Pinheiro possuía uma agenda de governo com teses amplamente debatidas pelos produtores mineiros durante o I CACI, e que estavam no horizonte do “ruralismo” brasileiro. Para ele, um homem mais de ação do que de retórica,283 era chegada a hora de colocar o projeto em prática. O canal, como haveria de ser a um republicano inspirado na utopia liberal norte-americana, era o Parlamento, lugar por excelência da representação popular, da sustentação da liberdade.284 As competências do Legislativo, estabelecidas pela Constituição do Estado de Minas de 1891, coadunavam com as necessidades e anseios pinheiristas. Dentre as atribuições do Congresso Mineiro, composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, merece destaque a 27ª, segundo a qual era dever “Promover no Estado o Desenvolvimento da educação pública, da agricultura, 282 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimentismo Mineiro, op. cit., p. 111. 283 BARBOSA, Francisco de Assis. João Pinheiro e seu ideal republicano. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 284 PINHEIRO, João. Agricultura: produzir melhor e mais barato. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 91 da indústria, do comércio, da imigração e das artes”. Este artigo praticamente congrega as linhas de ação tanto do I CACI quanto do governo de João Pinheiro. Por acreditar que ao Legislativo mineiro cabia transformar em lei as aspirações de reformas destinadas a acelerar o progresso, Pinheiro “tratou de mobilizar todas as energias novas para o reerguimento do Estado”.285 Entre os representantes recrutados na nova geração política mineira estavam dois nomes da nossa tríade: Nelson de Senna e Arthur Bernardes.286 Para nós, as atuações de ambos como deputados estaduais, de 1907 a 1908, foram fortemente marcadas pela defesa da agenda pinheirista, sobretudo dos tópicos que sofreram ameaça diante das tentativas de sobreposição de outros projetos. Em decorrência, o cruzamento dos debates parlamentares com as diretrizes que Pinheiro registrou em suas Mensagens Presidenciais, destinadas ao Congresso Mineiro, mostrou-se um interessante caminho para entender a forma de implementação da agenda desenvolvimentista pinheirista. Segundo Francisco Iglésias, ao aplicar as conclusões do Congresso de 1903 na vida administrativa, Pinheiro firmou-se como um ferrenho defensor da substituição das querelas políticas pelo “terreno neutro dos problemas econômicos”, aos quais todos estavam suscetíveis, tornando-se precursor do desenvolvimentismo.287 Nelson de Senna e Arthur Bernardes parecem ter seguido a indicação à risca. Para Senna, o “mal incurável da política brasileira”, resquício de uma política positivista baseada em debates “puramente políticos e apaixonados”, era acanhar-se em discutir os principais assuntos econômicos do país. O partidarismo ocupava o espaço que deveria estar reservado aos problemas econômicos. Por este motivo, dizia-se partidário dos princípios de João Pinheiro, para quem eram prioridades os problemas de produção, transporte e consumo de nossas riquezas. Seguindo os ensinamentos de seu mentor, defendia que nas democracias os debates econômicos deveriam sempre sobrelevar os assuntos de natureza política.288 Assim, dizia Senna: Discípulos que fomos do pranteado mestre e orientador de nossa carreira política, continuamos fieis ao seu credo, porque somos convencidos de que não há outro caminho a seguir para uma nação nas condições atuais do Brasil, cuja potencialidade interna e externa estará sempre em função do desenvolvimento dos seus formidáveis recursos naturais, sob o estímulo de uma legislação e administração inteligentemente conduzidas pelas normas de uma acentuada política econômica.289 285 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 286 Raul Soares somente foi eleito como deputado estadual em 1911, e muito em função da influência bernardista construída neste primeiro momento. Ver: CARVALHO, Raul Soares, um líder da República Velha, op. cit. 287 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 288SENNA, Nelson de. A Finalidade da Econômica da Política Brasileira (1909). In: Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 117-118. 289 APCBH – NCS 4 (32) – ATIVIDADES PARLAMENTARES, 07 de setembro de 1947, p. 01. 92 Pelo economismo, João Pinheiro julgava fugir da “política das pessoas”, que considerava inútil e perniciosa, para adentrar na “política das ideias”, esta, sim, voltada para o “fim positivo do benefício do povo”.290 Conforme Dulci, Pinheiro entendia o governo como lugar de organização da política econômica, delimitando que as disputas oligárquicas deveriam ceder espaço para “um padrão político-administrativo diferente, orientado para os interesses da produção”.291 No âmbito de uma política econômica que levasse ao Progresso por meio da Ordem, o plano, vimos no item anterior, era que Minas adentrasse a modernidade pelas vias da modernização agrícola, processo a ser incentivado por uma política estatal desenvolvimentista que articulava os binômios trabalho e educação, policultura e transportes. Estes pares complementares foram compilados em três diretrizes – “saber produzir, poder produzir e colocar a produção” – que orientaram a elaboração do Regulamento da Diretoria de Agricultura, Comércio, Terras e Colonização. Uma vez que o documento foi apresentado por Pinheiro como a síntese de seu programa administrativo, adotamos os tópicos como guias de nossa análise.292 a) “Saber produzir” O “saber produzir” era o cerne do projeto. Tomando a própria trajetória como exemplo, João Pinheiro acreditava na relação positivista entre instrução e progresso.293 O político mineiro desferia uma dura crítica à cultura bacharelesca, herdada dos tempos coloniais. No seu entendimento, de nada adiantava ter uma grande massa dedicada aos estudos clássicos e às profissões liberais, se o sucesso ficava restrito à uma pequena porção, e o descuido da prosperidade material da sociedade, razão de ser das classes liberais, acabava por criar um desequilíbrio e uma classe de proletariados intelectuais.294 O ensino deveria, pois, contemplar dois vieses. O teórico, focado na aprendizagem da técnica, e o industrial, responsável pela divulgação dos trabalhos mecânicos e dos processos úteis. Para ele, aí estaria a “base da regeneração econômica” de Minas. Como nos lembra Bomeny, na Presidência o projeto foi sistematizado em três níveis: o técnico-primário; as fazendas-modelo, para o nível secundário; e o financiamento de programas de estudo aos alunos e industriais de destaque.295 290 PINHEIRO, João. Política em benefício do povo. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 291 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 128. 292 PINHEIRO, Agricultura: produzir melhor e mais barato, op. cit. 293 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 153. 294 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 190-191. 295 BOMENY, O Brasil de João Pinheiro: o projeto educacional, op. cit., p. 161. 93 Para formar os agricultores do futuro, o ensino técnico-primário deveria ser ministrado nas escolas públicas, e nele se ensinaria a prática necessária para formar um “inteligente operário rural”, paralelamente à leitura, escrita e aritmética. Os rapazes pobres que revelassem “inteligência e aptidão” seriam contemplados com um “prêmio de seleção”, para que os mais destacados do primário fossem enviados tanto para os colégios quanto para cursos no exterior. Ao nível primário, somar-se-ia o ensino técnico-secundário, destinado a rapazes de 15 a 17 anos, que já eram lavradores, a ser aplicado nas fazendas-modelo por técnicos experientes; e, por fim, o técnico-superior, que ficaria à cargo da União, em sessões anexas às Faculdades superiores, especialmente à Escolas de Engenharia. Em comum, todos os níveis teriam uma ênfase técnica-pragmática.296 O pontapé para a implementação destas diretrizes foi dado vinte e um dias após a posse de João Pinheiro, com a autorização, concedida pelo Congresso Mineiro, para as reformas no ensino primário, normal e superior do Estado. Pela legislação, a escola deveria ser “um instituto de educação intelectual, moral e física”. O ensino primário, gratuito e obrigatório, seria dividido em escolas isoladas, grupos escolares e escola-modelo anexas às escolas normais. Pinheiro acreditava que os grupos escolares tenderiam a substituir as escolas isoladas, e poderiam contar com o ensino técnico primário. Os alunos pobres do primário teriam a proteção governamental para ingressar no Ginásio Mineiro, além de, a critério do governo, receberem educação profissional, em mecânica e belas artes, dentro e fora do Brasil. Quanto aos professores efetivos e adjuntos, obrigatoriamente normalistas, a nomeação ficaria sob a responsabilidade do Presidente do Estado.297 Para Pinheiro, os professores deveriam ser estimulados e não ficarem à mercê de fraquezas, condescendências, injustiças ou perseguições que a fiscalização tornada “função política eleitoral” os sujeitava. A fim de combater a sujeição do professorado às querelas políticas, as capacidades do professorado deveriam ser fiscalizadas e atestadas por comissões independentes, livres das dubiedades da política eleitoral, premiando com gratificações pecuniárias os melhores professores.298 Há nos itens da lei um claro direcionamento consonante com as aspirações que Pinheiro já apresentava na Campanha ao governo. Em pouco tempo, a partir da legislação sancionada, foram articuladas medidas importantes para organizar este que, no pensamento pinheirista, era um setor prioritário para que os “métodos rotineiros fossem abandonados”. Em 1907, por 296 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro, op. cit. 297 MINAS GERAIS. Lei nº 439, de 28 de setembro de 1906 - Autoriza o governo a reformar o ensino primário, normal e superior do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906 298 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 190-191. 94 exemplo, houve uma série de decretos convertendo escolas de diversos municípios mineiros em mistas, femininas ou masculinas, ou criando novas escolas, entre elas uma noturna em Juiz de Fora.299 Neste mesmo ano, além da reforma na instrução primária, João Pinheiro tratou de agilizar a reforma no ensino secundário, com o objetivo de satisfazer as “novas necessidades” e abrir horizontes ao “trabalho inteligente” a partir da agricultura, da indústria e do comércio. Pelo Decreto nº. 2.126, de 25 de novembro de 1907, Pinheiro garantiu uma parcela de gratuidade no Ginásio Mineiro aos alunos egressos do ensino primário, até que a reforma fosse realizada, bem como regimentou o exame admissional por uma comissão composta por quatro lentes nomeados pelo reitor e presidida pelo Secretário do Interior, uma forma de racionalizar o processo e evitar as “odiosas” vaidades políticas.300 Com este mesmo objetivo, regulamentou a Escola Normal, onde o ensino deveria ser ministrado de modo que as alunas, quando professoras, estivessem “aptas a organizar uma escola primária”, com rigorosos preceitos pedagógicos, que iam desde a preparação adequada do conteúdo à manutenção da disciplina em sala de aula.301 Meses depois, a Câmara procurou ressuscitar o projeto nº68, vindo da legislatura de 1900, que dispunha sobre a criação e supressão de escolas, bem como a fiscalização de professores, ao que parece para sobrepor ao projeto de Pinheiro. Nelson de Senna pediu a palavra para debatê-lo e rejeitá-lo na 12ª Sessão Ordinária, em 2 de julho de 1907. Segundo Senna, a discussão era bastante oportuna diante da reforma ao serviço de instrução pública do Estado e da recente organização do ensino primário e normal em Minas Gerais. Ele entendia e ressaltava o papel feminino como formador do caráter na primeira infância, motivo pelo qual defendia a restrição que o governo de Pinheiro fez ao permitir apenas a matrícula feminina na Escola Normal Modelo da Capital, onde se formavam para o magistério, e colocar o ensino secundário e superior como preferencial “ao sexo forte”, isto é, masculino. Em zonas como a que ele representava, “onde o progresso – pelo porta voz da locomotiva, do telégrafo e de outros benefícios” não havia chegado, o povo sertanejo, afirma Senna, só poderia esperar dois benefícios: o ensino primário do governo estadual e os correios do governo federal. Com pesar, dizia que o norte e o oeste mineiros ainda possuíam lugares com a ausência completa de escolas, 299 MINAS GERAIS. Decretos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907, p. III-XVI. 300 MINAS GERAIS. Decreto nº. 2.126, de 25 de novembro de 1907 – Declara em vigor, com as alterações do presente decreto, a legislação referente ao Ginásio Mineiro, até que o governo reforme o ensino secundário. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 301 MINAS GERAIS. Decreto nº 1.982, de 18 de fevereiro de 1907 – Aprova o Regulamento Interno da Escola Normal da Capital. Coleção das Leis do Estado de Minas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 95 esta “célula civilizadora”, que ensina o amor pela instrução e prepara o caráter para amar a República. Por isso, defendia a criação de mais escolas que pudessem atender a população, “pelo seu elevado algarismo demográfico”.302 No dizeres de Senna, a “nova orientação pedagógica” do governo de João Pinheiro visava uma seleção mais rigorosa do professorado e do conteúdo a ser ministrado. Para o deputado, isto superava o “defeito, o vício fundamental”, que até então propagava Escolas Normais com corpo docente diminuído, orçamento parco, sem a mínima infraestrutura. Se o ensino normal em Minas não estava suficiente, como julgava a Câmara e a administração superior do Estado, não era por inapetência de Pinheiro, este “membro de uma nova legislatura, dominada pelo espírito novo e alentador que nasce do programa fecundo desse mineiro benemérito, que educou o seu espírito numa escola de trabalho industrial e que, [é] filho do povo”. Isto porque, O governo, por mais bem inspirado que esteja, por maior devotamento que empregue pelos progressos fundamentais do Estado, como sejam: – a agricultura, a instrução, a aviação –, o governo não pode fazer milagres, embora à testa da administração esteja um homem eminente, de feição americana, acostumado a arcar com as maiores dificuldades, porque sabe que é nessa verdadeira educação do trabalho e do esforço que se constituem os estadistas do novo regime.303 Não apenas por este excerto, mas por todo o conteúdo do discurso, vemos que a defesa à figura política de João Pinheiro é de tal forma laudatória que chega a soar como adulação. Senna procurou se resguardar da acusação com a ressalva de que era seu dever dizer o que João Pinheiro representava não como “lisonja ao poder”, mas como o “modo de ver do povo”. Com ele à frente do governo, “tempos novos se abrem à nossa geração, novos caminhos nos guiam e nos conduzem ao futuro mais certo e seguro, quer no trabalho, quer no ensino”. Portanto, em nome da Comissão de Instrução Pública, da qual fazia parte, Senna considerava desnecessário o projeto em debate, pois a lei nº439, de 28 de setembro de 1906, sancionada por Pinheiro, já cumpria a função e estava habilitada “com a orientação moderna e com o mais perfeito sistema da instrução em Minas Gerais”. É importante frisar que Senna falava não apenas como membro da Comissão, o que já lhe garantia um lugar de fala autorizado; ele discursava como um professor que há mais de uma década se dedicava ao magistério, que tinha “conhecimento de causa”. Mas, para além de uma afinidade de perspectiva, havia uma defesa explícita para que vigorasse a lei elaborada com os pressupostos pinheiristas. O diálogo com o “mestre” e a retaguarda colocada ao seu governo são latentes. 302 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1907. 303 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, p. 69. 96 Como o próprio Pinheiro ressaltava à época, mais importante do que elaborar novas leis, era imprescindível executar as já existentes.304 A autorização para o ensino prático em fazendas- modelo foi dada um dia antes de sua posse. Pela Lei nº 454, de 06 de setembro de 1907, motivada pelo acordo de Taubaté,305 o governo ficava autorizado a manter nas fazendas-modelo até 25 alunos, pelo prazo de dois a seis meses, com o objetivo de ensiná-los a manejar máquinas agrícolas. Às câmaras municipais que criassem e custeassem instituições deste tipo ou campos de demonstração, bem como particulares que o fizessem, seriam concedidos subsídios governamentais de até três mil réis.306 A fim de cumprir o exposto, em 26 de novembro de 1906, o governo adquiriu a Fazenda da Gameleira, no entorno da capital, e, posteriormente, o Sítio Madeiro.307 Para João Pinheiro, as fazendas-modelo eram “verdadeiras escolas do trabalho inteligente, onde os praticantes adquirem os hábitos necessários de previsão, cálculo, economia e lucro”.308 Nesses lugares, seriam ensinadas “as mais modernas técnicas de cultivo do solo”, com destocamento, preparo, semeadura, carpas e colheitas realizadas mecanicamente.309 A discussão que se sucedeu na Câmara sobre a emenda colocada pelo Senado ao projeto de instituição do ensino prático da agricultura nas fazendas-modelo contou com a longa defesa de Arthur Bernardes. Assim como fez Senna em relação ao ensino primário, Bernardes argumentou para que a Câmara não sobrepusesse um projeto de legislaturas anteriores ao de João Pinheiro. Na 2ª discussão do projeto nº39, de 1900, sobre a criação de três campos de demonstração agrícola na Zona da Mata, Bernardes votou contra por entender que era um projeto elaborado há 7 anos, no “domínio de outro governo que exercia a sua ação governamental ao influxo de outras ideias e outras aspirações, quando, enfim, a orientação governamental era bem diversa da rota que vai seguindo o atual”. Bernardes buscava mostrar a inutilidade do projeto em debate perante a existência da lei nº 440, de 2 de outubro de 1906, sancionada por Pinheiro, que já autorizava o governo a conceder auxílio às Câmaras Municipais na fundação de campos práticos de agricultura.310 Na concepção de Bernardes, ao invés de retomar antigas leis, era preciso colocar em prática aquelas pensadas de acordo com a agenda governamental vigente, sobretudo porque ele 304 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit. 305 PINHEIRO, Emancipação do Café. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 325. 306 MINAS GERAIS. Lei nº454, de 06 de setembro de 1907 – Declara isentas de impostos as passagens em estradas de ferro, vendidas para sedes de exposições industriais, comerciais e agrícolas, municipais ou regionais, concede prêmios, institui o ensino prático de agricultura nas fazendas-modelo, e dá outras providências. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 307 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907. 308 PINHEIRO, Agricultura: produzir melhor e mais barato, op. cit. 309MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908, p. 14. 310 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 12ª sessão ordinária, aos 02 de julho de 1907, p. 66. 97 compreendia, tal qual Pinheiro, que medidas isoladas seriam ineficientes. Os agricultores mineiros viviam tão “aferrados à rotina”, a “um processo rude e primitivo”, que não podiam competir com outros povos que já conhecessem o manejo de modernas máquinas agrícolas e dos novos processos de agricultura”. As fazendas-modelo teriam a função de ensinar “o manejo dessas curiosas máquinas que hão de fazer a grandeza econômica e a prosperidade financeira do Estado de Minas”. Ainda neste discurso, a fazenda da Gameleira, um dos carros-chefes do projeto educacional prático pinheirista, mereceu algumas linhas. Segundo Bernardes, o intuito de sua fundação foi fazer conhecidos “os modernos e adiantados processos de agricultura”, o que seria em breve “vantajosamente conseguido”, dada a excelente impressão que causava aos inúmeros visitantes provenientes de vários pontos do Estado, “despertando verdadeiro entusiasmo pela adoção dos processos agrícolas ali postos em execução a título de experiência”.311 Para nós, o esforço era para fundamentar a ideia de que somente o programa pinheirista, advindo dos estudos do I CACI e da prática de Pinheiro como empresário, poderia surtir um efeito que não mais poderia tardar. Além disso, acreditamos que Bernardes exaltou o potencial da iniciativa pinheirista para que inspirasse a aprovação de orçamentos a outras semelhantes, como de fato ocorreu. Após a instalação da Gameleira, Pinheiro criou as fazendas-modelo do Retiro do Recreio (Santa Bárbara), da Fábrica (Serro), da Barra (Itapecerica) e a de Ayuruoca, além de campos de demonstração nas colônias Nova Baden, Francisco Salles e Itabamcury,312 dotadas dos instrumentos e máquinas agrícolas necessários para o ensino prático agrícola, bem como de chefes de agricultura prática e mestres de cultura, cuja função era basicamente ensinar “como se ganha dinheiro”.313 Instituiu também uma Seção Técnica de Agricultura para “ministrar informações teóricas, aconselhar tecnicamente e resolver questões ocorrentes e dependentes da mecânica, da física ou da química agrícolas”, e uma Seção de Estatística e Produção. Para as zonas criadoras, o plano de Pinheiro era que as fazendas-modelo tivessem uma seção especial para os interessados em aprender métodos aperfeiçoados de fabricação e conservação dos produtos. A contrapartida do Estado, por intermédio da Diretoria Geral de 311 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1907, p. 66 e 435. 312 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.099, de 26 de setembro do 1907 – Cria uma fazenda-modelo no Jogar denominado « Fabrica distrito da cidade do Serro; Decreto nº 2.113, de 14 de outubro de 1907 – Cria uma fazenda- modelo, denominada D. Antônia Augusta », no município de Leopoldina; Decreto nº 2.129, de 27 de novembro de 1907 – Cria uma fazenda-modelo, denominada Retiro do Recreio », no distrito da cidade de Santa Barbara; Decreto nº 2.131, de 4 de dezembro de 1907 — Cria uma fazenda-modelo no lugar denominado Barra, distrito da cidade de Itapecerica; Decreto nº 2.262, de 12 de agosto de 1908 – Estabelece um campo de demonstração em Ayuruoca. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 313 PINHEIRO, Agricultura: produzir melhor e mais barato, op. cit., p. 254. 98 Agricultura, estava na manutenção do estoque do mais moderno maquinário agrícola, além do fornecimento de instrumentos e fertilizantes químicos aos agricultores.314 Nas fazendas-modelo e colônias, o Estado oferecia “os meios de facilitar e preparar a cultura intensiva, já proporcionando aos particulares por baixo preço, a lavra e a cultura mecânica de suas terras, já barateando a análise das mesmas”. Habilitado pelo ensino agrícola, acreditava Pinheiro, o agricultor mineiro abandonaria por si os processos rotineiros de cultivar o solo, motivo de ruína e prejuízo, adotando a cultura intensiva. Mas a eficácia do “ensino útil” dependia da organização metódica de dados estatísticos sobre produção e exportação de produtos agrícolas e manufatureiros, tamanho da superfície ocupada por cada cultura, produção e custo de cada unidade de superfície. A compilação e difusão destes dados, frisa ele, era a condição para que o agricultor fizesse orçamentos e colocasse em prática o “ensino verdadeiramente útil” das fazendas-modelo, uma vez que nelas ele aprendia a calcular o poder produtivo da terra a partir destas informações.315 Com este propósito, João Pinheiro reorganizou por decreto a Diretoria de Agricultura, Viação e Indústria. Sob sua alçada foram colocados o exame e análise de terras e plantas, estudo de cursos d’água e lençóis freáticos; máquinas, instrumentos e irrigação agrícola; estudo dos fenômenos atmosféricos e meteorológicos; serviços de imigração e colonização, fiscalização e execução dos trabalhos destinados à repartição. Para a execução dos serviços, o decreto estabeleceu um organograma com diretor, chefe técnico, engenheiros químicos, chefe de estatística, chefe da seção central e de agricultura, chefe da seção de terras e colonização, chefe de agricultura prática e mestres de cultura. O controle governamental dar-se-ia pelo envio anual de relatórios ao Presidente do Estado.316 Muito mais do que simples centralização de informações nas esferas governamentais, o intuito era criar uma espécie de central de inteligência sobre a terra e a gente mineira. Pinheiro acreditava que, para se ter a base dos meios necessários ao desenvolvimento mineiro “devia se fazer um inquérito em regra sobre o meio físico, sobre o homem que nele vive, seu estado moral e intelectual, suas condições econômicas, e sobre suas indústrias e os meios de vida de que desfruta”.317 A nosso ver, esta foi uma das razões que levou Nelson de Senna a propor, encabeçar e dirigir o Anuário Estatístico Ilustrado do Estado de Minas Gerais, 314 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907 e 1908 (p. 14). 315 PINHEIRO, Agricultura: produzir melhor e mais barato, p. 255-256. 316 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.027, de 8 de junho de 1907. – Reorganiza os serviços a cargo da Diretoria Geral de Agricultura Viação o Industria. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 317 TAMM, Paulo Apud BARBOSA, Francisco de Assis. Minas e a Constituinte de 1890. In: V Seminário de Estudos Mineiros... op. cit., p. 98. 99 cujo primeiro volume veio a público em caráter experimental, em 1906, como expressão patriótica de “retratar ao vivo a Terra Mineira, na sua gente, no seu labor, nos seus costumes, na sua opulência, no seu progredir”. Esta espécie de almanaque com informações históricas, geográficas, políticas, econômicas, religiosas e culturais da terra mineira, se bem aceito e amparado, dizia o autor, daria origem à publicação de outros volumes anuais.318 As edições, contudo, foram bienais até 1913, quando só voltaram a ser publicadas, em último número, em 1918, pode-se especular que por complicações – como a escassez de papel – advindas da Primeira Guerra Mundial. b) “Poder produzir” Uma vez que não bastava saber, era preciso “poder produzir”, cabendo ao governo criar as condições necessárias, a etapa subsequente à assistência técnica era a assistência comercial. Para Pinheiro, talvez o maior ensinamento prático a este respeito tenha vindo mais do café do que da Cerâmica Caeté. Desde o I CACI convencionou-se que o problema da cafeicultura podia ser distinguido em três faces distintas: a da produção, a do beneficiamento industrial e a sua colocação no mercado. Governos e particulares deveriam concentrar seus esforços nestes dois últimos.319 O “regulador” de seu governo neste assunto foi o já citado Convênio de Taubaté, que, segundo Francisco Iglésias, foi a providência mineira mais importante no que diz respeito à agricultura, traduzindo “a primeira intervenção importante do setor público na vida econômica”.320 Ao fim e ao cabo, o acordo consistiu numa “política de aquisição financiada e retenção de estoques excedentes de café, visando a sustentação dos preços”.321 Minas, ao contrário de São Paulo, não possuía capital suficiente para arcar com os custos de retenção do excesso de produção do café.322 A solução defendida por João Pinheiro foi, pois, a associação dos produtores de café em cooperativas, nas quais os produtores negociavam, sem intermediários, com os compradores; tinham acesso à empréstimos com juros baixos e à concessão de máquinas de rebeneficiamento por parte de prêmios governamentais.323 Como explica Sônia Regina de Mendonça, o cooperativismo de fins do século XIX e dos primeiros 318 ANNUARIO ESTATISTICO ILLUSTRADO DO ESTADO DE MINAS GERAES. Advertência, 1906, p. 06. 319 PINHEIRO, João. Fortalecimento dos Municípios. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 320 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 122. 321 FRANCO, Gustavo H. B. & LAGO, Luiz Aranha Corrêa do. O Processo Econômico. In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (dir.). História do Brasil Nação: 1808-2010 – A Abertura para o Mundo: 1889-1930. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2012, p. 195. 322 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit. 323 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 100 decênios do século XX surgiu no âmbito do debate acerca da captação do crédito agrícola necessário para que o proprietário lograsse capital e força de trabalho para investir na modernização. Foi, pois, uma medida defendida pelas classes produtoras para solucionar o problema do atraso na agricultura, pós-abolição, e forma de “proliferação qualitativa e quantitativa dos estabelecimentos de crédito”.324 Se em sua origem as cooperativas tinham a função de intermediar a relação entre agroindústria e cooperados, e entre estes e as linhas de crédito, sejam públicas ou privadas, para a Primeira República brasileira Mendonça faz uma interessante diferenciação entre duas vertentes. A primeira é a cooperativa entendida como uma “sociedade empresarial”, um instrumento que privilegia o capital como forma de combate à manipulação político-econômica da burguesia cafeeira. A segunda, denominada “doutrinária”, pensa a cooperativa como ação transformadora na luta contra a desigualdade social, e meio de contestação a um regime latifundiário excludente.325 Guardadas as devidas proporções, é possível vislumbrar essa divisão como uma dissonância entre a proposta do I CACI e a interpretação dada por João Pinheiro. O relatório do Congresso de 1903 exaltava o regime sindicatório como medida de “salvação para a lavoura” com a ressalva preventiva de não defender trustes, mas associações de auxílio fraternal. Em contrapartida, a visão pinheirista era muito mais empresarial e capitalista do que filantrópica.326 João Pinheiro considerava duas medidas como urgentes e potencialmente executáveis pelo sistema cooperativista: o estabelecimento do crédito-móvel, para que o fazendeiro tivesse capital necessário para investir nas culturas existentes, e a propaganda prática do café no estrangeiro, subvencionada pelo governo, para alargar o consumo. O governo deveria amparar e auxiliar as classes comerciais que já estavam realizando, por conta própria, a distribuição de amostras das melhores qualidades de café no estrangeiro. O compromisso assumido pelo governo era o de garantir auxílio direto e indireto ao produtor, facilitando o crédito, o rebeneficiamento e a entrega de mercadorias no estrangeiro. A ideia era que os produtores de café pudessem ser esclarecidos e amparados pelo governo e uns pelos outros, em regime de cooperação. De acordo com Pinheiro, o mal do café era a superprodução, e o remédio o alargamento do consumo do que foi produzido em excesso, motivo pelo qual o regulamento de Taubaté estabelecia prêmios diversos para as cooperativas ou intermediários a seu serviço que 324 MENDONÇA, Sônia Regina de. A Política de cooperativização agrícola do Estado brasileiro (1910-1945). EdUFF: Niterói, 2002, p. 23. 325 MENDONÇA, A Política de cooperativização agrícola.... op. cit. 326 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903. op. cit., p. 159. 101 exportassem o produto cru ou torrefado para o estrangeiro; além de depósitos nos portos de embarque para que as cooperativas pudessem armazenar sua produção “sem pressão” até encontrarem o preço conveniente para a venda, entre outras medidas de auxílio, a serem custeadas pelo pagamento antecipado da sobretaxa àquelas cooperativas dispostas a elevar o valor do rebeneficiamento do café e a ampliar o seu mercado consumidor.327 Com o protecionismo norte-americano como pano de fundo, Pinheiro estimulou os produtores de café de cada município a organizar cooperativas, garantindo o adiantamento de 80% do valor das sacas de café remetidas por cooperativas para o Rio de Janeiro.328 A criação de cooperativas, dizia ele, seria fácil em todos os municípios mineiros, desde que respaldadas pelo governo.329 Em 1908, já estavam organizadas cooperativas em Cataguazes, Rio Branco, São João Nepomuceno, São Paulo de Muriaé, Ponte Nova e Carangola.330 Para a consecução de seus intentos no plano federal, Pinheiro podia contar com o apoio de Afonso Pena, que, à frente da Presidência da República, também investiu em leis e decretos de incentivo para a criação de sociedades cooperativistas. No Congresso mineiro, as principais medidas seguiram no sentido de conceder favores e auxílios, a exemplo do parecer final, do qual Senna foi relator, do projeto de nº10, de 1907, que estipulava o pagamento de prêmios e subvenções às cooperativas que se formassem para realização da propaganda do café no exterior.331 A razão de ser das cooperativas dependia da disponibilidade de crédito. Ocorre que a superprodução, dizia João Pinheiro, raiz dos “males profundos” que a cultura cafeeira enfrentava no período, ao desvalorizar o café, fez o crédito agrícola desaparecer e até a normalização do mercado, o governo precisava intervir com medidas protecionistas. O Presidente mineiro contava, pois, com uma lei do Congresso Estadual para autorizar o Estado a aplicar os recursos extraordinários para empréstimo aos produtores.332 A anuência foi dada, 327 PINHEIRO, João. Emancipação do Café, op. cit. 328 MINAS GERAIS. Decreto 3.252, de 01 de julho de 1911 – Aprova o regulamento que reorganiza o serviço de constituição das cooperativas agrícolas e determina quais os favores que lhes podem ser concedidos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. 329 Como forma de incentivo, João Pinheiro aprovou, via decretos, Estatutos de uma série de cooperativas em Minas: Decreto nº 2.205, de 18 de março de 1908, aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de Cataguazes; Decreto nº 2.206, de 18 de março de 1908, aprova os estatutos da Cooperativa Agrícola Rio Branco; Decreto nº 2 234, de 30 de maio de 1908, aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de S. Paulo do Muriaé; Decreto nº 2.235, de 30 de maio do 1908, aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola Municipal Pontenovense; Decreto nº 2.237, de 09 de junho de 1908, aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de Carangola; Decreto nº 2.263, de 26 de agosto de 1908, aprova os Estatutos da Cooperativa Agrícola de Juiz de Fora; Decreto 3.252, de 01 de julho de 1911 – Aprova o regulamento que reorganiza o serviço de constituição das cooperativas agrícolas e determina quais os favores que lhes podem ser concedidos. MINAS GERAIS. Decretos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. 330 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 331 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 67ª sessão ordinária, aos 06 de setembro de 1907, p. 450. 332 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907. 102 tanto que em editorial ao jornal “Minas Gerais” Pinheiro afirmou que o governo já estava habilitado para executar o crédito agrícola, para os auxílios diretos para o aperfeiçoamento, exportação e colocação mercantil dos produtos, aguardando apenas a constituição das sociedades cooperativas para começar a agir.333 A atuação de nossa dupla de parlamentares desponta nas fontes como aliada. No mesmo ano em que este apelo apareceu na Mensagem Presidencial, o tema foi posto em debate pela primeira vez na Câmara com o parecer nº 15, da sessão de 22 de junho de 1907. Na ocasião, Senna afirmou que o problema do café interessava vivamente à bancada da 2ª circunscrição, pois era na Matta que estava o foco da cultura cafeeira no estado de Minas Gerais. A isto prontamente respondeu o deputado S. Figueiredo,334 sinalizando que o apoio ao crédito agrícola para as lavouras de café tinha a simpatia até mesmo da 6ª circunscrição, que ainda que situada em uma zona pastoril e de campo, possuía na região leste e nordeste uma extensa faixa de lavoura cafeeira e estava representada pelos municípios de Teófilo Ottoni e Peçanha, além de pequenos núcleos nos municípios de Grão Mogol, Rio Pardo e outros.335 Dado o ensejo, Nelson de Senna alertou sobre a “agonia” sofrida pelo fazendeiro do Norte de Minas, em especial de Teófilo Otoni e Peçanha, que em meio à crise carecia dos meios de crédito particular e das forças para o manejo da lavoura. A produção cafeeira de ambos os municípios, afirma, era de milhares de arrobas, e já havia café colhido e beneficiado em estoque, sem que o produtor pudesse ver seu rendimento. O fazendeiro se via desesperado pela falta de trabalhadores, pela escassez de transportes, e, sobretudo, “pelo espectro do banco”, que era o responsável pelo crédito para o produtor agrícola no Brasil inteiro. Os melhores dias da lavoura dependiam, a seu ver, do estabelecimento efetivo do crédito agrícola, “da União Federal, da periferia para o centro dos Estados, trazendo do litoral para o interior recursos bastantes para a garantia da lavoura, para o povoamento do solo e para o aumento da viação interna da República”. A intenção era clara: os recursos concentrados no Rio de Janeiro e São Paulo, deveriam ser melhor repartidos para regiões distantes do centro, como era o caso de Minas. A disponibilidade de capital incentivaria o comércio, elemento básico de ligação entre os povos. Para Senna, o crédito agrícola seria capaz de alargar as relações mercantis e o horizonte econômico enquanto os melhoramentos da viação interna não se efetivassem por completo, 333 PINHEIRO, Fortalecimento dos Municípios, op. cit., p. 318. 334 Referimo-nos ao deputado Senna Figueiredo. A fim de evitar que o homônimo “Senna” confunda o leitor, optamos por abreviar o nome para S. Figueiredo. 335 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 6ª sessão ordinária, aos 22 de junho de 1907, p. 54. 103 consistindo no único auxílio imediato disponível aos produtores de café que não podiam conseguir a valorização dos seus produtos.336 Arthur Bernardes igualmente reconhecia e defendia a importância do crédito agrícola. Em 1907, no debate sobre o projeto nº26, que autorizava o governo a conceder juros a um banco a ser fundado para operar o crédito agrícola, ele votou a favor, por considerar que esta seria a atitude plausível a qualquer representante de um estado agrícola como Minas. Contudo, levantou a ressalva de que o projeto não continha em si a solução milagrosa. Era, antes, uma medida complementar, dependente da adoção e execução de várias outras. Bernardes declarava: “Sou um convencido de que o crédito agrícola por si só não vem salvar a lavoura; como medida isolada, desacompanhada de outras, não acredito em sua eficácia”. Para ele, o país passava por uma crise tanto financeira quanto econômica e a principal produção do país, o café, vivia a “mais profunda e angustiosa de todas as crises agrícolas”. Sem demora, os poderes públicos deveriam voltar a sua atenção para este problema.337 A superprodução de café vinha desequilibrando a lei econômica entre a oferta e a procura, desvalorizando e abaixando o preço do café. Já que os poderes públicos não conseguiam diminuir a oferta do produto, era necessário aumentar a procura pela mercadoria nos países estrangeiros. Para isso, Bernardes indicava a execução de medidas que isoladas não surtiam efeito, mas que juntas podiam reverter o quadro. O governo de Minas, por exemplo, já vinha procurando uma solução com outros estados produtores, por meio do Convênio de Taubaté, e a União já havia ensaiado a propaganda no exterior, ainda que, a seu ver, “muito mal encaminhada”. Bernardes, a exemplo de Pinheiro, defendia “uma propaganda racionalmente feita e sobretudo positivamente prática”, no sentido de alargar o consumo. Sem medidas de ampliação do mercado consumidor, o crédito agrícola não passaria de um paliativo. Poderia até ser contraproducente, na medida em que “por força dessa tendência natural e quase irresistível que sente o brasileiro para abusar do crédito, muitos lavradores comprometeriam não só as suas colheitas atuais e futuras, mas, também ainda parte de suas propriedades agrícolas”. Do conjunto de medidas destinadas a aumentar o preço do café e defendidas por Bernardes no Congresso faziam parte, ainda, a criação de cooperativas agrícolas, “as quais, mediante certos 336 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 6ª sessão ordinária, aos 22 de junho de 1907, p. 54. 337 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 53ª sessão ordinária, aos 21 de agosto de 1907, p. 267. 104 favores e à vista do interesse que têm na pronta solução do problema, podem mais discretamente executar no estrangeiro as medidas que formam e que compõem o plano de defesa”.338 Por esta fala, temos que a função que Bernardes imputava às cooperativas – crédito e propaganda – era menos ambiciosa do que a de João Pinheiro. Este atribuía ao cooperativismo a capacidade de melhorar a qualidade da produção e métodos de cultivo, além de diversificar a lavoura. O ganho seria triplo: novas fontes de receita para o Estado, incremento dos preços, ampliação das linhas de crédito para os fazendeiros e modernização para a sociedade.339 Mas, acreditamos, foi inspirado por este aceno de possibilidades que Bernardes recomendou ao Senado uma emenda para autorizar o governo a auxiliar de maneiras diversas as cooperativas voltadas à propaganda do café, além de prêmios àquelas que rebeneficiassem o produto. Cabia aos emissários dessas companhias efetuar no estrangeiro a colocação direta do café nos mercados consumidores, eliminando a figura do intermediário, o que, para Bernardes, traria como vantagem uma compensação maior dos esforços do produtor. O governo ficaria autorizado também a auxiliar a fundação de armazéns gerais. Para manter todos estes favores, afirma o deputado, o governo se via impelido a continuar com a cobrança da sobretaxa dos três francos sobre o café, instituída pelo Convênio de Taubaté, sem a qual todos os esforços da emenda se tornariam impossíveis. Acompanhada da fundação de bancos específicos para este fim, era, então, possível acreditar no crédito agrícola.340 O posicionamento, a nosso ver, pode ser visto tanto como cautela quanto como parte de um esforço de Bernardes para justificar a importância do Convênio de Taubaté, o que João Pinheiro já vinha tratando de fazer por outros meios. Em um editorial publicado pelo jornal “Minas Gerais”, ressaltou que o Convênio era voltado a todas as classes que comerciavam o café, sem distinção, para ampará-las como um “dever social, econômico e até moral”. A intenção do regulamento, nos dizeres de Pinheiro, não era tutelar o produtor, mas emancipá-lo e fortalecê-lo, na medida em que o ajudava a unir forçar com outros produtores, em esquema de cooperação. Como forma de incentivo, o governo garantiria às cooperativas toda a intervenção e protecionismo possíveis, na forma de créditos, prêmios pecuniários, etc.341 Pelo que podemos depreender destas palavras, a aceitação dos termos, além de não ter sido imediata, 338 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 53ª sessão ordinária, aos 21 de agosto de 1907, p. 433. 339 WIRTH, O Fiel da Balança, op. cit., p. 86. 340 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 64ª sessão ordinária, aos 03 de setembro de 1907, p. 433. 341 PINHEIRO, Emancipação do Café, op. cit. 105 teve de ser negociada, explicada, respaldada em argumentos que atestassem a não-subordinação às vontades paulistas. Ao mesmo tempo em que articulava a aceitação das medidas do acordo de Taubaté, o ensino prático, as cooperativas de crédito e a propaganda tinham como finalidade última vencer a dependência da cafeicultura. João Pinheiro, fiel à sua ideia de aproveitar as atividades já testadas e aprovadas pela prática como aptas ao solo e condições mineiras, buscou investir na experiência. No âmbito da “economia de acomodação evolutiva” que, segundo Douglas Cole Libby, caracterizou Minas pós-declínio da mineração, três atividades sobressaíram como responsáveis pela receita de Minas: a agropecuária de subsistência, a manufatura de fiação e tecidos e a fabricação de ferros.342 Atento a este fato, também ressaltado durante o I CACI, Pinheiro acreditava que o ideal para a pecuária era continuar com a política iniciada por Francisco Salles, de importação de “reprodutores aperfeiçoados”, além de estabelecer prêmios de animação para o aperfeiçoamento das raças existentes.343 A ideia era que estes produtores pudessem exibir os seus feitos a outros pecuaristas de diversos municípios do Estado, o que foi conseguido pela Lei nº 454, que autorizava o governo a promover e realizar exposições de gado vacum, cavalar, suíno e caprino, bem como concursos de animação, com prêmios e isenções de impostos.344 Três dias antes que a lei fosse aprovada, Bernardes ressaltou no plenário da Câmara a importância de que o governo instalasse várias exposições na capital e em outros pontos do Estado, por considerá-las “uma animação verdadeira a todos os produtores”, com a qual “muito lucra o comércio e lucram as indústrias”.345 Também neste tópico fazia coro aos apelos de João Pinheiro. O poder mobilizador do exemplo e da recompensa, seja pelo histórico pessoal, seja pela utopia empresarial e individualista do capitalismo norte-americano, era um forte instrumento operacional pinheirista. As fazendas-modelo deveriam ser complementadas por um sistema de reuniões periódicas e congressos de produtores, pois, segundo Pinheiro, as iniciativas particulares tendiam a dispersar e isolar os problemas práticos e a ação industrial concreta. Os congressos teriam a função de verificar o progresso das medidas de aprendizagem, premiando-se as iniciativas mais destacadas, e inspirando novas empreitadas.346 342 LIBBY, Transformação e Trabalho em uma economia escravista..., op. cit. 343 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 186. 344 MINAS GERAIS. Lei nº454, de 06 de setembro de 1907..., op. cit. 345 Nelson de Senna também participou do debate. Entretanto, como não devolveu o seu discurso para a publicação dos Anais da Câmara, não nos foi possível compulsar o teor da fala. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 64ªSessão ordinária, aos 03 de setembro de 1907, p. 435. 346 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 106 É bem verdade que a roupagem modernizadora proposta pelo I CACI, iniciada por Francisco Salles, implementada por João Pinheiro e defendida por Bernardes, não conseguia desvencilhar as práticas da Primeira República de um prolongamento do que era realizado no Império: feiras realizadas em grande quantidade, mas sem racionalidade. Até mesmo a criação de granjas pastoris, fazendas de criação, onde eram selecionados gado das melhores raças nacionais e europeias, careciam de assistência técnico-científica.347 Mas, para Pinheiro, os benefícios das exposições agropecuárias e das feiras de produtores já não eram mais motivos de discussão. Estimulavam-se os produtores, mediante premiação, ao mesmo tempo em que se ministrava lição de conjunto e o balanço dos progressos alcançados.348 Representavam, pois, um estímulo à emulação humana, ao “trabalho progressista e dignificador”.349 Tão importantes quanto a agropecuária eram, na concepção pinheirista, as indústrias de manufatura, responsáveis pelo rebeneficiamento de matérias-primas agrícolas. Por esta razão, o governo dotou as fazendas-modelo de um “conjunto metódico de máquinas” para o beneficiamento de cereais.350 João Pinheiro defendia que se houvesse um redirecionamento da atividade agrícola “empregada em excesso” na cafeicultura, para o cultivo de cereais, “ficaria o país liberto da triste dependência da importação de gêneros de primeira necessidade e abrir- se-ia, para a atividade agrícola, novo e largo horizonte”. Desde o I CACI pedia-se o protecionismo franco à produção de cereais, segundo João Pinheiro, com o objetivo de tornar remuneradora uma produção que padecia da alta concorrência estrangeira, de países como Estados Unidos e Argentina, onde o cultivo se dava com processos aperfeiçoados.351 O investimento governamental na atividade cerealista deveria seguir alguns eixos do modelo norte-americano, como o colonato e o minifúndio, articulados com o credo positivista na dupla instrução-progresso. Com base neste modelo, Pinheiro criou colônias agrícolas na capital e no distrito de Itajubá.352 Além disso, a Lei nº 438, de 21 de setembro de 1907, autorizou o Presidente do Estado a estabelecer nas proximidades de estradas de ferro e de navegação fluvial seis colônias agrícolas, e a fixar, em pontos convenientes, até seis fazendas agrícolas- 347 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 125. 348 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 349 PINHEIRO, Emancipação do café, op. cit. 350 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 351 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907, p. 15. 352 O Decreto nº 2.029, de 17 de julho de 1907, criou uma colônia agrícola em terras das fazendas-Barreiro e Jatobá, município da Capital e de 118 propriedade do Estado, sob a denominação de « Colônia da Vargem Grande; e Decreto nº 2.136, de 11 de dezembro de 1907, criou uma colônia agrícola no distrito da do 1tajubá, sob a denominação de «Colônia Agrícola de Itajubá. MINAS GERAIS. Decretos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 107 pastoris.353 Ao colono imigrante bastava começar a trabalhar, e, após 05 anos, receber a posse da terra mediante pagamento in natura com uma parte de sua produção. A ideia era transformar o colono em proprietário, operário de suas próprias terras, dando lhe autonomia, pois somente trabalhando para si haveria “o amor, o esforço, a regularidade” na produção.354 A experiência de colonização empregada por particulares teve como ponto inicial a antiga Colônia do Barreiro, para o que o governo preparou vinte e cinco lotes irrigados. Cada um deles foi destinado a uma família, que contou também com 400$000 para custear o preparo do solo e dos córregos para a condução da água. Em menos de um ano, segundo informações de Pinheiro, essas famílias já estavam conseguindo amortizar o empréstimo inicial; muitas compraram animais e máquinas agrícolas. O resultado positivo foi um incentivo para o contrato celebrado, em 22 de fevereiro de 1908, com a Estrada de Ferro Leopoldina para instalar colônias nas suas zonas de abrangência.355 Para garantir terras às colônias, o Estado ofereceu à União cerca de 4 mil alqueires, nas dependências da Estrada de Ferro Central, no município de Sete Lagoas,356 e aprovou, em 21 de abril de 1907, o regulamento para a execução da lei n. 450, de 4 de outubro de 1906, que previa a divisão e demarcação de terras do domínio particular.357 Em sintonia com o intuito pinheirista de evitar a apropriação indevida e a concentração fundiária, Arthur Bernardes apresentou, em 09 de julho de 1907, um projeto para tratar da questão dos fechos e tapagens nas linhas divisórias das propriedades agrícolas. No texto, constatava que, apesar de ser “de suma importância”, o parlamento brasileiro parecia ainda não ter se ocupado do assunto, de modo que a ausência de regulamentação gerava disputas e perturbações sobre as divisas, com a invasão de terrenos alheios. Segundo Bernardes, tais fatos comprometiam seriamente a produção do lavrador e as vezes até a produção econômica.358 O complemento para esta regulamentação veio no ano seguinte, quando Pinheiro sancionou a autorização para adotar no território mineiro o sistema de marcar a fogo o gado vacum, cavalar e muar.359 353 MINAS GERAIS. Lei nº 438, de 21 de setembro de 1907. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 354 PINHEIRO, O Novo Governo Mineiro, op. cit. 355 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 356 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 357 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.012, de 21 de abril de 1907 – Aprova o regulamento experdido para a execução da lei nº 450, de 04 de outubro de 1905, na parte relativa à divisão e demarcação de terras do domínio particular. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 358 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 18ª sessão ordinária, aos 09 de julho de 1907. 359 MINAS GERAIS. Lei nº479, de 2 de setembro de 1908 – Autoriza o poder Executivo a adotar no território do Estado um sistema de marcas a fogo para o gado vacum, cavalar e muar. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. 108 Definidas as propriedades particulares, o passo seguinte era torná-las “produtivas”. Para tanto, Pinheiro sancionou uma lei que autorizava o governo a conceder gratuitamente lotes de terras devolutas aos estrangeiros que constituíssem família no Estado, além de dispor sobre a legitimação de posses e venda direta destas terras.360 Além disso, incumbiu Arthur Bernardes de realizar uma revisão no cadastro fiscal do Estado, que culminou com a alteração do art. 12, nº09, do Decreto nº 1.678, de 27 de fevereiro de 1904. A indicação de Bernardes foi no sentido de rever o valor de todas as propriedades territoriais, materializada na Lei nº505, de 22 de setembro de 1909, portanto, sancionada após a morte de João Pinheiro.361 De certa forma, estas medidas eram um indicativo da batalha a ser travada contra as grandes propriedades, em especial as improdutivas, razão pela qual desde o I CACI tornou-se tão importante delimitar a propriedade pública e particular de determinados recursos naturais, a serem convertidos em bem de capital. A partir da análise de Warren Dean, podemos compreender esta questão pelo viés do próprio lema republicano: “‘Ordem’ era tomada no sentido da disciplina em nome da hierarquia social e dos direitos de propriedade. ‘Progresso’ significava a aplicação insensata de tecnologia importada em seu nome.362 O fato de que muitas propriedades se encontravam divididas nas mãos de herdeiros e possuidores era, na concepção de João Pinheiro, a razão do grande embaraço ao desenvolvimento das indústrias extrativas, principalmente de ouro. Concentravam-se recursos nas mãos de pessoas que não tinham condições de explorá-las industrialmente, que resistiam à exploração de outrem, e ainda impunham por elas um preço muitas vezes superior ao lucro que se poderia tirar na exploração do terreno. Por isso, sugeria a mesma solução adotada no México: a desapropriação por utilidade pública.363 João Pinheiro elogiava a postura do presidente mexicano Porfírio Diaz, de ter colocado a propriedade mineira sob o ponto de vista jurídico, com estabilidade; facilitado a aquisição das minas e a transmissão de propriedade; garantido a liberdade de exploração; diminuído os impostos para as minas existentes; e concedido favores a particulares e companhias.364 Ainda que tenha ensaiado o direcionamento com o Decreto de nº 2.008, de 17 de abril de 1907, que 360 MINAS GERAIS, Lei nº455, de 11 de setembro de 1907 – Autoriza o governo a conceder gratuitamente aos estrangeiros que constituírem família no Estado, lotes de terras devolutas e contém disposições sobre legitimação de posses, venda direta de terras devolutas e contém disposições sobre legitimação de posses, venda direta de terras devolutas e contém disposições sobre legitimação de posses, venda direta de terras devolutas e outras providências. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 361 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 22. 362 DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 229. 363 PINHEIRO, O Novo Governo de Minas, II. op. cit., p. 218-219. 364 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit., p. 187. 109 concedeu à Empresa Brasileira de Mineração o direito de desapropriar uma faixa de terrenos marginais do Ribeirão do Carmo, com a largura máxima de 20 metros de cada lado do rio,365 Pinheiro depositava esperanças nos representantes de Minas no Congresso Federal para que o exemplo mexicano fosse seguido.366 A questão “espinhosa” era que não havia nem mesmo um consenso sobre a qual esfera legislativa cabia a decisão sobre o assunto. Durante o seu governo, o tema foi tratado em diversas sessões da Câmara dos Deputados de Minas. Em 05 de julho de 1907, o deputado Gabriel Valladão apresentou um projeto de lei para a criação de um escritório de amostras dos minérios de Minas no estrangeiro e uma seção técnica especial de Minas na nova Diretoria de Indústrias e Obras Públicas.367 Este era o primeiro passo para a intenção de Pinheiro de instalar um escritório comercial de informações em Londres, que dispusesse de amostras de minas a explorar, análise quantitativa do minério, distância entre minas e linhas de transporte, entre outras; algo que servisse de fonte oficial de informações e evitasse golpes de intermediários.368 Nelson de Senna registrou estar de pleno acordo com o projeto de Valladão, e acrescentou, em consonância com a fala de Pinheiro, que competia não ao Estado, mas à União legislar sobre a desapropriação por utilidade pública quando se tratava do direito de propriedade do solo e das minas, em geral. A não atenção à essência privativa da União feria, no seu entendimento, o “pacto vital da República”. Senna esperava que a Câmara votasse uma lei que acabasse com as incertezas e lacunas que impedem o desenvolvimento desta que foi a indústria “geradora da nossa civilização”.369 A partir daí os debates se intensificaram, e Senna fez questão de levar a termo a defesa do ponto de vista já esboçado por João Pinheiro. Na 2ª discussão do projeto nº 184 para a criação do registro geral das minas do Estado, Senna colocou-se como um partidário convencido da desapropriação por utilidade pública, bem como da remoção de todos os obstáculos à indústria da mineração no país. Para ele, o recurso, a ser aplicado a todas as minas brasileiras, daria novo vigor às minas abandonadas, ou mesmo solucionaria conflitos de posse. De acordo com Senna, duas eram as correntes principais que buscavam um entendimento para a parte jurídica da desapropriação. A primeira, que o deputado considerava mais liberal, entendia que a desapropriação de áreas adjacentes era uma obrigação 365 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 366 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907. 367 Neste sentido, foi sancionada a Lei nº 437, de 24 de setembro de 1906, que criou, anexa à Diretoria Geral de Agricultura, Industria e Viação, um serviço de informações sobre minerações e outras riquezas minerais do Estado, com escritórios filiais no Rio de Janeiro. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906. 368 PINHEIRO, O Novo Governo de Minas, II. op. cit., p. 220-221. 369 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1907, p. 84-85. 110 do Estado, assim como era obrigação deste indenizar o proprietário pelo resto da área não expropriada, que acabava desvalorizada após os trabalhos de mineração. A segunda, nos dizeres de Senna mais casuística, entendia ser facultativo ao Estado indenizar ou não a área que não foi objeto direto da expropriação.370 Um ponto que Senna considerava fundamental era que o conceito de utilidade pública não se confundisse com a simples deslocação de posse dos bens de uma para outra pessoa por intermédio da autoridade pública. Era preciso, a exemplo da medida implantada no México, introduzir na legislação a desapropriação dos terrenos minerais por utilidade pública, como condição para o incremento da mineração. A sua conclusão era de que a desapropriação afirmava o direito social sem negar o direito individual, e que dessa forma estaríamos atraindo capitais norte-americanos e europeus. Senna via nisto uma troca: retiravam uma riqueza que abunda, mas está abandonada, e, em troca, deixavam o capital. Em tom de alerta, afirmava: “Não é pela vastidão dos latifúndios inexplorados, dos terrenos férteis desaproveitados que a grandeza de um país se manifesta”. Contra o parecer do deputado Gabriel Valladão, que atribuía ao Estado a competência de desapropriação, Senna respaldava-se no art. 72, §17 da Constituição de 1891, segundo o qual o direito de propriedade das minas era do proprietário, salvo nos casos “a bem da exploração deste ramo da indústria”.371 Para provar que esta não era sua vontade individual, mas a de um grupo de juristas, citou o Congresso Jurídico Americano de 1900, em que foi proclamado o princípio do direito privado do Brasil, e a soberania do Estado como soberania da Federação. Era a esta corrente que Nelson dizia se filiar. Entendida a União, “como síntese política da República, como encarnação suprema da Pátria comum”, cabia a ela a soberania, e, logo, a função de desapropriação, e não aos Estados. Acusado pelo deputado João Barroso de se filiar a doutrina da centralização, proveniente do Antigo Regime, Senna argumentou acreditar que o ideal era a autonomia dos Estados em harmonia total com a União Federal. Por fim, concordou com Gabriel Valladão, de que a lei de desapropriação deveria ser levada a todas as indústrias de interesse geral, logo, de utilidade pública. Valladão pediu, então, uma emenda na lei de mineração sobre o aproveitamento da força hidráulica no Estado, já que as modernas fundições de ferro eram feitas por processos dependentes de usinas elétricas, ao que Senna pareceu estar de acordo, pois afirmou estar aí na hulha branca “o mais belo florão da administração atual”.372 370 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 48ª sessão ordinária, aos 14 de agosto de 1907. 371 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 48ª sessão ordinária, aos 14 de agosto de 1907. 372MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 48ª sessão ordinária, 1907. 111 Dias mais tarde, Nelson de Senna pediu novamente a palavra para declarar o seu voto ao projeto nº184 sobre a lei de minas. Votou pelo instituto de desapropriação das minas particulares por utilidade pública, desde que resguardados os direitos legítimos das partes. Uma vez que diziam respeito ao corpo do Direito civil, tal decisão fugia ao escopo da competência estadual para ser legislado pela União, em acordo com o art. 34, nº23 da Constituição de 1891. O direcionamento político de Senna, tal qual o de Pinheiro, era bastante pragmático. Na linha tênue entre direito privado e público, o bem comum republicano deveria prevalecer. Nesse sentido, advogava a favor da desapropriação de terras adjacentes às terras concedidas à mineração. Para ele, não havia dúvidas da necessidade de se decretar no Brasil a desapropriação de terrenos minerais para que estes não ficassem nas mãos de indivíduos que não pudessem explorá-los convenientemente ou que com eles especulassem. O respeito ao “sagrado e inviolável direito da propriedade privada”, a seu ver, não excluía o argumento, também certo, de que a propriedade se integrava nas funções sociais de um país. De acordo com Senna, desintegrar parte da propriedade privada para anexá-la ao patrimônio social de um povo em proveito da riqueza coletiva era uma das funções modernas do Estado.373 A querela ganha contornos mais interessantes quando nos indagamos sobre quais motivos levavam Pinheiro e Senna a esta defesa inconteste de soberania da União para legislar sobre estas desapropriações? Ambos se orgulhavam tanto da alcunha de defensores do republicanismo como da ideia de Minas como representante da estabilidade nacional, do equilíbrio que afastava o perigo dos regionalismos e da cisão do corpo da pátria. Como veremos nos capítulos a seguir, estes componentes estiveram presentes como estratagema fundamental para reivindicar para Minas um papel de destaque e imprescindibilidade na política da Primeira República. É provável, portanto, que Pinheiro e Senna tenham enfatizado a preponderância da União na decisão sobre a desapropriação das minas como parte desta estratégia de defesa do federalismo,374 tema delicado e que, nas primeiras décadas republicanas representou, de um lado, a intervenção “civilizadora” e autoritária do Estado sobre as populações pobres das zonas 373 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 60ª sessão ordinária, aos 29 de agosto de 1907. 374 Exemplo deste posicionamento de João Pinheiro pode também ser observado em sua defesa para que os municípios tivessem ampla liberdade de ação, e que se ocupassem mais de administração do que de política. A autonomia, dizia Pinheiro, seria fundamental para que a renda municipal fosse aplicada em obras de estradas de rodagem, prêmios para o incentivo e aumento da produção. Como combate ao clientelismo advindo desta falta de liberdade dos municípios, o funcionalismo público deveria ser reduzido ao mínimo possível. PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 196. 112 rurais e urbanas, e, de outro, a opção das elites agrárias, receosas da perda do poder oligárquico diante desta mesma “onda modernizadora” trazida pelo novo regime.375 Como “ponte” entre a Minas do ouro e a do ferro,376 João Pinheiro não descuidou daquela que era a grande promessa para o desenvolvimento mineiro a médio e longo prazo. Se a policultura era o leitmotiv do CACI e de Pinheiro, a mineração continuava sendo a menina dos olhos e a siderurgia o objetivo a ser alcançado para a instalação de uma verdadeira indústria nacional, papel que as elites mineiras arrolavam para Minas e suas extensas reservas ferríferas. Convém lembrar que a demanda da modernização por maquinários e estruturas industriais, supervalorizou a produção de ferro tanto quanto exacerbou a sua necessidade. Para Pinheiro, restava indiscutível a importância da eletro-metalurgia e dos estudos para implementar a redução do minério de ferro, mas a necessidade prioritária naquele momento era viabilizar exportação dos minérios em estado bruto. A seu ver, a exportação do ferro bruto se transformaria em riqueza muito maior do que a do ouro. O principal obstáculo estava nas altas tarifas das estradas de ferro, reflexo da carência de estudos sobre o seu traçado, material rodante, entre outras deficiências infraestruturais, e de uma “ausência de compreensão industrial de nossas estradas”.377 Com isto, chamava a atenção para uma falta de racionalidade na implantação de vias de transporte, o que encarecia o frete. Este seria o maior desafio do que Pinheiro denominou como solução ao problema de “colocar a produção”. c) “Colocar a produção” Com efeito, as dificuldades de transportes não atingiam apenas o setor minerador. Nos relatórios das diversas subcomissões do I CACI foi fator preponderante do atraso das atividades agrícolas e industriais. Correspondia, pois, ao entrave capital do desenvolvimento econômico mineiro, razão de queixa desde a época colonial. Para as vias férreas, João Pinheiro indicava que fossem realizados estudos em território mineiro sobre caminhos mais curtos e menos onerosos para se alcançar os mercados consumidores.378 A lógica protecionista ad tempore também esteve presente, como podemos observar na Lei nº 465, de 14 de setembro de 1907, que autorizou o governo a conceder estradas de ferro sem ônus e favores e a rever os contratos 375 Sobre este tema, ver: REIS, Elisa. Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo. Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 25, n. 3, 1982, p. 331-348; CARVALHO, Brasil 1870-1914: a força da tradição, op. cit. 376 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 377 PINHEIRO, O Novo Governo de Minas, II. op. cit., p. 219. 378 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 113 com as empresas arrendatárias das estações hidrominerais.379 Por ela é igualmente possível notar um empenho de racionalização, reforçado pela revogação do Decreto nº 1.961, de 17 de dezembro de 1906, que concedeu à Sociedade Anônima das Minas de Manganês de Ouro Preto privilégio para a construção de uma estrada de ferro do município de Entre Rios á E F. Central do Brasil, entre as estações Buarque de Macedo e Christiano Ottoni.380 O objetivo era semelhante ao da desapropriação por utilidade pública, isto é, recolocar no mercado recursos tornados improdutivos por ineficiência ou inadimplência do arrendatário/proprietário. Como nos lembra John Wirth, “a experiência republicana em Minas foi baseada na integração através de ferrovias”, e esta se deu de maneira desigual.381 Se a situação dos transportes era periclitante para o centro do Estado, para as zonas periféricas a sensação de isolamento era gritante. Foi contra isso que Nelson de Senna se ergueu na 7ª sessão ordinária da Câmara, em 26 de junho de 1908. Como “representante do povo; e, deputado amigo da presente situação política”, Senna suplicava para que o Estado atentasse para a viação da região norte, levando até lá boas estradas de rodagem e estradas necessárias para atravessar os rios mais perigosos. Os melhoramentos eram necessários para que a região pudesse aproveitar o momento de “fecunda transformação econômica” que o Brasil atravessava. As municipalidades não dispunham de erário para obras deste porte. As práticas municipais que obrigavam os particulares a cuidarem das estradas que atravessavam suas propriedades há muito não vinham sendo observadas. O povo, afirma ele, já não podia mais esperar que o Estado tivesse rendas para que as locomotivas chegassem à região. Por conta disso, pedia ao Congresso que fosse realizado o plano de sistematização das ferrovias, abrindo novas artérias a partir do traçado que já existia, até cobrir todo o território.382 O plano de Senna era o mesmo de seu padrinho político. João Pinheiro apostava na construção de estradas de rodagem que ligassem as vias férreas aos centros produtores, a exemplo do que ocorria nos Estados Unidos.383 Segundo Pinheiro, Minas tinha solo e clima tão apropriados quanto os dos Estado Unidos para o cultivo de cereal. A principal diferença entre os dois países era de que as estradas de ferro norte-americanas tinham uma função econômica ampla para a colocação de produtos no mercado, medida pelo quantum das tarifas: as mais baratas tarifas brasileiras correspondiam a quase o triplo das norte-americanas. Para Pinheiro, 379 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 380 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.264, de 26 de agosto de 1908. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. 381 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 105. 382 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1908, p. 42. 383 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 114 as causas do nosso “atraso” ficavam evidentes quando se colocava a “fatal ligação existente entre o problema da produção da riqueza e a sua colocação em mercados distantes, por meio das estradas de ferro”. Ele era categórico ao afirmar que países novos e com grande extensão de terra tinham de criar tanto a produção quanto o tráfego.384 Investimentos neste setor beneficiariam enormemente outras produções, igualmente carentes de transportes para enfim se expandirem, motivo pelo qual sancionou a Lei nº 442, de 2 de outubro 1906, que concedia ao governo autorização para auxiliar a construção das estradas para o tráfego de automóveis.385 As estradas de rodagem, dizia João Pinheiro, tinham uma importância fundamental para o povo e para a produção.386 O primeiro – em tese – era a matéria-prima da República; o segundo, “o problema capital de Minas”. Estas ideias nos revelam mais do que justificativas para uma medida política. Republicanismo e preocupação com o desenvolvimento do povo e da terra mineira eram os atributos que João Pinheiro se autoatribuía e que, certamente, buscava nos seus aliados. Senna e Bernardes fizeram de suas passagens pela Câmara dos deputados momentos privilegiados de expressão destas qualidades. O cruzamento das mensagens presidenciais com o conjunto de leis do Estado de Minas e os debates do Congresso mineiro não deixam dúvidas de que a dupla se esforçou para fazer valer a aprovação do aparato institucional, regimental e legislativo necessário para garantir o que Pinheiro entendia como máxima: “Saber produzir – é produzir melhor e mais barato”. O direcionamento partia do próprio Pinheiro, para quem todos os elementos deste “saber” deveriam, necessariamente, estar interligados, em esforço conjunto, com o “poder produzir” e o “colocar a produção”. Em alguns momentos, as intervenções de Bernardes e Senna evitaram que outros projetos fossem aprovados em detrimento da agenda pinheirista; em outros, serviram como argumentos para medidas impopulares. Ora, a Câmara dos Deputados era palco da representação dos grandes interesses da política na Primeira República mineira.387 Não à toa, o sistema de recrutamento político do PRM reservava um quantitativo de vagas a serem preenchidas na Casa por jovens e talentosos intelectuais. Alçados à carreira política pelo ideal de patronagem, segundo o qual o favorecido deveria esboçar a gratidão e fazer por merecer a confiança que lhe foi depositada, esses jovens deveriam utilizar seu know-how para defender os projetos do partido e de seus padrinhos políticos.388 384 PINHEIRO, Ao Povo Mineiro, op. cit., p. 190. 385 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906. 386 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 387 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit. 388 FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit. 115 É importante que se diga, no entanto, que refutamos a sugestão de Martins Filho, de que os intelectuais recrutados pelo PRM eram meros autômatos.389 Nas páginas que se seguem, buscaremos desconstruir esta visão a partir de alguns preceitos. A nosso ver, o processo que melhor explica a atuação da dupla, em que pesem as diferentes posições relativas e relacionais no interior de um mesmo campo, é a ideia de construção do capital político. Nelson Senna e Arthur Bernardes chegaram à Câmara dos Deputados em razão das qualificações conhecidas e reconhecidas na profissão liberal de professor e advogado. As demonstrações de alinhamento e competência na defesa da agenda pinheirista, por parte de Senna, seriam importantes instrumentos de confirmação e legitimação do “capital pessoal por notoriedade ou popularidade”, cuja acumulação é lenta e contínua. Bernardes, de posse da herança política do sogro, arregimentava capital para galgar posição em um degrau superior. Na medida em que, juntamente com Senna, ajudava João Pinheiro a legitimar o papel de protagonista em uma situação de crise, base do “capital pessoal profético – heroico – carismático”, o próprio Bernardes vislumbrava a possibilidade para construir capital semelhante.390 Com o apoio de Senna e Bernardes e sem choques de grande envergadura, possivelmente pela postura conciliatória e pelo curto período, tudo corria em conformidade com o planejado para a implantação da agenda pinheirista. A notícia da morte prematura de João Pinheiro, em 1908, pegou a todos de surpresa. Apesar da brevidade do governo, a marca na história política e econômica mineira e nacional parece inquestionável. Ele mesmo parecia acreditar ter cumprido a autoatribuída função de “acelerar” o tempo de Minas. Em um balanço quase premonitório, afirmou em seu último discurso desejar, “quando voltar da obscuridade de onde veio, ter a grata satisfação de haver colaborado para o ressurgimento, hoje incontestável, da estremecida terra mineira”.391 Como nos lembra Gomes, da mesma forma que Rui Barbosa foi associado ao Direito, Oswaldo Cruz à Ciência, e Machado de Assis à Literatura, João Pinheiro ficou vinculado ao Progresso, por uma operação cultural de “alegoria às avessas”, quando um corpo simboliza uma ideia, ao invés de representá-la, num trabalho de construção simbólica que se deu à posteiori.392 Para além de um projeto a se cumprir, João Pinheiro deixou uma memória a ser construída. À nossa dupla, em breve reconfigurada em trio, cumpriu garantir a continuidade de seu capital político e galgar postos mais altos nas esferas da República. Estas duas empreitadas teriam sido articuladas? 389 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit. 390 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 191-192. 391 PINHEIRO, João. O último Discurso. In: Ideias Políticas de João Pinheiro, op. cit. 392 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 91. 116 Parte 2 Na órbita de Marte 117 Capítulo 4 A Execução (1908-1918) João Pinheiro morreu prematuramente, sem que pudesse colocar em prática o seu programa de diversificação da economia mineira. Como nos lembra Angela de Castro Gomes, o falecimento antes que construísse uma autoimagem evidencia que “houve personagens e meios que atuaram para perpetuar a memória desse político mineiro”. A hipótese da autora é de que a importância e influência de João Pinheiro na política mineira e nacional é resultado, em grande medida, de “estratégias mobilizadas por sua família para cultivar, ou melhor, para cultuar sua memória”.393 Isso explicaria uma versão corrente na historiografia de que foi o filho, Israel Pinheiro, quem completou a “obra inacabada” do pai. Por esta lógica, o projeto desenvolvimentista mineiro teria ficado parado de 1908 a 1933, ano em que Israel assumiu a Secretaria de Agricultura de Minas Gerais; cumprindo seu “ciclo familiar” em 1966, ano da eleição de Israel Pinheiro ao governo de Minas Gerais.394 A análise das fontes acrescenta outros personagens a esse constructo familiar, bem como questiona o pretenso “vácuo” entre os governos do pai e do filho. Acreditamos que o trio de apadrinhados políticos de João Pinheiro tomou para si a tarefa de perpetuação da prática política pinheirista, justamente neste período que, como mostraremos, não foi de compasso de espera, mas de ação e aperfeiçoamento das propostas. De 1908 a 1917, temos a fase de execução, objeto deste quarto capítulo. O recorte temporal corresponde à atuação de Nelson de Senna, Raul Soares e Arthur Bernardes em dois dos três poderes da República. Nesses nove anos, Senna continuou como deputado estadual (1907-1920); Soares foi deputado estadual (1911-1914) e Secretário da Agricultura (1914-1917); e Bernardes foi deputado estadual (1908-1910; 1915- 1918) e Secretário de Finanças (1910-1914). Neste capítulo, acompanhamos o debate no Legislativo e a materialização das medidas do Executivo com vistas a problematizar: a) a dinâmica dos poderes da Primeira República; b) os pontos de continuidade e ruptura do projeto de modernização pinheirista com a tradição; c) as resistências e pontos de impasse que a “força da tradição” impôs à execução das medidas modernizadoras; e, d) o papel que cada um dos componentes do trio teve nesse período que, segundo entendemos, foi de efetiva execução das principais medidas do programa de João Pinheiro. 393 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 81; 90. 394 A este respeito, ver: DINIZ, Estado e capital estrangeiro na industrialização mineira, op. cit.; e PINHEIRO FILHO, Israel. Prefácio. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil Moderno, op. cit. 118 4.1 – Estado, oligarquias e modernização Para os objetivos de que ora nos ocupamos, uma das teses mais debatidas na historiografia é a de que a não-racionalidade das ações, por parte dos construtores do Estado brasileiro, trouxe sérias consequências sobre os rumos que a modernização capitalista tomou no Brasil. Sob a ótica weberiana, há uma relação de complementariedade fundamental, ainda que não exclusiva, entre o desenvolvimento do capitalismo e da burocracia. Esta é, para Weber, um tipo ideal e, como tal, deve obedecer a algumas normas, como a subordinação à lei e à impessoalidade, e a “busca racional de interesses”, o que pressupõe a separação completa entre o quadro administrativo e a propriedade dos meios de produção e administração. Nos países que não lograram essa diferenciação, onde a propriedade da terra garante a posição social, o capitalismo teve de assumir uma forma autoritária peculiar para vencer a “tradição” e os “sentimentos anticapitalistas”, materializados no conflito entre junkers e burguesia urbana.395 Com a força de um aforismo, esta afirmação se desdobrou em trabalhos importantes, com destaque para o de Barrington Moore Jr. Entre os três modelos propostos pelo autor, o que a historiografia comumente tem adotado para analisar o Brasil é o do “capitalismo reacionário”, em que os capitalistas tiveram que se apoiar nos junkers prussianos “para atingir a unidade nacional, derrubar as barreiras internas ao comércio, estabelecer um sistema jurídico uniforme, modernizar a moeda, e outras exigências da modernização”; e os junkers se apoiaram em “alavancas políticas para escorar uma posição econômica em desequilíbrio” pelo próprio capitalismo.396 Com base neste arcabouço teórico, como entender a relação entre Estado, oligarquia e o processo modernizador da Primeira República? A aliança entre senhores de terra e industriais se aplica? O modelo interpretativo de modernização conservadora é adequado? Elisa Pereira Reis considera que sim, e que o modelo de Moore Jr. é um caminho profícuo para investigar as particularidades das experiências modernizadoras que se deram pela via autoritária, travestidas 395 Os tipos que lhe permitem construir contrapontos de análise são o modelo norte-americano e o prussiano. Na qualidade de um país novo, os Estados Unidos não precisaram se livrar de um tipo de camponês tradicional. O proprietário de terras foi logo transformado em empresário capitalista, cuja principal característica é “o individualismo econômico absoluto do agricultor, a sua qualidade como simples homens de negócios”. Já na Alemanha, havia uma classe de proprietários de terra, os junkers, com maioria de nobres, que exercia o controle político do principal Estado Alemão, a leste de Elba. Seu prestígio social repousava sobre a posse da terra, não no fato de ser ou não um empresário bem-sucedido. WEBER, Max. Capitalismo e Sociedade Rural na Alemanha. In: Os economistas. São. Paulo: Editora Nova Cultural, 1997, p. 126-129. 396 Para Moore Jr. três seriam as principais vias de passagem para a modernidade: a revolucionária democrática (França, Inglaterra e Estados Unidos), a autoritária (Alemanha e Japão), e a socialista revolucionária (China e Rússia). MOORE JR., Barrington. As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia: senhores e camponeses na construção do mundo moderno. Lisboa: Ed. Martins Fontes, Ed. Cosmos, 1983, p. 14-15. 119 com o verniz de “medicina desenvolvimentista” e democratizante. A autora não ignora que Moore Jr. defina as vias políticas de modernização nacional que estudou como “alternativas historicamente esgotadas”, e que a dominação colonial tenha complexificado a estrutura de classes, dividindo o interesse do setor agrário. O argumento da autora é de que, no Brasil da primeira metade do século XIX, quando emerge o Estado nacional, não houve ruptura com o passado, ou um embate entre as formas autoritárias e liberais do capitalismo, “graças a uma coalizão entre latifúndios ‘velhos’ e ‘novos’”, mas um acordo, articulado pela cafeicultura paulista, da burguesia com a aristocracia rural. O saldo político da transição lenta, gradual e negociada para o trabalho livre foi que o poder político do proprietário foi preservado.397 Nesse sentido, dois trabalhos são bons pontos de partida, por estarem na base de grande parte das interpretações e permanecerem incontornáveis. A primeira referência obrigatória para o debate historiográfico é a obra pioneira de Vitor Nunes Leal, publicada pela primeira vez em 1949. O trabalho parte do princípio de que o coronelismo era o “fenômeno de imediata observação” para aqueles que buscavam conhecer a vida política do interior do país. O diagnóstico não era exatamente inovador, mas a definição do conceito sim. De acordo com o autor, o período colonial deixou como legado uma estrutura agrária que é a base do poder privado. Paradoxalmente, este privatismo sobrevive de forma peculiar, em suas diferentes manifestações, graças ao regime representativo que lhe permite ser alimentado pelo poder público via eleitorado rural. Assim, o coronelismo resulta “da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada”. Quanto mais fortalecido o poder público, menor é o poder de mando do coronel frente aos seus dependentes, uma massa empobrecida justamente pela estrutura econômica e social arcaica, e maior a dependência destes chefes locais em relação às benesses estatais.398 Leal extrapola a ideia do coronel como mero agente econômico para entendê-lo como um sujeito político que interage com o Estado. Em sua análise, o coronelismo emerge como um sistema, uma rede de barganhas, na qual a peça-chave é o governador: é ele quem garante o poder do coronel sobre dependentes e rivais, sobretudo a partir da concessão de cargos públicos (clientelismo), e apoia o Presidente da República em troca da garantia do seu domínio na esfera estadual.399 As relações entre poder público e privado são também o objeto de análise de outra obra clássica, Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, cuja primeira edição, de 1957, ganhou 397 REIS, Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo, op. cit., p. 338-339. 398 LEAL, Coronelismo, enxada e voto..., op.cit. 399 CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 40, n. 2, 1997, p. 229-250. 120 um capítulo sobre a Primeira República em 1973. Mas, se em Leal o princípio central é a troca de favores, em Faoro o prisma é o da sobreposição, da subjugação. Valendo-se dos conceitos weberianos de patrimonialismo e estamento, o autor afirma que o Estado patrimonial herdado de Portugal – personalista e sem limites definidos entre as esferas pública e privada – legou ao Brasil um capitalismo sem “alma”, isto é, politicamente orientado pelo estamento e não pelas liberdades e racionalidade que deveriam caracterizar o capitalismo industrial. Mesmo na República o núcleo modernizador cedeu à dispersão e à privatização; o governo foi meramente “decorativo na teoria e vítima dos assaltos particularistas”.400 O debate sobre os desdobramentos destas interpretações é longo e um levantamento de fôlego foi recentemente realizado por Marieta de Moraes Ferreira e Surama Conde Sá Pinto,401 portanto, privilegiamos as análises relacionadas a Minas Gerais. Entre patrimonialismo e representação de interesses, o trabalho de Simon Schwartzman, defendido como tese em 1973, em Berkeley, mas somente publicado em português em 1975, questionou a viabilidade de um único modelo teórico. O momento era o do debate em torno da concepção das “ideias fora do lugar”, travado entre Roberto Schwarz e Maria Sylvia de Carvalho Franco. Para compreender, dentre outras, a dinâmica segundo a qual os diferentes grupos são ou não convocados, e têm ou não os seus direitos reconhecidos no processo de modernização, Schwartzman defendeu a funcionalidade de certos conceitos e teorias de acordo com o contexto. O grande diferencial é que o autor não negou a representação de interesses para afirmar a existência do Estado patrimonialista. Schwartzman propôs uma regionalização quatripartite, que vai da capital (moderna, dinâmica, em que o Estado oscila entre interesses particulares e racionais), ao município (rural, tradicional, patrimonial). Minas e São Paulo seriam, pois, diferentes. A política mineira seria do tipo patrimonialista, na qual os “cargos de nomear” são patrimônio pessoal a ser distribuído entre a sua clientela, como forma de aumentar o prestígio e a riqueza; a paulista, já enriquecida e com seu próprio patrimônio advindo do café, buscaria controlar os mecanismos de decisão e fazer valer seus objetivos privados.402 Segundo Vera Alice Cardoso Silva, em estudo de 1977, os paulistas teriam logrado transformar os interesses cafeicultores em hegemônicos. A escolha de Minas como seu parceiro preferencial explicar-se-ia pela predominância dos interesses agroexportadores, logo não 400 FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2012, p. 437. 401 FERREIRA, Marieta de Moraes & PINTO, Surama Conde Sá. Estado e oligarquias na Primeira República: um balanço das principais tendências historiográficas. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF, v. 23, 2017, p. 422-442. 402 SCHWARTZMAN, Simon. São Paulo e o Estado nacional. São Paulo: Difel, 1975, p. 120-121. 121 fundamentalmente opostos aos paulistas, e pela necessidade de contar com recursos estratégicos para a solidificação do novo padrão de poder, como o tamanho da bancada no Congresso federal. A autora refere-se a uma forma de política regionalista, cujos interesses são alçados a uma tal posição hegemônica, que se impõe como de “interesse nacional”. O imperativo se dava a partir da “dinâmica entre uma coalizão vitoriosa no controle, nem sempre estável, do governo central e os interesses próprios, nem sempre concordantes, dos membros que a compõem”.403 Para Silva, esta configuração explicaria a fragilidade da estrutura econômica de tipo colonial que deixou Minas suscetível ao clientelismo e à dependência do governo federal na Primeira República.404 Aos poucos ia se firmando a ideia de que a hegemonia do café era o grande fator de opressão para Minas, seja em suas relações externas ou internas. Maria Efigênia Lage de Resende, em trabalho publicado em 1982, afirma que, como resultante da descentralização republicana, Minas teria ficado refém das ambições de mando daquelas zonas do estado que possuíam maior dinamismo. No jogo promovido pelos políticos do Sul e da Zona da Mata, na ânsia de garantir o poder do Estado, confundiam-se “as disputas republicanas com os propósitos de deter o poder político em função dos interesses da cafeicultura”. O que caracterizaria o coronelismo em Minas Gerais, no seu entender, é que o estabelecimento de relações de compromissos pessoais ocorria com ou sem a confluência com os interesses do governo central. A submissão das municipalidades ao governo estadual serviu para neutralizar esse quadro. Os coronéis mineiros foram postos em total subordinação ao governo central, enquanto a subordinação gaúcha, por exemplo, foi apenas virtual. Portanto, para a autora, a organização do aparelho estatal republicano é melhor entendida pelas clivagens regionais entre centros dinâmicos – e, não por acaso, cafeicultores – e zonas marginalizadas, do que pela ideologia republicana.405 As visões de Schwartzman, Silva e Resende são problemáticas por algumas razões: 1) fortalecem a visão do Estado como um “clube dos fazendeiros de café”; 2) desconsideram o peso de outros setores da economia, entre eles o da incipiente industrialização, e a consequente urbanização, causando a falsa impressão de que a política mineira ficava restrita às fazendas e aos desmandos dos coronéis; 3) colocam Minas Gerais ora como cliente ora como refratário dos interesses cafeicultores paulistas, como se não houvesse ali uma elite intelectual e política 403 SILVA, A política regionalista e o atraso da industrialização..., op. cit., p. 08, 404 SILVA, Vera Alice Cardoso. O significado da participação dos mineiros na política nacional, durante a primeira República. In: V Seminário de Estudos Mineiros..., op. cit., p. 153. 405 RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit. 122 refletindo sobre as particularidades da economia mineira. O esquema de Schwartzman, em certa medida estereotipado, parece não atentar para a própria diversidade reivindicada pelo autor. Este “modo de fazer política” atribuído a Minas diz respeito a um tipo que se pautou desde a Independência pelo liberalismo moderado, que é “conservador, tradicional, retraído, simples, beirando o simplório, honesto, sovina, religioso, voltado para a família”. O avanço do café pelo Sul de Minas e a Zona da Mata, no decorrer do século XIX, teria acentuado esse “caráter rural dos mineiros”, e a fundação da nova capital, ao deslocar o eixo econômico para essas duas regiões, aumentado o “peso político” da Minas rural na Primeira República. Mas, como bem demonstrado pelo trabalho de Carvalho, não houve uma única política mineira, como também não houve apenas um interesse econômico.406 “Minas, são muitas!”, diria Guimarães Rosa. De todo modo, Schwartzman, Silva e Resende exemplificam uma vertente historiográfica que, por muito tempo, interpretou a cafeicultura como hegemônica, a grande beneficiária “dos assaltos particularistas” dirigidos ao governo federal, e isto teria sido a pedra de toque na definição dos papeis de cada estado nos quadros da nação. Ao longo da década de 1980, alguns estudos começaram a pôr em xeque estas análises. É o caso da tese de doutorado de Paul Cammack, defendida em Oxford, em 1980. Partindo do debate ensejado pela obra de Vitor Nunes Leal, Cammack questionou a supremacia dos interesses cafeeiros. Para o autor, as políticas estatais e federais em Minas Gerais na Primeira República deviam ser entendidas a partir da ação recíproca entre os interesses econômicos internos e a convergência e divergência dos interesses do estado e da federação. De um lado, os anseios dos variados setores agrícolas mineiros coadunavam no sentido de dinamizar a economia do estado, e colocar Minas em papel de destaque na nação.407 De outro, havia uma autonomia advinda do fato de que o Estado era um canal de representação dos interesses de uma classe dominante, não um locus de atuação de um Governo clientelístico, submisso aos interesses do coronel. A mais contundente crítica à sua interpretação408 veio de um artigo de Amílcar Vianna Martins Filho, de 1984. A desconstrução partiu de dois pontos nodais do modelo da 406 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 407 CAMMACK, Paul. State and Federal Politcs in Minas Gerais, Brazil. University of Oxford: St. Antony’s, 1980. 408 José Murilo de Carvalho entrou no debate, com um artigo de 1987, contra a crítica que Cammack fez à obra de Vitor Nunes Leal. Para Carvalho, o brasilianista cometeu um equívoco conceitual, uma confusão entre coronelismo e clientelismo. O primeiro é um sistema político que prevê a barganha entre governos e coronéis. Historicamente datado, existe somente como forma do coronel garantir o seu poder, quando este já está decadente. O segundo é um tipo de relação que se dá entre os atores políticos via concessão de benesses em cargos públicos e independe da figura do coronel. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo: Uma Discussão Conceitual. Dados - Revista de Ciências Sociais, vol. 40, n. 2, 1997, p. 229-250. 123 representação de interesses: a de que em Minas a economia era dominada pelo setor exportador e sua elite política por fazendeiros.409 Martins Filho retomava a ideia patrimonialista de Faoro. Posteriormente, em sua tese de doutorado, defendida em 1987, em Illinois, Martins Filho esmiuçou a sua hipótese: o atraso tecnológico e a baixa qualidade do solo mineiro, principalmente na Zona da Mata, teria inviabilizado a alta lucratividade da produção cafeeira e a reserva de capital para driblar os momentos de baixa demanda no mercado externo. O resultado da crise de fins do século XIX foi a fragmentação das fazendas de plantation mineiras em pequenas unidades produtivas, e o retorno à policultura. As unidades de produção domésticas rurais e industriais dos mais diferentes itens, somadas às discrepâncias regionais, impossibilitaram a unificação de objetivos e demandas do setor produtivo. Se a união interna foi determinante para a inserção de Minas no jogo político da Primeira República, o motivo, para o autor, não foi econômico, e sim resultado da estratégia clientelística de cooptação e coerção do PRM. A sua tese é a de que a principal característica da política mineira das primeiras décadas do século XX é a não-representação de interesses econômicos.410 A assertiva de Martins Filho é generalizante e se contrapõe a alguns dados apresentados tanto por ele quanto por David Fleischer e John Wirth.411 Dizer que a posse de terras não era fator determinante para ingresso na elite política reforça o argumento de que os interesses cafeeiros não eram predominantes, mas não invalidam o comprometimento dos bacharéis recrutados na classe média urbana com interesses econômicos. Da mesma maneira, é preciso ter claro que uma parcela considerável ser diplomada em Direito e exercer o magistério, por exemplo, não impossibilita as “conexões diretas com as atividades econômicas organizadas do Estado”. Nossos exemplos corroboram neste aspecto. João Pinheiro se afastou da política para se dedicar à criação e administração de sua indústria em Caeté. Arthur Bernardes herdou as fazendas de seu sogro, Vaz de Melo; Nelson de Senna elaborou um verdadeiro dossiê com recortes de jornal e estudos de especialistas sobre a mineração no Rio Doce, não por diletantismo, mas para embasar o pedido de licença que fez ao Governo Estadual, em 02 de maio de 1902, para se tornar concessionário da exploração mineral no Rio Doce.412 Não obstante, segue perpetuando a visão tradicional de hegemonia paulista na definição da política econômica da Primeira República. 409 MARTINS FILHO, Amilcar Vianna. Clientelismo e representação em Minas Gerais durante a Primeira República: uma crítica a Paul Cammack. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 27, n. 2, 1984, p. 175-197. 410 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 233. 411 FLEISCHER, A Cúpula Mineira na República Velha, op. cit.; WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit. 412 A este respeito, ver APCBH – NCS 3 – ESTUDOS TEMÁTICOS – 3.6 (1) AC, NCS 3.6 (1) AE, NCS 3.6 (1) AI, NCS 3.6 (1) AY. 124 Ainda no decorrer dos anos 1980, dois trabalhos não diretamente relacionados a Minas trouxeram contribuições importantes. O do economista Winston Fritsch retomou a ideia de prevalência dos interesses cafeicultores. Não para recusá-los nem para vê-los como simples disputa entre Minas e São Paulo, como as vertentes anteriores, mas para entendê-los do ponto de vista macro da economia. Para Fritsch, não se pode negar o peso da instabilidade econômica brasileira na definição das políticas de valorização do café. O produto tinha uma importância tal na receita de exportações brasileiras que a ausência de medidas que sustentassem os seus preços internacionais desequilibrava todo o sistema econômico e financeiro da República.413 Mais ao final da década, Steven Topik seguiu linha semelhante e conjugou a ideia de representação de interesses com a questão macroeconômica. O autor, em uma espécie de releitura do trabalho de Leal, partiu da ideia de que a dependência em relação aos mercados estrangeiros, desde a colonização, gerou uma estrutura social sui generis. Graças aos relacionamentos hierárquicos patrão/cliente, os coronéis conseguiam transformar o seu poder econômico em poder político. No entanto, para o autor, não se pode dizer que as classes dominantes tenham conseguido o controle absoluto do Estado. Contrapondo-se ao igualmente clássico estudo de Faoro, Topik defendeu a tese de que o Brasil não foi governado pela casta burocrática de um Estado patrimonial, e que a relativa independência que o Estado tinha frente aos fazendeiros derivava mais da pressão de capitalistas estrangeiros, a partir da manipulação da taxa de credibilidade do país, do que de conflitos de interesses entre classes ditas hegemônicas. Os diferentes graus de comprometimento com o comércio exterior é que teriam dado o tom das disputas na política nacional, de modo que um “bem-sucedido” acordo de Minas com São Paulo não passava de idealização.414 Como Topik, Cláudia Viscardi questiona a estabilidade da política do Café com Leite e, na contramão do que afirmou Martins Filho, a pacificação interna das elites mineiras. Em tese de doutorado defendida em 1999, a autora demonstrou que os embates e conflitos foram a regra da política oligárquica mineira. Para Viscardi, a articulação de interesses em torno da produção e comercialização do café explica a aliança de Minas Gerais com outros estados, entre eles São Paulo, obrigado a recorrer ao pacto pelo tamanho da bancada mineira, a maior na Câmara. Mas Minas aceitou a aliança apenas como última alternativa, somente quando todos os outros meios se esgotaram. Os parceiros preferenciais e históricos dos mineiros eram os 413 FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930. In: ABREU, Marcelo de Paiva (org.). A Ordem do Progresso: cem anos da política econômica republicana (1889-1989). Rio de Janeiro: Campus, 1989. 414 TOPIK, Steven. A Presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a 1930. Rio de Janeiro: Record, 1989. 125 gaúchos, pernambucanos e baianos, para os quais os interesses paulistas representavam uma ameaça. O que Viscardi sustenta é que o aparelho de Estado possuía uma autonomia em relação aos interesses cafeeiros e oligárquicos.415 A partir desta afirmação, buscamos a problematização dessa autonomia, sobretudo seus limites e o seu papel na execução do programa desenvolvimentista de João Pinheiro. Para tanto, adotamos as “duas alterações teóricas radicais” que Elisa Reis propõe ao modelo de Barrington Moore Jr., quais sejam: a necessidade de considerar o Estado como “ator político em si mesmo”; e a de explicitar as escolhas dos atores políticos, com vistas a evitar leituras deterministas e possibilitar “um entendimento não-metafísico da noção de responsabilidade histórica dos atores sociais”. Esquematicamente, os três aspectos fundamentais para compreender a modernização conservadora no Brasil da Primeira República são: a) os interesses sociais concretos; b) o processo de construção do Estado; e c) de que maneira a e b interagem.416 Para este capítulo específico é a dinâmica entre os dois primeiros pontos que nos interessa. As “vontades” dos indivíduos do campo burocrático serão entendidas não como particulares, e sim como o resultado da relação entre os interesses associados às diferentes posições que ocupam no campo de poder e o habitus dos seus membros.417 A pergunta, então, é como se deu a relação entre os poderes republicanos mineiros na implantação do projeto modernizador pinheirista? Como podemos entender as vontades de nossos três políticos neste processo? 4.1.1 – A dança dos corpos celestes: o projeto e os poderes da República Em termos de resgate das ideias de João Pinheiro no Legislativo, a atuação de Nelson de Senna na Câmara dos Deputados de Minas Gerais foi mais assertiva do que a de Raul Soares e Arthur Bernardes. Um fato curioso é que, nas legislaturas de que fizeram parte – Soares foi deputado no Congresso Mineiro entre 1911-1914, e Bernardes entre 1908-1910 e 1915-1918 – praticamente não pronunciaram discursos e a interferência nos debates é tímida. Senna, ao contrário, teve intensa participação, utilizando à exaustão o seu poder de retórica, especialmente nos assuntos mais polêmicos. Quando comparamos as atuações de Bernardes e Soares nas Secretarias de Finanças (1910-1914) e Agricultura (1914-1917), respectivamente, é a figura do último que sobressai. Raul Soares assinou a implementação de leis, decretos e regulamentos, que incidiram sobre temas centrais para a execução do desenvolvimentismo mineiro. Um dos 415 FERREIRA, Marieta de Moraes. Orelha do Livro. In: VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit. 416 REIS, Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo, op. cit., p. 337. 417 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 81; 93. 126 pontos altos da atuação de Soares na pasta da Agricultura foi a reforma de 1915, realizada com o intuito de descentralizar os serviços, diminuir o expediente burocrático, constituir órgãos para o desenvolvimento da pecuária, estreitar o contato com os estabelecimentos agrícolas e industriais mineiros, criar um centro de informações sobre as riquezas naturais do estado, distribuir melhor os serviços entre as seções, e suprimir cargos ociosos ou sobrepostos.418 Em que pesem as distintas formas, instâncias e intensidades de atuação, o cruzamento das fontes mostra que havia um diálogo implícito entre o trio, com uma evidente concomitância temática e temporal. No segundo capítulo trabalhamos a agenda considerada mais urgente pelo I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, posteriormente incorporada pelo segundo governo de João Pinheiro. Para compreendermos os pontos de intersecção entre essa plataforma comum e os tópicos abordados por nossos políticos, neste quarto capítulo consideramos: a) os temas polêmicos, que geraram um grande debate; b) os temas neutros, isto é, que não tiveram grande repercussão no Legislativo; e, c) os temas que estão no documento do I CACI, são relevantes no projeto pinheirista, mas não foram alvo de interesse por parte de nossos três políticos. a) Crédito e cooperativa Os temas mais controversos eram aqueles que incidiam diretamente sobre os limites de intervenção do governo na economia e o grau de vinculação aos interesses cafeicultores, como o conjunto crédito-prêmio-cooperativa. O crédito agrícola, tido como um dos pilares do projeto pinheirista da modernização da agricultura, foi um dos primeiros pontos a ser implementado e, consequentemente, a demonstrar a incompatibilidade entre a teoria e a prática. Nelson de Senna foi um ferrenho defensor da questão em 1907 – compreensível, num momento em que a transição da escravidão para o trabalho livre escasseou importantes fontes de renda dos grandes proprietários rurais. Mas, em 1913, já admitia que era preciso racionalizar, tanto que sugeriu à Comissão de Orçamento que metade da verba a ser distribuída para os pequenos lavradores e a propaganda de incentivo à imigração fosse destinada ao “restabelecimento inadiável da nossa Comissão Geográfica de Limites”.419 O que arrefeceu o seu ímpeto? Pode-se especular: a morte 418 SOARES, Raul. Relatório da Secretaria de Agricultura – 1915. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & GOMES, Maria do Carmo Andradre (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Raul Soares de Moura, op. cit., p. 172- 176. 419 SENNA, Nelson de. O Orçamento e o Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. In: Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 147-160. 127 de João Pinheiro, somada a um novo direcionamento governamental, teria permitido que Nelson de Senna encontrasse espaço para as críticas que até então havia silenciado, a respeito da questão cooperativista? As críticas mais incisivas vieram como artifício de manutenção no poder, após o falecimento de seu mentor? Ou a sua opinião se formou a partir do próprio andamento da política cooperativista pinheirista, que evidenciou suas fragilidades e agora já lhe era permitido expô-las sem constrangimentos? Um dado é fundamental: nas vezes em que se manifestou, o fez como relator de uma Comissão, isto é, falou em nome dela e não individualmente. À Comissão de Orçamento de 1916, afirma Senna, estava claro que, naquele momento, o melhor seria substituir os prêmios pecuniários a produtores em dinheiro por prêmios in natura, seja em máquinas agrícolas, adubo químico ou outros que pudessem ser utilizados para trabalhos direto nas lavouras. A justificativa era de que a experiência demonstrava que o prêmio em dinheiro nem sempre era utilizado para a finalidade votada pelo Congresso ou intentada pelo Poder Executivo. Prova da “artificialidade dos prêmios pecuniários, que por si sós não radicavam uma indústria, em país algum, e, às vezes, só serviam para estimular aventuras industriais”, era que tão logo as concessões para as atividades de viti e vinicultura cessaram, a indústria “definhou e acabou”.420 A menção à “experiência” e às intenções do Executivo levam- nos a crer que a crítica era ao que foi feito da política de João Pinheiro, e não à ideia original. Os apelos das Comissões de Orçamento de 1913 e 1916, das quais Senna era relator, ecoaram prontamente (ainda que não integralmente) na Secretaria de Finanças. Assinada por Arthur Bernardes, a Lei nº618, de 18 de setembro de 1913, restringiu a concessão de favores às caixas de crédito rural fundadas exclusivamente sob o sistema de Raiffeisen. Todas as que se criassem neste modelo receberiam isenção de impostos de selo estadual, de novos e velhos direitos contratuais, e publicação gratuita dos trabalhos e balancetes no jornal oficial Minas Gerais. O prêmio em espécie somente seria dado àquelas vinte primeiras que lograssem chegar aos seis meses de efetivo funcionamento.421 A preocupação com a concessão indiscriminada de créditos e prêmios também esteve presente nos discursos e ações de Raul Soares. No mesmo ano da referida lei, Soares assinalou na Câmara dos Deputados que a situação financeira e econômica de Minas não permitia assumir a responsabilidade de empréstimos, endosso ou emissão apólices a empresas como a Companhia Norte de Minas, ao que obteve a concordância 420 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 7ª Legislatura. 30ª sessão ordinária, aos 18 de agosto de 1916, p. 411. 421 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913. 128 de Senna.422 À frente da Secretaria de Agricultura, Soares buscou condicionar a concessão de prêmios em setores estratégicos ao cumprimento de algumas exigências práticas, como a utilização de processos mecânicos e a construção de silos para armazenamento agrícola.423 A crítica e o ajuste nos desvios de utilização do crédito agrícola estão diretamente relacionados aos contornos que as cooperativas agrícolas assumiram quando saíram do plano das ideias de João Pinheiro para a prática no contexto mineiro. De 1906 a 1914, o Estado de Minas contabilizou 56 cooperativas espalhadas por 50 municípios. Em 1911, 26 destas eram destinadas à cafeicultura e gozavam de privilégios como prêmios em dinheiro, taxas menores de juros em empréstimos e isenção de impostos.424 Os cafeicultores eram, pois, os principais beneficiados, como nos mostram as Mensagens que os governadores Wenceslau Braz425 e Júlio Bueno Brandão remeteram ao Congresso Mineiro. Somente com o governo deste último é que os benefícios foram ampliados a outros setores. É de seu governo, inclusive, o Decreto 3.252, de 01 de julho de 1911, que aprovou o Regulamento das Cooperativas Agrícolas, reorganizou o serviço cooperativista e determinou os favores a serem concedidos pelo governo “não só aos produtores de café, mas também os industriais e cultivadores de fumo, os fabricantes de produtos laticínios, de banha, de polvilho, de vinho, os lavradores de arroz, de algodão, etc.”.426 O regulamento ainda dividiu as cooperativas agrícolas em todo o estado em cinco seções: cooperativas de café, cooperativas de laticínios, cooperativas de algodão, cooperativas de fumo, e cooperativas diversas (de polvilho, arroz, vinho e banha).427 422 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 6ª Legislatura. 40ª sessão ordinária, aos 20 de agosto de1913, p. 279. 423 São os casos de duas leis específicas, assinadas por Raul Soares: a Lei nº655, de 11 de setembro de 1915, que concedia prêmios de animação aos agricultores de Minas Gerais, a fim de fomentar a produção do estado. Os prêmios seriam entre os maiores produtores de arroz, milho, feijão, açúcar de cana, algodão e alfafa, em valores de dez, cinco e três contos de réis. Para o arroz, exigia-se área mínima de 100 hectares e emprego de irrigação e cultura mecânica; para o milho o mínimo também era 100 hectares, para a fenação do capim eram 80 hectares, para o açúcar da cana eram 60 hectares, para o feijão e o algodão eram 50 hectares, e para a alfafa eram 12 hectares, exigindo-se para todos eles apenas o processo de cultura mecânica. E a Lei nº697, de 14 de setembro de 1917, que autorizava a construção de silos em propriedades agrícolas do Estado, estabelecendo prêmios e auxílios aos cem primeiros agricultores que os construíssem. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1915 e 1917. 424 ALVIM, Aristóteles. Confrontos e deduções. In: Minas e o bicentenário do Cafeeiro no Brasil (1727-1927). Secretaria da Agricultura. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1929. 425 Wenceslau Braz afirma que as cooperativas estavam presentes em 18 municípios. O presidente mostrava-se entusiasmado com o fato de que os principais municípios da Zona da Matta já as possuíam, e que o sul e o oeste começavam a se organizar para tal. Contudo, as cooperativas estão associadas aqui exclusivamente ao problema do café e não da policultura. Segundo Braz, as garantias do governo eram fornecidas às cooperativas que apresentassem ao mercado “os melhores tipos do café”. MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Braz). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1909, p. 10. 426 Em Mensagem de 1911, as cooperativas a que se refere ainda eram exclusivamente destinadas a cafeicultura. A situação muda na Mensagem de 1912, após o referido Decreto 3.252, de 01 de julho de 1911. MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1911, 1912 (p. 65). 427 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911, p. 359. 129 Se a intenção de João Pinheiro era a de que as cooperativas incentivassem a diversificação da economia, o efeito foi rebote. Solucionar o problema do café acabou monopolizando os interesses. É sob este ponto de vista que podemos compreender o posicionamento de Nelson de Senna, como relator da Secretaria de Agricultura, ao afirmar a decisão da Comissão de Orçamento de 1916 de suprimir a quantia fixa de 60 contos de réis para prêmios a cooperativas “que, no momento, já não se justifica, pois, a cooperativas que tinham de vingar, já receberam os auxílios possíveis do Estado e já podem viver emancipadas, por conta própria”.428 A ideia de redirecionar estes recursos para outros setores considerados prioritários, a nosso ver, era uma tentativa de driblar o monopólio de recursos do sistema das cooperativas de crédito nas mãos dos cafeicultores. A afirmação da autossuficiência, por sua vez, era uma estratégia de invalidar a necessidade de auxílio governamental sem se indispor com os interesses dos cafeicultores da Zona da Mata e do Sul, regiões que juntas tinham a maioria na bancada do Congresso Mineiro.429 Não se pode ignorar o peso desta conformação legislativa, sobretudo quando verificamos que a primeira das seis medidas sobre a cafeicultura, consideradas de extrema urgência pelo I CACI, a da substituição do imposto do café pelo imposto territorial, passou ao largo do projeto de João Pinheiro, mas sofreu duras resistências quando seus sucessores tentaram implantá-la, como veremos mais adiante. b) Cafeicultura e siderurgia Para além do cooperativismo, o mais próximo que se chegou das concepções pinheiristas acerca da economia cafeicultora no período foi a Lei nª533, de 24 de setembro de 1910. Assinada por Arthur Bernardes, o governo ficava autorizado, pela Secretaria de Finanças, a cobrar o imposto de exportação concomitantemente ao da sobretaxa e mediante acordo com outros Estados.430 A medida deve ser entendida no âmbito do Convênio de Taubaté. Tratava-se de uma taxa adicional ao tributo já cobrado sobre o café com o objetivo de financiar a política de valorização do produto. O valor, proporcional à quota de arrecadação dos estados signatários e à qualidade do café produzido, deveria ser pago a São Paulo, o financiador total do 428 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 7ª Legislatura. 30ª sessão ordinária, aos 18 de agosto de 1916, p. 410. 429 De acordo com Fleischer, na 8ª legislatura (1912-1914) e 9ª legislatura (1915-1917), as maiores representações na Câmara dos Deputados de Minas Gerais eram da região Metalúrgica (28,9% na 8ª e 28,2% na 9ª), da Zona da Mata (26,3% na 8ª e 25,6% na 9ª), e do Sul (18,4% na 8ª e 23,1% na 9ª). Ver: FLEISCHER, David. A Cúpula Mineira na República Velha..., op. cit., p. 40. 430 MINAS GERAIS. Lei nº 533, de 24 de setembro de 1910 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício de 1911. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1910. 130 empréstimo.431 Em agosto de 1906, a legislatura estadual mineira já havia externado a insatisfação em relação à sobretaxa ouro. Dois anos mais tarde, concordou em arrecadar a sobretaxa de 3 francos, desde que o suporte fosse rebaixado do café tipo 7 para o 9.432 Arthur Bernardes não especificou as condições da cobrança que autorizava o governo a fazer, de modo que podemos supor o endosso ao que acordou o Legislativo mineiro. O novo ponto de corte, do tipo 7 para o 9, ia de encontro a mais uma medida julgada urgente pelo I CACI, qual seja, a de aplicar a inversa proporcionalidade entre o imposto do café e a sua qualidade, mas representava um ganho em relação ao que João Pinheiro pactuou em 1907 com Alfredo Backer, então presidente do Rio de Janeiro, de boicotar a sobretaxa caso São Paulo não comprasse os cafés de tipo 7.433 A urgência de São Paulo em manter o Convênio de Taubaté explica estas concessões, bem como o acordo que o governo paulista estabeleceu com Bernardes, “a fim de impedir que o imposto sobre o café produzido em larga escala na região sul-mineira de lá saísse em demanda do porto de Santos sem o ônus fiscal”.434 A primeira medida beneficiava os produtores de tipos inferiores da Zona da Mata, mesmo ao custo de não modernizar a produção cafeicultora; e a segunda aumentava a arrecadação de impostos, mas incidia diretamente sobre os produtores de café do Sul de Minas, precisamente um dos maiores contribuintes do erário público. Haveria, assim, um contrassenso? Em verdade, não, e a explicação pode ser buscada tanto no nível simbólico quanto político. Como postulado por Bourdieu, a lógica de uma instituição ou medida administrativa deve ser buscada na luta simbólica travada entre as vontades dos ocupantes do campo burocrático. Estas, por sua vez, são definidas num campo de forças antagônicas ou complementares, a depender da relação dialética, nem sempre explícita, “entre as propensões inscritas nos habitus e as exigências implicadas na definição do posto”.435 Nos dizeres de Steven Topik, os burocratas do mais alto nível representavam muito mais os interesses da oligarquia seus próprios interesses.436 A principal função da Secretaria de Finanças, o “departamento mais importante de qualquer administração”, era arrecadar tributos e buscar meios de ampliá-los. Mas, antes de assumir a função de Secretário de Finanças, o próprio Arthur Bernardes tornou- se um proprietário rural, a partir da herança recebida de seu sogro, Vaz de Melo, tanto que figura no Almanaque Laemmert de 1907 como um dos fazendeiros de Viçosa, na Zona da Mata 431 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 142. 432 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 84-85. 433 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 151. 434 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 27. 435 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 81; 93. 436 TOPIK, A Presença do Estado na Economia. ... op. cit., p. 37. 131 mineira. No início da carreira, numa casa comercial que operava a compra do café na fonte produtora para revenda nos portos de exportação, ele experienciou os resultados do Encilhamento.437 Mesmo ciente da ineficácia de medidas paliativas para a resolução da crise cafeeira, que, no seu entendimento, era antes um resultado da superprodução,438 Arthur Bernardes sabia das dificuldades que um Estado como Minas enfrentava para a retenção dos estoques de café, ou para romper com um “conservadorismo fiscal”439 típico de uma Minas da Terra. Como Secretário de Finanças, Bernardes não podia prescindir do café da mesma forma que não podia se limitar a ele. Isto não o furtou de temas polêmicos ou do cumprimento da função de angariar meios eficientes de tributação. A própria lei nº533 é complementada por um pacote de medidas tarifárias, que também autorizava o regulamento para a cobrança do imposto territorial, assunto espinhoso para a classe dos proprietários rurais, e a taxa de exportação do minério de ferro, que posteriormente se tornou o seu “tendão de Aquiles”. No que se refere a este último, o diálogo com o Congresso mineiro e o Executivo federal é latente. Em 1909, a tarifa sobre o minério de ferro foi pauta no Legislativo. De acordo com Georg Fischer, o projeto estatal de Nilo Peçanha, então presidente da República, para a exploração das jazidas ferríferas e o estabelecimento de uma siderúrgica em Minas Gerais, colocou em debate no Congresso mineiro as questões sobre permissão de exploração e incentivo às indústrias estrangeiras.440 O Deputado Raul de Faria441 apresentou um projeto que reduzia para cinco réis o imposto sobre a tonelada de minério de ferro, pelo período de 15 anos, após o qual passaria a cobrar o valor de cento e vinte réis. A justificativa era de que as altas tarifas oneravam sobremaneira a exportação do produto e impediam o impulso da siderurgia em Minas Gerais. Com uma diminuição tarifária, afirma o relator do projeto, mais navios poderiam partir dos portos do Brasil com minério de ferro para o estrangeiro, e retornar com o carvão necessário para vencer aquele que era o “obstáculo principal” à indústria de ferro brasileiro, ou seja, a falta de combustível. 437 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 21. 438 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 53ª sessão ordinária, aos 21 de agosto de 1907, p. 267. 439 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 84-85. 440 FISCHER, Georg. Minério de Ferro, Geologia Econômica e Redes de experts entre Wisconsin e Minas Gerais, 1881-1914. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, vol. 21, n. 1, 2014, p. 247-262. 441 Raul de Faria, nascido em Campanha, sul de Minas Gerais, foi deputado estadual, filiado ao PRM, de 1907 a 1914; em 1921 foi eleito deputado federal por Minas. SOUZA, Ioneide Piffano Brion de. FARIA, Raul de. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 132 No debate no plenário, Nelson de Senna mostrou-se favorável aos termos e ressaltou a exportação do minério de ferro como “verdadeiro expoente da civilização”.442 O projeto foi aprovado em 3ª discussão, com um decreto do Congresso mineiro, assinado pela Comissão de Orçamento, da qual Nelson de Senna fazia parte.443 Um ano mais tarde, com a já citada lei nº533, Arthur Bernardes tornou letra morta este decreto de 1909, e estabeleceu a taxa de exportação de 200 réis a tonelada do minério de ferro e de 100 réis a tonelada de ferro gusa. Em contrapartida, a Secretaria de Finanças bernardista seguiu as indicações da Comissão de Orçamento de isentar do pagamento do imposto de exportação por 5 anos as duas primeiras fábricas fundadas em Minas para a redução do minério de ferro, que exportassem até meio milhão de toneladas anuais de ferro gusa ou aço.444 A discussão no Legislativo e a consonância com medidas do Executivo, estaduais e federais, são, por si, elucidativos do que chamamos “dança dos corpos celestes”, isto é, da maneira como os nossos “astros” políticos combinaram ações para a execução do projeto pinheirista. Não obstante, evidenciam as articulações com um contexto maior. Arthur Bernardes visava atender muito mais do que o Legislativo Mineiro. Seu horizonte de expectativa foi aberto por um evento, também realizado no mês de setembro de 1910, na Suécia. A demanda por recursos minerais, proveniente da segunda revolução industrial, levou cientistas norte- americanos e europeus a enfatizarem a aplicabilidade econômica da geologia. Ao lado da geologia aplicada, emergiu a prática de mapeamento e quantificação dos recursos minerais mundiais. Alinhados às preocupações conservacionistas norte-americanas, os organizadores do 11o Congresso Geológico Internacional de Estocolmo solicitaram relatórios sobre as jazidas de minério de ferro a geólogos do mundo todo. Os dados brasileiros foram enviados à Comissão Geológica Sueca por Orville Derby,445 geólogo estadunidense, que chegou ao Brasil em 1875 e já havia participado da Comissão Geológica e Geográfica de São Paulo (1886-1904), e da organização do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (1906).446 442 O Projeto de nº70 foi assinado pelos deputados Raul de Faria, Francisco Paoliello, Jayme Gomes, Valdomiro Magalhães, Campos do Amaral, Argemiro Resende, Aristóteles Dutra. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária, 26ª sessão ordinária, aos 28 de julho de 1909, p. 121. 443 O Decreto foi assinado por Nelson de Senna, João Lisboa e Senna Figueiredo. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 37ª sessão ordinária, aos 10 de agosto de 1909, p. 259. 444 MINAS GERAIS. Lei nº 533, de 24 de setembro de 1910 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1910. 445 FISCHER, Minério de Ferro, Geologia Econômica... op. cit. 446 PIRES, Fernando Roberto Mendes; CABRAL, Alexandre Rafael. Estudos de Orville Derby sobre os depósitos manganesíferos do Brasil: Edição comemorativa dos 150 anos de nascimento do cientista. Rem: Revista Escola de Minas, Ouro Preto, vol. 54, n. 3, Julho, 2001, p. 205-209. 133 Um dado que merece ser salientado é a extremada morosidade com que essas preocupações chegaram à esfera presidencial de Minas. Enquanto o Legislativo e parte do Executivo mineiro – representado na Secretaria de Finanças, debatia largamente a questão da taxa de exportação e do projeto de instalação de uma Usina em Minas Gerais, dos três presidentes do período, apenas Delfim Moreira (1914-1918) mostrou-se, de fato, entusiasmado com a siderurgia. Quais os motivos? Pode-se indagar se Wenceslau Braz (1909-1910) encerra sua Mensagem ao Congresso, em junho de 1910, sem mencionar o tema, pelo fato de que o Congresso de Estocolmo ainda não havia exposto a potencialidade das jazidas de ferro mineira, mas o argumento torna-se inconsistente quando pensamos nas iniciativas do Legislativo já em 1909. Mesmo Júlio Bueno Brandão (1910-1914) só dedicou um item específico sobre a siderurgia em Mensagem de 1913; nas anteriores, o assunto entra em pauta com outros relacionados à mineração em geral. A razão do “silêncio” estaria, então, na falta de uma regulamentação para dar prosseguimento à exploração mineradora, como ele mesmo se queixa? Mais do que ausência de legislação, seus anseios eram outros. Segundo o próprio Bueno Brandão, apesar da sua indicação ter originado a Lei nº574, de 19 de setembro de 1911, Minas ainda dependia de um “competente regulamento”.447 O que faltava à lei para que ela preenchesse este requisito? Votada e sancionada pelo Congresso mineiro, a legislação autorizava o governo a fazer a concessão para a exploração em terras devolutas, terras do domínio do Estado e em rios públicos, de duas classes de minerais.448 Bueno Brandão mandou fazê-la valer em 1912,449 mas suspendeu todos os contratos relativos à mineração em 1913,450 até corrigir o ponto que jugava frágil com o Decreto nº4.050, de 22 de novembro do mesmo ano: a regulamentação do terreno diamantífero.451 O regulamento específico apenas para a exploração de diamantes expressa não só o enfoque, como coloca a mineração de ouro, minério de ferro e manganês no mesmo patamar de importância para Bueno Brandão. À semelhança do modus operandi governamental 447 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1912, p. 51. 448 A Lei dividia em duas classes de minerais: 1) diamantes e pedras preciosas, minerais de ouro, prata, platina, cobre, zinco, mercúrio, minerais raros, areias monazíticas e outros; e 2) minerais de ferro, manganês, diamantes e pedras preciosas. MINAS GERAIS. Lei nº 574, de 19 de setembro de 1911 – Autoriza o governo do Estado a fazer concessão para exploração de minerais. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911, p. 124. 449 MINAS GERAIS. Decreto nº 3.732, de 19 de outubro de 1912 – Aprova o regulamento do serviço de mineração do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1912, p. 843. 450 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1914, p. 61. 451 MINAS GERAIS. Decreto nº 4.050, de 22 do novembro de 1913. – Aprova o regulamento para o arrendamento dos terrenos diamantíferos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913, p. 322. 134 das Minas Setecentistas,452 e como exemplo de um apego à tradição que também atingia a mineração, a preocupação era com a retirada ilegal de pedras preciosas dos terrenos devolutos mineiros.453 Portanto, consideramos que o item dedicado à siderurgia aparece na Mensagem muito mais em razão de pressões exercidas pelas intenções de Nilo Peçanha no Executivo federal e pelos debates do Legislativo estadual – crescentes a partir do projeto de S. Figueiredo,454 que previa a contratação de Wigg e Trajano para construir uma Usina siderúrgica no estado –, do que por interesse da presidência do Estado frente às perspectivas do evento na Suécia. Feita a ressalva, o fato é que o Congresso de Estocolmo provocou uma corrida de especuladores estrangeiros para compra de terras com jazidas de ferro em Minas. Werner Baer explica que esta aquisição de terras gerou insatisfação nos funcionários públicos federais e estaduais, os quais acreditavam, sem saber ainda da existência de minérios na Venezuela e Canadá, na promessa de altos lucros com a “exclusividade” do minério de ferro brasileiro.455 Em virtude disso, ao colocar em debate o projeto de nº15, sobre a fundação de usina siderúrgica no Estado, a Comissão de Orçamento concluiu que a criação de uma espécie de monopólio seria necessária para que a indústria siderúrgica pudesse se estabelecer e perdurar em Minas. Segundo o deputado S. Figueiredo, havia três encaminhamentos perceptíveis nessa indústria: o das empresas que pretendem explorar o ferro em Minas; o das empresas que querem fazer a redução do minério de ferro em seu próprio território; e outras que pretendiam exportar o minério de ferro para a redução no litoral, a partir da eletro-metalúrgica.456 Os esforços da Comissão eram para que se criasse a indústria siderúrgica mineira, nos arredores das jazidas, e não houvesse a necessidade de beneficiar o ferro em outros lugares que não o próprio estado de Minas Gerais. Nelson de Senna pediu o adiamento da discussão, para que a lei pudesse ser votada com a “maior isenção de defeitos possível”. Além disso, apresentou emendas ao projeto, para que os favores concedidos a Carlos G. da Costa Wigg e Trajano S. V. Medeiros, para a montagem e instalação de uma indústria siderúrgica em território mineiro não ultrapassasse aquelas já estipuladas pelo projeto, e fossem extensíveis às demais empresas. Na 2ª discussão sobre o projeto, Senna afirmou que suas emendas geraram intenso debate, inclusive 452 A este respeito, ver: PINTO, Virgílio Noya. O Ouro Brasileiro e o Comércio Anglo-Português. São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1979, p. 212. 453 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1912, p. 51. 454 Referimo-nos ao deputado Senna Figueiredo. A fim de evitar que o homônimo “Senna” confunda o leitor, optamos por abreviar o nome para S. Figueiredo. 455 BAER, Werner. Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. 456 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 43ª sessão ordinária, aos 11 de agosto de 1911, p. 258. 135 na imprensa, razão pela qual a Comissão de Orçamento levou em conta as suas considerações. Entendeu-se que o melhor era estender os favores do Art. 1 do referido projeto às outras empresas, com a condição de que apresentassem “garantias de fortes recursos financeiros, aptidão técnica e capacidade de exercício da indústria”.457 Sobre os lugares onde as usinas deveriam ser estabelecidas, Nelson de Senna indicava a zona da Companhia Vitória-Diamantina, a zona a leste do Rio Doce, e a zona central do Espinhaço. Nesta última, explica, havia a possibilidade da operação simultânea de “duas usinas poderosas”, com o estabelecimento de uma empresa anglo-americana entre os municípios de Ouro Preto, Mariana, Santa Bárbara e Itabira; e a empresa de Carlos Wigg e Trajano de Medeiros, entre Ouro Preto e Queluz, e a bacia do Paraopeba e a Capital do estado, até chegar em Juiz de Fora, na Zona da Matta. Com os favores já concedidos pela União,458 de redução progressiva do imposto de exportação, essas empresas estariam capacitadas a formar a indústria siderúrgica em Minas, além de afastar o perigo de encilhamento ou da especulação. Nelson de Senna dizia-se satisfeito pelo fato de que na nova versão o projeto incluía os mesmos subsídios para o calcário, cimento, adubos químicos e outros subprodutos das usinas. Sem este auxílio a produtos secundários da indústria siderúrgica, afirmava, as empresas se veriam sufocadas. É possível identificar aqui alguns ingredientes que fomentaram o caso Itabira-Iron, de que trataremos mais detalhadamente no quinto capítulo. A dubiedade do entendimento do monopólio, defendido quando era para que o Estado detivesse direito exclusivo sobre os transportes, mas rechaçado quando este era reivindicado por empresários, dificultava as tratativas. Mesclando, ao sabor das necessidades, as vozes da terra, do ouro e do ferro, o liberalismo conservador foi uma marca do desenvolvimentismo mineiro. Pregava-se a iniciativa empresarial e a liberdade de comércio, de inspirações norte-americanas, ao mesmo tempo que o resguardo de recursos estratégicos e a intervenção do Estado na economia, via medidas protecionistas, como sinônimos de defesa do nacionalismo e do Progresso republicano. Conflito semelhante é observado no descompasso entre as pretensões federais e os interesses estaduais, estes também divididos. O decreto de José Joaquim Seabra,459 Ministro da Viação e Obras 457 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 47ª sessão ordinária, aos 17 de agosto de 1911. 458 O Decreto federal nº 8.579, de 22 de fevereiro de 1911, concedeu “aos industriais Carlos G. da Costa Wigg e Trajano Saboia Viriato de Medeiros, ou a companhia que organizarem, prêmios sobre os produtos manufaturados, garantia de consumo anual e outros favores para exploração de uma usina siderúrgica com a capacidade de 150.000 toneladas anuais. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. 459 José Joaquim Seabra, ironicamente, foi vice-presidente na chapa de Nilo Peçanha, derrotada, no contexto da Reação Republicana, por Arthur Bernardes, um dos principais opositores aos termos que o referido decreto tomou quando de sua execução no caso Itabira-Iron. Sobre a Reação Republicana, ver: VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 270-280. 136 Públicas do governo do Presidente Hermes da Fonseca, previa que as usinas formadas por Carlos Wigg e Trajano Saboia fossem instaladas às margens da Estrada de Ferro Central do Brasil.460 O projeto da Comissão de Orçamento do Congresso mineiro indicava as margens da Estrada de Ferro Vitória-Minas. A versão final da lei determinou Juiz de Fora para as duas primeiras seções da usina, isto é, a de fusão do minério e fundição dos trilhos; e Belo Horizonte para a produção de aços e material bélico.461 O que explica a divergência de interesses? A incompatibilidade entre esferas públicas e privadas foi certamente um complicador. Nelson de Senna era, ele mesmo, beneficiário de direitos de exploração de terras devolutas, na zona marginal do Rio Doce, e de pesquisas sobre a existência de minas auríferas na região, desde 1902.462 A um estado com dificuldades econômicas, era primordial desonerar o transporte da produção mineradora pelo porto capixaba, uma vez que os fretes pela Central do Brasil e pelo porto do Rio de Janeiro eram mais elevados. Há tempos Minas ansiava pela incorporação do Porto de Vitória ao seu território; delegados da Convenção Constitucional Estadual de 1891 chegaram a propor a divisão de Minas em cantões autônomos, ao modelo suíço, para facilitar a união política com o Espírito Santo, intenção sufragada com o federalismo;463 e a disputa por fronteiras entre os dois estados permeou todo a Primeira República. A escolha da capital, com a justificativa de impulsionar o seu progresso, era, segundo Raul Soares, uma “miragem sedutora, mas importuna”. Primeiro, porque em países como os Estados Unidos uma das “características essenciais é a ausência de grandes capitais; e, segundo, porque constituía “princípio elementar que a indústria nasce, se desenvolve, frutifica e prospera nos pontos onde encontra seus elementos de vida e os seus recursos naturais”.464 Talvez porque a siderurgia não fosse uma empreitada na qual Bueno Brandão, então Presidente de Minas, desejasse investir energia pessoal, os locais finais escolhidos – Juiz de Fora e Belo Horizonte, de onde a produção partiria para o porto do Rio de Janeiro, via Central do Brasil – seguiram a linha da conciliação entre os anseios do maior centro político e econômico da Zona da Mata, e a capital do estado, ainda que sobrepondo a lógica econômica de buscar as menores taxas. A 460 BRASIL. Decreto federal nº 8.414, de 7 de dezembro de 1910 - Concede a Carlos G. da Costa Wigg e Trajano Saboia Viriato de Medeiros, ou a Companhia que organizarem, os favores dos decretos. ns. 8.019, de 19 de maio de 1910, 5.646, de 22 de agosto de 1905, e 947 A, de 14 de novembro de 1890. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1910. Vol 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. 461 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1913, p. 51. 462 Seu arquivo pessoal possui um dossiê sobre a questão mineralógica na região do Vale do Rio Doce, com documentos de concessão de direitos de exploração em seu nome e recortes de jornais. APCBH – NCS 3.6(1) – ESTUDOS TEMÁTICOS. 463 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 69. 464 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 53ª sessão ordinária, aos 24 de agosto de 1911, p. 412. 137 resultante é que o projeto siderúrgico mineiro, já em seu ponto de partida, se viu pautado não pela racionalidade, princípio básico do programa pinheirista, mas por interesses regionalizados. O embate entre “valores tradicionais” e expectativa em torno da siderurgia nas Minas da Primeira República é um interessante indicador do quanto o desenvolvimentismo mineiro caminhou muito mais no sentido da modernização do que da modernidade. Conforme explica Koselleck, “só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então”.465 Voltaremos ao tema com mais afinco adiante, mas, por ora, importa-nos registrar que, neste período de execução do projeto pinheirista, o ponto de contato com o passado ainda era estreito; o período da mineração colonial persistiu como balizador tanto de diagnósticos quanto de prognósticos, pelo menos até o 11º Congresso Geológico, a partir do qual parece ter havido uma dilatação das distâncias entre experiências e expectativas. É o que podemos depreender da súplica que Nelson de Senna fez no plenário da Câmara, dois meses antes do evento na Suécia, para que seus colegas não se iludissem com a potencialidade da indústria extrativa do ferro, pois aqueles povos que se deixaram levar por essa “miragem”, e que “abandonam o cultivo da terra fecunda e nutridora, em breve sentem as angústias da fome, a penúria da produção e o relaxamento de sua enfibratura [sic.] moral”. Como a história de Minas colonial já havia ensinado, adverte ele, era preciso não abandonar aquelas zonas que não foram agraciadas com os depósitos minerais, mas que possuíam vocação para a indústria pastoril ou para a agricultura (como era a região norte, de que era representante, evidentemente). Não se iludir com o esplendor da mineração e excluir a agricultura era, no seu entendimento, a principal lição que ficou do passado mineiro e o incentivo primordial para investir na qualificação da mão-de-obra agrícola.466 c) Ensino agrícola Muito embora não deixasse de advogar em favor da siderurgia, por experiência própria, de um empresário que desde o início da década investiu, sem retorno, na mineração do Rio Doce, Nelson de Senna vislumbrava as oportunidades de um mercado interno receptivo aos produtos mineiros, enquanto o externo se concentrava nas políticas de valorização do café.467 465 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit., p. 314. 466 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 5ª Legislatura. 13ª sessão ordinária, aos 20 de julho de 1910, p. 83. 467 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 138 Deste modo, prosseguiu como um ferrenho defensor do projeto pinheirista de implementação da policultura, com toda a agenda de ensino técnico-agrícola e fundação de fazendas-modelo que ela envolvia. A morte prematura, segundo Senna, impediu que João Pinheiro efetivasse os planos de realizar estas reformas, que colocariam Minas “no caminho da prosperidade”, o que começou a ser feito com Bueno Brandão e Wenceslau Braz, e cuja continuidade agora, para ele, era competência da Câmara. O seu pedido era de que o Legislativo se empenhasse em auxiliar iniciativas que a curto prazo se converteriam em proveito para a coletividade mineira e nacional. Em vista disso, apresentou à Comissão de Instrução Pública e de Agricultura um projeto que previa a premiação dos alunos mais destacados com uma viagem aos “centros mais avançados em técnicas e conhecimento de agricultura”.468 Seguindo os princípios de João Pinheiro, sua intenção era sistematizar a institucionalizar a prática.469 A organização de escolas profissionais de ensino técnico agrícola e institutos de artes e ofícios por todo o estado, para que os “jovens desafortunados” pudessem adquirir uma profissão e se especializar no exterior era, segundo o próprio Nelson de Senna, uma das maiores aspirações de João Pinheiro. O Instituto homônimo, criado em Belo Horizonte, em 1909, e depois anexo à fazenda-modelo da Gameleira, vinha atuando neste sentido. Em menos de um ano de existência, havia atraído dezenas de rapazes órfãos ou carentes, e a formação de centenas de jovens profissionais era, para Senna, a tradução e concretização de “uma das mais palpitantes medidas que uma democracia pode realizar, qual seja, a que se refere à educação dos filhos do povo, fazendo deles não parasitas, mas fatores inteligentes, obreiros honestos do nosso progresso social”.470 Semelhante a este instituto eram a escola D. Bosco, de Cachoeira de Campo, onde os padres salesianos ensinavam aos jovens “os processos mais modernos de policultura e de mecânica agrícola”; e a escola agrícola do Instituto Evangélico, que estava formando 468 O Projeto de nº92, apresentado à Câmara na sessão de 20 de julho de 1910, autorizava o governo, em acordo com a diretoria da Escola Agrícola de Lavras, a premiar o aluno mais destacado do curso com uma viagem aos EUA, para ali complementar seus conhecimentos profissionais de agricultura, incluindo passagem de ida e volta, e ajuda de custo. Pela situação financeira em que Minas se encontrava, previa-se que fossem contemplados não mais que dois alunos por ano. Ao retornar, o aluno deveria apresentar um singelo relatório dos serviços prestados ao Estado no exterior; não um papelório de “belas teorias [que] nada se apura para a prática”, mas uma breve exposição do que observou de prático que possa ser empregado em nosso meio. Isso, explica, era seguir o que outras nações como Canadá, Uruguai, México, Chile, Argentina e Uruguai vinham praticando. Ver: MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 5ª Legislatura. 13ª sessão ordinária, aos 20 de julho de 1910, p. 84. 469 Como nos permite concluir a existência, em seu arquivo pessoal, do rascunho de um projeto de lei para a regulamentação da subvenção de aperfeiçoamento técnico de jovens aprendizes de agricultura, eletricidade, química industrial e trabalhos manuais, em viagem para os Estados Unidos ou Europa APCBH – NCS 4 (9) – ATIVIDADES PARLAMENTARES, outubro de 1911. 470 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 5ª Legislatura. 13ª sessão ordinária, aos 20 de julho de 1910, p. 84. 139 “verdadeiros missionários de uma nova era para a lavoura de Minas”. Estas instituições seriam úteis para despertar uma “vocação instintiva”, um “amor primitivo pela terra, inato em todos nós”.471 Senna, assim como João Pinheiro, almejava para o futuro da pátria um “povo sadio, forte e jovial”, uma “bela raça constituída com os bons elementos eugenéticos que aqui possuímos, vitalizada com o sangue resistente do mestiço e melhorada cada vez mais pela educação moral”.472 A instrução a todas as camadas populares era a “solução completa e científica dos grandes entraves que, neste momento, dificultam a nossa marcha social, no interior de Minas e no país inteiro”.473 O alinhamento com a ideia pinheirista de popularização da educação é notável. O enfoque de Senna na puericultura, todavia, não o impediu de voltar os olhos, como apregoava João Pinheiro, para o ensino secundário e técnico de adultos. Além da solicitação que fez à Câmara para a consignação de verbas para a construção de uma escola noturna, dedicada aos jovens que trabalhavam durante o dia,474 Senna defendeu a criação de um Posto Zootécnico Federal na região norte mineira, da qual era representante, para o aperfeiçoamento das raças pastoris do norte de Minas e de outros estados vizinhos, bem como para o combate ao flagelo da seca. A periodicidade do evento, agravado pelo fogo que descia do Ceará para o sul da Bahia até chegar ao norte mineiro, gerava desânimo nos habitantes daquela porção de Minas de investir em gado, já que a queimada dizimava fatalmente os rebanhos, e as populações de fome. O êxodo era um fenômeno frequente na região. As famílias migravam periodicamente para as zonas mais férteis, acarretando prejuízos ao próprio Estado, com um cotidiano de “numerosas moléstias, o empobrecimento da raça, a decadência da riqueza pública, e o despovoamento, às vezes, em massa, daquele território”. A União tinha a obrigação e, com o avanço da ciência, os meios para acabar com o flagelo, por meio da açudagem, barragens, represas, irrigação artificial, e replantio de florestas. A riqueza natural da região em 471 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 5ª Legislatura. 13ª sessão ordinária, aos 20 de julho de 1910, p. 84. 472 SENNA, Nelson de. Pátria e Raça. In: GUSTIN & LANNA JÚNIOR, Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 291. 473 E completava: “Está aí evidentemente apontado o nervo doente que convém cauterizar por esses remédios supremos e eficazes, quais são: a boa educação do povo, como bem se entende a educação democrática; os meios de facilitar-se a colocação da produção nacional; a irradiação de um bom sistema de policiamento e de viação por todos s pontos do território do Estado, de movo que a propriedade se acantele, os direitos se respeitem, o comércio se desenvolva, a organização social se estabeleça, enfim, em bases firmes e sólidas, em alicerces indestrutíveis, quais os que provêm da perfeita educação moral e intelectual do nosso povo”. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 42ªsessão ordinária, aos 10 de agosto de 1911, p. 226. 474MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 52ª sessão ordinária, aos 23 de agosto de 1911, p. 397. 140 tempos de chuva regular, somadas à cultura racional e à indústria pastoril organizada transformaria os três desertos em “reservatórios de energia possantes para o futuro de Minas”.475 Revelador do argumento de autoridade, Senna dizia-se bastante otimista de que sua representação fosse concretizada, pois Wenceslau Braz era proveniente da “mesma escola política” de João Pinheiro.476 O então presidente do Estado considerava o “assunto prioritário nas democracias bem orientadas”, e prosseguia com as reformas pinheiristas de melhor aproveitamento do professorado, sistematização dos programas de ensino, organização rigorosa do tempo de cada disciplina, cuidado com a higiene e frequência do aluno, fiscalização técnica e estímulo aos bons professores.477 Ainda assim, a solicitação do deputado não foi contemplada, nem mesmo por Júlio Bueno Brandão, o primeiro dos sucessores de João Pinheiro a dedicar um item aos postos Zootécnicos.478 Se, como defendemos, a recorrência constante ao nome de João Pinheiro na tribuna por Nelson de Senna foi um dos elementos responsáveis pela perpetuação da prática política pinheirista no Legislativo, a efetiva execução de sua agenda foi mais conturbada. Os três sucessores de Pinheiro na Presidência do Estado – Júlio Bueno Brandão (1908-1909; 1910- 1914), Wenceslau Brás (1909-1910) e Delfim Moreira (1914-1918) – se empenharam na questão da educação primária, secundária, agrícola, técnica e profissional. Não houve, entre eles, reticência quanto a importância de investimentos pesados e “trabalho incessante” nesta área.479 Mas a criação de tantos estabelecimentos de ensino, segundo Francisco Iglésias, se dava justamente por eles não surtirem o efeito desejado.480 Em 1910, por exemplo, o ensino prático de agricultura foi recebido por 510 indivíduos, no geral operários e agricultores,481 nas instituições custeadas pelo Estado: as fazendas-modelo da Gameleira (Belo Horizonte), Retiro do Recreio (Santa Bárbara), Fábrica (Serro), Diniz (Itapecerica) e Bairro Alto (Campanha), 475 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 8ª sessão ordinária, aos 05 de julho de 1909, p. 74; e 18ª sessão ordinária, aos 19 de julho de 1909, p. 103. 476 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 8ª sessão ordinária, aos 05 de julho de 1909, p. 74; e 18ª sessão ordinária, aos 19 de julho de 1909, p. 103. 477 MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Braz). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1909, p. 41. 478 Segundo Brandão, além do posto zootécnico anexo à fazenda-modelo da Gameleira, funcionavam os pequenos postos zootécnicos regionais de Juiz de Fora, Lavras, Uberaba, Barbacena e Itajubá. MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1911, p. 39. 479 Vários são os decretos que nos permitem a afirmação: o decreto nº2.287, de 03 de novembro de 1908, que criou a Escola infantil, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento intelectual e preparar crianças de ambos os sexos, de 4 até 6 anos de idade, para o curso primário; o decreto nº2.592, de 30 de julho de 1909, que autorizava o governo a subvencionar o Colégio Salesiano, de Cachoeira de Campo, com 10 contos de réis anuais para a manutenção de 20 alunos; o decreto nº3.191, de 09 de junho de 1911, que aprovou o Regulamento Geral de Instrução Pública; o Decreto nº3.356, de 11 de novembro de 1911, que aprovou o Regulamento Geral do Ensino Agrícola. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908, 1909 e 1911. 480 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 481 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1912, p. 32. 141 além de um campo prático de demonstração em Aiuruoca, e de 16 fazendas subvencionadas onde se cultivava cereais, batatas e cana de açúcar.482 Um ano depois, o número caiu para 170 aprendizes,483 e, em 1916, a única fazenda-modelo que o Estado mantinha era a da Gameleira. Mesmo afirmando que o governo se preocupava com o ensino agrícola, Delfim Moreira solicitou, e o Legislativo autorizou, a venda em hasta pública da fazenda do Serro, o arrendamento das fazendas de Itapecerica e Campanha, e a venda e recebimento das benfeitorias realizadas na fazenda de Santa Bárbara, “cuja doação ao Estado era nula”.484 Na Mensagem de 1917, Delfim Moreira explica a decisão. Segundo ele “o governo percebeu desde logo que as fazendas-modelo não produziam os resultados desejados”. O campo prático de Aiuruoca também não dava o necessário retorno do investimento; ele deveria ser melhor fiscalizado ou transferido para outra zona mais receptiva aos ensinamentos práticos. O enfoque de seu governo passava a ser o ensino agrícola prático e ambulante, o que, para ele, era o que mais convinha aos agricultores mineiros, não só para ensinar o manejo dos instrumentos agrícolas como para instituir campos práticos para ensaio de culturas e processos modernos nas terras do próprio lavrador. Além do bom desempenho, um dos pontos fortes deste tipo de ensino é que os resultados eram “imediatos e de fácil verificação”.485 A implantação deste modelo de ensino, ambulante conjugado com fazendas-modelo era, em verdade, parte da política de Raul Soares à frente da Secretaria da Agricultura. Segundo ele, o “melhor processo de ensino agrícola” era aquele que conciliava “as vantagens do ensino ambulante com as das fazendas- modelo sem os inconvenientes destas”.486 Ainda que as fontes não detalhem, a queda brusca no número de matriculados indica que parte das dificuldades enfrentadas pelas fazendas e do sucesso do modelo itinerante deve- se, muito provavelmente, a uma resistência dos trabalhadores e produtores rurais em frequentar as instituições de ensino. Entre nós, o processo que dissociou o trabalho produtivo do trabalho escravo, algo “menor” e “degradante”, foi lento e se estendeu, pelo menos, da década de 1870 até o início da República, quando o ensino agrícola foi redefinido como “projeto identificatório de segmentos” de grandes proprietários rurais que buscavam se afirmar como “modernos” e 482 MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Braz). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1910. 483 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1913. 484 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1916, p. 80. 485 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1915 (p. 132), 1917 (p. 61-62), 1918 (p. 62). 486 SOARES, Raul. Relatório da Secretaria de Agricultura de 1917. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & GOMES, Maria do Carmo Andradre (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Raul Soares de Moura, op. cit., p. 181-183. 142 “progressistas”. Como consequência, faltavam até mesmo professores agrônomos qualificados.487 A situação de formação de mão-de-obra técnica-agrícola-profissional especializada em solo mineiro era tão nova que ainda havia o problema da certificação dos profissionais. Em defesa desta condição, Nelson de Senna apresentou à Câmara Legislativa de Minas Gerais, em 22 de julho de 1916, o requerimento da diretoria da Escola de Agronomia de S. João d’El-Rei, para registro e validação dos diplomas de agrônomo por ela expedidos.488 O cruzamento das fontes nos mostra que o pedido não foi atendido, mas certamente ensejou duas medidas de Raul Soares a este respeito na Secretaria de Agricultura, que além do Campo das Vertentes, região de São João del Rei, abarcou a Zona da Mata e a capital.489 d) Produção e circulação A técnica e a ciência trazidas pelas mãos imigrantes, mormente o entusiasmo inicial, também tiveram pouco êxito. A imigração não atingiu Minas Gerais da mesma forma que as terras paulistas ou gaúchas.490 Os italianos, espanhóis e portugueses que participaram da construção de Belo Horizonte acabaram se instalando nos arredores da nova capital, com plantações de legumes frescos e o investimento em pequenos negócios.491 Em princípio da década de 1910, Senna já endossava a fórmula que foi perseguida durante o governo bernardista: a colonização, independentemente de ser de mineiros ou estrangeiros, e a organização do trabalho são o resultado do investimento em viação, e não o contrário.492 Sem vias eficazes de transporte nem mesmo a imigração seria capaz de vencer o isolamento. A prosperidade das colônias e da economia em geral dependia, fundamentalmente, do escoamento da produção. Por este motivo, insistia no binômio pinheirista da policultura e transporte. 487 MENDONÇA, Sonia Regina de. Agronomia e Poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998, vol. 1; e MENDONÇA, Sonia Regina de. Agronomia, agrônomos e política no Brasil (1930-1961). Revista Brasileira de História da Ciência, vol. 3, 2010, p. 126-141. 488 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 7ª Legislatura. 8ª sessão ordinária, aos 22 de julho de 1916, p. 103. 489 A Lei nº696, de 31 de agosto de 1917, assinada por Raul Soares, que autorizava o governo a registrar, nos órgãos competentes, os títulos de agrônomos expedidos pela Escola Mineira de Agricultura e Veterinária de Belo Horizonte, e os expedidos pela Escola de Engenharia de Juiz de Fora; e a Lei nº690, de 10 de setembro de 1917, assinada por Raul Soares, autorizava o governo a registrar, nas repartições competentes, os títulos conferidos pela Escola Agrícola de Lavras, e pela Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. 490 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 491 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 53-54. 492 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 42ª sessão ordinária, aos 10 de agosto de 1911, p. 226. 143 Na concepção de Nelson de Senna, o transporte era o sangue a ser injetado nas áreas em crise econômica.493 Por meio dele, viabilizar-se-ia o comércio, um agente dinâmico de civilização, posto que introduzia no país instrumentos e máquinas, cujos usos nos tornavam “mais ricos” e “confortáveis na vida humana”. Fator de integração, conseguia aproximar povos geograficamente distantes a partir de mercados e praças comerciais.494 Civilizar-se implicava, pois, adentrar o sistema das trocas mundiais em posição de equidade. Era necessária a montagem de uma estrutura econômica de agroexportação, para o que a organização do mercado interno era tão ou mais importante que a do mercado externo. As diversas concessões de privilégio para a construção de estradas de rodagem, linhas de ferro e bonde elétrico, assinadas por Raul Soares, sinalizam que ele compartilhava dessa interpretação.495 É de sua gestão como Secretário da Agricultura também uma das medidas mais importantes para os transportes: o Regulamento de Estradas de Rodagem.496 Embora não tenha sido forte o suficiente para congregar um ponto de vista específico, o transporte era o que dava certo “tom universalizante” às vozes de Minas.497 Conservadores ou progressistas, em maior ou menor grau, sentiam que os parcos meios de comunicação eram um empecilho contínuo, desde a riqueza das Minas Setecentistas até o ideal de uma Minas organicamente integrada ao moderno capitalismo,498 passando pela agricultura dos métodos rotineiros. Outros temas, porém, incidiam diretamente sobre uma estrutura historicamente sedimentada. 493 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 8ª sessão ordinária, aos 05 de julho de 1909, p. 74. 494 APCBH – NCS 5 (25) – ATIVIDADES ACADÊMICAS – Pontos do exame de economia política, direito administrativo, estatística, legislação de terras e princípios da colonização. 495 São alguns exemplos: a Lei nº658, de 14 de setembro de 1915, que autorizava o governo a auxiliar com mil contos de réis por quilômetro a construção da estrada de automóveis que iria de Sacramento a Araxá e S. Miguel da Ponte Nova; a Lei nº699, de 14 de setembro de 1917, que autorizava o governo a conceder à empresa ou a particulares, que oferecessem maiores vantagens, privilégio para a construção de uma estrada de ferro ou linha de bondes elétricos. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. 496 O Regulamento de Estradas de Rodagem foi sancionado pelo Decreto nº4.501, de 08 de janeiro de 1916, do Presidente do Estado de Mina, Delfim Moreira. A partir de então, o governo ficou autorizado a conceder privilégio de tráfego e subvenção de dois mil contos de réis por quilômetro, aos que construíssem “estradas de rodagem apropriadas à circulação de automóveis” e com serviço público de transportes, cabendo ao concessionário o direito exclusivo de cobrar taxas pelo transporte de cargas e passageiros. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1916. 497 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 56. 498 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit. 144 4.1.2 – Poeira no espaço: os pontos de impasse A permanência de uma ideia de progresso entre muitos historiadores, explica Arno Mayer, fez com que se preocupassem muito mais com as forças inovadoras da ciência e da tecnologia, com a formação de uma nova sociedade, do que com as “forças de inércia e resistência que retardaram o declínio da antiga ordem”. Segundo o autor, isso leva a uma visão distorcida do século XIX e início do XX que, para ser evitada, precisa “considerar não só o grande drama da transformação progressiva, mas também a implacável tragédia da permanência histórica, e investigar a interação dialética entre ambas”. Mayer defende que na Europa, até 1914, as forças do Antigo Regime permaneceram em sua inércia e resistência como freio a uma “nova sociedade dinâmica e expansiva”.499 Para José Murilo de Carvalho, é possível aplicar a tese de Mayer – de persistência da tradição de um mundo agrário, aristocrático, pré-industrial e pré-burguês, a despeito dos avanços da modernidade – “com muito mais razão” ao caso brasileiro. O autor refere-se especificamente a São Paulo, onde a produção capitalista adentrou pela via rural, conservando muitos dos valores aristocráticos e escravistas; e a industrialização foi encabeçada por uma burguesia diretamente ligada à cafeicultura e seus valores tradicionais.500 Mas, se as resistências foram fortes nos contextos paradigmáticos franco-anglo- saxão e paulista, como avaliá-las em outras circunstâncias? Como pensar Minas, que era um estado “novo”, mas tinha esse setor tradicional bastante presente? A posse fundiária desponta como um potencial caminho de investigação. a) Legislação, tributação e demarcação fundiárias Se João Pinheiro propunha transpor a mentalidade rural pela popularização da educação, Bernardes buscou enfrentar a “tradição” com reformas tributárias, que permitissem o saneamento das contas públicas, e, consequentemente, o investimento na modernização produtiva. No item anterior, vimos que a Lei nº533 guiou-se por algumas normativas do Convênio de Taubaté, cujos signatários foram São Paulo, Minas e Rio de Janeiro, os três maiores representantes da economia cafeicultora. O ponto mais controverso dizia respeito à tributação do café. A pedra de toque, que congregou esta questão e a da posse fundiária a uma 499 MAYER, Arno. A Força da Tradição: a persistência do Antigo Regime. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 14. 500 CARVALHO, Brasil 1870-1914: a força da tradição, op. cit., p. 125. 145 série de outras medidas relativas à modernização e implementação do projeto desenvolvimentista mineiro, foi o imposto territorial. A tributação vinha sendo discutida em Minas desde a época do Império, a partir da constatação de que grandes porções de terras férteis do estado mantinham-se por questões meramente especulativas, sem efetiva produtividade e como um empecilho a muitas rotas de transporte. A inexistência de uma legislação sobre a redistribuição de terras públicas impedia a fragmentação dos latifúndios em pequenas propriedades e colônias de fazendeiros de classe média. O imposto territorial foi, então, pensado como paliativo. A taxação das grandes propriedades incentivaria o incremento da produção, mas sofreu oposição acirrada de fazendeiros, produtores e especuladores de terra. Em 1899, o governo de Silviano Brandão, em ação combinada do Executivo com o Legislativo para “fortalecer a receita pública do Estado”, propôs a taxa de 0,5%. Por conta da reunião de produtores da Zona da Mata, em Juiz de Fora, o governo resolveu suspender a votação no Legislativo até que fosse seguida a orientação do evento, de fixar em 0,3%, sobre o valor venal das terras, descontados os 40% do valor das benfeitorias.501 Pressionado, assinou uma lei que se restringia a tributar os valores da terra, declarados pelos próprios proprietários,502 ou seja, já nascia como letra morta. Para Wirth, o Imposto Territorial é um “excelente exemplo” das relações entre as instituições republicanas, os coronéis e a sua clientela política. Em tese, pela Constituição mineira de 1891, as duas casas do Congresso estadual “eram ramificações iguais do governo, com o direito de iniciar a legislação e poder de erário”. De acordo com o autor, a partir do controle de Silviano Brandão na Tarasca, a legislatura e a delegação federal passaram a votar em bloco,503 esvaziando a importância do debate na tribuna e aumentando o peso de pastas como as de Finanças, Assuntos Municipais e Comissões Mistas. Nelas, os “presidentes dos comitês dirigiam a legislação pelos canais de pistolão504 antes de trazê-los para o debate, evitando ao mesmo tempo que muitas leis chegassem à tribuna”. Os representantes das comissões eram recrutados pelos governadores, justamente para que os interesses pessoais fossem mantidos no Congresso com base na clientela. A legislatura em oposição permanente, afirma Wirth, foi o que impediu, de Silviano a Bernardes, que os governadores pudessem 501 Coleção das Leis do Estado de Minas Gerais, 1914, p. 398. 502 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 176-177. 503 Compondo a “carneirada”, de que nos fala José Murilo de Carvalho. In: CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 63. 504 Termo utilizado para designar pessoas que exercem grande influência sobre outras, especialmente nos meios políticos. PISTOLÃO. In: DICIONÁRIO Caldas Aulete, op. cit. 146 reformar a base tributária do estado e substituir o imposto de exportação por “um imposto territorial mais racional e justo”.505 A categórica afirmação de que o debate na tribuna se tornou menos relevante e de que houve uma objeção contínua do Legislativo à reforma tributária interessa-nos sobremaneira e carece de maior investigação. No intervalo de tempo considerado, o imposto territorial foi alvo de algumas decisões. Em 1909, entrou em votação, com parecer final favorável da Comissão de Orçamento, o projeto nº61, do deputado S. Figueiredo, solicitando que a inscrição de terras e benfeitorias, para fins de pagamento do imposto territorial, fosse feita por “arbitramento do coletor” nos casos em que houvesse divergência dos valores declarados na última alienação.506 Em 1913, o Presidente Júlio Bueno Brandão, em Mensagem ao Congresso mineiro, afirmou que a expectativa em relação ao imposto territorial vinha falhando desde que foi criado, mas que naquele ano houve a maior coleta. A afirmação coincide temporalmente com a autorização que o Congresso mineiro deu ao contribuinte, dono de imóvel em mais de um município, de escolher o local que julgasse mais conveniente para pagar o imposto territorial,507 proposta esta que era proveniente da Secretaria de Finanças de Arthur Bernardes, no âmbito da já citada Lei nº533.508 O assunto voltou a ser pauta de relevo em 14 de setembro de 1914, quando S. Figueiredo pediu a palavra para falar que, nos moldes em que vinha se apresentando o imposto territorial, “burlava-se” o “intuito do legislador”, de fazer com que “fosse o sucedâneo natural do imposto de exportação”. Era hora de rever a taxa “de um imposto já aceito e já aclimado, de modo a poder o mesmo fornecer elementos certos e seguros à receita do Estado”. O deputado foi acusado de incoerência, por querer aumentar tanto o imposto territorial quanto o de exportação, como tentativa de solucionar a “melindrosa” situação financeira do Estado.509 O debate se prolongou, mas Nelson de Senna, presente na sessão, não se pronunciou, mesmo associando a “qualidade eugênica da população” à pequena propriedade.510 Qual a razão do silêncio, se o 505 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 176. 506 O projeto nº61 “modifica o nº09 do art. 12 do dec 1678, de 27 de fevereiro de 1904, relativo a inscrição de terras para o pagamento do Imposto Territorial”. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária.7ª sessão ordinária, aos 03 de julho de 1909, p. 70. 507 MINAS GERAIS. Lei nº617, de 18 de setembro de 1913 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício de 1914. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913, p. 39. 508 A Lei nº 533, de 24 de setembro de 1910, assinada por Arthur Bernardes, autorizava o governo a expedir regulamento para a cobrança do imposto territorial, facultando ao contribuinte proprietário de imóveis em vários municípios a pagar o imposto no de sua residência ou onde lhe aprouvesse. MINAS GERAIS. Lei nº 533, de 24 de setembro de 1910 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício de 1911. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1910. 509 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 6ª Legislatura. 34ª sessão ordinária, aos 14 de setembro de 1914, p. 398. 510 SILVA, Estudo Crítico: Nelson de Sena: Ideias e Ideais de um Republicano Conservador, op. cit. 147 tributo, conforme exposto acima, foi pensado como um instrumento de pressão para que os latifúndios se tornassem produtivos ou se desagregassem em pequenas unidades produtivas? Segundo dados do próprio Senna, as zonas menos desenvolvidas do estado, como o norte, possuíam propriedades enormes, sendo médias em regiões como a Zona da Mata e o Leste.511 Defender o imposto territorial no plenário contrariava os interesses dos coronéis da região que ele representava na Câmara; condenar o tributo, as suas convicções pessoais. A solução foi tangenciar a propriedade fundiária não pelo imposto, mas por um tema secundário. Em 23 de setembro do mesmo ano, Nelson de Senna apresentou um projeto de lei para amparo aos trabalhadores rurais despossuídos de terra no estado de Minas. Segundo ele, nas regiões dos vales do Guanhães, Santo Antônio, Correntes e Saussuí, os trabalhadores estavam migrando em massa para as “matas incultas do Rio Doce”. A situação piorava num crescente: viam-se cada vez mais enxotados para as áreas desertas, distantes dos centros agrícolas, tomadas pelo desconforto e a malária; sofriam, sobretudo, com a substituição do trabalho agrícola pelo trabalho pastoril, e as roças pelos campos de criar. Para o colono estrangeiro havia uma série de medidas de amparo – sementes, ferramentas, instrumentos agrícolas, gado, transporte pessoal gratuito, veículos, estradas vicinais, terras a prazo, adiantamento de dinheiro, socorro médico, entre outros; o mesmo não se via para o trabalhador nacional. O deputado propunha a concessão gratuita de um lote de 20 hectares (aproximadamente 05 alqueires de terra), medido e demarcado, nas áreas devolutas do Estado, ao cidadão brasileiro que comprovasse ser homem, trabalhador rural assalariado, com bons antecedentes e faixa etária entre 22 e 49 anos. O título de propriedade seria entregue depois que o concessionário estivesse cultivando e residindo no lote. A justificativa, explica Senna, estava num dogma da própria ciência econômica, na máxima de que as terras rendem mais nas mãos dos pequenos produtores do que dos latifundiários. Até este ponto, a proposta alinhava-se, com alguns ajustes, às ideias de colônias agrícolas e proteção ao trabalhador nacional de João Pinheiro. O problema vinha nos itens seguintes, que tocavam em aspectos delicados da questão fundiária: o Estado isentaria o concessionário dessas terras e os seus descendentes do imposto territorial e, com base no Regulamento do Decreto nº2680,512 de 03 de dezembro de 1909, a Secretaria da Agricultura arcaria com as despesas da medição do terreno.513 511 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 48. 512 De acordo com o Regulamento, o Poder Executivo estava autorizado a mandar medir pelo menos 100 lotes por ano, por conta da Secretaria de Agricultura. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1909, p. 597. 513 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 6ª Legislatura. 42ª sessão ordinária, aos 23 de setembro de 1914. 148 O projeto entrou em 2ª discussão somente em 05 de julho de 1915. O deputado Costa Cruz foi o primeiro a emitir um parecer, afirmando considerar delicada a questão do imposto territorial. Suas palavras são esclarecedoras da postura arraigada à tradição: Não encontra o Poder Legislativo um meio qualquer de diminuir os nossos impostos, nem mesmo o territorial, grandemente aumentado no ano passado. Se, portanto, a nossa situação é essa, nós nada temos a apresentar; e a generosidade que envolve o art.2º do projeto é uma generosidade de quem possui alguma coisa a mais do que o necessário para a sua subsistência. Abre-se mão do imposto territorial em benefício dos concessionários dos lotes de que trata o projeto; e a nós, que pagamos esse imposto desde o seu início, esse imposto que já deveria ter cessado por lei, a nós qual é o favor concedido? 514 O argumento formal da imprescindibilidade do imposto territorial se desfaz nas primeiras palavras de Costa Cruz. O “favor” não é força de expressão. O bem comum republicano é solapado pela política de representação de interesses. Nas entrelinhas, o organismo estatal é chamado, para utilizar a expressão de Thorstein Veblen, à sua função “vicária”: proteger as classes proprietárias.515 Sob o mesmo pretexto de que os cofres públicos teriam dificuldade em arcar com o art.5 (que estabelecia a demarcação anual de pelo menos 100 lotes de terra), o deputado Alberto Alvares pediu que o projeto fosse remetido à Comissão de Finanças para revisão, ao que contestava Senna, para quem se alguma pasta deveria se ocupar do tema, esta era a da Secretaria de Agricultura. Em sua defesa, saiu o deputado Ignácio Murta, afirmando desconhecer um caso na Câmara em que um projeto tenha voltado para a mesma Comissão que o elaborou para ser revisto. A Casa negou o envio para a Comissão de Finanças, mas a votação foi adiada, até onde nos foi possível apurar, sem retornar à pauta do Legislativo com a formatação original.516 Como afirma Wirth, às vezes, “os deputados votavam contra a legislação que seus constituintes não queriam”, como no caso do imposto territorial.517 Entretanto, a ideia de que os canais de pistolão do PRM dirigiam a legislação antes de entrar para o debate precisa ser relativizada, sob pena de passar a errônea impressão de que temas mais polêmicos eram fatalmente vetados. Atribuir uma tácita barreira a partir do Executivo é desconsiderar que havia no Legislativo uma autonomia relativa, uma margem de manobra. De uma parte, temos que a presença de Arthur Bernardes e Raul Soares nas Secretaria de Finanças e Agricultura, bem 514MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 7ª Legislatura. 11ª sessão ordinária, aos 12 de julho de 1915, p. 143-150. 515 VEBLEN, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa. São Paulo: Abril Cultural, 1983. 516MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 7ª Legislatura. 11ª sessão ordinária, aos 12 de julho de 1915, p. 143-150. 517 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 176. 149 como os primeiros sinais de enfraquecimento da Tarasca, indicam o porquê da intensificação dos debates sobre o imposto territorial entre 1910 e 1915. De outra, tanto os debates sobre este tributo quanto sobre a concessão de pequenas propriedades mostram assuntos controversos que foram tolhidos pelo Legislativo, a despeito da vontade do Executivo e dos “presidentes dos comitês”. Isto porque a dinâmica entre os dois poderes da República mineira não se dava apenas pela via da subjugação. Havia articulações, pressões, barganhas, conchavos, muitas vezes tomados pela ótica simplista de um Executivo extremamente fortalecido e credor verticalizado dos favores devidos pelos apadrinhados e clientes políticos. Por que Nelson de Senna foi contra o envio do seu projeto para a Comissão de Finanças e defendeu que a revisão fosse feita na pasta da Agricultura? Evidentemente, remeter o projeto à análise de Raul Soares aumentava as chances de burlar o conservadorismo da Câmara e aprovar a proposta. À frente da Secretaria de Agricultura, seu companheiro desde os tempos de juventude estava alinhado aos propósitos de fazer o peso do imposto territorial recair sobre as grandes propriedades. Uma das primeiras iniciativas de Soares na Secretaria foi a reorganização do Serviço de Terras Públicas, que deveria dividir o território mineiro em até quatro distritos de terras e colonização, dotando cada um deles de um engenheiro, dois agrimensores e um escriturário. O Estado ficaria responsável pelos custos com os agrimensores, e, nos pontos que julgasse conveniente, estabeleceria reservas florestais. A Secretaria da Agricultura, por seu turno, teria à disposição as terras públicas, recolhendo, em guias, os preços destinados aos cofres públicos.518 b) Desapropriação por utilidade pública O necessário complemento à definição de terras privadas e públicas era uma legislação que versasse sobre os usos desta última, motivo pelo qual, em 1916, o presidente Delfim Moreira aprovou o Regulamento de Terras Públicas, assinado por Raul Soares.519 Astutamente, o secretário da Agricultura aproveitou que a Comissão de Orçamento, da qual Senna era membro, autorizou o governo a organizar o Serviço de Terras Públicas,520 para elaborar uma regulamentação que contornasse o conservadorismo da Câmara em relação à pequena 518 MINAS GERAIS. Lei nº654, de 11 de setembro de 1915 – Reorganiza os serviços de terras públicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1915. 519 MINAS GERAIS. Decreto nº4.496, de 08 de janeiro de 1916 – Aprova o Regulamento de Terras Públicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1916. 520 Emenda nº 92 do Projeto nº 14, sobre o Orçamento, debatida na 44ª Sessão Extraordinária, de 24 de agosto de 1915. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 7ª Legislatura, 1915, p. 470. 150 propriedade e à demarcação de terras – medida necessária para a implantação do imposto territorial, da qual Soares era defensor.521 Pelo texto, foram consideradas terras devolutas as de domínio particular ausentes de título legítimo; as que não estavam aplicadas em uso público federal, estadual ou municipal; as ocupadas por posseiros ou concessionários inadimplentes. Após medidas e demarcadas, por profissionais nomeados e custeados pelo governo, as terras devolutas seriam “reservadas para fim de utilidade pública ou divididas em lotes para serem alienadas ou aforadas de acordo com este regulamento”, conservando-se as necessárias para fundação de povoações, núcleos coloniais, abertura de estradas, e demais usos públicos; e as matas que ocupassem o terço superior das montanhas e terras, necessárias para a formação de uma reserva florestal do Estado. Para o serviço de medição e demarcação das terras, foram estabelecidos quatro distritos, com sede em Rio Casca, Figueira, Teófilo Otoni e Uberaba. Ao aviso de medição, feito pelo engenheiro com 15 dias de antecedência, os proprietários deveriam apresentar as provas de seu domínio e posse, não cabendo, em “nenhuma hipótese”, impedir que a medição fosse realizada. No regulamento estava prevista a elaboração de uma “planta minuciosa do território”, que deveria indicar “tudo que conviesse para esclarecimentos futuros”.522 O esforço no sentido de (re)conhecer o território explica-se como fator primordial tanto para o estabelecimento do sistema tarifário quanto para a oficialização de títulos de propriedade. Não sem razão, desde 1913 Nelson de Senna entendia como “inadiável” o restabelecimento da Comissão Geográfica de Limites”.523 Idealizada no início da República para atender a pressão fiscal proveniente do sistema federalista, que obrigava os estados ao aumento e diversificação das rendas, a Comissão “representava a esperança da elite no ressurgimento industrial”.524 Acreditamos que foi a tentativa de combinar essa demanda com a de sistematizar e complementar os dados levantados pelo Regulamento de Terras, que levou Raul Soares a criar o Sistema de Estatística, em 1916. Para Soares, A falta de uma estatística e, consequentemente, a impossibilidade absoluta de poder a administração conhecer, com relativa certeza, o coeficiente dos seus fatores econômicos privam os governos mais bem-intencionados de atender às necessidades, muitas vezes urgentes.525 521 VISCARDI, Estudo Crítico: Raul Soares, op. cit., p. 35-53. 522 MINAS GERAIS. Decreto nº4.496, de 08 de janeiro de 1916, op. cit. 523 SENNA, Nelson de. O Orçamento e o Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. In: Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 147-160. 524 FISCHER, Minério de Ferro, Geologia Econômica..., op. cit. 525 SOARES, Relatório da Secretaria de Agricultura de 1917, op. cit., p. 181-183. 151 Sob a superintendência da Diretoria da Indústria e Comércio, cabia ao serviço fazer a coleta de dados por meio de todos os funcionários públicos das estâncias federal, estadual e municipal; presidentes de Câmaras e prefeitos municipais; estradas de ferro, cooperativas agrícolas ou qualquer empresa que tenha contrato com a União, Estado ou município; industriais, agricultores, comerciantes e criadores; funcionários da Secretaria da Agricultura e agentes de estatística que a Secretaria designasse. O mapeamento do território deveria, ainda, determinar a área a ser dividia em lotes agrícolas. Comparativamente, as propostas do Regulamento de Terras Públicas de Raul Soares eram ainda mais amplas do que o projeto de Nelson de Senna. Além da venda em hasta pública e a prazo, o regulamento previa a concessão gratuita de lotes de 25 a 500 hectares para a cultura, e lotes pastoris de 50 hectares, não cumulativos, para os “cidadãos brasileiros chefes de família”, que provassem “ser homens de trabalho”, e desde que o concessionário se obrigasse a cultivar o lote ou utilizá-lo para a indústria pastoril. 526 O que em si já seria motivo de desconforto no Legislativo, vinha com o adendo de que o registro definitivo da propriedade de terras ficaria condicionado ao Registo Torrens.527 O sistema, criado no século XIX, substituía o ato declaratório da posse de terra, como ocorria no Registro Paroquial (obrigatório desde a Lei de Terras de 1850), pela matrícula do imóvel. Cabe lembrar que à época em que foi votada a Lei de Terras, Câmara e Senado federais foram palco de lutas ferozes sobre o que deveria ser resguardado, se o direito dos posseiros sobre as terras ocupadas ou a diferenciação entre cultivadores e “meros invasores de terrenos alheios”.528 Na teoria, ao proibir a duplicidade de matrículas, o Registro Torrens dificultava os apossamentos e a incorporação fundiária desordenados; na prática, recolocava o debate sobre o que prevalecia, se a lei ou o costume. Entender este impasse como indicador dos limites que o projeto desenvolvimentista mineiro enfrentou no ambiente rural e no urbano, coloca-nos em confronto com a interpretação de John Wirth de atrelar a ineficácia da implantação do imposto territorial em Minas às particularidades da Comissão Executiva do PRM.529 Um contraponto maior talvez seja necessário para testarmos as duas hipóteses. O autor ensaia uma comparação com São Paulo e Rio Grande do Sul, mas limita-se a dizer que o último converteu o tributo em principal fonte 526 Decreto nº5.521, de 12 de fevereiro de 1916, do Presidente Delfim Moreira, aprovou as instruções para o Serviço de Estatística, assinado por Raul Soares (Secretário de Agricultura). MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1916. 527 MINAS GERAIS. Decreto nº4.496, de 08 de janeiro de 1916, op. cit. 528 MOTTA, Márcia Maria Menendes. Nas Fronteiras do Poder: conflito e direito à terra no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: APERJ/Vício de Leitura, 1998, p. 143-145. 529 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 176. 152 de receita, enquanto os governos paulista e mineiro foram incapazes de vencer as resistências. Tendo em vista que o período sobre o qual discorremos é o de articulação dos grandes proprietários em torno do Convênio de Taubaté, acordo que, ao fim e ao cabo, era um esforço de manutenção do status quo, parece-nos elucidativo trazer para o debate os pontos de convergência e divergência de Minas com os outros dois estados signatários na implantação do imposto territorial. Em seu estudo sobre Estado e capital cafeeiro em São Paulo, Renato Monseff Perissinotto afirma que a introdução do imposto territorial, em substituição ao de exportação, foi uma luta de “membros do capital cafeeiro”, como Cincinato Braga e Antônio de Queiroz Telles, reunidos em associações com o interesse comum de que a reforma tributária os livrasse da “extorsão” do fisco. O tributo, afirma ele, era visto pelos cafeicultores paulistas como “extremamente vantajoso” tanto para o setor, por extinguir a taxação indireta sobre a produção cafeeira, quanto para o Tesouro estadual, por incentivar a produção. A pergunta que Perissinotto coloca é, se era tão vantajoso para o erário estadual, porque não foi “seriamente implantado” pelo governo paulista? A resposta, explica o autor, está em que o imposto territorial impunha a definição de terras privadas e devolutas, o que esbarrava na ausência de um aparato administrativo para delimitá-las e na incerteza sobre se os cafeicultores burlariam ou não a demarcação de terras, prática corrente desde a Lei de 1850. No caso paulista, portanto, era a “burocracia estatal” que não queria trocar o certo (imposto de exportação) pelo duvidoso (imposto territorial).530 O exemplo do Rio de Janeiro assemelha-se mais ao de Minas Gerais. Em fases distintas, com a cafeicultura do Vale do Paraíba e a mineração, respectivamente, ambos viveram uma “idade do ouro”. A fluminense teria declinado com a Abolição e a República. Como já mencionado no capítulo 3, para enfrentar a crise decorrente destes dois eventos, entre 1900 e 1918 foram realizadas tentativas de diversificação da economia e de racionalização da base tributária do estado, especialmente durante as presidências de Alberto Torres e Nilo Peçanha. Apesar da falta de unidade política em torno do grupo que defendia as propostas modernizadoras, havia um “pressuposto comumente aceito” para a recuperação econômica do estado, que era o de focar na sua “vocação agrícola”. O dilema estava “em relação a como, quando e em que medida deveriam ser implementadas propostas reformistas”. Para Marieta de Moraes Ferreira está claro que o programa de reformas enfrentou a “força da tradição” e aqui ela explora um terceiro caminho, distinto dos propostos por Wirth para Minas e por Perissinotto 530 PERISSINOTTO, Estado e Capital cafeeiro em São Paulo... op. cit. 153 para São Paulo. A autora identifica que o núcleo reformista fluminense, composto por 35 representantes do Executivo e Legislativo federal e estadual, tinha alto nível de formação e mentalidade cosmopolita. Todavia, não estava em consonância nem com a elite política nem com os proprietários de terra, o que a leva a questionar a ideia de que o governo sempre esteve submisso às pressões da cafeicultura. A falta de uma integração entre elite política e econômica, segundo a autora, explicaria a ausência de um “consenso político” e a relutância ao programa de reformas. 531 Para analisar “as formas e os mecanismos de resistência de setores da elite política e da classe dos proprietários rurais”, Ferreira, inspirada por Arno Mayer, direcionou a argumentação para dois aspectos: 1) “a cultura e a mentalidade”, focada na plantation, que via o mercado interno como algo menor, e considerava o imposto um atentado à propriedade privada; e 2) “os condicionamentos da conjuntura nacional”, segundo a qual o café era o principal produto do país. A principal conclusão a que a autora chega é de que a ideia de um passado de opulência impedia a elite agrária fluminense de alterar os elementos que ainda estavam ligados a esse “imaginário”. Um traço importante para o qual chama a atenção é que a aversão à mudança não era fruto do atraso, mas de uma concepção de mundo apegada a um tempo anterior, um “tempo de antes”, como Ferreira denomina, que tinha no café, açúcar, grande propriedade de terras e escravos os seus componentes básicos. Desde o início da ocupação fluminense, a posse da terra foi sinônimo de ascensão social, daí “o papel fundamental da propriedade territorial”, conjugando enriquecimento, status e poder. Trata-se de uma lógica onde a acumulação mercantil em fazendas escravistas é fator distintivo de status e poder, o que dividia grandes proprietários (uma “aristocracia territorial”, enobrecida pela grande propriedade) e burgueses, e transformava a terra em “propriedade intocável”. Segundo a autora, o imposto territorial “significava não apenas um problema econômico que envolvia a taxação da terra, mas, para além dele, uma ameaça a todo um universo de valores edificado pelo tempo”.532 O cotejamento das análises de Perissinotto e Ferreira com nosso corpus documental abre uma nova perspectiva sobre como pensar o caso de Minas Gerais. O fato de que outros estados cafeicultores, estratégicos no jogo oligárquico da Primeira República, enfrentaram embaraços aos seus planos de modernização da produção desautoriza a pensá-los como meras particularidades partidárias – ainda que estas também sejam relevantes. É provável que, ironicamente, Wirth tenha cedido ao regionalismo que tanto condena no comportamento mineiro, razão pela qual devemos pensar as resistências como parte de um complexo maior, de 531 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro... op. cit., p. 57. 532 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro... op. cit., p. 79-84. 154 construção do Estado nacional e racionalização da vida política, econômica e social republicana. É precisamente o “universo de valores edificados pelo tempo” – não restrito ao Rio de Janeiro, e em muitos aspectos resultante da nossa própria formação colonial – que pode nos indicar os limites impostos ao projeto pinheirista. Cremos que a “força da tradição” no encalço do desenvolvimentismo mineiro não está na aristocracia rural propriamente dita, como nos exemplos apontados por Arno Mayer. Está no regionalismo, na multiplicidade de interesses, dentro do próprio território mineiro, que dificultava a organização de uma política estadual de mineração, de águas e florestal com vistas à modernização industrial, ao desenvolvimentismo mineiro. Não eram apenas interesses rurais. Os estudos de John Wirth, David Fleischer e Martins Filho foram primorosos em destacar que os membros recrutados pela Comissão Executiva do PRM eram de alto nível educacional e ligados ao universo da urbe, sobretudo após a construção de Belo Horizonte.533 O habitus da classe ociosa estava tanto no ambiente rural, de onde, afinal, provinham os burocratas estatais, quanto na cidade. Como nos lembra Helena Bomeny, Minas tinha a particularidade de “combinar urbanidade como valor a práticas e procedimentos tradicionais, próprios do mundo rural e/ou de relações servis de trabalho”.534 O conteúdo do regionalismo é que variava, conforme o lugar de fala, mas sempre com o rural e o urbano fundidos no arcabouço de “valores tradicionais”.535 A análise dos limites do direito de propriedade e do direito de exploração nos permite validar a afirmação para o Congresso mineiro. c) Desmatamento e siderurgia As discussões sobre a implantação da indústria siderúrgica em Minas Gerais reacenderam o debate sobre o direito de desapropriação por utilidade pública. O I CACI já havia indicado a medida como urgente, preocupação compartilhada por João Pinheiro, para quem as muitas terras concentradas nas mãos de proprietários que não tinham condições de explorá-las eram um importante obstáculo a ser superado. Nelson de Senna pronunciou-se favorável à desapropriação por utilidade pública em diversas sessões de 1907, como vimos no capítulo anterior. Em 1911, tendo em vista o interesse do governo federal em explorar a mineração de 533 Ver FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit.; WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit.; MARTINS FILHO, O segredo de Minas..., op. cit. 534 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 63. 535 Como nos lembra José Murilo de Carvalho, no mundo urbano também houve uma série de movimentos de “reafirmação dos valores tradicionais”, como a revolta da Armada (1893), revolta federalista do Rio Grande do Sul, Revolta da Vacina, Ver: CARVALHO, Brasil 1870-1914: a força da tradição, op. cit., p. 117. 155 ferro em Minas Gerais pós-Congresso de Estocolmo, novos ingredientes foram acrescentados ao debate. A fim de estabelecer os contornos da instalação da Usina Siderúrgica em território mineiro, prevista pelo decreto federal nº8579, de 23 de fevereiro de 1911, a Comissão de Orçamento propôs um projeto de lei que concedia a Carlos Wigg e Trajano Medeiros uma série de favores: isenção de imposto de exportação, cessão de terras devolutas, direito de desapropriação de terras para as minas, concessão gratuita de terrenos; e desapropriação das jazidas necessárias para a instalação de uma seção da usina em Belo Horizonte.536 O ponto colocado em questão na Câmara, foi: afinal, a quem cabia legislar sobre a desapropriação, Estado ou União? A desapropriação das terras indispensáveis à exploração da indústria mineradora nada mais era do que cumprir o decreto federal de nº 5646, de 22 de agosto de 1905.537 A União, dizia ele, não podia ter direito de desapropriação de um patrimônio que foi entregue ao Estado pelo art. 64 da Constituição de 1891.538 A sugestão de Nelson de Senna, acatada pela Câmara, foi solicitar que o Congresso Federal decretasse uma “lei liberal e segura”, regulamentando o art. 72 da Constituição,539 que garantisse ao estado mineiro o direito de propriedade e exploração das minas.540 Ao defender que o estado de Minas tivesse o direito sobre a desapropriação e usufruto da propriedade, Senna buscava garantir que interesses regionais fossem preservados, e assumia um posicionamento muito diferente do que tinha adotado até então. Em 1907 o que defendeu foi justo o contrário: “entendo que não compete ao Estado e sim à União Federal legislar sobre a desapropriação por utilidade pública em matéria de direito de propriedade do solo e das minas, 536 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 19 de julho de 1911, p. 113. 537 “Art. 1º Fica o Governo autorizado a conceder isenção de direitos aduaneiros, direito de desapropriação de terrenos e benfeitorias e os demais favores compreendidos no art. 23 da lei n. 1.145 de 31 de dezembro de 1904, as empresas de eletricidade gerada por força hidráulica, que se constituírem para fins de utilidade ou conveniência publica”. BRASIL. Decreto nº 5.646, de 22 de agosto de 1905 – Regula a concessão de favores às empresas de eletricidade gerada por força hidráulica, que se constituírem para fins de utilidade ou conveniência pública. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1905, op. cit. 538 “Art 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais”. BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: decretada e promulgada em 24 de fevereiro de 1891, op. cit. 539 Senna referia-se especificamente ao § 17, segundo o qual, “O direito de propriedade mantém-se em toda a sua plenitude, salva a desapropriação por necessidade, ou utilidade pública, mediante indemnização prévia. As minas pertencem aos proprietários do solo, salvas as limitações que forem estabelecidas por lei a bem da exploração deste ramo de indústria”. BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: decretada e promulgada em 24 de fevereiro de 1891, op. cit. 540 “afim [sic.] de, cada vez mais afluírem ao Brasil os capitais estrangeiros, com a segurança de que têm no país leis que garantem a propriedade, que não os deixam, como é comum, ao sabor das demandas cotidianamente levantadas no interior pelos ambiciosos e aventureiros, que disputam, como uma presa cobiçada, o capital de origem estrangeira, quando este, ignorante das incertezas do nosso direito, vem trazer a colaboração inteligente de sua indústria para nós e naufraga no desânimo, quase sempre...”. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 43ª sessão ordinária, aos 11 de agosto de 1911, p. 317. 156 em geral”.541 A partir de 1911, veremos a preocupação, sintetizada em palavras em 1920, de preservar o “Pacto Fundamental” de 1891, que colocava “o princípio da organização municipal como base mater da organização federal no Brasil”.542 O que explica a mudança de posição de um polo a outro, em um espaço tão curto de tempo? O discurso de Nelson de Senna reporta-nos ao conflito entre perspectivas regionalistas e federalismo, e às formas que assumiram na Constituinte de 1891. Desde o Manifesto de 1870, a maioria dos republicanistas era adepta do ideal de federação, escolhido para dar vazão aos interesses regionais que o centralismo imperial buscou sufocar. Segundo José Murilo de Carvalho, o entendimento do que isso significava, na prática, era confuso. Falava-se em descentralização, federação, confederação, autonomia, soberania, independência, criação de repúblicas estaduais autônomas e livres, com marinhas de guerra e moedas próprias. Rui Barbosa e Serzedelo Correia foram alguns dos nomes que cuidaram para que o federalismo radical fosse evitado e não comprometesse a unidade nacional. O caminho tomado foi o da adequação do federalismo americano às nossas estruturas republicanas.543 Fortalecia-se o Executivo para refrear as dissenções regionais, empecilhos à unidade da nação. Para Elisa Reis, o paradoxo das elites agrárias no Brasil está em que, receosas da perda da dominação oligárquico-rural, defenderam um federalismo que contribuiu para a centralização do poder na figura do Estado, e com o fortalecimento do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário. O resultado foi “a consolidação de um Estado forte, que patrocinou a coalizão de poder intersetorial e manteve sob controle os interesses populares que poderiam ameaçar a aliança das elites”.544 Em âmbito estadual, o Estado era chamado a intervir em defesa da região e a equacionar estes interesses com os de outras regiões.545 Era esta a máxima da Política dos Governadores, colocada em prática por Campos Salles. Caso a União legislasse sobre um patrimônio que era estadual, feria-se o princípio chave deste pacto. 541 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 15ª sessão ordinária, aos 05 de julho de 1907, p. 84-85. 542MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 10 de agosto de 1920, p. 348. 543 CARVALHO, José Murilo. República, Democracia e Federalismo: Brasil, 1870-1891. Varia Historia, vol. 27, n. 45, 2011, p. 141-157. 544 REIS, Elites Agrárias, State-Building e Autoritarismo, op. cit., p. 346. 545 Utilizamos o conceito de região conforme proposto por John Wirth, isto é, como “1. parte de uma unidade maior e independente com outras regiões que constituem, com ela, a unidade maior; 2. coisa localizada geograficamente, dimensionada, e politicamente definida; 3. unidade composta de subunidades (sub-regiões) contíguas; 4. capaz de gerar fidelidades, devoção, apego nos seus habitantes, embora variáveis no tempo, em importância e intensidade; 5. capaz de inspirar também uma lealdade subordinada à unidade maior, a União (pelo menos nominalmente) entre os diversos setores politicamente eficazes da população regional”. WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 31. 157 Por outro lado, não nos parece ocasional que as datas do novo posicionamento, 1911 e 1920, coincidam com momentos importantes de debate sobre o caso Itabira-Iron e a nacionalização da siderurgia, e que estejam neste intervalo de tempo. Em 1907 este argumento não tinha a mesma força e importância que adquiriu a partir dos preparativos para o Congresso de Estocolmo, e, sobretudo, após o conflito mundial, quando as paixões nacionalistas foram despertadas, levando muitos membros da classe dominante a concluir pela intervenção do Estado na economia.546 O período coincide, ainda, com a publicação de O Problema Nacional Brasileiro (1914), no qual Alberto Torres denunciou o fato de que, à mercê de estrangeiros – capital, mão-de-obra e comércio – agarrávamos um “recurso protelatório, explorado por intermediários que vivem nas capitais”, e cometíamos o crime de “renúncia nacional”.547 Um dispositivo específico do projeto que concedia favores a Wigg e Trajano preocupava Nelson de Senna. Eram 50 anos de “concessão gratuita de terrenos necessários ao plantio de eucaliptos para carvão e de quedas de água para força motora”. Dito de outra maneira, por meio século uma única empresa teria o direito de uso exclusivo dos principais combustíveis necessários à implantação da siderurgia em Minas Gerais. Para Senna, o favor tinha “quase a feição odiosa de um monopólio”, e a solução para banir esse aspecto seria a ampliação dos benefícios mediante a comprovação dos capitais e técnicas necessárias.548 A questão sinalizada aqui está na raiz do conteúdo nacionalista que a política mineralógica tomou a partir de 1918, com o governo de Arthur Bernardes. Muito embora tenha passado à historiografia como um nacionalismo ortodoxo, Bernardes, assim como Senna, não era contrário ao capital estrangeiro. O que advogavam era a necessidade de prevenir que este se tornasse soberano nas decisões acerca da exploração dos recursos naturais mineiros, futuros bens de capital. Raul Soares, igualmente, ao ver o rumo que as medidas de concessão para a siderurgia tomavam nos debates da Câmara, apressou-se em propor um Projeto de Lei, já previsto pelo I CACI, sobre o aproveitamento das quedas d’água existentes no Estado de Minas Gerais. Aprovado em 3ª discussão na 48ª sessão extraordinária da Câmara Legislativa, em 18 de agosto de 1911, o projeto teve como relator justamente o companheiro de Soares nos tempos ouro- pretanos. Na declaração de voto, Nelson de Senna reafirmou a necessidade do Poder Público voltar os olhos para o potencial hidráulico dos inúmeros saltos, cachoeiras, rios e cursos d’água, 546 TOPIK, A Presença do Estado na Economia. ... op. cit., p. 57. 547 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit. 548 3ª discussão do Projeto nº15. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 51ª sessão ordinária, aos 22 de agosto de 1911. 158 públicos e particulares.549 O projeto pinheirista demandava a regulamentação do aproveitamento da força hidráulica; a forma como a água deveria ser represada e convertida em cavalo-vapor para movimentar máquinas nas ferrovias, usinas, fábricas, minas e galerias subterrâneas, além da navegação marítima e fluvial. São Paulo, afirmava Senna, já tinha consciência de sua potência hidráulica; Minas, ao contrário, não possuía os dados exatos. A administração pública mineira, por meio da Secretaria de Estado da Agricultura, tinha como “serviço inadiável” cadastrar oficialmente a força hidráulica passível de utilização industrial no território mineiro. O debate em torno da proposta de Raul Soares foi o que serviu de incentivo para Nelson de Senna organizar e publicar A Hulha Branca em Minas Gerais,550 a fim de embasar o argumento de que Minas era uma região de grande potencialidade hídrica.551 A série de mapeamentos das terras, águas, minérios e demais recursos passíveis de comercialização não era apenas necessidade econômica. Está na gênese do lema do projeto republicano: ordenar para progredir! Este era o lema, e a “rápida eliminação da vegetação não lucrativa a marca definidora de ambos os termos”. Pela Constituição de 1891, todas as terras públicas do governo central foram repassadas aos estados. Os tributos, como o imposto territorial, que tinham como objetivo tornar a terra mais produtiva, geraram efeitos colaterais: intensificaram a falsificação de títulos de propriedade e a queima deliberada de florestas para simular produtividade. Para Warren Dean, a contenda entre agentes públicos e privados não era sobre terra ou propriedade, mas sobre o “prêmio” que se podia retirar delas, e a posição do Estado para barrar o processo foi antes a de abdicar, complacentemente, de sua “obrigação de estabelecer o direito de propriedade”, e agir “debilmente” em sua defesa.552 Com esta afirmação, podemos ligar os “pontos de impasse” do imposto territorial e do imposto sobre exportação de minério e madeira, e problematizar: a condescendência se aplica à postura do Estado mineiro? A primeira precaução a tomar na busca de uma resposta é entender 549 “Para a indústria siderúrgica, para o transporte ferroviário, para as manufaturas, em geral, para as instalações hidroelétricas, gerando força e luz para as nossas localidades e estabelecimentos industriais, é incontestável que o seu grande futuro e assombroso surto, estão na utilização das Hulha branca, já que a natureza, conosco tão pródiga em outras riquezas do solo e subsolo, nos foi tão avara, não nos concedendo as hulheiras negras, o carvão de pedra – pão da indústria (...)”. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 48ª sessão ordinária, aos 18 de agosto de 1911, p. 330. 550 Em um debate na Câmara, em 1921, Nelson de Senna confessou ter sido essa a sua intenção: “Publiquei um trabalho sobre a hulha branca em Minas, colaborando, assim, no projeto do nosso então ilustre colega, sr. Raul Soares”. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 8ª Legislatura. 25ª sessão ordinária, aos 03 de setembro de 1921, p. 356. 551 No momento de sua publicação, Raul Soares já havia assumido a Secretaria de Agricultura. Segundo consta das Palavras Preliminares, a obra é um levantamento sinóptico realizado pelo autor a partir das contribuições das municipalidades, Corpo de Engenheiros do Estado, Secretaria de Agricultura e de alguns cidadãos. Não há nela análises de autoria de Senna, mas antes uma compilação de artigos e dados retirados de outros autores. SENNA, Nelson Coelho de. A Hulha Branca de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1914. 552 DEAN, A Ferro e Fogo... op. cit., p. 230. 159 que o “Estado” não é um corpo homogêneo. Além da divisão dos poderes, há múltiplos interesses “entre” e no “interior” de cada um deles. Isto é importante para afrouxarmos as amarras de uma vertente patrimonialista que vê o Estado como “representante de si mesmo”. A exemplo de Marieta de Moraes Ferreira, consideramos imprescindível pensar o Estado na Primeira República como um espaço amplo e complexo, onde atuam diferentes grupos oligárquicos. Por esta via, valoriza-se o “nível de autonomia para a esfera da ação política”,553 e recoloca-se a questão em termos mais pontuais: qual o grau de interesse que a questão da propriedade e do desmatamento despertou nas diversas esferas do organismo estatal? Nas linhas acima demonstramos o acirramento dos ânimos nas discussões do Legislativo e as diversas medidas tomadas pelas Secretarias de Finanças e Agricultura, mas e no topo das esferas decisórios do Executivo mineiro, a observação de Warren Dean também se sustenta? Se comparada à Câmara e às Secretarias, a ênfase presidencial sobre o imposto territorial foi notavelmente reduzida. O tributo só adquiriu algum relevo nas Mensagens de Júlio Bueno Brandão, nas quais registrava um tímido, mas crescente aumento na arrecadação. O tom final, porém, era de desalento: “dele não pode esperar muito o nosso orçamento, enquanto não se adotar como base para o lançamento a unidade de superfície ou esta temperada pelo valor do imóvel”.554 Diagnóstico que coincidia com a queda que o governo seguinte assinalou na arrecadação e que, para Delfim Moreira, era resultado da baixa dos preços acarretada pela guerra na Europa.555 Não há indicações de medidas concretas para solucionar o problema, que parece mesmo ter ficado à cargo das pastas das Finanças e Agricultura. Sobre a devastação das matas, a postura da Presidência de Minas acompanhou a letargia que observamos na questão do minério de ferro pós-Congresso de Estocolmo. Um lapso temporal de quase uma década separa o início dos debates mais intensos do Legislativo (1909) da primeira abordagem efetiva do problema do desmatamento em relação à siderurgia nas Mensagens Presidenciais (1918). Não por coincidência, ela aparece na fala daquele que, dentre os três sucessores de João Pinheiro no período estudado, era o mais entusiasmado com a siderurgia. Delfim Moreira considerava o minério de ferro a “principal riqueza mineral do Estado”. Em 1917, a preocupação ainda era a necessidade de “abrir as portas à exploração do minério de ferro, quer seja pela sua exportação em grande escala, quer seja também pela instalação de usinas, no país”. Na sua opinião, “um dos problemas não pode excluir o outro; 553 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro, op. cit., p. 143-144. 554 MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1914, p. 112. 555 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1915, p. 162. 160 antes, a solução de um, pode vir como consequência da do outro”.556 Algo que já era pauta na Câmara desde 1911! Em 1918, o foco mudou: o impasse do combustível para as usinas siderúrgicas parecia incontornável. Das três soluções disponíveis para o problema siderúrgico brasileiro – altos fornos a carvão de madeira, coque e eletrossiderurgia – a primeira era naturalmente a que dispúnhamos com “mais facilidade”. No entanto, dizia Delfim Moreira, a “devastação das matas, sem a necessária replantação, levada a efeito apenas para a obtenção de lucros imediatos” mergulhou o estado num dos mais sérios e urgentes problemas a resolver, o do combustível vegetal. A demanda de lenha para as ferrovias agravava o problema, sendo necessárias “medidas urgentes por parte do governo, tendentes, não, como querem alguns, a impedir o aproveitamento das nossas florestas; o que seria absurdo, mas sim a tornar a sua replantação obrigatória”. A escassez de madeira, segundo ele, em breve promoveria o deslocamento da siderurgia do Vale do Rio das Velhas para o Vale do Rio Doce, que além de “importantes” jazidas de ferro tinha “poderosas” quedas d’água.557 As palavras de Delfim Moreira induzem a pensar que os debates sobre o “problema siderúrgico nacional” estiveram em suspenso por conta da 1ª Guerra Mundial. De acordo com ele, tão logo o conflito europeu e o retraimento de capital que impedia a “organização de qualquer exploração” fossem resolvidos, seriam retomadas as discussões sobre os problemas da siderurgia, da exportação do minério de ferro, da organização das usinas no país e do combustível necessário”.558 Esta seria uma explicação possível para o assunto não ter ocupado um grande espaço nas Mensagens Presidenciais de 1914 a 1918, mas injustificável para o período anterior, nos governos de Wenceslau Braz e Júlio Bueno Brandão. As definições da “complacência” de que nos fala Dean podem ser, então, atualizadas para o caso mineiro. O adendo necessário é de que a omissão era de uma parte do Executivo, e não do Estado como um todo. Ao não se posicionar claramente sobre quem detinha a prerrogativa de exploração dos recursos da natureza, se era público ou privado, nacional ou estrangeiro, o Estado era permissivo com uma nova “burguesia impetuosa”, interessada, sobretudo, na “biomassa viva das árvores”.559 Nelson de Senna concebia o dado como um mal menor diante dos benefícios que poderiam ser auferidos, e com a condição de que os lucros fossem revertidos em prol de 556 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1917, p. 88. 557 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1918, p. 96-97. 558 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1917, p. 88. 559 DEAN, A Ferro e Fogo... op. cit., p. 230. 161 Minas Gerais. O momento era de ressurgimento econômico mineiro, em que empresas nacionais e estrangeiras viam-se atraídas pelas concessões de privilégios aprovadas pela Câmara para estradas de ferro industriais movidas por tração elétrica, e pelas municipalidades para as instalações hidroelétrica de força e luz.560 Cumpria “aproveitar” a oportunidade histórica! Nem com um século de exploração, defende Senna, as usinas já instaladas dentro do estado seriam capazes de esgotar “a pujança das nossas jazidas”, logo, não havia justificativa para limitar os privilégios a apenas uma empresa561 ou fazer economias para um futuro que seria desbaratado antes mesmo de despontar pela ausência de capitais. Se a divina providência dotou Minas Gerais de uma riqueza natural e extrativa privilegiada, seu futuro seria inexoravelmente próspero, bastava que o homem soubesse tirá-las da dormência.562 Essa visão vinha acompanhada da ideia de necessidade de exploração intensiva e racional da natureza, não raras vezes vista como inesgotável. No debate sobre se a redução do imposto de exportação acarretaria ou não a corrida desenfreada por madeiras, o posicionamento de Nelson de Senna ficou mais claro. Para ele, a exploração das essências florestais pela indústria era uma necessidade. Sua opinião era contrária à dos que defendiam a “conservação fetichista das matas com o perigo que pode haver do empobrecimento do regime geral das águas”.563 Explorar de maneira metódica e racional as espécies vegetais dos vales do Rio Doce, Mucuri, Baixo Jequitinhonha, e Triângulo Mineiro se impunha como imprescindível para rasgar “as clareiras onde a civilização estabeleça núcleos de habitação para o homem moderno”. Reduzir a taxa de exportação era fundamental para incremento do comércio de madeira, há muito feito na região norte mineira. A redução tarifária, “intenção genial que esse grande espírito que foi João Pinheiro, traduziu no seu manifesto aos mineiros, em 1906”, segundo Nelson de Senna abria novos horizontes para que os agricultores parassem de “desperdiçar” essências florestais que sempre encontram boa cotação no mercado, no “processo selvagem do fogo”.564 Segundo Senna, uma 560 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 48ª sessão extraordinária, aos 18 de agosto de 1911. 561 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura. 51ª sessão ordinária, aos 22 de agosto de 1911. 562 Esse pensamento não é exclusivamente mineiro, tampouco republicano. Já no início da colonização, formou- se, a partir da descrição do Padre Antônio Vieira, um imaginário de predestinação geográfica do Brasil que, por sua magnífica e exuberante natureza, se transformaria em um vasto e poderoso Império. Ver: LYRA, Maria de Lourdes. A Utopia do Poderoso Império. Portugal e Brasil: bastidores da política, 1798-1822. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994, p. 120. 563 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 35ª sessão ordinária, aos 07 de agosto de 1909, p. 201. 564 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. 35ª sessão ordinária, aos 07 de agosto de 1909, p. 200. 162 das ideias pinheiristas, que já vinha sendo experimentada com sucesso, era uma companhia industrial que extraía madeiras dos grandes cerrados, nas margens do baixo Rio das Velhas, entorno da E. F. Central, entre os municípios de Curvelo e Diamantina, com o sistema de lanchões americanos e rebocadores. A “exploração inteligente dessas riquezas vegetais” traria ao orçamento do estado mais uma fonte fecunda de receita. Aos apartes de Aristóteles Dutra, contrários ao seu posicionamento, Nelson de Senna ironizou, dizendo que o “distinto colega não há de querer ter ali grandes florestas para simples adoração druídica, conservadas eternamente, impedindo o trânsito do homem civilizado”. Sobre o argumento de que o Rio das Velhas, antes navegável, agora amargava pequeno volume de água, Senna rebate com a afirmação de que a devastação das matas não era a causa; o acontecimento era um “fenômeno telúrico” ainda “indeterminado”. A exploração deveria acontecer naqueles lugares onde a ausência de transporte era notável. O conhecido fato de que a vegetação das cabeceiras e vertentes de água era fundamental para a conservação da umidade do terreno não deveria ser a única causa a ser levada em conta quando da proibição do corte das nossas matas. Para ele, a devastação industrial não era impiedosa, haja visto que sua função era promover o desenvolvimento industrial do Estado. No plenário, a votação sobre a diminuição tarifária dividiu opiniões. Contrário à emenda, o deputado Juvenal Penna justificou que a Zona da Mata, de que era representante, iria sofrer com a medida, já que ao ser servida pela estrada de ferro, a exportação de madeira aumentaria ali de maneira extraordinária, dizimando o pouco que ainda restava. As florestas da região, queixa-se Juvenal Penna, já se transformaram em cafezais, uns produtivos, e outros tantos abandonados em capoeiras e capim gordura. Ao defender os interesses da zona do Peçanha, afirma ele, Nelson de Senna estava defendendo medidas que acarretariam problemas para a zona que ele, Juvenal Penna, representava. Para evitar esse conflito de interesses locais, Juvenal Penna trazia à tona a ideia de Cesário Alvim, de que Minas deveria ser dividido em cantões para evitar que uma lei calculada para uma zona acabasse por prejudicar a outra. Mesmo entre os favoráveis havia um impasse sobre o que viria primeiro, a regulamentação da exploração ou a diminuição de tarifas. Para Aristóteles Dutra, o passo inicial era regularizar a exploração de florestas em Minas Gerais para benefício não só do presente, como do futuro, votou a favor da diminuição tarifária. Já S. Figueiredo concordava com Nelson de Senna, sobre o fato de que a devastação das matas era anterior à emenda, logo, o temor de que ela fosse um incentivo era injustificável. Figueiredo considerava o receio infundado até mesmo para a Zona da Mata, região que representava, amparado no fato de que em terrenos férteis a renovação das matas se dava em 15/20 anos. A única forma de fazer com que a 163 destruição, que é “hábito dos homens”, seja evitada, na sua concepção, era a educação do camponês, para que dever-se-ia recomendar prudência, e indicar os meios convenientes e metódicos de explorar a terra. O argumento é muito semelhante ao papel que João Pinheiro atribuía à educação agrícola para vencer os “métodos rotineiros” de derrubada e coivara, “razão do atraso” e do “caráter predatório” da agricultura tradicional. Apesar de compactuar de tal percepção, especificamente neste debate Nelson de Senna se apresenta um tanto contraditório. No mesmo momento em que pedia a atenção governamental para que as práticas tradicionais deixassem de “desperdiçar” aquilo que poderia ser aproveitado pelos grandes empresários para alimentar a demanda do mercado madeireiro, considerava que a exploração à maneira rotineira era legítima para aquele proprietário que não possuía outros meios senão o de derrubar florestas para o estabelecimento de plantações ou ferrovias. Podemos identificar aqui a fusão de duas vertentes de um mesmo pretenso patriotismo, em construção desde fins do século XVIII, com o reformismo ilustrado luso-brasileiro, que identificava os métodos tradicionais com a devastação e, não raras vezes, utilizava esta concepção para justificar a ação “racional” e “pragmática” de exploração industrial.565 Não foi a “crença” na recuperação das terras após o desmatamento o que vinha validando a ideia de Nelson de Senna de que a diminuição tarifária não aumentaria o desmatamento? Que este era condenável, danoso, “uma devastação impiedosa da floresta”, quando feito pelo caboclo desavisado, mas uma demonstração de apreço à nação quando a “exploração metódica e racional, como fonte legítima da riqueza pública” era feita? As ideias setecentistas respondiam, pois, adequadamente à construção de sua linha de raciocínio.566 Porém, ao pinçar delas apenas o aspecto favorável, Nelson de Senna parecia estar na contramão do que vinha sendo discutido nas instituições científicas, de que muitas terras se tornavam inférteis após períodos seguidos de arroteamento pós-exploração madeireira. Desde princípios do século XIX, membros da Sociedade Auxiliar da Indústria Nacional, do IHGB, do Núcleo Imperial de Horticultura Brasileira, entre outros, “expressavam o temor nascente quanto ao dano ambiental provocado por mais de um século de atividade econômica intensificada e 565 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 114-115. 566 Dois autores do reformismo ilustrado luso-brasileiro são elucidativos a este respeito. Vieira Couto, em 1799, acusava o agricultor brasileiro de ser bárbaro; aquele que, seduzido pelo nomadismo da fronteira, derrubava florestas com machado e tição, inclusive nos arredores das áreas de mineração, impedindo a renovação da “arte metalúrgica nacional”. José Bonifácio, por sua vez, defendia uma agricultura guiada pela racionalidade dos arados e charruas, não em latifúndios escravistas, mas em pequenas propriedades de trabalhadores livres. Esta “nova agricultura” teria o poder de conservar “indefinidamente a fertilidade da terra”. Ver: PÁDUA, Um sopro de destruição, op. cit., p. 114-115; 155-156. 164 população mais densa”. O próprio Partido Republicano Paulista, já havia tomado ciência de que o ritmo de plantation e de urbanização da cidade de São Paulo gerava um dano ambiental a passos tão largos que logo inviabilizaria o seu poderio econômico e monopolístico.567 É possível que um intelectual, cujo capital político advinha justamente de seu savoir affaire, reconhecido em diversas academias de ciência do Brasil e do mundo, sócio correspondente das maiores instituições brasileiras do período, entre elas o IHGB e seus congêneres regionais de São Paulo e Paraíba, estivesse alheio aos debates? Improvável, especialmente se pensarmos no cuidado que Raul Soares teve em reservar um espaço no Regulamento de Terras Públicas para a demarcação de reservas florestais, que posteriormente foi uma das linhas fortes da política dele e de Bernardes à frente do governo mineiro. Nossa hipótese: Nelson de Senna não só era conhecedor da produção científica da época, como, a exemplo do que fez com o reformismo ilustrado luso-brasileiro, selecionou dela somente os argumentos que interessavam à confirmação de seu discurso. Maior prova é dizer-se embasado em Hermann Von Ihering, para justificar que a seca era periódica e não exclusivamente advinda da diminuição das matas,568 quando este publicou uma série de trabalhos, pelo Museu Paulista, nos quais considerava que a “o corte das matas sem replantação é a devastação insensata das matas restantes, e, portanto, um crime contra a riqueza futura e contra o clima do país”.569 Novamente, a relação entre função e vontade no campo burocrático nos ajuda a compreender melhor a questão. Senna era representante na Câmara no Norte mineiro, historicamente empobrecido e isolado. No seu entender, o Norte tinha recursos amplos e copiosos, “e se não tem evoluído com o mesmo brilho que a encantadora região meridional do estado ou a opulente região cafeeira da Mata (...) é porque tem lhe faltado o poderoso fator do progresso, a via férrea”.570 Em muitas zonas, explica Senna, o arroteamento dos terrenos não podia ser feito com os modernos métodos de mecânica agrícola. A lavoura mineira se estendia não pelas baixadas, férteis, mas estreitas. Ela se alastrava pelos espigões e vertentes, “que são terrenos fertilíssimos, onde a mata volta dentro, às vezes de três anos, em capoeiras e capoeirões, que só a machado e fogo se podem trabalhar”. Aí não era possível empregar o arado por tração animal ou braçal com facilidade.571 Em contrapartida, lançava uma promessa: o 567 DEAN, A Ferro e Fogo... op. cit., p. 236; 246. 568 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária. Na 35ª sessão ordinária, aos 07 de agosto de 1909, p. 201. 569 IHERING, Herman von (1911) Apud FRANCO, José Luiz de Andrade; DRUMMOND, José Augusto. Proteção à natureza e identidade nacional no Brasil, anos 1920-1940. Rio de Janeiro: Ed.Fiocruz, 2009, p. 28. 570 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura. 31ª sessão ordinária, aos 25 de julho de 1907, p. 139. 571 Anais, 1912, p. 156. 165 Norte “possui reservas tamanhas do ponto de vista econômico que ela dadivosamente compensará todos os sacrifícios que o Estado ou a União possam momentaneamente fazer para dotá-la do inadiável melhoramento que lhe é devido: o da ligação ferroviária”.572 Isso incluía o sacrifício de florestas. Incongruente, do ponto de vista desenvolvimentista, seria impedir que a redução tarifária de madeiras barateasse a construção de dormentes e, consequentemente, das ferrovias, em uma região que ainda tinha matas “intocadas”. Somente um sistema de transportes poderia impulsionar a economia da região, passo fundamental para que ela pudesse efetivamente se modernizar e abandonar os “métodos rotineiros”, gerando receita para todo o país. A natureza a serviço do capital era justificável porque os seus frutos seriam convertidos em favor da nação brasileira. O esforço era de integração da região norte ao Estado e à União, com os instrumentos que ela poderia oferecer, isto é, a disponibilidade de matas e recursos. Da mesma forma, apresentava-se como uma inversão resguardar combustível para suas empreitadas como empresário da exploração mineral do Vale do Rio Doce antes que houvesse vias menos onerosas de escoamento da produção. Era preciso, portanto, estabelecer prioridades. O debate do projeto de lei nº66 – que concedia uma área florestal de 25 mil hectares para a exploração de carvão vegetal à empresa que instalasse uma usina metalúrgica para a fundição de canos de ferro – sublinha o que era prioritário para Senna naquele momento, e o quanto ele se afastou dos seus pares. Raul Soares manifestou pleno acordo diante da emenda do deputado João Lisboa, de que a concessão fosse condicionada ao replantio obrigatório do que fosse desmatado, sob pena de que se estivesse trocando uma riqueza por outra de menor valor - a floresta pela siderurgia, abrindo a válvula de “escoamento de uma riqueza preciosíssima”. Nelson de Senna, entretanto, foi reticente, apresentando dois argumentos “pertinentes”. Obrigar os concessionários ao reflorestamento era “vedar, de fato, o emprego do combustível vegetal na sua indústria”, e impor o “pesado ônus” de um serviço sequer regulamentado. De acordo com Senna, a “implacável destruição” das florestas era tão perigosa e insustentável quanto a sua “conservação incondicional”. Como Minas não possuía reservas do carvão de pedra, restava-lhe o carvão vegetal, sem a qual a siderurgia não teria condições de florescer. O combustível para as usinas era, nos dizeres de Senna, “urgente e insuprível”. O volume de minério de ferro encontrado em Minas 572 SENNA, Nelson de. Em Defesa do Norte de Minas. In: GUSTIN & LANNA JÚNIOR, Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 304. 166 constituirá uma riqueza morta, desaproveitada, se não permitirmos aos sindicatos, que pretenderem se instalar no país, a exploração sistematizada das nossas florestas, buscando no seio da natureza virgem do Brasil o combustível mais fácil, pronto e barato que aqui não poderia ser suprido pela importação da hulha negra, senão com desvantagens enormes do custo e frete.573 Justamente por não ser uma disposição legal traduzida em lei, que obrigasse o replantio a todos os contratos de exploração das matas, a emenda específica feria o princípio da equidade. O replantio das florestas deveria ser regulamentado, segundo Senna, não por uma emenda, mas pela lei que já estava em elaboração, a do Código Florestal. Enquanto isso não ocorria, a pergunta que fazia a seus companheiros, no intuito de que votassem favoravelmente ao projeto era “como querer instalar, nacionalizar a indústria do ferro em Minas, sem se permitir que a usina produtora possa se utilizar das reservas de combustível vegetal que temos nas florestas do Estado?”. A resposta, ele mesmo indicava: “Não devemos, por devaneios patrióticos, impedir que seja aproveitada, inutilmente, essa reserva de essências florestais com que a Providência dotou este pedaço de chão fertilíssimo, que o é o Brasil”.574 Entendemos que a recorrência ao princípio de equidade não era apenas traço de seu repertório advocatício. Nelson de Senna conciliou neste ponto o lado pragmático do reformismo ilustrado luso-brasileiro com a perspectiva regionalista da política oligárquica. Frisar a penalização desigual das emendas era deslegitimá-las em termos jurídicos e ganhar tempo até que o Código Florestal fosse elaborado, abrindo as possibilidades para que a modernização metalúrgica chegasse até a região norte. Quando tomados em conjunto, as falas de Senna, Aristóteles Dutra e Juvenal Penna revelam os interesses de cada região do mosaico mineiro. O Norte de Minas precisava de ferrovias e esta demandava madeira, ao passo que a Zona Metalúrgica e a Zona da Mata precisavam resguardar os combustíveis necessários à siderurgia, sobretudo após a autorização concedida ao governo, em 1911, para a instalação de uma usina em Belo Horizonte, promessa de beneficiamento a todo o entorno. d) Regionalismo e representação de interesses A presença frequente e inconteste de interesses regionalizados motiva-nos a questionar a tese de Amílcar Vianna Martins Filho, de que o não-fortalecimento de interesses privados da região impediu um sistema político estadual articulado na política de representação de 573 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 6ª Legislatura. 26ª sessão ordinária, aos 31 de julho de 1912, p. 15. 574 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 6ª Legislatura. 26ª sessão ordinária, aos 31 de julho de 1912, p. 156-159. 167 interesses. Para o autor, a ascensão de Minas na política nacional deve-se não aos interesses dos cafeicultores, mas ao fato de que a elite política não representava nenhum interesse econômico específico, o que possibilitou um processo de centralização política que enfraqueceu os interesses regionais e privados. A investigação segue a linha de Faoro e, portanto, a crítica que se faz a este também se aplica àquele. Preocupados com a rigidez do conceito weberiano de estamento, ambos subestimaram o peso dos interesses econômicos. No caso de Martins Filho, a abordagem se contamina pelo mesmo “cafeiculturocentrismo” que tanto recrimina, considerando este setor como verdadeiro móvel para a Primeira República. Ademais, a ideia de patrimonialismo utilizada por Martins Filho pressupõe uma cooptação que não tem a marca do interesse econômico e é ausente da articulação dos interesses privados. A conformação nos parece incompatível com as ações do Legislativo e do Executivo, e com o papel da Tarasca no âmbito da Política dos Governadores. O Estado, em sua forma patrimonial, “se vê forçado a delegar boa parte da administração local, se não toda ela, aos donos de terra”. Na medida em que a burocracia avança, o patrimonialismo recua, dando origem ao coronelismo.575 Este é entendido como a barganha de interesses que guiava as relações entre os coronéis e os Estados, e que ditava as regras do sistema político nacional.576 A partir da Política dos Estados de Campos Salles, a Comissão Executiva do PRM passou a sintetizar com maestria esse processo de burocratização em nível estadual e nacional. As relações de força presentes no âmbito da Tarasca são complexas. Não se fazem única e exclusivamente pela cooptação bacharelesca ou pela subordinação do organismo estatal aos “desígnios do senhoriato rural”. Vimos que os interesses da Minas da Terra não se restringiam ao dos cafeicultores. Eram relativos a um habitus pautado na posse fundiária, nos métodos rotineiros e tradicionais de cultivo da terra, em um liberalismo moderado, ou mesmo conservador. Estas “forças de inércia e resistência” eram tão arraigadas que ecoavam até mesmo na voz do Ferro. Ao contrário do caso fluminense estudado por Marieta de Moraes Ferreira, o problema estava mais na ênfase dada à “vocação agrícola” do estado e menos na “efetiva integração entre a elite política e os setores produtivos”. O Congresso de 1903 e a política pinheirista, ao proporem uma policultura que continha tanto modernização agrícola quanto siderurgia, talvez tenham tido mais sucesso na consolidação de fins do que de meios para o desenvolvimentismo. A tônica maior da ideia de “recuperação econômica”, propagada a partir do I CACI, em si já era um fator de aglutinação dos interesses díspares. Não houve, como apregoado por 575 CARVALHO, Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo, op.cit. 576 CARVALHO, Pontos e Bordados, op. cit., p. 98; 132. 168 Martins Filho, completo enfraquecimento e pacificação dos interesses regionais e privados. A diminuição do imposto de exportação sobre minério de ferro e madeira foi rechaçada por representantes de uma das maiores bancadas da Câmara, a Zona da Mata. Ainda assim, foi aprovada no Legislativo e sancionada no Executivo. Este, representado pela Secretaria de Agricultura, não se furtou de ações que eram contrárias aos interesses dos proprietários rurais, visto que o objetivo maior de Soares parecia ser o prosseguimento do economismo pinheirista. Como ele mesmo dizia, “a predominância dos fatores econômicos na vida moderna é hoje um truísmo; o papel que os povos representam no mundo é mesmo uma consequência do seu valor econômico”.577 Nos debates no Legislativo não havia discordância quanto à urgência de impulsionar a economia. A necessidade de reformas não era posta em xeque, mas o seu conteúdo, sim. A questão era sobre os limites do desenvolvimentismo mineiro, daí o embate entre modernização e tradição. Seria uma característica dos estados com um passado de apogeu a percepção de decadência e estagnação, e a proposição de um programa de reformas que acaba esbarrando no passado? O paralelo com o caso do Rio de Janeiro mostrou-se interessante por problematizar a recorrência da imagem de uma “idade de ouro”, de uma opulência vivida como paradigmática. Atribuímos para Minas o que Ferreira pontuou para o Rio de Janeiro: as mudanças foram impedidas por um apego ao “mundo de antes”. A resistência ao imposto territorial, que incidia sobre um direito de propriedade consuetudinário, custou a ineficácia de reformas tributárias essenciais ao saneamento das contas públicas. Do mesmo modo, a persistência de uma maneira utilitarista e predatória de exploração dos recursos da natureza conflitava com as perspectivas racionalizadoras exigidas pela moderna eletro-siderurgia. Dissemos acima que o período minerador foi o parâmetro dos diagnósticos e prognósticos da política siderúrgica mineira. Contudo, é preciso ir mais a fundo sobre o que isso significa. O “tempo de antes” mineiro é menos o do apogeu da mineração, do que o decorrente de seu declínio, tempo da Minas da Terra,578 quando as dificuldades de comunicação e transporte levaram a que cada uma das sete zonas do mosaico mineiro se desenvolvesse “numa linha diferente de tempo, dando ao estado uma longa história de crescimentos desarticulados e contínuos”, e uma multiplicidade de interesses.579 John Wirth denomina como regionalismo estes “fatores que podem afetar, provadamente, as relações políticas, econômicas e sociais com as outras regiões e com a 577 SOARES, Relatório da Secretaria de Agricultura – 1915, op. cit., p. 172-176. 578 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 579 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 41. 169 unidade maior de governo”. A definição é relevante, mas demasiadamente presa à ideia de uma unidade política, de uma capacidade de gerar “fidelidades”, “devoção”, “lealdades”. De fato, Arthur Bernardes, fazendeiro na região de Viçosa, “sacrificou” meios mais vantajosos de arrecadação tributária na Secretaria de Finanças, a fim de resguardar interesses dos cafeicultores da Zona da Mata. Nelson de Senna defendeu o desmatamento “racional” numa tentativa de garantir madeira barata para a construção de ferrovias na região norte, ainda que isso parecesse contrário aos seus interesses como concessionário da exploração mineradora no Rio Doce. Em compensação, mesmo sendo representante de uma região com grandes concentrações de terras, Nelson de Senna advogou em favor da pequena propriedade. Poderíamos, ainda, lembrar de S. Figueiredo, representante de uma das zonas mais desmatadas pela cafeicultura do Estado, a da Mata, justificando o imposto territorial e o incentivo tarifário à extração de madeira. O que os debates do Legislativo e as ações do Executivo mineiros nos levam a concluir é que o posicionamento na defesa de políticas econômicas oscilou com frequência, numa constante dialética entre vontades. Assim, parece-nos mais adequado pensar a questão regionalista a partir da proposta de Bourdieu. De acordo com o autor, O regionalismo (ou nacionalismo) é apenas um caso particular das lutas propriamente simbólicas em que os agentes estão envolvidos quer individualmente e em estado de dispersão, quer coletivamente e em estado de organização, e em que está em jogo a conservação ou a transformação das relações de forças simbólicas e das vantagens correlativas, tanto econômicas como simbólicas.580 Atentar para este conceito nos poderes da República mineira nos permite acessar o universo das lutas simbólicas presentes na construção do campo burocrático, o que, a nosso ver, cumpre a alteração que Elisa Reis propôs ao modelo de modernização conservadora, de verificar os interesses sociais, a formação do Estado e a interação entre ambos. Barrington Moore explica que esta industrialização verticalizada de cima para baixo, realizada a partir da aliança entre comerciantes e industriais enfraquecidos de um lado, e os junkers e a burocracia de outro, originou governos semiparlamentares que “tentavam preservar a estrutura social inicial, aplicando grandes secções dessa estrutura no edifício novo, sempre que possível”. A dinâmica torna-se bastante evidente quando pensamos que personagens como João Pinheiro, Arthur Bernardes e Nelson de Senna pregavam uma modernização que se deu pela esfera do protecionismo e da concessão de favores estatais, e não pelo livre mercado. 580 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 124. 170 O Estado era constantemente acionado para atender interesses regionalistas e barganhar com a vontade dos coronéis. A Política dos Governadores transformou-se em instrumento de manutenção de poder dos fazendeiros em decadência econômica.581 Maria Efigênia Lage de Resende defende que os interesses mineiros em solucionar os impasses internos estão no preâmbulo desta política. Segundo a autora, a proclamação de “apoio incondicional” que Campos Salles deu ao governo de Silviano Brandão, em visita oficial a Minas Gerais, em 1899, selou o acordo da União com os Estados, base da Política dos Estados. O compromisso político Campos Salles-Silviano Brandão, explica a autora, resultou no equilíbrio político necessário para que este último pudesse montar a estrutura de dominação oligárquica do PRM, a partir de três instrumentos básicos: o próprio PRM, a política de subordinação das municipalidades, a força e a coerção. A principal estratégia silvianista foi firmar o princípio de intervenção do Executivo estadual nos municípios582 e institucionalizar a relação com os coronéis na Comissão Executiva. O processo de fortalecimento do poder central foi levado ao ápice com Francisco Salles, que concentrou em torno da figura do governador e da Tarasca uma política de apadrinhamento político e clientelismo.583 A fim de não endossar a tese de um Executivo soberano, deve-se ter em consideração que o clientelismo pressupõe “troca entre atores de poder desigual”,584 o que significa que o Estado é o poder mais forte, mas não absoluto. A desarmonia temporal entre o que era debatido no Legislativo e nas ações das Finanças e Agricultura, e o que aparece nas Mensagens Presidenciais nos conduz a questionar a hegemonia decisória da Tarasca e dos pistolões do partido. Em linhas gerais, desde 1902, a Comissão Executiva do PRM estava dividida em três blocos. O principal deles, o dos silvianistas, conservou a maioria na Câmara até 1918 e era liderado justamente por Júlio Bueno Brandão, cunhado de Silviano Brandão. O fato de que Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares não só não sucumbiram no expurgo que os silvianistas fizeram dos “principais talentos pinheiristas”, em 1908, como defenderam causas importantes antes mesmo que a presidência do Estado, ocupada por um líder da Tarasca, se manifestasse a respeito ou determinasse um alinhamento, indicam a confirmação de duas de nossas hipóteses: 1) os três incumbiram-se da missão de dar continuidade ao projeto de João Pinheiro, e fizeram suas próprias leituras do que isto representava; 2) havia uma 581 CARVALHO, Pontos e Bordados, op. cit., p. 98; 132. 582 RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit., p. 159-173. 583 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 203. 584 CARVALHO, Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo... op. cit. 171 margem de manobra não desprezível nas ações individuais e nas funções, a partir das quais as vontades eram definidas no Estado republicano mineiro. As relações entre Executivo e Legislativo estaduais, entre 1908 e 1917, procuramos demonstrar, basearam-se em articulações e barganhas, nem sempre suficientes para garantir a aprovação de projetos, posto que havia uma autonomia relativa, mesmo entre a clientela e os apadrinhados. Conforme Wirth, entendemos que não há incompatibilidade entre um “Congresso cativo” e um “corpo representativo”, uma vez que “a falta de grupos de interesse fortes, independentes, não parece significar que as demandas de grupo tenham deixado de chegar ao governo”.585 Ao pensar a política mineira como um “minissistema federal”, corroboramos com a tese de Cláudia Viscardi, de que a estabilidade do sistema era garantida pela instabilidade das alianças.586 O esquema de institucionalização das relações entre supercoronéis e a Comissão Executiva do PRM,587 instituída por Silviano Brandão e consolidada por Francisco Salles, funcionou quase sem alterações até a “renovação política” – ou o “governo de um homem só”, como muitos autores acusam, realizada por Raul Soares e Arthur Bernardes. A dificuldade em dissipar os conflitos, do qual o “princípio do fim” do PRM e da Política dos Governadores nos parecem sintomas, tornou-se um complicador a mais na “força da tradição” atuante sobre a execução do projeto desenvolvimentista mineiro. 585 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 178. 586 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit. 587 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 178. 172 Capítulo 5 A Revisão (1919-1922) O debate do projeto desenvolvimentista de João Pinheiro na Câmara estadual e a execução nas Secretarias de Finanças e da Agricultura, Indústria, Terras, Viação e Obras Públicas evidenciaram limites e impasses com o sistema político-econômico tradicional. Se, como nos diz José Murilo de Carvalho, João Pinheiro foi uma ponte entre a Minas do Ouro e a Minas do Ferro, acreditamos que Arthur Bernardes fez a ponte da Minas da Terra com a Minas do ferro. Como Pinheiro, Bernardes buscou fazer da “crise” econômica mineira uma “ação inaugural”, o que, na maioria das vezes, implicava uma solução de compromisso com os interesses oligárquicos. Além disso, ao incorporar as diretrizes de desenvolvimento pinheiristas, Bernardes procurou ocupar uma espécie de “vazio” deixado pela morte de Pinheiro. Ambos os processos eram fundamentais para a constituição de seu capital político, a ser utilizado nas pretensões bernardistas de chegar à Presidência da República. No entanto, se Pinheiro representou a conciliação quando assumiu a Presidência do Estado, Bernardes esforçou-se por representar um papel que lhe foi destinado desde a sua eleição como deputado estadual, em 1907: o da renovação no modo de fazer a política mineira. Neste processo, o conflito com os princípios da tradição restou inevitável. O período de 1919 a 1922 corresponde ao mandato de Arthur Bernardes na Presidência do Estado de Minas Gerais. Nesse mesmo intercurso temporal, Nelson de Senna prosseguiu como deputado estadual e Raul Soares esteve à frente da Secretaria do Interior e da Justiça. O período de Soares na Secretaria foi curto, por menos de um semestre. Em julho de 1919 ele foi convidado para compor a pasta da Marinha de Epitácio Pessoa, e nela ficou até ser eleito Senador por Minas, em março de 1921, motivo pelo qual, nesta etapa de Revisão do projeto pinheirista, seu nome teve um destaque menor. Ainda assim, foi importante para garantir a reforma educacional e a operacionalidade das novas bases do PRM. Partimos, portanto, do pressuposto de que o programa de governo encabeçado por Bernardes contou, em maior ou menor grau, com o apoio de ambos. Para compreendê-lo, é preciso situá-lo no contexto das reformas que Bernardes e Soares realizaram no Programa do Partido Republicano Mineiro. A hipótese defendida neste capítulo é que o governo de Bernardes como presidente de Minas Gerais, e a revisão que fez dos principais temas do projeto de João Pinheiro, foram a primeira etapa do processo de ampliação das bases do projeto desenvolvimentista mineiro para o âmbito nacional. 173 5.1 – Novas práticas, novos discursos A escolha de Arthur Bernardes para suceder a Delfim Moreira na presidência do Estado de Minas Gerais foi uma astuta articulação comandada por Raul Soares, e pode ser vista como “uma demonstração inequívoca de uma relação de cumplicidade política que se estenderia e se aprofundaria ao longo dos próximos anos”.588 Ao apoio que angariou dos senadores Sabino Barroso e Bernardo Monteiro, dois importantes membros da Comissão Executiva do PRM, Soares somou a “implantação” de notícias favoráveis à candidatura de Bernardes na imprensa. Uma delas foi publicada pelo jornal Sericicultor, de Barbacena, e coincidiu com a passagem de Soares, em visita familiar, pela localidade. A nota condenava a candidatura de qualquer Secretário do Interior à presidência do Estado, o que, na prática, significava invalidar o nome de Américo Lopes, então cotado para o cargo. Ainda assim, Delfim Moreira apresentou o nome deste para o presidente da República, Wenceslau Braz, que, com base no mesmo argumento do jornal, decidiu pela impugnação da candidatura e sugeriu os nomes de Bias Fortes, Bueno Brandão, Bueno Paiva ou Urias de Melo Botelho.589 Ao saber destas indicações, Raul Soares apressou-se por sugerir o nome de Arthur Bernardes à Delfim Moreira, que não apenas aceitou a proposta como escreveu uma carta a Wenceslau Braz justificando-a de forma cabal. Caso não fosse aceita a fórmula Arthur Bernardes presidente e Bueno Paiva (ou outro nome do Sul) para vice-presidente, Delfim Moreira não tomaria partido e se manteria “absolutamente alheio ao movimento”. Temendo uma cisão no Partido Republicano Mineiro, Wenceslau Braz e Francisco Sales, principal líder da Tarasca, acataram o nome de Bernardes para a presidência ao lado do senador Eduardo Amaral para a vice-presidência. As candidaturas foram oficializadas em 17 de junho de 1917, pela Comissão Executiva do PRM, e homologadas em 10 de setembro do mesmo ano, na Convenção Estadual do Partido, realizada em Belo Horizonte.590 O programa de Governo de Arthur Bernardes foi apresentado em um banquete oferecido em sua homenagem, em Viçosa, no de 05 de janeiro de 1918. De acordo com Bruno Magalhães, muito embora a preocupação inicial tenha sido a Zona da Mata, ao falar sobre a necessidade de que todas as unidades federativas vivessem harmonicamente e se auxiliassem mutuamente, Bernardes falava ao país inteiro e não apenas à região que o homenageava.591 A estratégia, que 588 VISCARDI, Estudo Crítico: Raul Soares, op. cit., p. 35-53. 589 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 590 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 591 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 174 não era novidade, consistia na reafirmação de um modus operandi típico da política mineira da Primeira República, isto é, da exaltação de uma postura conciliatória que, ao fim e ao cabo, garantia a inserção no cenário nacional ao mesmo tempo em que escamoteava uma política regionalista, de representação de interesses. Se deslocarmos o foco para a política nacional, percebe-se nas entrelinhas uma crítica à primazia paulista na definição de políticas econômicas, como a de valorização do café. A fala sinaliza, sobretudo, o desafio que Bernardes enfrentou, a partir de então, para ampliar as bases do projeto desenvolvimentista mineiro para o âmbito nacional. Um empecilho inicial pode ser identificado já na sua plataforma governamental, que teria sido elaborada a partir de um telegrama de Wenceslau Braz, de 28 de outubro de 1917, que recomendava ao país moderação nos gastos públicos e particulares. Segundo um de seus biógrafos, “não podendo, portanto, contar com muito numerário para grandes iniciativas, limitou-se apenas a remover o que estava errado, e aperfeiçoar o que era deficiente”.592 Conquanto a escassez de rendas fosse uma realidade em um contexto de retração da economia mundial na guerra e no pós-guerra, tal afirmação merece ser melhor esmiuçada pela imprecisão com que se apresenta. O que estava errado? O que era deficiente? À frente de um dos Estados política e economicamente mais centrais da Primeira República, Arthur Bernardes não propôs nada de novo? A nossa hipótese é de que, se o ponto de partida das ações de Arthur Bernardes foi a revisão do projeto pinheirista, nem por isso ele deixou de imprimir a sua marca, a sua leitura das diretrizes desenvolvimentistas mineiras. O próprio significado de Bernardes para a organização do Partido Republicano Mineiro o levou a ser muito mais do que um mero revisor. De acordo com David Fleischer, Arthur Bernardes e Raul Soares foram “renovadores”, e aproveitaram o impasse da sucessão de Delfim Moreira para ganhar espaço dentro da Comissão Executiva do PRM. A primeira providência de Bernardes, natural de Viçosa, na presidência de Minas Gerais foi colocar Soares, natural de Ubá, como Secretário do Interior e da Justiça. Dessa forma, o eixo decisório da política oligárquica mineira mudava do Sul para a Zona da Mata e a “tranquila operação da Tarasca na distribuição de poderes foi parcialmente interrompida”.593 Os quadros do partido foram majoritariamente renovados, quando da indicação da Câmara e do Senado Estadual, em um desfecho que surpreendeu a muitos. Como vimos no capítulo 1, na primeira parte desta renovação, Nelson de Senna foi mantido como deputado estadual e, na segunda etapa, foi alçado ao cargo de deputado federal. Sem dúvida, para além da amizade dos tempos de juventude, contou o fato de que Senna atendia 592 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 39. 593 FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit., p. 58. 175 aos requisitos de elevado grau educacional e juventude preconizados por Bernardes e Soares para a nova feição que o PRM deveria adotar. Para autores como Assis Barbosa, o impacto da renovação só foi sentido pelos setores mais resistentes ao progresso.594 Entre os seus biógrafos, Arthur Bernardes é visto de maneira mais revolucionária. Paulo Amora interpreta a chegada de Soares e Bernardes aos quadros decisórios do partido como uma “transformação radical”, com a derrocada de muitos coronéis e, consequentemente, o ostracismo de Francisco Sales.595 Magalhães endossa essa posição ao ver Bernardes como “um legítimo representante da mentalidade contemporânea”, e a sua indicação à presidência do Estado como “primeira manifestação” de “maturidade” de uma “nova mentalidade política mineira”. Ele era, na visão de um testemunho da época, o “homem capaz de romper com a rotina, tomar iniciativas, arcar com as responsabilidades do poder, traçar novos rumos à política do Estado e assumir posições corajosas na política federal”, que há algum tempo Soares vinha procurando.596 À meio-termo temos a interpretação de Cláudia Viscardi, para quem o desempenho político de Bernardes assumiu um caráter, a um só tempo, de continuidade e ruptura. Continuidade, por ter compromissos com a manutenção e defesa dos interesses oligárquicos; ruptura, por ter sido responsável pela fragilização progressiva dos antigos quadros do partido e por ter contribuído com a introdução de novos valores políticos ao regime.597 Viscardi não apenas identifica uma renovação no discurso e na prática política mineira após 1918, como pontua a ascensão de Bernardes como um marco na entrada de uma segunda geração de políticos, composta por aqueles que ingressaram na vida pública a partir de 1910. Estes, ao contrário dos republicanos históricos, não mais lutavam pela consolidação do regime, mas por reformas, no sentido de racionalizar o sistema político. Bernardes teria sido para a política mineira, no que se refere à “inauguração de uma nova fase”, o que Getúlio Vargas e João Pessoa representaram para as políticas riograndense e paraibana, respectivamente.598 Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul lograram renovar seus quadros sem provocar dissidências com peso suficiente para a formação de partidos alternativos aos dominantes. O que os tornou futuros aliados na Aliança Liberal, garantidora da posse de Vargas em 1930, foi justamente uma “plataforma comum”, a do sentimento de necessidade de adequar o “Brasil real” ao “Brasil legal”, cujo “pano de fundo ideológico” foi o Liberalismo e a doutrina organicista, nos moldes do apregoado por Alberto Torres. As novas práticas respondiam às 594 FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit., p. 58. 595 AMORA, Paulo Apud FLEISCHER, O Recrutamento Político em Minas (1890-1918), op. cit., p. 58. 596 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 45. 597 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 300. 598 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 300. 176 reivindicações político-econômicas dos setores emergentes, como a implantação do voto secreto, a intervenção estatal para a proteção da indústria nacional e diversificação da economia e a melhoria das relações capital-trabalho.599 A interpretação de Viscardi vem ao encontro de nossa hipótese. A noção de continuidade e ruptura de que nos fala a autora será aqui entendida como a relação entre a tradicional e rural Minas da Terra, que teve como centro de formação o Colégio do Caraça; e a inovadora e progressista Minas do Ferro, cujo centro irradiador foi a Escola de Minas de Ouro Preto.600 Propomos, porém, um ajuste na abordagem de Carvalho. Quando afirma que foi a EMOP quem fez a ligação entre as Minas da Terra e do Ferro, o autor se ampara na análise que fez sobre a história da instituição, na qual destacou a figura de Clodomiro de Oliveira e o papel que os ex- alunos tiveram na formulação de uma política nacional-desenvolvimentista.601 Nossa opção de colocar a figura de Bernardes como elo central nessa conexão não invalida a importância da instituição e de seus egressos, mas redimensiona a via de entrada desta relação no plano governamental, com base em dois fatores. De um lado, a passagem de Arthur Bernardes por dois anos como aluno no Caraça e a influência que João Pinheiro, ex-aluno da EMOP, teve sobre a sua formação política. De outro, no fato de que Clodomiro de Oliveira só chegou aos seus governos – em Minas e no Catete – graças ao convite de Bernardes. Ambos os fatos colocam algumas questões importantes para a nossa análise: teria Arthur Bernardes conseguido romper com o tradicionalismo do Caraça? Como as influências do Caraça e da EMOP foram incorporadas, ou não, ao seu programa de governo? Qual papel essas duas vozes desempenharam na revisão que Bernardes realizou do projeto desenvolvimentista de João Pinheiro? Como Nelson de Senna se posicionou em relação a elas? A maneira como Otávio Dulci sistematiza a política de recuperação econômica mineira, além de guiar-nos na divisão deste capítulo, é central para localizarmos as ações de Bernardes. Ao longo da Primeira República, afirma o autor, é possível pontuar duas estratégias de desenvolvimento regional em Minas: a de uma diferenciação econômica a partir de uma agropecuária forte, que foi a diretriz da política de Pinheiro; e a de especialização produtiva a partir da expansão industrial, cujo pontapé inicial, a nosso ver, foi dado com Bernardes à frente do governo mineiro.602 599 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 301-302. 600 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 601 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit. 602 DULCI, Política e Recuperação Econômica... op. cit. 177 5.1.1 – Planeta em ação: as reformas de Arthur Bernardes Em sua primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, Arthur Bernardes fez questão de frisar não só as suas preocupações, mas, tendo em vista a característica do documento, o que esperava que fossem as do Legislativo no plano de fortalecimento da diferenciação econômica. De acordo com ele, o governo buscava atender as necessidades da produção por meio de várias medidas: alívio dos ônus fiscais, barateamento e facilidade dos transportes, fornecimento de braços à lavoura, difusão do crédito agrícola, e garantia da ordem pública e dos direitos de todos os cidadãos, “condição essencial a um regime de trabalho fecundo”.604 Os passos como Secretário das Finanças já sinalizavam que o saneamento das contas era, para ele, o reflexo maior da racionalização da administração pública, logo, condição sine qua non para o sucesso da política desenvolvimentista. A questão se espraia por diversos tópicos que foram avaliados e reformados entre 1919 e 1922. a) Reorganização do sistema cooperativista Vimos no capítulo anterior a solicitação de Nelson de Senna e o esforço da Secretaria de Finanças bernardista em direcionar melhor os investimentos destinados às cooperativas e crédito agrícolas. Naquele momento, havia um monopólio de recursos por parte dos cafeicultores. O presidente Júlio Bueno Brandão tratou de diversificar e regulamentar as cooperativas, a partir de 1911. Mas a persistência do baixo-retorno no governo seguinte, de Delfim Moreira, mostrou um problema ainda mais profundo. Com certo pesar, Arthur Bernardes constatava que as cooperativas agrícolas não prosperaram em Minas Gerais como esperado, graças “senão ao espírito de resistência dos lavradores às inovações e à falta de conhecimentos indispensáveis sobre o mecanismo e funcionamento dessas associações”. As cooperativas de Ponte Nova, Rio Branco e Tombos de Carangola continuavam funcionando; ao passo que as de Inhapim, Mar de Espanha e Machado entraram em liquidação por irregularidades em seu funcionamento.605 São apresentados aqui diversos motivos que teriam concorrido com o fracasso da política cooperativista. A importância em investigar cada um deles está em serem bons indicadores dos limites da modernização produtiva. Desde 1911 é possível perceber um decréscimo quantitativo no número de cooperativas. Para Liliane Pinto, os responsáveis foram, 604 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 10. 605 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 101. 178 de um lado, a relativa melhora no preço do café e a concorrência de favores do Estado com outras espécies de cooperativas, diminuindo a necessidade do cafeicultor de garantir o comércio cooperativado do produto e o acesso aos favores do Estado; e, de outro, o próprio desincentivo do Governo de Delfim Moreira, com a escassez de investimentos e propagandas.606 Já John Wirth atribui a uma conjunção de fatores muito menos racional e ainda mais desencorajadora. O decréscimo das cooperativas deve-se, segundo ele, não só à elevação dos preços do café após a Primeira Guerra Mundial, mas também ao descrédito a que o cooperativismo se viu relegado pelo não-cumprimento dos contratos de venda pelos bancos; e pelo desvio dos fundos da sobretaxa de impostos pagos pelos produtores, que, ao invés de serem destinados às políticas de incentivo ao café, serviram, entre outros exemplos, como instrumento de barganha nas vésperas da eleição presidencial de 1909.607 O confronto dessas interpretações historiográficas com a fala de Arthur Bernardes salienta justamente o elemento que Moore Jr. identificou como uma das resultantes da aliança entre grandes senhores de terras e a burocracia estatal, qual seja, a persistência de “valores tradicionais” nas estruturas de edificação de uma instituição moderna,608 no caso, do associativismo de tipo moderno. O estudo de Sônia Regina Mendonça mostra que a doutrina cooperativista internacional pregava que o interesse comum, do grupo, estava acima do indivíduo e seus particularismos; que a cooperativa era o “recurso às lutas de classes” e não aos personalismos, o que supunha o “não envolvimento do Estado na vida econômica”. No Brasil, ao longo da Primeira República, o cooperativismo tornou-se um objeto de disputa em torno de duas correntes, uma que o enxergava como instrumento “da reprodução do capital agrário, pura e simplesmente”, e outra que o entendia como parte da “reorganização global da sociedade agrária”.609 No contexto mineiro, poderíamos dizer que a primeira representa os interesses da cafeicultura e a segunda o da ideia original do I CACI e de João Pinheiro, a qual se alinhavam Nelson de Senna e Arthur Bernardes. O conflito apresentava-se, pois, intrínseco e irremediável. A teoria que embasava o projeto pinheirista era incompatível tanto com a formatação quanto com a prática. As cooperativas mineiras não só se tornaram “clubes dos fazendeiros do café”, como eram iniciativas governamentais. Pode-se argumentar, como João Pinheiro fez em variados momentos quando indagado sobre a sua plataforma de governo, que o intervencionismo e 606 PINTO, Liliane. Cooperativas Mineiras: o plano de incentivo ao cooperativismo em Minas Gerais (1889-1922). Pós-História: Revista de pós-graduação em História (UNESP/Assis), vol. 13-14, 2006, p. 255. 607 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 87. 608 MOORE JR., As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia... op. cit. 609 MENDONÇA, A Política de cooperativização agrícola.... op. cit., p. 24. 179 protecionismo do Estado eram “contingenciais”. Ainda assim, o impasse persistiria como marca estrutural da feição que o liberalismo econômico assumiu entre nós. Nos momentos de crise, no domínio do coronelismo e da Política dos Governadores, os cafeicultores recorriam ao socorro do Estado e não às soluções do mercado. A característica não é, contudo, restrita ao universo mineiro. João Pinheiro filiava-se a uma tendência que se consolidou no Brasil a partir da segunda década do século XX. Mendonça explica que o Estado passou de “inimigo” do cooperativismo àquela instância que era “qualificada pelo discurso enquanto dotada de envergadura suficiente para concretizá-lo”.610 Como explicar, então, a frustração do cooperativismo em Minas Gerais na Primeira República? Os auspícios estatais não lhe davam o necessário impulso? As três implicações da relação Estado/Cooperativa que Mendonça elenca indicam-nos as pistas para entender as motivações do fracasso cooperativista em Minas Gerais. Instrumentalizada como prática pública, para os grandes proprietários de terra, cafeicultores, em sua maioria, a cooperativa serviu de estratégia política para a manutenção do status quo, ou seja, da “tradicional estrutura de propriedade agrária”. Para João Pinheiro, Arthur Bernardes e Nelson de Senna, nos momentos de implantação e execução do projeto pinheirista, foi “instrumento de subordinação da suposta pequena produção aos ditames da acumulação capitalista”, colocado sob a esfera de atuação do Estado. Já no processo de releitura que Bernardes realizou da agenda pinheirista, o cooperativismo se transformou em “alternativa para o controle social e político dos agentes sociais envolvidos na produção agrícola por parte do Estado, sem a necessária mediação dos donos da terra”.611 Estas alternativas sintetizam, para nós, as aspirações que se chocaram quando as cooperativas começaram a ser implantadas em terras mineiras. Tendo como expectativa a diversificação produtiva para o crescente acúmulo de capital, necessário para o desenvolvimento econômico e social, o projeto cooperativista de João Pinheiro colidiu com uma classe ociosa, cuja experiência se construiu com base na propriedade e nas benesses do Estado. O monopólio dos interesses cafeicultores desvirtuou o propósito inicial, motivo pelo qual Nelson de Senna, Raul Soares e Arthur Bernardes insistiram numa política de restrição dos favores. Ao primeiro, estava claro o quanto a concentração dos investimentos na cafeicultura minava as iniciativas dos pequenos produtores e a policultura. Bernardes corroborava com esta leitura e, supomos que pela bagagem que reuniu em sua passagem pela pasta das Finanças, 610 MENDONÇA, A Política de cooperativização agrícola.... op. cit., p. 35. 611 MENDONÇA, A Política de cooperativização agrícola.... op. cit., p. 21-22. 180 entendia que a mediação dos donos de terra era um entrave ao seu programa de reformas modernizadoras e à política desenvolvimentista. Arthur Bernardes não pretendia abandonar as cooperativas, mas, segundo suas próprias palavras, “insistir no levantamento daquelas associações, fadadas a importante papel na defesa da nossa produção agrícola”.612 Se saltarmos até o seu governo na presidência da República, o cooperativismo está presente e remodelado, como teremos a oportunidade de avaliar no próximo capítulo. O que lhe parecia pesaroso era o conteúdo e não a forma. Entendemos que, para ele, era preciso “desparticularizar” as cooperativas, utilizando-as como mecanismo de incentivo à produção e de equilíbrio entre oferta e procura (o café já tinha dado mostras do problema da superprodução). Somente assim seria possível retornar ao ponto de partida pinheirista. Há que se considerar, ainda, outras dificuldades operacionais com as quais o cooperativismo teve de lidar e que estão presentes na fala de Bernardes. A inadimplência pode ser entendida como resultado de uma descapitalização, refluxo da queda nos preços do café. A guerra deflagrada em 1914 fechou o mercado de exportação brasileiro, interrompeu o fluxo de capital e tornou inoperante a Caixa de Conversão, mecanismo criado pelo mineiro David Campista, quando Ministro das Finanças, para refrear a especulação em torno do preço do café e manter a moeda nacional em níveis mais baixos.613 O já crítico quadro de falta de crédito para os produtores agrícolas foi agravado pelo fato de que a cobrança da sobretaxa não cessou e não foi reconvertida em benefício da cafeicultura. A “resistência” parece-nos parte do habitus que abordamos no capítulo anterior e que explica tanto a recusa em frequentar instituições de ensino agrícola, quanto a dificuldade do associativismo. Para Sérgio Buarque de Holanda, havia entre nós uma ausência de “esforço sério de cooperação” nas atividades produtivas como consequência da escravidão e da “hipertrofia da lavoura fundiária na estrutura da nossa economia colonial”. Sociologicamente, a “genuína cooperação” (ou “competição) é orientada por um “objetivo material comum”, cuja identificação mantém as partes unidas. No Brasil, explica o autor, observa-se algo mais próximo da “prestância” (ou “rivalidade”), em que as associações se dão não por um “objetivo material comum”, mas pelo “dano” ou “benefício” que se pode auferir das partes envolvidas. A característica, conclui Holanda, é própria de um personalismo que “degenera” as “qualidades ordenadoras, disciplinadoras e racionalizadoras”.614 Quanto aos mineiros em específico, afirma Wirth, não é que carecessem 612 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 101. 613 FRANCO, & LAGO, O Processo Econômico, op. cit., p. 85. 614 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 50-55. 181 de habilidades para se associarem, mas buscavam favores e vantagens. Os “laços estreitos aos detentores do poder” e a política de cooptação “desgastavam” e “lixiviavam” as associações.615 De acordo com Angela de Castro Gomes, na década de 1920, Oliveira Vianna foi pioneiro na tradução deste fenômeno do “insolidarismo” e em propor a solução de um Estado forte. Para Vianna, o passado de grande domínio rural escravista nos legou uma estrutura social simplificada, que impedia atividades comerciais, industriais ou quaisquer outros associativismos para além da família, e cerceava o “espírito corporativo”. Diante dessa realidade, o poder central, contraditoriamente, era o único capaz de construir um Estado moderno, racional-burocrático, neutralizador dos caudilhismos.616 O problema não foi entendido por Arthur Bernardes como essencialmente estrutural, mas ele chamou para o Estado a tarefa de organizar as cooperativas de maneira mais firme do que João Pinheiro, para quem a iniciativa individual deveria gerir a questão. Bernardes dizia-se convicto de que a pontualidade nos compromissos por parte dos cooperados era fundamental para que nunca lhes faltasse crédito e dinheiro, e para que a política cooperativista decolasse. Para combater as irregularidades de pagamento das cooperativas, empenhou-se em criar e difundir o crédito agrícola, garantindo favores ao Banco de Crédito Real de Minas Gerais e ao Banco Hipotecário e Agrícola. Este foi uma fundação de governos anteriores que, na sua avaliação, vinha surtindo efeito e era uma das causas econômicas do aumento e valorização da produção mineira. Ao lado do crédito agrícola, ele colocou a reforma tributária. Segundo Bernardes, a agricultura suportava um encargo muito maior do que o da pecuária, a despeito de necessitar de investimentos maiores. Por isso, o governo vinha cuidando da questão do pagamento do imposto de exportação e da sobretaxa. Ainda que algumas ações “escapassem” da competência do estado de Minas”, Bernardes dizia envidar esforços para o fim da disparidade tributária do café mineiro nos mercados do Rio de Janeiro e Santos. Uma das primeiras promessas de governo era realizar a diminuição do ônus tributário de exportação por meio da reorganização do imposto territorial.617 Voltava à pauta o “espinhoso” tributo. 615 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 178. 616 GOMES, Angela Maria de Castro. A Política Brasileira em Busca da Modernidade: na fronteira entre o público e o privado. In: NOVAES, Fernando; SCHWARCZ, Lilia Moritz (orgs.). História da Vida privada no Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1998, vol. 4, p. 508. 617 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 08-09 e 101. 182 b) Revisão do Imposto Territorial A “sugestão” bernardista de que o sistema de lançamento e arrecadação do imposto territorial fosse revisto, datada de junho de 1919, reverberou na Câmara no mês seguinte, com a apresentação do Projeto nº6 da Comissão de Orçamento, assinado, entre outros, por Nelson de Senna.618 Pela Lei nº 271, de 1899, o lançamento de 0,5% sobre o valor venal seria embasado na declaração do “proprietário ou ocupante”; detectada a fraude no valor, o agente fiscal poderia corrigir mediante prévia notificação das partes; se estas considerassem abusiva, poderiam pedir avaliação judicial do valor venal em até 30 dias, cujas custas ficariam a cargo do requerente ou do Estado, a depender se o valor estava abaixo ou acima do registrado na fiscalização; e a decisão valeria por 3 anos, a partir do qual nova avaliação seria feita. A nova proposta buscava dificultar as fraudes e subterfúgios com medidas pontuais: 1) Distinguia em tipos e unidades de medida a cobrança do imposto urbano (de 50 réis por 1000m² sobre a área e de 0,5% do valor venal) do imposto rural (de 100 réis por alqueires sobre área e de 0,4% menos os 20% de benfeitorias sobre o valor das terras); 2) Fechava o cerco em relação à divergência de valores, prevendo o lançamento por ato de ofício do agente fiscal, a quem se atribuía o poder de impugnar a declaração do contribuinte; caso este discordasse, a nova avaliação judicial correria às suas custas e o acordo final era “definitivo até sua revisão” (sem data especificada); 3) Autorizava o Executivo a aplicar multas nos casos de descumprimento da lei; 4) Especificava sobre quem recaía a responsabilidade pelo imposto: “locatários, arrendatários, enfiteutas,619 usufrutuários, foreiros, credores anticréticos e quaisquer possuidores dos terrenos a eles sujeitos”; Aprovado sem debate em 1ª discussão, a Comissão de Orçamento deu parecer favorável aos trâmites de encaminhamento à 2ª discussão e à proposição de emendas. O deputado Mário Azevedo se pronunciou pela modificação do primeiro ponto: para as áreas rurais, de até mil alqueires, vigoraria a taxa de 100 réis; de 1000 a 3000 alqueires, passaria a 80 réis por alqueire; e acima de 6000 alqueires, ficaria em 30 réis por alqueire. A tentativa era evidente e a reação da tribuna foi imediata. Castello Branco chamou a atenção para o fato de que a emenda era “uma exceção que vem colocar numa situação favorável o grande proprietário, o senhor, o 618 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 8ª Legislatura. 17ª sessão ordinária, aos 19 de julho de 1919, p. 221. 619 “Pessoa que detém o pleno gozo de um imóvel por meio do pagamento, denominado foro ou cânone, a seu proprietário legal”, ENFITEUTA. In: DICIONÁRIO Caldas Aulete, op. cit. 183 possuidor de latifúndios, em prejuízo do pequeno proprietário”.620 Todavia, a pretensa defesa do minifúndio se esvaía na própria argumentação do deputado, natural de Além Paraíba, município da Zona da Mata. O imposto favorecia as propriedades mais extensas, onde prevalecia a criação de gado, em detrimento da pequena. Mas, acima de tudo, onerava a média propriedade, faixa em que se encontrava a maioria dos produtores de café em Minas, um peso a mais para a agricultura. A intervenção de Nelson de Senna no debate, “representando o 11º distrito eleitoral”, coroou a emergência do regionalismo. Havia uma imprecisão no termo “alqueire”, homogeneamente aplicado a todo o “território vastíssimo das zonas rurais de Minas”. O problema, dizia ele, é que era “variável entre nós, de acordo com a rotina dos costumes agrícolas, de acordo com esse aferro às ideias do passado, vindas de velhos hábitos que facilmente não de mudam, mormente na gente do campo”. Quando perguntado sobre o que era um alqueire, o “caboclo”, o “caipira”, o “roceiro” tendia a responder que era “o espaço de terra onde se pode fazer a semeadura de um alqueire de milho”, o que também variava “do Sul para a Mata, do Centro para o Oeste, do Norte para o Triângulo”. Nem mesmo os agrimensores designados oficiais utilizavam medidas de superfície padrão. Cabia à Câmara, e não ao Executivo, fixar a determinação da palavra “alqueire” para o imposto territorial, mas o “sucesso do projeto”, a “sorte da reforma fiscal” dependia do “corpo de peritos” fiscais. Este era o ponto melindroso, pois subtendia que fossem homens conhecedores da terra, do valor dela, “insensíveis às solicitações de campanário e aos desvios que a politicagem muitas vezes produz no exercício de funções pública”.621 É importante frisar que Nelson de Senna sinalizou dificuldades, necessidades de ajuste, mas não se posicionou especificamente sobre a emenda. Novamente, impõe-se a questão: o que explica um deputado contrário ao latifúndio não se manifestar a respeito de um dispositivo que claramente dificultava o projeto de transformar Minas numa próspera sociedade de pequenos agricultores? A perspectiva aberta pela fala de Arthur Bernardes ao Congresso Mineiro pode nos ajudar a elucidar. No mesmo ano do debate na Câmara, meses antes, Bernardes dedicou um espaço em sua Mensagem para dizer que o Norte de Minas era uma região que, muito embora plena de possibilidades, padecia de uma produção nula. Era preciso mirar novos horizontes para que a região, onde “abundavam terras fecundas”, “florestas seculares” e “ricas pastagens”, 620 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 8ª Legislatura. 43ª sessão ordinária, aos 21 de agosto de 1919, p. 490. 621 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 8ª Legislatura. 43ª sessão ordinária, aos 21 de agosto de 1919, p. 493-499. 184 pudesse progredir e prosperar para auxiliar as despesas públicas de maneira eficaz. O principal meio era abrir um caminho mais fácil para os produtos desta região, com uma estrada pelo Nordeste, pelo mar, sentido porto ao sul da Bahia. c) Planos de viação Arthur Bernardes seguia a lógica pinheirista da articulação entre prosperidade e vias de transporte. Para ele, estender as redes férreas e fluviais de Minas, complementando-as com estradas de rodagem era “o maior benefício a prestar-se”. Aí estava, a seu ver, a chave do problema econômico mineiro. A ferrovia era fundamental para um estado com grandes extensões de terra e que não dispunha de outros meios de transporte de mercadorias que não os lotes de burros e os carros de boi. Complementadas pelas estradas de rodagem, seria possível realizar importantes ligações diretas entre as diversas regiões, como a do Triângulo Mineiro com o centro e capital de Minas, estimulando o povoamento e a produção. As estradas de rodagem eram caminhos vicinais de extrema importância na vida econômica mineira, “como meio adequado à saída da produção para as grandes artérias e centros de consumo e exportação”.622 A implantação deveria ser um projeto conjunto dos poderes federais, estaduais e municipais. Se ficasse apenas sob controle do Catete, temia que Minas fosse prejudicada.623 Deste prisma, as estradas, ferroviárias e de rodagem, eram sinônimo de maior autonomia econômica e, logo, política. Por isso, Bernardes investiu no setor. Ao final de seu governo em Minas, já havia adquirido a Estrada de Ferro Paracatu, com 96 Km de tráfego e 41 Km em construção; a Estrada de Ferro de Goiás; e a encapanação da Estrada de Ferro Sul-Mineira. Na Viação, construiu, ainda, 1498 Km de estradas de rodagem e 138 pontes, além de conceder a subvenção a construção de inúmeras estradas de automóvel.624 Uma vez aparelhadas em termos de transportes, as “ricas pastagens” para as quais o governo acenava interesse no Norte atendiam a demanda de uma pecuária crescente em todo o território, que, segundo Bernardes, já era a “principal fonte de receita” de Minas antes da guerra, e vinha sendo impulsionada pela remessa de carnes em frigorífico para o exterior, e o 622 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919 a 1922. 623 É o caso da restauração da Estrada de rodagem União e Indústria, que ligava o estado de Minas ao Rio de Janeiro, nos trechos de Juiz de Fora a Petrópolis, que Bernardes temia subtraísse mercadorias da Central do Brasil e desfalcasse suas rendas. Em razão desta pendenga, trocou diversas correspondências com o Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio. Arthur Bernardes queixava-se da incongruência de Minas ser um Estado central “obrigado a pagar tarifas que não aprova, quais as da rede fluminense, geralmente mais elevadas que as da rede mineira, embora a Companhia seja uma só”. MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 115. 624 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 49-55. 185 estabelecimento de charqueadas em vários municípios.625 Estudioso de dados e estatísticas,626 Senna sabia que o Norte possuía grande concentração de latifúndios, indispensáveis à pecuária extensiva. É possível que, para ele, contestar a emenda ao imposto territorial era opor-se a uma promessa de atenção para com uma região cujos representantes tantas vezes se ressentiram do “abandono” do Estado. O projeto entrou em 3ª discussão, por indicação da Comissão de Orçamento, e acabou decretado em sua forma inicial, sem a emenda controversa e sem a definição de “alqueire”. A Lei foi sancionada em 20 de setembro de 1919, com o nº746 e assinatura de João Luís Alves. Ele foi, junto com Francisco Salles e João Pinheiro, um dos grandes nomes do movimento protecionista do início do século XX, em defesa dos interesses industriais e agropecuários de Minas Gerais. Quando deputado federal pela bancada mineira (1903-1908), Alves já havia enfrentado forte oposição de interesses regionais, do fisco e dos cafeicultores no seu projeto de elevação dos direitos de importação de produtos semelhantes ao nacional, numa postura abertamente protecionista.627 Secretário de Finanças de Arthur Bernardes, pelo menos no quesito do imposto territorial, ele permaneceu firme em suas convicções. A “renovação” que Bernardes e Soares fizeram no Congresso Mineiro também pode ter contribuído para aprovar a lei numa formatação mais progressista, algo que nem Silviano Brandão, o principal líder da Tarasca em 1899, havia logrado fazer. Ainda assim, o caminho estava longe de ser simples. Frente a interesses díspares, regionalizados e historicamente assentados, qualquer medida “ordenadora, disciplinadora e racionalizadora”, para retomar a expressão de Holanda,628 apresentava-se como uma luta entre agentes tanto dispersos quanto organizados.629 Isto fica evidente nos debates e na forma como os deputados se apresentavam – oscilando entre “meu município”, “representante” político de determinada circunscrição, e “legislativo”. d) Reformas educacionais Converter a ideia de “prestância” em “cooperação”, num ambiente assim posto, não se dava apenas pela reforma tributária; passava pela “modelação do espírito”. Bernardes tinha consciência e apostava nisso: 625 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 20, p. 82. 626 Desde 1906 ele organizava e publicava o Annuario Estatistico Illustrado do Estado de Minas Geraes. ANNUARIO ESTATISTICO ILLUSTRADO DO ESTADO DE MINAS GERAES - Advertência, 1906. 627 LUZ, A Luta pela Industrialização do Brasil, op. cit., p. 132. 628 HOLANDA, Raízes do Brasil, op. cit. 629 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit. 186 Persisto na crença de que, preparado o meio com uma inteligente propaganda e feita a educação social dos agricultores com a difusão de conhecimentos indispensáveis sobre o mecanismo e funcionamento dessas associações, em que é indispensável a técnica e a pontualidade no comércio, poderemos ver novamente frutificar a bela instituição que João Pinheiro implantou em Minas.630 Desta forma, na presidência do Estado, Arthur Bernardes mostrou uma face até então empalidecida pela função de Secretário das Finanças: o alinhamento ao projeto educacional pinheirista, que foi ampliado e reformado. A estratégia de ação vislumbrou o curto, o médio e o longo prazo. Primeiro, era preciso fazer funcionar a educação prática dos produtores rurais. As fazendas-modelo já estavam em decadência desde os governos anteriores e Bernardes só fez confirmar a sua ineficácia. Para ele, não se podia acreditar na plenitude dos resultados, uma vez que, “por mais completo que aí seja o ensino, reduzido é o número dos que se abalam a ir recebe-lo e dos que se animam a visitar apenas esses estabelecimentos, deixando o lar e os afazeres, vencendo distâncias e gastando tempo e dinheiro”. O investimento era alto, os resultados “pouco apreciáveis”, e num “limitado raio de ação”.631 A afirmação de Bernardes acrescenta ao desprezo e desconfiança em relação ao trabalho rural, outros elementos importantes à resistência ao ensino agrícola: as distâncias e o investimento necessário. Sua estratégia era prosseguir com o ensino ambulante, fundamental na remodelação dos processos de trabalho rural, incentivando a substituição dos braços pelas máquinas agrícolas, o emprego de adubo e sementes selecionadas, irrigação e etc. Posto que os benefícios poderiam ser locais, regionais e mesmo nacionais, o projeto sugerido para o Congresso era de que Município, Estado e União contribuíssem, cada qual, com 1/3 para o dispêndio do serviço. Para ampliar esta modalidade de ensino, mandou contratar dez mestres de cultura dos Estados Unidos e regulamentar a atividade. A primeira parte, pela “barreira da língua” e pelas “especificidades do meio”, rendeu menos do que o esperado. A segunda ficou a cargo da Secretaria de Agricultura e foi aprovada pelo Decreto nº5.364, de 12 de julho de 1920. O Regulamento dividiu o território mineiro em 08 “distritos geográficos” e definiu a missão do ensino agrícola ambulante agropecuário na seguinte fórmula: “levar ao fazendeiro, por meio de mestres competentes, conhecimentos práticos sobre o ramo da indústria por ele explorado”.632 A ideia era conjugar forças com as escolas distritais e rurais, ampliadas em seu governo, onde os mestres de cultura também 630 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 93. 631 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 75. 632 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920, p. 75. 187 deveriam ensinar a agricultura prática.633 Na prática, uma análise mais aprofundada dos itens do regulamento nos mostra que, além do ensino, estabeleciam-se competências em muito semelhantes às que deveriam ser desempenhadas pelas cooperativas. Na carência deste tipo de associação, a incumbência do mestre ambulante de informar sobre preços de máquinas e locais de venda logo o transformou em intermediário entre produtores e as casas comercializadoras. Seguindo a lógica do binômio educação-trabalho pinheirista, Arthur Bernardes remodelou o Instituto João Pinheiro, originalmente pensado para recolher e educar menores desamparados. O novo formato consistia em destinar os jovens ali formados não mais para as fazendas, onde eram “comumente explorados pelos proprietários”, mas para os núcleos coloniais do Estado e para lotes doados a eles. Além de assegurar um campo de atividade para a profissão dos ex-alunos, convertendo o estabelecimento em “escola formadora de mestres de cultura e colonos nacionais” para “aproveitar, racionalmente, o nacional como colono ou fator eficiente da produção”.634 Com o redesenho do Instituto João Pinheiro, o Estado resolveria dois problemas: o da mão-de-obra e o da assistência aos menores desamparados. A necessidade de braços para a lavoura intensificou-se com a 1ª Guerra Mundial: o início interrompeu o já pequeno fluxo imigratório, e o término provocou a alta da produtividade agrícola. Era com “o mais sincero júbilo” que Arthur Bernardes constatava “a prosperidade dos nossos núcleos coloniais e a eficiência da organização dada a esse serviço pelo saudoso João Pinheiro”. Achava, pois, conveniente a ampliação, criando-se núcleos novos em que o elemento nacional estivesse em igual proporção ao estrangeiro. O serviço não só não pesava para os cofres públicos, dizia ele, como logo se tornava fonte de receita.635 Deste modo, o Estado estava empenhado em atrair para Minas o maior número possível de habitantes estrangeiros, ampliando e criando novos núcleos coloniais, em lugares salubres, produtivos e às margens de ferrovias. As iniciativas anteriores falharam justamente por não atentarem para estes quesitos. “Aproveitando as excepcionais condições criadas pela Grande Guerra”, Bernardes fundou quatro grandes colônias: Álvaro da Silveira, David Campista, Bueno Brandão e Francisco Sá. Segundo Bernardes, era grande o número de pedidos feitos à Secretaria de Agricultura para vinda dos parentes de imigrantes que ficaram na Europa, o que demonstrava o sucesso de um empreendimento em local higiênico, com terra fértil e perspectiva de “futuro feliz”, como observou a delegação alemã e suíça ao visitar os núcleos coloniais e constatar as 633 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 33. 634 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 08. 635 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 80. 188 casas construídas em tijolos, assoalhadas e dotadas de instalações sanitárias. A maioria dos imigrantes era de origem alemã, aos quais se juntavam nacionais.636 A conveniência de aproveitar as correntes imigratórias acarretas pelo cessar do conflito e a necessidade de diminuir a dependência do colono estrangeiro foram casadas na fórmula de núcleo colonial misto, uma das mais importantes reformas que Bernardes realizou em relação à ideia original pinheirista. Neste quesito, a escolha foi de certa forma sui generis, mas não inovadora. Ele recuperou um modelo aplicado na fundação da cidade de Filadélfia, em 1857, às margens do Rio Mucuri. A iniciativa foi gestada e encabeçada pelo mineiro Teófilo Ottoni, que sonhava em criar uma sociedade nova, pautada pelos ideais norte-americanos de liberdade e prosperidade. A princípio, a intenção era atrair mão-de-obra livre para o local, mas, como não obteve êxito, Ottoni redirecionou os esforços para a imigração, solução que acabou se tornando um dos principais motivos da derrocada da Companhia, em 1861.637 O saldo da empreitada foi a lição da inviabilidade da colonização sem salubridade e um horizonte de possível “incorporação e ampliação de uma enorme massa humana ainda excluída da comunidade nacional, aproximando recôncavos do oceano, desertos da cidade” em núcleos coloniais onde negros, índios, brancos imigrantes e proprietários estivessem reunidos sob a lógica da empreitada individual, de uma sociedade moderna e liberal.638 A peculiaridade talvez estivesse em retomar o modelo nas décadas de 1910 e 1920, marcadas pela emergência dos movimentos nacionalistas contrários à imigração; quando o elemento estrangeiro passou a ser visto como “inimigo externo”, um “perigo para a nação”, sobretudo após o aumento dos movimentos operários.639 A alternativa de colonização combinada de Arthur Bernardes parece-nos uma estratégia para aproveitar a desconfiança em relação ao imigrante para direcionar a mão-de-obra das fazendas e fábricas paulistas para as mineiras, revertendo a situação de desvantagem que Minas historicamente enfrentou a respeito. Não obstante, encaixa-se na lógica de um pensamento que emergiu como “efeito colateral” da crítica à imigração, isto é, a valorização do trabalhador nacional. Alberto Torres foi um dos principais expoentes desta corrente. Para ele, era preciso 636 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1922, p. 72-73. 637 A Companhia foi encampada pelo Governo em 1860 e extinta no ano seguinte após as repercussões do relatório do médico Robert Avé-Lallemant, que denunciava as péssimas condições de vida imposta aos colonos pelos diretores da Companhia. Ver: DUARTE, Regina Horta. Conquista e civilização na Minas Oitocentista. In: OTONI, Teófilo. Notícias sobre os selvagens do Mucuri. Edição, apresentação e notas de Regina Horta Duarte. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, p. 36. 638 ARAÚJO, Valdei Lopes de. Teófilo Benedito Ottoni: a força histórica de uma experiência moderna. In: Teófilo Benedito Ottoni e a Companhia do Mucuri: a modernidade possível. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Cultura/Arquivo Público Mineiro, 2007, p. 25. 639 OLIVEIRA, Lúcia Lippi. O Brasil dos Imigrantes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p. 19. 189 parar de engrandecer o “dolicocéfalo louro de olhos azuis” e voltar os olhos para a nossa população, dotada de todas as capacidades para organizar a produção do país. Mesmo analfabeta, mostrava “excepcional capacidade organizadora e administrativa”. Mas era preciso estimular-lhe a “ambição laboriosa”, o que, como a psicologia social já ensinava, se conseguiria com o “estímulo da esperança de fortuna sobre terras ricas, prometedoras e férteis”.640 Torres propunha apresentar ao trabalhador nacional as possibilidades de lucro que eram acenadas ao imigrante. Não atentava, contudo, para os obstáculos que este “despertar” enfrentava. Podemos compreender a situação a partir de dois caminhos analíticos que se entrecruzam. O primeiro é pelo que Max Weber designou como “espírito do capitalismo”. O próprio autor alerta que este é um conceito, portanto, historicamente variável, e que o delineamento que fez é provisório e não uma “apreensão definitiva”. Ainda assim, algumas das máximas que extrai do discurso de Benjamin Franklin ajudam-nos a entender o modus vivendi a que Torres se refere e que, acreditamos, era uma visão compartilhada por Arthur Bernardes. Os pressupostos centrais deste ethos são: tempo e crédito significam dinheiro; dinheiro atrai mais dinheiro, e cumprir o compromisso gera tanto credibilidade quanto lucro. Honestidade, pontualidade, presteza e frugalidade são as virtudes úteis e imprescindíveis, que precisam despontar não em indivíduos singulares, mas como um “modo de ver portado por grupos de pessoas”. O problema decorrente é que para se impor, este “espírito capitalista” viu-se obrigado a “travar duro combate contra um mundo de forças hostis”.641 A “valorização racional do capital” e a “organização racional do capital” foram obstaculizadas pelo “absoluto e consciente desregramento da ânsia de ganhar”. Pelo conceito weberiano de “tradicionalismo” é possível conceber ontologicamente o que significa o “espírito de resistência dos lavradores às inovações”, do qual Arthur Bernardes se queixava. O “tradicionalismo”, afirma Weber, pode ser observado no operário e no empresário. O trabalhador remunerado por tarefa, ao receber aumento de salário, ao invés de aumentar a produtividade, diminui, por basear-se na lógica do “quanto devo ganhar para receber a mesma quantia”. Pode-se pensar no pequeno produtor mineiro frente à iniciativa do governo de fornecer lotes e incentivos agrícolas. Aquilo que ele estava “acostumado” a produzir independia de toda esta burocratização e racionalização do trabalho. Já o empresário pode ter uma empresa nominalmente capitalista que, no mais das vezes, é tradicional em sua forma econômica. Prossegue no dia-a-dia com o “montante de lucros tradicional, a quantidade tradicional de trabalho, o modo tradicional de conduzir os negócios e de se relacionar com os trabalhadores e 640 TORRES, Alberto. O Problema Nacional Brasileiro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 2002, p. 128-132. 641 WEBER, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, op. cit., p. 42-51. 190 com a freguesia”, prezando pelo contato direto com o consumidor final. É o caso dos fazendeiros do café, habituados a recorrer ao tradicional protecionismo estatal para amortecer os impactos da dinâmica de mercado capitalista. O ponto de inflexão, diz Weber, é a persistência do trabalho para sobrevivência e a não-incorporação do enriquecimento por “vocação”. Mesmo quando a posse traz a sensação de poder e prestígio, ela só encanta aos “epígonos” da decadência, não ao empresário de tipo capitalista.642 Thorstein Veblen vai além. Para ele, mais do que um atrito, há uma incompatibilidade entre as formas de consumo conspícuo e a dinâmica capitalista. De acordo com o autor, a instituição de uma classe ociosa, cujo prestígio está pautado na propriedade e não no trabalho produtivo, impede de imediato o desenvolvimento pela inércia, pelo exemplo normativo, pelo conservadorismo e pela distribuição desigual de riqueza.643 A explicação vebleniana sinaliza pelo menos três linhas de ação de Arthur Bernardes. Para vencer a inércia, vimos acima, Bernardes, com o apoio de Nelson de Senna no Legislativo, empenhou-se na reforma tributária e na efetiva cobrança do imposto territorial; para combater o exemplo normativo da classe ociosa sobre as classes mais baixas apostou na “esperança da fortuna”. Este era também o objetivo do remodelamento do Instituto João Pinheiro. A doação de lotes, além da prática da agricultura, pautava-se na ideia de que “sentirem-se donos da terra poderia ser um impulso à prosperidade”.644 Da mesma forma, era função das exposições, amplamente defendidas por João Pinheiro, educar pelo exemplo. Bernardes foi, dos seus sucessores na Primeira República, o que maior atenção dedicou a elas. Durante o seu governo, fez um chamado para que os produtores mineiros participassem, sem esquiva, e se convencessem da importância de eventos que “além de constituírem meio cômodo e eficaz de propaganda industrial, tais exposições animam e estimulam os lavradores no cuidado a dispensar aos seus produtos”.645 O apelo denuncia que a participação espontânea neste tipo de evento era bem aquém do desejado. E, então, chegamos ao conservadorismo. Na concepção da intelectualidade republicana, afirma Angela de Castro Gomes, a superação do atraso brasileiro passava inevitavelmente pela “reeducação de todo o povo ‘contaminado’ por séculos de utilização da mão-de-obra escrava”.646 A tarefa maior para o 642 WEBER, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, op. cit., p. 59-65. 643 VEBLEN, A Teoria da Classe Ociosa, op. cit., p. 93. 644 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 08. 645 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919 (p. 75), 1920 (p. 08). 646 GOMES, Angela Maria de Castro. República, educação cívica e história pátria: Brasil e Portugal. In: Simpósio Nacional de História, Fortaleza: Anais do XXV Simpósio Nacional de História – História e Ética, 2009, p. 01- 12. 191 estímulo à “ambição laboriosa”, de que fala Alberto Torres, era incutir na classe ociosa a concepção de que o lucro não deveria ser dilapidado em formas variadas de ostentação, mas reconvertido em aumento da produção, o que significava aperfeiçoamento técnico e de maquinário. Como postulado por Torres, a sorte das nações modernas dependia da direção que tomaria o sentido do trabalho, se no sentido da especulação e da indústria improdutiva, ou no da máxima distribuição de riqueza e da expansão dos valores da liberdade comercial, sem as restrições e entraves de monopólios e privilégios.647 A escola adquiria papel fundamental neste processo, por criar “não apenas um discurso e uma linguagem comuns, mas também terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e maneiras comuns de abordar tais problemas comuns”. Uma vez que estamos falando da incorporação de novos esquemas de apreensão do mundo social, quanto menos exposto ao habitus cultivado que se quer extinguir, maior a facilidade de absorção dos “esquemas inconscientes”.648 A idade pueril requeria, pois, a dedicação dos governos e da intelectualidade. De acordo com Patrícia Hansen, a “transformação simbólica” da criança em futuro da nação se deu a partir do último quartel do século XIX, quando valores burgueses passaram a substituir gradativamente os ligados às sociedades tradicionais, que apressavam a passagem para a fase adulta. A faixa etária privilegiada era a de meninos alfabetizados de até doze anos, vistos como facilmente moldáveis, o que demandava colocar a instrução primária no centro das atenções.649 Arthur Bernardes incorporou este preceito na plataforma de governo, com a promessa de ampliar o número de escolas primárias, o que, segundo ele, não ocorria desde 1914. Para ele, a educação popular e primária era o “problema vital, o máximo problema da nacionalidade”. Reverter uma boa parte da economia em proveito da educação popular e primária era o “benefício mais direto, mais visível e precioso que os cidadãos recebem do poder público [de modo que], constitui para este um dever primordial e iniludível”. A pedra angular, e ele fala não só em nome do povo mineiro, mas do brasileiro, era acabar com o analfabetismo.650 Compreensivelmente, já que uma República de iletrados era o oposto de qualquer projeto educacional, esta era uma angústia que rondava políticos e intelectuais à época. A fim de tornar as instituições de ensino mais eficientes no combate a este mal, o diagnóstico de Bernardes partiu da estrutura do ensino mineiro. 647 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit., p. 167. 648 BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007, p. 207-212. 649 HANSEN, Patrícia Santos. Brasil, um país novo: literatura cívico-pedagógica e a construção de um ideal de infância brasileira na Primeira República. Tese de Doutorado em História. São Paulo: USP, 2007, p. 29. 650 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 48-50. 192 Na esteira das mudanças que realizou com Raul Soares no PRM, privilegiando o “talento” em detrimento do empreguismo no funcionalismo público, garantir a “competência” do corpo docente, algo que já havia mobilizado João Pinheiro, foi também uma das preocupações de Bernardes. Em seu governo, instituiu as promoções e o provimento dos melhores cargos por professores, bem como o trabalho em dois turnos de horários reduzidos; aumentou o corpo de inspetores, melhorou a fiscalização, criou os conselhos locais de instrução, e estimulou a atividade municipal e individual.651 Em 1919, a Comissão de Instrução Pública tramitou na Câmara um projeto que exigia o diploma de Escola Normal para a investidura no magistério; concedia ao governo o direito de dispensa e remoção de cadeiras, por interesse da administração; tornava os professores de ensino de livre-nomeação e demissibilidade pelo governo, independentemente de qualquer processo; proibia os casos de nepotismo, de parentesco de até 3º grau entre empregados subalternos e o diretor, e a ligação deste e do professorado com os inspetores; condicionava à nacionalidade brasileira a ocupação das cadeiras de português, história do Brasil, geografia e instrução moral e cívica; suprimia as cadeiras de alemão e de música do Ginásio Mineiro, entre outras disposições. Na declaração de voto, Nelson de Senna ergueu-se contra o que chamou de “perda da estabilidade do magistério”, por fundamentos “contrários aos interesses do próprio ensino”. Em especial, acusava que a possibilidade de remoção era a “negação da competência didática e da especialização”, recomendada pela “pedagogia moderna”. O dispositivo, colocava os professores sob os desígnios e arbítrios do poder Executivo, que, afirma Senna, era “todo aparelhado de autoridade política, possivelmente capaz de praticar injustiças”. Convém lembrar que o próprio Senna era professor concursado do Externato Ginásio Mineiro. Por mais que fosse favorável, e era, à uma educação pública que preparasse corpos e mentes para a prática e para a formação do sentimento patriótico, a medida lhe atingia pessoalmente. Seus apontamentos não foram, todavia, considerados. A lei foi executada com o texto original, pelo então Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Afonso Penna Júnior, e por Arthur Bernardes.652 Bernardes procurou também racionalizar a distribuição e as categorias escolares. Seu braço direito nesta tarefa foi Raul Soares. Como Secretário do Interior durante o primeiro semestre de 1919, ele assinou decretos de transferência de localidades de instituições de ensino; conversão de escolas em mistas, femininas ou masculinas; e congregação de escolas singulares 651 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 51. 652 LEI nº 732, de 27 se setembro de 1919. 193 em grupos escolares.653 A série de 27 ações, numericamente encadeadas em datas consecutivas, é reveladora da energia administrativa investida na questão de organização em um curto espaço de tempo, sem precedentes no período estudado. Após a morte de João Pinheiro, entre 1909 e 1910, nos governos de Wenceslau Braz e Júlio Bueno Brandão, foram expedidos dezenas de decretos de criação de cadeiras de instrução primária. A quantidade não atesta a qualidade e mesmo a efetividade destas instituições. Acreditamos que Soares ocupou a pasta com a função preestabelecida de ordenar e dar organicidade ao sistema de ensino primário mineiro. Os seus decretos foram uma prévia da reorganização da instrução primária estadual que Bernardes promoveu em 1920, com a instalação definitiva da Diretoria Geral do Ensino.654 Em Mensagem de 1908, João Pinheiro já havia declarado que esperava pelas Reformas do Ensino Primário, “em curso”, e do Ensino Secundário para combater a “cultura bacharelesca”, que só fazia insuflar as profissões liberais, mas pouco contribuía com a “prosperidade material da sociedade, razão de ser das classes liberais”.655 Em 1911, Bueno Brandão sancionou o Regulamento Geral da Instrução e nele continha um título para o Ensino Primário. O tempo que decorreu entre o regulamento de Bueno Brandão e o bernardista certamente contribuiu para apontar as falhas do sistema. À julgar pelas alterações que realizou em seu governo, Bernardes considerou insatisfatória a obrigatoriedade do ensino primário apenas para crianças de 07 a 14 anos, dentro do perímetro escolar de 1 Km para o sexo feminino e 2 Km para o masculino; insuficiente o prêmio de admissão em institutos profissionais normais, de lotes, máquinas agrícolas ou dinheiro, ser facultativo e não direito dos concluintes dos cursos agrícolas; e pouco efetiva a não-obrigatoriedade do ensino complementar anexo às escolas, permanecendo um forte enfoque em “estudos clássicos” em detrimento da prática.656 653 DECRETO nº 5.141, de 14 de janeiro de 1919; DECRETO nº 5.143, de 21 de janeiro de 1919; DECRETO nº 5.144, DE 28 de janeiro de 1919; DECRETO nº 5.145, de 28 de janeiro de 1919; DECRETO nº5.148, de 04 de fevereiro de 1919; DECRETO nº 5.153, de 11 de março de 1919; DECRETO nº 5.149, de 13 de fevereiro de 1919; DECRETO nº 5.157, de 18 de março de 1919; DECRETO nº 5.167, de 09 de abril de 1919; DECRETO nº 5.168, de 09 de abril de 1919; DECRETO nº 5.170, de 25 de abril de 1919; DECRETO nº 5.171, de 29 de abril de 1919; DECRETO nº 5.178, de 09 de maio de 1919; DECRETO nº 5.181, de 20 de maio de 1919; DECRETO nº 5.182, de 20 de maio de 1919; DECRETO nº 5.183, de 20 de maio de 1919; DECRETO nº 5.185, de 27 de maio de 1919; DECRETO nº 5.188, de 06 de junho de 1919; DECRETO nº 5.189, de 10 de junho de 1919; DECRETO nº 5.190, de 10 de junho de 1919; DECRETO nº 5.191, de 17 de junho de 1919; DECRETO nº 5.192, de 17 de junho de 1919; DECRETO nº 5.193, de 24 de junho de 1919; DECRETO nº 5.197, de 27 de junho de 1919; DECRETO nº 5.198, de 01 de julho de 1919; DECRETO nº 5.201, de 08 de julho de 1919; DECRETO nº 5.210, de 22 de julho de 1919; DECRETO nº 5.211, de 22 de julho de 1919. MINAS GERAIS, Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. 654 A Diretoria Geral de Ensino já estava prevista desde o Decreto nº 3.191, de 09 de junho de 1911. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. 655 MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1918, p. 40. 656 Pelo Regulamento Geral de 1911, as matérias obrigatórias no Ensino Primário eram: em Leitura, Escrita e Caligrafia, Língua Pátria, Aritmética, Geometria e Desenho Geométrico, Geografia, História do Brasil e Educação Moral e Cívica, Física e Química; Mineralogia, Geologia, Botânica e Zoologia; higiene; trabalhos manuais e 194 De acordo com a Lei de Reorganização do Ensino Primário do Estado, de 1920, o ensino popular seria ministrado em escolas infantis, escolas primárias (1º grau, 2º grau isoladas ou reunidas; e grupos escolares) e escolas complementares técnicas. As escolas urbanas eram de 2º grau; as distritais de 1º ou 2º grau, conforme a conveniência do governo; e as rurais e coloniais somente de 1º grau. À exceção das escolas noturnas e das regidas por professores, todas as demais se tornariam mistas; e seriam reunidas nos locais em que houvesse mais de uma escola. Para a nomeação do professorado primário teriam preferência as normalistas solteiras ou viúvas sem filhos; para o provimento de grupos escolares ou cadeiras de 2º grau, os pretendentes seriam apurados por média aritmética dos títulos (frequência, aproveitamento dos alunos, assiduidade, dedicação profissional, boas notas na Secretaria do Interior; colaboração na Revista do Ensino, boa saúde e resistência física).657 O ensino primário tornava-se obrigatório também para analfabetos maiores de 14 e menores de 18 anos, onde houvesse escola noturna, até que aprendessem “perfeitamente a ler, escrever, as quatro operações elementares da aritmética, a regra de três e o sistema métrico”. Os indivíduos ou empresas que empregassem mais de dez trabalhadores analfabetos, maiores de 18 anos, em localidades em que não houvesse escolas públicas a menos de 3 km, ficavam obrigados a fornecer o ensino elementar. Cada escola deveria ter como anexos hortos agrícolas (preferencialmente em zonas rurais) e clubes de produção pelo sistema cooperativo, com o objetivo de iniciar os alunos nas culturas, criações e indústrias agrícolas que fossem mais apropriadas para a localidade. A participação dos alunos nos Clubes e Hortos dar-se-ia mediante ações de pequeno valor, que a Caixa Escolar, custeada pelo município ou Estado, forneceria a cada aluno pobre. Para assessorá-los, previa-se a visita frequente de instrutores agrícolas ambulantes. O horto ou clube que apresentasse os melhores resultados receberia prêmios de animação. Em locais onde o governo julgasse conveniente, seriam criados dois cursos comerciais, dois industriais e quatro agrícolas. O concluinte e certificado em curso agrícola ganharia, por direito, um lote em colônia do Estado. O curso comercial, com duração de um ano, contaria com francês ou inglês prático, escrituração e redação comercial, datilografia e estenografia. A análise desta documentação permite traçar as estratégias de Arthur Bernardes na reforma do projeto educacional pinheirista. O combate ao analfabetismo, na letra da lei, foi agricultura; desenho; música vocal e canto; ginástica e exercícios militares, como as matérias obrigatórias. MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. 657 MINAS GERAIS. Lei nº 800, de 27 de setembro de 1920 – Reorganiza o ensino primário do Estado e contém outras disposições. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. 195 incisivo tanto em crianças quanto adultos, e as responsabilidades do Estado e dos municípios passaram a ser compartilhadas com os empregadores. O papel das escolas das zonas rurais e dos núcleos coloniais era a alfabetização e o ensino prático. Já as escolas urbanas e noturnas avançavam em operações matemáticas básicas. O que salta aos olhos é que as instituições anexas às escolas deveriam ser moldadas como microcosmos da modernização produtiva: com ações, prêmios de incentivo aos destaques, associação cooperativa. O Estado forneceria os métodos e os meios de tornar-se um pequeno produtor àquele que tivesse interesse, com assessoria especializada, lote, formação técnica e prática. Àquele que quisesse aprender a gerir melhor os seus negócios, o Estado oferecia, ainda, cursos de especialização industrial e comercial. A fórmula, conforme postulada por João Pinheiro, era de que o cuidado com o lavrador do “presente” deveria correr em paralelo com a “moldagem” do agricultor do “futuro”. Isto era fundamental no contexto de valorização do trabalhador nacional. Ao “fator moral da confiança” que a “esperança de fortuna” poderia despertar, dizia Alberto Torres, era preciso somar esforços na “consolidação do caráter do povo, pela educação; a defesa da sua economia física, pela alimentação e pela higiene pessoal, doméstica e pública”. Assim, venciam-se as vantagens de educação e preparo técnico que o imigrante tinha sobre o trabalhador nacional. Do ponto de vista evolucionista, o nacional se tornaria imbativelmente a melhor opção, posto que, descendente de negros e índios, ainda contava com a “adaptação mais antiga”.658 O livro O Problema Nacional Brasileiro, em que Torres congrega estas ideias, é de 1914, e impactou o pensamento político-intelectual da época.659 A preocupação com a identidade regional e nacional, e com os meios de atingir a modernidade, levou à descoberta do habitante do interior do país, ideologicamente sintetizado na figura do caboclo. Descobrimento este que revelava a dura realidade de uma população faminta, enferma e analfabeta.660 A imagem do caboclo esquálido, amarelado, de barriga inchada, pé descalço rachado, legado à própria sorte pelo Estado, padecendo de moléstias típicas da pobreza, foi imortalizada no personagem Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, em 1918.661 No enredo, Jeca Tatu, um caipira morador do Vale do Paraíba paulista, é rotineiramente acusado de alcoolismo e preguiça, até que um médico se depara com a sua figura miserável e resolve examiná-lo. Diagnosticada a presença da ancilostomose – popularmente conhecida como Amarelão e transmitida por um 658 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit., p. 128-132. 659 Sobre o pensamento de Alberto Torres e as diversas formas de apropriação e releitura de seus escritos ao longo do tempo, ver: MARSON, A Ideologia Nacionalista em Alberto Torres, op. cit.; e PINHO, Silvia Oliveira Campos de. Alberto Torres: uma obra, várias leituras. Dissertação de Mestrado em História. Belo Horizonte: UFMG, 2007. 660 CARVALHO, Pontos e Bordados, op. cit., p. 101-105. 661 LOBATO, Monteiro. Urupês. São Paulo: Seção de Obras do Estado de S. Paulo, 1918. 196 verme que penetra o corpo humano pela boca, pés, pernas e nádegas –, orienta o Jeca a calçar sapatos. O caipira não apenas se cura, como, livre da fadiga acarretada pela doença, volta a trabalhar. O “Jeca Tatu não é assim, está assim”, sentenciava o autor. A partir deste, que se tornou o símbolo do homem rural, Monteiro Lobato escancarou o problema da saúde pública no interior do Brasil, tema que já vinha sendo trabalhado pelos cientistas de Manguinhos, e era parte do esforço das campanhas sanitárias de nomes como Belisário Pena (1868-1939) e Arthur Neiva (1880-1943), os quais, após divulgarem na imprensa a trágica realidade de populações interiores, penalizadas “sob os signos do atraso, do abandono e da doença”, buscavam a cura e a integração desses elementos ao país.662 Para a conformação da babel de ideias que estão presentes no contexto de reformas do projeto pinheirista, é fundamental destacar que o pensamento de Torres e a obra de Lobato663 desnaturalizaram as razões do pessimismo em relação ao “caboclo”, ao “caipira”. Apesar do olhar pessimista para com o “caboclo” do presente, ambos abriram o horizonte de expectativa brasileiro, o seu caminho até a modernidade. Nossa população não estava fadada ao atraso. Se era bárbara e rude, as razões eram externas: o abandono do Estado, a espoliação estrangeira, as doenças da civilização. Ela podia e devia ser “reformada”, “regenerada”! Antes de criar o self-made man ao modelo americano, como apregoava João Pinheiro, era preciso cuidar da sua sobrevivência. Para Arthur Bernardes, as medidas de combate às endemias que dizimavam as populações rurais eram um dos braços de eliminação dos entraves ao progresso da lavoura, razão pela qual o governo dedicou atenção especial aos serviços de profilaxia rural, sobretudo para combater o mal de chagas. Bernardes organizou uma Comissão de Profilaxia e Saneamento Rural, no Serviço de Higiene do Estado, distribuída por três distritos sanitários (Zona da Mata, Sul e Norte) e em postos isolados. Sob a supervisão do dr. Samuel Libânio, médicos percorriam as comunidades, faziam conferências e distribuíam folhetos, em linguagem simples e acessível, com instruções para curar e evitar a infestação por verminoses.664 Minas, afirma Bernardes, foi o primeiro estado a firmar com o Departamento Nacional de Saúde Pública um acordo para o ajuste e a remodelação sanitária do país.665 Com 662 DUARTE, Regina Horta. A biologia militante: o Museu Nacional, especialização científica, divulgação do conhecimento e práticas políticas no Brasil, 1926-1945. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2010, p. 42. 663 O próprio Monteiro Lobato parece ter passado por este processo de desnaturalização da chamada “preguiça” e inadaptação do caboclo. No conto “Velha Praga”, originalmente publicado no Jornal O Estado de S. Paulo, em 1914, Lobato denominou o caboclo como “parasita da terra”, “inadaptável à civilização”, aferrado à estupidez da queimada. Quatro anos mais tarde publicou o Jeca Tatu, no qual o caboclo já despontava como um sujeito recuperável pela saúde e pela instrução. LOBATO, Monteiro. Urupês, op. cit. 664 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 65. 665 O acordo foi feito pelo Decreto nº3.987, de 02 de janeiro de 1920, a partir do qual o Governo Federal reorganizou a Saúde Pública e criou o Departamento Nacional de Saúde Pública, posteriormente Ministério da Saúde. BRASIL. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1920, op. cit. 197 o Estado e a União concorrendo com verbas iguais, ele defendia que o serviço poderia ser ampliado. Um outro acordo foi firmado entre o governo de Minas e a Inspetoria de Lepra e Moléstias Venéreas, para combater a sífilis. A fim de melhorar a condição sanitária, o governo concedeu empréstimos regulares aos municípios para a realização de serviços como esgoto e abastecimento de água, e instituiu serviços organizados nos diferentes municípios, sob a orientação da Diretoria de Higiene, com as seguintes atribuições: combater as endemias locais e moléstias sociais, como a tuberculose e a sífilis; combater os surtos endêmicos; realizar as inspeções médico-sanitárias das escolas; promover a higiene materna e infantil; fiscalizar os gêneros alimentícios; zelar pela higiene urbana e rural, entre outros.666 Pelas informações que fornece em 1921, a Comissão de Profilaxia vinha construindo fossas nos distritos do Sul e da Mata. Sobre o Norte ele não dá notícias. Um indício do “abandono” de que Nelson de Senna tantas vezes se queixou na tribuna do Congresso mineiro? No mínimo, sintomático. Segundo Senna, no Norte mineiro a situação era de “largas zonas devastadas pelo impaludismo e outros males endêmicos”, resultante da “situação de quase miséria orgânica e moral, em que vegetam os filhos dessa resignada e resistente gente sertaneja”. A região vivia um “criminoso descaso” dos poderes públicos. Em nenhuma outra zona de Minas, assevera Senna, a situação da infância era tão degradante. O constante êxodo da população, em busca de trabalhos melhor remunerados nas lavras cafeeiras, do Sul e da Mata, e do “fascinante Eldorado” que era o território paulista, levava os adultos e deixava “uma prole a deus dará”, que continuava a crescer por teimosia, “desassistida de qualquer socorro público ou privado”.667 Neste sentido, foi ganhando cada vez mais espaço no projeto positivista e pragmático de João Pinheiro a ideia do Estado como promotor da “regeneração das capacidades” físicas e mentais, em uma vertente autoritária e conservadora. Alguns escritos de Nelson de Senna nos dão a proporção da força deste pensamento na projeção de um futuro para Minas (e para a nação!). O título do artigo que escreveu para o 20º Aniversário da Associação Beneficente Tipográfica, em abril de 1920, é “Saúde, Honra e Força”. Não nos parece ocasional que apenas alguns meses antes do decreto de organização do ensino primário de Bernardes, Senna tenha escolhido este tema. As ideias estão alinhadas. O texto é iniciado com a afirmação de que corrigir a vadiagem infantil pelo trabalho era um “belo programa”. Os povos que se queriam “fortes”, afirma Senna, precisavam se impor a “tarefa educativa” de preparar o homem “desde 666 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1922, p. 49. 667 APCBH - NCS 4(7) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Relatório dos Teses XII e XIII, apresentadas no Congresso de Municipalidades do Norte de Minas, 03 de janeiro de 1910; 31 de agosto de 1928. 198 os verdes anos para as lutas do trabalho emancipador”. Dar teto, ensino, vestuário e pão, juntamente com lições técnicas e práticas “indispensáveis à formação bem equilibrada da mentalidade e do caráter” era a “grande missão afirmadora da nacionalidade nacional”. A nação que não curasse os seus “males e infecções sociais”, tais como o pauperismo, a prostituição, a vadiagem e o alcoolismo estaria relegada ao sofrimento, humilhação e debilidade cívica, uma “raça de condenados”.668 Há uma coincidência temporal e temática que merece ser sublinhada. O alcoolismo que Nelson de Senna repudiou neste artigo de abril de 1920, adentrou o debate na Câmara em julho, e, em setembro do mesmo ano, apareceu na Reorganização do Ensino Primário. Na tribuna, o estopim foi a votação sobre a emenda parlamentar que isentava as bebidas edulcorantes sem álcool dos impostos de consumo. O deputado Fidelis Reis abriu a discussão com a acusação de que se tratava de uma medida com “fins altamente moralizadores”. Ele era favorável às medidas para refrear o alcoolismo, mas julgava que “proibir” a fabricação de álcool em Minas era colocar o estado em situação de desvantagem econômica, já que outros estados, como São Paulo, continuariam fabricando. Na pior das hipóteses, dever-se-ia esperar até que a Lei que estava tramitando no Congresso federal para reprimir o álcool fosse aprovada, colocando todos os estados em pé de igualdade. Entre moções de apoio e protestos, Nelson de Senna lembrou que a produção paulista era de álcool industrial e não de cachaça, a “intoxicação da população”. O desaparecimento de tavernas, afirma Senna, traria como consequência o aumento dos braços para a lavoura.669 A associação entre ócio-vadiagem-alcoolismo remonta aos tempos coloniais. Antonil, em seu “Cultura e Opulências do Brasil”, desaconselhava a produção de aguardente nos engenhos para não expor os escravos à “tentação”, uma batalha também travada pelo Conde de Sarzedas, na Capitania de São Paulo, na década de 1730. O hábito do aguardentismo não era facilmente extirpável. A Metrópole já havia tentado por meio de pesada tributação, proibição, mas o “álcool, embora perseguido e taxado, permanecia invicto, soberano”.670 Era uma questão de “costume” e de economia, como bem mostra o debate entre os deputados. A saída encontrada por Arthur Bernardes foi utilizar o veneno como antídoto. O Regulamento de 1920, destinava 668 Este artigo foi publicado duas vezes em datas e periódicos diferentes. Em 1917, pelo periódico O Momento Nacional, com o título “Minas e a Ação Preponderante para a Defesa da Pátria; e, em 29 de abril de 1920, pela Associação Beneficente Tipográfica de Belo Horizonte, com o título “Salus, Honor et Robur”. APCBH – NCS 5 – ATIVIDADES ACADÊMICAS – NCS 5 (16) e NCS 5(64)B. 669 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 8ª Legislatura. 16ª sessão ordinária, aos 27 de julho de 1920, p. 186-189. 670 ALMEIDA JÚNIOR, Antonio. O alcoolismo no Brasil-Colônia (origens do aguardentismo nacional). Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, São Paulo, vol. 30, n. 2, jan. 1934, p. 217-245. 199 20% da receita do imposto sobre bebidas alcoólicas ao fundo de instrução primária e complementar.671 À educação era atribuída uma capacidade eugênica: a partir dela, moldar-se- ia uma nova sociedade, isenta de vícios e apta ao trabalho produtivo. Nos dizeres de Senna, “uma raça forte, raça de bravos, constituída por homens sadios livres do analfabetismo e da miséria, amantes da família, da pátria e da humanidade”.672 A frase de Senna combina moral e civismo o que, conforme Patrícia Hansen, é característica da construção do ideal de infância na Primeira República. Se o Brasil descrito por Louis Couty não tinha o “povo” que se almejava,673 era preciso construir o verdadeiro cidadão brasileiro. Imbuídos deste ideal, intelectuais como Olavo Bilac, Coelho Neto e Silvio Romero, enveredaram pela literatura cívico-pedagógica, destinada ao público infantil, com o objetivo de difundir “hábitos, virtudes e conhecimentos”. Hansen explica que entre os valores considerados indispensáveis na “arte de formar brasileiros” estavam a família como “esteio moral”; a promoção da solidariedade entre os diversos tipos da população brasileira; a preocupação com a saúde; a propagação da meritocracia pelo estudo; a construção de uma ética do trabalho; a difusão dos conhecimentos sobre a pátria; a idealização da República como sinônimo de democracia; a valorização do hino e da bandeira; a civilização e progresso como os objetivos máximos do patriotismo; e o engrandecimento da formação moral.674 O alcoolismo era uma grande preocupação na formação da nacionalidade, e na configuração da “ética do corpo e da ação”.675 As bebidas alcóolicas emergiam na literatura- cívico pedagógica como causadora de degradações, “produção de inúteis”, sinônimo de intemperança, dos “maus impulsos”’, “tentações”, “gozos inferiores” e até o “crime”.676 O tema é um ângulo interessante de análise, pois a moral e a saúde aparecem articuladas ao sistema de controle do corpo, e este ao monopólio da força física e simbólica, ao poder. Entendemos que a questão está envolta em um duplo processo. No nível macro, temos o controle das pulsões imposto às crianças pelos adultos, sob a forma de uma “modelação social”. De acordo com Norbert Elias, ela é parte do “processo civilizador” da sociedade ocidental e consiste na difusão 671 MINAS GERAIS. Lei nº800, de 2 de setembro de 1920, Art. 73 – Destina ao fundo da instrução primária e complementar 20% da receita do imposto sobre bebidas alcoólicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920. 672 APCBH –NCS 5(64)B – ATIVIDADES ACADÊMICAS. 673 José Murilo de Carvalho, em Os Bestializados, demonstrou com maestria o quanto a massa da população brasileira, mestiça, analfabeta, fora do mundo organizado do trabalho, baixo envolvimento na vida política da cidade passava ao largo do ideal de “cidadão” eurocêntrico que a elite política republicana projetava. CARVALHO, Os Bestializados..., op. cit. 674 HANSEN, Brasil, um país novo... op. cit. 675 HANSEN, Brasil, um país novo... op. cit., p. 118-121. 676 OSÓRIO, Joaquim Luís. Apud HANSEN, Brasil, um país novo... op. cit., p. 118. 200 de costumes, modas e comportamentos das classes mais altas para as classes mais baixas.677 Reprimir os vícios “da carne e da alma”, os “males e infecções sociais”, como pregava Senna, é parte de uma organização monopolista da violência física que não se faz de maneira direta, mas via compulsão ou pressão. Seja de maneira automática ou a partir da conduta e dos hábitos, desde a mais “tenra idade” o indivíduo passou a ser treinado ao “autocontrole” e a “autosupervisão automática das paixões”, como se fosse uma “estação de retransmissão de padrões sociais”.678 O álcool, a prostituição e a vadiagem eram perigosos por “abrir” o canal dos instintos primários e espontâneos. Na teoria eliasiana, fortemente inspirada em Weber, o protagonista desta organização civilizadora é o Estado, pois há entre ele e a “civilização” uma relação de complementaridade, que passa pela “burocratização” das emoções.679 Uma ressalva nos parece essencial para definir os limites deste modelo para o nosso objeto. Entre nós, como afirma José Murilo de Carvalho, a “civilização” significou muito mais a “aristocratização da vida urbana”, com a incorporação dos paradigmas aristocráticos franceses e ingleses como fatores de diferenciação em uma sociedade recém-saída da escravidão, do que a democratização.680 As técnicas de dominação, a ação sobre o corpo, o adestramento gestual e comportamental, a normalização do prazer, as relações de interdependência, todos estes artifícios de poder que aparecem em Elias localizados na estrutura das relações sociais, são enfeixadas por Michel Foucault na ideia de disciplina, cuja função é tornar os corpos dóceis e manipuláveis, aproveitando suas potencialidades como força de trabalho, utilidade econômica.681 É deste ponto de vista que podemos compreender o projeto educacional posto em prática a partir do governo de Arthur Bernardes, e arduamente defendido por qual Nelson de Senna. O pragmatismo pinheirista foi entrelaçado a uma “modelação social” moralizante. Mais do que aperfeiçoar a mão-de-obra, entendemos que o objetivo maior era a disciplinarização, em amplo sentido e alcance, de todos os setores da sociedade para a modernização produtiva. Mas, para que o trabalho produtivo vencesse o habitus não bastava cuidar da infância. Era preciso tornar a nova apreensão do mundo social algo indispensável e natural, para o que era imprescindível o poder “quase mágico que permite o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, [que] 677 ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001, p. 13. 678 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994, vol. 2, p. 202. 679 ELIAS, O Processo Civilizador, op. cit. 680 CARVALHO, Brasil 1870-1914: a força da tradição, op. cit., p. 121. 681 FOUCAULT, Michel. Os Corpos Dóceis. In: Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis, Vozes, 1987. 201 só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário”.682 Nas Minas da Primeira República, o alcance e os limites dos micropoderes no contexto de revisão do projeto pinheirista estão também ligados a este importante componente subjetivo. O poder simbólico e o que os agentes são capazes de fazer dele na “luta pela imposição da visão legítima do mundo social”, explica Bourdieu, são proporcionais ao seu capital, ou seja, ao reconhecimento que recebem de um grupo.683 A nossa hipótese é que a reforma que Arthur Bernardes realizou no PRM, somadas às reformas tributárias, corroeram lentamente as bases do seu capital simbólico – e, secundariamente, o de Senna. O sistema coronelista baseava-se em um jogo de barganhas. Do Estado para o município, o governador garantia o poder do coronel sobre seus dependentes e rivais, sobretudo a partir da concessão de empregos e cargos públicos.684 A modernização dos estatutos e da maquinaria do partido, com a rotatividade imposta às legislaturas mineiras, foram, nas palavras de Wirth, “uma bofetada no velho estilo de política dos pistolões”. Nos momentos de crise e sucessão eleitoral, a Tarasca atuava como um comitê “estabilizador e legitimador”.685 Na ânsia de reformar o sistema político, Bernardes ignorou ou subestimou a importância da Comissão Executiva como sustentáculo para o governador, na qualidade de mediadora das relações deste com os coronéis. A nosso ver, uma das consequências foi o desvio do projeto pinheirista da via liberal para a autoritária. Expressão maior está nas medidas tomadas para avançar em sua nova estratégia de desenvolvimento regional: a especialização e a industrialização. 5.1.2 – A reconfiguração de Marte O ano de 1920 marca o ordenamento da estratégia desenvolvimentista mineira, sua passagem da recuperação econômica pinheirista, via agropecuária, para a especialização produtiva a partir da expansão industrial. O empenho na transição de um para outro já era perceptível no remodelamento que Arthur Bernardes realizou no ensino técnico. Pela Constituição de 1891, o ensino secundário e superior (formação intelectual) estava sob a responsabilidade da União, e o primário e profissional (formação do cidadão) a cargo dos Estados.686 Bernardes defendia que o problema deveria primeiramente ser tratado no âmbito do município para que depois a União pudesse orientá-lo, coordená-lo e nacionalizá-lo. Tão logo 682 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 14. 683 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 145. 684 CARVALHO, Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo... op. cit. 685 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 163-165. 686 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 152. 202 assumiu a Presidência, enviou uma mensagem ao Congresso Mineiro, na qual sinalizou a necessidade de rever a forma como o ensino técnico vinha sendo implantado em Minas. Para ele, era preciso pensar não em uma solução uniforme, mas em uma que se adaptasse ao meio: nos lugares em que a maioria dos alunos teria profissão agrícola, era necessário ensinar métodos agrícolas; já nos meios industriais, era preciso formar futuros operários.687 O contexto em que escreve evidentemente influenciou nesse enfoque. À época, Juiz de Fora se destacava como um centro industrial, graças ao acúmulo de capital propiciado pela cafeicultura da Zona da Mata.688 Também na capital mineira, industrialização e urbanização começavam a ter contornos melhor definidos. De 1906 a 1912, a taxa de crescimento de Belo Horizonte passou de 4,5 para 14,2, com um total de 38.822 habitantes. Em 1912, a cidade contava com 91 estabelecimentos fabris, divididos em 28 de indústrias alimentícias, 36 de vestuário, 11 de minerais não-metálicos, 7 de madeiras e 11 diversas. De 1915 a 1918, para minimizar os danos da Primeira Guerra mundial, o governo investiu na dinamização do comércio local para abastecer o mercado interno e numa ação mais organizada na implantação da siderurgia.689 Qualificar a mão-de-obra adequada a esta empreitada industrial nascente, mesmo que em crise, já seria justificável. Não obstante, os revezes de guerra que a historiografia aponta parecem ter sido sentidos pelos contemporâneos apenas a posteriori. A julgar pelo que afirma Arthur Bernardes, a indústria mineira foi beneficiada pelo início da Primeira Guerra Mundial, na medida em que essa dificultou a importação e ofereceu vantagens às exportações. A partir de 1914, foram criadas novas indústrias, como da lactose, soda cáustica, destilação de madeiras, e ácido arsênico, além do desenvolvimento das antigas, como as de tecido, fortalecidas pela entrada de Minas nos mercados da Bacia do Rio da Prata. Na concepção de Bernardes, era com o trabalho industrial em território nacional que as necessidades da vida deveriam ser enfrentadas.690 Ele defendia a necessidade de se abandonar os métodos tradicionais e passar definitivamente para a fase industrial. a) A Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa O impulso seria dinamizado pelo incremento do setor agropecuário no pós-guerra, que requereu a formação de mão-de-obra qualificada e apta ao emprego de “recursos científicos 687 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919. 688 GIROLETTI, Domingos. Industrialização de Juiz de Fora (1850/1930). Juiz de Fora: EDUFJF, 1988. 689 FARIA, Maria Auxiliadora & GROSSI, Yonne de Souza. A Classe Operária em Belo Horizonte: 1897-1920. In: V Seminário de Estudos Mineiros... op. cit. 690 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 92. 203 avançados”.691 A inclusão do ensino médio e superior, até então à cargo da iniciativa privada, como preocupação em seu programa de governo vinha atender a esta demanda. Era com um tom de indignação e surpresa que ele constatava não haver em Minas, um “estado agropecuário por excelência”, um estabelecimento capaz de servir de base à educação agrícola e ensinar as suas especialidades, como arboricultura, horticultura, viticultura, silvicultura, zootecnia e economia rural. Para sanar esta deficiência, Bernardes empenhou-se na fundação de uma Escola de Agronomia e Medicina Veterinária. Ao Congresso ele pedia autorização para fundar, em “ponto grande”, o instituto e a contratar profissionais estrangeiros, “capazes de organizá-lo e dirigi-los com proficiência, dada a escassez de sumidades em nosso país”. A função era “tornar mais consciente e produtivo” o esforço no trato da terra, e oferecer uma alternativa aos rapazes que saíam dos ginásios para ingressar nas academias, mesmo sem aptidão necessária.692 O tema nem chegou a entrar em debate no Legislativo mineiro. À mensagem presidencial de junho, seguiu-se a sanção da Lei nº761, de 06 de setembro de 1920. A partir dela, o governo estadual ficava autorizado a criar a Escola Superior de Agricultura e Veterinária, em local ainda a ser definido, entre terras de domínio estatal ou particular. Os objetivos ficaram assim estabelecidos: “ministrar o ensino prático e teórico de Agricultura e Veterinária e bem assim realizar estudos experimentais que concorram para o desenvolvimento de tais ciências no Estado de Minas Gerais”.693 Entre a autorização e a criação passaram-se dois anos. A Escola foi oficialmente criada pelo Decreto nº 6.053, de 30 de março de 1922, e colocada sob a direção do Prof. Peter Henry Rolfs. Ao assinar a lei, Bernardes ressaltou que o projeto vinha atender o anseio de completar o aparelhamento das escolas de ensino prático, primário e médio, para resolver o problema do ensino agrícola.694 Igualmente indispensável era investir na nacionalização da tecnologia. Como parte do incremento do trabalho e da produção especializada, Bernardes também conseguiu a autorização do Congresso Mineiro para auxiliar a construção do Instituto de Química Industrial, na Escola de Engenharia de Belo Horizonte, fundada em 1911, destinado a ensinar, analisar e realizar estudos químicos sobre matérias- primas nacionais, como alimentos, adubos, etc., auxiliando diretamente as indústrias e a agricultura do Estado.695 A lei de criação da ESAV corresponde a um dos últimos atos de Bernardes como Presidente do Estado, e a sua implementação foi perseguida por todo o seu governo como 691 DULCI, João Pinheiro e as Origens do Desenvolvimento Mineiro, op. cit., p. 132. 692 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 05-06. 693 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920, p. 09. 694 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920, p. 66. 695 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 24. 204 Presidente da República. A inauguração efetiva se deu nos últimos meses do mandato, em 1926, motivo pelo qual retornaremos ao tema no Capítulo 7, quando da análise do desmantelamento do projeto desenvolvimentista mineiro para o Brasil. Por ora, importa registrar a concepção da Escola. Otávio Dulci frisa que a importância da instituição não era o ensino agrícola de nível superior, que já era realizado por escolas particulares, mas “o fato de ter sido planejada como base para um grande salto no rumo da modernização do campo, pretendida pelo projeto de diversificação produtiva”. De acordo com o autor, a missão era formar quadros e difundir ideias e valores para uma renovação e racionalização do meio rural, única forma de enfrentar “o peso da tradição, dos métodos rotineiros de produção”. A ESAV não deveria ser apenas mais uma escola agrícola, mas uma instituição com um programa próprio e uma indelével vocação para a pesquisa. Com ela, Bernardes demarcava os alicerces da estratégia de diversificação econômica mineira a partir de 1920: criação e divulgação da capacidade de produção científica e tecnológica.696 Entendemos que a ESAV foi o divisor de águas na reconfiguração da órbita de Arthur Bernardes. A dupla face de Marte se fez presente em nosso astro político. A partir de então, Bernardes passou a ser mais do que o guardião da agricultura. Assumiu o bastião de uma guerra nacionalista em prol da industrialização e da defesa do ferro para a implementação da siderurgia mineira. Como afirma Dulci, o raciocínio que impulsionou a criação da ESAV foi o de um “modelo de crescimento baseado na grande indústria, aqui designado como especialização industrial”, já presente na criação da Escola de Minas de Ouro Preto,697 lugar por excelência do conhecimento geológico e mineralógico. O autor só não menciona um fato fundamental: os decretos de autorização e criação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária foram assinados pelo Secretário das Finanças, José Luís Alves, e pelo Secretário da Agricultura, Clodomiro de Oliveira. O primeiro, como dito anteriormente, era defensor do protecionismo estatal à agricultura e à indústria, e contrário a interesses regionalistas. O último, também já brevemente citado, ex-aluno da EMOP, teria sido, nas palavras de Carvalho, o elo entre as Minas da Terra e a do Ferro. A fim de sustentar o ajuste que propusemos, de Bernardes como porta de entrada desta ligação na política estatal, convém esmiuçar melhor quem foi e qual o papel de Clodomiro de Oliveira e da EMOP no âmbito de nossa problemática. 696 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 51-53. 697 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 54. 205 b) O problema siderúrgico mineiro A Escola de Minas foi fundada em Ouro Preto, em 1876, por iniciativa pessoal do Imperador D. Pedro II, na esteira da criação Comissão Geológica do Império. Juntas elas representam a materialização das mais importantes iniciativas no sentido de uma geologia aplicada no Brasil.698 O modelo que serviu de inspiração ao francês Claude Gorceix, que chegou ao Brasil em julho de 1874 para ser diretor da EMOP, foi o da Escola de Minas de Saint-Étienne, que aliava o ensino teórico ao prático, a partir da realidade local.699 Desta maneira, a EMOP vinha no “sentido de se tentar manipular a educação como variável estratégica no processo de desenvolvimento econômico”. Apesar dos vinte primeiros anos da Escola terem sido profundamente questionados, dado o isolamento da região e o baixo número de alunos, ela resistiu, graças ao empenho de Gorceix. Ao adentrar a República, a EMOP estava fortalecida e consolidada, com estudos e atuações de impacto sobre o desenvolvimento científico tecnológico brasileiro, basicamente restrito a ela até 1930. Nas palavras de Carvalho, a Companhia Siderúrgica Mineira foi a “contribuição mais substancial dos ex-alunos” da EMOP para a área industrial.700 Fundada em 1917, pelos engenheiros Amaro Lanari, Gil Guatimozin e Cristiano Guimarães, o início difícil da CSM só não significou o completo colapso graças à visita oficial do Rei Alberto da Bélgica ao Brasil, em 1920, durante o governo de Arthur Bernardes. Seduzido pelas possibilidades de investimentos, o monarca enviou a Minas Gerais, em 1921, um grupo de representantes belgas encabeçado pelo engenheiro Jean Pierre Arend, do grupo de aço ARBED (Acieres Réunies de Burbach-Eich-Dudelange).701 O acordo deu origem à Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, com o objetivo de ampliar a instalação de Sabará, colocar a Usina de Monlevade em atividade e montar uma usina de aço.702 Em termos políticos, a participação mais contundente dos ex-alunos da EMOP foi nos 20 anos de debates em torno do contrato Itabira-Iron Ore Company,703 criada em 1911, pelo capitalista inglês, Sir. Ernest Cassel704 na onda entusiástica pós-Congresso Geológico de 698 FISCHER, Minério de Ferro, Geologia Econômica... op. cit. 699 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 54. 700 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 82; 111-113. 701 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit., p. 82-83. 702 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 36-37. 703 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit. 704 Segundo Carlos Pelaez a empresa foi uma associação de Cassel com Baring Brothers, Cecil Rhodes e C. Rothschild. Agradecemos a Georg Fischer por chamar a nossa atenção para o fato de que a associação (imaginária) “Roosevelt-Rhodes-Rothschild” era muito eficiente na argumentação e defesa do antimperialismo, mas infundada. À época do contrato, Rhodes já não estava vivo e Rothschild não fazia parte do grupo. Ao que parece, Pelaez amparou-se nos escritos de Clodomiro de Oliveira, que compreendia o projeto Itabira como uma grande 206 Estocolmo, para organizar a exportação de minério de ferro na região do Vale do Rio Doce. A empresa conseguiu o controle da ferrovia Vitória-Minas para escoar a produção, com a promessa de que construiria uma usina siderúrgica com capacidade mínima para mil toneladas. A escassez de recursos acarretados pela guerra, e os impasses causados pelos termos do contrato foram de tal monta, que a companhia foi repassada a capitalistas britânicos, em 1918, sem ter conseguido entrar em operação, o que protelou a construção da usina. O assunto foi, então, retomado pelo empresário Percival Farquhar, detentor dos direitos sobre empreendimentos em diversas estradas de ferro no Brasil.705 A perspectiva de lucros e a possibilidade de compra da empresa chamou a atenção de Farquhar, que se aliou a um grupo de empresários norte-americanos e aproveitou a passagem do Presidente da República, Epitácio Pessoa, por Nova Iorque para apresentar o seu projeto. Ele propôs que a Itabira Iron obtivesse autorização para exportar 4 toneladas de minério de ferro por ano, por uma ferrovia a ser construída, que ligaria Itabira ao porto de Santa Cruz, em um ponto específico da E. F. Vitória-Minas. Os navios da companhia exportariam minério de ferro e trariam carvão mineral importado a Minas, possibilitando, assim, a construção de uma usina de aço integrada. A promessa de Farquhar era sedutora: fundar a grande siderurgia em Minas com o adendo de baratear o frete e suprir a necessidade de combustível.706 Com a anuência de Epitácio Pessoa, o projeto foi encaminhado e aprovado pelo Congresso Nacional, em janeiro de 1920, mas, em obediência ao princípio federalista, Epitácio sujeitou o funcionamento da Itabira Iron à aprovação da Assembleia Legislativa do Estado de Minas. Como bem sintetizou Werner Baer, começava aí a queda de braço com o governo de Arthur Bernardes, que duvidava da intenção de Farquhar de realmente implantar uma grande usina siderúrgica.707 Em Mensagem ao Congresso mineiro, em 1920, Bernardes pedia cautela. Por ser de tamanha importância, técnicos divergiam sobre o assunto, o que, afirma ele, impedia o governo de Minas de opinar definitivamente. A fim de sanar dúvidas, e por considerar o problema da siderurgia mais nacional do que regional, uma vez ligado ao futuro do país, pediu a colaboração do Governo Federal para verificar se os pedidos de favores não eram demasiados ou excessivos. Bernardes considerava imperativo assegurar o fornecimento de chapas de ferro conspiração imperialista contra o Brasil. PELAEZ, Carlos Manuel. Itabira Iron e a Exportação de Minério de Ferro do Brasil. Revista Brasileira de Economia, Rio de Janeiro, vol. 24, n. 4, 1970, p. 139-174. 705 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit., p. 91-93. 706 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit.; IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit.; BARBOSA, Daniel Henrique Diniz. Tecnoburocracia e pensamento desenvolvimentista em Minas Gerais (1903-1969). Tese de Doutorado em História Econômica. São Paulo: USP, 2012. 707 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit., p. 91-93. 207 e aço para as construções navais e demais arsenais da Marinha e da Guerra, bem como para a fabricação de trilhos de estrada de ferro. Da forma como o contrato foi celebrado com a União, cabia a Minas definir a solução para o problema, aumentando-lhe a responsabilidade: Cumpre, por isso, não nos seduza, em matéria de tamanha gravidade, a glória efêmera de realizar apressadamente uma obra grandiosa na opinião comum. Devemos examinar o problema com calma e resolvê-lo de modo a atender aos interesses permanentes da pátria.708 Em 1921, Bernardes parecia menos comedido, ao justificar não ter sido possível solucionar o problema siderúrgico de Minas Gerais, pois o sindicato que ficou responsável por montar uma usina siderúrgica em Minas não oferecia “vantagens suficientes” ao Estado. Como o acordo se desenhava, a siderurgia satisfazia apenas a “vaidade” e não “a vantagem prática que temos o direito de lhe pedir”. O que o sindicato pedia era, em sua concepção, um monopólio de fato, apenas porque o monopólio de direito não era permitido pelas leis brasileiras. O contrato deixava a Nação “tributária da indústria estrangeira em relação a produtos já incorporados ao consumo brasileiro”. Para resolver o problema da siderurgia, Bernardes defendia que os produtos fabricados no país deveriam ter um preço menor do que os do estrangeiro. Por isso, era indispensável que o contrato para a construção da siderúrgica em Minas cedesse os seus produtos ao consumo nacional “a preços inferiores aos dos similares estrangeiros, com um abatimento correspondente à soma das despesas do transporte e seguro marítimo”. Diante do argumento de que a siderurgia levaria a um surto de máquinas agrícolas, além de contribuir para a defesa militar e o desenvolvimento ferroviário do país, Bernardes contra-argumenta que não havia nenhuma garantia de que o sindicato faria isso, e não se podia confiar na estabilidade de serviços bélicos dependentes da importação de carvão estrangeiro. Era preferível aguardar a descoberta de um método para utilizar carvões mais pobres e impuros, do que ficar refém de trinta anos de contrato. A alternativa para uma indústria essencialmente brasileira deveria partir da associação das jazidas de minério de ferro de Minas com os depósitos carvoeiros do sul do Brasil. 709 708 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920, p. 12-13. 709 De acordo com Arthur Bernardes, ao governo eram solicitados os seguintes favores: “a) – permissão para exportação o minério na percentagem de 95% do que for reduzido no Estado; b) – redução do imposto de exportação desse minério para 30 réis por tonelada, o que equivale, no prazo contratual, a enormíssima perda para o Tesouro; c) – concessão gratuita das quedas d’água que forem necessárias, por um prazo maior do que o de duração do contrato; d) – concessão de uma faixa de terrenos devolutos de 5 a 10 quilômetros de cada lado do eixo da E. F. Victoria a Minas; e) – isenção de todos os outros impostos estaduais; f) – faculdade de desapropriação por utilidade pública”. Ver. MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 33-36. 208 Nesse ínterim, na Câmara mineira, Rocha Lagoa sugeriu uma emenda à Lei nº 750, de 23 de setembro de 1919, que elevava o imposto sobre a exportação do minério de ferro. De acordo com o deputado, quando recomendou à plenária a minuta que deu origem à lei, sua intenção era evitar que, após a propaganda do Congresso Internacional de Geologia de Estocolmo, os minérios de ferro existentes em Minas escoassem para o estrangeiro sem benefício para o Estado. Entretanto, diante da fundação de uma “poderosa empresa” para a fabricação de ferro e aço em São Paulo, pedia que o imposto para o minério exportado para qualquer estado brasileiro fosse reduzido de 3$000 para 200 réis a tonelada. A Câmara, afirma ele, daria demonstrações “do elevado espírito do liberalismo”, caso acatasse a sua sugestão. Minas possuía as reservas suficientes para, em um futuro próximo, ser um centro industrial, mas faltavam os elementos necessários, como o carvão mineral e as grandes quedas d’água, que em território mineiro eram “tão somente cachoeiras”. O discurso foi prontamente interrompido pela afirmação de Nelson de Senna, de que “Minas é riquíssima em hulha branca”, ao que Rocha Lagoa dizia não ser possível concordar, por não haver na parte central de Minas nenhuma queda comparável à dos Alpes. Para refutar a assertiva, Senna citou os saltos do Rio Grande, Patos e Maribondo. Lagoa evidenciou, então, que estas não estavam na zona ferrífera.710 O debate se estendeu sob acusações de “megalomania patriótica”, até Lagoa utilizar um recurso estratégico de desmonte do capital discursivo de Nelson de Senna: Em que pese a alta cultura do nobre deputado, não reconheço em v. exc. a autoridade necessária para, do fundo do seu gabinete, vir dogmatizar a respeito do potencial das nossas quedas d’água, o que somente poderá ser conhecido depois de estudos acurados feitos in loco por técnicos.711 A afirmação atingia Senna profundamente. Ele era, se não um grande estudioso, ao menos um acumulador de dados estatísticos sobre as quedas d’água mineiras, reunidos e publicados tanto na obra A Hulha Branca (1911) quanto nos Anuários Estatísticos. O próprio Arthur Bernardes de certa forma criticou, em 1919, os trabalhos já existentes a este respeito, ao afirmar que nenhum estudo rigoroso ainda havia sido feito e, principalmente, declarar que não bastava pontuar a cachoeira e o município de localização (como Senna fazia), era preciso fornecer outros dados (capacidade de queda, distância da sede do município e estação ferroviária mais próxima, vias terrestres e fluviais possíveis, etc.) que permitissem ao industrial 710 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 03 de setembro de 1921, p. 355-359. 711 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 03 de setembro de 1921, p. 356. 209 verificar a conveniência ou não da exploração de uma determinada queda d’água.712 Mas, por munir-se de dados gerais, Senna colocava-se ali, na Câmara, como detentor de legitimidade para tratar do assunto. Lagoa o fragilizava perante seus pares na medida em que chamava a competência técnica como único argumento passível de consideração. Nelson de Senna ainda buscou rebater, amparando-se nos estudos de Gonzaga de Campos (EMOP) e Orville Derby. Ignorado por Rocha Lagoa, que prosseguiu com a exposição de motivos, Senna inscreveu-se como primeiro debatedor do conteúdo da emenda. De acordo com ele, a proposta de seu colega era “simpática”, mas deixava uma dúvida sobre o destino dos minérios de ferro extraídos de Minas para a Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira, de Ribeirão Preto/SP. Sem um dispositivo que assegurasse que os minérios seriam exclusivamente aplicados em território nacional, pelas usinas dessa empresa, havia o “gravíssimo perigo” de que a companhia iria utilizar os favores e “não aplicá-los na redução manufaturada do ferro, dentro do território nacional” e “reexportá-los para o estrangeiro”. Não se tratava de restringir, dizia ele, e sim de especificar que fosse utilizado “para estabelecer a siderurgia em território da República”, independentemente de ser mineiro, paulista ou gaúcho, “porque é sempre Brasil”. Havia, na sua opinião, patente incongruência entre a medida e a postura adotada pelo Legislativo e pelo Executivo mineiros, em esforços conjugados havia uma década para impedir “a qualquer custo” que a indústria siderúrgica deixasse de ser uma “realização nacional” por conta da evasão de minérios de ferro, algo que já era “um dogma de nacionalismo, um preconceito, um truísmo econômico defendido por todas as nações que possuem grandes jazidas”. Seu voto à emenda, a qual combatia “veementemente”, era, portanto, de rejeitá-la.713 A negativa, se tomada de maneira inadvertida, pode levar a avaliações precipitadas. Não se pode ignorar que estava em jogo a possibilidade de São Paulo, com quem Minas disputava poderio econômico e político, despontar em siderurgia. Somada à supremacia na produção cafeeira, a balança evidentemente penderia para o lado paulista. É, inclusive, curioso que a emenda tenha entrado em debate, pois a lei nº750, de 1919, era bastante explícita em seu parágrafo único sobre isentar do imposto de exportação “os minérios que se destinarem aos estabelecimentos siderúrgicos oficiais da nação”. São Paulo não fazia parte da “nação”? Ou a “nação” em jogo era ainda a dos Inconfidentes, voltada para Minas? A nosso ver, tratava-se mais de definir se a Eletro-metalúrgica de Ribeirão Preto era “oficial da nação”, ou seja, se Minas repartiria a matéria-prima com São Paulo, e como faria para evitar a sua evasão para o 712 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 92. 713 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 03 de setembro de 1921, p. 359-363. 210 estrangeiro, do que de abaixar o imposto em de 3$000 para 200 réis. O fato de Senna frisar que seu espírito era “sempre orientado por uma corrente liberal de patriotismo, sem estreitos preconceitos regionais” sinaliza que é preciso investigar melhor a questão. Sem uma previsível desconfiança não haveria a necessidade de justificativa. Em discussões de legislaturas anteriores, sobre a redução do imposto de exportação de minério de ferro, Senna já havia sido acusado de regionalismo.714 Nos debates que sucederam esta ocasião, sobre a concessão de direitos a Wigg e Trajano para a construção de uma usina siderúrgica em Minas, Senna pontuou a necessidade de uma “lei liberal e segura” que garantisse a Minas o direito de propriedade e exploração das jazidas. Ele estava confiante no potencial da sua obra A Hulha Branca e no projeto de regulamentação das quedas d’água, de Raul Soares. Em menos de um ano, Senna já parecia desolado. Ele afirmava ter sido um dos maiores entusiastas e defensores da hulha branca. Estudos posteriores, porém, lhe trouxeram a convicção de que este tema seria ainda por muitos anos um mito entre os mineiros, a exemplo do que acontecia no Canadá e nos Estados Unidos, onde tentaram a redução de minérios de ferro com força hidráulica, mas ainda sem resultados econômicos.715 O posicionamento em relação à eletro-siderurgia no Brasil se converteu de extremado entusiasmo para um certo pessimismo, perceptível na afirmação de que era ilusório pensar que conseguiríamos, em condições econômicas vantajosas, fazer uso dessa tecnologia em escala industrial: “não tenho esperança de que esta nossa geração veja aproveitada a força desses rios para a redução do ferro pela eletro-siderurgia, batendo nos mercados nacionais o produto estrangeiro”. Segundo Senna, em que pesem as inúmeras cachoeiras, com todo o volume e força que possuíam, naquele momento a produção de ferro em Minas só poderia ser feita mediante a utilização imediata do carvão vegetal, achado em abundância e com menor custo. E, mesmo assim, havia naquele momento somente duas alternativas: o encilhamento industrial, que já havia acometido o Brasil; ou o “regime salutar” do commonwealth, que, para ele, foi a salvação do Chile, México e Canadá, e que consistia em “procurar capitais sem preconceito de pavilhões ou de línguas, sem o preconceito de raças ou tradições, garantindo por leis sábias a afluência de capitalistas e industriais estrangeiros para aqueles países do nosso continente”. Nos dizeres de Senna, de nada valia exaltar as riquezas minerais do estado “sem o concurso inteligente do capital estrangeiro”. 714 Na 35ª sessão ordinária da Câmara dos Deputados, de 07 de agosto de 1909, Nelson de Senna foi assim acusado pelo deputado Aristóteles Dutra. A questão e demais temas do debate foram tratados no Capítulo 4. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária, 1909. 715 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 6ª Legislatura. 26ª sessão ordinária, aos 31 de julho de 1912, p. 158. 211 Ora, o que mudou de 1912 para 1921? Nelson de Senna recobrou a confiança na defesa da hulha branca, mas retrocedeu em relação ao capital estrangeiro? Teria pesado um “orgulho” intelectual ressentido diante de uma possível “perda de autoridade? Nelson de Senna não deixou passar a oportunidade de retomar as afirmações de Rocha Lagoa ao encerrar a sua declaração de voto. Ele dizia não querer “cansar” a Câmara com “incidentes de lana caprina”, mas, se eram frivolidades, por que as retomava? Acreditamos que por querer reparar o que considerava um dano à sua imagem. “Não sou técnico no assunto, mas bebo nas lições que estão ao alcance de qualquer espírito estudado, os ensinamentos dos mestres da Geografia e da Hidrografia no Brasil”, dizia ele. Ao presidente da sessão, lançava a indagação: como poderia se furtar do debate, “um humilde professor, que preleciona há 25 anos essa matéria, ensinando gerações”, que se “não passa de simples compilador de ideias, havia de deixar de dizer aqui que, se tem compilado, o tem feito nos escritos de Saint-Hilaire, Liais, Orville Derby, Gonzaga de Campos, Arrojado Lisboa, Halfeld, Henrique Gorceix”? A obra A Hulha Branca, afirmava em tom de orgulho, foi encampada pelo governo do Estado, em edição oficial que “correu mundo, mesmo no estrangeiro”. Se não esteve in loco, suas afirmações partiam daqueles que lá estiveram e não de elucubrações de gabinete. Em um único cabedal discursivo, Senna garantia dispor do respaldo técnico que Lagoa tanto prezava e ainda mais, possuía as legitimações do tempo de estudo, da anuência estatal e do prestígio estrangeiro. É difícil precisar se o voto seria diferente não fosse a acusação de insuficiência técnica feita por Rocha Lagoa. Os anos que separam a declaração de desolação e a retomada da defesa da hulha branca como combustível para a eletrossiderurgia podem ter contribuído para deixá- lo mais otimista. A lei nº 573, de 19 de setembro de 1912, e o regulamento nº 375, de 26 de outubro do mesmo ano, regulavam a concessão das quedas d’água e balizavam as diversas concessões provisórias para os estudos das cachoeiras localizadas em rios públicos, de que a Mensagem Presidencial de 1919 deu notícias. Arthur Bernardes mostrava-se particularmente engajado na questão de explorar e regulamentar a “imensa reserva de força hidráulica mineira”. Em suas palavras, era “obra de sadio patriotismo promover a instalação de indústrias em nosso Estado, que tem energia barata, graças às inúmeras quedas de água espalhadas pelo seu território”.716 Mas, e quanto ao capital estrangeiro, Nelson de Senna estaria agora alinhado ao posicionamento que Arthur Bernardes converteu em bandeira de governo? Tendo em vista que o imbróglio com Rocha Lagoa ocorreu nos últimos momentos do seu mandato como deputado estadual, a resposta é encontrada na sua atuação no Congresso nacional. Como deputado 716 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919 (p. 92), 1920 (p. 82). 212 federal, a partir de 1922, Senna mostrou-se um defensor dos interesses da siderurgia brasileira de modo muito mais nacionalista do que em 1912: o capital era aceitável, mas a especulação estrangeira deveria ser combatida! Desta posição Arthur Bernardes dizia não se arrepender. No balanço do seu período como Presidente do Estado, fez questão de pontuar que o problema da fundação da siderurgia em Minas por um sindicato norte-americano foi uma preocupação do seu governo. No entanto, não se deixou “seduzir pela glória efêmera”, sob pena de, a longo prazo, comprometer os interesses do Estado e da Nação, posto que o problema da siderurgia era muito mais nacional do que regional. O indício de que estava no rumo certo, afirma ele, vinha da própria siderurgia a carvão vegetal, em progresso no Estado, como demonstrava o aumento do número de altos fornos. A Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira, com seu alto forno de Sabará, produzia uma média de 25 toneladas de ferro gusa, e tinha planos de inaugurar uma fábrica de cimentos para aproveitar as escorias; construir uma fábrica para 2ª fusão do ferro gusa e um forno para fabricação do aço; levar um segundo forno alto para Sabará e construir em Monlevade uma usina com 4 fornos altos. Em Rio Acima, estava instalado um forno com capacidade de produzir 10 toneladas, e os fornos de Esperança e Burnier, da Usina Esperança, tinham uma produção de 42 toneladas diárias. Para completar, já havia a promessa de instalação da primeira usina de fabricação de aço por eletricidade de Minas Gerais.717 A diferenciação que Francisco Iglésias faz entre a Itabira-Iron e a Belgo-Mineira ajuda- nos a problematizar a postura de Arthur Bernardes. A primeira era especializada em carvão mineral e pautava-se apenas na exploração de minério de ferro, monopólio de portos e ferrovias; já a segunda apostou no carvão vegetal e tinha como intuito o estabelecimento de uma indústria. No governo de Bernardes houve uma clara tendência para os planos estrangeiros de implantação de verdadeiras siderurgias, e não simples forjas de ferro.718 A Lei nº750, de 1919, sobre exportação de minério de ferro, já autorizava o poder Executivo a conceder às empresas de exportação de minério de ferro a redução de 30 réis sobre o tributo criado pela lei, por um prazo de no máximo 20 anos, condicionado ao estabelecimento de usinas que transformasse em solo mineiro pelo menos 5% do minério a ser exportado.719 A elas seguiu-se toda uma série de medidas legislativas que visava assegurar que o beneficiamento do minério de ferro em território mineiro.720 Carlos Pelaez acredita que a legislação estadual forçava a Itabira-Iron a 717 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1922, p. 76. 718 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 719 MINAS GERAIS. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919, p. 49. 720 Em levantamento realizado por Francisco Iglésias, encontramos: 1) a Lei 793, de 22 de setembro de 1920, que autorizava o presidente a contratar com a Itabira Iron Ore Company Limited a construção de indústrias siderúrgicas 213 estabelecer a usina dentro do território mineiro, ao elevar o imposto a um “nível proibitivo de três mil réis”, e praticamente isentar os que estabelecessem usinas dentro dos limites do Estado. Não contava, porém, que as medidas estimulassem um monopólio de fato sobre a exportação do minério de ferro e o mercado doméstico de aço.721 c) Nacionalismo e tendências autoritárias Há praticamente um consenso na historiografia, de que a postura adotada por Arthur Bernardes em relação à Itabira-Iron e à siderurgia deve-se à influência direta de Clodomiro de Oliveira. Tão logo chegou à Presidência do Estado, Bernardes convidou-o para a Secretaria de Agricultura. Os intentos de planejar uma política para o incremento da siderurgia mineira foram convulsionados pela investida de Farquhar em dirigir-se diretamente a Epitácio Pessoa para apresentar os planos da nova associação com capitalistas norte-americanos. Clodomiro de Oliveira entrou, então, em confronto com João Pires do Rio, outro ex-aluno da EMOP, que, como Ministro da Viação e Obras Públicas, assinou em 1920 o contrato com Farquhar, concedendo, inclusive, o monopólio da nova ferrovia à Itabira Iron. De acordo com Daniel Barbosa, os argumentos que Bernardes expôs ao Congresso Mineiro para rechaçar a proposta da Itabira-Iron foram extraídos e construídos a partir de Clodomiro de Oliveira. Primeiro, pelo que chamou de “argumento de inexorabilidade da produção siderúrgica mineira”. Barbosa pontua que, gradativamente, a exploração, exportação do minério de ferro e siderurgia foram sendo articuladas numa mesma chave-de-leitura e sob uma mesma política. Defendia-se, com os pressupostos de Clodomiro, um modelo de grande siderurgia nacional “que obrigatoriamente tivesse solução implantada em território mineiro, com tecnologia emopiana, o que, afirma o autor, explica o enfoque no carvão vegetal e na eletro- siderurgia auxiliar.722 Para Clélio Campolina Diniz, a “intransigência” de Arthur Bernardes e do Secretário da Agricultura devia-se ao fato de que ainda “tinham em mente o caso do ouro, cuja exploração trouxera poucos benefícios para Minas e cujo esgotamento deixara um no Estado, com produção anual prevista em 150 mil toneladas de ferro e aço para cada uma; 2) a Lei 808, de 22 de setembro de 1921, que concedia favores de impostos, terrenos e quedas d’água à Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira e a outras que produzissem ferro e aço em qualquer estado brasileiro; 3) a Lei 823, de 28 de setembro de 1921, que autorizava a concessão de favores a cinco empresas que estabelecessem siderurgia no Estado com a produção efetiva de 60 mil toneladas de ferro e aço; 4) o decreto 7428, de 17 de dezembro de 1926, que concedeu à Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira 10 mil hectares de terrenos devolutos para a fabricação de carvão de madeira. Ver: IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit., p. 131. 721 PELAEZ, Itabira Iron e a Exportação de Minério de Ferro..., op. cit., p. 145. 722 BARBOSA, Tecnoburocracia e Pensamento Desenvolvimentista..., op. cit., p. 103. 214 ambiente desolador”.723 Já Otávio Dulci entende que o que é frequentemente visto como voluntarismo ou xenofobia de Bernardes era, em verdade, uma “opção estratégica”, compartilhada com outros membros das elites políticas, empresariais e acadêmicas de Minas.724 Vejamos como estes pressupostos se sustentam – ou não – diante de alguns contra-argumentos que julgamos pertinentes. A fabricação do aço obedecia, à época, a 4 etapas básicas de produção: extração e tratamento da matéria-prima; redução do minério em ferro gusa; transformação ou refino do gusa em aço; e laminação dos lingotes de aço. O minério podia ser obtido pela mineração a céu aberto, a mais comum no Brasil, ou subterrânea. Para retirar o metal do minério era necessário um agente redutor, normalmente o carvão mineral, convertido em coque, isto é, em resíduo dos altos fornos. Antes, porém, o carvão precisava ser lavado. Segundo Baer a “lavagem do carvão brasileiro é particularmente importante, uma vez que seu conteúdo de cinzas é muito elevado”. O coque, poroso, permitia queimar tanto no interior quanto no exterior, e suportar a carga de minério de ferro e calcário necessária para abastecer os altos fornos. No lugar também podia ser utilizado o carvão vegetal, que dispensava investimentos elevados em fornos de coques, mais caros. Em contrapartida, “exige grandes reservas florestais ou plantações de árvores (especialmente eucaliptos) e mão de obra barata nas áreas rurais para o corte das árvores e sua queima para a produção de carvão”. Por conta da dependência de reserva florestal, afirma Baer, a sobrevida de uma siderurgia baseada em carvão vegetal era bastante limitada. Os fornos que utilizavam este tipo de combustível também eram menores, limitando a produção.725 Isto posto, a pergunta que se impõe à afirmação de Barbosa é se o carvão vegetal se tornou prioritário por ser uma tecnologia que os engenheiros da EMOP já dominavam, adotada por opção, ou por falta de alternativa? A assertiva de que Arthur Bernardes, amparado por Clodomiro de Oliveira, impôs um modelo de siderurgia alicerçado na técnica emopiana e, “por isso a defesa dos altos fornos com carvão vegetal e da eletro-siderurgia auxiliar”,726 induz a equívocos. A relação causal, a nosso ver, está invertida. Em suas andanças por Minas Gerais, Claude Gorceix teve a oportunidade de estudar a composição geológica do solo e não encontrou a hulha negra. A tecnologia que a EMOP desenvolveu a partir daí, com carvão vegetal, respondia à dificuldade de levar adiante uma indústria que já começaria dependente da 723 DINIZ, Estado e capital estrangeiro... op. cit., p. 45. 724 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 56-57. 725 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit., p. 24-25. 726 BARBOSA, Tecnoburocracia e Pensamento Desenvolvimentista..., op. cit., p. 103. 215 importação de matéria-prima, com enormes dificuldades de custo e frete.727 Mas a força hidráulica foi profundamente desejada por nossos três políticos. Nelson de Senna e Raul Soares ensejaram esforços para que o mapeamento e o plano de regulamentação das quedas d’água se efetivassem. O trabalho não era simples, e o próprio Senna chegou a fraquejar em suas convicções sobre a viabilidade do recurso. O aproveitamento exigia estudos sobre a capacidade de vazão, que por seu turno demandavam a localização e a catalogação de cada uma delas. Muitas estavam em terrenos particulares ou devolutos, de difícil acesso, sobretudo para um número restrito de técnicos e agrimensores. Nos governos de Wenceslau Braz, Júlio Bueno Brandão e Delfim Moreira, foram parcos os investimentos no setor. Quem retomou o impulso de regulamentar as quedas d’água foi Arthur Bernardes. A aspiração de reorganizar a Comissão Geográfica e Geológica, que Nelson de Senna sinalizou em 1913, e que Raul Soares buscou remediar com o Sistema de Estatística de 1916, teve de esperar a chegada de Bernardes à presidência do Estado. O restabelecimento da Comissão foi autorizado pela lei nº 789, de 18 de setembro de 1920, justificada pelo “importante papel que os conhecimentos geográficos representam no desenvolvimento de um país”, e dos estudos geológicos para conhecer melhor os recursos minerais de Minas Gerais. O objetivo da Comissão, segundo Bernardes, era representar os limites com os estados vizinhos e entre os municípios, os rios, ribeirões, córregos, propriedades rurais, fábricas, engenhos, cidades, vilas, povoados, casas isoladas, capelas, estradas de rodagem e de ferro, estações telegráficas, altitude dos picos notáveis, quedas de água, relevo do solo, lagos, pântanos, navegabilidade dos rios, jazidas e melhor forma de aproveitá-las.728 Urgia esquadrinhar o território para pensar alternativas econômicas e ambientais viáveis à industrialização.729 Por certo, a implantação de uma verdadeira indústria siderúrgica, carro chefe do governo bernardista, não poderia prescindir do largo emprego da energia hidráulica, sobretudo num solo pobre em carvão mineral. Em 1919, ao receber notícias da fabricação do coque metalúrgico com carvão do sul do Brasil, Arthur Bernardes constatou que o preço não seria vantajoso a ponto de determinar o abandono do processo que Minas dispunha naquele momento. Enquanto os estudos sobre a capacidade das quedas d’água para a redução elétrica do minério estavam sendo realizados, afirma Bernardes, os fornos altos de carvão de madeira continuavam a ser 727 Segundo palavras de Nelson de Senna, a importação da hulha negra não poderia ser feita sem grandes custos de transporte. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 6ª Legislatura. 26ª sessão ordinária, aos 31 de julho de 1912, p. 157. 728 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 18-19. 729 Sobre o papel da cartografia em Minas Gerais, ver: GOMES, Maria do Carmo Andrade. Mapas e mapeamentos: políticas cartográficas em Minas Gerais (1890-1930). São Paulo: Annablume, 2015, vol. 1. 216 utilizados para a fabricação do ferro no estado gusa, especialmente na Usina Esperança e de Miguel Burnier, com uma produção diária de 40 toneladas.730 Os elementos essenciais para o sucesso de uma forja, Paul Ferrand, professor da EMOP, já havia elencado: “reservas florestais próximas, para o fabrico de carvão e fornecimento das madeiras necessárias às edificações”.731 A produtividade ascendente obviamente colocava, a médio e longo prazo, uma limitação de recursos. Bueno Brandão e Wenceslau Braz passaram ao largo do tema; Delfim Moreira ensaiou uma primeira preocupação em relacionar o minério de ferro com o desmatamento, vimos no Capítulo 4. Mas foi com Arthur Bernardes que a questão florestal foi incorporada como preocupação efetiva da agenda presidencial mineira. A primeira mensagem dirigida ao Congresso do Estado deixava antever o direcionamento do mandato: A escassez crescente da madeira, com a devastação das nossas matas, torna cada dia mais precária a situação da indústria nascente, urgindo se inicie pela reflorestação do solo, a reparação do mal causado pelas derrubadas e a constituição de reservas, que garantam a continuidade da exploração industrial em pleno desenvolvimento.732 É possível identificar dois problemas diagnosticados por Bernardes e três frentes de ação traçadas a partir daí. As florestas eram consumidas inadvertidamente pelo comércio ilegal de madeiras e pelas queimadas. De acordo com Bernardes, o comércio clandestino de madeiras sempre foi uma ameaça às florestas do Estado, favorecido nas localidades que tinham estrada de ferro próximas, motivo pelo qual no seu governo a vigilância foi redobrada. Carecia ainda de solução o fato da E. F. Vitória a Minas considerar-se com direito sobre terrenos devolutos às margens de suas linhas, no trecho mineiro, derrubando livremente as matas ali localizadas. O que ocorria de maneira mais ou menos eficaz era a fiscalização da extração de madeira nos portos de embarque. Para coibir os abusos comumente cometidos no Rio Doce, às margens da Vitória-Minas, o governo passou a permitir a saída de toras abatidas ao custo de 5$000 por tonelada, com proibição de novas derrubadas.733 Lamentavelmente, constatava Bernardes, a proficuidade da fiscalização da extração clandestina de madeira e minérios não tinha a mesma eficácia no que se refere ao estrago das florestas, derrubadas a ferro e fogo, ano após ano, em localidades diferentes: “Não raro, para o plantio de pequena roça de milho, o intruso ignorante ateia fogo, que se propaga a largo trecho 730 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 90. 731 BAETA, Nilton. A Indústria Siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1975, p. 109. 732 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 90. 733 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919 (p. 77-78), 1922 (p. 72). 217 de mata e consome em horas enorme riqueza acumulada pela natureza em trabalho secular”.734 Ao Congresso, ele pedia esclarecida atenção sobre o problema do “esgotamento dos nossos recursos naturais pela exploração vampírica das matas”. Arthur Bernardes queixava-se do fato de que as florestas mineiras estavam sendo devastadas anualmente pelo fogo ateado “por intrusos” e que facilmente se espalhavam pelas matas circunvizinhas, ampliando o estrago por léguas. Soma-se a isso “as fornalhas devoradoras das estradas de ferro [que] vão consumindo diariamente milhares de árvores”, e os fornos das fundições. Em 1919, foram exportadas 3.677.707 kg de carvão vegetal e 4.920 toneladas de lenha, além do consumo doméstico de mais de 5 milhões de habitantes. Portanto, considerava urgente uma “campanha patriótica” pela conservação das matas e rearborização do Estado. A medida mais urgente e conveniente, enquanto a fiscalização se mostrava insuficiente, pela dimensão territorial mineira, era legalizar a extração de madeiras, por concessão prévia, o que diminuiria a atuação de exploradores clandestinos. Sugeria, ainda, a adoção do sistema australiano de arrendamento, ao invés da venda de terras florestais. Dever-se-ia continuar com o incentivo ao reflorestamento por meio da distribuição de mudas de árvores cultivadas no Horto Florestal, localizado nos arredores de Belo Horizonte. Eram, nos dizeres de Bernardes, inestimáveis os serviços de reflorestamento prestado pelo horto florestal, instalado na antiga fazenda Boa Vista, a 6 km da capital mineira, onde era servido por uma parada de trem da E. F. Central do Brasil. O Estado remetia às Câmara Municipais sementes de eucalipto para a arborização de ruas e a particulares para o replantio das matas. A cada lavrador eram fornecidas até 5.000 mudas, custeados até mesmo o transporte por estradas de ferro, sendo ele obrigado a apenas informar a Secretaria de Agricultura o resultado do plantio. A sua intenção era que, dentro em breve, o Horto pudesse atender com regularidade todos os pedidos de reflorestamento.735 A fiscalização, a legalização da extração e o reflorestamento foram, portanto, as soluções de Arthur Bernardes, como Presidente do Estado de Minas, para garantir os recursos florestais necessários à industrialização de uma maneira geral e, muito particularmente, à siderurgia. O fato de trabalhar em paralelo com o mapeamento das quedas d’água indica que não houve um direcionamento cego para uma tecnologia emopiana, e muito menos que o carvão vegetal, sendo uma suposta preferência de Clodomiro de Oliveira, igualmente era a de Bernardes. Nem mesmo da EMOP era opção, e sim necessidade. Nos debates que se instauraram após o trabalho da Comissão para a proposta de um projeto alternativo à Itabira- 734 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919, p. 79. 735 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1920 (p. 73), 1921. 218 Iron, Clodomiro de Oliveira foi duramente criticado por Ferdinand Labouriau, para quem a eletrossiderurgia só era aplicável à aços especiais e o carvão vegetal não era adequado à grande siderurgia.736 Se ele, ex-aluno e professor da Escola Politécnica do Rio, já tinha a clarividência de quais processos eram mais viáveis e rentáveis, é possível que o professor de um centro de produção e difusão de conhecimento mineralógico, como a Escola de Minas de Ouro Preto, ignorasse? Bastante improvável. Professores, alunos e ex-alunos da EMOP deveriam pautar seus conhecimentos científicos na utilidade e na eficiência. Foi este o ethos que Gorceix buscou imprimir à instituição. O carvão vegetal certamente teria sido dispensado caso houvesse abundância de carvão de pedra em território mineiro. A questão era defender a alternativa do coque de carvão de madeira ou perder espaço na corrida siderúrgica. Quanto ao medo de espólio estrangeiro por um apego ao “caso do ouro”, que Clélio Campolina vê como base da “intransigência” de Arthur Bernardes e de Clodomiro de Oliveira no caso Itabira-Iron, de fato, o período colonial ainda parecia fresco quando se recordava do apogeu minerador. Minas tinha no passado uma histórica luta conta a subjugação, e, naquele presente da Primeira República, estava em plena construção a memória de uma Liberdade inconfidente.737 Um dos republicanos que mais defendeu a imagem de Tiradentes foi Teófilo Ottoni, que, como sugerimos anteriormente, inspirou Bernardes na ideia de colonização mista. A República dos inconfidentes era americanista, valorizava o progresso e a promoção da educação, para o que propunha a criação de uma universidade e o estabelecimento de fábricas de ferro. Esta última era exaltada por José Alvares Maciel, o “desenvolvimentista do grupo”, que teve a chance de ver na Inglaterra o papel do ferro para a Revolução Industrial.738 A ênfase dos Inconfidentes no progresso e no controle sobre todas as etapas de exploração e comércio dos recursos casava com o “espírito de Claude Gorceix”. Ele e Arthur Thiré, também professor da EMOP, eram contrários à concessão de privilégios de exploração ou fabricação, e favoráveis à intervenção estatal sob a forma de garantia de mercados e de preços.739 A criação de uma lei de minas, que previsse a consulta a autoridades competentes, e não a simples razões políticas, no julgamento de pedidos de exploração foi, desde sempre, uma preocupação pessoal de Gorceix. Dois outros professores da EMOP, Antônio Olinto dos Santos e Serzedelo Correia, chegaram a apresentar à Câmara um projeto intermediário ao sistema 736 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 122. 737 José Murilo de Carvalho tem um elucidativo trabalho de análise da construção da memória sobre Tiradentes e a Inconfidência Mineira na Primeira República. Ver: CARVALHO, José Murilo de. Tiradentes: um herói para a República. In: A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 55-73. 738 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 59. 739 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 118. 219 dominial e ao de acessão, em reforma ao item da Constituição de 1891, que entendia a propriedade do solo e do subsolo como equivalentes. Em 1910, Gonzaga de Campos, outro ex- aluno, apresentou um projeto à Comissão de Leis de Minas, no qual o principal era a separação da propriedade da terra e do solo. Este projeto foi aperfeiçoado e transformado em lei, em 1915, também por um ex-aluno, Pandiá Calógeras, ministro da Agricultura à época.740 Clodomiro de Oliveira foi um amplificador destes posicionamentos. Para ele, o problema começava com o regime de acesso ao solo, introduzido em 1891, que ao dar ao proprietário do solo o direito sobre o subsolo, abria o precedente para que as indústrias estrangeiras dominassem o minério brasileiro. Estas, com seus “caçadores de jazidas”, tiveram seus apetites vorazes despertados desde Estocolmo, e estavam prontas a saquear o minério de ferro de Minas para abastecerem as suas siderurgias.741 A insistência de Clodomiro para que o Estado detivesse o controle sobre a questão siderúrgica era também reflexo de uma nova atitude, a partir da qual o Estado passou a ser visto por técnicos “como instrumento por excelência de transformação das estruturas nacionais e, simultaneamente, como o veículo capaz de lhes permitir uma inserção na produção”.742 Ele era de Itabira, já havia trabalhado como diretor da Usina Wigg, portanto, havia também um componente, uma vontade pessoal. A publicação de Clodomiro de Oliveira, em que ele congrega as suas principais ideias sobre a siderurgia, data de 1912. Dois anos antes, Arthur Bernardes já havia assinado, como Secretário de Finanças de Bueno Brandão, uma lei que isentava, por 5 anos, do imposto de exportação as duas primeiras fábricas fundadas em Minas para a redução do minério de ferro, que exportassem até meio milhão de toneladas anuais de ferro gusa ou aço. É razoável pensar que a possibilidade de um domínio colonial assustava ambos; que tanto um como o outro encabeçou, como luta pessoal, assegurar que o minério de ferro fosse beneficiado em Minas. Diante da pobreza em carvão mineral, a perspectiva longínqua da eletrossiderurgia e o perigo real da escassez de carvão vegetal, o efetivo domínio do minério de ferro era uma moeda de troca da qual Minas não poderia privar-se, sob pena de perder o seu projeto siderúrgico, o que, por fim, acabou acontecendo na década de 1930. É possível que Clodomiro tenha tido um papel fundamental na elaboração da política siderúrgica bernardista. Contudo, é exagero atribuir a ele a postura de Arthur Bernardes. A nossa hipótese é de que Bernardes, cujas tendências 740 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 119. 741 OLIVEIRA, Clodomiro de. A Indústria Siderúrgica. In: Anais da Escola de Minas de Ouro Preto, n. 14, 1912, p. 43-203. 742 SCHWARTZMAN, Simon & CASTRO, Maria Helena Magalhães. Nacionalismo, Iniciativa Privada e o Papel da Pesquisa Tecnológica no Desenvolvimento Industrial: os primórdios de um debate. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 28, nº 1, 1985, p. 89-111. 220 protecionistas e monopolizadoras já estavam esboçadas na referida lei de 1910, tenha tomado conhecimento das ideias de Clodomiro de Oliveira pela publicação ou repercussão da obra, e com elas se identificado. Ao chegar à presidência, Bernardes viu no professor e futuro diretor da EMOP o técnico competente que buscava para integrar sua equipe de governo e colocar em prática a revisão do programa pinheirista que, a partir de então, tornava-se o seu próprio projeto. Chegamos à afirmação de Otávio Dulci, de que a postura de Bernardes foi, na verdade, uma “opção estratégica”, compartilhada com outros membros das elites mineira. Esta, a nosso ver, é a mais plausível. Mas, entendemos necessária uma precisão sobre o que isto significa. As ideias que estão na gênese do nacionalismo bernardista são mais do que uma estratégia mineira, ou uma “solução doméstica”.743 No seu programa de reformas, Bernardes lançou mão de elementos centrais do projeto de João Pinheiro – o caráter popular, o elemento prático, os prêmios de incentivo, a pequena propriedade - para, e isto é importante frisar, fazer a sua própria leitura do conteúdo e das formas de implementá-lo. Como tivemos a oportunidade de verificar no início deste capítulo, Bernardes agregou valores que o aproximam de Alberto Torres.744 Ao trazê-lo novamente para o debate temos dois objetivos: 1) partir da afirmação de Cláudia Viscardi, segundo a qual Torres foi o “pano de fundo ideológico” do pensamento não só de Arthur Bernardes, mas Getúlio Vargas e João Pessoa, o que nos permite problematizar o nacionalismo em termos mais amplos; e, 2) seguir a indicação de Angela de Castro Gomes, sobre o interesse em relacionar as ideias de Torres, identificado com o conservadorismo e o pensamento autoritário emergente na década de 1920, e as de João Pinheiro, visto como liberal e “uma das matrizes de resistência ao autoritarismo”.745 Com isso, buscamos subsídios para compreender a dinâmica que levou Bernardes a se afastar da via liberal na revisão das ideias de João Pinheiro, alinhando-se ao autoritarismo, que satisfazia em muitos pontos as tendências conservadoras dele, de Raul Soares e de Nelson de Senna. Apesar de constituírem duas leituras positivistas, o que distinguia João Pinheiro de Alberto Torres era principalmente os meios para a consecução dos fins, diferenciação substancialmente modificada na fase torresiana pós-Primeira Guerra Mundial, que é a que nos interessa aqui. João Pinheiro era adepto do self made man, da iniciativa individual como vetor do progresso. O protecionismo de sua política era, ao menos em tese, conjuntural; uma primeira etapa de incentivo para novas culturas, que livrassem a economia mineira da dependência da 743 Adotamos a expressão que Cláudia Viscardi utiliza para se referir às políticas econômicas mineiras para a cafeicultura no âmbito do Convênio de Taubaté. VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 131. 744 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 300. 745 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 107. 221 cafeicultura. À medida que a evolução da indústria se desenvolvia, o Estado ia se tornando um elemento gradativamente dispensável.746 Alberto Torres, por seu turno, pregava um Executivo forte. Para ele, o Estado correspondia a um “órgão geral dos problemas e das soluções dependentes da ação coletiva e futura”. A disfunção no Brasil era que o Estado atuava como um “fator de dissolução”, graças à “influência deletéria dos interesses antissociais criados e alimentados em torno do poder público, desde os municípios até a União”.747 Para Torres, o problema vital brasileiro era o da organização. Na condição de ex-colônia éramos frutos de “improvisos sociais do acaso, ou de fatos excepcionais do progresso”, carentes de uma estrutura e uma organização. Isto porque, “governos coloniais e colonizadores fazem invasões e conquistas: não fundam nações; são exploradores: não são sócios”. Como “país novo”, o evoluir lento e natural do sentimento nacional nos foi tolhido. A nacionalidade precisava ser criada artificialmente. O país precisava “formar um espírito e uma diretriz prática”, para conduzi-lo e salvá-lo das opiniões e tendências particularistas.748 Dentre as causas persistentes da nossa desorganização, a que Torres mais chama a atenção é a de possuirmos riquezas que ou são de difícil exploração ou não correspondem aos interesses da nação, como a metalurgia, o que levava a perpetração do capital estrangeiro em “indústrias impróprias à consolidação da economia nacional” ou que não corresponderia, em breve “aos interesses e necessidades da nossa era”. João Pinheiro, por sua vez, creditava as causas da “inferioridade brasileira” frente às outras nações na corrida pela modernização aos processos rotineiros. Ambos eram adeptos da mentalidade pragmática e condenavam abertamente o diletantismo inócuo da cultura bacharelesca. Pinheiro buscava empregar o ensino prático numa diversificação produtiva que tinha a questão agrícola como carro-chefe, mas que não renunciava a indústria. Torres condenava nossos políticos por terem uma erudição inadaptada “às peculiaridades da terra e do povo brasileiro”. Ele comungava do que hoje chamamos de “nacionalismo agrário”,749 fruto de um apreço quase fisiocrático à terra, que, como bem mostrou Marieta de Moraes, pode ser interpretado como partícipe do foco que as elites fluminenses deram à “vocação agrícola” do Rio de Janeiro no plano de recuperação econômica do estado.750 É possível que os anos que João Pinheiro passou na EMOP o tenham deixado mais afeito à formação de um homo economicus do que da consciência nacional, direcionamento adotado por muitos políticos que, como ele, passaram pela Faculdade de Direito de São Paulo. O 746 PINHEIRO, Entrevista ao O Paiz, op. cit., p. 15. 747 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit. 748 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit. 749FONSECA, Gênese e precursores do desenvolvimentismo no Brasil, op. cit., p. 231 750 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro, op. cit., p. 57. 222 “pensamento capital” de seu programa, segundo suas próprias palavras, era a “organização da economia”. Torres era um crítico desta postura. Na concepção dele, a nacionalidade estava assentada na saúde da economia, mas não bastavam os melhoramentos materiais. Torres dizia- se humanista na medida em que pregava uma filosofia de vida, a formação de uma consciência. Faltava cuidado com “a arte, primordial e muito mais difícil, de civilizar e cultivar o homem”. Era preciso traçar uma política e formar a “consciência nacional”, de onde nasceria a autonomia do povo brasileiro. O entendimento do que essa autonomia significava coloca os dois em polos opostos. Para Pinheiro, a liberdade era a propulsora do progresso, que não tinha fronteiras ou preconceito de nacionalidade. Pinheiro abria as portas de Minas para colonos e capital estrangeiro, pois eles eram fundamentais para a sua política desenvolvimentista.751 Já em Torres, o Liberalismo era um “perito na destruição” do poder organizacional de um povo, corruptor da construção social. Contrariava-lhe a ideia de ambição individual, de uma vida econômica que girasse em torno da cobiça de cada um, e de cuja soma de cobiças pessoais resultava a vida econômica coletiva.752 No que seria um claro exemplo dos males do individualismo da doutrina Liberal, afirmava Torres, os proprietários do solo e do subsolo achavam-se no direito de dispor da natureza, um “patrimônio do povo”, em proveito próprio. A terra era a “base da vida social, fonte de prosperidade e desenvolvimento”, que precisava ser estudada para “corrigir e retificar falhas e insuficiências”; procurar meios de tornar novamente produtivas e úmidas as regiões já exploradas e em exploração. A conservação da natureza em estado virgem, além da reparação e restabelecimento do que já estava comprometido era a pedra de toque da nação. Enquanto o progresso nos seduzia, alertava Torres, o Brasil real, “das matas virgens e das minas” era “desnudado, minado, raspado, pulverizado, ressecado”. As exportações representavam, a seu ver, “o esgotamento da substância, da riqueza dos solos”, em troca de importações que restituíam apenas itens de interesses secundários, fúteis. O “regime conservador da economia”, operando permutas internas, ao contrário, mantinha dentro do território o valor dos frutos extraídos da terra.753 O exercício comparativo permite validar a demarcação de duas linhas de pensamento sinalizadas pela historiografia. Como afirma Angela de Castro Gomes, João Pinheiro estaria na vertente de um “liberalismo modernizador”,754 que não envereda completamente para o livre- 751 PINHEIRO, Entrevista ao O Paiz, op. cit., p. 16. 752 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit. 753 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit. 754 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 105. 223 comércio, mas que respeita a liberdade individual e do fluxo de capitais. Representando o “nacionalismo defensivo”, encontra-se Alberto Torres, crítico ferrenho do imperialismo e de tudo que pudesse representar subjugação frente o poderio estrangeiro. Nem sempre foi assim. Adalberto Marson afirma que os trabalhos iniciais de Torres revelam um autor profundamente confiante nos valores da sociedade burguesa. Os “desajustes” que culminaram na Primeira Guerra Mundial teriam lhe tirado a confiança na capacidade de autorregulação do mercado e da democracia representativa. O que ele propunha era um Estado autoritário e corporativo, cujo papel era de regular a organização brasileira, de garantir que seus interesses coletivos, e não particularistas, seriam soberanos. Alguns pontos do liberalismo permaneceram, porém, em seu pensamento, como a liberdade individual, a liberdade de pensamento e a livre-concorrência.755 O recrudescimento das ideias de Torres em torno de um Estado nacionalista e autoritário, comparado ao liberalismo (possível e não utópico?) de João Pinheiro, ajuda-nos a localizar o pensamento de Arthur Bernardes em um movimento de ideias muito maior e complexo do que a simples aproximação com um direcionamento da EMOP poderia permitir. Como, então, situar Bernardes entre estas duas correntes? Para problematizar a ideia de aproximação com o pensamento autoritário, convém, retomar as questões colocada nas primeiras linhas deste capítulo: teria Arthur Bernardes conseguido se afastar do conservadorismo do Caraça? Fundado por padres lazaristas franceses, o Seminário foi o centro por excelência de difusão do humanismo nas Minas do século XIX, e de formação de jovens da elite abastada mineira, sob a égide do espírito cristão e da missão de contribuir com os destinos da nação. A proposta, afirma Mariza Guerra de Andrade, era a reclusão e a interiorização de rígido poder disciplinar, com controle de horários, restrição de visitas, vigilância contínua e punições.756 “Mando-te para o Caraça!” era a ameaça dos mineiros antigos, explica Gilberto Freyre, que assim descreve a instituição em Sobrados e Mucambos: “Caraça tornou-se alguma coisa de sinistro na paisagem social brasileira dos primeiros tempos do Império, arrebatando os meninos (...) reduzindo-os a internos, em um casarão triste, no meio das montanhas”.757 O terror que exercia sobre o imaginário dos meninos dá-nos certa medida do rigor das normas de conduta aplicadas aos seminaristas. Passar pelo Caraça era, no mínimo, uma experiência marcante. Arthur Bernardes, por falta de numerários, ficou nele por dois anos apenas, tempo suficiente para aprender a valorizar o poder disciplinar como formador de mentes e corpos para a nação, tanto que o elencou como um dos esteios da reforma educacional de seu 755 MARSON, A Ideologia Nacionalista em Alberto Torres, op. cit. 756 ANDRADE, Mariza Guerra de. A educação exilada: Colégio do Caraça. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. 757 FREYRE, Gilberto. Sobrados e Mucambos. São Paulo: Editora Global, 2003, p. 185. 224 governo. O contraponto do Caraça e sua ênfase nas humanidades era a EMOP, com a vertente da pesquisa e aplicação prática.758 Bernardes transitou entre os dois mundos, o da tradição, e o do progresso. Não sem um alto custo. Que ele se identificava com as ideias do projeto de João Pinheiro, não devem pairar dúvidas, ou não as teria levado adiante como plataforma de governo. A nosso ver, embora menos radical, o autoritarismo tomou contornos precisos no pensamento bernardista em processo semelhante ao que ocorreu com Alberto Torres, como reação frente à descrença nos princípios liberais que, testados, mostraram-se incompatíveis com a realidade que queriam modernizar. Nelson de Senna, mais moderado do que os outros dois, como se posicionava? Senna dizia-se seguidor dos princípios republicanos e liberais, a exemplo de João Pinheiro. Como ele mesmo afirmou numa conferência proferida na EMOP, foi na biblioteca desta instituição que se deu a sua formação intelectual; nela que leu as obras de Saint-Hilaire, Eschwege, entre outros, e mantinha “boas relações” com professores que ainda continuavam na escola em 1920, como Gorceix e Thiré.759 Sempre defendeu o intervencionismo do Estado, mas oscilou quanto ao grau e a forma. Se comparado a Arthur Bernardes e Raul Soares (cujo posicionamento se tornou mais apreensível para análise no reordenamento nacional do projeto pinheirista, como veremos no capítulo 6), ele talvez tenha sido o que mais claramente mudou de ideia. Concordava com os emopianos Gorceix e Thiré sobre a necessidade de uma lei clara e objetiva para determinar o direito de desapropriação por utilidade pública como soberana do Estado. Contudo, iniciou seus trabalhos legislativos defendendo a competência da União de legislar sobre o direito de propriedade, e encerrou a carreira política atribuindo-a ao poder estadual. O mesmo com relação ao capital estrangeiro. No geral, para Senna, o ideal era uma gestão mista: advogava a favor de um Estado forte, capaz de intervir, se necessário, na economia; mas aberto, isto é, em constante negociação com o capital estrangeiro. Em sua concepção, um Estado protecionista descapitalizado era um entrave tão ou maior à nacionalização da indústria do que a sua completa entrega aos empresários estrangeiros. Mas a postura também foi se tornando mais cautelosa no decorrer dos debates na Câmara e, sobretudo, a partir do momento em que as intenções de Farquhar foram postas em xeque por Bernardes. Se as nossas suposições estiverem corretas, as circunstâncias regionais, nacionais e internacionais direcionaram esses políticos e o projeto desenvolvimentista para o viés autoritário. Longe de ceder ao determinismo, o que queremos é desnaturalizar informações 758 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 66. 759 APCBH – NCS 4 (13) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Conferência proferida na Escola de Minas de Ouro Preto, em 21 de abril de 1920. 225 muitas vezes dadas e não problematizadas pela historiografia. Um exemplo é a afirmação de um dos biógrafos de Arthur Bernardes, de que ele, por ser filho de português e admirador de Floriano Peixoto, era um “jacobino de nascimento”.760 Ora, o conceito, enquanto tal, é polissêmico, refere-se a “um ponto de vista polêmico orientado para o presente” e tem “um componente de planejamento futuro”.761 O significado de Jacobino variou, de finais do Império aos anos 1920, entre radical, nacionalista e autoritário. Os dois últimos nos interessam sobremodo. Na biografia há mais uma relação causal automática com o nacionalismo florianista do que com o radicalismo ou o autoritarismo. De qualquer maneira, o conceito é um bom ponto de partida para identificarmos os limites entre o conservadorismo e o liberalismo, entre o Caraça e a EMOP, entre a Minas da Terra e a do Ferro na revisão do projeto pinheirista. Quando remetemos ao jacobinismo nos anos iniciais da República, trazemos à tona a luta de variadas concepções de republicanismo: a do federalismo norte-americano, o revolucionário francês e a versão positivista. Esta última seduzia principalmente os militares. Se mais não fosse, por condenar a Monarquia, defender a separação Igreja-Estado e propor uma ditadura republicana. Em prol do Progresso, justificava-se um Executivo forte e intervencionista, numa esteira de continuidade com o despotismo ilustrado enraizado no Brasil desde o Setecentos. A noção abstrata de povo, nesta versão republicana, assumia os contornos de um proletariado estatal, incorporado à sociedade moderna por meio de políticas sociais garantidas pelo Estado.762 A radicalização deste pensamento positivista está na matriz do jacobinismo brasileiro. De modo bastante generalizado, o programa jacobino consistia na proteção da indústria brasileira, na nacionalização do solo, no auxílio à pequena propriedade e na reforma de tarifas. O nacionalismo que pregava era exclusivista e xenofóbico, com a expulsão tácita de todos os estrangeiros da política e do país. Como corolário do nacionalismo étnico, explica Suely Robles de Queiroz, foi acrescentado o nacionalismo econômico. A salvação da nação dependia de nacionalizar o comércio e assegurar o seu controle na mão dos brasileiros. Mas, para além do rompimento à força com a tradição de consumo de mercadorias estrangeiras, não havia um projeto muito claro para a industrialização. O mesmo se pode dizer sobre a estratégia para agricultura. Se seria o investimento na lavoura para o mercado interno, a pequena propriedade policultora, o posicionamento jacobino era “nebuloso”, e somente se tornava clarividente na oposição colocada no Congresso aos interesses da lavoura de exportação. O que parecia 760 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 08. 761 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit., p. 101. 762 CARVALHO, A Formação das Almas, op. cit., p. 27. 226 inconteste é que o privilégio da classe agricultora na representação nacional incomodava os jacobinos, os quais advogavam em favor de um equilíbrio entre as classes, no caso, entre os interesses. Era também comum o desdém pelos bacharéis, acusados de monopolizarem as oportunidades. Os jacobinos chegavam mesmo a defender leis de proteção às classes operárias nacionais, mas o “povo” que buscavam beneficiar por uma “reforma radical do funcionalismo” era o pequeno funcionário e militar de média e baixa patentes.763 As ações de Arthur Bernardes à frente da presidência do Estado e da República não deixam dúvidas de que simpatizava com o conjunto dessas ideias. Percepção semelhante temos quando observamos os discursos de Nelson de Senna. Mas, mesmo diante de tão fortes evidências, é preciso relativizar. Um ponto que não é mero detalhe é que eram católicos praticantes, ainda que Bernardes, como veremos à frente, tenha oscilado nesta afirmação. Se João Pinheiro pregava a laicidade do Estado, Bernardes defendia a colaboração entre Igreja e Estado, e a retomada da educação moral nas escolas. O conservadorismo do Caraça é manifesto, e se tornará mais acentuado em seu governo na Presidência da República. Embora lutassem contra o bacharelismo, não enxergavam nos membros de sua categoria profissional um problema e sim no sistema de ensino essencialmente acacianista. A questão da relação com o estrangeiro também é controversa. Senna era favorável tanto ao capital financeiro quanto ao capital humano vindos do exterior. Já Bernardes concordava em partes com a ressalva jacobina, abrindo o Brasil aos imigrantes, mas restringindo o controle e cerceando a supremacia estrangeira sobre os negócios brasileiros. As concepções positivistas de República, e o extremismo jacobino, serviam bem aos propósitos desta segunda geração de políticos republicanos, que agora não mais buscava consolidar o regime, mas corrigir os seus desvios. Reformar tornou-se verbo transitivo direto no imperativo, ao qual os sujeitos políticos não podiam se furtar. Um dos mais descontentes era justamente Alberto Torres. Lamentavelmente, dizia ele, a República da realidade mostrou-se distante do sonho. A desilusão de Torres é característica do período. Segundo Angela de Castro Gomes, os inícios da década de 1920 foram de “crítica contundente ao reduzido grau de governo do Estado republicano de então”, que se mostrou inepto na missão de obrigar as oligarquias a colaborarem com o poder central e a despirem-se de seus interesses pessoais em prol de algo maior e mais longevo. O diagnóstico era de falência das instituições políticas republicanas no sentido de criar um “verdadeiro espaço público” para “canalizar os conflitos privados”.764 763 QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Os Radicais da República: jacobinismo, Ideologia e ação: 1893-1897. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 120-125. 764 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 510. 227 O estudo de Gomes é outro interessante contraponto para analisarmos a via autoritária, na medida em que chama mais dois republicanos para o debate. A autora elenca como representante da “ampla e heterogênea corrente dos que se desiludiram com a República”, o baiano Rui Barbosa, para quem o poder público deveria ser regenerado no sentido de práticas e valores liberais. Na outra ponta, coloca o gaúcho Pinheiro Machado, o homem que “fazia presidentes”, hábil em articular interesses. A inspiração de Gomes foi o trabalho de Alceu Amoro Lima, a partir do qual enxerga a luta entre duas correntes: Rui pelo “cesarismo” e a centralização em torno de uma autoridade pública; e Machado pelo “caudilhismo”, na negociação com os chefes locais.765 O Brasil que Rui Barbosa almejava era o oposto do tradicional de Pinheiro Machado, um país liberal, do povo, com um Estado impessoal e racional-legal, institucionalizado em partidos e parlamento, com o voto limitando a participação do cidadão. Segundo Gomes, esse modelo sofreu um sério abalo após o término da Primeira Guerra, quando muitos intelectuais passaram a operar com a ideia de “real impossibilidade e indesejabilidade de adaptação ao Brasil” do modelo de Estado liberal. Na interpretação de Boris Fausto, o fim do conflito mundial, em 1918, e o ressentimento dos derrotados, como Itália e Alemanha, contribuíram para disseminar ideologias de direita, que encontraram terreno fértil no murmurinho de insatisfações como o republicanismo brasileiro. Como leque comum das várias correntes de direita, o autor identifica “a defesa de uma ordem autoritária, a repulsa ao individualismo em todos os campos da vida social e política, o apego às tradições, o papel relevante do Estado na organização da sociedade”. As ideias autoritárias, afirma Fausto, emergem no Brasil exatamente neste momento, como resultado de um liberalismo associado às práticas oligárquicas, em que a fraude eleitoral, a exígua participação política, e a perda de poder político da União frente aos Estados, eram a regra e não a exceção.766 De acordo com Angela de Castro Gomes, a guinada de uma utopia liberal republicana para a ideia de uma incompatibilidade do Brasil com os valores burgueses teve forte influência de uma nova orientação científica. De um lado, com uma teoria elitista que contestava a igualdade natural dos seres humanos e era contrária às “ficções políticas liberais”. De outro, com as ideias keynesianas, em defesa do intervencionismo econômico e social do Estado, o que, afirma ela, era inusitado. Mudavam-se os meios para manter a autoridade racional-legal e o projeto moderno de economia urbano-industrial. No lugar dos valores liberais, entrava a maior 765 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 496. 766 FAUSTO, Boris. O Pensamento Nacionalista Autoritário (1920-1940). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001, p. 15. 228 intervenção do Estado nos assuntos econômicos e sociais como “elemento precípuo” para o start de um novo modelo de modernidade, que finalmente realizaria o gap entre o “Brasil real” e o “Brasil legal”. Nessa lógica, o Estado forte e centralizado era a “‘nacionalização e a ‘modernização’ do poder no Brasil”.767 A tensão entre Rui e Machado, explica Gomes, representava “uma tensão, ao mesmo tempo constitutiva da política nacional e desintegradora de suas possibilidades de desenvolvimento nos marcos da modernidade ocidental”, que é o conflito entre o público e o privado. Para muitos políticos e intelectuais da década de 1920, o “desajuste” nesta fronteira era “a principal causa de todos os males e o maior indicador de nosso ‘atraso’”. Há nessa polaridade também a construção de uma “tradição dicotômica de pensar o país”, na oposição do “Brasil real” (rural e exportador) x “Brasil legal” ou “artificial” (sociedade urbano- industrial), que é própria do pensamento sociológico conservador e traz consigo uma série de oposições. A autora frisa que tanto um lado como o outro da moeda apresentava seus vícios e virtudes, o que denota a complexidade do assunto, e o esforço em formular combinações entre “público e o privado, o ‘legal’ e o ‘real’, reinventando suas fronteiras, mas trabalhando na direção de sua manutenção, quer porque qualquer outro resultado fosse impossível, quer porque fosse indesejável”. Decorre daí a necessidade de “procedimentos sofisticados”, que permitissem a modernização política sem “descartes categóricos e divisões maniqueístas”.768 Gomes realiza um salto para os anos 1930, indicando a solução corporativista de Vargas, e não detalha quais são os “procedimentos” para a década anterior. Acreditamos que Bernardes é uma chave de análise instigante para preenchermos essa “lacuna”, particularmente se os mecanismos forem pensados a partir do modelo de Barrington Moore Jr. Segundo Moore Jr., para preservar a estrutura social inicial no âmbito de uma modernização conservadora, os governos semiparlamentares, originados da aliança entre proprietários de terras e burocratas, promovem a “racionalização da ordem política” por uma série de medidas. A primeira é o estabelecimento de uma autoridade e de um sistema administrativo forte. A segunda é a “fabricação” de cidadãos adequados ao novo tipo de sociedade, com a elaboração de “um sistema nacional de educação”, que leve às massas “conhecimentos literários e técnicos rudimentares”, e crie uma lealdade, não mais com as autoridades religiosas, mas com a “nova abstração” que é o Estado.769 Em sua revisão e reordenamento do projeto pinheirista, Arthur Bernardes partiu da segunda para a primeira etapa. 767 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 496-506. 768 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 501-502. 769 MOORE JR., As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia..., op. cit., p. 505-506. 229 Como presidente de Minas Gerais, a educação foi uma prioridade em seu programa e ele efetivamente avançou, em relação a João Pinheiro, em termos de organização e transformação em ensino público dos níveis médio e superior. Já na Presidência da República, o Executivo forte foi a aspiração da revisão que propôs à Constituição de 1891. 5.2 – Modernidade e Modernização: pares antitéticos? Se para Alberto Torres era preciso criar artificialmente a nacionalidade, para Arthur Bernardes era necessário forjar as forças propulsoras da modernidade. Em comum, o obstáculo que se apresentava aos políticos e intelectuais das décadas de 1910 e 1920: o “desafio era construir um mundo moderno com base em constrangimentos que o negavam”.770 A política desenvolvimentista bernardista visava ser o instrumento para a finalidade maior, o Progresso, imposto de maneira acachapante ao mundo ocidental como horizonte de expectativa da modernidade.771 Talvez como uma expressão mais tímida do que João Pinheiro, Bernardes também se colocava como um acelerador do processo. A questão é que, como explica Faoro, entre Modernidade e Modernização há uma intrínseca oposição. A Modernidade “atualiza, aperfeiçoa, desenvolve”. Ela independe de vontade ou de comandos externos, “não é um reflexo, nem meramente uma transição”. Na modernidade, as classes dirigentes “coordenam e organizam” o processo. O seu contrário é a modernização, que “acumula, soma, progride”, e na qual as classes “dirigem, conduzem ou promovem”. A modernização não vai além da modernidade; ela se dá em ondas sucessivas, que se esgotam quando as elites mudam de objetivos, e muitas vezes parecem sequer ter existido. Isto porque são ondas que “se circunscrevem ao tempo circular, com uma memória condicionada ao tempo precário, que duram enquanto outra onda se sobrepõe à atual, desfazendo-se ambas”.772 A modernidade não, ela é vetorial, como “uma flecha voando firme em direção a um ponto determinado”, posto que entendida como um tempo de transição retilíneo ascendente do atraso para o Progresso.773 Conquanto antitéticas, uma nasceu em função da outra. Jürgen Habermas afirma que a palavra “modernização” surgiu como termo técnico nos anos 1950, para retomar a problemática da racionalização e do desencantamento do mundo de Max Weber, bem como explicar o 770 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 506. 771 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit., p. 317. 772 FAORO, A Questão Nacional: a modernização, op. cit. 773 REIS, Teoria & História, op. cit., p. 57. 230 processo de elaboração de novas estruturais sociais no desenvolvimento das sociedades modernas. Conforme definição de Habermas, modernização é um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo, referentes à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder políticos centralizado e à formação de identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal; à secularização de valores e normas etc.774 Por todo esse aglomerado, Habermas compreende o conceito de modernização como uma abstração da ideia weberiana de “modernidade”, cuja consequência é separá-la de suas origens, do contexto histórico do racionalismo ocidental, e transformá-la em um padrão, com temporalidade e espacialidade neutras. Assim, a modernização opera única e exclusivamente “com as leis funcionais da economia e do Estado, da técnica e da ciência”.775 Esvazia-se o “espírito” da modernidade, em suma, mas não a sua força e virulência. Para José Carlos Reis, a modernização opera em uma dupla direção. De fora para dentro, rompe tradições históricas, culturas locais; uma vez internalizada, impõe uma ruptura ainda maior em prol da “performance capitalista”. Se a modernidade emerge de uma nova subjetividade racional, a modernização é imposta do centro para a periferia.776 A interpretação de Faoro é que no Brasil não logramos a modernidade, apenas ondas sucessivas de modernizações. Minas confirma ou invalida esta hipótese? Concordamos com Helena Bomeny na dedução de que o projeto de João Pinheiro tinha a modernidade como horizonte de expectativa. A política desenvolvimentista era a estratégia para alcançar essa modernidade. Mas, quando consideramos o desenvolvimentismo como uma ideologia que associa a defesa da industrialização, do intervencionismo e do nacionalismo, Arthur Bernardes esteve consideravelmente mais alinhado a este programa do que o seu padrinho político, ainda que a historiografia ignore este dado em função de uma memória cristalizada em torno da figura de João Pinheiro. Deste, Bernardes se afastou quando ficou claro que para coexistir com a “força da tradição”, o Liberalismo e o Republicanismo teriam de assumir contornos peculiares no Brasil. A modernidade continuou no horizonte enquanto a experiência ordenou a modernização. Nesse processo, aproximou-se de Clodomiro de Oliveira e Alberto Torres. Unindo as duas pontas, da EMOP e do positivismo, chegamos a um outro denominador comum: 774 HABERMAS, Jürgen. A Consciência de Tempo da Modernidade e sua Necessidade de autocertificação. In: O Discurso Filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 05. 775 HABERMAS, A Consciência de Tempo da Modernidade..., op. cit., p. 05. 776 REIS, História & Teoria, op. cit. 231 o reformismo ilustrado luso-brasileiro. Para Faoro, as reformas Pombalinas criaram as bases sobre a qual, a partir de então, se firmaram todas as modernizações no Brasil, um país transformado, dirigido, freado e renovado por uma classe dirigente; por reformas calcadas na recuperação de uma economia “cevada de estímulos e privilégios”, e de uma nação organizada sob o despotismo.777 Ainda que Belo Horizonte tenha conhecido um impulso significativo no período e a guerra tenha incentivado a produção industrial, o poder de mando continuou nas mãos da classe proprietária rural. Essa ausência de mudança na “coalização de poder”, abriu caminho para a figura de um Estado autoritário. Não foi outra a postura do programa de reforma partidária, tributária e educacional de Arthur Bernardes. Permitiu, ainda, a aliança entre as elites agrárias e as classes industriais na busca das benesses estatais para a recuperação econômica, transformando o Estado em um organismo estrategicamente posicionado para controlar o acesso à política e gerir a multiplicidade de interesses. Em termos de espraiamento pelos poderes da República, a fase seguinte seria a mais favorável ao (re)ordenamento das ideias pinheiristas para o restante da Nação, além de uma oportunidade de ouro para a realização do projeto siderúrgico, colocando Minas finalmente no bonde da modernidade. Será que com Raul Soares na presidência do Estado, Arthur Bernardes na Presidência da República e Nelson de Senna no Congresso Federal o almejado “destino” da modernidade mineira se cumpriu? 777 FAORO, A Questão Nacional: a modernização, op. cit., p. 10. 232 Capítulo 6 O Reordenamento (1922-1926) A chegada de Arthur Bernardes à Presidência da República foi um momento paradigmático de expressão de velhos e novos atores políticos, estes últimos emergentes no processo de urbanização e industrialização propiciado pela Primeira Guerra Mundial. Em comum, o ressentimento com o caráter profundamente excludente da política republicana. O cenário era de grande efervescência. Do lado oposicionista ao situacionista, dos revoltosos às forças legalistas, o sentimento era de desilusão com a República instaurada. Enquanto uma parte reivindicava representatividade nos órgãos institucionais, a outra aproveitava-se do contexto para fomentar o sentimento de “crise”. Neste cenário, o trio Senna-Bernardes-Soares fortaleceu sua articulação para o reordenamento do projeto desenvolvimentista e modernizador mineiro para o conjunto da nação. Do programa pinheirista, mantiveram-se os princípios centrais de organização do trabalho, crédito, e atividade produtiva por meio de uma política estatal protecionista, da modernização agrícola, da cooperativização, do incentivo à produção nacional, da estruturação bancária, da especialização industrial e da educação. O principal direcionamento foi no sentido de atribuir-lhes um caráter universalizante. Para tanto, o governo bernardista alinhou sua política ao pensamento autoritário. Reformas educacionais e constitucionais congregaram o espírito de moralização e cura para os desvios danosos na Ordem e no Progresso republicanos. Nossa proposta neste capítulo é analisar este processo, comparando e contrabalanceando com a ideologia de Estado, num esforço de contextualização, mas também de revisão. De um lado, refutamos o “vácuo” atribuído pela historiografia ao período compreendido entre a morte de João Pinheiro e o Estado Novo na consecução da política desenvolvimentista mineira, na esfera da Federação. A interpretação, a nosso ver infundada, é fruto da construção da memória histórica e familiar de Pinheiro. De outro, questionamos a ideia de que o recrudescimento da política bernardista entre 1922 e 1926, foi uma simples reação aos seus opositores. Nossa hipótese é de que foi uma estratégia racional e planejada de ataque e ação com vistas ao revanchismo e à modernização pela via conservadora, caminho pelo qual as ideias pinheiristas foram universalizadas. 233 6.1 – Entre estrelas de segunda grandeza A Política é uma ceifadora de ilusões e para resistir às suas decepções infalíveis é preciso fortaleza de ânimo e fé na utilidade do próprio esforço em bem de patrióticos ideais. Em todos os tempos, o recurso de quem deserta foi maltratar os amigos da véspera para assim dar-lhes a responsabilidade de todo o mal que provier da deserção (SOARES, Raul. Discurso pronunciado no Senado federal, em 06 de setembro de 1921). (...) assim também a gente mineira, embora amando a paz, vivendo a lavrar a terra, a apascentar rebanhos e a explorar minar e fábricas, tem assomos de cólera e vingança, desde que o vendaval das perseguições políticas lhe ultraja o sentimento de liberdade (SENNA, Nelson de, Discurso pronunciado no Congresso Nacional, em 1929)778 A historiografia é concorde em colocar o ano de 1918 como o de gênese da candidatura de Arthur Bernardes à Presidência da República.779 A saúde extremamente debilitada impediu a posse do recém-eleito Rodrigues Alves, e colocou Delfim Moreira interinamente no Catete. A possibilidade de Minas Gerais se perpetuar no Executivo alarmava São Paulo; a falta de base política de Moreira desgostava os mineiros. Cresciam, então, as especulações em torno do nome que o sucederia. As elites paulistas começaram a se articular em torno do nome de Rui Barbosa, que sofria oposição de alguns estados do Nordeste e tinha contra si a idade avançada. Francisco Sales tentou emplacar Arthur Bernardes. De acordo com Viscardi, Sales barganhava uma vaga no Senado; já para Afrânio Carvalho a intenção era retirar Bernardes do Palácio da Liberdade, sede do governo mineiro, e colocar Afrânio de Melo Franco no lugar. Em que pese a intenção de Sales, alguns setores da elite mineira consideraram que aquele ainda não era o momento de fazê-lo candidato à Presidência da República. Sabino Barroso, numa das consultas que Soares comumente lhe fazia, expressou “O Arthur é uma esperança. Saibamos conservá-lo”.780 Era preciso construir primeiro uma projeção nacional. Alertado por Raul Soares da manobra de Sales, contra o qual travavam uma luta histórica, e das ponderações de Barroso, Bernardes recusou a candidatura e propôs que Minas, São Paulo e Rio Grande do Sul acordassem um novo nome. São Paulo sugeriu o de Epitácio Pessoa, mas logo em seguida tentou emplacar o de Altino Arantes. Minas ficou em situação delicada, pois o Rio Grande do Sul votava pelo nome de Epitácio e se opunha a Arantes. Os gaúchos chegaram, inclusive, a se aliar ao Rio de Janeiro para levar o nome de Epitácio e Rui 778 APCBH – NCS 4 (24) B – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 779 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit.; MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit.; CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo: 1922-1938. São Paulo: Editora Ática, 1989, 780 CARVALHO, Raul Soares, um líder da República Velha, op. cit., p. 179. 234 Barbosa à Convenção e, assim, eliminar a proposta paulista. O apoio mineiro acabou fechado com os antigos Estados aliados, deixando São Paulo isolado. A historiografia divide-se entre a escolha ter sido encabeçada por Raul Soares ou pelo gaúcho Borges de Medeiros. Seja como for, a escolha mineira era uma tentativa de não comprometer as bases de sustentação fundamentais para as suas pretensões futuras.781 Num acordo de Minas com Rio Grande do Sul e Bahia, venceu o nome de Epitácio Pessoa sobre o de Altino Arantes, aposta de São Paulo. O governo de Epitácio teve início com o Executivo fragilizado. Disputavam-lhe espaço de atuação os estados do Nordeste que apoiaram sua candidatura, e o Rio Grande do Sul, peça chave no veto que o nome de Arantes recebeu. Com receio da escalada de ambições dos gaúchos e dos baianos, Minas se aproximou de São Paulo, dividindo as bases de sustentação do governo de Epitácio, e conseguiu, numa acirrada disputa, “bancada a bancada”, a maioria no Legislativo. Na distribuição dos Ministérios, Epitácio privilegiou os estados que o apoiaram na candidatura, com a novidade de colocar civis em pastas militares. O Rio Grande do Sul não ficou satisfeito com o desfecho ministerial. Epitácio havia escolhido Homero Batista como Ministro da Fazenda, ex-deputado gaúcho que, afastado da política militante, desagradava o Partido Republicano Rio-grandense. Epitácio tentou “consertar” oferecendo o Ministério da Viação e o da Agricultura aos deputados gaúchos Vespúcio de Abreu e Ildefonso Simões Lopes, respectivamente. Já Minas, que abocanhou apenas os Ministérios da Marinha e da Guerra, com Raul Soares e Pandiá Calógeras, demonstrou descontentamento, mas não teve seus apelos atendidos como os gaúchos e nem rompeu com a presidência.782 Como explica Viscardi, o posicionamento mineiro durante todo o governo de Epitácio foi no sentido de preparar a eleição de Raul Soares como Presidente de Minas e Bernardes como Presidente da República. Desde 1920 Soares deixou o Ministério da Marinha para concorrer ao Senado e se desincompatibilizar para a eleição ao governo estadual, que se avizinhava.783 As 781 Claudia Viscardi mostra que, ao contrário da tradicional visão da Política do Café com Leite da Primeira República, o acordo entre Minas e São Paulo foi mais a exceção do que a regra. Sempre que aliar-se com São Paulo pudesse colocar em risco a sua histórica parceria com Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Bahia, os mineiros preferiam não pactuar. VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 250. 782 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 65-67; VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit. 783 Uma cláusula da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1891, a mesma que quase o impediu de concorrer à vaga de deputado estadual por Minas, em 1911, explica porque exatos dois anos antes das eleições para a presidência do Estado, Raul Soares deixou a pasta da Marinha. De acordo com o texto, em seu Cap. IV, Art.98, São condições de elegibilidade para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, “Ser domiciliado e residente no Estado durante os seus anos que precederem a eleição exceto se ausência, nunca maior do que dois anos (grifo nosso), tiver sido motivada por serviço público federal ou do Estado”. Ao aguardar a tomada de posse como Senador Federal, em maio de 1921, em Belo Horizonte, Soares “quebrava” a sua ausência em Minas. O intervalo entre assumir o mandato no Senado ao momento e ser eleito presidente do estado, também não ultrapassava os dois anos, além de ter sido um período fundamental de articulação em torno da candidatura de Arthur Bernardes. 235 pretensões hegemônicas dos gaúchos acabaram aproximando os mineiros dos paulistas. Um passo em falso de Epitácio na votação da Terceira Política de Valorização do Café culminou no pedido de renúncia de Carlos de Campos, líder paulista, prontamente aceito pelo presidente. A intervenção de Bernardes em favor do deputado serviu para consolidar a união dos dois estados, essencial para as suas pretensões políticas. Além disso, Bernardes mostrou-se um bom mediador de interesses quando sugeriu o adiamento dos debates sobre a proposta do paulista Cincinato Braga, para que a emissão de moeda desse suporte ao café e não ao Tesouro, como era a intenção de Epitácio.784 Para Boris Fausto, esse episódio foi “um dos indicadores mais expressivos da função desempenhada por cada uma das oligarquias no interior da aliança São Paulo-Minas”, ou seja, os representantes paulistas ligados aos interesses da classe dominante regional e em confronto com o governo federal, e os mineiros, como mediadores, guardando uma certa distância da classe dominante ao mesmo tempo em que intermediavam as relações entre a oligarquia paulista e o Catete.785 Inúmeras são as análises que indicam o estratagema de recorrer à ideia de “fiel da balança”, de uma postura tipicamente mineira de moderação, como recurso político primordial de inserção federal de Minas Gerais na Primeira República.786 Para nós, em corroboração com a intepretação de Viscardi, Bernardes tinha uma clara intenção: selar, a um só tempo, um acordo com São Paulo e o Catete, e impedir a articulação do Rio Grande do Sul. Epitácio ainda tentou fortalecer o Executivo, mas sucumbiu diante do poderio de Minas.787 Além da bancada federal gaúcha, que confiava no prestígio que Epitácio dispensou a Borges de Medeiros para fazê-lo Presidente da República, os principais rivais na consecução dos propósitos de Bernardes e Soares eram os próprios paulistas, desgostosos desde o veto ao nome de Altino Arantes, e Francisco Sales, que buscava recuperar o poder retirado da Tarasca pela reforma que a dupla mineira realizou nos estatutos do partido e na renovação do Congresso. Soares desconfiava, inclusive, de uma possível aproximação de Sales com os paulistas, o que dividia a elite mineira, quando os nomes de Nilo Peçanha e Washington Luiz começaram a ser cotados como opção. Em repouso na cidade mineira de Poços de Caldas, Soares encontrou Antônio Azeredo, vice-presidente do Senado federal, que o confidencializou os planos de Epitácio de sugerir como sucessor o Ministro Pires de Albuquerque, procurador Geral da Ver: MINAS GERAIS. Constituição (1891). Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1907, p. 149. 784 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 240-255. 785 FAUSTO, Expansão do Café e Política Cafeeira, op. cit. 786 LIMA, Alceu Amoroso; BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit.; WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit.; RAMALHO, A Historiografia da Mineiridade... op. cit. 787 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 240-255. 236 República. A viagem de Soares a São Paulo foi apressada pela informação, com o objetivo de garantir a adesão oficial ao candidato mineiro. Washington Luiz procurou antes saber a opinião de Epitácio Pessoa, enviando o líder da bancada paulista, Carlos de Campos, a Petrópolis para assuntar com o Presidente. Como Epitácio se esquivou, afirmando ser um “desvirtuamento do sistema o intervir o Presidente da República”, Washington assinalou o apoio a Bernardes, sem, contudo, retirar o seu nome da disputa.788 A especulação em torno de Bernardes se transformou em candidatura oficial a partir da declaração do deputado fluminense José Tolentino, delegado da confiança de Nilo Peçanha, ao jornal à Tribuna de Petrópolis, publicada em 30 de abril de 1921. A explicitação de Bernardes como candidato oficial indiretamente arrefecia o ímpeto com que crescia um outro nome no Exército, o do Marechal Hermes da Fonseca. Empossados no Senado Federal pela Comissão Verificadora de Poderes, Raul Soares e Bueno Brandão enviaram telegramas aos presidentes dos Partidos Republicanos regionais e dos Estados, solicitando apoio à candidatura de Arthur Bernardes e convocando uma reunião da Convenção Nacional. A escolha do nome do vice- presidente para compor a chapa de Bernardes foi colocada sob a responsabilidade do Catete, dificultando as tratativas. A reticência de Epitácio Pessoa em decidir e o perigo de que a questão fosse colocada na Convenção, levaram Raul Soares a determinar um nome inesperado, o de Urbano dos Santos, Presidente do Maranhão. Os primeiros Estados a se oporem à escolha, acolhida por Epitácio Pessoa foram Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro. Na sequência veio o Rio Grande do Sul. Ao receber a carta de Soares e Bueno Brandão, Borges de Medeiros já havia se sentido duplamente atingido: como pretenso candidato, e como presidente do PRR, excluído da escolha do nome. Por estes motivos, condicionou o apoio gaúcho à aprovação prévia do programa de governo de Bernardes ou a uma “solução republicana”, o que significava a exclusão do nome mineiro, que não participou do movimento republicano histórico, e a indicação de Nilo Peçanha. Na verdade, o que Borges de Medeiros queria era, se não fosse candidato, que pelo menos prevalecesse o processo pelo qual todos os outros candidatos vinham sendo escolhidos, e não uma decisão unilateral. A questão do vice foi apenas o estopim.789 No Senado, onde a “atuação de Raul Soares continuaria umbilicalmente ligada à ascensão política de seu mais fiel aliado político, Artur Bernardes”,790 o político de Ubá fez um 788 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 65-67; VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 240-255. 789CARONE, Edgard. Revoluções do Brasil Contemporâneo..., op. cit.; MAGALHÃES, Arthur Bernardes..., op. cit.; VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit. 790 VISCARDI, Estudo Crítico: Raul Soares, op. cit., p. 35-53. 237 longo discurso defendendo o posicionamento da carta e a decisão sobre o nome do vice. A fala de Soares foi iniciada com a justificativa de como Comissão Executiva do PRM se absteve inicialmente de decidir sobre o “antagonismo vice-presidencial” porque, sendo um “dissídio entre Estados amigos e ligados à candidatura assentada”, Minas aceitaria “o candidato que reunisse o apoio geral ou pelo menos a maioria das forças políticas”. Os representantes mineiros e paulistas só decidiram intervir, afirma Soares, quando o impasse se tornou insustentável. Procuraram, então, Pernambuco, que “se mostrava mais conciliador” e a Bahia, “irredutível” em “resolver amistosamente o dissídio”. Diante da convocação da Convenção, Pernambuco pedia que fosse adiada, por falta de representação e a Bahia se mostrava indiferente. Soares considerou o adiamento mais conveniente, porque realizá-la na véspera da chegada de Nilo podia parecer “desconsideração”, e ele “não desejava fornecer à política fluminense o pretexto que procurava”. As esperanças de acordo, segundo Soares, se esvaneceram quando a campanha “formidável de intrigas contra o candidato mineiro” começaram na imprensa, nos círculos políticos e militares. A postura de Epitácio e de São Paulo não foi de conchavo, mas de “correção e lealdade”. Implicitamente, encerrava o discurso relacionando Arthur Bernardes a um “novo” modo de fazer política: Abramos o caminho para o Brasil novo, que quer romper definitivamente com os negregados processos de emboscadas políticas, que quer ver os homens públicos respeitados pela dignificação da carreira política, e a República estimada pela prática sincera do regime.791 Minas via-se em uma encruzilhada. Sem a presidência da Câmara, barganhada com Nilo Peçanha em troca do apoio do Rio de Janeiro à candidatura de Epitácio Pessoa, a única forma de conseguir levar adiante o projeto da candidatura de Bernardes era romper com os parceiros tradicionais. Foi o que fez. A cisão lhe custou a oposição encabeçada pelo Rio de Janeiro, que lançou a candidatura de Nilo Peçanha à Presidência, e, para garantir o importante apoio da Bahia, apresentou o baiano J.J. Seabra como vice. A nosso ver, a análise da chapa, que ficou conhecida como Reação Republicana, e da campanha que ensejou, permite mapear a oposição desenhada em torno da candidatura de Arthur Bernardes, crucial para os rumos do governo bernardista e, consequentemente, do projeto desenvolvimentista mineiro. 791 BRASIL. Discurso pronunciado por Raul Soares no Senado Federal, na 91ª sessão, aos 06 de setembro de 1921. Diário Do Congresso Nacional, nº 103, de 07 de setembro de 1921, p. 3.173. 238 6.1.1 – A Reação Republicana De acordo com Marieta de Moraes Ferreira, a essência do programa da Reação, com a defesa da diversificação da agricultura e da autossuficiência na produção de alimentos, já era defendida por Nilo há duas décadas.792 A sua candidatura se transformou em um guarda-chuva para os anseios de redistribuição mais igualitária dos poderes e benesses do Estado, provenientes da insatisfação de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro, que perderam posições importantes da passagem do Império para a República. O Rio Grande do Sul, embora em condição mais confortável, se sentia igualmente prejudicado pela prevalência dos interesses mineiro-paulistas.793 Não à toa, o argumento de “imperialismo econômico” foi largamente utilizado por propagandistas gaúchos e por Nilo Peçanha durante campanha presidencial para sensibilizar o “bloco de estrelas de segunda grandeza”.794 O recurso à propaganda eleitoral, “praticamente inédito entre as práticas políticas vigentes no país”, segundo Ferreira, tinha como foco os segmentos das oligarquias secundárias, prejudicadas com o funcionamento do sistema, e das camadas urbanas, alijadas da participação política.795 Muito embora a simples associação de Nilo Peçanha com os movimentos urbanos emergentes não explique a Reação Republicana,796 consideramos plausível a interpretação de Edgard Carone, da “existência de dois grupos distintos de oposição à máquina governamental”, que caminhavam paralelamente e aliados. Nilo buscou conjugar a propaganda para insuflar os Estados menores com o apoio do segmento militar, igualmente descontente, por ver nele um parceiro político capaz de fazer frente às oligarquias dominantes. O episódio que uniu a campanha da Reação Republicana ao problema militar ficou conhecido como “Cartas Falsas”.797 792 FERREIRA, Em Busca da Idade do Ouro... op. cit., p. 29. 793 FERREIRA, Marieta de Moraes. A Reação Republicana e a Crise Política dos Anos 20. Estudos Históricos: Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993, p. 13-14. 794 FAUSTO, Expansão do Café e Política Cafeeira, op. cit., p. 260. 795 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 13-14. 796VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 282. 797 Segundo Carone, a distribuição de ministérios entre civis, como Raul Soares (Marinha) e Pandiá Calógeras (Guerra), o veto ao aumento dos salários de oficiais a soldados, e a contratação de uma Missão Militar francesa para treinar o Exército em táticas de guerra, retirando o comando do general Bento Ribeiro, são alguns dos fatos que culminaram para o crescente descontentamento dos militares. Para recuperar o orgulho perdido da categoria, o nome escolhido foi o do ex-presidente Hermes da Fonseca. Em 1921, após seis anos fora do Brasil, Hermes foi recebido com festa pelos militares e pelo Jornal Correio da Manhã, também em franca oposição à Epitácio Pessoa. Em agradecimento, ofereceu o banquete que aparece na Carta atribuída a Bernardes como uma demonstração de oposição hermista à sua candidatura. CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 25. 239 Desde 1920, pelo menos, Raul Soares intuía que São Paulo poderia financiar jornais de Minas para fazer oposição a Arthur Bernardes, sobretudo por intermédio de Francisco Salles.798 As preocupações conspiratórias se confirmaram um ano depois, provenientes de outro foco. No dia 08 de outubro de 1921, Mário Rodrigues, um dos diretores do Correio da Manhã e aliado de Nilo, encontrou com Oldemar Lacerda, um conhecido falsário, para negociar supostas cartas de Bernardes. A primeira delas foi publicada na edição de 09 de outubro do jornal, com palavras de afronta ao general Hermes da Fonseca, justamente a figura que o Clube Militar havia escolhido para recuperar o orgulho ferido da categoria.799 A farsa ficava óbvia quando se comparavam as grafias e estilo, mas o episódio foi o suficiente para dividir o Exército entre uma minoria que desconfiava da carta e uma maioria que a tinha por autêntica. Seja como for, surtiu momentaneamente o efeito desejado. Bernardes foi recebido com vaias e ovos podres quando da leitura de sua plataforma de governo no Clube dos Diários, no Rio de Janeiro, fato que o levou a aceitar a ideia de submeter as cartas à uma análise grafológica. A comissão de verificação foi composta por militares e, como era de suspeitar, o relatório lido pelo Clube Militar concluiu pela veracidade das cartas, deixando o caso para que a nação julgasse. A candidatura de Bernardes se manteve à duras penas frente o pedido de nilistas e militares para que ele abandonasse a disputa.800 O resultado da eleição, ocorrida em 01 de março de 1922, comprovou o peso da máquina oficial, com a vitória de Bernardes por 466 mil votos contra 317 mil de Nilo. O pleito foi prontamente questionado pela Reação Republicana, que, inconformada com a derrota, exigiu a criação de um Tribunal de honra para rever o resultado. De forma panfletária, a imprensa nilista passou a fazer seguidas denúncias de perseguições supostamente sofridas por militares antibernardistas, com o objetivo de manter a mobilização popular e acirrar os ânimos dos militares.801 A busca de conciliação nacional partiu de Raul Soares. Em 1º de maio de 1922, políticos de confiança de Epitácio Pessoa se reuniram com ele secretamente.802 O posicionamento de Soares, de só aceitar negociar com Borges de Medeiros, e a decisão de Washington Luís, presidente de São Paulo, de levar o resultado das urnas adiante e manter a posse de Bernardes,803 sobressaíram aos argumentos variados dos presentes, bem como à 798 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 262. 799 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 101. 800 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 26. 801 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 19. 802 Participaram da “Reunião do Catete”, além de Epitácio e Soares, os ministros Pandiá Calógeras e Veiga Miranda, das pastas da Guerra e da Marinha; o vice-presidente do Senado, Antônio Azeredo; os mineiros Melo Franco e Bueno Brandão; e os paulistas Arnolfo Azevedo e Álvaro de Carvalho. MELO FRANCO, Um Estadista da República..., op. cit., vol. 2, p. 1059-1061. 803 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 27-28. 240 proposta de Epitácio para modificar o regimento eleitoral e nomear uma comissão verificadora com três representantes de cada partido, um formato que, ao contrário do Tribunal de Honra, não feria a constitucionalidade.804 Como represália mineiro-paulista à Reação Republicana, na eleição para a mesa da Câmara Federal e comissões parlamentares, em maio de 1922, os deputados dissidentes foram expurgados, radicalizando ainda mais as forças oposicionistas e estreitando os laços da Reação com os militares.805 Nelson de Senna, reconhecido como deputado federal por Minas em abril de 1921, permaneceu, não só porque era favorável a Bernardes, mas porque tinha uma missão específica no Legislativo, como podemos depreender da carta que Raul Soares enviou ao Presidente Epitácio, em 10 de outubro de 1920. O pedido de exoneração do Ministério da Marinha deixava bem claras as intenções: “devo deixar a pasta da Marinha antes de iniciar-se o prazo legal de incompatibilidade dos ministros para as eleições federais, visto como a política do meu Estado julga necessários os meus serviços na Câmara dos Deputados”.806 Para nós, os “serviços” consistiam em tornar Arthur Bernardes Presidente da República, motivo pelo qual Raul Soares articulou para que Nelson de Senna adentrasse o Congresso Federal.807 Nossa hipótese é que, neste primeiro momento, o papel de Senna era complementar na Câmara o esforço de Soares, eleito para o Senado em março de 1921: o de articular as alianças e defender a candidatura de Arthur Bernardes. A maior explicitação de fidelidade de Nelson de Senna está no discurso extenso, laudatório e efusivo pronunciado na sessão de 02 de maio de 1922, na Câmara Federal, em defesa da eleição de Bernardes à presidência da República. Senna inicia sua fala com um apelo emocional: as comemorações do centenário da Independência se aproximavam e não poderíamos “fazer feio” frente aos outros países com uma demonstração de inversão da ordem constitucional. Seu maior consolo diante das agitações de uma campanha levada às últimas consequências era ver “à frente do governo um homem sereno, intemerata de republicano e de patriota cujas palavras caíram no espírito de todos os brasileiros como um sedativo benéfico nesta hora de aflições e gravidade”. Aceitar a reposta das urnas era, a seu ver, democrático e republicano, pois encarnava a vontade do povo que o elegeu, tornando-o legítimo representante 804 MELO FRANCO, Um Estadista da República... op. cit., p. 1059-1061. 805 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 19-20. 806 SOARES, Raul Apud CARVALHO, Raul Soares, um líder da República Velha, op. cit., p. 175. 807CPDOC – Arquivo Raul Soares – Série Correspondências. Correspondência de 24 e março de 1922. RS c 1922.03.24/1. 241 político. As campanhas poderiam até despertar paixões e ódios, mas Senna insistia na crença de que logo as consciências despertariam para reparar as injustas acusações.808 De acordo com o deputado, o único resultado possível do dissídio seria o nascimento de dois partidos definitivos para orientar e estabilizar a República, a partir da “sentinela mútua” de um sobre o outro. Não acreditava, todavia, que isso se realizasse. Nem mesmo um partido de oposição poderia nascer do conflito, pois, segundo ele, faltava sinceridade de ideais. O maior defeito estaria em Nilo Peçanha, que após afirmar adesão completa ao candidato mineiro, desfez sem cerimônia o compromisso de véspera. Senna interpelava os congressistas sobre o que teria mudado para que Seabra, governador da Bahia e vice na chapa de Nilo, e José Bezerra, governador de Pernambuco, expressassem de pronto simpatia por Arthur Bernardes e logo depois engrossassem as fileiras da oposição? Por que Bernardes era voz unânime no país, à exceção do Rio Grande do Sul, que ele diz ter preferido silenciar, e agora foi transformado no pior dos homens pela imprensa afiliada a Nilo?809 O deputado Joaquim Osório interrompeu abruptamente, alterando o tom de voz, a fala de seu colega para dizer que “Minas faltou a sua palavra de honra com o país” e de que o Rio Grande do Sul apelava para o juízo mineiro dos tempos de João Pinheiro. A passagem é reveladora de um ideal de político mineiro que já permeava o imaginário da época: o da conciliação. Nelson de Senna buscou contornar a situação dizendo que, apesar de os gaúchos acharem que são a “atalaia e a sentinela da liberdade da República”, mineiros e brasileiros nutriam velha estima e admiração por eles. Além disso, prossegue, não houve quebra de tradições ou alterações de processos na diretriz política de Minas Gerais. No intento de convencer os interlocutores, estabeleceu um fio de continuidade entre Silviano, Pinheiro e Bernardes para explicar que Minas permanecia firme na sua “inquebrantável lealdade” e “tradicional espírito de paz e ordem”.810 Sobre o fato de Bernardes ter conseguido 189.612 votos dos 314.313 eleitores mineiros, contra 16.436 votos de Nilo Peçanha, Senna diz que “o povo mineiro quis dar uma resposta esmagadora à feroz campanha da demolição pessoal da honra, do caráter, da dignidade, do egrégio presidente” do estado. A respeito da adesão das Forças Armadas, o deputado serrano é enfático ao retrucar que os militares eram remunerados pelos cofres públicos para defender a 808 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 02 de maio de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados, p. 22. 809 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 02 de maio de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados. 810 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 02 de maio de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados. 242 nação e não para “dirimirem refregas partidárias”. A postura de Bernardes face às investidas civis e militares, afirma, era digna de “quem com mão firme empunha o leme e o timão da ordem, disposto a reprimir, com órgãos constitucionais quaisquer sedições ou aversões à ordem pública”. Em tom otimista, encerrou com as seguintes palavras: A justiça tarda, mas não falta nunca; e, fazendo-a a muitos dos nossos adversários, eu sei que no íntimo de suas consciências lhes doerá ver como se apedreja a um homem culto, a um cidadão honestíssimo, a uma inteligência, esclarecida, a um chefe de família exemplaríssimo, a um administrador de mãos limpas e de visão larga, por todos os títulos capaz de bem governar a República com lustre para o seu próprio nome e felicidade da nação.811 O posicionamento, sobretudo nos momentos eleitorais, não era tarefa fácil e colocava o alinhamento político a toda prova. Imerso em um cenário de profundas agitações, Bernardes buscava meios de garantir a posse. Raul Soares foi o primeiro a sugerir o estado de sítio, o “órgão constitucional” a que Senna se refere. Para Soares, “há muito poderia ter sido decretada essa medida, para fortalecer o governo, a fim de que lhe fosse possível conter a onda de anarquia” e garantir a posse do “nobre presidente da República, cuja figura emergiu da onda de lama em que porfiaram por envolvê-lo para um esplêndido alto relevo da história nacional”.812 Militares e civis arquitetavam meios para que isso não se efetivasse. Os primeiros conspiravam acerca de um golpe militar, com adesão de muitos tenentes. Os segundos viam a proposta de um “tribunal de apuração” para rever os resultados da eleição virar projeto de lei e ser defendido na Câmara pelos dissidentes. Senna, que tanto fizera no cenário estadual, agora era convocado a integrar um grupo que cumpria papel essencial no apadrinhamento federal, o qual, segundo Amílcar Martins Filho, “foi crucial como fator que neutralizava tentativas de oposição por parte de grupos locais e regionais e que garantia a constante lealdade de grupos e regiões ao centro político.813 Quando da posse de Bernardes, em novembro de 1922, Nilo voltou a se pronunciar, retomando o programa da Reação e acrescentando alguns pontos novos, como a reforma constitucional e o voto secreto para todos os cidadãos alfabetizados. Infrutífero, a essa altura a 811 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 02 de maio de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados, p. 31. 812 SOARES, Raul. Discurso em defesa do Estado de Sítio. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & GOMES, Maria do Carmo Andradre (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Raul Soares de Moura, op. cit., p. 316-317. 813 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 216. 243 Reação tinha perdido força; as oligarquias dissidentes tentavam se rearticular para evitar intervenções federais. Borges de Medeiros e o PRR saíram fortalecidos no Rio Grande do Sul, ao passo que na Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro houve alteração dos grupos dominantes. Para Ferreira, após a crise de 1922 houve “a recomposição do pacto oligárquico” e a reinauguração de um novo momento de estabilidade, que durou até as vésperas da Revolução de 1930.814 Edgard Carone, no entanto, nos mostra um cenário profundamente convulsionado pela intervenção do nilismo-militarismo nas eleições estaduais, cujo ápice foi a Revolução de 1922.815 6.1.2 – A (des)articulação dos astros Na sessão de 04 de novembro de 1922, mês em que Bernardes tomou posse sob estado de sítio, as agitações que pululavam pelo país foram trazidas à tona na Câmara por Otacílio de Albuquerque. O representante da Paraíba, com uma pitada de ironia, dizia que a culpa pelo 18 do Forte certamente era daquele que, com coragem e serenidade, soube resistir; igualmente culpado era ele pelo déficit orçamentário, e não os que “escolheram o orçamento para a distribuição de favores políticos”. Conquanto considerasse que Albuquerque deu resposta notável à apologia do “criminoso levante militar de julho” (para ele não existiria expressão mais adequada para a sedição militar), Nelson de Senna pediu a palavra para uma “explicação pessoal” ao pronunciamento de Macedo Soares. O representante do Rio de Janeiro teria trazido para a tribuna um presumível entendimento com o Senador Irineu Machado, um dos mais eloquentes da Reação Republicana, “reacendendo fagulhas incendiárias”. Para Senna, a intenção era tão somente reavivar a revolta exatamente na véspera que Bernardes deveria chegar à capital. Senna considerava igualmente imerecidos os “vitupérios e vilipêndios” dirigidos à Epitácio Pessoa, que, no seu entender, demonstrava extremado respeito pelas leis O deputado 814 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 20. 815 A revolução de 1922 envolveu algumas guarnições da cidade e do Estado do Rio, e do Mato Grosso, e foi iniciada na Vila Militar, no Forte do Vigia e no Forte do Copacabana. Neste último, participou da insurreição o filho do Marechal Hermes, Euclides Hermes da Fonseca. Na manhã do dia 05, depois de alguns tiros de protestos, o Forte de Copacabana atirou contra o Quartel General, a Ilha das Cobras, o depósito naval e o Túnel Novo. Pandiá Calógeras, Ministro da Guerra, tentou negociar com os revoltosos, que exigiam o envio de um mensageiro para tratar com o comandante das forças legais e consultar a opinião do Marechal Hermes. O governo negou e mandou atacar o Forte. Nova tentativa de acordo foi realizada por Calógeras, mas Epitácio se recusou a tratar com rebeldes e mandou bombardear o Forte por terra, por via terrestre, aérea e marítima. Dos 27 ocupantes, 10 fugiram e os outros 17 partiram para a praia de Copacabana, onde receberam a adesão de um civil, Otávio Correia. Em confronto com tropas governamentais, o saldo foi que apenas os tenentes Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram. O episódio ficou conhecido como marcha dos 18 do Forte de Copacabana. CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 32-34. 244 mineiro defendia que “desde logo os primeiros atos do novo presidente da República hão de mostrar que a sorte da Federação continuará entregue a mãos enérgicas e o país pode tranquilamente confiar”. Por seu passado e tradições, Bernardes sempre lembraria que era “depositário supremo da confiança do povo brasileiro”.816 Para Senna, o maior sintoma de que os verdadeiros republicanos começaram a recobrar a consciência estava no fato de que Pernambuco e Rio Grande do Sul, ao perceberem “o abismo por onde resvala[va] a apregoada Reação Republicana”, negaram o pedido de apoio dos sediciosos militares. O conjunto de acusações de Macedo Soares seria a prova de que os agitadores profissionais não davam trégua para que as “classes conservadoras” pudessem realmente trabalhar pelo real proveito da nação. Como podemos observar, Senna utilizava um argumento que foi se tornando cada vez mais irretorquível: o perigo da mazorca. Desde o atentado contra Prudente de Morais (1897) e a Revolta da Vacina (1904), a percepção que brasileiros e estrangeiros tinham era de que, movido pela paixão e não pela razão, o povo era facilmente manipulável por demagogos, transformando-se em perigo potencial.817 Qualquer movimento que incitasse a participação popular era, portanto, visto com desconfiança. O abandono da Reação Republicana por parte da elite oligárquica e sua adesão ao governo de Bernardes só vieram quando as ameaças revolucionárias se tornaram deveras reais. A garantia da ordem estava acima de tudo, pelo menos a priori. Senna esperava que os próprios membros da Reação atentassem para o quanto a excitação das massas colocava o republicanismo, ou seja, o status quo, em perigo. Aos que temiam pelo privilégio das diretrizes paulistas ou mineiras na definição das políticas econômicas, Nelson de Senna fazia questão de assegurar que Arthur Bernardes foi eleito para governar por toda a pátria, sem interesses regionalistas, valendo isso para Minas Gerais como para “as terras longínquas da Amazônia opulenta”, os pampas gaúchos, o nordeste flagelado pela seca ou os estados centrais de Goiás e Mato Grosso. Por não abdicar de seus princípios para servir as ideias dominantes, tampouco se submeter à passividade para agradar “momentâneos guiadores de opinião”, Senna encerra o discurso justificando: eis porque me inscrevi como soldado legionário, na campanha pró-Bernardes e porque ao lado desse estadista com que venho convivendo desde os tempos colegiais, na academia e na imprensa, habituei-me a respeitar-o e estimar-o, como um homem de opiniões próprias e maduramente refletidas; como um caráter imaculado e austero, 816 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 04 de novembro de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados, p. 174. 817 CARVALHO, Os Bestializados..., op. cit. 245 escravo da lei, norteando sempre o seu espírito pelo culto da família e da liberdade, pelo amor à República e a Pátria.818 A defesa rasgada e incisiva, mas serena e sempre em alusão às instituições democráticas, misturava a crença no republicanismo mineiro com a lealdade política, a gratidão e a amizade. A explanação em tom moderado, como lhe era próprio, e o embasamento acadêmico e letrado – as referências as obras de Herculano e outros pensadores clássicos são constantes –, talvez garantissem boa acolhida às suas palavras. No púlpito da Câmara Federal como no da Assembleia Legislativa, Nelson de Senna cumpria o papel designado ao intelectual talhado naquela vertente da cultura política mineira que era conservadora, provinciana, com forte senso de lugar e de ordem, apegada aos círculos de amizade. Senna não estava ali por acaso; tinha o poder da retórica. Com o seu suporte, Raul Soares foi exitoso na movimentação da máquina federal oligárquica, vencendo a Reação Republicana e assegurando, ainda que em ambiente convulsionado e em estado de exceção, que Arthur Bernardes assumisse a Presidência da República e desse início ao seu governo em 15 de novembro de 1922. A digressão pelo extenso processo entre 1918 e 1922 se faz necessária, pois acreditamos, a exemplo de Marieta de Moraes Ferreira, que as articulações em torno da Reação Republicana são peça chave para “captar a cultura política e o comportamento, aspirações e demandas dos diferentes segmentos do sistema político brasileiro” na Primeira República.819 Na base das ideias de modernização, reforma, desenvolvimentismo, ou mesmo do projeto mais amplo de modernidade, havia variados pontos de intersecção. À essa composição de influências diversas, variadas, e por vezes contraditórias, Serge Berstein dá o nome de culturas políticas. Para ele, trata-se da resultante plural na qual o indivíduo mergulha “pela difusão de temas, de modelos, de normas, de modos de raciocínio que, com repetição, acabam por ser interiorizados e que o tornam sensível à recepção de ideias ou à adoção de comportamentos convenientes”.820 Quando comparados, os programas de governo de Arthur Bernardes e Nilo Peçanha à Presidência da Nação diferiam em questões pontuais, como o da separação entre Igreja e Estado, mas se assemelhavam em grande medida na luta contra a degeneração dos costumes republicanos, e a favor da reforma constitucional, da solução da crise econômica, da ampliação da instrução pública, da assistência aos trabalhadores e desprivilegiados, entre outros. São propostas vagas, mas que revelam o espírito da crise política dos anos 1920, tanto quanto o 818 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna. Sessão de 04 de novembro de 1922. Anais Da Câmara dos Deputados, p. 174. 819 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 09. 820 BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean-Pierre & SIRINELLI, Jean-François. Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 357. 246 paralelismo de Nilo e Bernardes com as ideias de João Pinheiro e Alberto Torres.821 Revelam também o próprio desenrolar dos projetos regionais de superação do atraso da Primeira República, especialmente os do ruralismo brasileiro. Como explica, Sonia Regina Mendonça, a institucionalização dos interesses de segmentos de proprietários rurais não hegemônicos foi a estratégia de afirmação de um projeto político alternativo à hegemonia do café até a crise dos anos 1920, quando os resquícios do liberalismo sucumbiram à pressões, emergiu um novo estilo de representação dos interesses do Estado, de tendência centralizadora e burocratizante, e a defesa da “regeneração agrícola” do país adotou o modelo norte-americano de industrialização e tecnificação da agricultura.822 Entendemos que há na Reação Republicana e no embate entre Arthur Bernardes e Nilo Peçanha, além das questões políticas e econômicas acima, um componente de luta simbólica para definir o detentor da legitimidade sobre esse projeto de “novo mundo social” (em realidade, sem muita diferenciação interna) a ser implantado, que não pode ser ignorado e contribui com o debate de Viscardi e Ferreira. Mudar o “mundo social” implicava a incorporação de novas estruturas objetivas em um campo de forças, cujo poder de atração ou repulsão depende da posição relativa dos agentes. Duas dimensões determinam essa distribuição espacial: na primeira, a condição, as propriedades intrínsecas, “o volume global do capital que possuem”; na segunda, a posição, as propriedades relacionais, ou seja, a composição e o peso relativo do capital.823 De Minas, Arthur Bernardes tinha a seu favor o apoio de Raul Soares e Bueno Brandão, dois dos principais nomes que, junto dele, estavam na direção da Comissão Executiva do PRM. A reforma que realizou no Congresso mineiro lhe garantiu, ao menos até meados da década de 1920, um Legislativo estadual favorável às suas pretensões. No Congresso nacional, além de Nelson de Senna e Soares, tinha a seu lado Carlos de Campos, líder paulista na Câmara. Juntos, os dois estados tinham as maiores bancadas, fechadas no acordo Raul Soares-Washington Luís. Nilo Peçanha, apesar do peso como republicano histórico e da influência no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, tinha a seu lado forças cujo capital político estava se fortalecendo naquele momento. Faltava para os nilistas o que Bourdieu chama de coincidência entre a posição do “vendedor profissional dos serviços políticos” na estrutura do campo político – no caso, Nilo 821 Corroboramos, neste sentido, com a afirmação de Angela Maria de Castro Gomes, de que as propostas de João Pinheiro de desenvolvimento para dentro e de confrontação do modelo agroexportador dominante no Brasil tinham paralelo com as ideias de Alberto Torres e Nilo Peçanha. Ver: GOMES, Angela Maria de Castro. Apresentação. In: GOMES, Minas e os fundamentos do Brasil moderno, op. cit., p. 40. 822 MENDONÇA, O Ruralismo Brasileiro (1888-1931), op. cit., p. 180. 823 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 141-145. 247 como candidato à Presidência – e a posição dos clientes na estrutura do campo social.824 A máquina oligárquica da política dos Governadores, como bem colocado por Ferreira, estava na mão dos bernardistas.825 Ocorre que no processo um elemento foi desrespeitado. O produto e a condição do jogo político é a Illusio, isto é, a aceitação tácita das regras do jogo, o que pressupõe a concordância ontológica entre estruturas subjetivas (habitus) e objetivas (campo). Nas palavras de Bourdieu, é uma “solidariedade de todos os iniciados, ligados entre si pela mesma adesão fundamental aos jogos e às coisas que estão em jogo”. Uma vez descumprido o “conluio originário”, a “rentabilidade” do jogo sofre grave ameaça.826 De um lado, a Reação Republicana colocava em xeque uma regra basilar da política republicana, de apoio automático ao candidato da situação.827 De outro, erguia-se contra a quebra de um paradigma sucessório socialmente aceito no período, qual seja, o da rejeição de hegemonias por meio da renovação parcial dos atores.828 Na fala de Senna ficou claro que as acusações de que Minas Gerais rompeu um acordo ecoavam na Câmara federal. Parte do seu discurso foi uma tentativa de convencer os parlamentares de que os preceitos silvianistas e pinheiristas continuavam em voga, e que Arthur Bernardes não representava uma ameaça. Autores como Wirth, Resende e Martins Filho foram concordes em afirmar que a organização interna das elites mineiras, promovida por Silviano Brandão e seus aliados, rendeu a Minas um lugar de destaque na Federação.829 Viscardi, a nosso ver numa explicação acertada, substituiu a ideia de coesão pela de “razoável acordo de trégua” entre as elites mineiras a fim de que Minas pudesse participar mais ativamente do controle do regime.830 A partir de então, o Estado passou a se comportar como o elemento de ponderação e articulação entre seus aliados políticos, em geral para fazer frente à São Paulo. Aos olhos do Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro esta dinâmica teria sido suplantada. De acordo com Ferreira, pela primeira vez houve de fato uma disputa sucessória, em que as tensões interoligárquicas das diversas regiões do país revelaram os impasses do federalismo brasileiro.831 Para Viscardi, o fato atípico revelava um certo “amadurecimento do regime”, com a troca do apoio político e das lealdades meramente pessoais pela escolha de programas de 824 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 177. 825 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 16-18. 826 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 173. 827 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 16. 828 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 282. 829 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit.; RESENDE, Formação da estrutura de dominação em Minas Gerais..., op. cit.; MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit. 830 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 111. 831 FERREIRA, A Reação Republicana e a Crise Política... op. cit., p. 09. 248 governo que melhor atendiam aos interesses regionalistas. Não obstante, a eleição disputada fez surgir “vencedores prepotentes e vencidos indignados”.832 E é este o ponto que nos interessa. Como nos lembra Angela de Castro Gomes, momentos de crise como o da década de 1920 trazem “uma imperiosa necessidade de reorganização de ideias”; são “tempos de modernização nos quadros mentais e nos projetos políticos”.833 A partir da eleição de Arthur Bernardes construiu-se um novo padrão não só eleitoral, mas de jogo oligárquico. Militares, gaúchos, baianos, pernambucanos, fluminenses, uma horda de oposicionistas acenava o surgimento de novos atores. Em termos sociais, emergiram os setores médios do Exército, com os tenentes; politicamente, os estados do norte e nordeste ganharam certa projeção.834 Uma nova (re)composição de forças foi necessária. O resultado da Reação Republicana, a nosso ver, foi, de um lado, a articulação e o firmamento da lealdade entre o trio Bernardes-Soares-Senna. De outro, o recrudescimento das ideias autoritárias de Arthur Bernardes. 6.2 – No universo da Federação: a nacionalização da agenda mineira (...) deste alto miradouro das nossas montanhas, no Planalto Central, temos como que a visão mais larga, mais dilatada e mais ampla dos problemas da pátria brasileira (SENNA, Nelson de.)835 O cenário que Arthur Bernardes encontrou ao assumir a Presidência da República era, paradoxalmente, o melhor e o pior para que pudesse governar. O aspecto favorável era o alinhamento dos três astros mineiros no universo Estado-Federação. Raul Soares assumiu a Presidência de Minas em 07 de setembro de 1922. Em tese, no contexto da política dos Governadores, Soares garantia o poder de mando sobre os coronéis, dependentes e rivais, ao mesmo tempo em que apoiava Bernardes na presidência da República, e este lhe fornecia suporte para o domínio em Minas.836 Na Câmara federal, Nelson de Senna apoiava a ambos, assegurando que os temas mais controversos estivessem respaldados pelo seu savoir faire jurídico, erudito e retórico. No entanto, o ponto negativo foi o que marcou o mandato de Bernardes, com as revoltas tenentistas, o estado de sítio e a “intransigência” nacionalista – ainda 832 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 287. 833 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 491. 834 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 284. 835 APCBH – NCS 4 (30) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Discurso proferido ao PRM. s/d. 836 CARVALHO, Mandonismo, Coronelismo, Clientelismo... op. cit. 249 que os tenentes também defendessem a nacionalização do subsolo. Por que foi essa a imagem que ficou? Não houve projeto, construção? Como vimos acima, mesmo após o reconhecimento da vitória, a imprensa nilista continuou insuflando os ânimos. O acirramento dos confrontos militares e das pretensões estrangeiras sobre a siderurgia mineira, cujas soluções foram buscadas em medidas repressivas e protecionistas, contribuíram para a perpetuação de uma imagem negativa. A historiografia, digamos, condescendente com Bernardes, entende que sua postura foi de reação às forças oposicionistas.837 Conquanto seja verdade que as agitações tenham demandado o estado de exceção frente o “perigo da mazorca”, que tanto atemorizava os republicanos partidários da Ordem e do Progresso, já no governo de Minas era possível perceber a aproximação de Bernardes com o pensamento autoritário. A despeito, ou melhor, como pano de fundo das medidas centralizadoras e autoritárias, havia um projeto claramente delineado. Nosso ponto de partida para problematizar a questão é a afirmação de José Murilo de Carvalho, segundo a qual, a morte prematura de João Pinheiro “impediu que pusesse em prática suas ideias em âmbito nacional”. Para o autor, o projeto interrompido em 1908 foi retomado apenas com Benedito Valadares e Israel Pinheiro, na década de 1930, numa Minas do Ferro conjugada com a vertente da modernização conservadora prussiana, marcada pela “ênfase na indústria de base, sobretudo siderúrgica, sem entrar em choque com o setor rural e em ambiente político autoritário”.838 A descrição, a nosso ver, pode ser transposta sem grandes alterações para o início da década anterior. Se com João Pinheiro o desenvolvimentismo foi um projeto de Minas para Minas – não pela estreiteza de perspectiva, mas pela interrupção abrupta – acreditamos que se tornou um projeto de Minas para o Brasil de 1922 a 1926. A nossa hipótese é que o trio Bernardes- Soares-Senna estava engajado numa releitura do projeto pinheirista, com o reordenamento e nacionalização das propostas, realizadas sob o formato do reformismo nacionalista-autoritário, característico do pensamento político-intelectual brasileiro dos anos 1920. As convulsões atuavam como reforço ao argumento de que era preciso regenerar o regime republicano e livrá- lo das influências perniciosas da ideologia liberal. Eis o principal ponto de inflexão entre o projeto de João Pinheiro e Arthur Bernardes. Neste sentido, é esclarecedor retomar os elementos que, segundo Otávio Dulci,839 são próprios do desenvolvimentismo e estavam presentes no governo de João Pinheiro para verificar a recorrência ou não no programa de Bernardes na Presidência da República. São eles: 837 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit.; MELO FRANCO, Um Estadista da República... op. cit. 838 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 67; 70. 839 DULCI, Política e recuperação econômica em Minas Gerais, op. cit., p. 46-50. 250 modernização agrícola; política de cooperativização; protagonismo do Estado na modernização da economia; protecionismo nacionalista; substituição das importações; valorização das instituições bancárias; ênfase na educação; e especialização industrial via exploração da natureza.840 Apenas para efeito de esquematização, optamos não pela ordem que o autor coloca, mas pela combinação que mapeamos nas ações bernardistas, em conjunto ou não com as medidas de Soares no governo de Minas e de Senna no Congresso nacional. Buscamos delinear os pontos em comum para, num segundo momento, analisar as reformas, inovações, avanços, retrocessos, enfim, os elementos que permitem mapear a identidade de um projeto político que, ao fim e ao cabo, é o que nos interessa aqui. Uma última advertência é que, pela importância no debate e por ser uma temática que congrega uma miríade de subtemas do desenvolvimentismo e da modernização, de interesse para a nossa análise, reservamos um item específico para tratar do projeto siderúrgico mineiro no Capítulo 7. a) Modernização agrícola O primeiro ponto, carro-chefe da política pinheirista, foi a modernização agrícola. Como dissemos no capítulo anterior, uma das vedetes de Arthur Bernardes foi a criação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária. Para dirigi-la, o governo contratou dos Estados Unidos os serviços do dr. Peter Henry Rolfs, que em 1921 já se encontrava em Minas elaborando o plano de construção e organização do instituto, e estudando o lugar conveniente para a fundação “dessa grande obra, destinada a alicerçar a grandeza agrícola da Pátria e a perpetuar, através do tempo, o zelo que consagramos ao aperfeiçoamento da agricultura”.841 Dentre as cidades na Zona da Mata que estavam no páreo da disputa para abrigar a ESAV, a escolhida foi Viçosa. Compreensível e, até certo ponto previsível. Além de ser a cidade de Bernardes, na Zona da Mata predominavam as pequenas e médias propriedades cafeicultoras. A ESAV “parece ter vindo no sentido de evitar a catástrofe que se anunciava para a economia da região”.842 Mergulhados no empirismo agrícola, os pequenos produtores dificilmente resistiriam à crescente pressão das políticas de valorização do café e ao cumprimento das cláusulas do Convênio de Taubaté. 840 Aqui nos inspiramos em PAULA, Raízes do Desenvolvimentismo... op. cit., p. 277. 841 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921 (p. 14). 842 RIBEIRO, Maria das Graças Marcelo. Caubóis e Caipiras. Os land-grant colleges e a Escola Superior de Agricultura de Viçosa. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 19, abr. 2006, p. 111. 251 O mandato de Bernardes acabou e a obra seguiu incompleta para o governo de Raul Soares. Na primeira Mensagem ao Congresso Mineiro, Soares engrandeceu o fato de que à Escola podiam recorrer tanto alunos regularmente matriculados como interessados em ampliar os conhecimentos agrícolas em geral, o que, a seu ver, era uma das suas faces mais atraentes. Mas declarou que o projeto do Dr. Rolfs para a ESAV era grande demais para o meio e recursos mineiros. Nos dizeres de Soares, mesmo com toda a “economia possível” não conseguiu substituir o “enorme e imponente pavilhão central” por unidades menores. Ainda assim, a construção ocorreria de maneira paulatina, para que a Escola fosse ampliada aos poucos, de acordo com necessidades e recursos do Estado. A perspectiva era de que a Escola fosse inaugurada ainda em 1924, mas em 1923 o Prof. Rolfs já realizava experiências para o desenvolvimento de culturas diversas e o combate de pragas, especialmente a saúva. Também já dispunha de pessoal e material necessários para iniciar os trabalhos nos campos de cultura e experiência.843 A demora era um incômodo para Bernardes. Com pesar ele constatava que a ESAV passava pelas “piores vicissitudes, sem estar até hoje convenientemente instalada, nem satisfazer aos seus legítimos fins”. Surgiam nos estados diferentes escolas de agricultura, mas nem sempre elas preenchiam os requisitos necessários, como evidenciaram os concursos para provimento de cargos técnicos e para os cursos de aperfeiçoamento no estrangeiro, que, segundo ele, “demonstraram o estado lastimável do ensino na maioria destes estabelecimentos”.844 Estaria aqui uma crítica a Raul Soares, já que ele modificou o plano inicial da escola para que ela fosse mais econômica? A questão merece ser analisada com mais cuidado, até para mapear os limites da aliança entre ambos. De fato, os projetos tendem a sobrepor a realidade quanto mais distante se está de sua execução. O horizonte de expectativa de Bernardes eram os colleges norte-americanos e as escolas agrárias alemãs. Ele estava certo de que a causa do “admirável progresso” da Alemanha nos quatro decênios que precederam a guerra era a formação do pessoal técnico e seu constante aperfeiçoamento, igualmente um “fato determinante do triunfo econômico, sem par, dos Estados Unidos”. No Brasil, o que vigorava era o não-obedecimento a um sistema determinado ou programa elaborado, causa do insucesso de inúmeras tentativas do governo federal. Raul Soares também tinha grandes aspirações; sabia que instituições com a função de “adquirir e disseminar conhecimentos agrícolas úteis” já eram uma realidade há décadas no Japão e na 843 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923 (p. 128-130), 1924 (p. 113-115). 844 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 184. 252 Austrália. Para Soares, mormente os avanços, o que Minas fazia em termos de ensino agrícola ainda era muito pouco, se comparado à outras nações, com as quais o mercado mineiro era obrigado a competir. Faltava aparelhamento para uma agricultura científica, base da agricultura moderna, para formar não alunos para a agricultura, como Minas vinha fazendo, mas para formar verdadeiros cientistas agrícolas.845 Talvez Soares fosse mais realista à frente das contas do estado em 1924 do que Bernardes quando propôs a ESAV, em 1920. Se havia um desconforto com a morosidade da execução do projeto esaviano, Soares não foi mencionado, e Bernardes fez questão de frisar que a ESAV era mantida pelo Ministério da Agricultura. A informação é relevante por dois motivos. Primeiro porque demonstra que o projeto, sob a responsabilidade de uma pasta federal, deixava de ser meramente uma “solução doméstica” de Minas. Há uma argumentação estratégica em mostrar isso. O confronto em torno da Reação Republicana evidenciou como nunca o peso das aspirações regionalistas. Privilegiar Minas Gerais era uma das principais acusações que pesou contra Bernardes na tumultuada campanha eleitoral. Insistir em qualquer aspecto do regionalismo era fator de desagregação e, num ambiente já suficientemente cindido, significava fornecer munição para os oposicionistas. Segundo, porque quem estava à frente da pasta era Miguel Calmon.846 Baiano, portanto, representante de um dos estados que encabeçou a oposição à candidatura de Bernardes, Calmon foi Secretário de Agricultura da Bahia (1902), onde criou o Boletim da Agricultura para a divulgação de atos oficiais, dados técnicos e estatísticos do comércio e produção agrícola do estado, incorporou as propostas da Sociedade Baiana de Agricultura, com exposições, prêmios e favores; criou o Instituto Agrícola da Bahia, para a difusão do ensino agrícola profissional (1905); reformulou a Escola Agrícola da Bahia, para a formação de trabalhadores rurais; criou o Serviço de Terras e Minas da Bahia, destinando a sua direção ao geólogo Orville Derby. Como deputado federal, foi uma das principais vozes contrárias ao Convênio de Taubaté (1906), renunciando ao cargo para assumir como Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas de Afonso Pena (1906-1909). No ministério, trabalhou pela criação do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil e do Serviço do Povoamento do Solo Nacional; pela ampliação de ferrovias e telégrafos; a açudagem do Nordeste; e pelo projeto de Código de Águas. Da presidência da Sociedade Nacional de Agricultura (1920) passou à deputado federal pela bancada baiana, quando foi chamado para ser Ministro da Agricultura. Além da larga experiência em projetos de “modernização agrícola”, Calmon tinha boas relações com a política 845 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1924, p. 115. 846 MELO FRANCO, Um Estadista da República... op. cit., p. 1085. 253 mineira e era adversário declarado de J.J Seabra. Com este histórico, logo se tornou um importante aliado bernardista para quebrar a hegemonia de Seabra na política baiana.847 O principal obstáculo para a ESAV não era, portanto, o Ministério da Agricultura. Ao Congresso Nacional, Bernardes solicitava autorização e verba para que o governo pudesse, enfim, fixar a sede em região apropriada. Isso em 1924, o que demonstra a instância de poder em que o projeto estava parado – e, então, podemos especular se por desinteresse em beneficiar Minas, quando outros estados certamente pleiteavam incrementar suas escolas agrícolas848 – e o argumento de peso para embarreirar o projeto: dotação orçamentária. Edgard Carone explica que o panorama econômico do início do governo de Bernardes era péssimo, com déficits orçamentários, em muito agravados pelo aumento dos encargos com os novos salários de civis e militares, a queda nas exportações, inflação e uma crítica situação cambial somente igualada pelo governo de Prudente de Morais.849 Soares faleceu em agosto de 1924, sem ver o projeto se cumprir. Um ano mais tarde, Arthur Bernardes parecia mais à vontade para expor os motivos do projeto estar emperrado: a instituição “não conseguiu, ainda, realizar plenamente seus fins, devido, não só à defeituosa organização em que foi moldada, como também à sua precária instalação atual”. Segundo ele, a Escola funcionava em instalações reduzidas, com terreno insuficiente para campo de experiências e demonstrações. Soares não atentou para isso quando realizou cortes no projeto original, visando adequá-lo à receita do Estado? Bernardes só teria notado as consequências das modificações apenas dois anos depois, conforme o projeto foi caminhando? O projeto do Prof. Rolfs foi inspirado nos land-grant colleges, que surgiram nos Estados Unidos, na segunda metade do século XIX, para atender a demanda dos fazendeiros norte-americanos pela educação vocacional, custeada com a venda de terras federais. As principais características dos land- grant colleges eram a difusão da escolarização, do conhecimento e a pesquisa aplicada em agricultura e artes mecânica.850 A prática era o princípio básico, de modo que o espaço não era opcional. É presumível, portanto, que esta tenha sido uma rusga que Bernardes, por todo o histórico companheirismo pessoal e político, só tenha expressado após o falecimento de Soares. No balanço final de seu mandato na Presidência da República, Bernardes queixou-se novamente que a ESAV não conseguia alcançar os “elevados fins a que se destina”, e reiterou 847 BRANDI, Paulo; CALMON, Miguel. Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 848 Apenas para citar algumas escolas de agronomia existentes na Primeira República, a Escola Agrícola da Bahia (1875), em Salvador/BA; a Escola de Agronomia Eliseu Maciel (1883), em Pelotas/RS, e a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1901), em Piracicaba/SP. 849 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 37. 850 RIBEIRO, Caubóis e Caipiras..., op. cit., p. 105-120. 254 a necessidade de reforma na organização e melhoria na instalação, ao que tudo indica, por conta de restrições orçamentárias à pasta responsável pela instituição. Para ele, nenhum outro departamento da administração excedia o Ministério da Agricultura em importância, já que se relacionava “com os principais ramos da vida nacional”. A despeito de fazer “o possível” para economizar, algumas economias poderiam causar “males irreparáveis à produção nacional”, como a vigilância e defesa sanitária de rebanhos, plantas e sementes. Estava claro, acusa Bernardes, que a não-votação de consignações para programas determinados de trabalho era a razão do fracasso de muitos serviços governamentais, sobretudo os experimentais, como as estações que “há mais de 12 anos oneram os cofres públicos quase sem resultado útil, quando devem constituir o fundamento da verdadeira organização política do país”, e dos quais dependia o sucesso do Ministério da Agricultura.851 Submetida a este cenário econômico-financeiro, a inauguração da Escola só ocorreu, de fato, em 28 de agosto de 1926, com a presença de Arthur Bernardes em Viçosa. O ingresso nos cursos, em regime de internato e externato, seguiu o princípio pinheirista da gratuidade. Muito embora tenha sido pensada como escola superior, as primeiras aulas, ministradas em agosto de 1927, foram dos cursos elementar, com duração de um ano, destinado a formar agricultores e capatazes rurais; e médio, no qual, por dois anos, o estudante recebia a formação de técnico agrícola. O curso superior de agronomia foi iniciado em 1928, com a primeira turma formada em 1931, quando teve início o de veterinária. Neste ano, a instituição já contava com quinze departamentos, conforme previsto no Regulamento de 1926: “Agronomia; Anatomia; Cirurgia Veterinária; Clínica Veterinária; Economia e Legislação Rural; Engenharia Rural; Fisiologia; Fitopatologia; Horticultura e Pomicultura; Matemática e Contabilidade Agrícola; Microbiologia e Parasitologia; Química; Silvicultura; Solos e Adubos; Zootecnia”.852 A ESAV, explica Maria das Graças Ribeiro, não se efetivou como os land-grant colleges. Foi bem menos democrática e progressista que o modelo no qual se inspirou. Em Minas não havia associações fortes de agricultores, como nos Estados Unidos, onde eram realizadas palestras, feiras, reuniões para atrair os farmers e reuni-los em torno de um objetivo comum em Conselhos de Agricultura, o que permitia que as práticas extensionistas efetivamente cumprissem seus objetivos. Tampouco evitou a crise da cafeicultura mineira da Zona da Mata. No entanto, foi importante aliada da modernização rural mineira, na medida em que, desde o início, os diretores da Escola trocavam cartas com fazendeiros, com orientações 851 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924; 1926 (p. 237). 852 ESAV, Regulamento, Tabelas e Programas da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1926). 255 agrícolas e veterinárias, além de se reunirem com eles para a difusão de conhecimentos sobre manejo de solo, combate de pragas, etc.853 Transpôs as montanhas mineiras e se transformou em referência nacional no ensino agrícola. Para além da ESAV, a política de modernização agrícola bernardista mantinha cursos complementares anexos ao Posto Zootécnico João Pinheiro e à Fazenda-Modelo Santa Mônica; patronatos agrícolas no Pará, Minas, Gerais, São Paulo e Santa Catarina; e institutos congêneres mineiros e gaúchos. O objetivo era fornecer “assistência cívica, física e profissional aos menores desvalidos”. Muitos estabelecimentos subvencionados pelo governo careciam de orientação pedagógica e materiais para a realização de cursos especializados em pomicultura, trigo e fumo, que eram do interesse do Ministério da Agricultura. Como os recursos não permitiam a ampliação, Bernardes defendia que era preciso coordenar os elementos existentes, corrigir a dispersão e efetivar a fiscalização. Como continuidade à política que João Pinheiro e ele empregaram em Minas, no governo federal Bernardes instituiu uma política de cursos de aperfeiçoamento técnico e profissional no estrangeiro, destinado a alunos que completaram a instrução industrial, agrícola e veterinária no país. Este era, a seu ver, “o meio mais seguro de robustecer, prática e experimentalmente, os conhecimentos adquiridos em seu tirocínio, proporcionando ao país profissionais competentes nos diversos ramos de sua atividade produtora”. Os primeiros estudantes que concluíram estágios de dois anos nos Estados Unidos e Europa começavam a retornar ao Brasil “animados a prestar a colaboração inteligente de sua capacidade técnica”, entusiasmava-se.854 A exemplo do que fez em Minas, Arthur Bernardes congregava ensino e aparelhamento agrícola. A favor de suas pretensões tinha todo um conjunto de novas instituições que Epitácio Pessoa criou no seu “programa de reforma dos serviços agrícolas”.855 Duas delas nos fornecem um modelo de ação em torno do qual Bernardes organizou sua política de modernização rural: o Serviço de Indústria Pastoril e o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas. A primeira ganhou importância diante do sensível revés que a onda de expansão pecuária brasileira sofreu no pós- guerra, entre 1921 e 1922, por conta da crise dos preços e de um surto epidêmico, que impediu a entrada de produtos animais do Brasil nos países estrangeiros. Na tarefa de fomentar a melhoria dos rebanhos nacionais, o governo promoveu uma série de medidas por meio do 853 RIBEIRO, Maria das Graças Marcelo. A Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Minas Gerais e a difusão do Americanismo na educação. V Congresso Brasileiro de História da Educação. Sergipe: UFS, 2008. vol. 1, p. 01-17. 854 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923, p. 152-153. 855 CASTRO, Maria Helena Magalhães; SCHWARTZMAN, Simon. Tecnologia para a indústria: a história do Instituto Nacional de Tecnologia, 1981, p. 13. 256 Serviço de Indústria Pastoril. Além dos ensaios sobre padrões regionais de leite e manteiga, Bernardes defendia uma política metódica e sistemática de importação de reprodutores finos do estrangeiro, por isso, tomou providências para organização de plantéis de reprodutores finos em todos os estabelecimentos zootécnicos ligados ao Ministério da Agricultura, os quais receberam boas raças de bovinos, suínos, caprinos, ovinos e aves. Paralelamente, a Estação de Agrostologia cultivava plantas forrageiras nativas, selecionava boas sementes e realizava trabalhos experimentais de conservação de forragens. Como resultado, os estados do Rio Grande do Sul e São Paulo passaram a produzir alfafa, o que significava “um grande processo para a criação nacional”.856 Para reverter a questão sanitária, o Serviço de Indústria Pastoril da União, em colaboração com o do Estado de São Paulo, distribuiu aos criadores vacinas anti-carbunculosa, contra carbúnculo sintomático, pneumo-enterite de bezerros, “batedeira” dos suínos, tuberculona, malleina, e litros de carrapaticida. Os banheiros carrapaticidas construídos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas receberam prêmios, e o início da exportação de carne congelada para a Inglaterra, em 1923, obteve “pleno sucesso”. Não obstante os esforços, o grande obstáculo continuava a ser as longas viagens por péssimas estradas e rios sem pontes, que não só emagreciam os animais, como tornavam a criação de raças finas pouco compensatória. A indústria pastoril exigia “especial aparelhamento” das vias férreas para uma condução mais rápida e higiênica, e Arthur Bernardes se empenhou em fazê-las prosperar pelo território brasileiro, como veremos adiante.857 Tendo em vista que estamos mensurando a nacionalização do projeto desenvolvimentista mineiro, tomar a pecuária de Minas como contraponto para testar os limites do regionalismo é um caminho elucidativo. A situação narrada por Bernardes para o setor na Primeira República no Brasil se encaixa à que John Wirth descreve para Minas no mesmo período. Para Wirth, o que impediu maiores investimentos na modernização da pecuária mineira foi a alta oferta de gado, e consequente baixa dos preços, nos momentos de alta do preço do café. Os preços eram ainda mais baixos por conta das dificuldades de transporte, que faziam com que o animal chegasse muito magro ao destino.858 Como, então, explicar a afirmação de Raul Soares, para quem, em 1924, a crise pecuária pós-guerra estava inteiramente superada?859 856 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 187-189), 1925 (p. 197), 1926 (p. 244-245). 857 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 187-189), 1925 (p. 197), 1926 (p. 244-245). 858 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 90-93. 859 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1924, p. 64. 257 E se a ela acrescentarmos os dados da tabela de Amílcar Vianna Martins Filho, segundo a qual a exportação de produtos de origem animal em Minas passou de 180,5 contos de réis, em 1918, para 262,7, em 1925, sempre num crescente,860 como fica o diagnóstico da crise? Por que o desencontro entre os cenários críticos descritos por Bernardes e Wirth, e o otimismo de Soares e da tabela de exportações de Martins Filho? Wirth, apesar de considerar que a pecuária era o segundo setor de exportações, atrás apenas da agricultura, enfatizou um diagnóstico de perda de oportunidades de expansão, para o período de Primeira República, sem observar as oscilações do mercado antes e após a Guerra. O autor afirma que “as importações aumentaram quando os preços de café estavam favoráveis, diminuindo os preços do gado e tornando menos urgentes os esquemas para modernizar a indústria”.861 O parâmetro de comparação era, pois, a cafeicultura. Como adverte Wilson Cano, é preciso cautela para avaliar a questão econômica na década de 1920. Por um lado, para as regiões não-cafeeiras ou de produção estagnada, como o Rio de Janeiro, a década de 1920, se comparada à anterior, foi de “inflexão ou queda das economias regionais”. Por outro, em relação à última década do século XIX ou a primeira do século XX, e se pensado além da economia cafeeira do Rio de Janeiro ou da borracha, as exportações “apresentaram forte expansão”. Minas, no entanto, por suas estruturas econômicas e sociais, não conseguiu gerar “elevados excedentes” para uma acumulação diversificada como em São Paulo.862 O ponto central da avaliação de Wirth era que Minas permanecia em uma posição neocolonial, dependente da cafeicultura e necessitando da intermediação das feiras e dos frigoríficos de São Paulo e do Rio de Janeiro, o que, talvez, lhe tirou a visão de conjunto. Não queremos com isso dizer que a situação geral da pecuária mineira fosse superior ao restante do país, inclusive porque os mercados de São Paulo e Rio de Janeiro, com frigoríficos e matadouros instalados em locais estratégicos, permitiam que a situação final do gado fosse comercialmente mais satisfatória. Mas, é possível que Bernardes tenha exagerado o diagnóstico de crise para convencer o Congresso Nacional da importância de investir em políticas de fomento à pecuária. A produção mineira, ainda incipiente e com perspectivas animadoras, acabava garantida por extensão, e não por interesses meramente regionalistas. Havia um direcionamento tático em promover a pecuária em Minas, com um mercado mundial pós-guerra receptivo aos produtos de origem animal, se não à carne bovina, que sofreu retração, ao menos 860 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., tabela 12, p. 42. 861 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 91. 862 CANO, Wilson. Da década de 1920 à de 1930: transição rumo à crise e à industrialização do Brasil. Revista de Políticas Públicas, vol. 16, n. 1, 2012, p. 81. 258 à manteiga mineira.863 A potencialidade como fator de substituição das importações gerava automaticamente um incentivo para a indústria nacional. Ganhavam os dois lados, o Estado e a Federação. Tão relevante quanto o Serviço Pastoril foi o Serviço de Inspeção e Fomento Agrícola. Criado por Epitácio Pessoa com a função de realizar estudos regulares para compor um repositório sobre a economia cultural brasileira, e orientar a administração nas medidas de amparo e proteção à lavoura, foi um dos principais aliados para a modernização rural bernardista. De acordo com Bernardes, o desempenho do Serviço era cada dia mais satisfatório “no sentido de impulsionar as forças produtoras do país”, muito embora algumas circunscrições carecessem de pessoal técnico. Em 1924, para mapear a produção, o serviço realizou questionários agrícolas e econômicos de cada município, com inquéritos in loco das principais culturas. Neste levantamento, verificou-se que o café mantinha o primeiro lugar entre as principais culturas do país; que a lavoura de algodão, crescente a cada ano, era digna de atenção; e que a borracha teve uma estabilização nos preços, graças à produção das colônias inglesas do Oriente. Esperava-se que os seringais brasileiros voltassem a ter impulso, se o Congresso Nacional autorizasse o governo a promover o estabelecimento de plantações regulares de seringueiras; da mesma forma, a cana de açúcar apresentava “um período de ressurgimento”.864 Conforme o Decreto de criação, o Serviço de Inspeção deveria atuar em conjunto com o Museu Nacional, o Jardim Botânico, o Serviço de Indústria Pastoril, o Departamento Nacional de Saúde Pública, a Diretoria de Meteorologia e Astronomia, e o Instituto Biológico de Defesa Agrícola.865 Bernardes e Calmon empenharam-se em fazer com que funcionassem coordenadamente. A Diretoria de Meteorologia realizava pesquisas “meteoro-agrárias” nas estações de estudos do algodão, cacau, trigo, cana, feijão, alfafa e vinha, e estava prevista a criação de novos postos de investigação sobre café e arroz. Os avisos prévios de enchentes da Diretoria já demonstravam resultados positivos: pouparam milhares de contos de réis na região da baixa de Campos, na bacia do Paraíba. Por isso, Bernardes defendia a conveniência deste serviço para outras bacias, como as do São Francisco, Paraguai e Amazonas; e a ampliação da previsão do tempo da capital para outras regiões.866 863 MARTINS FILHO, O Segredo de Minas..., op. cit., p. 44. 864 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 146), 1924 (p. 170- 171). 865 BRASIL. Decreto nº14.184, de 26 de maio de 1920 – Reorganiza a Diretoria do Serviço de Agricultura Patrícia e lhe dá nova denominação. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 866 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924; 1925 (p. 200). 259 O Jardim Botânico e no Museu Nacional representavam potencialidades que iam muito além do decreto. A dupla unia pesquisa e propaganda, uma combinação muito cara ao projeto pinheirista. Ambas as instituições foram criadas por D. João VI, imbuídas do espírito enciclopedista e reformista ilustrado, com o intuito de promover a aclimatação de espécies exóticas e contribuir com o estabelecimento das plantations em clima tropical. Com o retorno da Corte para Portugal, o Jardim tornou-se mais um passeio público, e o Museu um gabinete de curiosidades.867 Entre 1870 e 1890, houve um segundo período de apogeu, uma “era de ouro”, que coincide, ocidentalmente, com a chamada Era dos Museus, porém, logo veio um novo revés. No início da República, a biologia foi chamada a curar as mazelas de uma população doente e a dar suporte à produção de commodities agrícolas para exportação. Os espaços de atuação dos cientistas engajados nesta missão foram, sobretudo, as instituições museais, alçadas ao papel de centros de pesquisas biológicas aplicadas à agricultura e ao saneamento. Na concorrência com o Museu Paraense Emílio Goeldi, criado em 1871 e reaberto em 1891, e o Museu Paulista, fundado em 1893, o papel científico do Museu Nacional acabou relegado para segundo plano e ele ficou taxado como um “museu de generalidades”.868 Uma das estratégias de Arthur Bernardes era fomentar estas instituições e transformá- las em órgãos técnicos consultivos. O Jardim Botânico já realizava pesquisas de caráter econômico e científico de essências florestais, com distribuição e permuta de plantas vivas e sementes. Para que emplacasse nos estudos de aplicação prática de biologia vegetal, Bernardes advogava melhores instalações para o Jardim e para a Floresta de Itatiaia. O edifício do Museu Nacional também carecia de ampliação para melhor instalação e conservação de seus laboratórios e acervo,869 obras necessárias para transformá-lo em produtor de conhecimento científico. Em contrapartida, a antiga função de expositor das potencialidades nacionais foi transferida para uma nova instituição. Ao aproveitar o mostruário da Exposição do Centenário da Independência, a criação do Museu Agrícola e Comercial tinha o objetivo de suprir aquilo que Bernardes considerava necessidade urgente, isto é, servir de vitrine para a variedade da produção e das condições da vida agrícola, comercial e industrial do país.870 O espaço deveria ser tanto “um eficiente centro de propaganda”, quanto “um campo de instrução e estudos para os pesquisadores das riquezas do país e para os alunos das nossas escolas e colégios”, que recorriam ao museu com frequência, 867 DEAN, Warren. A Botânica e a Política Imperial: a introdução e a domesticação de plantas no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 4, n. 8, 1991, p. 216-228. 868 DUARTE, A biologia militante..., op. cit., p. 42-46; 86-87. 869 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 185), 1925 (p. 195). 870 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 227. 260 acompanhados de seus professores. Para que pudesse cumprir essa incumbência, o governo dotou a instituição de uma biblioteca com cerca de 6.500 livros sobre assuntos econômicos, e um serviço cinematográfico, com sala de exibição para 100 pessoas e “uma interessante coleção de filmes referentes à riqueza e ao desenvolvimento econômico do país”.871 E estava nos planos do governo a instalação de um gabinete para a preparação de fotografias de propaganda a serem distribuídas no Brasil e no exterior.872 Por este conjunto de inciativas e planos, pode-se afirmar que Bernardes atribuía à esta instituição função semelhante à que João Pinheiro conferiu às exposições agropecuárias. Sobre o Museu Nacional, naquele momento, quem estava na direção era Arthur Neiva. Ele e Bernardes estavam sintonizados nos planos para a instituição. De 1922 a 1926, o renomado cientista buscou modernizá-la cientificamente, retirando o caráter de mera expositora de coleções naturais e transformando-a em centro de pesquisa. O ímpeto acabou restrito pelo controle da broca na cafeicultura e pela criação do Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal.873 De todo modo, este instituto também foi dotado de um museu, onde estavam sendo organizadas coleções entomológicas.874 Como explica Regina Horta Duarte, a entomologia tornou-se uma especialidade de destaque, no final do século XIX, com a descoberta de que os insetos eram importantes vetores de doenças e pragas.875 Em 1923, o museu já contava com 1.288 exemplares de colopteros, em ordem sistemática. A ideia era que os insetos nocivos às plantas cultivadas fossem reproduzidos litograficamente para distribuição nas escolas. Além da instalação de uma seção de vigilância sanitária no cais do Porto, Bernardes solicitou ao Congresso a criação de um corpo de entomologistas e fitopatologistas de campo, “para atender, in loco, as exigências das lavouras assoladas por pragas e doenças. Como que confirmando a máxima de Macunaíma “pouca saúde, muita saúva, os males do Brasil são”, para Bernardes a função primordial do Instituto Biológico, era realizar uma campanha sistemática para a extinção daquele que era o “grande flagelo da nossa agricultura”, em um acordo com os estados e com a criação de instrutores ambulantes.876 871 A influência pode ter sido de Roquette Pinto, professor do Museu Nacional desde 1906, que dotou a instituição de uma respeitável coleção cinematográfica para o ensino de Ciências, e dirigiu o Instituto Nacional do Cinema Educativo (INCE). DUARTE, A biologia militante..., op. cit., p. 81-85. 872 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1926, p. 263-264. 873 DUARTE, A biologia militante..., op. cit., p. 46. 874 O Instituto Biológico de Defesa Agrícola foi criado durante o governo de Epitácio Pessoa. BRASIL. Decreto nº 14.356, de 15 de setembro de 1920 – Cria o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e aprova o respectivo regulamento. Atividade Legislativa - Senado, op. cit. 875 DUARTE, A biologia militante..., op. cit., p. 43. 876 O governo federal iniciou em 1924 o serviço de extinção dos formigueiros no Distrito Federal, em parceria com a Prefeitura. BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 148), 1924 (p. 186), 1925 (p. 195). 261 A ideia foi inspirada no projeto de ensino ambulante que Soares implantou na Secretaria da Agricultura e Bernardes consolidou quando estava no governo mineiro. Neste sentido, a sintonia da dupla Bernardes-Soares é reveladora. No mesmo ano da Mensagem ao Congresso Nacional de Bernardes, Soares afirma em Mensagem ao Congresso Mineiro que o Serviço de Defesa Agrícola mineiro estava em fase de organização. Assim como a proposta bernardista, a de Soares estava diretamente ligada ao Ensino ambulante. O diferencial estava no enfoque. O plano federal de Defesa Agrícola era tanto de eliminar as pragas existentes quanto impedir o surgimento de outras; o do governo mineiro era tornar o serviço preventivo. Como era mais eficaz evitar o aparecimento de pragas do que combater depois de instaladas, para Soares o primeiro passo era a produção de sementes selecionadas.877 Durante o ano de 1923 o Serviço de Inspeção distribuiu sementes, com valor germinativo previamente testado, e as perspectivas de Bernardes eram de que este serviço fosse incrementado com os campos de sementes no Espírito Santo, Paraíba, Rezende (Rio de Janeiro), Itajaí (Santa Catarina), Lorena e São Simão (São Paulo), que passaram à jurisdição do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícola. Curiosamente, Minas não estava entre as localidades visadas. Se Soares acenava a necessidade, por que não foi atendido? A nosso ver, por duas razões. O próprio Soares acreditava na importância de produzir sementes de procedência garantida em campos instalados pelo estado (e não pela Federação), e repassá-las a baixo custo para o produtor, pois a concessão gratuita gerava desperdício. Por julgar que não ocorria com a regularidade necessária, o serviço de distribuição de sementes deixou de ser feito pela Fazenda Gameleira e voltou a ser de responsabilidade do depósito da Secretaria de Agricultura de Minas Gerais. Portanto, internamente, governo mineiro já estava se organizando no sentido de consolidar a política de sementeiras.878 b) Protecionismo e intervencionismo Quando deslocamos o enfoque do Instituto de Defesa Agrícola para o Serviço de Inspeção e Fomento nota-se que o objetivo, por parte da União, não era simplesmente fortalecer espécies contra pragas, mas efetivamente fomentar, isto é, cumprir mais um item que Dulci identificou como característico do desenvolvimentismo, a substituição de importações. Sobre este tema, são necessárias algumas considerações. Shozo Motoyama faz um apanhado geral das diversas interpretações acerca das origens da industrialização no Brasil, que convém abordar, 877 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1924, p. 123. 878 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923 (p. 110), 1924. 262 ainda que brevemente. Para parte da historiografia, adepta da “teoria dos choques diversos” – como Roberto Simonsen e a Cepal, as dificuldades externas da economia estimularam a substituição dos produtos que não podiam ser importados. A Primeira Guerra mundial, segundo os cepalinos, teria “afrouxado” os laços centro-periferia, e deslocado para os próprios países dependentes o eixo decisório de suas economias. A primeira contestação a este modelo veio do trabalho de Warren Dean sobre São Paulo, segundo o qual a industrialização foi resultado da expansão do setor de exportação, no caso cafeeiro. Nessa lógica, a Primeira Guerra teria interrompido a industrialização. Rebatendo a dicotomia entre fatores internos e externos, temos os defensores do capitalismo tardio, para os quais o complexo exportador do café permitiu a acumulação de capital necessária a industrialização, mas, subordinado ao capital internacional, o desenvolvimento industrial brasileiro já nascia limitado.879 Entre os extremos do capitalismo dependente, problematizar a interpretação de Warren Dean parece-nos mais adequado ao contexto que estamos analisando. Para Dean, é preciso relativizar o peso da substituição das importações na industrialização brasileira. O argumento pertinente é que a fase inicial e mais importante de mudança na estrutura de importações foi durante a Primeira Guerra Mundial, com a substituição dos gêneros agrícolas e o aparecimento de mercados regionais para vários produtos que antes eram importados, como o arroz, vinho, vinagre, manteiga e queijo. Porém, se por um lado as divisas obtidas foram revertidas na importação de matérias-primas e máquinas; por outro, o aumento da imigração, somada à diminuição da mortandade e à absorção do setor artesanal, propiciou um crescimento natural do mercado nacional, que, para Dean, foi uma fonte muito mais significativa de expansão da produção brasileira do que a substituição de mercadorias estrangeiras.880 A principal crítica que se pode fazer é que a interpretação toma a parte pelo todo. A relação de causalidade estabelecida por Dean entre exportação-industrialização pauta- se em um ritmo único, que exclui ou subestima dinâmicas distintas. Há por trás da afirmação de que a expansão da cafeicultura levou à industrialização uma verdade parcial, aplicável a uma determinada realidade espaço-temporal, que carrega consigo a ideia de São Paulo como a locomotiva do Brasil. O perigo está em que aquelas regiões cuja inserção no capitalismo se deu de outra maneira do que a imposta pelos fazendeiros paulistas foram vistas como rudes e 879 MOTOYAMA, Shozo. Introdução Geral. In: MOTOYAMA, Shozo (org.). Tecnologia e Industrialização no Brasil: uma perspectiva histórica. São Paulo: Editora da UNESP, 1994, p. 16-19. 880 DEAN, Warren. A industrialização durante a República Velha. In: História Geral da Civilização Brasileira, tomo III, vol. 8, p. 295. 263 atrasadas.881 Concordamos com Wilson Cano, que, ao invés de tomar as demais regiões como estagnadas, o que em si já é questionável pelo alto investimento industrial do período, deve-se entender que a dinâmica intensa e diversificada de crescimento de São Paulo foi antes a exceção do que a regra para o país.882 O argumento do ritmo e do resultado final, embora importante, não invalida a iniciativa, o esforço governamental de substituição das importações e a postura nacionalista, questões que efetivamente nos interessam para a análise da modernização bernardista. E, para isso, a Primeira Guerra Mundial foi um importante divisor de águas. O encerramento do conflito mudou as condições econômicas do mundo, com a exaustão de capital, consumido na reconstrução das nações europeias. Raymundo Faoro afirma que, a partir de então, o Brasil teve a sua vantagem de “fornecedor de gêneros alimentícios e matéria- prima” ameaçada. Emergiu a necessidade de que a defesa dos produtos brasileiros fosse conjugada com o desenvolvimento articulado da indústria, agricultura e pecuária, e dos meios de transporte terrestre, fluvial e marítimo. As transformações do mercado mundial não aceitavam mais o esquema tradicional da economia brasileira. Era preciso “assegurar o mercado estrangeiro e ampliar o mercado nacional”.883 Os governos estaduais e federal estavam empenhados em incentivar a produção nacional, liberando capital para a industrialização. Foi este o impulso da Missão Boerger. Com a incumbência de estudar os métodos de aquisição e distribuição de sementes, o governo bernardista enviou para o Uruguai e a Argentina um dos chefes da Diretoria do Fomento Agrícola, que lá convidou o Professor Alberto Boerger para visitar os estados do sul do Brasil. O professor e diretor do Instituto Politécnico do Uruguai visitou São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, e concluiu pela complexidade do problema do trigo no Brasil e pela necessidade de criar sementes de trigo adequadas a variedade de solos e climas do país.884 No Congresso Nacional, Nelson de Senna expressou enfaticamente a preocupação governamental com o conflito entre demanda de consumo e aclimatação de espécies. Para Senna, enquanto o governo não dotasse o país de um campo de seleção de sementes, formadas apenas por trigo de produção nacional, melhor adaptado às nossas condições climáticas, era dever patriótico implantar entre o povo brasileiro o hábito de consumo do pão misto (feito de farinha de trigo e farinha de mandioca). Este projeto de “panificação nacional” talvez tenha sido o mais ousado e exótico que Senna apresentou. Mas tinha fundamento. Muito embora presente 881 ARIAS NETO, José Miguel. Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: DELGADO & FERREIRA, O Brasil Republicano... op. cit., p. 193-194. 882 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 81. 883 FAORO, Os Donos do Poder, op. cit., p. 500. 884 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional,1924, p. 174. 264 na mesa desde o início da colonização, como bem notou Câmara Cascudo, o pão não era um alimento popular e frequente nos sertões. O europeu, “criado no complexo do trigo”, é que o tinha como indispensável.885 No século XX, o aumento de imigrantes no Brasil acabou transformando o item em hábito alimentar brasileiro. As tentativas de cultivar trigo no Sul, apesar das plantações terem se expandido, achavam-se abandonadas ou pela falta de braços ou em decorrência de pragas, como a ferrugem. No norte de Minas Gerais, afirma Senna, o trigo parecia ter se aclimatado bem, ainda que em zona quente e intertropical, avessa ao seu habitat de origem, mas aí também sofria do abandono do poder público.886 Como fazer para que este tipo de pão misto fosse preferível pela população ao pão normal? Para Senna, competia ao Governo da República difundir o quanto antes o consumo obrigatório do “pão nacional”, inicialmente nas guarnições do Exército, navios, prisões e penitenciária; depois em asilos, hospitais, instituições de assistência e educação. Dessa forma, seriam aplicadas no Brasil as somas destinadas ao estrangeiro para a compra de farinhas e trigo, de cultivo mais complexo e muitas vezes inviável em algumas regiões brasileiras de clima seco.887 A importação de vinho da Argentina, Portugal, Espanha e Itália também lhe parecia excessiva. O nosso clima, neste caso, não oferecia tantas resistências. O autor argumenta que em diversas regiões de Minas Gerais, como Poços de Caldas, a vinicultura estava se desenvolvendo. O mesmo deveria ser tentado na zona ribeirinha do São Francisco, a exemplo das já famosas uvas de Juazeiro, Januária e Cariranha, que só não chegavam até nós devido a já conhecida dificuldade de transportes.888 Ao se ocupar destes assuntos, Nelson de Senna pretendia chamar a atenção da Câmara para a “riqueza” que se esvaia por entre os dedos em decorrência do não-investimento em uma maior produção nacional. Bernardes e Soares, não há dúvidas, compartilhavam deste pensamento. A importação de adubos químicos, por exemplo, era um limitador a um dos pontos centrais da racionalização agrícola. Assim, o Ministério da Agricultura prosseguia com a propaganda oficial em prol da adubação e do incentivo à produção nacional.889 O desenvolvimento de uma indústria nacional de adubos para conservar a fertilidade das terras 885 CASCUDO, Câmara. História da Alimentação no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, EDUSP, 1983, p. 788. 886 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 26 de setembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, p. 609-621. 887 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 26 de setembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit. 888 APCBH – NCS 4 (15) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Aspectos Econômicos Nacionais. Discurso pronunciado por Nelson de Senna na Câmara Federal sobre o desenvolvimento econômico do Brasil, em 14 de outubro de 1925. 889 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1926, p. 231 e 244. 265 era mais do que uma necessidade, um desejo pessoal que Bernardes iniciou ainda em Minas, com a construção do Instituto de Química Industrial, na Escola de Engenharia de Belo Horizonte.890 Segundo Bernardes, em 1924, havia 26 fábricas de adubos químicos que empregavam quase a totalidade de matéria-prima nacional. Nas instalações do Instituto de Química, que estavam quase finalizadas, realizavam-se diversas análises para o Serviço de Inspeção e Fomento agrícola, de variedades de farinhas de mandioca e feijões indígenas ou aclimatados. Nos laboratórios foram também estudadas espécies de vegetais indígenas, com oitenta variedades de sementes oleaginosas. Em 1925, a instituição contava com o registro de 20 fabricantes de inseticidas e 23 de adubos e corretivos de terras aráveis. Neste mesmo ano, o governo federal iniciou a montagem de uma fábrica para a produção diária de aproximadamente mil quilos de Verde Paris, um dos primeiros inseticidas sintéticos utilizados na “moderna agricultura”, para a qual o Instituto já dispunha de instalação capaz de produzir 500 kg desta substância; e de uma salina experimental, que com a seleção de grãos de densidade das salmouras melhoraria a qualidade do sal para a pecuária.891 Ainda como esforço de consolidação da indústria nacional, observa-se o apreço por um 0outro produto: o algodão. A ênfase remonta a argumentos já defendidos por Teófilo Ottoni no século XIX, e que consistia na associação entre algodão, liberdade, indústria e República.892 De fato, o produto foi uma das mais importantes entradas de fabricações nacionais durante a Primeira República.893 A cultura algodoeira, considerada por Raul Soares “uma das maiores possibilidades econômicas” de Minas, requeria a sua atenção desde 1916, quando foi Secretário da Agricultura. A indústria de fiação e tecelagem mineira estava sendo incrementada pela fundação de novas fábricas, mas Soares era categórico: “Sem a proscrição da rotina, o aperfeiçoamento dos métodos de cultura e beneficiamento, o emprego de máquinas adequadas, a seleção e expurgo das sementes – nada se conseguirá”. A fim de lograr uma produção de sementes livres da lagarta rosada, razão de grande estrago em algumas zonas, o governo contratou um agrônomo. A ação imediata era a fundação de uma fazenda experimental para a produção de sementes, combate a pragas, divulgação dos princípios básicos da racionalização, e classificação dos tipos comerciais de algodão. Além disso, Minas estava celebrando com outros estados e a União um acordo para um serviço único para o algodão.894 O entendimento 890 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 24. 891 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 173), 1924 (p. 147), 1925 (p. 199), 1926 (p. 231 e 244). 892 DUARTE, Regina Horta. O Aventureiro da Filadélfia: Theóphilo Ottoni e a conquista do Vale do Rio Mucuri. Locus, vol. 4, n. 2, Juiz de Fora, 1998, p. 109-120. 893 DEAN, A industrialização durante a República Velha, op. cit., p. 295. 894 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923 (p. 63-64). 266 foi selado com o Decreto assinado por Bernardes e Calmon, em 11 de agosto de 1923. Pode-se indagar: o acordo foi assinado para beneficiar Minas Gerais ou pelo fato do Serviço de Inspeção ter apontado o algodão como promissor para a indústria nacional? Entendemos que os dois motivos não são autoexcludentes, mas plausíveis e complementares. Minas vivia, desde 1889, uma fase de substituição das importações, que tinha a indústria têxtil e de alimentos como carro-chefes do processo. As oficinas e fábricas se concentravam na parte desenvolvida do sul do estado, justamente a região de Bernardes.895 Uma breve revisita ao governo de Bernardes à frente de Minas mostra que a exaltação do produto cresceu com o fim da guerra. Em 1919 ele dizia que Minas vivia o “renascimento da cultura algodoeira”. Impulsionada pela alta dos preços no mercado europeu, o cultivo de algodão poderia encontrar estabilidade nos métodos racionais de agricultura e na demanda existente nas fábricas de tecido do próprio estado. O prognóstico se tornou ainda mais positivo quando uma missão inglesa, que esteve no Brasil, confirmou que o algodão de Minas era “de muito boa qualidade”, sendo a terra e o clima apropriados ao seu cultivo, especialmente nas margens do rio S. Francisco, que Arthur Bernardes considerava a cotton belt mineira. Para repassar a experiência e os mais modernos processos de cultivo, o governo bernardista chegou a trazer dos Estados Unidos um especialista, com resultados satisfatórios em campos de demonstração práticos. Se naquele momento, Bernardes já estudava a instalação de usinas modernas de beneficiamento de algodão, e cogitava adquirir terras para a fundação de estabelecimentos dedicados ao ensino da cultura algodoeira e à seleção de sementes na região, era previsível que, como Presidente da República, fizesse uso de um serviço federal que tinha exatamente a função de fomentar o setor.896 Como na pecuária, a preocupação com a cultura algodoeira tinha razão de ser tanto em termos de economia regional e nacional quanto internacional. Em relação à década anterior, a de 1920 foi de grande complexidade do ponto de vista econômico. Os preços de grande parte das commodities, elevados com a Primeira Guerra Mundial, sofreram contração, assim como o comércio exterior, graças a uma crise que se instalou nos Estados Unidos, entre 1920-1922. Depois do café, que “apresentou desempenho auspicioso”, o algodão foi o produto que alcançou as melhores taxas na balança de exportações brasileira, em razão do aumento da demanda norte- americana após o conflito mundial.897 895 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 94. 896 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919 (p. 70), 1921 (p. 67-70). 897 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit. 267 Pelo novo regulamento, competia ao Serviço do Algodão estudar e determinar as espécies e variedades de algodão mais adequadas às diversas regiões produtoras do Brasil, com a estatística geral das áreas plantadas, produção, comércio e indústria do algodão e dos seus subprodutos; organizar padrões para o algodão e estabelecer os tipos base para a classificação e comércio nos mercados locais e nas principais praças do país;898 instruir os lavradores de algodão, do tratamento do solo ao enfardamento do produto; instalar e manter estações experimentais, campos de sementes e de cooperação; combater doenças e pragas, em colaboração com o Instituto Biológico de Defesa Agrícola; facilitar a obtenção de sementes de boa qualidade, instrumentos agrários, adubos, inseticidas, fungicidas, descaroçadores, prensas, publicações práticas e ilustradas de propaganda; registrar as marcas para os descaroçadores e prensas para coibir fraudes no algodão; promover, inspecionar e uniformizar a montagem e o funcionamento de usinas; propagar a organização de bolsas, cooperativas, caixa rurais, sindicatos e associações agrícolas algodoeiras. Os serviços poderiam ficar a cargo dos Estados, com subvenção anual da União ou o inverso. Onde a produção algodoeira fosse incipiente, na ausência de acordo, os serviços ficariam sob a responsabilidade da Diretoria do Serviço de Inspeção e Fomento Agrícolas, em colaboração com o Serviço do Algodão.899 Em 1925, segundo Bernardes, o serviço já era executado no Pará, Bahia, Minas Gerais, Paraíba e Rio de Janeiro, e estava em via de implementação em Sergipe, Pernambuco e no Ceará. Promover a cultura dessa fibra era, para ele, extremamente relevante não só como produto de exportação, mas como matéria-prima “da nossa mais importante indústria fabril”. Como reflexo da ideia de racionalizar ao máximo o aproveitamento da produção natural, o algodão deveria, ainda, ser aproveitado para a alimentação do gado, já que as sementes forneciam “valiosa e abundante forragem para os animais e nutriente óleo, comparável ao de oliveira, muito empregado na alimentação humana”. A regularidade do Serviço era permitida pelos acordos firmados com Minas, Ceará, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Pará, Paraíba e Rio de Janeiro. Como resultados imediatos do regulamento aprovado em 1923, Bernardes destacava a instalação do laboratório para o estudo químico de fibras, defesa sanitária da algodoeira e 898 Segundo publicação do Diário de S. Luiz (Maranhão), de 02 de janeiro de 1923, meses antes da publicação do Decreto com o novo regulamento, o Ministro da Agricultura já havia enviado vários técnicos para o Serviço de Algodão nos Estados de Minas, São Paulo, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Maranhão, Pará, Piauí, Ceará, Alagoas e Bahia “com o fim de incrementar a colheita dos tipos de algodões brasileiros expostos à venda nos referidos estados, de acordo com as conclusões da conferência algodoeira aqui realizada, fazendo assim os tipos oficiais”. OUTROS Despachos. Diário de S. Luiz. São Luiz, Ano IV, nº02, de 02 de janeiro de 1923. 899 BRASIL. Decreto nº 16.122, de 11 de agosto de 1923 – Dá novo regulamento ao Serviço do Algodão. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 268 pesquisas sobre a pureza genética de diversas variedades de algodão; e os trabalhos das estações experimentais de Piracicaba/SP, Seridó/RN, Coroatá/MA e Santo Antonio/CE.900 Nelson de Senna mostrava-se igualmente entusiasmado. Na Câmara, engrandeceu que a produção de algodão no Brasil se tornou tão “admirável”, que impressionou até mesmo o embaixador francês e um representante belga quando da observação do mostruário brasileiro na Exposição do Centenário (1922). De norte a sul, de leste a oeste, o algodão era empregado com resultado positivo nas indústrias de tecido dos estados do Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas. Nos dizeres de Senna, a constatação só deixava provado “que definitivamente implantamos no Brasil uma indústria que não é artificial, a indústria da tecelagem, que tem e pode ter todas as matérias-primas a ela necessárias aqui dentro do país.901 A ênfase e a diferenciação que Senna faz já estavam presentes em João Pinheiro. A origem da industrialização na Primeira República nos ajuda a entender o engrandecimento da “indústria natural”. Dean afirma que, por volta de 1914, os empresários industriais iniciaram as carreiras como fazendeiros ou importadores, quando não os dois, e muitas vezes combinaram a administração das fábricas com as das propriedades rurais. A maioria se empenhava em valorizar as matérias-primas que controlava; incomum eram aqueles que “se metiam a fabricar bens de consumo que não tinham ligação alguma com os suprimentos de matérias-primas que possuíam”.902 Para Joaquim Murtinho, um dos maiores defensores da “indústria natural”, fazendeiros-empresários que se aventuravam por “indústrias artificiais” estavam tomados por uma “grande ilusão financeira”. De acordo com ele, a principal razão para a crise econômica do Encilhamento foi a crença “pseudopatriótica” de que para se livrar do jugo estrangeiro valia investir em qualquer tipo de produção. Estimulada pelo “sentimento nacionalista”, a postura imprevidente levou ao esbanjamento de investimento em produções que tinham um alto custo justamente por não serem “naturais”. Para vencer a concorrência, o governo precisava adotar medidas ultraprotecionistas, que elevavam sobremaneira o produto estrangeiro. Em um ciclo vicioso, uma vez que o consumidor nacional era o próprio produtor agrícola, o custo acabava repassado para a produção brasileira.903 Nelson de Senna não era um seguidor desta corrente, mas, de maneira semelhante ao que observamos em Pinheiro, colocava- a no centro de sua argumentação quanto à produção nacional, o que nos conduz a outros dois 900 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925 (p. 193), 1926 (p. 232- 234). 901 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 18 de maio de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit. 902 DEAN, A industrialização durante a República Velha, op. cit., p. 297. 903 LUZ, A Luta pela Industrialização do Brasil, op. cit., p. 84-86. 269 pontos identificados por Dulci no desenvolvimentismo: o protecionismo e o papel atribuído ao Estado na modernização da economia. Um dos setores em que esta relação fica mais evidente é o de infraestrutura de transportes. Desde o início, a implantação de ferrovias pautou-se em considerações estratégicas políticas, a despeito de previsões econômicas. Para Júlio Katinsky, a República herdou do Império um plano de viação que, a par da rentabilidade, tinha uma dupla missão: a política, de interligar as distintas regiões do território nacional; e a social, de promover povoamento e riqueza nacional.904 A continuidade com o plano bernardista salta aos olhos. Nas palavras de Bernardes, “as estradas, que, internando-se pelo território, atraíram a população trabalhadora e excitaram a produção” deveriam, em novas construções, obedecer a duas preocupações: facilitar a comunicação interior com as República vizinhas e seus mercados; e a segunda era facilitar a acelerar a comunicação da Capital da República com as capitais dos outros estados. Para a primeira, deu andamento à Comissão Ferroviária Transcontinental, que, com resultados positivos, realizava estudos para a ligação da rede férrea do Brasil, a partir de Porto Esperança, no rio Paraguai, a da Bolívia, em Santa Cruz de la Sierra. Quanto à segunda, para permitir o intercâmbio comercial entre cidades que não eram servidas pela mesma linha férrea, o governo pôs fim ao “sistema retrógrado” que exigia baldeação e novo despacho de mercadoria a cada entroncamento. O traslado foi facilitado pela aquisição de novo material rodante e de tração para as ferrovias, cujo fornecimento foi então regulamentado para as estradas de ferro administradas, concedidas ou arrendadas pela União.905 Diante das dificuldades financeiras que impunham uma diminuição no ritmo de expansão das ferrovias, o governo achou por bem retirar das próprias estradas os custos necessários ao seu crescimento, com a criação do aparelho das “obrigações ferroviárias”, uma taxa adicional de 10% sobre as tarifas em vigor, entre outras medidas necessárias à criação de um fundo comum. Os incentivos governamentais assumiam formas variadas, que iam desde propostas às fábricas de material rodante e trilhos, para que indicassem os meios de facilitar o fornecimento, com pagamentos espaçados, até abertura de crédito suplementar para negociar com essas empresas o meio mais rápido de suprir as vias férreas de locomotivas e carros.906 A solução era urgente. A ausência de material rodante, importado, em muitas linhas férreas, além 904 KATINSKY, Júlio Roberto. Ferrovias Nacionais. In: MOTOYAMA, Tecnologia e Industrialização no Brasil..., op. cit., p. 41. 905 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 97), 1925 (p. 133), 1926 (p. 139 e 169). 906 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925 (p. 133), 1926 (p. 169). 270 de denunciar a fragilidade do sistema,907 foi um dos principais motivos da grave crise de congestionamento de mercadorias estrangeiras no Porto de Santos, em 1924. A fim de desafogar o fluxo portuário, o governo promoveu a organização de diversos portos para o alto comércio de grande cabotagem e de navegação internacional. Os que já se encontravam em processo de exploração organizada eram os portos de Manaus, Recife, Pará, Bahia, Rio de Janeiro, Santos e Rio Grande do Sul; já em fase de construção ou contrato estavam os do Maranhão, Ceará, Natal, Paraíba, Vitória. S. Francisco, Paranaguá e Corumbá. Estudava, ainda, entregar à Companhia Brasileira de Exploração de Portos vários armazéns, com área aproximada de 20.000 m², na faixa externa do cais e que estavam alugados à particulares à baixo custo; alfandegar alguns armazéns externos, para ampliação do espaço destinado às conferências; melhorar o aparelhamento do porto, com eletrificação de guindastes e prolongamento do porto, entre outras medidas. Para os novos contratos de navegação foram incluídas “disposições severas” no que se refere à obrigação de compra de material flutuante, como demonstrava o contrato celebrado com o Estado de Minas para a navegação do rio São Francisco. A esperança de Bernardes na marinha mercante estava no Lloyd Brasileiro, que começava a gerar bons frutos e vinha “provar que idênticos resultados se podem conseguir em toda a administração brasileira, se fizermos mais administração do que política”.908 O tema rendeu um discurso entusiástico de Nelson de Senna na Câmara dos Deputados, no qual detalha, item a item, o aparelhamento dos portos brasileiros; as linhas de navegação; extensão da costa brasileira e a distância dos pontos intermediários; principais zonas portuárias do país; empresas que exploravam a navegação mercante no Brasil, com destaque para o Lloyd Brasileiro e a Companhia Costeira, as duas maiores companhias nacionais; e as grandes potencialidades abertas à navegação fluvial no país. Todos esses subsídios foram elencados como esforço de argumentação na defesa do projeto nº189, de sua autoria, para que a marinha mercante brasileira fosse “razoavelmente” protegida com “regalias, vantagens e facilidades” oportunas, “concorrendo para dilatar o nome e as riquezas do Brasil através dos mares e oceanos e constituir em reserva naval de nossa Pátria nas horas incertas e fatais”. A referência para a proposta é declaradamente a Mensagem Presidencial bernardista do ano anterior, a qual se reporta em vários momentos. Senna chamava para si e para os seus colegas do Legislativo a responsabilidade de encontrar a melhor alternativa para fazer o setor prosperar, de tal maneira 907 KATINSKY, Ferrovias Nacionais..., op. cit., p. 41. 908 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 119), 1925 (p. 155- 156). 271 que superasse até mesmo as expectativas que Bernardes confessou no documento ao Congresso Nacional.909 Além do suporte à navegação, a União investiu em estradas de rodagem, por meio do incentivo à iniciativa privada e às associações de caráter particular interessadas no desenvolvimento rodoviário do país. O sistema integrado de transportes já era uma aspiração de João Pinheiro que Bernardes procurou implementar desde o governo de Minas. Na presidência da República, ele passou a defender que a construção de estradas de rodagem fosse uma iniciativa dos Estados, ao passo que ao governo federal cabia apenas facilitar a sua realização. O posicionamento era adequado tanto ao federalismo brasileiro quanto aos interesses de Nelson de Senna e Raul Soares. Em Minas, uma das principais preocupações de Soares foi garantir que o desenvolvimento das vias de comunicação não se faria mais “ao sabor dos interesses particulares”. Mandou, pois, organizar um plano geral de viação do Estado, com os princípios guiadores de construir linhas ferroviárias economicamente vantajosas e fazer de Belo Horizonte centro da viação, de onde irradiassem as vias de comunicação para os pontos extremos do Estados. Como complemento, determinou o estudo de um plano para as estradas de rodagem, e criou, pela lei nº848, de 13 de setembro de 1923, a Inspetoria das Estradas de Rodagem, subordinada à Diretoria de Viação e Obras Públicas da Secretaria de Agricultura.910 Estes dados mostram que o trio de políticos mineiros estava mais alinhado do que nunca nos objetivos de modernização dos transportes. Raul Soares acreditava que estender trilhos por todo o território de Minas Gerais deveria ser o escopo do governo estadual, sua preocupação constante. Por isso, em 1923, procurou acordo com a União para realizar em Minas os prolongamentos e ligações indispensáveis para completar o plano de viação federal. Arthur Bernardes tinha interesse em promovê-las, principalmente para encontrar uma via alternativa de escoamento da produção siderúrgica mineira e solucionar um grande entrave no contrato Itabira-Iron. O acerto, se não efetivado, ao menos continuou indicado, mesmo após a morte de Soares, tanto que no governo federal, em 1926, Bernardes defendeu como “imprescindível” para a siderurgia a ligação da E.F Vitória-Minas com a Central do Brasil, do ramal de Santa Bárbara até a Barra do Rio do Peixe, no rio Piracicaba.911 O mesmo se pode dizer de Senna. Em 1928, quando nem Soares nem Bernardes se encontravam mais nos governos de Minas e da República, o deputado discursou na tribuna do Congresso Nacional defendendo o 909 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 19 de agosto de 1926. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, p. 197-222. 910 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1924 (p. 182), 1925 (p. 155). 911 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 155), 1926 (p. 206). 272 prolongamento “urgente” da E.F Central do Brasil até o trecho Montes Claros-Tremedal.912 A persistência no tema em momentos diferentes indica, a nosso ver, que se dava não por subserviência a uma das partes, mas por convicção dos três na política econômica apreendida de João Pinheiro. A nossa hipótese é que Arthur Bernardes levou para o programa de governo da Presidência da República o tripé básico que, segundo Pinheiro, era função social do Estado enquanto modernizador da economia. Ao lado da sistematização de transportes, vista acima, cumpria ao governo, para resolver o problema capital da produção, reorganizar o trabalho, via colonização, e estabelecer um programa eficaz de crédito.913 Com relação ao primeiro, o governo bernardista regulamentou a entrada de imigrantes no território nacional. Pelo decreto nº 16.761, de 31 de dezembro de 1924, a chegada foi restrita aos portos de Belém, Recife, Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Paranaguá, São Francisco e Rio Grande, onde o governo criou inspetorias federais de imigração e estava ampliando o aparelhamento da Intendência de Imigração e da Hospedaria de Imigrante, na Ilha de Flores. A Diretoria Geral do Serviço de Povoamento ficou incumbida da recepção nos portos de chegada e auxílio na localização no interior, o que, juntamente com o final da guerra, contribuiu para o aumento de imigrantes, que passou de 60.784, em 1921, para 84.883, em 1925. Para o lamento de Bernardes, no entanto, o resultado não era o desenvolvimento da colonização, uma vez que a lavoura particular nem sempre era a procura principal. A este respeito, pediu a atenção do Congresso. De sua parte, buscou facilitar a instalação nas zonas rurais, especialmente de Santa Catarina, de 28.813 imigrantes, já residentes no país, que estavam sem trabalho nos centros urbanos.914 A articulação entre a reorganização da mão-de-obra e a difusão do crédito ficou por conta de um personagem característico do pensamento pinheirista, considerado o principal motor de incentivo à produção agrícola: as cooperativas. Após a morte de João Pinheiro, vimos que a iniciativa privada não tomou para si a tarefa e que o efeito foi de monopolização cafeicultora e não de incentivo à policultura, como inicialmente planejado. A empreitada continuou dependente de incentivos governamentais. Durante o governo de Bernardes na Presidência da República, uma das atribuições do Serviço de Inspeção e Fomento foi realizar com “intensidade” a propaganda do cooperativismo. Com “bons resultados”, o serviço estabeleceu um programa com os agricultores, em campos cooperados distribuídos pelo 912 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 03 de outubro de 1928. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit. 913 MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1908. 914 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 158), 1925 (p. 201), 1926 (p. 248). 273 território nacional. Sintomaticamente, o número de campos em Minas era mais do que o dobro de São Paulo, segundo colocado junto com o Rio Grande do Sul.915 Ao comparar as Mensagens aos Congressos mineiro e nacional, observamos que é antes um indício de continuidade do programa iniciado no seu governo, do que o resultado da parceria com Raul Soares, posto que as cooperativas não foram alvo da atenção no governo deste último. Seguindo os ensinamentos de João Pinheiro, o governo federal também realizou propaganda das vantagens do crédito cooperativo agrícola pelas caixas Raiffeisen e Bancos Luzzari, com “resultados animadores”. Para atender um dos pontos do seu programa de governo, além de solicitar ao Congresso autorização para fundar o Banco Hipotecário Nacional, Bernardes transformou o Banco do Brasil em banco emissor, à serviço “dos que trabalham e produzem”.916 A oferta de crédito agrícola e industrial com prazos longos, juros inferiores ao comércio e modalidade hipotecária, era incompatível com a nova faculdade emissora do Banco do Brasil, o que levou à criação do bilhete bancário. Esta não era a primeira reforma da instituição, com largo histórico de descapitalização. O primeiro Banco do Brasil, fundado em 1808, como organização comercial autônoma, tinha o Estado como principal cliente, e foi decretado em liquidação parcial em 1829. O segundo, restabelecido em 1853, enfrentou novas reformas para equilibrar o descompasso entre emissão e fundo disponível, como a de 1866, que converteu o banco em instrumento de crédito à lavoura. Ao adentrar a República, a contrarreforma de Joaquim Murtinho (1900) mergulhou o então Banco da República do Brasil em uma nova crise. Para revertê-la, em 1905, o Tesouro adquiriu o maior lote de ações, e, com um novo estatuto, o banco ficou proibido de conceder empréstimos ou descontos com prazo superior a seis meses, de realizar redescontos e de comprar ações de outras companhias. Deixava de ser, oficialmente, um banco de desenvolvimento.917 c) Saneamento das finanças Quando Arthur Bernardes assumiu a Presidência da República, aquela instituição que poderia ser aliada do governo na solução da crise financeira estava estatutariamente impedida de agir. A questão que se colocava era como enfrentar os “habituais” desafios da economia brasileira – como criar uma taxa de câmbio estável e competitiva, e promover o equilíbrio fiscal – sem um sistema bancário eficiente? Assim, uma das primeiras ações de Bernardes foi a 915 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 173), 1926 (p. 231). 916 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 11), 1926 (p. 232). 917 MEDEIROS, Paulo de Tarso. BANCO DO BRASIL. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 274 reforma bancária que fez do Estado o acionista majoritário do Banco do Brasil, em 1923, convertendo-o em instituição pública, e garantindo o monopólio da emissão de moeda. A medida fazia parte de um esforço global de retornar ao padrão-ouro. A adesão a este sistema monetário era um problema para a economia brasileira desde a passagem para o trabalho assalariado, que aumentou consideravelmente a demanda por moeda e crédito. Com o cessar da guerra, o padrão-ouro se tornou novamente prioridade da economia internacional, mediante “o generalizado desejo de recriar o arcabouço comercial e financeiro” que havia ordenado a expansão econômica antes da 1914.918 A contragosto do governo empenhado em reduzir a emissão de moeda, Cincinato Braga, presidente do Banco do Brasil, ainda chegou a emitir 25% do total de moeda em circulação em 1924, motivo pelo qual foi demitido.919 Apesar do contratempo, a “colaboração do governo” tornou possível ao Banco do Brasil ser banco central de crédito, ao mesmo tempo em que ganhou a função de “regular a circulação monetária e contribuir para a alta do câmbio”.920 Acreditamos que o princípio que inspirou Bernardes na reorganização do Banco do Brasil é o mesmo que já estava presente no I CACI, isto é, criação de um banco de crédito central, emissor de letras hipotecárias garantidas pela União, com uma seção de crédito agrícola.921 Prova disso está em que, ao findar o governo, segundo o próprio Bernardes, a reforma já estava cumprindo a função de fomentar agricultura e indústria, com a concessão de créditos e o bilhete bancário. O objetivo maior de sua política econômica, dizia ele, era o de fazer circular a riqueza.922 Evidentemente, a política bernardista não era uma adesão cega e anacrônica aos princípios do Congresso Agrícola de 1903 e da política de João Pinheiro. Partia da constatação de que eles atendiam a muitas das carências nacionais. Como explica Wilson Cano, a diversificação da estrutura industrial brasileira foi intensificada com a instalação, concentrada em São Paulo, de segmentos industriais complexos, como metalurgia, mecânica, química, material elétrico e de transporte, para a produção de bens de consumo duráveis, insumos industriais e, em menor medida, bens de capital. Estruturalmente, café, indústria e crescimento populacional demandavam o incremento do setor dos serviços, como a expansão do sistema bancário, sua institucionalização e regularização; o comércio exigia a instalação de sistema de transportes; intensificado o movimento urbano, além do transporte, eram necessários serviços de saúde, educação, saneamento, alimentação, habitação. A consequência mais ampla foi o 918 FRANCO, & LAGO, O Processo Econômico, op. cit., p. 205; 210. 919 MEDEIROS, Paulo de Tarso. Verbete “Banco do Brasil”, op. cit. 920 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925, p. 17. 921 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit. 922 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1926, p. 43. 275 “aumento dos nexos de interdependência estrutural (agricultura-extração-indústria- serviços)”.923 Em discurso na Câmara, Nelson de Senna sintetizou com perfeição o posicionamento da política econômica bernardista: Dir-se-á o mesmo ser tarefa humanamente impossível a qualquer Governo a execução contínua, integral e ininterrupta, como se faz mister, de um programa administrativo, com sua rota traçada pela mais cautelosa e mediada previsão, desde que se lhe apresentam pela frente um povo pobre e um país de recursos financeiros limitados, onde as crises estão em função intercorrente dos contrachoques do crédito, da desvalorização do meio circulante, da sua produção em grande parte desamparada, do trabalho ainda mal organizado e do espírito público sempre propenso à fatalidade de um doentio pessimismo, que só vê com desalento essas intermitências de períodos de relativa prosperidade, logo amargada de desespero de outras quadras de vida penosa e caríssima para tudo e para todos.924 O sistema de emissões e de créditos, que Bernardes buscou racionalizar, somado à proteção tarifária, foram não só os “impulsos essenciais” da indústria nacional na primeira década republicana.925 Estes mecanismos também demarcaram as limitações em termos de expectativa (modernidade), e experiência (modernização) na dinâmica de nacionalização do projeto pinheirista. Conforme Arno Mayer, a maior evidência de que a “ordem política e social arcaica” conseguiu se perpetuar e “domar” a industrialização, sem sucumbir a ela, está na conformação de um sistema bancário deficiente e de um quadro econômico em que a participação da manufatura de bens de consumo é superior à produção de bens de capital em participação na riqueza, produção e empregos nacionais. Este claro sintoma da “força da tradição” ocorre quando os interesses agrários e manufatureiros conseguem se adaptar com destreza à novas técnicas de produção, graças ao apoio do Estado para amortecer o relativo declínio das nobrezas fundiárias.926 A intrínseca relação que Warren Dean estabelece entre fazendeiros-empresários, controle e valorização de matérias-primas, nacionalismo e protecionismo estatal nos indica caminho semelhante para a industrialização paulista. O autor afirma que os planos de ação governamental focados em crédito barato, empréstimo, e isenção de importação tinham, de fato, um cunho nacionalista. O Estado entraria como elemento importante para neutralizar o descompasso entre uma Europa do Norte, Estados Unidos e Japão, ricos e poderosos, e uma América Latina empobrecida, incapacitada de realizar a sua industrialização, na virada do século XIX para o XX. No entanto, as isenções tarifárias de máquinas e matérias-primas, 923 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 83. 924 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 205. 925 FRANCO, & LAGO, O Processo Econômico, op. cit., p. 205. 926 MAYER, A Força da Tradição..., op. cit., p. 19-30. 276 geralmente as controladas pelos fazendeiros, eram “menos determinadas pelo nacionalismo do que por um ‘clientelismo’”, que reunia os chefes do Partido Republicano Paulista e os industriais, para assegurar o lucro privado. A razão, para ele, está em que a expansão industrial não determinou o aparecimento de uma burguesia industrial separada da classe proprietária. Assim, os industriais se contentavam com papel secundário no partido, numa espécie de acordo com os fazendeiros, consumidores de muitos produtos industriais que não alcançavam competitividade no mercado.927 Para o restante do Brasil, o mesmo se aplicaria? A tímida (quando não, nula) incursão de imigrantes, a distância das vias de comunicação, o ritmo menos acelerado de especialização, que efeito tiveram para o surgimento de uma burguesia industrial independente da aristocracia agrária? Seguindo a lógica weberiana, quanto menor o poder de atração a empresários capitalistas e a não-separação entre cidade e meio rural, mais próxima tende a ser a aliança Estado-fazendeiros. Na modernização conservadora, afirma Weber, a excessiva proteção do Estado impedia que o proprietário de terras se convertesse completamente em empresário capitalista, interessado em lutar pelos lucros empresariais, do proprietário, ao invés de preservar sua posição social.928 Ainda numa relação causal, e com o modelo de Mayer como parâmetro, quanto maior a deficiência do sistema bancário, menor a sua capacidade de financiamento, maior a necessidade de intervenção estatal, e menor é a autonomia da burguesia industrial e financeira. A síntese que Wilson Cano faz sobre a política econômica dos anos 1920 é que, na primeira metade da década, o Estado interveio na economia, com vários incentivos fiscais e apoio à cafeicultura. A partir da segunda metade, o governo focou na intervenção no campo político, aumentando a repressão, e tornando a política econômica cada vez mais conservadora até o final da década. Para ele, o recrudescimento foi um reflexo tanto da ideologia dominante, quanto das convulsões políticas e militares, passando pelo “excelente desempenho exportador”.929 Partindo do pressuposto de que seja verdade, importa investigar como estes fatores podem ter influenciado a política de Bernardes. 927 DEAN, A industrialização durante a República Velha, op. cit., p. 280; 304; 305. 928 WEBER, Capitalismo e Sociedade Rural na Alemanha, op. cit., p. 136. 929 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 83. 277 6.3 – Ideologia de Estado: o recrudescimento bernardista Após o episódio das Cartas Falsas, do levante de 1922, da Reação Republicana e da massiva campanha oposicionista da imprensa nilista, seria possível cumprir a promessa de “O presidente se esquecerá das injúrias feitas ao candidato”, que Bernardes parodiou de Stefan Zweig para o Jornal do Comércio da capital federal, 18 dias após a posse da Presidência da República? Para um de seus biógrafos, houve uma “perempção da promessa”, uma vez que o “acordo” com os oposicionistas teria caducado no exato momento em que estas forças ameaçaram a governabilidade do país.930 Na historiografia, a visão corrente é de que Arthur Bernardes foi revanchista, vingativo. O fato é inegável! Mas, o que as análises parecem ignorar é o componente ideológico que embasa e busca justificar os comportamentos perante a sociedade política e civil. A crítica atribuída a Bernardes pode ser igualmente identificada nas análises realizadas sobre o pensamento dos ideólogos do autoritarismo. O descrédito do pensamento fascista no pós-guerra teria legado ao pensamento autoritário da Primeira República e dos anos 1930 a descrição de “não ideológico”, “desconexo”, “mero voluntarismo personalista e oportunista”. Para Bolívar Lamounier, a ideia de incoerência ou ausência de orientação programática deve ser revista.931 Motivados por essa afirmação, acreditamos que a perseguição implacável que Bernardes impôs aos opositores foi planejada, consciente e fundamentada em uma ideologia de Estado. 6.3.1 – Fomento à crise e combate à “perversão de costumes” Os argumentos utilizados por Bernardes para justificar o estado de sítio – decretado em 05 de julho de 1922, prorrogado até 31 de dezembro de 1922, depois até 30 de abril de 1923, e, por fim, até 31 de dezembro do mesmo932, ao Congresso Nacional são esclarecedores: Não seria possível permitir que as forças produtoras do país, seu crédito interno e externo, a obra benemérita de reorganização das forças armadas, as necessidades da nossa reconstrução financeira, as exigências do nosso progresso econômico e a nossa cultura política continuassem à mercê de perturbadores costumazes e sem ideal, confiados na excessiva benignidade das nossas leis e no visceral sentimentalismo da 930 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 148. 931 LAMOUNIER, Bolívar. Formação do Pensamento Autoritário na Primeira República: uma interpretação. In: História Geral da Civilização Brasileira, vol. 9, p. 374; 384. 932 Pelos respectivos decretos: Decreto nº4.549, de 05 de julho de 1922; Decreto nº4.553, de 29 de julho de 1922; Decreto nº 15.913, de 01 de janeiro de 1923; e Decreto nº16.015, de 23 de abril de 1923. BRASIL. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 278 nossa raça. Para impedi-lo, o estado de sítio era recurso necessário, por tanto tempo quanto indispensável à defesa dos interesses do país, ficando ao vosso critério e competência resolver sobre o prazo que pareceu conveniente para uma definitiva prevenção de males que todos sentem e cujos causadores o Governo conhece, como conhece os seus projetos. Embora aparelhado para frustrar qualquer tentativa de exteriorização de tais projetos, graça à disciplina e patriotismo das forças armadas e ao apoio do povo sensato e trabalhador, o Governo entende que o melhor é prevenir a desordem, eliminando-lhe as causas, do que reprimi-la. Só o desconhecimento dos limites constitucionais traçados entre nós ao estado de sítio poderia determinar alarmas descabidos – internos ou externos. Medida essencialmente preventiva, ela aqui produz como já foi dito, uma situação que pode aqui ser comparada ao regime constitucional dos povos mais adiantados e livres. Limitado à detenção ou desterro de elementos perigosos e à censura de imprensa no incitamento à anarquia e ao crime, como tem sido praticado, o estado de sítio é medida de benéfico efeito numa hora de ameaças de dissolução social. Só poderá atingir e só atingirá, no atual Governo, os que por atos ou escritos tentem subverter a ordem estabelecida. A estes fácil será evitar-lhes os efeitos, evitando as causas que os determinam O povo ordeiro, a imprensa bem orientada e de processos limpos, todas as classes sociais, enfim, durante ele terão as mesmas garantias do regime normal, acrescidas de tranquilidade oriunda da certeza de que o Governo poder agir com presteza e segurança contra os perturbadores quaisquer da paz pública.933 O primeiro ponto que merece destaque é o esforço em “atribuir aos seus interlocutores os papéis que escolheu para eles”.934 Bernardes refere-se às Forças Armadas como aquela que detém a “disciplina” e o patriotismo”. O problema não estava na categoria, mas naqueles militares que perderam ou abriram mão destes dois elementos centrais para prevenir os males, cometendo crime de lesa-pátria e tornando-se desertores, prevaricadores. Seria uma tentativa de “reconciliação”? Possivelmente, já que Bernardes deixou de barganhar a pasta da Guerra entre os estados para escolher o um Ministro que pudesse equacionar a sua imagem negativa entre os militares.935 Mas a “trégua” não se estende a todos os seus opositores. O que não está dito, apreendido nas entrelinhas e que é tão importante quanto o que salta aos olhos,936 é que ao se remeter ao Congresso Nacional, ele se dirigia não só à coletividade. Havia “alvos” específicos, como Nilo Peçanha, senador, e Joaquim Osório, deputado, o mesmo que travou um debate com Nelson de Senna e acusou Minas de ter traído a tradição no processo eleitoral. Peçanha e Osório eram defensores da anistia aos revoltosos de 05 de julho de 1922, os quais, 933 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923, p. 15-16. 934 PROST, Antoine. As Palavras. In: REMOND, René (org.). Por uma História Política. Rio de Janeiro: FGV, 2003, p. 321. 935 O escolhido foi o General Setembrino de Carvalho, que logrou unir novamente o Exército ao governo, inclusive como ponto de apoio à política reacionária bernardina. CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit. 936 PROST, As Palavras, op. cit. 279 por um acordo com o Supremo Tribunal Federal estavam sendo processados pela Justiça Federal como criminosos políticos, e não como militares.937 Segundo Carone, a condenação acirrou os ânimos e ensejou uma nova tentativa revolucionária. Enquanto as tropas articuladas pelo General Isidoro Dias Lopes, com o apoio de Nilo Peçanha, tomavam a capital paulista, em território mineiro, Raul Soares, mesmo enfermo, tornava-se “o líder da contrarrevolução”. A fim de imprimir agilidade às informações, tática de guerra, Soares mandou instalar no Palácio da Liberdade uma estação telegráfica para a comunicação direta com o Catete, e para a interceptação das mensagens das forças rebeldes. A estratégia principal foi organizar e movimentar as tropas militares de Minas, para difundir a ideia de prontidão ao combate e zelo pela ordem.938 A garantia da situação mineira foi fundamental, principalmente após a união das tropas de Dias Lopes com as forças revolucionárias organizadas pelo tenente Mário Fagundes Portela e pelo Capitão Luís Carlos Prestes. Para combater a Coluna Prestes, Bernardes lançou mão de todos os recursos disponíveis, Exército, Forças Públicas Estaduais; padres, coronéis, jagunços, caudilhos e até do Lampião, a quem forneceu armamentos e o título de capitão do Exército Brasileiro. A dificuldade estava no elemento surpresa da mobilidade e do deslocamento. Ao se internar na Bolívia, em fevereiro de 1927, a Coluna se desfez.939 À força, Bernardes conseguiu debelar esse eixo de oposição, mas ele se manteve no horizonte, apenas aguardando o momento de despertar. Ao final da década, o tenentismo tornou-se moeda de troca à peso de ouro. Numa das ironias comumente presentes nos conchavos políticos, Bernardes e o Tenentismo foram recolocados no mesmo palco, desta vez como aliados na Aliança Liberal. O outro ator político com o qual Bernardes foi obrigado a negociar foi a classe trabalhadora. A designação “povo sensato e trabalhador” de seu discurso, acreditamos, é uma tentativa de neutralizar as tensões com o operariado. A organização dos trabalhadores foi um dos traços marcantes da Primeira República. Conforme Cláudio Batalha, a imprensa operária ressaltou constantemente que a esperança de melhoria das condições da categoria com o advento da República foi frustrada. Entre as respostas que a desilusão ensejou, destacamos a amparada no positivismo, cooperativismo e sindicalismo reformista, que reivindicava direitos sociais sem questionar o sistema político vigente.940 Esta última vertente foi habilmente 937 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 938 CARVALHO, Raul Soares, um líder da República Velha, op. cit., p. 273-277. 939 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit. 940 As outras duas foram a dos anarquistas e sindicalistas revolucionários, que negavam a política institucional em sua plenitude; e a dos socialistas e setores mais politizados do sindicalismo reformista, que pregava a conquista articulada de direitos políticos e sociais. BATALHA, Cláudio. Formação da Classe Operária e Projetos de Identidade Coletiva. In: DELGADO & FERREIRA, O Brasil Republicano... op. cit., p. 173-174. 280 manejada por Bernardes a partir da política de cooperativização, uma antiga aliada do pensamento pinheirista. A pressão para a elaboração de um código trabalhista aumentou nos meses que antecederam a Greve Geral de 1917, dentro do próprio Legislativo. O primeiro projeto de criação de um departamento nacional do trabalho partiu do deputado federal e renomado socialista, Maurício de Lacerda, em maio do referido ano. Apesar de aprovado pelo Decreto nº3.550, de 16 de outubro de 1918, e da assinatura do Tratado de Versalhes (1919), no qual o Brasil se comprometia a assegurar os direitos e benefícios do trabalhador, o departamento ficou letra morta, graças a resistência de empresários e industriais.941 Quando Presidente de Minas, Bernardes já havia expressado contentamento pela “grande obra do Governo Federal” da aprovação do regulamento da lei n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919, sobre as obrigações resultantes dos acidentes no trabalho.942 Em 1923, com vistas a organizar o trabalho e a previdência social, “objeto de especial e crescente atenção dos poderes públicos em todas as nações civilizadas”, Bernardes criou o Conselho Nacional do Trabalho. O órgão era, nos dizeres dele, de suma importância para a defesa da organização econômica. Uma das funções do Conselho era realizar inquéritos metódicos e levantamentos sobre as medidas e reformas necessárias a serem incorporadas pela legislação social. O órgão vinha, ainda, atender os compromissos assumidos pelo Brasil como membro da Organização Internacional do Trabalho. Para compô-lo, seriam escolhidos representantes de associações operárias e patronais, especialistas em questões econômicas e sociais, e diretores dos serviços públicos em cargos ligados aos problemas do trabalho e da previdência social.943 Nos anos seguintes, Bernardes dá notícias de que o Conselho vinha funcionando regularmente como um “importante serviço” na organização do trabalho e fiscalização das leis correspondentes. Entre as ações, destacava o início dos inquéritos de operários nas fábricas e outros estabelecimentos para verificar a situação de trabalho no país; e as consultas para execução da lei das Caixas de aposentadorias e pensões dos ferroviários, colocadas sob a responsabilidade do órgão pelo Decreto nº5.109, de 20 de dezembro de 1926944. Era, segundo ele, interesse do CNT a regulamentação do Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923945, sobre 941 KORNIS, Mônica. CONSELHO NACIONAL DO TRABALHO. In: ABREU, Dicionário Histórico- Biográfico..., op. cit. 942 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919. 943 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923, p. 174. 944 BRASIL. Decreto nº5.109, de 20 de dezembro de 1926 - Estende o regime do decreto legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923, a outras empresas. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 945 BRASIL. Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 – Cria, em cada uma das empresas de estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 281 a criação de caixa de aposentadorias e pensões para as empresas de estradas de ferro do país. A lei de acidentes de trabalho já prestava “bons serviços”, mas precisava modificar alguns dispositivos, de modo que o Conselho remeteu à Comissão de Justiça do Senado um projeto para reformá-la e incluir os operários, empregados do comércio e agricultura. A Lei de férias aos empregados do comércio e outras atividades do trabalho foi sancionada pelo Decreto 4.982, de 24 de dezembro de 1925,946 regulamentada pelo Decreto nº17.496, de 30 de outubro de 1926947, e deveria ser fiscalizada pelo Conselho.948 Para Boris Fausto, este cunho regulatório é apenas uma das faces da ação desencadeada pela onda grevista de 1917-1920. O aspecto que predominou foi o repressivo espraiado em frentes variadas: atividade sistemática nas sedes sindicais, sobretudo as que tendiam para o anarquismo; recrudescimento da legislação; e campanha nacionalista contra os militantes estrangeiros. Em termos de regulamentação, a ação foi ocasional, privilegiando áreas estratégicas para a produção agrícola, como as caixas de aposentadoria e a pensão dos ferroviárias; e postergatória para toda medida que fosse mais incisiva. De maneira geral, afirma o autor, o CNT foi permissivo quanto à não-aplicabilidade de leis, como a de Férias e o Código de Menores, funcionando mais como um “lobby industrial”.949 Teria sido este o motivo do esforço bernardista para que o Executivo fosse autorizado a conceder empréstimos para a criação de cooperativas de consumo, “destinadas a animar o desenvolvimento do espírito de cooperação nas classes trabalhadoras”?950 Astrogildo Pereira foi um dos primeiros a denunciar as “manobras suspeitas” do governo. De acordo com o fundador do Partido Comunista do Brasil, o CNT era um dos três fatos que ilustravam a articulação de agentes do capitalismo para “estabelecer um cordão de isolamento em torno do proletariado, subtraindo-lhe à influência revolucionária”.951 No entender de Angela de Castro Gomes, com a qual corroboramos, é exagero afirmar que o projeto político de Bernardes era uma tentativa de cooptação do movimento operário. A autora defende que o sindicalismo cooperativista, que já existia no Rio, foi ampliado pela ação combinada da repressão com a concessão promovida pelo governo bernardista, que aumentou o espaço para 946 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 202), 1925 (p. 202), 1926 (p. 250-252). 947 BRASIL. Decreto nº17.496, de 30 de outubro de 1926 – Aprova o regulamento para a concessão de férias aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários e outros. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 948 KORNIS, Mônica. CONSELHO NACIONAL DO TRABALHO, op. cit. 949 FAUSTO, Boris. Estado, Classe Trabalhadora e Burguesia Industrial (1920-1945): uma revisão. Novos Estudos, n. 20, março, 1988, p. 09. 950 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 202. 951 PEREIRA, Astrogildo Apud GOMES, Angela Maria de Castro. A Invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: FGV, 2005, p. 146. 282 o debate entre as diferentes correntes políticas do movimento operário. A repressão policial e o associativismo patronal recolocavam no centro das discussões a questão da organização sindical, e todas as problemáticas que lhe eram próprias, como o “dilema da neutralidade”, o grau de interação entre sindicato e movimento operário, e entre sindicato e engajamento político (leia-se anarquista).952 Fausto nos lembra que repensar o associativismo implicava confrontar as grandes linhas ideológicas da corrente organizatória do movimento operário, muito particularmente as de cunho libertário. O anarquismo pregava a adesão dos trabalhadores a associações livres, provenientes da luta econômica, sem o concurso do Estado ou do patronato, como resultado da “evolução da consciência dos setores explorados da sociedade ao nível libertário”. Deste “tronco comum”, desdobraram-se variados direcionamentos. O mutualismo de Proudhon buscava substituir o capital e o Estado capitalismo por uma grande federação de comunas e cooperativas de trabalhadores; o anarcocoletivismo, ou sindicalismo operário, de Bakunin defendia a associação com a coletivização dos meios de produção e, se necessário, o uso da violência, bem como a ação emancipadora do sindicato sobre a sociedade; o anarcocomunismo de Kropotkin, questionava as duas anteriores, condenava a violência, e pregava a substituição do critério de trabalho pelo de necessidade na distribuição de bens e serviços, abolindo-se o salário.953 O principal contraponto a estas vertentes radicais foi a proposta moderada defendida por Sarandy Raposo. Ligado ao Ministério da Agricultura e ao Arsenal da Guerra, ele começou a desenvolver as ideias sobre o cooperativismo desde o início do século XX. Em 1920, o governo federal o convidou para coordenar feiras-livres, zonas francas, sindicatos e cooperativas, e passou a aplicar suas teorias. Em março de 1921, Sarandy fundou a Confederação Sindicalista Cooperativista Brasileira (CSCB), cujo ímpeto coincide com o momento em que ele assumiu a orientação da coluna “Seção Operária”, do jornal O Paiz. O sindicalismo cooperativista de Sarandy rechaçava a ação violeta e propunha um acordo equitativo entre capital e trabalho, com um programa de defesa de “uma transformação social lenta e segura – evolutiva, portanto segura – dentro dos postulados da ordem política e do progresso econômico”.954 A aliança CSCB/Sarandy-O Paiz rendeu textos que traçavam um trágico panorama para a classe operária: subordinação a um contexto de péssimos salários e condições de vida e trabalho, em que o 952 GOMES, A Invenção do trabalhismo, op. cit. 953 FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social: 1890-1920. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 181-184. 954 GOMES, A Invenção do trabalhismo, op. cit. 283 “Estado é omisso, o poder legislativo desinteressado e os políticos corruptos”. A salvação? A união dos líderes, o “congraçamento de todos”. Na apreensão de Maria do Rosário da Cunha Peixoto, o dilema que se colocava às classes operárias era a “paz” da CSCB ou a exploração e a pobreza da realidade.955 Para nós, este “paraíso”, para utilizar a expressão de Peixoto, que a CSCB propunha, de congraçamento das classes, da convivência pacífica e solidária entre patrão e proprietário, era um instrumento importante não de cooptação, mas de neutralização de conflitos do período bernardista. Todavia, o que frisamos como ainda mais pertinente no direcionamento tomado por Arthur Bernardes para solucionar o conflito com o movimento operário, é que a proposta de Sarandy acenava a possibilidade de materialização de um princípio básico do pensamento de João Pinheiro: a união das classes produtivas em torno do ideal comum de modernização econômica. Portanto, a CSCB parecia cumprir duas funções ao mesmo tempo: a união para a pacificação, e a cooperação para a produção. Em outras palavras, como explica Gomes, quando destrinchamos o verbo da proposta de “incorporação da classe trabalhadora à sociedade e ao Estado” de Sarandy Raposo, conclui-se que o “incorporar” significa “interessar na manutenção da ordem e progresso, dando interesses nos frutos do trabalho”.956 Ora, se retornarmos à justificativa de Bernardes para prorrogação do estado de sítio, veremos que eram justamente estes fatores que ele apresentava como ameaçados pelos “perturbadores profissionais”. No discurso, Bernardes busca manipular as agitações políticas e sociais a seu favor; o esforço é para depurar muito bem quem seriam os verdadeiros causadores das convulsões, por isso a diferenciação entre o “povo ordeiro” e a “imprensa bem orientada”, e aqueles que eram os “inimigos” da paz pública. Bernardes fez em 1923 o que Soares já indicava como necessário um ano antes: “apontar à Nação os verdadeiros criadores desse estado de coisas, os técnicos da agitação, os que urdiram a trama, os que compuseram e utilizaram as forças de desagregação e revolta (...)”.957 A verdade é que, no processo de identificar o papel que cabe aos seus opositores, Bernardes igualmente se apresenta “como um sujeito falante [que] tenta se apoderar do papel que lhe convém”. Ele é o guardião da República, da moral e dos bons costumes. Se os rebeldes são inimigos “de todas as classes”, o problema não está no governo (ou na figura de Bernardes). Este, ao contrário, é a solução, é quem garante a “presteza” e a “segurança” via um 955 PEIXOTO, Maria do Rosário da Cunha. A classe operária: uma temporada no paraíso - Rio de Janeiro, 1923- 1924. Projeto História (PUCSP), EDUC / SESU, vol. 07, fev., 1987, p. 91-126. 956 GOMES, A Invenção do trabalhismo, op. cit., p. 150. 957 SOARES, Discurso em defesa do Estado de Sítio, op. cit., p. 316-317. 284 dispositivo legal, que não era arbitrário, posto que seus limites estavam assegurados pela Constituição, a Carta Magna, a conquista republicana. Nelson de Senna estava ausente na sessão que votou pela continuidade das medidas excepcionais do estado de sítio, em 1924, mas, na sessão seguinte, fez questão de registrar o seu posicionamento. “Como brasileiro”, teria subscrito, e subscreveria o quanto fosse necessário, a decisão de manter o dispositivo de exceção, pois, segundo ele, o momento era “gravíssimo”, de “torvas apreensões para todos os patriotas”. Inspirado pelas palavras de Francisco Campos no plenário, para Senna era preciso “afirmar ao país que toda a energia e toda a concentração de patriotismo eficiente são poucas para reprimirmos a audácia desses golpes inomináveis”, que “fazem estremecer nos seus alicerces a própria civilização brasileira e fazem com que nossos antepassados, pioneiros luminosos do progresso, no Brasil, de seus túmulos se arranquem”. Num momento em que “a América proclama e faz triunfante novos ideais de democracia”, o Brasil se via tolhido por “estes compatrícios desnaturados que apunhalam, em um atentado infernal, a própria mãe comum, a terra sagrada do Brasil, estabelecendo um retrocesso para a nossa pátria”. Dizendo-se amparado pelos dizeres de Campos, defendia o estado de sítio como a celebração da vontade da pátria, formada em um único bloco de “concerto harmônico da Federação”, constituindo tão somente “a expressão de nossa subserviência à vontade da lei, é apenas a expressão da nossa necessária submissão aos ditames constitucionais”.958 Com seu discurso, Nelson de Senna respaldava a fala bernardista de que, se o “estado de sítio” era garantido por lei e não deveria “causar alarme”, ele poderia durar o quanto fosse necessário. Avaliamos que o motivo de Bernardes ter deixado o limite de tempo em aberto era para ter flexibilidade para estendê-lo, caso demorasse para conseguir institucionalizar e constitucionalizar os dispositivos capazes de impedir a propaganda que “corroía” o seu “capital simbólico”. Pairava a ideia de que a origem do ciclo revolucionário contra o governo “residiu na ação deletéria da imprensa”. Logo após o 18 do Forte ter sido debelado, ainda no governo de Epitácio Pessoa o senador paulista Adolfo Gordo já havia proposto um projeto de lei para regulamentar a liberdade de imprensa. A ele se opôs o senador Irineu Machado.959 Quando assumiu a presidência, Bernardes retomou o tema. O pontapé foi dado na primeira Mensagem enviada ao Legislativo, na qual propunha uma lei de imprensa. O objetivo, dizia Bernardes, não 958 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 10 de julho de 1924. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 303-304. 959 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit. 285 era cercear o uso da liberdade, parte importante das “conquistas liberais inscritas na nossa Constituição”, e sim coibir os abusos, as irresponsabilidades, “a perversão de costumes”. a) Reforma Constitucional de 1926 Arthur Bernardes manobrava com a ideia de que os mecanismos de desterro e detenção, previstos pelo estado de sítio, eram reativos, mas não preventivos. Segundo Carone, antes mesmo que os trabalhos fossem iniciados no Congresso, o que estava previsto para 03 de maio de 1923, o governo já havia começado a agilizar o processo de revisão constitucional.960 Para Bernardes, os 35 anos de vida republicana já eram suficientes para testar e sanar as irregularidades de leis que foram criadas com “idealismo entusiástico e generoso, por homens que não tinham experiência e o conhecimento prático da nova forma de governo”, mas que são “pouco adequadas ao nosso país, à nossa raça, à nossa índole, à nossa cultura social e política”. Da forma como foi elaborada, a Constituição “desarmou o governo para defender convenientemente a ordem”, o que o levou a curta vida republica a já apelar para 8 dos 9 períodos presidenciais em estado de sítio, exagerar na autonomia estadual, colocar os interesses individuais acima dos coletivos, entregar as riquezas essenciais à defesa da nação.961 Apesar de garantir que não carregava a ideia de revisão da Constituição, Bernardes acreditava que esta era uma questão em aberto diante da constatação de que alguns males só poderiam ser solucionados dessa forma. Para ele, alguns preceitos deveriam ser revistos, tais como: a garantia do equilíbrio orçamentário e “boa ordem” das finanças; proibir a reeleição de presidentes e governadores; tornar o contato dos estados com a União mais imediato, preservando-lhe a autonomia, mas obrigando-os a informar o governo federal sobre sua administração e finanças; permitir o veto parcial, de modo que leis necessárias não deixassem de ser executadas pelas contrariedades do Poder Executivo; reformar a justiça federal, com a criação de juízos e tribunais regionais; limitar as ações do Instituto do habeas corpus; restringir a liberdade de comércio quando o que estiver em debate são os “altos interesses do país” ou a formação de trustes (aqui certamente está pensando no caso Itabira-Iron); relativizar a igualdade de direitos entre estrangeiros e nacionais; estabelecer um regime intermediário entre o ultra liberal da Constituição e o regaliano para reger a propriedade e exploração das minas, encontrando a solução mais conveniente ao bem público e ao interesse privado em relação à 960 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit. 961 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925. 286 pesquisa, descoberta e exploração, o que incluía assegurar ao proprietário do solo a participação nos lucros e rendimentos.962 Pela Constituição de 1891, para que uma reforma constitucional fosse viabilizada, o Congresso nacional, e somente ele, deveria apresentar um projeto, acordado por, no mínimo, a quarta parte dos membros da Câmara e do Senado, e pela maioria dos votos das Assembleias Legislativas de 2/3 dos Estados da Federação. Para dar conta da missão reformista que Bernardes atribuiu aos parlamentares na Mensagem de 1924, a Câmara articulou um adendo ao seu Regimento Interno, com a definição do funcionamento da Comissão dos 21,963 responsáveis pela elaboração do projeto; o estabelecimento de três discussões normais e duas extraordinárias; a limitação do tempo total das discussões e do específico disponível a cada deputado nos debates; e o condicionamento da quarta parte dos membros da Câmara para que uma emenda fosse posta em discussão pela Mesa, e de 2/3 dos deputados presentes à votação para que fosse acatada. Com esses mecanismos, atenuava-se a oposição e aceleravam-se os debates. No ano seguinte, o Senado acompanhou o direcionamento da Câmara, excluindo de seu Regimento interno a cláusula que permitia a qualquer parlamentar apresentar emendas, e incluindo a o condicionamento da quarta parte para a aprovação.964 Para Marly Martinez Ribeiro, tão meticulosa quanto os preparativos, a tramitação da proposta de reforma constitucional fez uso de “vários mecanismos estranhos ao andamento normal dos trabalhos legislativos”. Após as votações em primeira discussão, a Mesa da Câmara recebeu um novo projeto, assinado por 112 deputados, alterando novamente os itens do Regimento Interno que interessavam à reforma, como a redução do tempo de encaminhamento da votação, e a prescrição de emendas substitutivas às já aprovadas. No Senado, a movimentação de reforma regimental e eleição da Comissão Especial dos 21965 ocorreu de maneira semelhante para receber a proposta de reforma constitucional. A retirada de 70 das 76 962 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 05-07. 963A Comissão dos 21 deputados, eleita em sessão da Câmara, de 30 de julho de 1924, foi composta por: Adolpho Konder, Alves de Castro, Annibal de Toledo, Armando Burlamaqui, Arthur Collares Moreira, Bernardes Soares, Getúlio Vargas, Herculano de Freitas, João Mangabeira, Juvenal Lamartine, Luís Silveira, Manoel Duarte, Monteiro de Souza, Moreira da Rocha, Nicanor Nascimento, Plínio Marques, Prado Lopes, Solidônio Leite, Vianna do Castello e Tavares Cavalcanti. BRASIL. Sessão de 30 de julho de 1924. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit. 964 RIBEIRO, Marly Martinez. Revisão Constitucional de 1926. Revista de Ciência Política, dezembro, 1967, p. 65-114. 965 No Senado, a Comissão dos 21, eleita em 27 de outubro de 1925, foi composta por um representante de cada estado da federação: Adolpho Gordo, Affonso de Carvalho, Antonio Massa, Aristides Rocha, Bernardino Monteiro, Bueno de Paiva, Cunha Machado Eurípedes de Aguiar, Fernandes Lima, Ferreira Chaves, Hermenegildo de Moraes, José Thomé, Lauro Müller, Lopes Gonçalves, Luiz Adolpho, Manoel Borba, Miguel de Carvalho, Paulo de Frontim, Pedro Lago, Souza Castro e Vespúcio de Abreu. BRASIL. Sessão de 27 de outubro de 1925. Coleção Anais da República – Senado, op. cit. 287 emendas por parte da maioria indica, para a autora, a pressa de Bernardes em aprovar a reforma “e sua prepotência face ao Legislativo”. A hipótese da autora é que ele buscava concretizar as mudanças durante o mandato da 12ª legislatura, no triênio 1924-1926. Assim, enquanto a minoria tentava postergar ao máximo a fase de tramitação das propostas, a maioria, numa orientação do próprio Catete, “para compensar esse tempo ‘perdido’, quando se manifestava, o que raramente acontecia, buscava o horário destinado ao expediente”.966 Isso explicaria, por exemplo, o posicionamento de Nelson de Senna. Ele não se envolveu diretamente nos debates, o que, levando-se em consideração sua atuação como parlamentar, era algo absolutamente atípico. A indicação que temos de sua opinião está na declaração de voto, presente em seu arquivo pessoal. O texto é revelador do alinhamento preciso com os ideais reformistas de Bernardes. Na tarefa de engrandecer e fortalecer a União, o que era a “expressão mais completa da finalidade histórica e social da República”, Senna declarava: “votarei com prazer por tudo quanto vier na projetada reforma constitucional”. Para ele, já era “tempo de melhor fortalecer a união federal, dando-lhe, dentro da Constituição maiores elementos de vida política e mais seguras fontes de receita permanente”. Se a intervenção do governo federal na vida interna e nos negócios peculiares dos Estados federativos deveria ser melhor posta e redigida, era para impedir que um Estado, pelo “desgoverno de suas finanças” ou pela “má direção de sua vida administrativa”, levasse ao descrédito um país inteiro.967 À primeira vista, Nelson de Senna dizia o oposto do que defendeu no plenário mineiro, em 1920, quando ainda era deputado estadual, sobre a reforma da Constituição Estadual. Naquele momento, Bernardes apenas tangenciou o assunto em suas Mensagens como Presidente de Minas, ao passo que Senna se dizia deveras preocupado com a quebra das “armas da liberdade” pelo “despotismo absorvente do Estado moderno”. Ele, que como seus colegas de parlamento, foi formado “ao calor das lições dos propagandistas republicanos”, que ajudou a “seduzir” o “povo brasileiro com o advento do novo regime exatamente para que melhor e com mais elastério da autonomia comunal caminhasse o país na senda dos progressos materiais e morais”, agora via as conquistas liberais no terreno político serem ameaçadas “pelos interesses do Estado tirano, do Estado monopolizador”. Ele, que “abominava” a intolerância em política e religião, temia que “nesse caminho errado de dilacerar e rasgar as conquistas e foros políticos, hoje das Câmaras municipais e amanhã, talvez, do nosso próprio Poder Legislativo, chegaremos em breve até mesmo à imprudência da aclamação tirânica de um chefe de Estado”. Desta maneira, justificava o voto contrário ao art. 09, do projeto nº 13, que estabelecia maior 966 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 967 APCBH – NCS 4 (32) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 288 autonomia administrativa e financeira para as prefeituras, a despeito dos argumentos de Francisco Campos, seu colega de bancada e um dos defensores da cláusula.968 Como explicar que o “liberal” de 1920 tornou-se contrário à autonomia municipal e favorável à centralização autoritária em 1926? Na mão contrária, o que teria feito o autoritário do final dos anos 1920 ter votado a favor da “descentralização” no início da década? Os papeis estariam invertidos? Os liberais se tornaram autoritários e vice-versa? No debate com Nelson de Senna, Francisco Campos expôs os motivos pelos quais se dizia defensor da autonomia municipal. Para Campos, “a divisão da sociedade em classes impede a livre e igual participação dos indivíduos na gestão da coisa comum, ainda, a administração circunscrita, de certa maneira, ao círculo dos interesses privados”. O Estado moderno foi quem permitiu que esta igualdade política e civil fosse novamente possível. A autonomia municipal faria da prefeitura parte ativa no conjunto do Estado, fundamental no esforço de unificação e incorporação de todos os poderes disseminados pelos interesses privados dos governos locais. O município não era um organismo avulso, mas constituinte do aparelho estatal. Sua autoadministração era “útil e necessária” para extinguir da distinção entre Estado e Estados, e para descongestionar a máquina administrativa, tornando-a mais eficiente. Para Senna, faltavam profissionais aparelhados, experimentados e capazes de exercer “o papel de gestores da fortuna dos municípios, de administradores da vida comunal, em nome do estado, como delegados direto do Executivo”.969 O contraste dos argumentos é apenas aparente. Campos queria a unificação em torno do Estado, sob o pretexto da descentralização; e Senna buscava manter rígidos e estreitos os vínculos com o centro de poder do Executivo e Legislativo estaduais sob a justificativa de que a liberdade republicana estava ameaçada. O que as alegações indicam é que em 1919 e 1920, anos de debate da reforma da Constituição do estado, já é possível perceber em Minas componentes argumentativos básicos do autoritarismo da segunda metade da década. Em 1920 como em 1926, Senna colocava o Direito (isto é, a unidade das leis) ao lado da língua e da religião, como “um grande vínculo de unidade nacional”.970 A liberdade deveria ocorrer na unidade, e o progresso dentro da ordem. As argumentações de Senna e de Campos vêm ao encontro de um ponto para o qual Ribeiro chama a atenção. Na Constituição de 1891, momento de consolidação do regime federativo republicano, houve toda uma preocupação 968 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 10 de agosto de 1920, p. 346-352. 969 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 8ª Legislatura. 23ª sessão ordinária, aos 10 de agosto de 1920, p. 346-352 e 867-873. 970 APCBH – NCS 4 (32) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 289 acerca do uso da expressão “república federativa”, a fim de prevenir qualquer termo que indicasse obstáculo à autonomia dos Estados. Em contrapartida, na reforma de 1926, a palavra de ordem era “integridade nacional”, o que já indicava o esforço de centralização. A mudança dos Regimentos Internos, como instrumento de pressão sobre o Legislativo, “traduzia simplesmente a tendência natural do sistema presidencialista no Brasil, que caminhava para uma centralização cada vez maior em favor do Executivo”. No caso da proposta de 1926, explica Ribeiro, tudo leva a crer que as linhas gerais partiram do próprio Arthur Bernardes, o que a tornava “inconstitucional” desde o início. Nas dependências do Catete, Bernardes se reuniu com senadores e líderes de bancada na Câmara; além de lançar mão dos instrumentos da Política dos Governadores, fechando a questão com os Estados, que ficavam responsáveis por controlar a oposição de seus representantes no Congresso Nacional.971 Digno de nota é o fato de que os trâmites da reforma constitucional tenham se dado após a morte de Raul Soares. Seria ele favorável ou contrário? Em 1904, o político de Ubá havia manifestado que os problemas nacionais eram resultantes “das fatalidades hereditárias da monarquia” e não da Carta de 1891. De acordo com Soares, a primeira Constituição republicana legou ao país o que lhe cabia, isto é, instituições livres e garantias políticas. Se havia problema, ele estava naqueles que não a praticavam, bem como nos reformistas, “ludibriados” pelo spencerianismo, pela “crença na onipotência dos parlamentos, na eficácia intrínseca, na virtude substancial de suas leis”, de que “para julgar a nossa crise política bastava um traço de pena, um ato do Parlamento, uma nova constituição”. Para ele, tratava-se de um “fetichismo absurdo pela eficácia das leis e esse espantoso paralogismo de querer um governo perfeito em um país moralmente imperfeito”. Pelo texto dos anos iniciais do século XX, sua posição era de que “republicanizar a República” deveria pautar-se em “educar civicamente” o povo, posto que a ação da lei era limitada. É difícil precisar se, na década de 1920, Soares teria mudado de ideia quanto a “utopia da perfeição humana” que confundia o Direito com a moral. Tendo em vista que ele dizia não ser “inimigo de qualquer reforma”,972 e foi um dos principais defensores da permanência do estado de sítio, pode-se supor que o curso “natural” seria se afastar paulatinamente do liberalismo em prol de um nacionalismo centralizador, advogando em favor da revisão constitucional em meio às profundas agitações sociais vintistas, como o fizeram Bernardes e Senna. 971 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 972 SOARES, Raul. Conferência no Clube Republicano. In: GUSTIN, Fádua Maria de Souza & GOMES, Maria do Carmo Andradre (orgs.). Memória Política de Minas Gerais. Raul Soares de Moura, op. cit., p. 67-77. 290 Para uma parte da historiografia, com poderes excepcionais garantidos pelo estado de sítio, Bernardes usou a reforma constitucional para agir contra os oposicionistas. Segundo Carone, de maneira coercitiva, Bernardes conseguiu, de fato, promover várias das “reformas reacionárias” apontadas acima, como a restrição de direitos individuais e de habeas corpus, a exclusão do julgamento por júri no caso de criminosos políticos exilados, o fim das reeleições estaduais nos estados cuja Constituição permitia (Rio Grande do Sul, Alagoas, Paraná e Santa Catarina), veto parcial à criação de juízes e tribunais regionais, “degola” dos deputados e senadores oposicionistas, e sanção da Lei de Imprensa, havia algum tempo intentada por Epitácio sem a aprovação do Congresso, e que Bernardes colocou como condicional ao fim do estado de sítio.973 Para Wilson Cano, a Reforma Constitucional de 1926, sintetizava o aparato repressivo bernardista: fortaleceu o Poder Executivo federal, expandiu o poder de intervenção nos Estados, impediu recursos judiciários contra o Estado de Sítio, regulamentou a perda de mandatos e a expulsão de estrangeiros.974 Entre os contemporâneos, afirma Ribeiro, a ideia de revanchismo não foi predominante. A oposição questionava sobre a mudança repentina de comportamento do presidente que, quando candidato, no banquete da Convenção, afirmou que estava fora de cogitação qualquer iniciativa sobre a reforma do texto de 1891. A Mensagem ao Congresso Nacional, em 1924, “contrariava inteiramente” a plataforma da candidatura. No Legislativo, as opiniões sobre a mudança de postura se dividiam. Para o senador Paulo Frontim, seria uma reação à revolta do Forte de Copacabana; para o senador Adolpho Gordo, era uma medida há muito desejada pela população; para outros parlamentares da minoria, eram reflexos de negociações do governo com o capital inglês para conseguir empréstimos de consolidação da dívida flutuante, cujo representante principal era a “Missão Inglesa” que visitou o Brasil em 1924.975 Por fugir ao senso comum da historiografia do período, cumpre-nos avaliar melhor esta hipótese. Pouco abordada pelos estudiosos da Primeira República, a “Missão Inglesa” foi uma das várias missões econômicas que o Brasil recebeu na primeira metade do século XX. O contexto era de pós-euforia da belle époque, de perda da confiança no progresso contínuo e sem choque do pós-guerra, mas também de persistência do otimismo na aceleração das atividades econômicas. O desafio, segundo Mircea Buescu, era como reorganizar o sistema integrado do mercado comercial e financeiro mundial, “abalado” por alterações estruturais e pelo surgimento de Nova Iorque como um novo centro financeiro internacional, em franca concorrência com 973 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit., p. 37. 974 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 84. 975 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 291 Londres. O conflito mundial gerou preocupações sobre os desequilíbrios monetário, financeiro e cambial, em especial a generalização de processos inflacionários, incompatível com o retorno do padrão-ouro e a intrínseca exigência de uma política deflacionária. No Brasil, o Relatório do Banco do Brasil, de 26 de abril de 1924, evidenciava o agravamento considerável da situação cambial e o déficit orçamentário em 1923.976 Foi neste momento que o Brasil recebeu a Missão Montagu. Apesar de não ter caráter governamental, ela foi chefiada por Edwin Samuel Montagu, ex-ministro de Estado inglês, e teve como membros Charles Addis, diretor do Banco da Inglaterra e presidente do Hong-Kong and Shangai Bank; o empresário do ramo algodoeiro, Lord Lovat; o economista e jornalista do The Economist, Harthey Withers; e o contador público e sócio de uma das maiores firmas inglesas de contabilidade e auditoria, William McLintock. Todos os nomes foram escolhidos pelo banqueiro Rothschild, que atuou como intermediário entre a missão e o governo brasileiro. De janeiro a fevereiro de 1924, tempo em que permaneceu no Brasil, os ingleses realizaram “estudos sistemáticos, conscienciosos e profundos”, condensados em um relatório de 15 páginas, a partir de temas considerados prioritários para atrair a “razoável colaboração de capitais estrangeiros”.977 Para Alzira Abreu, as principais conclusões da missão partiram das negociações entre o Ministro da Fazenda, Sampaio Vidal, o Presidente do Banco do Brasil, Cincinato Braga, e Montagu. Numa visão econômica ortodoxa, a indicação foi “restaurar a situação financeira” do país, isto é, as finanças públicas, moeda, câmbio, comércio exterior e transportes.978 976 BUESCU, Mircea. A Missão Inglesa de 1924. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 21, n. 82, abr/jun, 1984, p. 173-186. 977 De acordo com Mircea Buescu, os relatores do Missão indicaram o saneamento financeiro como medida para “restaurar o crédito do Brasil”; a suplementação dos recursos necessários ao investimento via empréstimos externos; criação de empresas mistas (capital nacional e internacional) ou de participação tripartida (nacional, estrangeiro, federal ou estadual); garantia de recursos para o superávit; abolição de créditos especiais ou extraordinários; racionalização do orçamento; maior controle e eficiência de gestão das estatais; utilização de saldos na amortização da dívida pública; diminuição do funcionalismo público; redução dos investimentos públicos; a venda ou arrendamento de bens de propriedade governamentais para liquidação da dívida flutuante; o retorno ao padrão-ouro; criação de um banco central, livre da interferência governamental; estabilidade cambial via fortalecimento da balança comercial. Já Alzira Abreu destaca: a diminuição do excessivo endividamento externo de estados e municípios; a redução da política de sustentação dos preços do café apenas para ocasiões extremas; o estabelecimento de um tratado anglo-brasileiro que favorecesse a Inglaterra; a diminuição do valor total em libras quando da solicitação de empréstimos; a diminuição do excessivo controle do governo sobre o valor dos fretes ferroviários; a mudança do plano siderúrgico governamental, de estatal para misto de capital privado nacional com recursos externos; a modificação do regulamento do imposto de renda, com a inclusão das indústrias agrícolas e extrativas; e a possibilidade – aventada, mas não publicada – de influência dos banqueiros sobre a política financeira brasileira, com a venda de 52% da participação do governo no Banco do Brasil aos banqueiros ingleses. Ver: ABREU, Alzira Alves de. MISSÃO MONTAGU. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit.; BUESCU, A Missão Inglesa de 1924, op. cit. 978 ABREU, MISSÃO MONTAGU, op. cit. 292 No momento em que o governo buscava articular forças para realizar a reforma constitucional, o relatório da Missão, publicado pelo Diário Oficial em 29 de junho de 1924, foi recebido de maneira violenta pelos grupos de oposição e imprensa, num diagnóstico “considerado uma ingerência na vida do país. O Brasil estaria recebendo o mesmo tratamento que a Inglaterra dispensava às suas colônias”.979 Conforme Ribeiro, alguns parlamentares da minoria entenderam que, entre a Mensagem Presidencial de 03 de maio e a divulgação do documento Montagu, Bernardes teria tido tempo suficiente para apresentar as diretrizes de mudança no programa governamental como sendo de sua autoria e apressar a aceitação dos termos da Missão. O ponto central era de que o princípio federativo, da autonomia dos Estados, e as medidas restritivas à liberdade de comércio e crédito, embarreiravam as negociações com o capital inglês. A ordem pública, neste contexto, seria apenas um problema paralelo.980 Cabe indagar: a suspeita dos parlamentares se sustenta? Ribeiro deixa a questão em aberto. Para a autora, não é descabido pensar que Bernardes ocultou seu posicionamento revisionista no programa de governo como uma tática para não perder aliados para o seu opositor, Nilo Peçanha. Dentro da própria Convenção do Partido Republicano os quadros estavam divididos entres os favoráveis e os anti-revisionistas, muitos deles radicais. Da mesma forma, o problema do crédito era fundamental para Bernardes. Os argumentos são pertinentes, e é possível que alguns pontos tenham influenciado suas tomadas de decisão, como negativa ou assertiva, tanto que são identificáveis na reforma bancária e tributária firmemente implantada pelo Catete. Mas supor que Bernardes converteu seu programa de governo a partir das propostas de Montagu é ignorar os antecedentes de seu governo em Minas, especialmente no caso da Itabira-Iron. Para nós, Bernardes procurou dar continuidade, na instância federal, ao reformismo que ele protagonizou no PRM e no governo mineiro, um direcionamento condizente com a tendência reformista gestada na efervescência política e intelectual do Brasil de então. A Reforma Constitucional de 1926, a nosso ver, cumpriu dois objetivos bernardistas: foi um instrumento legitimador das medidas coercitivas destinadas aos seus opositores e a expressão máxima dos “procedimentos sofisticados”, destinados a realizar a modernização política sem “descartes categóricos e divisões maniqueístas”, de que nos fala Angela de Castro Gomes, referindo-se ao sentimento de crise dos anos 1920 por parte da elite política e intelectual.981 Portanto, uma modernização 979ABREU, MISSÃO MONTAGU, op. cit. 980 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 981 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 502. 293 conservadora do aparato jurídico-institucional, que vinha precedida e sucedida de uma série de medidas complementares. b) Reforma João Luís Alves-Rocha Vaz Seja como uma das características que Dulci identifica no desenvolvimentismo pinheirista ou como marca da década, fato é que a Educação, nos seus vários níveis, recebeu especial atenção no conjunto de reformas de Arthur Bernardes. De acordo com Jorge Nagle, em termos gerais, a Primeira República carecia de dispositivos constitucionais para um projeto amplo e sistemático para a educação nacional; de órgãos administrativos superiores, como Ministérios e Secretarias; de um plano nacional de educação; de um sistema escolar com disciplinamento interno; de escolas primárias; de esforço para a profissionalização da escola normal (ainda assistencialista); de uma escola secundária voltada para a educação da adolescência; de escolas superiores para a formação profissional variada (e não apenas tradicional); e de universidades de fato burocratizadas. A “matriz desse estado de coisas”, estava na persistência de uma estrutura agrária sustentada pela cafeicultura, de um sistema coronelista, e de uma estrutura social pouco diversificada, típicos da passagem para uma sociedade de formação capitalista.982 A Reforma educacional de 1925 tinha o objetivo de sanar estas sérias deficiências – sem, contudo, alterar substancialmente o status quo da classe proprietária. Três eram as principais vertentes em torno das quais a educação republicana oscilava na época: a liberal, federativa, descentralizada administrativamente, mas com a unidade política centralizada; a positivista, ultrafederalista, descentralizada política e administrativamente; e a autoritária, com o Estado intervencionista, centralização política e parcialmente descentralizada administrativamente.983 Esta última foi a que prevaleceu na política educacional bernardista, a despeito da crítica de intelectuais como Fernando de Azevedo, que imputavam a crise no sistema educacional brasileiro à tradição uniformizadora. Aprovada pelo Decreto nº16.782, de 13 de janeiro de 1925, a Reforma João Luís Alves-Rocha Vaz tinha como primeiro capítulo a criação do Departamento Nacional do Ensino, com a função de zelar pela execução do regulamento, bem como pelo “estudo e a aplicação dos meios tendentes à difusão e ao progresso 982 NAGLE, Jorge. A Educação na Primeira República. In: História Geral da Civilização Brasileira, vol. 9, p. 318. 983 CURY, Carlos Roberto Jamil. A Educação na Revisão Constitucional de 1926. In: FÁVERO, Osmar (org.). Educação nas Constituintes Brasileiras, 1823-1988. São Paulo: Autores Associados, 2001. 294 das ciências, letras e artes no país”. Ao Diretor Geral do DNE ficariam, a partir de então, imediatamente subordinados “todos os diretores de institutos de ensino e reitores de Universidades”.984 A constatação a que o governo chegava era de que as escolas secundárias careciam do caráter formativo pela própria ausência de escolas superiores voltadas para a “cultura desinteressada”, destinadas à especialização intelectual – filosófica, científica ou literária. Por isso, a Reforma autorizou a incorporação das Faculdades de Farmácia e Odontologia à recém- fundada Universidade do Rio de Janeiro; e a criação de universidades nos estados de Pernambuco, São Paulo, Bahia, Minas Gerais985 e Rio Grande do Sul. Foram também estabelecidos padrões para as escolas secundárias e superiores de todo o país. Os estabelecimentos estaduais deveriam ser equiparados ao Colégio Pedro II; e, para que este também servisse de molde aos exames de validade dos particulares, deveriam ser concedidas juntas examinadoras, compostas de 3 membros, com um inspetor nomeado pelo Diretor-Geral do Departamento Nacional do Ensino. Os exames preparatórios parcelados foram substituídos pela obrigatoriedade do curso ginasial seriado, com seis anos de duração e frequência obrigatória, a fim de que as matérias pudessem ser seriadas de maneira mais racional e os programas e horários de ensino organizados com maior conveniência.986 Para o secundário, foram incluídas as seguintes matérias: Literatura das Línguas Latinas; Francês; Inglês, Alemão (facultativo); Italiano (facultativo); Filosofia, História da Filosofia; Sociologia; Instrução Moral e Cívica; História Universal; História do Brasil; Geografia Geral; Corografia do Brasil; Cosmografia; Aritmética; Álgebra; Geometria e Trigonometria; Desenho; Física; Química; História Natural.987 O esforço era para que as escolas secundárias deixassem de ser um curso de preparatórios para se transformar em uma escola “verdadeiramente formativa”, um “preparo fundamental e geral para a vida”, como um “prolongamento do ensino primário para fornecer 984 Não é ocasional a Reforma receber o nome de João Luís Alves-Rocha Vaz. Pela lei de criação, o Departamento Nacional do Ensino subordinava-se ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, à cargo de João Luís Alves, ex- ministro das Finanças do governo de Bernardes em Minas. O Diretor Geral do DNE, escolhido por designação do governo, seria também Presidente do Conselho Nacional do Ensino, e poderia exercer as funções de Reitor da Universidade do Rio de Janeiro, desde que fosse professor catedrático de curso superior. Pela Reforma de 1925, a Universidade do Rio de Janeiro incorporou a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, justamente onde Rocha Vaz era professor. BRASIL. Decreto nº16.782, de 13 de janeiro de 1925 - Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e superior e dá outras providências. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados, op. cit. 985 O único estado a efetivamente criar sua universidade foi o mineiro, pela Lei nº956, de 1927, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 7.921, do mesmo ano. Ver: NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 986 BOMENY, Helena. REFORMAS EDUCACIONAIS. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 987 NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 295 a cultura média do país”.988 Tanto assim que a mudança mais paradigmática da Reforma João Luís Alves-Rocha Vaz foi a inserção da instrução moral e cívica no exame de admissão e no currículo do primeiro ano do secundário.989 Na concepção de Bernardes, a Constituição de 1891 separou Estado e Igreja, mas não substituiu eficazmente a educação religiosa pela educação moral que, segundo ele, era “elemento de felicidade, de progresso, de espírito de disciplina, de civismo e de solidariedade para qualquer povo”. Muito embora a tecnologia fosse fundamental para a “educação dos povos que marcham na dianteira da civilização”, afirma ele, foi um erro acreditar que o estudo das humanidades era um “desperdício de tempo”. A exemplo da Alemanha, cuja Constituição garantiu que todas as escolas promovessem o “desenvolvimento da educação moral, dos sentimentos cívicos e do valor pessoal e profissional, sob a inspiração de um alto espírito de nacionalidade e de reconciliação dos povos”, a sua constatação era de que os países mais desenvolvidos industrialmente eram os que demonstravam maior apreço pelos estudos clássicos. A reforma no ensino secundário, segundo Bernardes, visava garantir que os jovens tivessem “mais tempo no estudo e assimilação das humanidades”, o que incluía educação moral e cívica, e o estudo de filosofia, os quais considerava essenciais para “dirigir as operações do pensamento na aquisição dos conhecimentos e na verificação dos erros”.990 A afirmação de Bernardes está intimamente ligada aos variados direcionamentos que as propostas educacionais da Primeira República tomaram a partir de um mesmo diagnóstico: a educação como meio de “republicanização da República”. De acordo com Nagle, se os quinze primeiros anos do século XX foram “marcados por um comportamento desalentador dos poucos homens públicos que ainda conservavam a esperança inicial na difusão ampla de novos costumes e modos de pensar”, a partir de 1915 tem-se um novo entusiasmo pela educação, pelo desenvolvimento escolar via incorporação de uma orientação intervencionista ao Estado liberal. Os representantes desta corrente defendiam que, diante da constatação dos vícios do sistema oligárquico, a alfabetização surgia como meio para a população adquirir seus direitos políticos, e deixar de ser inculta e ignorante, situação até então sustentada “graças à ignorância popular, fruto da falta de patriotismo e da ausência de cultura ‘prática’ ou de formação técnica”. Para Nagle, este era um “movimento tipicamente estadual, de matriz nacionalista e principalmente voltado para a escola primária, a escola popular”.991 988 NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 989 HORTA, José Silvério Baía. A Constituinte de 1934: comentários. In: FÁVERO, Educação nas Constituintes Brasileiras, 1823-1988, op. cit. 990 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925 (p. 08), 1926 (p. 17). 991 Um dos pioneiros do movimento foi Olavo Bilac, cuja série de conferências sobre a “gravidade da nossa situação moral” deu origem à Liga de Defesa Nacional (1916). A liga defendia a correção pelo serviço militar (combatendo o perigo externo) e pela instrução (combatendo o perigo interno do depauperamento do caráter, do 296 A partir de então, diversas organizações e intelectuais dedicaram-se a pensar a correlação ensino – nacionalidade – progresso.992 Duas se destacaram não apenas pela atuação, mas por representarem correntes que monopolizaram a questão na Primeira República e se entrecruzaram. A primeira, de caráter cívico-nacionalista, foi a Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924, por um grupo de intelectuais ligados à Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Para a ABE, a organização nacional deveria ser realizada por meio da organização da cultura. A principal característica do discurso de seus membros era o poder de persuasão maniqueísta. O Brasil era dividido entre, de um lado, o povo doente, apático e degenerado; e, de outro, a elite cívica, idealista, dedicada às causas nacionais, que encabeça o povo ordeiro, laborioso e empenhado na produção de riquezas. O presente era visto como a catástrofe, a lástima, a condenação, a crise; o futuro poderia ser de glórias, regeneração, de constituição do verdadeiro povo brasileiro, mas o seu êxito está condicionado ao da campanha educacional, direcionada “elite esclarecida” do país. Fora desta mediação, tudo era caos.993 A segunda instituição, de caráter católico-civil-militante, foi o Centro Dom Vital, criado em 1922, por iniciativa de Jackson de Figueiredo. Como associação civil ligada à Igreja, em tese, seu objetivo era o estudo, debate e apostolado do catolicismo. Na prática, era resultado da percepção do clero de que a não influência cristã nas instâncias estatais abria caminho para a “atuação de elementos anticlericais na direção política do país”.994 Com vistas a aumentar a inserção da Igreja Católica tanto na sociedade quanto como instrumento de pressão sobre o Estado, o Centro Dom Vital foi diretamente apoiado por Dom Sebastião Leme, ex-bispo de Olinda e arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro. Dom Leme já havia tentado inserção na política, quando interveio em favor da anistia dos Revoltosos de 05 de julho de 1922, sem ser atendido por Arthur Bernardes. Mas, foi a partir do debate sobre a Reforma Constitucional de 1926 que o arcebispo buscou maior aproximação e influência sobre o Catete. Ele e Jackson iniciaram uma campanha pelo Centro Dom Vital para a aprovação de duas emendas:995 a da oficialização do catolicismo como religião da maioria do povo brasileiro aprovada sem grandes percalços; e a reintrodução do ensino religioso nas escolas públicas. Conquanto tenha sido barrada por uma patriotismo, etc.). Grupos mais agressivos de difusão dessas ideias também surgiram, como a Revista Brazílea (1917), e seus desdobramentos, a Propaganda Nativista (1919) e a Ação Social Nacionalista (1920). NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 992 CURY, A Educação na Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 993 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. Educação e Política nos Anos 20: a desilusão com a República e o entusiasmo com a educação. In: COSTA, Wilma Peres da & DE LORENZO, Helena de Carvalho (orgs.). A Década de 1920 e as origens do Brasil Moderno. São Paulo: Editora da UNESP, 1997, p. 115-132. 994 ALMEIDA, José Maria Gouvêa de & MOURA, Sérgio Lobo de. A Igreja na Primeira República. In: História Geral da Civilização Brasileira, op. cit., vol. 9, p. 367. 995 MOREIRA, Regina da Luz. LEME, Sebastião. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico..., op. cit. 297 diferença de 11 votos,996 o confronto entre laicidade e religião na educação, que a Carta de 1891 julgava resolvido, voltava à cena com impulso total. De acordo com José Silvério Horta, a questão do ensino religioso complementar à da educação moral e cívica esteve presente no Brasil desde o período jesuítico. Do Império para a República, a pergunta era: pode-se conceber ensino moral desvinculado do religioso? Se sim, como aplicá-lo? Os defensores do que se convencionou chamar “moral-ciência", eram, em grande parte positivistas. João Pinheiro, ao reformar o ensino primário em 1909, em Minas, julgou imprescindível essa separação. As reformas que o sucederam foram menos exigentes na defesa da moral-ciência, permitindo o ensino religioso nas escolas muito embora permanecesse o caráter leigo do ensino. A justificativa era de que a religião desempenhava papel fundamental na formação moral e cívica dos indivíduos, como afirmou Antônio Carlos na década de 1920. Em Minas, a ideia de moral como ciência positiva, apartada de elementos metafísicos ou teológicos, foi abandonada logo após a morte de João Pinheiro. No cenário federal, o debate reapareceu justamente por conta da Reforma Constitucional997 e da ação do Centro Dom Vital. Adoentado de hipotireoidismo, Dom Leme saiu de cena em 1926, retornando apenas em 1928. Nesse ínterim, Jackson Figueiredo persistiu conclamando a elite católica do país a combater a Revolução, que “nos seus princípios” era contrária à ordem social, com um “antídoto” de reação, de “contrarrevolução”, de ação no sentido oposto ao da Revolução.998 A historiografia entende a escalada do ultraconservadorismo na década de 1920 tanto como ação quanto como reação. Na concepção de Wilson Cano, a crescente mobilização da classe operária e o aumento dos conflitos entre os diversos setores da sociedade desencadeou um aumento do movimento conservador, “como mecanismo de defesa do sistema”. São exemplos as manifestações antissemitas e antilusitanas, a retomada do positivismo e do catolicismo, dos quais derivavam o integralismo e as campanhas contra a “democracia liberal”.999 Para Angela de Castro Gomes, estes fatos marcam o “amadurecimento de um conjunto de alianças que reunia ao lado da polícia e do patronato setores da elite política e intelectual da cidade, com franco apoio da Igreja Católica”. A maior tradução deste “novo jacobinismo” está no “revigoramento dos movimentos nacionalistas, que neste momento tinham nítido caráter militante e clerical”. A desconfiança xenofóbica e combativa do início do 996 CURY, A Educação na Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 997 HORTA, A Constituinte de 1934... op. cit. 998 CARVALHO, Educação e Política nos Anos 20... op. cit., p. 122. 999 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit. 298 século XX passou do português para um outro “alienígena”, o operário anarquista, e a Igreja deixou de ser suspeita para se tornar aliada.1000 Na essência do reformismo autoritário cabia tanto o pensamento católico, representado pela Carta Pastoral de Dom Leme (1926), segundo o qual os males do Brasil tinham raiz na “ignorância religiosa” da população; quanto o cívico-nacionalista, representado por Arthur Bernardes (e pela ABE), para quem a formação moral das futuras gerações eliminaria os males nacionais. Para Baía Horta, quem uniu essas duas visões foi Francisco Campos, a partir de uma concepção autoritária de Estado.1001 Tendo em vista que o momento em que Bernardes concluiu a sua reforma educacional e constitucional na União, em 1926, corresponde ao momento em que Campos se tornou Secretário do Interior do Presidente Antônio Carlos, pasta em que se consagrou como um reformador do ensino, convém indagar: não haveria pontos de contato entre ambas as reformas? Se sim, e admitindo que Francisco Campos realizou, como afirma Helena Bomeny, uma das leituras do movimento pedagógico da Escola Nova no Brasil,1002 o mesmo não poderia ser dito de Bernardes e da Reforma João Luís Alves-Rocha Vaz? Sociologicamente, explica Bomeny, o ambiente do escolanovismo era de formação do homo economicus, isto é, do “indivíduo moderno adaptado às exigências da divisão social do trabalho”. A responsabilidade do setor público era não apenas fomentar a formação deste cidadão livre e consciente, mas proteger as instituições de ensino de interesses particularistas e facciosos que impedissem esta formação. Francisco Campos, certo de que a crise dos anos 20 era “uma crise de natureza ética, reflexo da incapacidade das elites no poder incorporar, em seu sistema de dominação, os setores emergentes do país”, optou pelos princípios escolanovistas associados à retórica do Direito, da ordem institucional de formação do Estado nacional. Para ele, a educação, cuja aprendizagem se dava pela ciência, não pela prática, era “instrumento básico da modernização institucional”, tão importante quanto a reforma administrativa do aparelho estatal. A escola era lugar de igualdade de oportunidades, mas Campos pautava-se em um conceito de democracia que tomava a igualdade como sinônimo de homogeneização, de uma universalização por meio de mecanismos institucionais de controle e procedimentos burocráticos.1003 Ora, como ressalta Nagle, o esforço de centralização das escolas secundária e superior, por meio da padronização da educação, foi um ponto sintomático da Reforma João Luís Alves- 1000 GOMES, A Invenção do trabalhismo, op. cit., p. 130-137. 1001 HORTA, A Constituinte de 1934... op. cit., p. 146-150. 1002 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 130. 1003 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 128-135. 299 Rocha Vaz, que se expandiu para o ensino técnico-comercial, mas, apesar das tentativas, não conseguiu chegar às escolas primária e normal.1004 O ensino primário, ao qual se atribuía a capacidade de “modelar” o cidadão do futuro, que, pela Constituição de 1891 estava a cargo dos estados, passou a receber a intervenção do governo federal na reforma educacional de 1925. A partir da Reforma Constitucional de 1926, a promoção da educação primária passou a ser reivindicada pela União. Para Bernardes, a ideia não era nova. Em 1921 ele já considerava o problema da difusão da escola popular primária como o maior benefício que o poder público poderia conceder ao cidadão; uma questão que deveria primeiramente ser tratada no âmbito do município para que depois a União pudesse orientá-lo, coordená-lo e nacionalizá-lo.1005 A nosso ver, a tentativa de nacionalização da educação era uma forma não só de equacionar as discrepâncias regionais, mas de instituição de um Estado autoritário e centralizador. Conforme Carlos Cury, a ideia bernardista de uma direção nacional à educação, com um centro político que normalizasse a unificação do mercado, dava sentido à “defesa da escola única, universal, pois o mercado tendia à homogeneização (sem que isso significasse o desaparecimento do heterogêneo) no processo de produção”. O ideal era criar uma força de trabalho de tal forma socializada que fosse adequada ao sistema contratual de mercado sem recorrer ao direcionamento político do anarquismo, o que só seria possível com uma orientação nacional. Para Cury, os dois principais pontos que a Reforma Constitucional de 1926 revelou foi o papel da educação para transformar o Estado em demiurgo da nação, e a antecipação de pontos que depois foram fundamentais na Constituição de 1934, como a ideia da educação como direito social.1006 Não obstante, cremos que o posicionamento de Bernardes pode ser alinhado com o que Helena Bomeny identificou como legado de Francisco Campos na interpretação mineira do movimento escolanovista: o Estado aparece como “controlador, centro e regulador das atividades da educação e da cultura”, e seu papel ‘civilizatório’ é combinado com o sentido abstrato/universalista e uniformizador da Igreja”.1007 Riolando Azzi afirma que o processo de reaproximação entre Estado e Igreja na Primeira República começou com Epitácio Pessoa, em 1918, mas foi no governo de Arthur Bernardes que a colaboração se transformou em “tese pública e oficial”. Como Presidente de Minas, a simpatia de Bernardes para com a Igreja Católica ainda aparecia contida: “Fui educado na religião católica, que é a da maioria dos brasileiros, e como homem de governo, não desconheço 1004 NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 1005 MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1921, p. 49-50. 1006 CURY, A Educação na Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 1007 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 128-135. 300 a influência benéfica da Igreja em todos os tempos”, disse ele em 1921, em entrevista à Soares de Azevedo. Já na Presidência da República, o evento de comemoração ao jubileu de ouro de D. Arcoverde, preparado por D. Leme, não deixou dúvidas sobre a reaproximação.1008 A explicação, a nosso ver, está na afinidade existente entre a política de Estado bernardista e a política social associativista da Igreja Católica na década de 1920. Exemplar nesse aspecto foi uma representação levada ao plenário da Câmara dos Deputados por Nelson de Senna. Pela 1ª Convenção Operária de Minas Gerais, reunida em Pará de Minas, em 14 de maio de 1922, Nelson de Senna foi conclamado o “intérprete das aspirações do operariado mineiro junto ao Congresso Nacional”, e a Confederação Católica do Trabalho (CCT) o órgão incumbido de “condensar e orientar” o movimento trabalhista no estado mineiro. Assim, Senna levava à tribuna o pedido desta instituição, a qual estavam associados 18 sindicatos profissionais, com sede em Belo Horizonte, e quatro confederações locais, com sedes em Itabira do Campo, Palmira, São João del-Rei e Piranga, num total de 30 mil operários católicos, para que o Congresso Nacional convertesse em lei o projeto nº 265, da Comissão de Legislação Social, regulamentando as horas de trabalho no país,1009 Segundo Eliana Regina de Freitas Dutra, este tipo de apelo ao recurso do Estado, e suas instituições, foi uma constante na CCT. Criada em 1919, a entidade sindical católica logo capitaneou “as inclinações, os desejos e as simpatias” do operariado, “ainda formando consciência de si mesmo e bastante impossibilitado de se organizar”. O seu papel de articuladora com o poder público, e de “agente organizador da classe operária” interessava à política bernardista por tornar, como afirma Dutra, o movimento operário “dócil e ‘dentro da ordem’”, e este interessava à Igreja pois a assistência à população mais pobre angariava fieis num momento de temporalização do poder.1010 Se para Wilson Cano a legislação sobre o trabalho do governo de Bernardes é um claro exemplo das “intenções controladoras e repressoras aos movimentos trabalhistas”,1011 para nós, a João Luís Alves-Rocha Vaz, e os dispositivos voltados para a educação na Reforma Constitucional de 1926, correspondem ao coroamento do seu posicionamento conservador e autoritário, já ensaiado em seu mandato como Presidente de Minas. O Congresso Nacional arrefeceu o aspecto formativo que a Reforma queria implantar ao ensino secundário, mas não 1008 AZZI, Riolando. O Início da Restauração Católica no Brasil – 1920-1930. Síntese: Revista de Filosofia, Belo Horizonte (MG), vol. 4, n. 10, 1977, p. 85-89. 1009 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 26 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 698-707. 1010 DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Caminhos operários nas Minas Gerais. São Paulo: Hucitec, 1988, p. 156-161. 1011 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 84. 301 foi capaz de neutralizar o “seu efeito mais forte [que] foi a moralização do ensino”.1012 Foi, sem dúvida, neste setor que a herança do Caraça se fez mais presente. A defesa das humanidades era uma forte característica da instituição. Neste ponto, o projeto educacional bernardista se afasta do programa pragmático pinheirista. Mas, se reaproxima dele na ideia de moralidade, levando-a às últimas consequências. Bomeny nos lembra que a educação da infância, na reforma educacional de Pinheiro, era norteada pela ideia de moral e bons costumes, com o objetivo de “formar o caráter nacional e inculcar bons hábitos”.1013 Bernardes não só valorizou o ensino primário como ampliou esta função para o secundário, e buscou a equiparação entre particulares e estaduais com os oficiais. Homogeneização para a exclusão dos particularismos e das múltiplas cidadanias – leia-se, sentimentos regionalistas. Bernardes buscava aliar a formação do homo economicus com uma espécie de homo intellectus, a um só tempo disciplinado para o mercado de trabalho e para a vida numa sociedade culta e moderna, consciente de sua identidade como expoente da nação. A Igreja e o movimento católico do Centro Dom Vital emergiam como aliados na tarefa de impregnar nas massas os ideais de uma minoria que tem “fé na idealidade construtora, na força do espírito”, e fazer deles “pura força sentimental”, como descreveu Jackson de Figueiredo.1014 Tomando de empréstimo a definição de Norbert Elias, esta disseminação de instituições e padrões de conduta, colocada sob a lógica de “difusão da civilização”, tem como característica a “redução de contrastes” ou a supressão da alteridade. Quanto maior a complexidade de uma sociedade, tanto mais complexo será o seu “aparato sociogênico de autocontrole individual”.1015 O cenário brasileiro da década de 1920 era de uma sociedade que começava a diversificar a sua estrutura social e econômica, com a industrialização e a urbanização. A complexificação trouxe a “inevitável” ampliação dos conflitos, com o inchaço da capacidade produtiva, inflação, embates entre setores burgueses, e organização da classe trabalhadora e dos militares.1016 Os mecanismos de controle fundamentados no coronelismo, advindos de uma sociedade essencialmente agrária foram institucionalizados e constitucionalizados; tornaram-se “sofisticados” para modernizar o aparato jurídico-institucional sem que a indefinição da fronteira público-privado fosse alterada.1017 Uma espécie de “burocratização patrimonialista” sem burocracia patrimonial.1018 1012 BOMENY, Helena. Verbete “Reformas Educacionais”, op. cit. 1013 BOMENY, O Brasil de João Pinheiro: o projeto educacional, op. cit., p. 174. 1014 CARVALHO, Educação e Política nos Anos 20... op. cit., p. 122. 1015 ELIAS, O Processo Civilizador, op. cit., p. 197-198. 1016 CANO, Da Década de 1920 à de 1930..., op. cit., p. 83. 1017 GOMES, A Política Brasileira em Busca da Modernidade... op. cit., p. 502. 1018 WEBER, Os Fundamentos da Organização Burocrática... op. cit. 302 Como nos lembra Alvin Gouldner, a burocracia é “bifacial”: tem a sua forma representativa, pautada na especialização técnica, e na obediência às normas e à ordem; e a forma “punitiva”, baseada na disciplina, na “imposição de normas e na obediência pura e simples”.1019 Para que a face disciplinar sobressaia à representativa, é preciso “uma chefia muito hábil para arrastar os elementos reacionários menos perceptivos, concentrados entre as classes superiores proprietárias, embora não forçosamente a elas confinados”. Não obstante, é fundamental que os governantes tenham a seu dispor uma “máquina burocrática suficientemente poderosa, incluindo instituições de repressão” para coibirem “os apetites das classes inferiores”, bem como as pressões reacionárias. Disto resulta que “um governo conservador forte tem vantagens nítidas” na modernização conservadora.1020 Com efeito, a reforma constitucional de 1926 trazia em seu bojo diferentes polos de oposição: oligarcas tradicionais, oposicionistas liberais, empresários, trabalhadores e seus representantes estatais.1021 Como, neste cenário pós Reação Republicana, convulsionado com as revoltas tenentistas e a mobilização operária, foi possível aprovar uma Reforma Constitucional situacionista, vencendo a oposição? Graças a duas razões. Primeiro porque os deputados eleitos e reconhecidos, após as eleições federais de 17 de fevereiro de 1924, para a renovação da Câmara dos Deputados e do terço do Senado eram da base aliada ao governo,1022 um artifício já utilizado quando Bernardes tomou posse em Minas, e este situacionismo manobrou com a modificação de dispositivos regimentais. Segundo, porque, conforme Carone, “a oligarquia dominante sentira pela primeira vez a necessidade de seu reforço com novas medidas legislativas e executivas contra as dissidências e o exemplo de 1922”. De um lado, o Marechal Fontoura, como chefe da Polícia, contribuía para aumentar a repressão, impondo “métodos ilegais e ação brutal” ao povo do Rio de Janeiro, e inventando constantemente bombas e conspirações.1023 De outro, os artigos de Sarandy prometiam “incorporar” a classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que propagavam a ideia da iminência do caos; semelhante à ABE, que assegurava evitar a ameaça cataclísmica pela educação do povo indolente e adoentado. A crise, que normalmente seria uma justificativa suficiente para a não-alteração do estatuto político da República, foi utilizada por Arthur Bernardes justo como o contrário.1024 1019 GOULDNER, Alvin W. Conflitos na Teoria de Weber. In: CAMPOS, Sociologia da Burocracia, op. cit., p. 503. 1020 MOORE JR., As Origens Sociais da Ditadura e da Democracia..., op. cit., p. 508. 1021 CURY, A Educação na Revisão Constitucional de 1926, op. cit., p. 104. 1022 MAGALHÃES, Arthur Bernardes... op. cit., p. 157. 1023 CARONE, Revoluções do Brasil Contemporâneo... op. cit. 1024 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 303 Como nos recorda Bourdieu, os problemas são socialmente produzidos, transformados de particular a legítimo e universal “num trabalho coletivo de construção da realidade social e por meio desse trabalho”, ou seja, em “reuniões, comissões, associações, ligas de defesa, movimentos, manifestações, petições, requerimentos, deliberações, votos, tomadas de posição, projetos, programas, resoluções, etc.” Pela lógica da comissão burocrática, problemas oficiais são construídos e “dotados dessa espécie de universalidade que lhes vem do fato de estarem garantidos pelo Estado”, e de serem afiançados por peritos “que se servem da autoridade da ciência” para garantir “o desinteresse da representação burocrática do problema”. Não foi isso o que fez a Liga de Defesa Nacional, a CSCB, a ABE, e o Centro Dom Vital, bem como os representantes destes movimentos/instituições, e de inúmeras outras, ao propagar o sentimento de catástrofe moral da República e sua salvação pela educação “republicanizadora”? Não foi esta desilusão com a República que levou os trabalhadores e Tenentes às ruas para cobrar pelas promessas não cumpridas por um sistema que se mostrou tão excludente quanto o monárquico? O já convulsionado cenário de efervescência dos novos atores políticos foi, portanto, manobrado para fomentar a ideia de desordem e retrocesso, o oposto do ideal que amparava a República “sonhada”. O diagnóstico e o prognóstico: crise e regeneração! Reinhart Koselleck identificou no uso político da ideia de crise três acepções principais: situações externas ou militares (como uma guerra); trocas de governo; e mudanças imprescindíveis em constituições, sem as quais as entidades políticas e suas ordens constitucionais seriam extintas. Na economia, esteve associada à noção de “calamidade”, “convulsão”.1025 Na Filosofia da História, a ideia de “crise” veio acompanhada da ideia de Progresso, com a promessa da “perfectibilidade” e “racionalização progressiva de todas as esferas da atividade humana”. Nesse sentido, a “crise” correspondente tanto à uma ruptura com o passado quanto à implantação do futuro no presente, ou, em outras palavras, à uma abreviação do espaço de experiência para que o horizonte de espera possa ser desde já.1026 Identifica também um momento de “caos”. Composta de diagnóstico e prognóstico, a “crise” liga-se a uma experiência temporal da modernidade, a uma crítica ao passado, que seria indicativa de uma nova consciência. Todavia, traz consigo uma espécie de razão cínica, incoerente, que assimila a crise (consciência política) com a crítica (julgamento moral, privado) por meio da moralização intencional da decisão política.1027 1025 KOSELLECK, Reinhart. Crisis. Journal of the History of Ideas, vol. 67 no. 2, 2006, p. 357-400. 1026 REIS, História & Teoria, op. cit.; e Teoria & História, op. cit. 1027 KOSELLECK, Reinhart. Crítica e Crise: Uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: EDUERJ; Contraponto, 1999, p. 137-138. 304 A propalada contraposição entre “República ideal” versus “República real”, tão presente na década de 1920, a nosso ver, traz essa patogênese do conceito de “crise” entranhada na concepção de mundo dos atores políticos do período. A crise aponta para o futuro, para o melhor, mas a solução para ultrapassá-la, o autoritarismo, como afirma Boris Fausto, volta-se para o conservador, a tradição, o passado,1028 para o peso do habitus. A exemplo do que vimos para o nível micro da “modernidade” mineira, no macro a contração temporal entre experiência e a expectativa atuou como limitador ainda mais forte da modernidade brasileira.1029 Regenerar e reformar eram as palavras de ordem. Os sinônimos, reorganizar, reconstituir, emendar, reabilitar, retificar, corrigir são ilustrativos da intencionalidade: recuperar! Não a República, coisa pública, democrática, mas aquela que a “influência deletéria” das ideologias liberais colocou em risco com a emergência de novos atores políticos carentes de representatividade política e social. Trata-se da “formação de um sistema ideológico orientado no sentido de conceituar e legitimar a autoridade do Estado como princípio tutelar da sociedade”. Nesta ideologia de Estado, cujo oponente é a matriz ideológica do Mercado, isto é, o modelo liberal clássico, Lamounier esquematizou oito componentes básicos.1030 Para nós, é possível observá- los com clareza na política bernardista de nacionalização do projeto desenvolvimentista mineiro. O primeiro elemento é o predomínio do princípio “estatal” sobre o de “mercado”. A política intervencionista e o protecionismo de Estado na industrialização foram uma das marcas do governo de Arthur Bernardes, de modo que, como já vimos salientando, podemos falar numa política de “modernização conservadora”. O Conselho Nacional do Trabalho, a política de cooperativização, a reforma bancária, são parte de um esforço de estruturar a divisão do trabalho, a vida social, para que cada órgão exerça sua “verdadeira” função e essência, e correspondem ao segundo elemento, que é a visão orgânico-corporativa da sociedade. O terceiro, o objetivismo tecnocrático, com a construção de modelos institucionais para a “aplicação de capacidade técnico-científica”, pode ser visto na idealização da ESAV e na ação dos Serviços de Inspeção e Fomento Agrícola, e da Indústria Pastoril. O quarto, quinto e sexto elementos – da visão paternalista-autoritária do conflito social, da não-organização e da não- mobilização da “sociedade civil” –, estão ligados à ideia de que no “estado natural”, a sociedade é desorganizada, mas portadora de uma “bondade intrínseca”, que para aflorar precisa da 1028 FAUSTO, O Pensamento Nacionalista Autoritário (1920-1940), op. cit., p. 08. 1029 KOSELLECK, Futuro Passado..., op. cit. 1030 LAMOUNIER, Bolívar. Formação do Pensamento Autoritário na Primeira República: uma interpretação. In: História Geral da Civilização Brasileira, vol. 9, p. 374; 384. 305 “canalização racional” do organismo estatal. A Reforma Educacional e a Reforma Constitucional de Bernardes tinham este objetivo. Isto porque ele e seu corpo administrativo viam-se imbuídos dos dois últimos componentes característicos do autoritarismo: eram uma “elite altruísta”, que, em contraposição a um “voluntarismo golpista”, buscava a direção harmônica para a sociedade por meio do “emprego limitado e temporário da força” – como o estado de sítio. Representando o Estado, o “Leviatã benevolente”, Bernardes tinha a legitimidade de corrigir “severa, mas afetuosamente”.1031 A hipótese que Lamounier considera relevante para investigação do pensamento autoritário nos anos 1920 e 1930 é a de que a formação ideológica de nomes como Alberto Torres e Francisco Campos, a que se refere o processo de State-building, “corresponde a um momento particularmente consciente de identificação sociológica dos intelectuais com o centro político”.1032 Reputamos o governo de Arthur Bernardes como um período importante para pensar este processo, uma vez que o Catete estava alinhado com o posicionamento destes intelectuais. Não queremos com isso afirmar que Bernardes foi um pensador, um ideólogo do autoritarismo, o que, sem dúvida, seria superdimensionar sua atuação. Mas, é plausível afirmar que exerceu importante papel no sentido de “burocratizar” ideias conservadoras e autoritárias como política pública. Em que pensem os argumentos de Bernardes e Senna para a defesa da Ordem e do Progresso, o estado de sítio foi o instrumento utilizado para levar adiante uma política que era autoritária em sua essência. Na medida em que o processo, desde o início, contrariava o princípio do equilíbrio entre os poderes republicanos e o federalismo, a proposta de Reforma Constitucional, que poderia ser tomada como uma tentativa de solucionar a “crise” do país, já era, em si, “retrógrada”.1033 Em verdade, o reformismo educacional constituiu uma prévia de modificações importantes na Carta de 1891, via Executivo e não Legislativo, sinalizando o próprio caminho da “inconstitucionalidade” que Ribeiro denunciou para o processo de tramitação das emendas em 1926. O Decreto nº16.782 de 1925 cometia a “ingerência” de impor, por um Ministério, que a União tivesse o poder de regulamentar e fiscalizar o ensino primário, até então da alçada estadual. Não obstante, recorda Nagle, pela Constituição de 1891, o ensino secundário e superior era competência do Congresso Nacional. A reforma como iniciativa do Executivo, via autorização legislativa, tornava-se delegação de poder e, portanto, arbitrária.1034 1031 LAMOUNIER, Formação do Pensamento Autoritário na Primeira República, op. cit., p. 386-400. 1032 LAMOUNIER, Formação do Pensamento Autoritário na Primeira República, op. cit., p. 404. 1033 RIBEIRO, Revisão Constitucional de 1926, op. cit. 1034 NAGLE, A Educação na Primeira República, op. cit. 306 Nossa hipótese é de que este direcionamento teve duas implicações. Para Helena Bomeny, o projeto educacional de João Pinheiro não chegou a ser ampliado para o conjunto do país. Quem fez o papel de “federalizar” um programa mineiro de educação foi Gustavo Capanema, Ministro da Educação, de 1937 a 1945. A proposta pinheirista teria sido “suplantada” graças ao caráter individualista. A tese de Bomeny é de que João Pinheiro “falava de e para Minas Gerais, em tom marcadamente local”, pregava a iniciativa empresarial e o pragmatismo, típicos do liberalismo e da doutrina positivista, o que gerava certa desconfiança na elite nacional, e nas tradicionais oligarquias locais. Capanema, em contrapartida, implementou a política educacional iniciada por Francisco Campos, que, em relação à pinheirista tinha a vantagem de ser uma “matriz mais universalista”, que combinava o projeto dos intelectuais modernistas mineiros da Rua da Bahia com a “versão bem-acabada do grande acordo do Estado com a Igreja Católica”.1035 Para nós, ainda que a vertente de Capanema tenha saído vitoriosa, não se pode ignorar o empenho de Arthur Bernardes no sentido de reformar o “individualismo” do projeto pinheirista e universalizar o projeto educacional mineiro. A ideologia de Estado, acreditamos, foi o caminho escolhido por Bernardes para transformar, ao menos em tese, de um projeto regional para a solução de um “problema nacional”. E ele foi, em certa medida, bem-sucedido. O debate acerca do ensino religioso, do papel do Estado na condução e promoção do ensino público e gratuito, do retorno do ensino clássico, da seriação do ensino ginasial, marcos da Reforma Capanema, já estavam presentes nas reformas educacionais bernardistas. O autoritarismo serviu, ainda, para a nacionalização de outros itens que Otávio Dulci pontuou como característicos da política desenvolvimentista de João Pinheiro, como o protecionismo industrial, a modernização agrícola, o cooperativismo, a política de substituição das importações, o aparelhamento bancário e estatal para a modernização da economia, e a especialização industrial a partir da exploração de recursos naturais. Essa mudança da órbita liberal para a autoritária foi a pedra de toque no destino do projeto siderúrgico mineiro e de seus paladinos. 1035 BOMENY, Guardiães da razão..., op. cit., p. 27-28. 307 Capítulo 7 O Desmantelamento A aprovação do programa de reformas no Legislativo federal, somada ao acanhamento da Reação Republicana e à negociação pactuada com os setores militares e operários, indicavam que o plano de nacionalização do projeto desenvolvimentista mineiro estava amparado para a sua plena execução. Mas, se de um lado, os instrumentos institucionais e respaldatórios da ideologia de Estado, foram fundamentais para amortecer os impactos das forças oposicionistas, por outro, decretaram um xeque-mate na estratégia política da moderação, criação das Minas da Terra, que garantiu o papel de destaque do estado na política do federalismo brasileiro durante o período de 1898 a 1929.1036 Não era a primeira vez que Bernardes transgredia com as normas do jogo político mineiro da Primeira República. A escalada de poder Bernardes-Soares já vinha de uma quebra nas regras do esquema de colegiado da Comissão Executiva do PRM. A questão é que a illusio rompida foi além do padrão sucessório. Como explica Veblen, “quando uma tentativa de reforma envolve a supressão ou a completa remodelação de primeira importância no esquema convencional, imediatamente se percebe que ocorreu um sério transtorno de todo o esquema”. O reajustamento da estrutura à nova forma assumida por um de seus principais elementos “será um processo penoso e aborrecido, senão incerto”.1037 Na condição de “credor[a] de uma quantidade de coronéis”, mesmo em baixa, era natural que o esvaziamento das funções da Tarasca causasse problemas operacionais à política bernardista. Francisco Sales aguardava apenas a oportunidade para retomá-la,1038 sinalizada quando a morte de Raul Soares enfraqueceu a sustentação das bases bernardistas. No contexto das relações Minas-Federação, a quebra da ilusória, mas efetiva, unidade política mineira, foi uma das mais graves dissidências na “conciliação intraoligárquica”.1039 Neste capítulo, analisamos o impacto desta cisão nas trajetórias políticas de Arthur Bernardes e de Nelson de Senna, da participação do PRM na política federal a partir de 1930 e da continuidade do projeto siderúrgico mineiro. 1036 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit 1037 VEBLEN, A Teoria da Classe Ociosa, op. cit., p. 92. 1038 WIRTH, John. Minas e a Nação. Um Estudo de Poder e Dependência Regional, 1889-1937. In: História Geral da Civilização Brasileira. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 87. 1039 Esta nossa sub-hipótese foi pensada a partir dos indicativos do trabalho de Cláudia Viscardi. A autora entende como inegável o grau de coesão interna da elite política mineira, mas frisa que é preciso relativizar as bases dessa “conciliação intra-oligárquica”, uma vez que em muitos momentos as dissidências inviabilizaram a participação de Minas Gerais na política nacional. Ver: VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 43. 308 7.1 – Fora de órbita: a perda do projeto siderúrgico “Não têm faltado Cassandras agoureiras que predizem o insucesso da indústria siderúrgica assim localizada, longe do litoral, e acenam com o espantalho da insalubridade do clima, para dali afastarem as empresas, que necessitem do braço estrangeiro” (SENNA, Nelson de. Discurso pronunciado na Sessão de 21 de novembro de 1923, na Câmara dos Deputados) Ao término de seu mandato na presidência de Minas, Arthur Bernardes deixou o projeto siderúrgico mineiro em compasso de espera. Na Presidência da República, repetiu a parceria com Clodomiro de Oliveira, colocando-o numa Comissão com outros professores da EMOP, engenheiros e industriais. Nos dizeres de Bernardes, disposto a solucionar o problema da siderurgia, o governo reuniu esta Comissão composta por pessoas “competentes no assunto”, para consultar os assuntos econômicos, defesa e segurança dos interesses do país.1040 Nas palavras de José Murilo de Carvalho, o objetivo era “elaborar um projeto alternativo ao da Itabira”.1041 Em que consistia este projeto? Ele logrou se sobrepor ao de Percival Farquhar? O trio venceu a batalha de implantar a especialização industrial contra o imperialismo? Este era um embate dos três ou apenas de Bernardes? 7.1.1 – Alternativa à Itabira-Iron Muito embora “alternativo”, o projeto siderúrgico que Arthur Bernardes levou ao Catete não era exatamente uma novidade. Seus pontos principais remontam à criação da EMOP, e os primeiros ensaios ocorreram quando ainda era presidente de Minas, assuntos dos quais nos ocupamos em capítulos anteriores. A grosso modo, o plano consistia no fomento à indústria siderúrgica nacional, com matéria-prima, técnica e mão-de-obra brasileiras. Mas, alguns componentes sofreram alterações. Nas palavras de Nelson de Senna, para escapar ao elevado custo do coque de fundição “que somos obrigados a fazer vir do estrangeiro, à custa de nosso ouro”, a saída era tentar a fabricação direta do aço nos fornos elétricos, em grande escala, trabalhando e operando a fusão desses ricos minérios ferríferos – tão abundantes em vários pontos do Brasil, nomeadamente em Minas Gerais e, em menor quantidade, na Bahia, Goiás, 1040 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 205. 1041 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit. 309 Mato Grosso, Paraná e outros estados – com esse coque resultante do carvão nacional, extraído das jazidas gaúchas e catarinenses, por ser combustível tão quanto, por exemplo, os de outros países.1042 A fala do deputado é exemplar. Em nenhum outro setor ou período, no âmbito de nosso estudo, o trio esteve tão harmonicamente afinado temporal e tematicamente. O diálogo chega mesmo a impressionar. Conforme análise das fontes, a principal estratégia no plano de nacionalização do projeto siderúrgico mineiro foi a articulação das reservas ferríferas de Minas com as carboníferas de Santa Catarina. Arthur Bernardes, considerava promissoras as perspectivas da siderurgia no Brasil, apesar de ainda se encontrar em “estado embrionário”, pois só em Minas Gerais eram estimadas jazidas com mais de 3 bilhões de toneladas de minérios de ferro; e as regiões gaúcha e catarinense possuíam reservas capazes de suprir as necessidades industriais do país durante alguns séculos. Os carvões beneficiados de Santa Catarina produziriam coque metalúrgico adaptado “com vantagem à redução nos altos fornos, dos minérios ricos de Minas Gerais”. Ao que parece, a preocupação maior era a demanda mineira por carvão, porém, o discurso era de universalização do interesse regional como “problema nacional”. Bernardes frisava que estes estados poderiam suprir a demanda de outros estados do Brasil, desde que fossem tomadas providências contra a carestia dos transportes de cabotagem, e para o prolongamento e ramais de vias férreas.1043 No horizonte de expectativa o trio colocava a promessa de que o Brasil, com o ferro mineiro e o carvão catarinense, poderia, enfim, realizar o seu surto de expansão industrial. Além da demanda da guerra, dois eventos podem ter contribuído para a promissão. De Senna, temos a declaração de que a Exposição do Centenário da Independência, em 1922, deu novo fôlego ao entusiasmo pelas riquezas do país.1044 De Bernardes, ao que corrobora o deputado mineiro, o impulso veio da divulgação dos resultados do estudo do professor Fleury da Rocha, “jovem e competente professor da Escola de Minas de Ouro Preto”, sobre a exploração industrial de carvões e minérios de ferro em estabelecimentos siderúrgicos. Fleury levou carvão do Rio Grande do Sul para a Suécia, onde foi beneficiado e fabricou gusa e esponja de ferro, que colocados em forno elétrico produziram “aços de primeira qualidade”. Este processo de produção de esponjas de ferro já era praticado pelo professor Augusto Barbosa, diretor da EMOP. Em 1904, Barbosa montou na instituição as primeiras instalações que durante a guerra forneceram “algumas centenas de quilos de excelente ferro manganês”, antecedentes 1042 Anais da Câmara dos Deputados, Sessão de 21 de novembro de 1923, p. 542. 1043 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 81. 1044 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 18 de maio de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit. 310 importantes para que em 1922 começassem a funcionar os primeiros fornos elétricos do Brasil”.1045 A vantagem era não deixar o minério com as impurezas do carvão, além de ser um processo próprio da siderurgia brasileira “somente aplicável aos nossos minérios puríssimos e especialmente à nossa jacutinga, que a natureza oferece pulverizada”.1046 Os ensaios de coqueificação de Fleury foram apresentados no 1º Congresso Brasileiro de Combustíveis, realizado em 1922, pela Estação Experimental de Combustíveis e Minérios (EECM), inaugurando “o primeiro debate aberto havido no Brasil sobre as características do carvão nacional, sobre as possibilidades de petróleo, sobre as possibilidades de destilação de xistos pirobetuminosos etc”.1047 Diante da crise de combustíveis e da demanda de países como Estados Unidos, França e Bélgica, o Catete estava empenhado em diagramar e testar todas as possibilidades para livrar a siderurgia nacional da dependência estrangeira. O aliado central foi o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB), focado em pesquisas e estudos práticos. Turmas foram distribuídas por Minas, Bahia, São Paulo e Paraná para mapear as forças hidráulicas.1048 Nesse ínterim, na Câmara, Senna ressaltava que a aludida futura contribuição da energia hidráulica na indústria siderúrgica tinha um histórico de atos legislativos e governamentais em Minas, como o projeto de Raul Soares (1911), e o seu livro A Hulha Branca. Das 140 usinas produtoras de energia elétrica em território mineiro, 136 eram hidrelétricas. Inegavelmente, afirma ele, Minas possuía um enorme potencial e despontava no setor. A hulha branca era a “providencial compensação” das regiões centrais em relação aos três estados do extremo sul possuidores de jazidas carboníferas.1049 A construção discursiva, sem dúvida, era mostrar que a contribuição de Minas era imprescindível ao sucesso do projeto siderúrgico nacional. Ainda no setor de combustíveis, para melhor aproveitar as reservas de carvão do Sul do país, o laboratório de química e o gabinete de mineralogia do SGMB analisavam as amostras, enquanto o museu de mineralogia, petrografia e paleontologia classificava minerais, rochas, lâminas de rochas e fósseis. A seção de corte, laminação e polimento de rochas foi remodelada, o gabinete de petrografia ganhou “modernos aparelhos científicos”, e a biblioteca do serviço contabilizou 9.886 volumes de obras especializadas. A organização da carta geológica e mapeamento das possibilidades econômicas das jazidas de minérios, minerais e pedras 1045 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 531 e 540. 1046 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923, p. 167. 1047 SCHWARTZMAN & CASTRO, Nacionalismo, Iniciativa Privada.... op. cit. 1048 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925, p. 206-211. 1049 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 532-534. 311 preciosas era outra das preocupações bernardistas. Desde o início do mandato de Bernardes, o Serviço realizou uma série de estudos científicos e econômicos pelo país, como a carta geológica de Goiás e estudos geológicos do Piauí e Maranhão, Amazonas, Bahia, Minas Gerais, Sergipe, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tudo indicava a provável existência de petróleo no Brasil, e os técnicos só não chegavam a resultados mais notáveis, justifica Bernardes, devido à falta de recursos para aquisição de sondas mais apropriadas às pesquisas. Ainda assim, os estudos de mapeamento e sondagem de carvão de pedra e petróleo para avaliar a capacidade das jazidas eram um trabalho que, a seu ver, seria compensatório. A partir das pesquisas do SGMB, a Companhia Energia Elétrica Rio Grandense já planejava construir uma usina termoelétrica, em Porto Alegre, com emprego de carvão S. Jerônimo. Em continuidade à política de concessão de prêmios e favores, como era comum ao ideal de João Pinheiro, o governo concedeu isenção de impostos federais por 20 anos, para que a Companhia instalasse uma usina de destilação de carvão em baixa temperatura, destinada a fabricar o semicoque e recuperar os subprodutos do carvão, como benzol, alcatrão, etc.1050 A solução para os problemas da redução de minérios não utilizados nos altos fornos, era divulgar os processos e criar uma indústria “genuinamente nacional”, para o que o governo bernardista planejava organizar uma usina de demonstração, anexa à EMOP, que complementasse os estudos teóricos de lentes e alunos. A justificativa, Senna deu na tribuna do Congresso nacional. De acordo com o deputado, o elevado custo do coque de fundição, importado do estrangeiro, levava os industriais brasileiros a fazerem em território nacional, com o influxo de auxílios dos poderes públicos da União, “repetidas experiências do combustível procedente das hulheiras do Brasil meridional”. Uma vez que diversos fornos de eletrossiderurgia estavam sendo testados em vários pontos de Minas e também São Paulo (Ribeirão Preto) e Rio de Janeiro (Barra Mansa), era importante implementar o estudo da eletrotécnica nos institutos de engenharia, tanto quanto o “arrojo da definitiva montagem de uma usina experimental de siderurgia, por tais processos, na Cidade de Ouro Preto”.1051 Nelson de Senna não se aprofunda no porquê do projeto de estação experimental, aprovado pelo Congresso Nacional, ter permanecido letra morta. Bernardes nos dá a pista. A situação financeira, lamenta o presidente, não permitiu o início da instalação da usina. Nem por isso a EMOP deixou de ter um posicionamento privilegiado na política siderúrgica. Bernardes 1050 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 164), 1924 (p. 209- 211), 1925 (p. 206 e 210), 1926 (p. 252-253). 1051 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 538-539. 312 salientava a contribuição da instituição para o “conhecimento da riqueza mineral e o desenvolvimento da indústria extrativa do país”, na medida em que seus laboratórios de química, mineralogia e geologia realizaram análises, ensaios, determinações de minérios, minerais e rochas. Dados os serviços que a Escola de Minas prestava na preparação de profissionais habilitados, aos quais se devia a instalação das primeiras usinas siderúrgicas do país, era preciso fomentar ainda mais o ensino técnico das cadeiras destinadas ao estudo dos produtos minerais e seu aproveitamento para extração de metais preciosos, preparo de máquinas e instrumentos industriais.1052 Senna também dedicou algumas linhas de seu discurso em 1923, para uma “especial referência” ao que a EMOP vinha fazendo, além remeter constantemente aos estudos produzidos pela instituição, como forma de amparar sua argumentação.1053 Senna e Bernardes defendiam que a EMOP fizesse jus ao “espírito de Gorceix”, aliando teoria, criatividade e estudo da realidade.1054 O projeto de Bernardes para a instituição era de que fosse, a um só tempo, “um núcleo onde a siderurgia nacional há de procurar o pessoal técnico dos seus estabelecimentos”, um campo de pesquisas para aperfeiçoar ou adaptar processos existentes, criar novos métodos e aparelhos; e uma difusora e incentivadora dos métodos eletrotérmicos de fabricação do gusa e do aço.1055 Decerto o enfoque teve a influência dos ex-alunos, com a formação de uma tecnoburocracia infiltrada no aparelho de Estado,1056 mas foi também fruto de uma necessidade estrutural. Como lembra Clélio Campolina Diniz, num momento em que não existiam cursos de economia, os engenheiros eram os que tinham “maior preparo ‘técnico’ para o trato com problemas econômicos”.1057 A segunda instituição que tomou a frente na empreitada de implantação do projeto siderúrgico durante o governo bernardista foi justamente a promotora do 1º Congresso Brasileiro de Combustíveis. Criada em 1921, por decreto de Epitácio Pessoa, a Estação Experimental de Combustíveis e Minérios passou a realizar estudos sistemáticos sobre o aproveitamento do carvão do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Os industriais recorriam a estação, solicitando pareceres e informações, sobre como, por exemplo, construir grelhas que melhor aproveitassem o carvão nacional, substituir o carvão importado pelo lenhito pulverizado. A EECM estudava diversos meios para beneficiamento do carvão e destilação, e 1052 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 166-168), 1924 (p. 205-206), 1925 (p. 204-205). 1053 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 531. 1054 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 85. 1055 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 166-168), 1924 (p. 205-206), 1925 (p. 204-205). 1056 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit. 1057 DINIZ, Estado e capital estrangeiro... op. cit., p. 40-41. 313 vinha testando o coque metalúrgico produzido em Santa Catarina em forno especialmente construído nas suas oficinas. Foram realizadas repetidas experiências com combustíveis pulverizados, em especial com carvão de madeira, que oferecia melhores condições de pureza e combustíveis superiores aos do melhor carvão betuminoso. Além disso, realizou testes com o lenhito de Caçapava e com os carvões de Criciúma, Urussanga e São Jerônimo, e outras variedades de carvão a fim de encontrar aquele mais conveniente à destilação em baixa temperatura.1058 De acordo com Arthur Bernardes, tal como planejado para a EMOP, a Estação projetava uma usina siderúrgica onde seria empregada a redução do minério coque fabricado com carvão nacional, e que contaria com uma instalação para a classificação do carvão, um forno coque com regeneração de calor e recuperação de subprodutos, um alto forno de esponjas, um forno Martin, uma oficina de laminação, e outras dependências.1059 Não temos notícias se o plano vingou, provavelmente não, e pelos mesmos motivos da Estação experimental da EMOP e da ESAV: dotação orçamentária insuficiente. Como explicam Simon Schwartzman e Maria Helena Magalhães Castro, as dificuldades materiais da EECM aparecem em todos os depoimentos dos técnicos, contrastando com o “otimismo oficial”.1060 O trio estava exultante com os avanços em testes, mapeamento e demanda. As perspectivas gerais, dizia Arthur Bernardes, eram animadoras, com a Usina Esperança, cujo novo forno em Gagé duplicaria a sua produção de gusa, remetida para Juiz de Fora, onde a Companhia Eletro-Siderúrgica Brasileira o tratava e fabricava aço; a Belgo-Mineira, que além de produzir gusa, utilizava as escórias em uma fábrica de cimento; e a eletro-siderurgia de Ribeirão Preto, onde A Companhia Eletro Metalúrgica vinha produzindo aço de primeira qualidade com o minério de ferro de Minas Gerais. Por esta experiência, Raul Soares vislumbrava “largas perspectivas” à indústria siderúrgica de Minas, que ainda tinha a seu favor o fato de possuir “montanhas de ferro”, “quedas d’água poderosas” e florestas necessárias. Segundo Soares, a produção de ferro gusa estava perto de conseguir suprir as necessidades de consumo interno, remessas para a Argentina e Portugal já eram ensaiadas, e aproximava-se o dia em que o emprego do carvão nacional em altos fornos se tornaria realidade em breve, como bem demonstravam as experiências de Fleury na Europa.1061 A excitação de Nelson Senna não era menor. Amparado na memória escrita por Francisco Lopes, secretário e engenheiro da 1058 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924, p. 209-210. 1059 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923, p. 170. 1060 SCHWARTZMAN & CASTRO, Nacionalismo, Iniciativa Privada.... op. cit. 1061 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, p. 74. 314 EMOP, Senna enumerava “sem esforço” os motivos pelos quais o Brasil estava capacitado a implantar a siderurgia nacional. Possuíamos: a) “abundantes reservas florestais", para um largo fornecimento de lenha e carvão de madeira”; b) depósitos e jazidas de combustíveis minerais; c) “estupenda riqueza de hulha branca, em centenas de quedas d’água”; d) fundentes, presentes nas argilas, areias, quartzitos e calcários; e) “massa inesgotáveis de minérios de ferro”; g) experiências repetidas com a produção nacional de ferro, e um mercado interno consumidor destes produtos. Prova disso era o êxito da usina de Ribeirão Preto, advindo de “uma inteligente orientação” da política econômica e dos minérios oriundos de Minas – um elogio tanto ao potencial mineiro, quanto aos governos de Soares e Bernardes.1062 Presumindo a admissibilidade dos argumentos, o que impedia, então, que o projeto siderúrgico (mineiro) nacional decolasse? Na concepção de Bernardes, em relação ao carvão nacional, o problema técnico estava “completamente resolvido, sendo imprescindível, para assegurar a colocação do produto, a organização comercial e a dos transportes”,1063 ao que corroborava Soares, para quem o aproveitamento da produção de ferro gusa nacional dependeria somente de transporte fácil e barato.1064 Senna, mais otimista, acreditava que a questão dos transportes fatalmente se resolveria, compensando a “desvantagem relativa” da distância que Minas se encontrava do mar.1065 De mais difícil solução, para Senna, era o problema do combustível. Não sem razão. Como registrado em Mensagem ao Congresso Nacional, a insuficiência energética paralisou os altos fornos elétricos da Companhia Eletro- Metalúrgica Brasileira em 1925.1066 Apesar de Bernardes julgar a parte técnica solucionada, não havia consenso entre o governo e os membros das principais instituições de pesquisa aplicada do período. Fonseca Costa, ex-aluno da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, fundador da EECM e diretor do SGMB, discordava da instalação da indústria siderúrgica em Minas. Após experimentar os diversos meios para a produção do coque nacional, chegou à conclusão de que a única opção viável técnica e economicamente para a fabricação do gusa era um composto misto de carvão nacional e importado. Ao que consta, era um admirador de ninguém menos que Percival Farquhar e favorável à Itabira-Iron, desde que eliminado o caráter monopolístico da 1062 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 529-531 e 544. 1063 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1924 (p. 209), 1925 (p. 210). 1064 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, p. 74. 1065 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 549. 1066 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1926, p. 256. 315 proposta.1067 Ainda mais radical, Ferdinand Laboriau, ex-aluno e professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, considerava apenas o coque estrangeiro como economicamente viável e aplicável à grande siderurgia, e atribuía ao projeto siderúrgico mineiro a alcunha de “poesia siderúrgica”, “jacobinismo pretensioso” de Clodomiro de Oliveira. Este, por sua vez, defendia uma indústria nacional pautada no carvão vegetal, quando não o carvão mineral de Santa Catarina, pois a EMOP já dispunha de tecnologia para isso.1068 O impasse é revelador de algumas questões subjacentes ao caso Itabira-Iron. As propostas de Clodomiro e Fonseca implicavam o uso de madeira ou de força hidráulica. No caso do carvão mineral, recaía sobre o problema dos transportes que Bernardes ressaltou; no do carvão vegetal, emergia o fantasma da escassez das matas, que assombrava as pretensões bernardistas desde a presidência de Minas. Ciente do dilema, Bernardes constituiu, em 1923, uma comissão para formular as bases referentes ao decreto legislativo nº14.121, de 28 de dezembro de 1921, que criou o Serviço Florestal do Brasil. O projeto deveria atentar para a lei e para as atribuições conferidas à União, governos locais e iniciativa privada no que diz respeito à defesa e desenvolvimento da riqueza florestal. Por razões financeiras o Serviço Florestal deixou de ser implantando, motivo pelo qual Bernardes solicitou, em 1924, que o Congresso federal atentasse para os resultados do inquérito que o Ministério realizou sobre a indústria e comércio de madeiras.1069 Digno de nota, a ênfase no tema foi menor do que quando estava no governo mineiro. Há que se indagar sobre quais seriam os motivos. A possibilidade de contar com as reservas carboníferas catarinenses arrefeceu o ânimo em zelar pelo combustível vegetal? Não exatamente. Como norma do federalismo, os estados detinham a autonomia para legislar sobre o assunto. Onde ele deveria ser resguardado, em Minas, a vigília estava atenta. A primeira Mensagem de Raul Soares ao Congresso Mineiro deu o tom de seus dois anos de governo. Para ele, se ainda havia “alguns lugares onde se impõe o desbravamento em benefício da cultura das terras e do seu saneamento”, era um crime derrubar matas para estabelecimento de latifúndios cobertos de capim gordura, e perder riquezas acumuladas por séculos pela natureza em queimadas primitivas. Soares, “impressionado com o rareamento das matas em certas zonas do Estado e com a crescente escassez de lenha e de madeira nas regiões atravessadas pelas vias férreas”, solicitou um inquérito sobre as reservas florestais de Minas Gerais. O levantamento realizado nos distritos pelo serviço de estatística geral mostrou que 1067 SCHWARTZMAN & CASTRO, Nacionalismo, Iniciativa Privada.... op. cit. 1068 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 122. 1069 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923 (p. 162), 1924 (p. 181). 316 Minas possuía 14.349.920 hectares de matas, incluso capoeirões, o que correspondia a 24% ou quase 1/4 do território do estado (p. 74). Destas, as regiões melhor abastecidas eram as do Norte (41,15%) e Nordeste (32,46%), sendo o Triângulo Mineiro (13,20%) a região mais pobre em madeira, seguida do Centro (14,38%), Oeste (17,51%) e Sul (18,93%). A zona da Mata tinha apenas 22,17% de sua área em bosque. Nas regiões atingidas pela Rede Sul Mineira, praticamente não havia mais madeiras para dormentes; a E. F. Central do Brasil tinha de buscar madeira em ramais afastados, como o de Montes Claros, situação semelhante à da E. F. Leopoldina e da Oeste de Minas. Com pesar, afirma Soares, Minas chegou a ponto de importar peroba de S. Paulo para construir casas na capital; e o preço da madeira e do carvão crescia “assustadoramente”.1070 O diagnóstico o alarmava para o problema do combustível vegetal e da madeira como inquietante e urgente. Diante do ritmo de destruição das florestas mineiras, era inadiável a criação de reservas “para a exploração industrial das madeiras e outros produtos florestais, para a preservação dos peixes, das aves e da caça, enfim para a conservação, estudo e utilização da nossa flora e fauna florestal”. Em 1923, ele julgava o tópico ainda mais improrrogável do que em 1915, quando solicitou a separação, medição e demarcação das áreas destinadas às reservas florestais, a exemplo dos Estado Unidos. Por mais que fossem feitas pesquisas de carvão, lenhito e petróleo, do álcool como carburante; do potencial hidráulico, e realizadas propagandas para a conservação das florestas, “a verdadeira solução do problema”, em sua opinião, estava no reflorestamento, para o que pedia a ajuda do Congresso Mineiro, enquanto o Congresso Federal.1071 Raul Soares dizia-se um “apaixonado” pelo tema do reflorestamento, e se orgulhava de dizer que “em Minas vamos deixando de parte os devaneios nessa difícil matéria e principiamos encará-la pelo lado prático com um programa de ação imediata que começa a dar os primeiros frutos”. Ele era taxativo sobre o fato de que era hora de abandonar os devaneios poéticos e enfrentar a questão “com firmeza ou teremos comprometido o futuro do Estado”. Minas precisava buscar, no que lhe cabia legislar, um programa de medidas práticas, enquanto o governo federal não promulgasse as bases do Código Florestal. Tão importante quanto a reserva florestal era uma política de reflorestamento, diante da realidade de estradas de ferro que consumiam extensas áreas de floresta, aumentando o preço da lenha e do carvão e ameaçando o futuro da indústria, especificamente a siderúrgica. Por isso, ao assumir a presidência tratou de organizar e regulamentar o serviço do horto florestal. Em 1922 o horto florestal da capital 1070 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, 1924 (p. 75-76). 1071 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, 1924 (p. 77). 317 distribuiu 247.354 mudas de essências florestais para replantio, com perspectiva de aumento em 1923, mas com a limitação de não atender zonas mais afastadas. Para solucionar este problema, o governo estadual criou um Horto Florestal no município de Águas Virtuosas, em Nova Baden, cujo local era atravessado pela Rede Sul Mineira e já possuía plantação de pinheiros, eucaliptos e um pomar com frutas variadas.1072 Na tribuna, Senna sinalizava que a sua preocupação não era menor. O ponto de partida para ele era que o problema da siderurgia se conjugava ao da “magna e capital questão dos combustíveis”. O deputado pedia a atenção da Câmara para as considerações de Laboriau, segundo o qual o uso do carvão de madeira, da maneira como vinha sendo feito em Minas, não era suscetível à ampliação para a siderurgia em larga escala; e mesmo para os pequenos fornos. A eletrossiderurgia também não era possível em termos econômicos naquele momento. A conclusão era que “o problema do combustível” estava ficando “cada vez mais difícil e é este o ponto negro no futuro destas indústrias”. Para Senna, “data vênia, a face de mais pronta solução do problema se apresenta[va] no ponto de vista prático e brasileiro, no exame das nossas reservas florestais, para garantia das provisões e consumo do carvão vegetal”. Senna remontava à mensagem de Raul Soares ao Congresso Mineiro, alertando sobre a “intensidade alarmante do consumo” de lenha pela exportação, estradas de ferro, “o inútil e bárbaro estrago das queimadas de roças”, os engenhos de cana, fábricas rurais e urbanas. Em coro à Soares, dizia Senna, “soou a hora da ação”. Como tardava o Código Florestal da União, alguns estados iam “cuidando da própria segurança do seu futuro econômico”. Ao contrário do Nelson de Senna da década de 1910, agora, em 1923, ele já considerava o problema do desflorestamento como “muito sério” em todo o Brasil, especialmente em Minas, a “parte mais populosa da República”, onde também admitia que a cobertura vegetal “já não é assim tão grande”.1073 O prenúncio de Delfim Moreira, de que o desmatamento deslocaria a siderurgia do Vale do Rio das Velhas para o do Rio Doce se confirmou na década final da Primeira República. As atenções do governo estadual e federal se voltaram com afinco para a região, com variados projetos, todos com o duplo objetivo de “preservar para explorar”. Embasado nos relatórios emopianos de Raul Ribeiro da Silva e Clodomiro de Oliveira, Nelson de Senna defendia que a saída natural para os minérios de ferro de Minas era o Vale do Rio Doce. Às “cassandras agoureiras”, que duvidavam da capacidade da região comportar uma siderúrgica pela insalubridade do clima ou pela falta de mão-de-obra, o deputado rebatia com dados de 1072 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923 (p. 123), 1924 (p. 78). 1073 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 544-548. 318 Clodomiro e do censo demográfico de 1920, de que os mais populosos municípios de Minas situavam-se nos vales tributários dessa Bacia. Os seus “poderosos” reservatórios de matéria- prima e combustível eram outro chamariz. Em resultados preliminares, os técnicos do SGMB verificaram que a força hidráulica do Rio Piracicaba, no Vale do Rio Doce, possuía grande potencial, apenas carecia de transportes para impulsionar o seu uso, o que poderia ser solucionado com a ligação da E.F. Vitória- Minas com a Central do Brasil.1074 Somente ao longo desta estrada, garantia Senna, poderiam ser obtidos 500 mil cavalos de energia hidráulica.1075 De acordo com Soares, havia uma vasta zona para o desenvolvimento da siderurgia a carvão de madeira nas margens do Rio Doce. Todavia, as matas, tão engrandecidas por Senna na década anterior, estavam ameaçadas pelo crescimento populacional. A fim de evitar que o mal se alastrasse, Soares planejava instituir uma comissão para escolher na zona do Rio Doce um local apropriado para abrigar a primeira reserva florestal de Minas Gerais.1076 Não bastassem as pretensões oficiais, era nesta região que a usina do projeto Itabira- Iron estava autorizada a ser construída. Cumpre recapitular que o plano de Percival Farquhar era a construção de uma usina de aço integrada. A empresa exportaria até 4 toneladas de minério de ferro por ano, por uma ferrovia que ligaria Itabira ao porto de Santa Cruz, em um ponto específico da E. F. Vitória-Minas. Os navios da companhia exportariam minério de ferro e importariam carvão mineral.1077 Aprovado pelo Congresso Nacional, em 1920, a negociação se arrastou no governo de Bernardes em Minas e, ainda que a pecha de ultranacionalismo tenha recaído sobre ele, o projeto foi interceptado por seu sucessor. Raul Soares recusou-se a firmar acordo com a Itabira Iron Ore Co. por considerar as cláusulas do contrato com o governo federal deveras corajosa, especialmente no quesito que dá gratuidade à Itabira Iron de trafegar seus trens pelas linhas da Vitória a Minas, o que tornaria privada uma renda “que deveria sustentar a Vitória a Minas”, cuja principal razão de ser era justamente o transporte de minério. Para Soares, o intuito da Itabira Iron era substituir a Vitória a Minas ou absorvê-la. Firmar o contrato seria dar à Itabira Iron o monopólio da Vitória a Minas, destinada apenas para transporte do seu minério, sem se obrigar a transportar os minérios alheios.1078 Daniel Barbosa, claramente incorporando a justificativa de Soares, entende que o contrato da Itabira-Iron representava o monopólio da principal rota de escoamento, e um 1074 BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1925, p. 206-211. 1075 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 532-534 e 544-548. 1076 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, p. 120. 1077 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit.; IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit.; BARBOSA, Tecnoburocracia e Pensamento Desenvolvimentista..., op. cit. 1078 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, p. 77. 319 vínculo difícil de ser desfeito da siderurgia mineira com a companhia inglesa.1079 Conquanto concordemos com o autor, os planos de Senna, Bernardes e Soares no quadriênio 1922-1926 corroboram com a ideia que apresentamos no Capítulo 5 – de alinhamento com o “nacionalismo defensivo” de Alberto Torres, e apontam para uma maior complexificação da resistência à Percival Farquhar. 7.1.2 – O “Nacionalismo defensivo” e a escolha de Volta Redonda Ao deter a exclusividade sobre a E.F Vitória-Minas, a Itabira-Iron monopolizava não só a ferrovia, como a exploração de seu entorno, inclusive as quedas d’água e florestas da bacia do Rio Doce. Minas seria destituída dos dois itens centrais para a siderurgia – transportes e combustíveis, e sem nenhuma garantia de que a usina fosse realmente construída em território mineiro. De fato, explica Werner Baer, os grupos financeiros aos quais Farquhar se ligou estavam mais interessados na obtenção de minério de ferro e manganês brasileiros do que na construção de grandes siderúrgicas em uma região “subdesenvolvida”.1080 Soares dizia não ser contrário à exportação do ferro, de que Minas “dispunha com vigor para o futuro”, podendo liberar uma porção deste estoque as nações que sofriam com a sua escassez. Entretanto, considerava fundamental primeiro firmar a siderurgia em bases nacionais, “impedindo se estabeleça o monopólio numa indústria a que se ligam o progresso econômico e a defesa do país”.1081 Seu posicionamento era mais ponderado do que o de Bernardes, e se assemelhava ao que Senna defendia no início dos debates sobre o contrato. No entanto, anos mais tarde, no Congresso Nacional, a linha de pensamento de Senna foi se aproximando cada vez mais do “nacionalismo defensivo”. Quando indagado pelo deputado Bento de Miranda, se achava possível exportar minério para fora do Brasil ao mesmo tempo em que fossem fabricados produtos de ferro em indústrias nacionais, Senna foi de uma clareza até então inédita sobre seu posicionamento: Só admito, por exemplo, a hipótese de ser permitida a exportação de minérios no caso de se fazer preciso carregar com eles em retorno, a frota de navios que nos tragam o carvão de pedra importado. Mas, em todo o caso, prefiro ver a nossa indústria siderúrgica apoiada no carvão nacional e na força hidráulica, beneficiando-se os minérios cá mesmo, sem pensar em exportá-los para irem alimentar usinas fora do país e enriquecerem outras nações, em detrimento da nossa.1082 1079 BARBOSA, Tecnoburocracia e Pensamento Desenvolvimentista..., op. cit. 1080 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit., p. 91-93. 1081 MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923, p. 72. 1082 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 539. 320 Neste momento, Nelson de Senna já estava totalmente integrado ao posicionamento emopiano e bernardista, sem a atitude oscilante que apresentou no final da década anterior. Como asseverou no púlpito do Legislativo federal, Senna considerava a postura de Bernardes acertada: o governo bernardista se empenhava em solucionar a questão siderúrgica, “nacionalizando-se, em bases ponderadas e seguras, a nossa produção do ferro e do aço, de modo a vir constituir dentro do país, inabalável alicerce de consolidação da nossa soberania” e independência, fundamental para nos dar a aparelhagem metálica necessária para as indústrias e a defesa e segurança do território pátrio.1083 Ainda que exista uma tendência historiográfica de explicar a firmeza de opinião de Senna, em consonância com os anseios bernardistas, apenas como um reflexo da “Carneirada”, ou seja, de uma bancada mineira “a serviço do presidente do Estado e de suas alianças com o presidente da República” na Câmara federal,1084 importa não descartar outros possíveis motivos. Acreditamos que, além da experiência com o impasse da Itabira-Iron, o que pode ter dado o argumento cabal para Senna formar a opinião foi a leitura dos escritos de Alberto Torres. Declaradamente inspirado nas palavras deste ideólogo do nacionalismo autoritário, Senna afirmava que a implantação conveniente das indústrias metalúrgica fabris asseguraria a independência do Brasil, que em sua essência já era uma “nação movimentada por um dinamismo construtor” que deveria ser “inteligentemente orientado pela sadia e renovadora prática dos nossos métodos de atividade e iniciativa”.1085 De acordo com Adalberto Marson, o investimento agressivo de industriais norte- americanos e europeus em economias ditas periféricas, teria solapado a “fé inabalável na capacidade reguladora do mercado” e os valores da sociedade burguesa. Do movimento antimonopolista surgiram duas vertentes. Uma, de inspiração liberal ou neoliberal, que encobria a tácita divisão da sociedade capitalista entre “produtores” e “consumidores”, e o interesse de desenvolver o mercado privado, sob égide de um Estado “neutro”, que regulamente os desvios dos grandes trustes por meio do seu aparato jurídico-institucional. A outra, exacerbada a partir da constatação de que o os desequilíbrios e dominações do capitalismo desenfreado provocou fortes desajustes nos “países mais fracos” no pós-guerra, culpabilizava o imperialismo pelos descompassos nos estágios econômicos das sociedades industriais. Para os adeptos desta corrente, entre eles Torres, render-se às ilusões dos sindicatos e empresários estrangeiros era 1083 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 26 de setembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 609-610. 1084 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 63. 1085 BRASIL. Discurso pronunciado por Nelson Coelho de Senna na Sessão de 21 de novembro de 1923. Coleção Anais da Câmara dos Deputados, op. cit., p. 519. 321 um caso de renúncia nacional, de abdicação “do nosso solo, das melhores das nossas estradas de ferro, das nossas fontes nacionais de riqueza, de grande número de propriedades privadas, dos mais importantes instrumentos de crédito, de comércio e de indústria”. O que estava em jogo era a “recapitulação inteira das nossas conquistas políticas, do nosso desenvolvimento nacional, da nossa independência”.1086 O debate que se arrastou por 20 anos em torno da Itabira-Iron foi, segundo Francisco Iglésias, o “primeiro grande momento da luta pelo nacionalismo econômico no País”. Para se ver “livre da obrigação da siderurgia”, em 1928 Farquhar cedeu os direitos de monopólio sobre a nova ferrovia e o porto de Santa Cruz, conseguidos pelo contrato de 1920. No mesmo ano, conseguiu a aprovação da obra, adiada pela crise econômica da Grande Depressão até 1931, quando Vargas considerou o acordo sem validade, em atendimento a um nacionalismo que não era mais só o de Bernardes, mas dos Tenentes. Ao longo da década de 1930 foram tentadas várias soluções para a siderurgia no Brasil, todas fracassadas, até que, por pressão, sobretudo das forças armadas, Vargas apresentou, em fevereiro de 1938, “três opções possíveis para o estabelecimento de uma grande usina siderúrgica: o empreendimento operado pelo Estado, com financiamento estrangeiro, custeado pela exportação de minério de ferro); a empresa mista de capital nacional e estrangeiro, sob controle estatal; e uma indústria siderúrgica integrada.1087 Em princípios do Estado Novo, a questão ganhou novo relevo, a partir do relatório de Pedro Rache (1938), ex-aluno da EMOP e amigo pessoal de Farquhar, com parecer favorável ao projeto para o Conselho Técnico de Economia e Finanças do Ministério da Fazenda. Em resposta, a Sociedade Mineira dos Engenheiros elaborou no mesmo ano um relatório, assinado por 10 engenheiros, sendo seis formados na EMOP, e entregue ao ministro da Guerra, general Mendonça Lima. De acordo com José Murilo de Carvalho, o posicionamento de Clodomiro Oliveira e a tradição da EMOP foram retomados como argumento para a oposição ao projeto Itabira, mas a censura varguista proibiu a Revista Mineira de Engenharia de publicar o relatório.1088 Após muitas críticas, o Relatório Rache foi abandonado por Vargas. Em 1939 o contrato acabou caducando, mas a disputa continuou quando Farquhar tomou parte na Companhia Mineira de Mineração e Siderurgia, e depois na Companhia Itabira de Mineração.1089 Conforme Carvalho, o projeto Itabira “tinha muitos inimigos: o Exército, a Escola de Minas, os pequenos 1086 TORRES, O Problema Nacional Brasileiro, op. cit., p. 211-222. 1087 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit.; BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit. 1088 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 123-124. 1089 IGLÉSIAS, Política econômica do Estado de Minas Gerais (1890-1930), op. cit. 322 produtores de gusa, os outros proprietários estrangeiros de jazidas, os grupos ligados ao carvão de Santa Catarina e Rio Grande do Sul, um irmão de Oswaldo Aranha, representante dos interesses da Krupp no Brasil”. Além do clima militar desfavorável, afirma Carvalho, o fato é que Volta Redonda já havia sido escolhida para sediar a usina que resolveria o “problema siderúrgico nacional”. A solução encontrada por Vargas foi a Companhia Siderúrgica Nacional.1090 Nos dizeres de Diniz, a escolha de Volta Redonda significou a “perda do projeto siderúrgico”, “‘a pá de cal’ no ambicioso e eufórico projeto de emancipação econômica dos mineiros”.1091 Identificamos pelo menos quatro vertentes explicativas para a “perda” de Itabira para Volta Redonda, as quais podem ser sintetizadas nas seguintes indagações: Arthur Bernardes pegou um momento de incertezas, e o projeto padeceu com isso? O nacionalismo antimperialista torresiano boicotou o projeto mineiro? O acirramento do regionalismo entre os emopianos, do “forte senso de lugar” e do apego à tradição, ícones da ideologia da mineiridade, teria culminado na perda do projeto? O contexto da Segunda Guerra Mundial deu nova ênfase à articulação entre siderurgia e segurança nacional? Havia carências estruturais que tornavam a opção mineira inviável? Segundo Werner Baer, naquele momento passava a fazer sentido desenvolver uma indústria siderúrgica no Brasil. O crescimento industrial dos anos 1930, evidenciava que no Brasil, além da disponibilidade de reservas de minérios de ferro, havia um grande e crescente mercado interno para a siderurgia. As constantes buscas por uma solução para o problema siderúrgico nacional durante o governo Vargas, teriam comprovado o que Labouriau denunciava há mais de uma década: as reservas florestais do país não eram adequadas para suprir uma indústria siderúrgica de larga escala. E, no contexto da “Política da Boa Vizinhança”, propagada pelo Presidente norte-americano Franklin Roosevelt, associar-se ao capital estrangeiro passou a ser considerado prestígio político. Para Baer, havia dois grupos na negociação de Volta Redonda: o composto por nacionalistas e organizações militares, estava interessado no intercâmbio do minério de ferro por equipamentos da Alemanha para a construção de uma usina siderúrgica; o liderado por Oswaldo Aranha, e composto pela organização diplomática brasileira, tinha receio da aproximação com a Alemanha, preferindo associar-se ao capital norte-americano. No final do primeiro semestre de 1940, após uma série de tentativas frustradas, Vargas deu um ultimato aos Estados Unidos, ao afirmar que considerava a questão siderúrgica nacional pedra de toque no quadro da política da boa vizinhança, e convocar o governo alemão a fazer sua oferta. Na concorrência, o governo norte- 1090 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 123-124. 1091 DINIZ, Estado e capital estrangeiro... op. cit. 323 americano saiu na frente, com a concessão do financiamento de US$ 20 milhões de dólares, por meio do Export-Import Bank.1092 A localidade escolhida pela Comissão Siderúrgica Brasileira para implantação da usina foi Volta Redonda, segundo se alegava, por estar próxima ao Rio de Janeiro e São Paulo, onde se poderia conseguir baixos custos na importação de matéria-prima, e na exportação do produto acabado, além de mão-de-obra fácil, proveniente do decadente Vale do Paraíba. Poucos anos mais tarde, todas estas ditas vantagens já eram passíveis de questionamentos: o sistema de transportes não se manteve atualizado, a necessidade de construção de uma cidade industrial invalidou o argumento do barateamento de custos e da força de trabalho.1093 Para Clélio Campolina, é possível que a escolha tenha sido resultado de forte influência do poder político do interventor do Estado do Rio, Amaral Peixoto. Apesar dos protestos de várias entidades de classe mineiras ao relatório de Pedro Rache, afirma o autor, o Estado Novo não deixou espaço para maiores reclamações após a instalação da Usina em Volta Redonda, sobretudo por dois motivos: porque há indícios de que Vargas tenha pressionado seu interventor e aliado, o Governador Valadares, a cessar o encaminhamento de reivindicações sobre o tema; e porque a “débil burguesia industrial” mineira não logrou levar a termo nenhum projeto de peso.1094 José Murilo de Carvalho pontua que a perda do projeto siderúrgico mineiro coincide com o período de menor influência exercida pelos ex-alunos da EMOP na burocracia estatal. Primeiro pelo aumento da iniciativa dos militares na área siderúrgica, sob o pretexto da segurança nacional, como demonstra a migração do assunto do Ministério da Agricultura e Obras Pública, ao qual sempre pertenceu, para o Ministério do Exército. Volta Redonda tinha como negociador e construtor o Major Edmundo de Macedo Soares, engenheiro pela Escola Militar, e os brasileiros que retomaram o seu controle, em 1947, eram essencialmente engenheiros militares formados pelo Exército; os engenheiros da EMOP foram se integrando à CSN gradativamente. Em segundo, porque Minas foi afastada das decisões nacionais, a partir da década de 1930. Se havia um claro caráter nacionalista no posicionamento da EMOP e dos seus ex-alunos, o regionalismo foi se acentuando na medida em que os conflitos sobre a localização de indústrias siderúrgicas se tornavam mais evidentes. A EMOP, preocupada com a construção de uma usina de carvão de madeira em território mineiro, acabou “marginalizada na criação de Volta Redonda”.1095 1092 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit. 1093 BAER, Siderurgia e Desenvolvimento Brasileiro, op. cit. 1094 DINIZ, Estado e capital estrangeiro... op. cit. 1095 CARVALHO, A Escola de Minas de Ouro Preto, op. cit., p. 114-115. 324 Para nós, não há um elemento específico que explique a “perda do projeto siderúrgico mineiro”, mas uma cadeia de fatores, muito bem exemplificada por Baer, Carvalho e Campolina. Havia uma incompatibilidade tanto entre a racionalização produtiva e o controle de determinado recurso como fator preponderante para o investimento em uma dada atividade industrial, quanto entre interesses regionalistas e o nacionalismo, na implantação de um setor cuja demanda vinha justamente da escalada imperialista. Contudo, acreditamos que nesta conjunção de motivos é possível identificar um coeficiente, que multiplica todos os demais: a inflexão entre nacionalismo autoritário e mineiridade. Conforme William Stuart Callaghan, o perfil geral que a historiografia traça de Arthur Bernardes é o da personificação da mineiridade: ortodoxia religiosa, estoicismo, sobriedade, patriotismo místico; um homem calado, severo, auto-confidente e indelevelmente honesto.1096 Para a historiografia da mineiridade, condescendente com Bernardes, estas características podem ser interpretadas como o seu capital simbólico, que ele mesmo contribuiu para delinear. Para os oposicionistas e críticos da mineirice, podem ser consideradas a razão de sua impopularidade e intransigência. A política de nacionalização do projeto desenvolvimentista mineiro, somado à reforma no PRM e a perseguição aos seus opositores, quebrou internamente o “razoável acordo de trégua” e, em termos de federação, colocou o topos do equilíbrio mineiro a toda prova, desbaratando a capacidade “mítica, ideológica e imaginária” de transfigurar o regionalismo em representação nacional.1097 Com Arthur Bernardes, o processo pendular de decidir entre “a conservação ou a transformação das forças simbólicas e das vantagens correlativas”, presentes tanto no nacionalismo quanto no regionalismo,1098 perdeu os freios e balanços. Em prol do Progresso e da modernização, palavras de ordem da Minas do Ferro, Bernardes paradoxalmente exacerbou o caráter tradicional, conservador e religioso atribuído ao mineiro rural. Mas o fez pela via autoritária, o que feriu o “aspecto positivo” do estilo político da Minas da Terra, caracterizada pela “habilidade na negociação, na conciliação, na criação de consenso”.1099 1096 CALLAGHAN, William Stuart. Obstacles to Industrialization: the iron and steel industry in Brazil during the Old Republic. Ph.D. Dissertation. University of Texas at Austin, 1981. 1097 ARRUDA, Mitologia da mineiridade.... op. cit. 1098 BOURDIEU, O Poder Simbólico, op. cit., p. 124. 1099 CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit., p. 65. 325 7.2 – Rota de Colisão: crise oligárquica e depuração das elites O mandato de Arthur Bernardes à frente da Presidência da República foi encerrado em 15 de novembro de 1926. O destino que ele, Nelson de Senna e o Partido Republicano Mineiro teriam a partir de então já havia sido traçado por “novas” e “antigas” matérias a disputar a função de centro gravitacional em Minas e no universo da Federação. De um lado, pela modernização da maquinaria do PRM (1919), com o consequente esvaziamento da Tarasca, e a Reforma Constitucional (1926). De outro, porque o curso natural da política oligárquica era que o candidato à sucessão de Arthur Bernardes fosse decidido pelo grupo de coalizão que o colocou na Presidência. No entanto, o mesmo princípio tradicional que beneficiou Minas em 1926, agora lhe causaria sérias complicações. Tal qual ocorreu na composição da chapa bernardista, o próprio Catete tratou de indicar Washington Luiz como o sucessor “sem consulta prévia às lideranças políticas e aos novos atores sociais”.1100 Para respaldar a escolha bernardista, Nelson de Senna elaborou uma moção de apoio às candidaturas de Washington e Fernando Melo Viana, que vinha ocupar a vaga deixada por Soares na Presidência do Estado. Destinado à Mesa Diretora do PRM, o discurso foi iniciado com a exaltação da importância que a Assembleia Política tinha para o fortalecimento das tradições republicanas. As decisões eram periodicamente votadas por unanimidade em “órgãos expressivos da vontade do povo”, que eram os Diretórios locais. Minas, continua Senna, lograva deixar de lado o seu bairrismo para aspirar os mais altos ensinamentos da sabedoria política, norteados por figuras como João Pinheiro e Raul Soares. O equilíbrio da Federação era conseguido com o apoio de peso: “marcharam sempre unidos São Paulo e Minas Gerais, que continuam a ser os grandes estados da vanguarda a cooperarem com os demais estados irmãos pela crescente grandeza material e moral de nosso estremecido Brasil”. Em nome desta “velha e necessária aliança”, Senna defendia a deliberação da Convenção do PRM, reunida no Rio de Janeiro, de escolher Washington, “com a mentalidade preparada pelo convívio de frequentes viagens ao Velho Mundo”, e Melo Viana, “brilhante continuador da política que nesse quadriênio estava sendo executada pelo saudoso presidente Raul Soares”.1101 Senna e Bernardes não previram a colisão que se avizinhava. 1100 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 287-297. 1101 SENNA, Nelson de. O PRM e as candidaturas de Washington Luiz e Fernando de Melo Viana. In: GUSTIN & LANNA JÚNIOR, Memória Política de Minas Gerais. Nelson Coelho de Sena, op. cit., p. 143-146. 326 7.2.1 – A degola de 1929 Em que pese Washington Luiz ter sido um dos principais apoiadores da eleição de Bernardes no Partido Republicano Paulista, sua eleição representou os primeiros indícios do esgarçamento da parceria Minas-São Paulo. O governo de Washington teve como diretriz o fortalecimento da plutocracia paulista, que evidenciou o flanco aberto por Bernardes ao entregar a liderança na Câmara para Arnolfo Azevedo, em troca do efetivo apoio à sua candidatura à Presidência da República na Reunião do Catete. Sem a liderança da maioria no Parlamento, Minas acumulou sucessivas derrotas na definição das políticas econômicas.1102 Melo Viana, empossado no Palácio da Liberdade em 21 de dezembro de 1926, aproveitou o enfraquecimento de Bernardes também em âmbito estadual, após a morte de Soares, e pôs fim à regra de um homem só no PRM. Para dominar a Tarasca, contou com o apoio de Antônio Carlos, então líder da maioria na Câmara, e adversário político de Arthur Bernardes, sobretudo por sua vinculação ao liberalismo clássico. O sistema colegiado da Comissão Executiva retornou ao “primitivo estilo do coronelismo” e, com ela, Francisco Sales, depois de quase uma década afastado. Como sucessor de Melo Viana, a Tarasca escolheu Antônio Carlos.1103 O compadre de Nelson de Senna tomou posse do governo do Estado em 07 de setembro de 1926. Com um bom relacionamento “com os grupos profissionais e empresariais de Juiz de Fora (sua base), Rio e exterior”,1104 o próximo passo de Antônio Carlos, como aliás era comum na Primeira República, era a Presidência do País. No entanto, as divisões mineiras enfraqueciam as pressões do PRM.1105 Os gaúchos, que haviam se tornado mais próximos do Catete com o afastamento de Minas Gerais, também estavam prontos para sugerir um nome. A indicação vinda do Catete, frustrou a ambos os Estados: o escolhido foi o presidente paulista, Júlio Prestes. A saída foi retomar a antiga aliança mineiro-gaúcha com a elaboração do chamado “Pacto do Hotel Glória”.1106 De acordo com Aspásia Camargo no conflito de interesses entre Minas e São Paulo, o Rio Grande do Sul marcou território para dividir a liderança sucessória com Minas.1107 Enquanto Getúlio Vargas, então presidente do Rio Grande do Sul, buscava um acordo que compatibilizasse os seus interesses com os do Catete e de Minas, a Comissão Executiva do PRM lançou a chapa MG-RS, com Vargas para Presidente, e João Pessoa, da Paraíba, para vice. 1102 SOUZA SOBRINHO. A importância de Minas na política nacional. Rio de Janeiro: Laemmert, 1973. 1103 FLEISCHER, A Cúpula Mineira na República Velha, op. cit., p. 28. 1104 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 166-167. 1105 CAMARGO, Aspásia. A Revolução das elites: conflitos regionais e centralização política. In: CPDOC/FGV. A Revolução de 1930: seminário internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983, p. 20. 1106 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 305 1107 CAMARGO, A Revolução das elites..., op. cit., p. 22. 327 Estava formada a Aliança Liberal, expressão das reivindicações de vários grupos desvinculados da economia cafeeira, os quais, colocados como um instrumento de pressão, fizeram da reforma política, com voto secreto e participação popular, o cerne de seu programa.1108 O acordo de oposição ao governo federal terminaria por dividir ainda mais as lideranças mineiras. Carvalho Brito, ao contrário de outros aliancistas, rompeu com o Catete sem abandonar o seu cargo no governo, como Presidente do Banco do Brasil. A divergência o levou a fundar a Concentração Conservadora, colocando-se como oposição à Aliança Liberal e líder da campanha de Júlio Prestes em Minas Gerais.1109 Em pouco tempo, o grupo serviu de catalizador para outros descontentes, como Melo Viana, cujas pretensões à reeleição foram ignoradas pela Tarasca, ao indicar Olegário Maciel ao cargo. Juntos, Brito e Viana se uniram a Washington Luiz, que não poupou represálias a Minas, entre as quais o bloqueio de créditos e o expurgo de oposicionistas.1110 Como explica Helena Bomeny, a porção do PRM que não aderiu à Concentração Conservadora foi duramente prejudicada por magistrados ligados ao oficialismo federal no momento do reconhecimento dos diplomas.1111 Nelson de Senna foi um dos 14 deputados destituídos, em 1929. Conquanto seja constantemente referenciado na historiografia do período, os trâmites dessa “degola” não são esmiuçados e este é um dos motivos que tornam relevante o requerimento que Senna encaminhou à Comissão de Inquérito. No documento, o político mineiro utiliza um tom ríspido e indignado, poucas vezes encontrado em seus escritos, para denunciar as fraudes à bico de pena ocorridas no processo de eleição dos representantes do 7º distrito mineiro à Câmara Federal. A renovação trienal da Poder Legislativo, afirma ele, foi vítima de um “fato virgem, escandaloso acontecimento, inédito nos anais da vida política brasileira”; um feio e inaudito atentado, [que] antes de ferir os brios e as prerrogativas do Estado de Minas Gerais, veio ricochetear em cheio às faces da própria Câmara, desfalcada da assistência e colaboração sempre patriótica e elevada de uma bancada que , por mais de um século da nossa representação parlamentar, tem primado pela dedicação aos mais palpitantes e interesses vitais da Pátria, trazendo ininterruptamente ao corpo legislativo nacional os conselhos da sua experiência, as lições da sai educação 1108 FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.). Brasil em perspectiva. São Paulo: Difel, 1975, p. 234. 1109 Manuel Tomaz de Carvalho Brito, nascido em Antônio Brito, município de Itabira/MG, foi deputado estadual de 1903 a 1906, e de 1921 a 1924. FARIA, Helena. BRITO, Carvalho. In: ABREU, Dicionário Histórico- Biográfico..., op. cit. 1110 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 168. 1111 BOMENY, Helena. A Estratégia da Conciliação: Minas Gerais e a abertura política dos anos 30. In: GOMES, Angela Maria de Castro (coord.). Regionalismo e Centralização Política: partidos e constituintes nos anos 30. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 133-235. 328 democrática, a cooperação constante de sua atividade cívica e intelectual, como vívida expressão dos sentimentos de brasilidade, que sempre e sempre animaram e orientaram o grande povo que habita.1112 No excerto acima, fica claro que Senna engrandece um conjunto de valores morais e políticos que seriam próprios de Minas Gerais e que a tornavam imprescindível à nação. Como representante deste “fiel escudeiro”, Senna muniu-se de dados de boletins e atas de votação, para reivindicar o seu lugar e o dos deputados Mário Brant, Honorato Alves, Camilo Prates e Elpídio Canabrava. Os detalhes do processo são preciosos. Senna afirma que das 11 horas da manhã do dia 31 de março à 13 de abril de 1930, a Junta Apuradora resolveu com a maioria dos seus três membros desobedecer o voto do Procurador geral do Estado, o Dr. Armando Viotti Magalhães, e fazer um procedimento sui generis: realizaram apenas a apuração das atas das eleições de presidente e vice-presidente da República, sendo que o costumeiro – e que vinha ocorrendo nas demais capitais brasileiras – seria apurá-las juntamente com as atas das eleições para senador e deputado federais. De acordo com Senna, o “plano insidioso”, levado a cabo pela Junta, era de não apurar e, consequentemente não expedir, o diploma de 1 senador e 37 deputados mineiros. Os livros submetidos pelas seções eleitorais dos 216 municípios mineiros ao Juízo Federal de Minas Gerais foram remetidos via Correios de Belo Horizonte à Capital brasileira com “os maços violados dos livros editoriais, não tendo sido franqueados ao exame dos candidatos do Partido Republicano Mineiro os livros e as atas das eleições de senador e deputados”. No que chama de mais “imprudente e cínica das fraudes”, continua, foram consumidos criminosamente os livros legítimos, lá em Belo Horizonte, e em lugar deles uma aluvião de livros monstruosamente fabricados pela concentração reacionária e aqui despejados de comboio militar para virem galardoar com fantásticos resultados de ‘bico de pena’ aos seus candidatos as cadeiras do Parlamento brasileiro.1113 Para fundamentar suas denúncias, Nelson de Senna faz uma conta simples. No sistema eleitoral republicano, cada eleitor dispunha de um voto singular para a Presidência e Vice- Presidência da República, e de votos cumulativos para o sufrágio dos candidatos a deputados. O 7º distrito era representado na Câmara por 5 deputados e cada eleitor poderia votar em 4 nomes. Excepcionalmente, como o pleito foi acirrado e as duas correntes partidárias apresentaram chapas completas de 5 candidatos, optou-se pelo esquema de “rodízio”, ou seja, 1112 APCBH, NCS 4 (27) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 1113 APCBH, NCS 4 (27) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 329 pela distribuição igualitária de votos entre Senna, Brant, Alves, Prates e Canabrava. Se Júlio Prestes recebeu pelo 7º distrito mineiro, 4.093 votos, e Getúlio Vargas 17.037, estes últimos votos multiplicados por 4, que é o total de nomes a que cada eleitor tem direito, levam ao total de 68.148 votos, que divididos pelos cinco candidatos resulta em cerca de 13.600 votos para cada um. Estava aí, a seu ver, uma prova irrefutável de que as atas originais foram desconsideradas e fraudadas. Nelson de Senna dizia crer que a Comissão fosse sensível aos apelos e entendesse as manobras como indignas do regime representativo, o que não ocorreu. As artimanhas falsificatórias que Senna denunciou não eram novidade, e serviam tanto à situação quanto oposição. O fato inédito era Minas ter seu poderio cortado pela raiz, com a perda não só de cadeiras, mas de Comissões essenciais ao bom desenrolar das políticas que eram de seu interesse. Pela primeira vez, Minas ficava à mercê da intervenção federal que tanto driblou com uma Comissão Executiva fortalecida.1114 Diante da eminência da perda do poder, “foi com relutância que Minas se juntou à revolução liderada pelos gaúchos”.1115 Em 1930, utilizando largamente a “máquina” eleitoral, a Aliança Liberal conseguiu surpreendentes 298.627 votos para Getúlio Vargas contra 982 de Júlio Prestes no Rio Grande do Sul.1116 Ainda assim, no balanço geral do país, Júlio Prestes conseguiu se eleger em disputa acirrada. Enquanto Antônio Carlos tentava apaziguar os ânimos exaltados pela declaração de Vargas, de que reconhecia o resultado das urnas, Arthur Bernardes apoiava jovens oligarcas mineiros e gaúchos, que conspiravam com Oswaldo Aranha para um levante armado. Em vão Vargas tentava frear os impulsos dos seus conterrâneos. As pressões de ambos os lados para que assumisse a opção revolucionária só faziam aumentar. Para Viscardi, a Revolução de 1930 foi deflagrada justamente pela divisão interna dos dois estados. Em Minas pelo embate entre a relutância de Antônio Carlos e o inconformismo de uma parcela da jovem geração política de inspiração bernardista. E, no Rio Grande do Sul, pelo conflito entre a cautela de Vargas e o posicionamento combativo do grupo de Aranha.1117 1114 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 310. 1115 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 168. 1116 FAUSTO, A Revolução de 1930, op. cit. 1117 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 310. 330 7.2.2 – O período Varguista Getúlio Vargas e Antônio Carlos relutaram em adotar a opção armada, retardando o início da Revolução, então marcada para 1º de julho. Novas datas foram propostas, primeiro em agosto, depois em setembro, mediante a alegação de João Neves de que o movimento ainda não se encontrava suficientemente maduro, e, por fim, em outubro.1118 O assassinato de João Pessoa foi o estopim. Dada a fraqueza do governo de Washington Luiz, a 5 de outubro de 1930 o Rio Grande do Sul e Pernambuco já haviam sido tomados pelos revoltosos e as resistências do 12º RI de Belo Horizonte e de Itararé, em São Paulo, estavam contornadas.1119 Getúlio Vargas assumiu a Presidência do Governo Provisório em novembro do mesmo ano, no que parecia ser uma vitória de todas as partes da Aliança Liberal. Para Nelson de Senna, a AL era um esforço dos mineiros frente aos “mais palpitantes problemas nacionais”, sinal eminente da firme e inalterável amizade dos mineiros para como todos os Estados-irmãos. O quadriênio a se iniciar era, a seu ver, único, uma “feliz oportunidade de uma louvável e renhida peleja em torno dos programas, ideias e princípios no terreno da competição eleitoral”, que elevaria as lutas cívicas. O maior desejo de Senna era de que os lados opostos levassem a uma contenda cívica e não ao simples ódio. Unia-se à Aliança Liberal por acreditar em vindouros dias de prosperidade à nação o que, pode-se especular, significava a contemplação dos anseios mineiros por intermédio de Artur Bernardes, figura que “conjugava a retilínea conduta moral e a serena de uma alma enérgica”.1120 Talvez estejamos diante de uma propalada crença de que a Revolução de 1930 foi uma luta contra o pacto oligárquico, quando, em verdade, o que se pretendia era a restauração das regras do jogo quebradas por Washington Luiz.1121 Os aliancistas eram um grupo de pressão, muito mais do que um grupo revolucionário. Foram as circunstâncias que apontaram para a direção de que a solução não seria alcançada pelas urnas, e sim pela luta armada. Nesse quesito, foi imprescindível recorrer a um grupo até então rechaçado e temido pelos velhos oligarcas: os tenentes, que desde o início da década de 1920 vinham se articulando em insurreições armadas.1122 No limiar de 1930, ficou evidente que os tenentistas compartilhavam das mesmas insatisfações que as elites político-intelectuais da AL, isto é, a percepção da distância entre o 1118 MOREIRA, Regina da Luz. Verbete “Aranha, Oswaldo”, op. cit. 1119 FAUSTO, A Revolução de 1930, op. cit. 1120 APCBH – NCS 4 (23) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Discurso Pronunciado na sessão da Câmara Federal sobre a presença do espírito de brasilidade nos políticos mineiros e sua contribuição para a política nacional, agosto de 1929. 1121 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 319. 1122 FAUSTO, A Revolução de 1930, op. cit., p. 234. 331 povo e os ideais de progresso presentes nos modernos meios de representação política. Aos poucos a conjunção momentânea de interesses entre tenentes e aliancistas se tornou inconciliável com os planos para o momento posterior à tomada do poder. Ecoava no meio tenentista a lógica da revolução como meio, a ditadura como princípio, e a transição para um governo verdadeiramente republicano como fim.1123 Bomeny acredita que esta aliança, comprometida na base, seria a principal responsável pela instabilidade de Minas após a Revolução.1124 O objetivo principal de Arthur Bernardes ao levar o PRM a entrar na luta armada, explica a autora, foi o de restabelecer o jogo político com São Paulo. O esforço maior dos tenentes à frente do aparelho de Estado varguista foi justamente coibir as forças oligárquicas. Muito embora a vitória da coalizão de 1930 tenha engrandecido momentaneamente Bernardes, muitas vezes sobrepujando a liderança de Antônio Carlos na Comissão Executiva e até mesmo a de Olegário Maciel, então Presidente de Minas, nos jornais cariocas, os tenentes denunciavam o jugo oligárquico bernardista. A ala mais radical dos políticos mineiros, capitaneada por Oswaldo Aranha, incorporou a crítica e a ideologia tenentista e formou a Legião de Outubro. O intuito declarado era opor-se ao regionalismo oligárquico que Bernardes buscava resgatar e fundar um partido nacional. O sentido velado era acabar com o Bernardismo, tanto que os entusiastas faziam parte da mesma oligarquia que julgavam combater. No entendimento dos legionários, este era o obstáculo que impedia que Minas fosse efetivamente integrada na Revolução. A princípio, porém, o agrupamento parecia um bom negócio para oposição e situação. Mesmo Arthur Bernardes que, com o desenrolar dos acontecimentos, evidenciou-se como o alvo, entendia que estar em um grupo com os revolucionários de 1930 fortaleceria seu poderio.1125 As perseguições diretas a muitos prefeitos – lembrando que o suporte do PRM provinha do clientelismo municipal, mostrou que isso era impossível, e levou a Comissão Executiva a se reunir, em meados de agosto de 1931, sob a liderança de Bernardes. A deposição de Olegário Maciel era a principal reivindicação. Há tempos Aranha planejava dominar o cargo. O recurso às armas, como era de seu gosto, foi a opção definida na reunião. Na data marcada, Aranha reuniu as tropas e cercou o Palácio da Liberdade, exigindo que o comandante da guarnição assumisse a Presidência até que Virgílio de Melo e Franco fosse nomeado como interventor. A negativa de Maciel, encorajada pelo respaldo das tropas chefiadas por Gustavo Capanema, 1123 CAMARGO, A Revolução das elites..., op. cit., p. 07-46. 1124 BOMENY, A Estratégia da Conciliação... op. cit. 1125 BOMENY, A Estratégia da Conciliação... op. cit. 332 secretário do Interior e da Justiça, e pela carta de Vargas, oferecendo-lhe apoio, frustrou o golpe do “18 de agosto”. A via da conciliação foi mais uma vez a solução. O “acordo mineiro”, como ficou conhecido, fundiu o PRM e a Legião, e deu origem ao Partido Progressista. Na nova Comissão Executiva, velhas e jovens lideranças políticas foram postas lado a lado.1126 Paralelamente, cresciam as pressões para o retorno à legalidade, um verdadeiro ponto de impasse, pois os tenentes temiam que uma Constituição e consequente abertura política pudesse levar os oligarcas a reativar os partidos políticos e suas bases de apoio. Foi a radicalização das reivindicações, insufladas pela morte de quatro jovens (Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo) na invasão de um jornal tenentista, que culminou na Revolução Constitucionalista de 1932. Aspásia Camargo afirma que o evento deflagrado em São Paulo, apesar de derrotado pelas forças legalistas, serviu como um marco depurador das antigas oligarquias e dos tenentes, com a exclusão de importantes lideranças políticas, dentre elas Arthur Bernardes, acusado de pactuar com o levante.1127 Na Assembleia Constituinte, instalada em 15 de novembro de 1933, o PRM conseguiu emplacar apenas seis deputados contra 31 do PP de Olegário Maciel.1128 Acusado de participar na Revolução Constitucionalista de 1932, Bernardes exilou-se em Lisboa, de onde buscou articular o retorno do PRM. Como orador da reunião de saudação à volta de Bernardes do exílio, em 1934, Nelson de Senna dizia: A força da nossa cautelosa corrente partidária dimana, portanto, da fé nos postulados do nosso programa político, expressão inteligente dos princípios que norteiam a nossa ação em prol dos legítimos interesses da Federação e do nosso estado natal. E ainda repousa essa vitalidade do PRM na confiança em que a vitória há de vir a coroar nossos esforços conjugados para o prélio das urnas, em outubro.1129 O que o PRM aspirava, continua Senna, era, com as garantias legais do voto livre, limpo e fiscalizado, reconquistar “a sua tradicional política de moderação e equilíbrio a hoje quase abafada e perdida influência de Minas nas vozes e conselhos da República”. Em tom profético, conclamava todos os mineiros a se dirigissem às urnas no 14 de outubro de 1934 “com firmeza de convicções, coragem de atitudes e serenidade de proceder”, para dar início a um novo tempo: Foi preciso que fatos sinistros nos trouxessem a amarga experiência de um eclipse histórico, durante o qual este grande pedaço da Federação brasileira curtiu todas as agruras e provações possíveis, desde os últimos meses antecedentes ao movimento revolucionário, em outubro de 1930, e através do prolongado tormentoso crepúsculo 1126 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 218. 1127 CAMARGO, A Revolução das elites..., op. cit. 1128 MALIN, Mauro. BERNARDES, Artur. In: ABREU, Dicionário Histórico-Biográfico…, op. cit. 1129 APCBH - NCS 4 (33) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 333 ditatorial, até que para nós chegasse o raiar da alvorada de julho deste ano, em que o Brasil acordou constitucionalizado, reingressando na categoria das nações soberanas e donas de seus próprios destinos.1130 Como podemos notar, Senna acreditava no retorno do PRM nas eleições de 1934. A promulgação de uma Constituinte democrática, que garantia o voto direto e secreto, pluralidade sindical, alternância de poder, entre outros, em 16 de julho de 1934, nutria-o de esperanças. Contudo, ao fim e ao cabo, a Constituição de 1934 foi um desvio liberal de um projeto autoritário. Significa que foi uma concessão conjuntural, para o governo federal retomar as rédeas da organização política pós-1932. O passo seguinte foi garantir o retorno à ordem. A escolha do novo Presidente da República ficou a cargo da Constituinte, e ocorreu em 17 de julho de 1934. Vargas conseguiu 175 votos, contra 71 distribuídos para os demais candidatos, entre eles apenas um destinado a Arthur Bernardes. Nas eleições para o Legislativo, em outubro de 1934, muitos dos deputados constituintes se mantiveram nos cargos. A intenção de Vargas foi “atuar neste novo processo eleitoral de forma a reforçar seus núcleos de apoio regional”.1131 Nesse ínterim, ao sondar sobre a possibilidade de prorrogar o seu mandato, Vargas se deu conta de que pelos meios legais a oposição era por demais cerrada. O episódio da Intentona Comunista (1935) – uma rebelião liderada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL), de militares simpatizantes ao comunismo, forneceu a justificativa necessária para que seus planos se materializassem à força. Em 1937, amparado em uma suposta ameaça comunista do Plano Cohen – posteriormente desmascarada como parte do projeto golpista – Vargas decretou estado de guerra, fechou o Congresso e deu início ao período que ficou conhecido sob a alcunha de Estado Novo.1132 Em defesa da redemocratização, um grupo de intelectuais de Minas Gerais, dentre os quais Nelson de Senna e Arthur Bernardes, assinou uma carta aberta, publicada em 24 de outubro de 1943, que ficou conhecida como Manifesto dos Mineiros. Em linhas gerais, ao menos simbolicamente, o documento procurava reforçar o papel de Minas Gerais na defesa dos interesses republicanos e democráticos. Para Sérgio Miceli, há um elemento de fundo empalidecido por este discurso mais evidente que merece atenção. Os signatários do documento seriam aqueles alijados da política varguista, órfãos de um Partido Republicano Mineiro – PRM 1130 APCBH - NCS 4 (33) – ATIVIDADES PARLAMENTARES. 1131 PANDOLFI, GRYSZPAN, Da Revolução de 30 ao Golpe de 37, op. cit., p. 20. 1132 CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Estado Novo, o Dops e a ideologia da segurança nacional. In: PANDOLFI, Dulci (org.). Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1999, p. 327-340. 334 e de um Bernardismo em declínio.1133 Estas questões ganham sentido quando lembramos que Nelson de Senna não conseguiu se reeleger deputado após 1929, abandonando a carreira política. A tal postura, Vera Alice Cardoso Silva chamou “coerência”, uma vez que “não se dispôs a continuar no PRM que buscou adaptar-se aos novos tempos políticos (...) e não aderiu ao novo pacto, cujos fundamentos não mais respeitavam a lógica do “liberalismo à brasileira”, que vigorou na Primeira República.1134 A devoção aos ideais originais do PRM é perceptível na afirmação de que o partido traduzia a “alma republicana” de Minas Gerais, com o apego à tradição e à constância da fé republicana, o amor intenso pela liberdade e o respeito à lei. Notável, também, que, no entender de Senna, todos estes preceitos, bem como o que entendia por federalismo, se incompatibilizavam com a política varguista. A verdade é que todo o aparato sob os quais o capital político de Senna estava assentado foi malbaratado antes mesmo da Revolução de 1930 per si. João Pinheiro e Raul Soares haviam falecido há algum tempo; Francisco Salles faleceu em 1933. Restavam Antônio Carlos, seu compadre, que deixou o PRM para se juntar ao PP; e Arthur Bernardes, seu companheiro de juventude, que se elegeu como deputado federal em 1934, na condição de oposição à Vargas. De nada adiantava. No processo de depuração das elites, que se estendeu de 1930 a 1937,1135 Senna sucumbiu. Sem os seus eixos de órbita, a sua função “político asteroide” chegava ao fim. Senna deixou a política para se dedicar ao ofício intelectual e ao magistério, que exerceu até a sua morte, em 1952. Arthur Bernardes ainda persistiu na política por tempo considerável. Juntamente com outros dirigentes de partidos republicanos estaduais, contrários à ditadura varguista do Estado Novo, Bernardes participou da criação e da primeira comissão provisória da União Democrática Nacional, em 07 de abril de 1945. No mesmo ano, uniu-se a outros antigos líderes empenhados na campanha pela redemocratização do Brasil e fundou o Partido Republicano (PR), partido que dirigiu até 1955, ano de sua morte. Para autores como Callaghan, a longevidade na vida pública foi justamente o que contribuiu para a imagem do governo bernardista, como um dos mais controversos da história brasileira, negativado pela historiografia como xenófobo e intransigente.1136 Para nós, a análise precisa ir além desta interpretação. A investigação do processo de construção do componente ideológico do “revanchismo” e “nacionalismo” 1133 MICELI, Sérgio. Carne e Osso da elite política brasileira pós-1930. In: FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira. O Brasil republicano. Sociedade e política (1934-1964). São Paulo: Difel, 1981, vol. 3, p. 559-596. 1134 SILVA, Estudo Crítico: Nelson de Sena: Ideias e Ideais de um Republicano Conservador, op. cit., p. 38-39. 1135 PANDOLFI, GRYSZPAN, Da Revolução de 30 ao Golpe de 37, op. cit. 1136 CALLAGHAN, Obstacles to Industrialization… op. cit. 335 bernardista mostrou-se igualmente relevante. A passagem do pensamento desenvolvimentista/modernizador de João Pinheiro para o de Arthur Bernardes revelou-se como um prolongamento do próprio processo de elaboração do pensamento industrial brasileiro: protecionista, nacionalista, centralizador, modernizante, desenvolvimentista. Com os pés no passado e os olhos no futuro, Arthur Bernardes foi um exímio representante da modernização conservadora. 336 Considerações Finais O objetivo principal deste trabalho foi revisitar o projeto de modernização econômica de João Pinheiro, e propor uma nova leitura sobre o seu processo de gestação e implantação nas dimensões dos poderes de Minas Gerais. O exame das relações intra-elites mineiras foi o nosso fio condutor, por meio do qual problematizamos e ampliamos as perspectivas de análise comumente presentes na historiografia. O ponto de partida foi entender que o desenvolvimentismo mineiro, como ideia e ação políticas, não se restringe a um único protagonista ou núcleo familiar. Avaliamos que a construção do projeto se deu, pari passu, à invenção dos sujeitos que o protagonizaram como elites políticas, mapeados no cruzamento entre fontes e bibliografia. A hipótese que nos embasou é de que Nelson de Senna, Arthur Bernardes e Raul Soares foram peças-chave nas fases seguintes do projeto, por nós denominadas como execução, revisão, reordenamento e desmantelamento. No Capítulo 1, traçamos o perfil e radiografamos as linhas gerais de suas trajetórias pessoais e políticas. Um duplo processo, a nosso ver, permitiu a Senna firmar-se como um asteroide, e Bernardes e Soares a consolidarem-se como verdadeiros planetas. De um lado, a articulação dos elementos geracionais, educacionais, pessoais, profissionais e relacionais com o “movimento de rotação” da constelação política mineira em torno da Tarasca. O trio possuía características que se encaixavam tanto nos planos de João Pinheiro quanto eram próprias a um grupo de interesse ao qual o Partido Republicano Mineiro, o núcleo operacional da política de Minas no período, era bastante sensível. De outro, a percepção, a nosso ver uma espécie de astúcia política, em fazer da defesa da agenda pinheirista uma importante aliada na construção e reprodução contínua de seus capitais políticos. A fim de entendermos em que medida as propostas desenvolvimentistas atendiam aos anseios das elites políticas e econômicas mineiras, a ponto de mobilizá-las ou não, independente da presença física de João Pinheiro, no Capítulo 2 fizemos um retrospecto do momento de gestação das ideias. Constatamos que as noções de ruptura com o antigo e de aceleração do destino de Progresso, que estão na raiz da ideologia da Modernidade (sobretudo em sua versão em negativo), foram habilmente manejadas por Pinheiro em dois momentos fundadores e simbolicamente representativos: a construção de Belo Horizonte e a “ação inaugural” de sua fundação, o I Congresso Agrícola, Comercial e Industrial de Minas Gerais. Realizado em 1903, o evento foi um momento basilar da aliança entre burguesia nascente e aristocracia rural, colocadas sob a tutela do Estado. Como protagonista do processo de diagnóstico das 337 fragilidades da economia mineira, Pinheiro materializou os princípios que o guiavam como prognóstico (programa de ação) do I CACI, atuando como amortizador dos impactos entre tradição e modernidade. Assim, o evento marcou o retorno triunfal de Pinheiro à cena política, após um período de afastamento, motivado pela desilusão com os rumos da República. Como vimos no Capítulo 3, a capacidade de conciliação, algo que entrou para a historiografia e para a memória social como um comportamento político tipicamente mineiro, contribuiu para que Pinheiro, em dois anos de governo, conseguisse implantar medidas centrais para a organização do trabalho e da produção de Minas, sem grandes embates, mas não sem debates. No Congresso Mineiro, Nelson de Senna e Arthur Bernardes atuaram no sentido de garantir que a agenda pinheirista não fosse suplantada por antigos projetos. Duas questões nos chamaram a atenção. A primeira é que algumas preocupações que Pinheiro encarnava já estavam no horizonte do Executivo e Legislativo mineiros, o que é, até certo ponto, previsível, visto que, no intervalo de três anos entre a realização do I CACI e a posse de Bernardes, Francisco Sales aprovou um pacote econômico de diversificação produtiva. A segunda foi o papel de Senna e Bernardes na construção de uma aura de novidade e eficácia em torno da agenda pinheirista, para nós, componente essencial para que Pinheiro pudesse fazer da “crise” econômica a “ação inaugural” de seu capital político heroico e profético. A dinâmica ultrapassou a existência de João Pinheiro e aqui acreditamos residir uma das contribuições de nossa pesquisa ao debate historiográfico. No Capítulo 4 sustentamos a tese de que não houve, como propalado pela historiografia consultada, um compasso de espera na realização do projeto de 1908, ano de falecimento de João Pinheiro, até 1933, quando o filho Israel Pinheiro deu continuidade à agenda do pai. O recorte temporal que propusemos como de efetiva execução da agenda pinheirista é de 1908 a 1918, período em que Senna seguiu como deputado estadual; Soares foi deputado estadual e Secretário da Agricultura; e Bernardes foi deputado estadual e Secretário de Finanças. Por uma década, o trio manteve as ideias pinheiristas vivas e empenhou-se em materializá-las. Entretanto, diferentemente do que ocorreu no governo de Pinheiro, possivelmente beneficiado pelo curto espaço de tempo, as classes ociosas apresentaram resistências quando Senna, Bernardes e Soares avançaram sobre estruturas típicas do poder oligárquico, como direitos de propriedade latifundiária e representação regionalista de interesses. Digno de nota neste capítulo foi a constatação de que havia uma margem de manobra não desprezível nas ações individuais dos políticos recrutados e nas funções que lhes foram atribuídas pela Tarasca, o que nos permitiu relativizar a noção de um Executivo hegemônico. 338 Deste modo, confirmamos a validade do modelo analítico do Estado como via de representação dos interesses das classes dominantes, mas também como um corpo amplo plural, que comporta uma ação política autônoma na defesa de ambições diversas. As provas cabais da autonomia relativa e do fato de que a (re)leitura do projeto desenvolvimentista de João Pinheiro serviu de substrato à conformação do capital político do trio estão na permanência de Nelson de Senna no Congresso Mineiro, a despeito do expurgo que Silviano Brandão fez dos principais aliados pinheiristas, em 1908, e da defesa de alguns pontos de embate com as estruturas oligárquicas. O mesmo se pode dizer da velocidade com que Arthur Bernardes e Raul Soares se projetaram no PRM. Em 1918, ambos já encabeçavam uma “renovação” nos quadros do partido, impulsionada pelo envelhecimento e enfraquecimento das antigas lideranças da Tarasca. Repetindo um dos “atos inaugurais” de Pinheiro, Bernardes e Soares modernizaram a maquinaria e os estatutos do PRM, pondo fim ao sistema de colegiado e concentrando os poderes de decisão e recrutamento no âmbito do Executivo. Chegamos ao Capítulo 5 com a proposta de uma nova abordagem sobre o “vazio” que teria se apresentado após a morte de Pinheiro. Não há dúvidas de que a ideia foi simbolicamente forjada, mas não exclusivamente por um construto familiar, como nos afirma Angela de Castro Gomes.1137 Para nós, Arthur Bernardes vislumbrou na “orfandade” deixada pela saída de cena do maior planeta do sistema solar mineiro, em termos de simbologia da Modernidade e do Progresso, uma oportunidade de também construir o seu capital heroico e profético. Num jogo de poderes, Bernardes completou a apropriação iniciada em 1908 e colocou o projeto desenvolvimentista mineiro sob sua órbita, para o que contou com o apoio de Senna no Legislativo estadual e de Soares na Secretaria do Interior e da Justiça. À frente da Presidência de Minas, entendemos que Bernardes realizou uma revisão do projeto pinheirista, imprimindo- lhe a sua marca pessoal: a adoção de um Estado forte e centralizado. O quadriênio bernardista no governo mineiro, a nosso ver, marca o princípio da ampliação do projeto de João Pinheiro para os quadros da nação, completado com a eleição de Arthur Bernardes para a Presidência da República, em 1922. Isto posto, no Capítulo 6, questionamos algumas interpretações historiográficas, complementares às que atribuem à Israel Pinheiro a continuidade pela obra de João Pinheiro. Para Clélio Campolina Diniz e José Murilo de Carvalho, foi a tecnoburocracia da EMOP que levou o desenvolvimentismo mineiro para a esfera da Federação, a partir do Estado Novo.1138 Desta vertente deriva uma outra interpretação, 1137 GOMES, Memória, Política e Tradição Familiar..., op. cit., p. 81; 90. 1138 DINIZ, Clélio Campolina. Estado e capital estrangeiro..., op. cit.; CARVALHO, Ouro, Terra e Ferro..., op. cit. 339 defendida por Daniel Barbosa, de que, dentro dos quadros emopianos, o protagonismo coube ao ex-aluno Clodomiro de Oliveira, o “verdadeiro” cérebro por trás do projeto siderúrgico mineiro.1139 Como procuramos demonstrar, o esforço de instalação de uma siderurgia nacional, como parte de uma política desenvolvimentista, acompanhou Arthur Bernardes do Palácio da Liberdade ao Catete. Ainda que Oliveira e a EMOP tenham inspirado alguns direcionamentos bernardistas, a questão maior estava no contexto nacional e internacional da década de 1920, que associou industrialização e nacionalismo como Ideologia de Estado. Longe de reivindicar uma bandeira de pioneirismo para Arthur Bernardes, interessou- nos examinar forma, conteúdo, peculiaridades e pluralidades do pensamento desenvolvimentista, a fim de apresentarmos novos ingredientes e argumentos para problematizar as vias liberais e autoritárias de modernização. O programa reformista iniciado por Bernardes, em Minas, foi continuado por ele no governo federal, a partir de 1922. Segundo a lógica de que a República foi degenerada e desviada dos caminhos da Ordem e do Progresso, argumento fortalecido pelas convulsões sociais que marcaram o período, Bernardes promoveu reformas educacionais e constitucionais sob estado de sítio. Acreditamos que o alinhamento com o pensamento autoritário foi o caminho escolhido para universalizar os princípios centrais de organização do trabalho, crédito, e atividade produtiva da agenda pinheirista. Desta afirmação extraímos duas conclusões principais, intrinsecamente ligadas. A primeira é a de que o autoritarismo e a intransigência levaram à quebra da Illusio central do jogo político mineiro: a da “trégua pactuada”. A morte de Raul Soares, em 1924, impediu Bernardes de continuar com sua política “de um homem só” e permitiu que os superchefes expurgados pela reforma do PRM recuperassem um poder relativo.1140 Dividida, a bancada mineira ficou enfraquecida no jogo político da Política dos Governadores. A cisão resultante impactou diretamente o tumultuado governo de Arthur Bernardes na Presidência da República; a aliança entre Minas e São Paulo, pela ausência de consenso na escolha do candidato à sucessão presidencial de 1929; e a posterior perda de cadeiras no Congresso Federal, que retirou Nelson de Senna da vida política. Os arranjos sucessórios estaduais e federais de 1929 terminaram de sugar as poucas forças que ainda restavam do Partido Republicano Mineiro, coroando a quebra da “conciliação intraoligárquica”, que comprometeu irreversivelmente a participação do PRM na política federal a partir de 1930.1141 1139 BARBOSA, Tecnoburocracia e Pensamento Desenvolvimentista..., op. cit. 1140 WIRTH, O Fiel da Balança..., op. cit., p. 234. 1141 VISCARDI, O Teatro das Oligarquias..., op. cit., p. 43. 340 A segunda conclusão é a de que o revanchismo bernardista não foi apenas fruto de um caráter opinioso e voluntarioso. Houve um forte componente ideológico que embasou tanto as perseguições aos seus opositores quanto a sua política de modernização conservadora. A adesão a uma ideologia de Estado, presente no horizonte de ideias da década de 1920, foi consciente e planejada. Foi mais uma estratégia de ataque do que de simples reação às forças de oposição. Por esta via, o destino final do projeto pinheirista na Primeira República se afastou da concepção inicial. O desenvolvimentismo foi o meio, o Progresso continuou sendo perseguido como fim, mas a rota da Modernidade como princípio foi desviada para o da Modernização autoritária, como ficou evidente no período seguinte, com o governo de Israel Pinheiro e as reformas de Francisco Campos na Era Vargas. O “desvio”, a nosso ver, confirma para Minas e para o Brasil, entre 1889 e 1930, a hipótese de Raymundo Faoro: o processo de modernização não alterou profundamente as estruturas; antes, pautou-se pelo reformismo cientificista, protecionista, despótico e excludente. A partir da crítica de Touraine, compreendemos o fato como parte de uma ideia de Modernidade que, ao se mesclar com o nacionalismo, ganhou um problema de forma e conteúdo, originando “um ser nacional mais modernizador do que moderno”.1142 Nesse sentido, o voluntarismo e o dirigismo do Estado regulador são levados às últimas consequências e o desenvolvimento social é colocado em segundo plano. Na passagem da órbita de João Pinheiro para a de Arthur Bernardes, o projeto desenvolvimentista mineiro adquiriu um cunho moralizador e de achatamento das ações das classes mais baixas, colocadas sob a tutela estatal. Ao povo foi imputado o ônus da ideia de Modernidade, com a luta aguerrida contra o modus vivendi tradicional sem, no entanto, compartilhar do bônus do Progresso, posto que manteve muitas das estruturas sob os quais se assentava o status quo das elites oligárquicas. O Executivo fortalecido e centralizador, embora não absoluto, contribuiu para um Legislativo desvalorizado1143 que, a despeito da burocratização e da autonomia relativa, seguiu como um lugar de materialização dos interesses das classes dominantes e não de representação popular. Como resultado, a sonhada Modernidade das elites foi imposta não para atender às demandas sociais ou aos aspectos racionais do bem comum republicano. Puxando o fio das questões que expusemos na Introdução, é possível compreender o estranhamento da sociedade brasileira quando se vê confrontada com os parlamentares, como no processo de Impeachment, e a violência de uma barragem de detritos tóxicos de mineração construída em meio a um 1142 TOURAINE, Critica de la Modernidad, op. cit., p. 138. 1143 CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 341 vilarejo, sem estudo de impactos socioambientais ou fiscalização adequada, como sintomas de uma danosa permanência. A constatação nos acende o alerta para a força argumentativa e legitimadora do discurso de modernização das estruturas econômico-sociais, apresentada como solução para o colapso social e a degeneração política. O sentimento de “crise” estrategicamente fomentado pelas elites políticas e classes conservadoras para a implementação de reformas reacionárias, autoritárias, imediatistas, utilitaristas e excludentes – recurso amplamente utilizado na Primeira República –, guardadas as devidas proporções históricas, continua a nos assombrar no presente. 342 ANEXOS Medidas julgadas urgentes pela Comissão Fundamental do I CACI1144 1. A substituição do imposto do café pelo imposto territorial. 2. A inversa proporcionalidade entre o imposto do café e a sua qualidade. 3. A taxação proibitiva do café misturado/impuro. 4. Pagamento do imposto do café direto ao exportador, sem intermediário. 5. Diminuição transitória do frete do café. 6. Diminuição de impostos e fretes a particulares que queiram exportar diretamente o café no exterior. 7. Prêmios aos produtores de cereais, de preferência de milho, feijão, arroz e batata, junto às estradas de ferro, como forma de incentivo. 8. Concessão de prêmios para a produção de algodão em áreas dotadas de fábricas de tecidos. 9. Concessão de prêmios para o gado vacum, cavalar e suíno. 10. Concessão de prêmios às cooperativas agrícolas municipais. 11. Concessão de prêmios aos melhores produtos e animais premiados em feiras municipais. 12. Criação de uma seção para a exposição de mercadorias mineiras na Recebedoria do Estado. 13. Criação de um laboratório de análise de terras e fertilizantes, separado ou anexo à Escola de Minas de Ouro Preto. 14. Instalação agrícola na capital como modelo de pequena cultura aperfeiçoada. 15. Criação de uma escola prática de agricultura e zootecnia. 16. Criação de duas estações agronômicas especializadas para leitura e prática da zootecnia. 17. Estabelecimento de tarifas aduaneiras protetoras para a indústria pastoril mineira. 18. Nova organização das feiras mineiras, com comissários que garantam as transações e a defesa do boiadeiro mineiro. 19. Cobrança ad valorem e não per capita do imposto sobre o gado. 20. Definição da arroba do gado em balança especializada e não por apreciação pessoal. 21. Liberdade de comércio para as carnes verdes na Capital Federal. 22. Isenção de direitos aduaneiros sobre importação de gado de raça. 23. Prêmios aos três maiores criadores de gado cavalar, bovino e lanígero de raça pura. 24. Regulamentação, por parte do Estado, da fabricação e comércio de margarina. 25. O Estado deveria pleitear junto à União a diminuição de taxas e direitos de alfândegas sobre maquinário e acessórios importados para as indústrias manufatureiras. 26. O Estado deveria pleitear junto à União o imposto de proteção à indústria da fiação e taxação elevada e gradativa do fio importado. 27. O Estado deveria pleitear junto à União o imposto do selo equiparado à qualidade do tecido. 28. Criação de escolas públicas junto às fábricas com mais de 100 operários. 1144 O CONGRESSO Agrícola, Comercial e Industrial de 1903, op. cit. 343 29. Envio três industrias de renome para fazer curso de aperfeiçoamento na Europa. 30. Apresentar à União a conveniência de impostos protetores aos curtumes. 31. Estabelecimento do prêmio de 25:000$000 para a indústria que se estabelecer na Capital com fundição para a fabricação e conserto de máquinas, e a fabricação de vasilhames (tancaria, latas, etc). 32. Estabelecimento do prêmio valioso para a fábrica de garrafas que se estabelecer nas proximidades das águas minerais e em pontos industrialmente convenientes. 33. Criação de uma inspetoria ou seção técnica de agricultura, indústria e minas. 34. Criação imediata de um serviço de exploração oficial, por engenheiros de minas, dos leitos dos rios e das explorações do veeiros auríferos do domínio do Estado, ou de particulares, quando estes requererem. 35. Reformar ou complementar a legislação sobre minas, especialmente no que se refere à desapropriação por utilidade pública ou venda em hasta pública. 36. Definição de rio público, adotando-se para isto um critério positivo. A Comissão indica o da respectiva vasão, que pode ser estabelecido pela determinação da dos rios já definidos públicos, na lei ou na prática, em concessões feitas desde os tempos coloniais. 37. Vender o direito de exploração do leito dos rios e não os conceder gratuitamente. 38. Prêmios para a fabricação do cianureto de potássio e da dinamite, indústrias que são auxiliares da mineração. O prêmio deveria ser pago após um ano de instalação das fábricas, e o Estado deveria pleitear junto à União o estabelecimento de tarifas protetoras para essas mercadorias. 39. Estabelecimento de impostos de consumo, ao invés dos impostos de importação, para os produtos das indústrias auxiliares. 40. Não fazer concessões gratuitas, e sim vender o direito de exploração das forças hidráulicas dos rios públicos. 41. Organização de prefeituras nas estações de águas minerais. 42. O Estado deve pleitear junto à União uma tarifa aduaneira que proíba a importação de águas minerais estrangeiras similares às de Minas, bem como a falsificação das mesmas. 43. Criação de uma estação agronômica de viti e vinicultura, com laboratório e viveiro de videiras para distribuição de mudas. 44. Promover o ensino prático da viti e vinicultura. 45. Adquirir sementes ou óvulos de boas raças de bomby mori e sementes de amoreira branca para distribuir aos interessados na indústria sericícola. 46. Restabelecer o serviço de imigração a fim de fundar colônias agrícolas à margem das estradas de ferro e fornecer operários às indústrias. 47. Criação de créditos agrícolas em bases amplas. 48. Facilitar os recursos pecuniários às caixas das cooperativas agrícolas, por si ou por intermédio de bancos, já criados ou a serem fundados. 49. Abolição gradativa dos impostos interestaduais. 50. Estado deve pleitear junto à União a equiparação de fretes na E.F Central, nos ramais de Minas Gerais e São Paulo. 51. Estado deve pleitear junto à União a diminuição das taxas telegráficas para o comércio. 344 52. Estado deve pleitear junto à União que as Câmaras Municipais decretem impostos eficazes para localização do comércio ambulante. 53. Governo do Estado e dos municípios deveriam se unir para coibir jogos de azar, em especial o jogo do bicho. 54. Criação em Minas Gerais de uma Escola Prática de Comércio, subvencionada pelo Estado e sob a direção da Associação Comercial. 55. Inclusão do ensino elementar comercial nas escolas primárias do estado. 56. Criação de Associações Comerciais nas principais cidades de Minas. 57. Abertura de três estradas de rodagem ligando a estação de Gonçalves Ferreira à Capital do Estado, e as zonas agrícolas de Peçanha e mineira de Diamantina aos pontos mais convenientes da E. F. Central. 58. Criação, por parte da União, de um Banco de Crédito Real Central como emissão de letras hipotecárias garantidas pela União, para a compra de letras hipotecárias emitidas pelos Bancos dos estados, tendo uma seção de crédito agrícola. 59. Criação de caixas raffeisen em todo o estado. 60. Criação de pequenas cooperativas agrícolas. 61. Criação de um tribunal de fiscalização e revisão de lançamentos de impostos das Câmaras municipais. 62. Decretar uma lei reguladora das relações entre patrões e operários, proprietários e colonos, rendeiros e meeiros, definindo claramente as atribuições e direitos de cada um. 63. Decretar uma lei de repressão da vadiagem. 64. Criação de colônias orfanológicas e oficinas de trabalho, onde seja ministrado ensino técnico profissional. 345 Referências bibliográficas Fontes citadas a) Arquivos pessoais APCBH – NCS 1 (6) – DOCUMENTOS PESSOAIS. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 80 – Carta de João Pinheiro versando sobre questões agrícolas. Caeté, 1 fl, 27 de outubro de 1902. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 93 – Ofício da diretoria do Partido Republicano do Serro explicando os motivos de não indicar sua candidatura ao Congresso Municipal. Serro, 27 de março de 1903. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 92 – Abaixo-assinado dos eleitores de Belo Horizonte para a Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro..., Belo Horizonte, 25 de março de 1903. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 97 – Representação dos eleitores de Patrocínio de Guimarães [sic] para a Comissão Executiva do Partido Republicano Mineiro apoiando a sua candidatura ao Congresso Nacional..., Guanhães, 31 de março de 1903. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 98 – Ofício de Ludgero Pereira dos Santos, Presidente do Diretório Político de Porto de Guanhães, informando-lhe sua apresentação como candidato à Deputado Estadual pelo Partido Republicano Mineiro. Porto de Guanhães, 02 de abril de 1903. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 272 – Carta de Antônio Carlos falando de assuntos políticos, do jornal e pessoais. Petrópolis, 09 de novembro de 1906. APCBH – NCS 3.6 (1) AG – MINERAÇÃO E SIDERURGIA, 1902. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 909 – Ofício do Dr. Nelson de Senna renunciando seu mandato de Deputado de 1919 a 1922. Belo Horizonte, 1919. APCBH – NCS 2 – CORRESPONDÊNCIAS, nº 862 – Carta de Francisco Salles, do Gabinete do Ministro da Fazenda, comunicando-lhe que fará referências a seu respeito aos representantes do distrito. Rio de Janeiro, 01 de março de 1919. APCBH – NCS 4 (23) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Discurso proferido na sessão da Câmara Federal sobre a “Presença do Espírito de brasilidade nos políticos mineiros e sua contribuição para a política nacional”, em agosto de 1929. APCBH – NCS 4 (30) – ATIVIDADES PARLAMENTARES – Discurso proferido ao PRM. s/d. APCBH – NCS 4 (32) – ATIVIDADES PARLAMENTARES, 07 de setembro de 1947. 346 CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – SÉRIE CORRESPONDÊNCIAS. RS c 1922.01.15. Telegrama de Camilo Felinto Prates a Raul Soares pedindo para apoiar seu filho Lincoln no preenchimento da vaga de Nelson Sena, na Câmara Estadual. Belo Horizonte, 15 de janeiro de 1915. CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – SÉRIE CORRESPONDÊNCIAS. RS c 1922.02.03. Telegrama da Camara Municipal de Montes Claros (MG) a Raul Soares indicando o nome de Marciano Alves Maurício para suceder a Nelson Sena no Congresso Estadual. Montes Claros, 03 de fevereiro de 1922. CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – SÉRIE CORRESPONDÊNCIAS. RS c1922.03.24/1. Telegrama de Nelson de Sena a Raul Soares informando de sua posse na Câmara Federal e pedindo suas ordens. Rio de Janeiro, 24 de março de 1923. CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – SÉRIE CORRESPONDÊNCIAS. RS c 1922.03.24/1. Carta de Nelson de Sena a Raul Soares detalhando as lutas travadas no Congresso Federal. Rio de Janeiro, 24 de março de 1922. CPDOC – ARQUIVO RAUL SOARES – SÉRIE CORRESPONDÊNCIAS. RS c 1924.05.23/3. Cartão de Nelson Sena a Raul Soares solicitando aprovação para o discurso que manda em anexo, e enviando votos por seu restabelecimento. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1924. b) Leis e Decretos Federais BRASIL. Constituição (1891). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil: decretada e promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 5.646, de 22 de agosto de 1905 – Regula a concessão de favores às empresas de eletricidade gerada por força hidráulica, que se constituírem para fins de utilidade ou conveniência pública. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1905. Disponível em: . Acesso 22 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 8.414, de 7 de dezembro de 1910 - Concede a Carlos G. da Costa Wigg e Trajano Saboia Viriato de Medeiros, ou a Companhia que organizarem, os favores dos decretos. ns. 8.019, de 19 de maio de 1910, 5.646, de 22 de agosto de 1905, e 947 A, de 14 de novembro de 1890. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1910. Vol 1. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 3.987, de 02 de janeiro de 1920 – Reorganiza os serviços de saúde pública. Coleção das Leis da República dos Estados Unidos do Brasil de 1920. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=48173>. Acesso 22 de agosto de 2017. 347 BRASIL. Decreto nº14.184, de 26 de maio de 1920 – Reorganiza a Diretoria do Serviço de Agricultura Patrícia e lhe dá nova denominação. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . BRASIL. Decreto nº 14.356, de 15 de setembro de 1920 – Cria o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e aprova o respectivo regulamento. Atividade Legislativa - Senado. Disponível em: . . Acesso em 26 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº4.549, de 05 de julho de 1922 – Declara, pelo prazo de trinta dias, no Distrito Federal e no Estado do Rio de Janeiro, o estado de sitio, e dá outras providencias. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº4.553, de 29 de julho de 1922 - Prorroga até 31 de dezembro do corrente ano o estado de sitio de que trata o decreto legislativo n. 4.549, de 5 de julho de 1922, e dá outras providencias. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 26 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 15.193, de 01 de janeiro de 1923 – Declara em estado de sitio, até 30 de abril deste ano, o território do Distrito Federal e o do Estado do Rio de Janeiro. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 26 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923 – Cria, em cada uma das empresas de estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº16.015, de 23 de abril de 1923 - Prorroga o estado de sitio até 31 de dezembro do corrente ano. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº 16.122, de 11 de agosto de 1923 – Dá novo regulamento ao Serviço do Algodão. Atividade Legislativa da Câmara - Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. BRASIL. Decreto nº16.782, de 13 de janeiro de 1925 - Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino primário, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e superior e dá outras providências. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. 348 BRASIL. Decreto nº17.496, de 30 de outubro de 1926 – Aprova o regulamento para a concessão de férias aos empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários e outros. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 1926. BRASIL. Decreto nº5.109, de 20 de dezembro de 1926 - Estende o regime do decreto legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923, a outras empresas. Atividade Legislativa - Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em 27 de agosto de 2017. c) Leis, Decretos e Regulamentos Estaduais ESAV, Regulamento, Tabelas e Programas da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais (1926). Disponível em: . Acesso em 30 de novembro de 2016. MINAS GERAIS. Constituição (1891). Constituição do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1907. MINAS GERAIS. Lei nº 437, de 24 de setembro de 1906 – Cria, anexa à diretoria Geral de Agricultura, Indústria e Viação, uma seção de informações sobre minerações e outras riquezas naturais do Estado, com escritórios filiais no estrangeiro, e contém outras disposições. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906. MINAS GERAIS. Lei nº 439, de 28 de setembro de 1906 - Autoriza o governo a reformar o ensino primário, normal e superior do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906. MINAS GERAIS. Lei nº 442, de 02 de outubro de 1906 – Determina que à celebração de contratos de concessão de privilégios precederá depósito pelos concessionários, nos cofres do Estado, da quantia equivalente. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1906. MINAS GERAIS. Decretos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907, p. III-XVI. MINAS GERAIS. Decreto nº 1.982, de 18 de fevereiro de 1907 – Aprova o Regulamento Interno da Escola Normal da Capital. Coleção das Leis do Estado de Minas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.012, de 21 de abril de 1907 – Aprova o regulamento expedido para a execução da lei nº 450, de 04 de outubro de 1905, na parte relativa à divisão e demarcação de terras do domínio particular. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 349 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.027, de 8 de junho de 1907 – Reorganiza os serviços a cargo da Diretoria Geral de Agricultura Viação o Industria. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.029, de 17 de julho de 1907 – Criou uma colônia agrícola em terras das fazendas-Barreiro e Jatobá, município da Capital e de 118 propriedade do Estado, sob a denominação de <>. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Lei nº 454, de 06 de setembro de 1907 – Declara isentas de impostos as passagens em estradas de ferro, vendidas para sedes de exposições industriais, comerciais e agrícolas, municipais ou regionais, concede prêmios, institui o ensino prático de agricultura nas fazendas-modelo, e dá outras providências. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Lei nº 455, de 11 de setembro de 1907 – Autoriza o governo a conceder gratuitamente aos estrangeiros que constituírem família no Estado lotes de terras devolutas e contém disposições sobre a legitimação de posses, venda direta de terras devolutas e outras providências. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Lei nº 465, de 14 de setembro de 1907 – Autoriza o Governo a conceder estradas de ferro sem ônus e favores, a rever os contratos com as empresas arrendatárias das estações hidrominerais e contém outras disposições. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.099, de 26 de setembro do 1907 – Cria uma fazenda-modelo no Jogar denominado « Fabrica distrito da cidade do Serro. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.113, de 14 de outubro de 1907 – Cria uma fazenda-modelo, denominada D. Antônia Augusta », no município de Leopoldina. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.126, de 25 de novembro de 1907 – Declara em vigor, com as alterações do presente decreto, a legislação referente ao Ginásio Mineiro, até que o governo reforme o ensino secundário. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.129, de 27 de novembro de 1907 – Cria uma fazenda-modelo, denominada Retiro do Recreio », no distrito da cidade de Santa Barbara. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.131, de 4 de dezembro de 1907 — Cria uma fazenda-modelo no lugar denominado Barra, distrito da cidade de Itapecerica. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.136, de 11 de dezembro de 1907 – Criou uma colônia agrícola no distrito da do 1tajubá, sob a denominação de «Colônia Agrícola de Itajubá. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. 350 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.205, de 18 de março de 1908 – Aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de Cataguazes. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.206, de 18 de março de 1908 – Aprova os estatutos da Cooperativa Agrícola Rio Branco. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.234, de 30 de maio de 1908 – Aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de S. Paulo do Muriaé. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.235, de 30 de maio do 1908 – Aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola Municipal Pontenovense. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.237, de 09 de junho de 1908 – Aprova os Estatutos da Federação Cooperativa Agrícola de Carangola. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.262, de 12 de agosto de 1908 – Estabelece um campo de demonstração em Ayuruoca. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1907. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.263, de 26 de agosto de 1908 – Aprova os Estatutos da Cooperativa Agrícola de Juiz de Fora. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.264, de 26 de agosto de 1908 – Revoga o Decreto nº 1.961, de 17 de setembro de 1906, que concedeu à <> privilégio para a construção de uma estrada de ferro no lugar denominado <>, no município Entre Rios, à E.F. Central do Brasil, no ponto mais conveniente entre as estações de Buarque de Macedo e Christiano Ottoni. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Lei nº 479, de 2 de setembro de 1908 – Autoriza o poder a adotar no território do Estado um sistema de marcas a fogo para o gado vacum, cavalar e muar. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.287, de 03 de novembro de 1908 – Criou a Escola infantil, com o objetivo de propiciar o desenvolvimento intelectual e preparar crianças de ambos os sexos, de 4 até 6 anos de idade, para o curso primário. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1908. MINAS GERAIS. Decreto nº 2.592, de 30 de julho de 1909 – Autorizava o governo a subvencionar o Colégio Salesiano, de Cachoeira de Campo, com 10 contos de réis anuais para a manutenção de 20 alunos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1909. 351 MINAS GERAIS. Decreto nº 2.680, de 03 de dezembro de 1909 – Aprova o regulamento para o serviço de terras públicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1909. MINAS GERAIS. Lei nº 533, de 24 de setembro de 1910 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1910. MINAS GERAIS. Decreto nº 3.191, de 09 de junho de 1911 – Aprovou o Regulamento Geral de Instrução Pública. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. MINAS GERAIS. Decreto nº 3.252, de 01 de julho de 1911 – Aprova o regulamento que reorganiza o serviço de constituição das cooperativas agrícolas e determina quais os favores que lhes podem ser concedidos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. MINAS GERAIS. Lei nº 574, de 19 de setembro de 1911 – Autoriza o governo do Estado a fazer concessão para exploração de minerais. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. MINAS GERAIS. Decreto nº 3.356, de 11 de novembro de 1911 – Aprovou o Regulamento Geral do Ensino Agrícola. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1911. MINAS GERAIS. Decreto nº 3.732, de 19 de outubro de 1912 – Aprova o regulamento do serviço de mineração do Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1912. MINAS GERAIS. Lei nº 617, de 18 de setembro de 1913 – Orça a receita e fixa a despesa para o exercício de 1914. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913 MINAS GERAIS. Lei nº 618, de 18 de setembro de 1913 – Estabelece concessões de favores às caixas de crédito rural que se fundarem no Estado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913. MINAS GERAIS. Decreto nº 4.050, de 22 do novembro de 1913 – Aprova o regulamento para o arrendamento dos terrenos diamantíferos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1913. MINAS GERAIS. Lei nº 654, de 11 de setembro de 1915 – Reorganiza os serviços de terras públicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1915. MINAS GERAIS. Lei nº 655, de 11 de setembro de 1915 – Concede prêmios de animação aos agricultores mineiros. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1915. 352 MINAS GERAIS. Decreto nº 4.496, de 08 de janeiro de 1916 – Aprova o Regulamento de Terras Públicas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1916. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.521, de 12 de fevereiro de 1916, do Presidente Delfim Moreira – Aprovou as instruções para o Serviço de Estatística, assinado por Raul Soares (Secretário de Agricultura). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1916. MINAS GERAIS. Lei nº 696, de 31 de agosto de 1917, assinada por Raul Soares – Autorizava o governo a registrar, nos órgãos competentes, os títulos de agrônomos expedidos pela Escola Mineira de Agricultura e Veterinária de Belo Horizonte, e os expedidos pela Escola de Engenharia de Juiz de Fora. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. MINAS GERAIS. Lei nº 690, de 10 de setembro de 1917, assinada por Raul Soares – Autorizava o governo a registrar, nas repartições competentes, os títulos conferidos pela Escola Agrícola de Lavras, e pela Escola de Odontologia e Farmácia de Belo Horizonte. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. MINAS GERAIS. Lei nº 697, de 14 de setembro de 1917 – Autoriza a construção de silos em propriedades agrícolas do Estado, estabelece prêmios e auxílios, que os constituírem e contém outras providências. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. MINAS GERAIS. Lei nº 699, de 14 de setembro de 1917 – Autorizava o governo a conceder à empresa ou a particulares, que oferecessem maiores vantagens, privilégio para a construção de uma estrada de ferro ou linha de bondes elétricos. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1917. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.141, de 14 de janeiro de 1919 – Converteu em mistas as escolas em Livramento (Aiuruoca) e Ermo (Campos Gerais). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.143, de 21 de janeiro de 1919 – Converteu em escola do sexo masculino a escola mista da Vila de S. Manuel do Mutum. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.144, de 28 de janeiro de 1919 – Converteu em mistas as escolas N. S. de Nazaré dos Esteios (Santo Antonio do Monte) Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.145, de 28 de janeiro de 1919 – Transferiu escolas singulares de um mesmo distrito para os grupos escolares de Porto de Santo Antonio (Cataguazes). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.148, de 04 de fevereiro de 1919 – Transferiu escolas singulares de um mesmo distrito para os grupos escolares de Vespasiano (Santa Luzia). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. 353 MINAS GERAIS. Decreto nº 5.149, de 13 de fevereiro de 1919 – Transferiu de bairro e converteu em mista a escola noturna de Pomba. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.153, de 11 de março de 1919 – Transferiu escolas singulares de um mesmo distrito para os grupos escolares de Itajubá. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.157, de 18 de março de 1919 – Converteu a escola rural mista de Retiro (Perdões) em escola para o sexo feminino, e a do sexo feminino em escola para o sexo masculino. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.167, de 09 de abril de 1919 – Transferiu para Sabará e transformou em escola noturna a escola rural de sexo masculino de Cândido Ribeiro (Santa Rita do Sapucaí). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.168, de 09 de abril de 1919 – Transferiu para S. Sebastião da Pedra do Anta (Viçosa) e converteu em mista a escola do sexo masculino de Vila Silvianópolis. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.170, de 25 de abril de 1919 – Permitiu uma 2ª época de exames extraordinários nas Escolas Normais Oficiais Equiparadas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.171, de 29 de abril de 1919 – Converteu em escolas para o sexo feminino e para o sexo masculino as duas escolas mistas de S. João das Missões (Januária). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.178, de 09 de maio de 1919 – Mandou observar no Ginásio Mineiro as matérias constantes do novo regimento que o Colégio Pedro II havia adotado. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.181, de 20 de maio de 1919 – Mandou suprimir o grupo escolar anexo à Escola Normal Modelo. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.182, de 20 de maio de 1919 – Transferiu escolas singulares de um mesmo distrito para os grupos escolares da Vila Resende Costa. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.183, de 20 de maio de 1919 – Converteu em mista a escola rural do sexo feminino de Mandú (Ouro Fino). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.185, de 27 de maio de 1919 – Transferiu para Rio Novo a escola mista do distrito de S. Francisco de Paula do Machadinho (Santo Antonio do Monte). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. 354 MINAS GERAIS. Decreto nº 5.188, de 06 de junho de 1919 – Transferiu as escolas para o sexo masculino e feminino do distrito de S. João das Missões (Januária), para a sede do mesmo distrito. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.189, de 10 de junho de 1919 – Transferiu para a primeira escola do sexo feminino de Ubá o lugar de adjunto à escola do sexo masculino de Jacuí. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.190, de 10 de junho de 1919 – Converteu em mista a cadeira do sexo masculino do Ribeirão do Bomfim (Palmira). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.191, de 17 de junho de 1919 – Converteu em escola para o sexo feminino a escola mista de S. Gonçalo do Rio das Pedras (Serro). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.192, de 17 de junho de 1919 – Converteu em escola mista a escola do sexo feminino de Santa Rita do Cedro (Curvelo). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.193, de 24 de junho de 1919 – Transferiu para o bairro de Currais (Inconfidência) a escola rural mista da Fábrica de Tecidos do Cedro (Montes Claros). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.197, de 27 de junho de 1919 – Converteu em mista a escola do sexo feminino de Veredinha (Minas Novas). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.198, de 01 de julho de 1919 – Transferiu para S. Bento (Viçosa) e converteu em mista a escola do sexo masculino do distrito de Veredinha (Minas Novas). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.201, de 08 de julho de 1919 – Transferiu para o bairro Oficinas da Leopoldina (Além Paraíba) e converteu em mista a primeira escola do sexo masculino da Formigas. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.210, de 22 de julho de 1919 – Transferiu a escola mista de Alto Carangola (Carangola) para o distrito de Santo Antonio do Arrozal. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Decreto nº 5.211, de 22 de julho de 1919 – Transferiu o grupo escola de S. Mateus (Juiz Fora) para o lugar de adjunto do grupo escolar de Pedro Leopoldo (Santa Luzia). Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. MINAS GERAIS. Lei nº750, de 23 de setembro de 1919 – Eleva o imposto sobre exportação dos minérios de Ferro. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1919. 355 MINAS GERAIS. Decreto nº 5.364, de 12 de julho de 1920 – Aprova o Regulamento do Ensino Ambulante Agropecuário. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920. MINAS GERAIS. Lei nº761, de 06 de setembro de 1920 – Autoriza o governo a criar, no Estado, uma Escola Superior de Agricultura e Veterinária e contém outras disposições. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920. MINAS GERAIS. Lei nº 800, de 27 de setembro de 1920 – Reorganiza o ensino primário do Estado e contém outras disposições. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1920. MINAS GERAIS. Decreto nº 6.053, de 30 de março de 1922 – Cria uma Escola Superior de Agricultura e Veterinária, instalando-a em Viçosa. Coleção das Leis e Decretos do Estado de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1922. d) Mensagens Presidenciais BRASIL. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Nacional, 1923-1926. MINAS GERAIS. Presidente (Francisco Sales). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1902- 1903. MINAS GERAIS. Presidente (João Pinheiro). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1907-1908. MINAS GERAIS. Presidente (Wenceslau Braz). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1909- 1910. MINAS GERAIS. Presidente (Júlio Bueno Brandão). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1911-1914. MINAS GERAIS. Presidente (Delfim Moreira). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1915- 1918. MINAS GERAIS. Presidente (Arthur Bernardes). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1919- 1922. MINAS GERAIS. Presidente (Raul Soares). Mensagem ao Congresso Mineiro, 1923-1924. e) Discursos Parlamentares estaduais MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1907. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessão da 5ª Legislatura, 1908. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Sessões Ordinária e Extraordinária, 1909. 356 MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 5ª Legislatura, 1910. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 6ª Legislatura, 1911. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 6ª Legislatura, 1912. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 6ª Legislatura, 1913. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 6ª Legislatura, 1914. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 7ª Legislatura, 1915. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 7ª Legislatura, 1916. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 7ª Legislatura, 1917. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Quarta Sessão da 7ª Legislatura, 1918. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Primeira Sessão da 8ª Legislatura, 1919. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Segunda Sessão da 8ª Legislatura, 1920. MINAS GERAIS. Anais da Câmara dos Deputados. Terceira Sessão da 8ª Legislatura, 1921. f) Discursos parlamentares federais BRASIL. 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