UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA Marcelo Cintra do Amaral A MOBILIDADE DA CIDADE AOS PEDAÇOS: ESPAÇO-TEMPO-CORPO DOS DESLOCAMENTOS EM BELO HORIZONTE [VOLUME 1 DE 2] Belo Horizonte Agosto de 2015 Marcelo Cintra do Amaral A MOBILIDADE DA CIDADE AOS PEDAÇOS: ESPAÇO-TEMPO-CORPO DOS DESLOCAMENTOS EM BELO HORIZONTE Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Geografia. Área de concentração: Organização do Espaço Linha de pesquisa: Produção, organização e gestão do espaço. Orientadora: Professora Heloisa Soares de Moura Costa. Belo Horizonte 2015 A485m 2015 Amaral, Marcelo Cintra do. A mobilidade da cidade aos pedaços [manuscrito] : espaço-tempo-corpo dos deslocamentos em Belo Horizonte / Marcelo Cintra do Amaral – 2015. 2 v., enc.: il. (principalmente color.) Orientadora: Heloisa Soares de Moura Costa. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Geografia, 2015. Área de concentração: Organização do Espaço. Linha de pesquisa: Produção, Organização e Gestão do Espaço. Bibliografia: f. 383-395. 1. Planejamento urbano – Belo Horizonte (MG) – Teses. 2. Espaço urbano – Teses. 3. Geografia urbana – Belo Horizonte (MG) – Teses. 4. Desenvolvimento sustentável – Teses. 5. Políticas públicas – Teses. I. Costa, Heloisa Soares de Moura. II. Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Geografia. III. Título. CDU: 711.4(815.1) Tese defendida e aprovada em 26 de agosto de 2015. Heloisa Soares de Moura Costa Geraldo Magela Costa Jupira Gomes de Mendonça Leandro Cardoso Guilherme de Castro Leiva Luis Antônio Lindau Para Liginha, que se foi antes do fim. Para Belo Horizonte, que escolhi e que me acolheu. AGRADECIMENTOS A todos que possibilitaram essa longa e proveitosa empreitada... ... ao Programa de Pós-Graduação em Geografia do IGC/UFMG, por aceitar o desafio e permitir a minha transformação. Essa tese não seria a mesma em outro espaço. ... à BHTRANS – Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte, na pessoa de Célio Bouzada, Ramon Victor Cesar, pelo incentivo e apoio. ... à CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e ao LATTS – Laboratoire Techniques, Territoires et Sociétés, na pessoa de Taoufik Souami, pelo estágio sanduíche de oito proveitosos e marcantes meses na França. ... aos professores que em algum momento cruzaram e impactaram minha trajetória, especialmente a Roberto Monte-Mór, por me mostrar o terceiro espaço de Lefebvre. ... aos professores que aceitaram com entusiasmo participar da banca: Geraldo Magela Costa, Jupira Gomes de Mendonça, Luis Antônio Lindau, Leandro Cardoso, Guilherme de Castro Leiva, Lucas Menezes e Klemens Augustinus Laschefski. A todos que fazem parte de algum pedaço dessa tese aos pedaços... ... a Heloisa Soares de Moura Costa, por aceitar o desafio de fazer essa viagem comigo, por sua delicadeza na orientação, disponibilidade e sinceridade com que me conduziu nesse deslocamento. ... aos colegas que escutei e que me ouviram e se fizeram presentes em bibliografias e ideias, especialmente: Daniela, Felipe, Carolina, Guilherme Marinho, Rafael. Aos companheiros de trabalho, que acompanharam minhas agruras com incentivos... ... Kátia, Rogério, Eveline, Odirley. Aos que sofreram com minhas ausências e humores... ... aos meus pais Lucila e Antônio Carlos, que se foi logo depois da defesa. ... a toda minha família mais próxima, especialmente a Maurício, meus irmãos, primos e netos de Eunice. ... a todos os amigos queridos, em especial, a Ana Lúcia, Liliza e Jacques, entre tantos. Aos que caminham, pedalam e lutam por uma cidade melhor... ... André, Jean e meus novos irmãos Augusto e Guilherme. Aos que estiveram sempre a meu lado, com amor, amizade, carinho, palpites e torcida... ... Lucas que conviveu tantos anos com “a tese” e seus efeitos... ... Júlia, que ainda trouxe seus lindos desenhos do Atlas Mobile... ... Elisa, por uma vida compartilhada com amor. Pensar a mobilidade é também aprender a repensar o tempo. (AUGÉ, 2010, p. 100). RESUMO Parte-se da abordagem transdisciplinar entre a mobilidade, o urbano e o ambiental, tendo como premissa a constatação da forte relação existente entre os processos econômicos, as políticas urbanas e de mobilidade e os espaços produzidos. Inspirada na obra de Henri Lefebvre sobre o urbano, a tese traz duas contribuições teóricas complementares, propostas para realizar a aproximação dos processos socioespaciais da cidade de Belo Horizonte: a utilização da tríade espaço-tempo-corpo para leitura dos processos urbanos relativos à mobilidade, tendo o tempo como dimensão articuladora; e a indissociabilidade entre cidade e mobilidade, seus mecanismos de localização e de mobilidade entre lugares de copresença (interação social). Belo Horizonte é apresentada como um palimpsesto espaço-temporal e observada a partir de seus quarenta Territórios de Gestão Compartilhada, utilizando-se dados do Censo e da Pesquisa de Origem e Destino para a composição de mapas, tabelas e gráficos que compõem um Quase Atlas, inserido como apêndice. Além de ser uma contribuição metodológica alinhada à abordagem dialética proposta e trazer pistas para entender processos, olhar a cidade aos pedaços parece ser uma microescala privilegiada que permite uma abordagem transescalar entre o próximo (esses pedaços) e o distante (a cidade e a metrópole). Ao final, constata-se que, desde o urbanismo modernista até os bairros ecológicos propostos na Europa, sempre existiu uma tentativa de busca de melhorar a cidade a partir de “pedaços perfeitos” e confirma-se a importância do tempo como dimensão de compreensão, resultante de processos e até como possível política pública. Palavras-chave: Mobilidade urbana. Sustentabilidade. Espaço-tempo-corpo. Políticas públicas. Ecobairros. Políticas do tempo. Geografia urbana. RESUMÉ C'est l'approche transdisciplinaire entre mobilité, urbaine et environnementale, avec l'idée du lien étroit entre les processus économiques, urbaines et les politiques de mobilité et les espaces produites. Inspiré par le œuvre de Henri Lefebvre concernant urbaine, la thèse apporte deux contributions théoriques complémentaires, a proposé d'effectuer l'approche des processus socioespaciais de la ville de Belo Horizonte : l'utilisation de la triade espace- temps-temps-corps pour la lecture des processus urbains liées à la mobilité, prendre le temps comme dimension de l'articulateur ; et la place de l'inséparabilité entre ville et mobilité, leur emplacement et des mécanismes de mobilité entre copresença (interaction sociale). Belo Horizonte est présentée comme un palimpseste spatio-temporelle et observé de la gestion de territoires partagés 40, à l'aide des données du recensement et la source et la cible recherche pour la composition des cartes, des graphiques qui composent un Atlas presque, insérée dans l'appendice. En plus d'être une contribution méthodologique à la dialectique approche proposition et apporter des indices pour comprendre les processus, coup d'œil la ville Appart semble être une micro échelle privilégié qui permet une approche de transescalar entre la prochaine (ces pièces) et la télécommande (la ville et la métropole). En fin de compte, il est à noter que depuis l'urbanisme moderniste pour les quartiers écologiques proposés en Europe, il a toujours été une recherche essayer d'améliorer la ville de « pièces parfaits » et a confirmé l'importance du temps comme une dimension de compréhension, résultant des processus et des politiques publiques même que possible. Mots-clé: Mobilité urbaine. Développement durable. Espace-temps-corps. Politiques publiques. ecoquartiers. Politiques temporelles. Géographie urbaine. ABSTRACT It is the transdisciplinary approach between mobility, urban and environmental, with the premise of the strong link between the economic processes, urban and mobility policies and spaces produced. Inspired by the work of Henri Lefebvre concerning urban, the thesis brings two complementary theoretical contributions, proposed to carry out the approach of the spatio-temporal processes of the city of Belo Horizonte: the use of the triad space-time-body for reading of urban processes relating to mobility, taking time as articulator dimension; and the inseparability between city and mobility, their location and mobility mechanisms between copresença places (social interaction). Belo Horizonte is presented as a spatio-temporal palimpsest and observed from its 40 Territories Shared management, using census data and the source and target Research for the composition of maps, charts and graphs that make up an Almost Atlas, inserted as Appendix. In addition to being a methodological contribution in line with dialectic approach proposal and bring clues to understand processes, look the city apart seems to be a privileged microscale which allows a transescalar approach between the next (these pieces) and the remote (the city and the Metropolis). In the end, it is noted that since the modernist urbanism to the proposed ecological neighborhoods in Europe, there's always been a search attempt to improve the city from "perfect pieces" and confirmed the importance of the time as a dimension of understanding, resulting from processes and even as possible public policy. Key-words: Urban mobility. Sustainability. Space-time-body. Public policies. Sustainable neighborhoods, Time policies. Urban geography. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - O círculo vicioso do congestionamento. .................................................................. 57 Figura 2 - O círculo vicioso da produção e consumo do espaço. ............................................. 58 Figura 3 - O círculo vicioso da produção e consumo do espaço. ............................................. 59 Figura 4 - O círculo vicioso da expansão urbana. ..................................................................... 60 Figura 5 – Sobreposição dos círculos viciosos de incentivo ao automóvel. ............................. 65 Figura 6 – Prismas espaço-tempo de Hägerstrand (máximos diários). .................................... 81 Figura 7 – Prisma espaço-tempo de Hägerstrand (área potencial de oportunidades). ........... 82 Figura 8 – Prisma espaço-tempo de Hägerstrand (deslocamentos reais). .............................. 83 Figura 9 - Espiral da transformação da cidade pelas novas condições da mobilidade urbana. .................................................................................................................................................. 97 Figura 10 – O encolhimento do mapa do mundo graças a inovações nos transportes. ........ 101 Figura 11 – Imagens de propagandas de automóvel das décadas de 1950 e 1960. .............. 107 Figura 12 – Imagens de propagandas de automóvel recentes. ............................................. 108 Figura 13 – Propaganda da Volks para mulheres e da Chevrolet com temática ambiental. . 109 Figura 14 – Imagens dos filmes Blade runner, de Ridley Scott (acima) e O quinto elemento de Luc Besson (abaixo). ............................................................................................................... 112 Figura 15 – Imagens do desenho “Os Jetsons” e de helicópteros sobrevoando São Paulo. . 113 Figura 16 – Esquema de arbitragens da mobilidade. ............................................................. 116 Figura 17 – Decisões associadas à metodologia avoid-shift-improve. ................................... 121 Figura 18 – Acesso à Vila Santa Rosa (Belo Horizonte) pedestres (esquerda) e por transporte coletivo (direita). .................................................................................................................... 135 Figura 19 – Áreas edificadas em Belo Horizonte (1900 – 1940). ........................................... 151 Figura 20 – Mancha de ocupação urbana de Belo Horizonte (1918, 1935 e 1950). .............. 151 Figura 21 – Vista aérea da Cidade industrial (1970) e atual (imagens de 2009). ................... 158 Figura 22 – Vistas aéreas de Belo Horizonte: Praça 7 e Praça Raul Soares (década de 1950) e Centro (década de 1970). ....................................................................................................... 160 Figura 23 – Propostas de tratamento viário do Plano de Reabilitação do Hipercentro. ....... 183 Figura 24 – Mapa dos locais das Operações Urbanas Consorciadas associadas à transporte. ................................................................................................................................................ 185 Figura 25 – Inauguração do serviço de transporte de passageiros por bondes elétricos (1902). ................................................................................................................................................ 189 Figura 26 – Linhas de bondes em Belo Horizonte versus ocupação urbana (Belo Horizonte, 1910 – 1930). ......................................................................................................................... 191 Figura 27 – Rua da Bahia (década de 1910). .......................................................................... 192 Figura 28 – Vista da Praça Sete e Avenida Afonso Pena com Rua Tupis (década de 1930). . 194 Figura 29 – Vista aérea da urbanização da Pampulha (1948 e 2015). ................................... 204 Figura 30 - Planta cadastral do parcelamento do bairro Cidade Jardim e vista aérea em 2015. ................................................................................................................................................ 205 Figura 31 – Vista aérea do bairro Mato da Lenha (atual Salgado Filho) na época de sua criação e nos dias atuais (1948 e 2015). ............................................................................................. 206 Figura 32 – Vista do projeto do IAPI na época de sua criação (1948) e nos dias atuais (2015). ................................................................................................................................................ 207 Figura 33 – Mapa com a localização das favelas, vilas-favelas e conjuntos habitacionais em Belo Horizonte (em 1950 à esquerda e 1980 à direita). ........................................................ 209 Figura 34 – Bairro Cidade Nova: planta do parcelamento (1967) e vista atual (2015). ........ 211 Figura 35 – Foto da maquete do conjunto Califórnia (1970) e vista aérea atual (2015). ...... 212 Figura 36 – Bairro Castelo: planta cadastral (década de 1980) e vista aérea atual (2015). .. 212 Figura 37 – Planta cadastral do parcelamento dos bairros Belvedere II e III (década de 1980) e vista aérea atual (2015). ........................................................................................................ 213 Figura 38 – Vilas, favelas e conjuntos habitacionais de interesse social em Belo Horizonte. 215 Figura 39 – Imagens históricas da Avenida Afonso Pena (1910 e 1930). .............................. 220 Figura 40 – Planta original de Belo Horizonte com identificação de locais de praças e jardins ................................................................................................................................................ 221 Figura 41 –Praça da Liberdade: Inauguração da Cidade (12/12/1897). ................................ 222 Figura 42 – Praça da Liberdade: vista aérea (década de 1930). ............................................ 223 Figura 43 – Parque Municipal: comparação entre projeto original e implantação atual...... 224 Figura 44 – Avenida Afonso Pena e Praça 7 (1958 e 1965). .................................................. 225 Figura 45 – Praça da estação (antes e depois da reformulação) ........................................... 228 Figura 46 – Projetos de requalificação de espaços públicos do Programa Caminhos da Cidade: Rua dos Carijós, Rua Rio de janeiro, entorno da Praça Raul Soares e Mercado Central. ...... 228 Figura 47 – Divisão de Belo Horizonte em 26 Áreas Homogêneas. ....................................... 235 Figura 48 – Escalas possíveis para serem consideradas pedaços. ......................................... 255 Figura 49 – Mapas de variáveis com relação direta com renda média. ................................. 263 Figura 50 – Mapas de variáveis com relação direta com distância ao centro. ...................... 264 Figura 51– Mapas temáticos dos Territórios de Belo Horizonte com comportamento singular. ................................................................................................................................................ 265 Figura 52 – Mapas temáticos dos Territórios nas dimensões social, urbana e tempo. ......... 265 Figura 53 – Imagens dos pedaços internos aos Territórios – popular, vazio (pressão por mineração e por imobiliário), industrial e favela central. ...................................................... 267 Figura 54 – Imagens dos pedaços internos aos Territórios – favela isolada, conjunto popular, distrito industrial e alto padrão (Google Earth). .................................................................... 268 Figura 55 – Avaliação de acessibilidade à Área Central (rosa pior e verde melhor) e Tempos de Viagem médios em transporte coletivo ao Centro (mais escuro, tempos maiores). ............ 269 Figura 56 – Mapas de avaliação de acessibilidade às centralidades (rosa pior e verde melhor). ................................................................................................................................................ 270 Figura 57 – Centralidade identificadas (marcadas em vermelho e amarelo). ....................... 271 Figura 58 – Adequação viária (em vermelho e amarelo, vias que “precisam” ser alargadas). ................................................................................................................................................ 272 Figura 59 – Índice de Salubridade Ambiental – ISA (2008), Índice de Vulnerabilidade à Saúde – IVSaúde (2000) e Valor Venal médio do m² construído (2010). ............................................ 291 Figura 60 – Mapas de Belo Horizonte com nova tipologia urbana proposta (em menor escala a tipologia anterior) ................................................................................................................ 304 Figura 61 - Plan Voisin proposto por Le Corbusier para Paris (1925). ................................... 318 Figura 62 – Ville Radieuse proposta por Le Corbusier (1925). ............................................... 319 Figura 63 – Ville Radieuse proposta por Le Corbusier (1925) – detalhes do projeto. ........... 319 Figura 64 – Mapa dos projetos de ecobairros franceses (2013). ........................................... 322 Figura 65 – Mapa de localização do projeto do bairro de Caserne de Bonne, Grenoble. ..... 325 Figura 66 – Espaços públicos no ecobairro Caserne de Bonne, Grenoble. ............................. 327 Figura 67 – Centro Comercial e Cour d’Honneur da Caserne de Bonne, Grenoble. ............... 328 Figura 68 – Vaga para carro compartilhado, ciclovias e paraciclos nas ruas do entorno do bairro de Caserne de Bonne, Grenoble. ............................................................................................ 330 Figura 69 – Plano geral do bairro Vigny-Musset (marcado em preto). .................................. 331 Figura 70 – Faculdade Cidade dos Territórios em Vigny-Musset, Grenoble. ......................... 332 Figura 71 – Tratamento e usos do Jardim dos poetas em Vigny-Musset, Grenoble. ............ 332 Figura 72 – Tratamento das vias do Bairro Vigny-Musset, Grenoble. ................................... 333 Figura 73 – Vista geral do bairro Village Olympique na época da inauguração (1968). ........ 334 Figura 74 – Maquete e vista aérea do bairro Villeneuve de Grenoble. ................................. 335 Figura 75 – Vistas do parque interno de Villeneuve de Grenoble. ........................................ 336 Figura 76 – Vistas de veículos queimados nas proximidades de Villeneuve de Grenoble. ... 337 Figura 77 – Cartazes expostos no centro de convivência, com ideias da população para o Projeto de Requalificação de Villeneuve de Grenoble. .......................................................... 338 Figura 78 – Mapa de Ricópolis, agrupamento de 8 Territórios de alta renda e vilas e favelas. ................................................................................................................................................ 341 Figura 79 - Exemplos de ações diretas de indivíduos ou pequenos grupos. ......................... 366 Figura 80 - Exemplos de ações diretas de indivíduos ou pequenos grupos Ações do Grupo Poro (BH) e do grupo Gia (Bahia). .................................................................................................. 367 Figura 81 - Campanhas do coletivo Pise a Grama. ................................................................. 369 Figura 82 - Passeata, camiseta do Tarifa Zero. ...................................................................... 369 Figura 83 - Ações da BH em Ciclo. .......................................................................................... 371 Figura 84 - Ações de (re)apropriação no Bairro de Pijp, Amsterdam, em 1972. ................... 373 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Evolução do licenciamento anual de autoveículos no Brasil (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus) entre 1957 e 2014. ....................................................................... 47 Gráfico 2 – Evolução da população de Belo Horizonte (1900 – 1950). .................................. 149 Gráfico 3 – Gráfico da evolução da população de Belo Horizonte (1950 – 1980). ................ 158 Gráfico 4 – Gráfico de evolução da população de Belo Horizonte e RMBH (1950 a 1980). .. 170 Gráfico 5 – Tempos de viagem médios (todos os modos) versus renda média domiciliar.... 237 Gráfico 6 – Tempos de viagem médios (modo a pé) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. ................................................................................................................. 239 Gráfico 7 – Tempos de viagem médios (modo bicicleta) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012.......................................................................................................... 239 Gráfico 8 – Tempos de viagem médios (modo ônibus) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012.......................................................................................................... 240 Gráfico 9 – Tempos de viagem médios (metrô) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. ................................................................................................................. 240 Gráfico 10 – Tempos de viagem médios (automóvel: motorista e passageiro) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – 2012. .............................................................. 242 Gráfico 11 – Tempos de viagem médios (modo moto: piloto e passageiro) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. .......................................................................... 242 Gráfico 12 – Percentual de viagens até 30 minutos (todos os motivos) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – Belo Horizonte (2012). .............................................. 247 Gráfico 13 - Percentual de viagens até 30 minutos (motivo trabalho) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – Belo Horizonte (2012). .............................................. 247 Gráfico 14 – Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (todos os motivos). ................................................................................................ 277 Gráfico 15 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (todos os motivos).................................................................................................. 277 Gráfico 16 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo trabalho). ...................................................................................... 278 Gráfico 17 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo trabalho). .................................................................................................. 278 Gráfico 18 - Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo escola). .................................................................................................... 279 Gráfico 19 - Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo escola). .......................................................................................................... 279 Gráfico 20 - Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo compras). ................................................................................................. 280 Gráfico 21 - Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo compras). ................................................................................................. 280 Gráfico 22 – Cruzamentos entre parcela transporte do orçamento do tempo (média dos tempos diários gastos com deslocamentos) e renda média per capita. ............................... 283 Gráfico 23 – Cruzamentos entre parcela transporte do orçamento do tempo (média dos tempos diários gastos com deslocamentos) e tempo de viagem. ........................................ 283 Gráfico 24 – Cruzamentos entre percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e renda média per capita. ............................................................... 284 Gráfico 25 – Cruzamentos entre percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e tempo de viagem. ........................................................................ 284 Gráfico 26 – Cruzamentos entre índice de mobilidade (número de viagens por pessoa por dia) e renda média per capita. ...................................................................................................... 285 Gráfico 27 – Cruzamentos entre índice de mobilidade (número de viagens por pessoa por dia) e tempo de viagem. ............................................................................................................... 285 Gráfico 28 – Gráfico que relaciona renda média per capita com a relação entre as rendas médias dos 20% mais ricos sobre 20% mais pobres. ............................................................. 295 Gráfico 29 – Gráfico de rendas médias dos Territórios e a variação entre rendas dos 20% mais pobres até os 20% mais ricos. ................................................................................................ 297 Gráfico 30 – Gráfico que relaciona percentual de viagens destinadas sobre originadas e percentual de unidades não residenciais sobre residenciais. ............................................... 298 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – População de Belo Horizonte e Região Metropolitana entre 1940 e 1980. ......... 164 Tabela 2 – População de Belo Horizonte e Região Metropolitana entre 1940 e 1980. ......... 169 Tabela 3 - Tempos médios de viagem por modos de transporte em Belo Horizonte. .......... 234 Tabela 4 – Tempos médios de viagem por modo de transporte (todos os motivos_ - resultados por área homogênea. ............................................................................................................. 235 Tabela 5 – Percentual de viagens por limite de tempo (todos os motivos e motivo trabalho) – Belo Horizonte (2012). ............................................................................................................ 244 Tabela 6 - Percentual de viagens por limite de tempo (todos os motivos e motivos trabalho) para 26 áreas homogêneas – Belo Horizonte (2012). ............................................................ 245 Tabela 7 – Análise sintética dos gráficos de correlação de percentuais de viagens com menos de 30 minutos. ........................................................................................................................ 281 Tabela 8 - Análise sintética dos gráficos de correlação do orçamento do tempo. ................. 286 Tabela 9 - Valores utilizados nas análises com renda média e orçamento do tempo. .......... 287 Tabela 10 - Caracterização das categorias de Territórios de Gestão Compartilhada. ........... 293 Tabela 11 - Caracterização dos Territórios de Gestão Compartilhada e variáveis relativas ao tempo – tipologia predominante de renda ............................................................................ 302 Tabela 12 – Análise por tipo de Território (valores médios ponderados por população). .... 304 Tabela 13 - Caracterização de Ricópolis, agrupamento de cinco Territórios de alta renda com três de vilas e favelas (valores comparativos com Belo Horizonte). ...................................... 341 Tabela 14 - Caracterização da Renda de Ricópolis (agregação de 8 Territórios). .................. 342 Tabela 15 – Distribuição modal de Ricópolis para todas as viagens e motivo trabalho. ....... 343 Tabela 16 – Distribuição modal de Ricópolis para motivos escola e compras. ...................... 343 Tabela 17 - – Caracterização das variáveis relativas ao tempo em Ricópolis. ....................... 344 Tabela 18 – Origens e destinos (agrupados) em Ricópolis. .................................................... 345 Tabela 19 - – Origens e destinos das viagens internas em Ricópolis..................................... 345 Tabela 20 - – Distribuição modal das viagens por motivo e por tipo de Território. .............. 349 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Cruzamento de classificações de Territórios ....................................................... 300 Quadro 2 – Tipologia urbana final proposta. ......................................................................... 301 LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS e TERMOS ANTP: Associação Nacional de Transporte Público. Área Central: denominação dada à área urbana delimitada pela avenida do Contorno e que coincide com a área original planejada da cidade. BH: Belo Horizonte. BHBUS: Plano de Reestruturação do Sistema de Transporte Coletivo do Município de Belo Horizonte BHTRANS: Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S/A BRT: Bus Rapit Transit ou Corredor Rápido de ônibus. CCT: Câmara de Compensação Tarifária. CEMIG: Companhia Energética de Minas Gerais. CFLMG: Companhia de Força e Luz de Minas Gerais. DBO: Departamento de Bondes e Ônibus. EBTU: Empresa Brasileira de Transportes Urbanos, também denominada GEIPOT, que originalmente foi um grupo de estudos e depois sua equipe se incorporou à EBTU. FJP: Fundação João Pinheiro. IPTU: Imposto Predial e Territorial Urbano. IVSaúde: Índice de vulnerabilidade à saúde. ISA: Índice de Salubridade Ambiental. IQVU: Índice de qualidade de vida urbana. Metrobel: Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte. OUC: Operação Urbana Consorciada. PACE/79: Plano da Área Central, desenvolvido pelo Plambel e implantado pela Metrobel. PACE/86: Plano de Circulação da Área Central, desenvolvido e implantado pela BHTRANS. Plambel: Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. PlanMob-BH: Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte. PROBUS: Programa de Organização do Transporte Público. RMBH: Região Metropolitana de Belo Horizonte. SMT: Superintendência Municipal de Transportes. TRANSMETRO: Transportes Metropolitanos. TOD: Transit Oriented Development ou Desenvolvimento Orientado ao Transporte. UP: Unidade de Planejamento. VLT: Veículo Leve sobre Trilhos (bonde moderno). SUMÁRIO [VOLUME 1] INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 31 MO(VI)MENTO 1 – O PRÓXIMO E O DISTANTE: ESPAÇO-TEMPO-CORPO DA MOBILIDADE URBANA ............. 43 1 ENTRE: OS DESAFIOS DA MOBILIDADE URBANA NO CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO .................. 43 1.1 Entre um e outro: a pesquisa como um deslocamento dialético .............................. 43 1.2 Entre a mobilidade, o urbano e o ambiental: em busca do transdisciplinar ............. 46 1.3 Mobilidade urbana: um conceito em construção e em disputa................................ 54 1.4 O espaço: fixos e fluxos, espaços triádicos e o urbano lefebvriano .......................... 67 1.5 Os tempos da mobilidade e suas possíveis relações com o espaço .......................... 77 1.6 O corpo em deslocamento: terceiro elemento de uma possível tríade conceitual para olhar a mobilidade ................................................................................................................ 89 2 [MOBILI]CIDADE: A MOBILIDADE COMO COESÃO DOS LUGARES DE COPRESENÇA .............................. 95 2.1 Mobilidade e cidade: processos indissociáveis ......................................................... 95 2.2 Desmistificando a técnica: a (falsa) superação das barreiras espaçotemporais na cidade .................................................................................................................................. 100 2.3 Distâncias e velocidades: proximidade entre espaço, tempo e corpo .................... 113 2.4 Entre o corpo e a metrópole: os pedaços como escolha metodológica para a escala local .................................................................................................................................. 123 2.5 A (con)formação dos pedaços: isotopias e heterotopias do espaço urbano .......... 130 MO(VI)MENTO 2 – O PALIMPSESTO URBANO: FORMAÇÃO DO ESPAÇO E DA MOBILIDADE DE BELO HORIZONTE ................................................................................................................................ 143 3 A FORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE: PROCESSOS DE SEGREGAÇÃO E PRODUÇÃO DA CIDADE QUE É CIDADE ..................................................................................................................................... 143 3.1 Belo Horizonte: a reconstrução de um palimpsesto ............................................... 143 3.2 Primeiros tempos (1897-1950): planejamento e exclusão dos processos de ocupação do espaço concebido da cidade que é cidade .................................................................... 147 3.3 Metropolização (1950-1980): crescimento econômico e (mais) exclusão na produção do espaço metropolitano .................................................................................................... 157 3.4 Crise (1980-1992): implosão e estagnação da cidade durante a ocupação do espaço metropolitano ..................................................................................................................... 167 3.5 Democratização (1992-2014): concentração e diversidade após a guinada política e econômica .......................................................................................................................... 176 4 ESPAÇO E MOBILIDADE: TRANSIÇÃO URBANA, PEDAÇOS, ESPAÇOS PÚBLICOS E TEMPO .....................188 4.1 Identificando quatro questões na [mobili]cidade de belo horizonte ..................... 188 4.2 A transição urbana: da cidade pedestre à cidade motorizada ............................... 189 4.3 O palimpsesto da metrópole aos pedaços: espaço, tempo e corpo ....................... 200 4.4 Espaços públicos da capital: entre a heterotopia e o não-lugar ............................. 216 4.5 A constante disputa pelo tempo: o próximo e o distante ...................................... 231 MO(VI)MENTO 3 – A CIDADE AOS PEDAÇOS: EM BUSCA DE OUTRA MOBILI(CI)DADE .......................253 5 BELO HORIZONTE AOS PEDAÇOS: PROCESSOS URBANOS E DE MOBILIDADE EM RELAÇÃO DIALÉTICA .....253 5.1 Despedaçando a cidade: a escolha da escala dos pedaços..................................... 253 5.2 Síntese de um Quase Atlas ...................................................................................... 259 5.3 Decifrando a relação indissociável da [mobili]cidade: formação do espaço e do tempo e sua relação com os corpos em deslocamento ................................................................ 273 5.4 Homogeneidade espacial dos Territórios de Gestão Compartilhada: mitos e constatações ....................................................................................................................... 289 5.5 Pistas de novos caminhos: notas metodologias e síntese dos “achados” .............. 307 6 A CIDADE EM TORNO DOS TEMPOS: A (IM)PERFEIÇÃO COERENTE DOS PEDAÇOS E OS HOMENS LENTOS 313 6.1 De volta aos conceitos na realidade de Belo Horizonte: a eterna busca dos pedaços (im)perfeitos e os tempos, ritmos e velocidades urbanas ................................................. 313 6.2 Em busca do pedaço perfeito: dos subúrbios aos ecobairros ................................. 317 6.3 Os pedaços (im)perfeitos de Belo Horizonte: Ricópolis ou uma nova escala dos Territórios ........................................................................................................................... 339 6.4 A força é dos lentos: o mito da transição urbana e o resgate da cidade pedestre sufocada pela cidade motorizada ...................................................................................... 347 6.5 A força é do tempo: velocidade e ritmo.................................................................. 355 6.6 A força das pequenas práticas sociais: espaço, tempo, corpo e desejo ................. 363 MO(VI)MENTO FINAL: CHEGADAS SÃO SEMPRE NOVAS PARTIDAS .....................................................377 CONCLUSÕES E ABERTURAS ............................................................................................................377 PALAVRA FINAL ............................................................................................................................381 REFERÊNCIAS ...........................................................................................................................383 [VOLUME 2] APÊNDICE - UM QUASE ATLAS DOS TERRITÓRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA DE BELO HORIZONTE. APRESENTAÇÃO ...................................................................................................................... 401 PARTE 1 – ESCALA DO MUNICÍPIO: mapas de Belo Horizonte com seus 40 territórios ........ 405 PARTE 2 – ESCALA DA REGIONAL: Detalhamento dos Territórios de Gestão Compartilhada ........................................................................................................................ 417 REGIONAL BARREIRO .............................................................................................................. 417 REGIONAL OESTE .................................................................................................................... 431 REGIONAL CENTRO-SUL .......................................................................................................... 445 REGIONAL LESTE ..................................................................................................................... 459 REGIONAL NORDESTE ............................................................................................................. 471 REGIONAL NORTE ................................................................................................................... 485 REGIONAL VENDA NOVA ........................................................................................................ 497 REGIONAL PAMPULHA ........................................................................................................... 509 REGIONAL NOROESTE ............................................................................................................. 521 PARTE 3 – TABELAS E METODOLOGIA .................................................................................... 532 TABELAS TERRITÓRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA .......................................................... 532 METODOLOGIA DE CÁLCULO.................................................................................................. 541 31 INTRODUÇÃO O Automóvel é o Objeto-Rei, a Coisa-Piloto. Nunca é demais repetir. Este Objeto por excelência rege múltiplos comportamentos em muitos domínios, da economia ao discurso. O Trânsito entra no meio das funções sociais e se classifica em primeiro lugar, o que resulta na prioridade dos estacionamentos, das vias de acesso, do sistema viário adequado. Diante desse ‘sistema’, a cidade se defende mal. No lugar em que ela existiu, em que ela sobrevive, as pessoas (os tecnocratas) estão prestes a demoli-la. Alguns especialistas chegam a designar por um termo geral que tem ressonâncias racionais – o urbanismo – as consequências do trânsito generalizado, levado ao absoluto. Concebe-se o espaço de acordo com as pressões do automóvel. (LEFEBVRE, 1991, p. 110). No texto acima, escrito em 1968, Henri Lefebvre sintetiza algumas das questões da vida cotidiana no mundo moderno que permanecem até os dias de hoje mal debatidas e mal resolvidas. No contexto francês do final da década de 1960, Lefebvre constatava que o estudo formal e material do Automóvel não havia sido aprofundado e que, em sua maioria, os textos produzidos até então deviam ser considerados mais como sintomas do que informação e saber. Jane Jacobs (2009, p. 377), em 1961, escrevia nos Estados Unidos do pós-guerra constatando que todos os que prezavam as cidades estavam incomodados com os automóveis e que a erosão das cidades era um dos principais sintomas da destruição urbana: A erosão das cidades pelos automóveis provoca uma série de consequências [...]. Por causa do congestionamento de veículos, alarga-se uma rua aqui, outra é retificada ali, uma avenida larga é transformada em via de mão única, instalam-se sistemas de sincronização dos semáforos para o trânsito fluir rápido, duplicam-se pontes quando sua capacidade se esgota, abre-se uma via expressa acolá e por fim uma malha de vias expressas. Cada vez mais solo vira estacionamento, para acomodar a um número sempre crescente de automóveis quando eles não estão sendo usados. (JACOBS, 2009, p. 389). Os ecos dessas constatações ainda estão soando alto nas cidades brasileiras mais de 50 anos depois. Muito por causa de certa demora com que os mesmos processos chegassem e se agravassem na realidade brasileira, mas, também, pela ausência de um aprofundamento teórico no contexto brasileiro que trouxesse contribuições para aplicação da tática de redução dos automóveis pela cidade defendida por Jacobs (2009, p. 404-405). Enfatiza a autora que não é a redução de automóveis nas cidades, mas a redução de automóveis pelas cidades através de táticas que “dão espaço a outros usos urbanos necessários e desejados, que 32 rivalizam com as necessidades viárias dos automóveis.” Apesar desse processo identificado por Lefebvre e Jacobs não ser o único relativo à mobilidade urbana, o automóvel e a necessidade do controle de seu uso (sua redução!) estão no centro das preocupações da tese, que tem a intenção de contribuir para esse debate teórico sobre o “Objeto-Rei”, propondo buscar o aprofundamento sobre a relação entre espaço e mobilidade. Lefebvre (2000, p. 40 e 72, tradução nossa), em La production de l’espace (A produção do espaço) constata que cada sociedade – e, portanto, cada modo de produção - produz seu espaço, e que para mudar a vida e mudar a sociedade deve haver a produção de um outro espaço. Apontando para a necessidade de uma mudança, a presente tese busca no espaço, o conceito fundamental para contribuir para a compreensão da mobilidade cotidiana da cidade e sua relação com os processos de produção do espaço social. Logo, a principal premissa que sustenta e orienta as reflexões pretendidas é a constatação da forte relação existente entre os processos econômicos, as políticas urbanas e de mobilidade e os espaços produzidos. Parte- se da hipótese de que para poder interferir positivamente nesta relação, deve-se compreender a importância do potencial transformador do espaço. Esse espaço social, de fixos e fluxos, está indissociável do tempo e do corpo como categorias e como fatores dessa potencial transformação. Propõe-se a utilização desses elementos como um prisma espaço- tempo-corpo que ajude a enriquecer a leitura dos processos urbanos relativos à mobilidade. Essa relação entre mobilidade e produção do espaço é de causa e consequência - muitas vezes dialética - e foi sendo aprofundada no processo da pesquisa tendo como referência teórica principal a obra urbano-espacial de Henri Lefebvre, trazendo alguns elementos de sua sociologia do cotidiano, que se não é específica sobre mobilidade, traz elementos de contato que estimularam e sustentaram a proposição da adoção da tríade de espaço-tempo-corpo dos deslocamentos. Se por um lado, a tríade proposta permite um diálogo com outros autores, por outro mostra-se insuficiente para a pretendida aproximação das práticas socioespaciais1 1 Optou-se, ao longo de todo o texto, pela grafia socioespacial, apesar de alguns autores (CARLOS; SOUZA; SPOSITO, 2011; SOUZA M., 2007; 2008) defenderem a diferenciação entre a grafia com e sem hífen, por seu sentido: sócio-espacial seria “referência somente ao espaço social, que é um produto (enquanto substrato espacial material, território, ‘lugar’ etc.) das relações sociais (trabalho/economia, poder/política, simbolismo/cultura) e, ao mesmo tempo, parte integrante da totalidade social concreta ou sociedade concreta (a qual compreende as relações sociais e o espaço); e socioespacial seria “referência simultaneamente às relações sociais e ao espaço (social), como dimensões da sociedade concreta que, sem se confundirem, são, por outro lado, essencialmente interdependentes.” (SOUZA, M., 2008, p. 160, grifo do autor). 33 reais, levando à busca, de forma complementar, de outra proposição teórica: a constatação de que cidade e mobilidade são indissociáveis, se coproduzem mutuamente e se explicam reciprocamente, sendo a mobilidade, a contrapartida da localização das atividades sociais no espaço. Essa segunda proposição foi construída a partir das leituras de outros autores franceses que transitam entre o urbano e a mobilidade, como Marc Wiel, Jean Pierre Orfeuil, Jean Marc Offner e Thierry Paquot, e evidencia a relação dialética existente entre os processos de localização das pessoas (habitação), das instituições (equipamentos e empresas) e os deslocamentos que formam o conjunto da mobilidade urbana cotidiana, conexão real ou latente entre os lugares de copresença, definidos por Wiel como lugares de interação social (todos os lugares onde se realizam atividades humanas: moradia, trabalho, lazer, comércio, estudos, etc.) O desdobramento imediato dessa ideia de que a localização é o fator fundamental da necessidade (quantitativa e qualitativa) da mobilidade é a importância da distância (expressa em espaço e/ou tempo) entre os diversos lugares de copresença. Normalmente, o próximo é o desejável; e o indesejável, se quer distante. Em torno dessa dicotomia fundamental entre o próximo e o distante (de certa forma óbvia) se desenvolvem os processos de produção do espaço urbano – tanto para a produção quanto para a reprodução – e o urbanismo manifesto por projetos urbanos e por instrumentos urbanísticos. As distâncias de uma cidade não se limitam apenas a seus extremos e há uma relatividade nestes conceitos em função dos atributos dos deslocamentos. Essa relatividade das escalas tanto é fundamental para quem pensa e contribui para a formação da cidade (os urbanistas, no sentido amplo) quanto para as pessoas em suas decisões e escolhas (ou falta delas) cotidianas. E, se por um lado, o urbanista, principalmente o urbanista modernista, torna-se um ajustador de distâncias (como constata OFFNER, 2010), os moradores da cidade estão constantemente criando estratégias para se ajustar (ou se submeter) às distâncias que a cidade lhes impõe, ajustando suas próprias distâncias por processos de localização tanto de suas moradias e trabalho, quanto de onde estudar, consumir e executar as demais atividades da vida cotidiana. Tomando como “objeto de pesquisa” a cidade de Belo Horizonte – observada e analisada a partir de seus fragmentos –, metodologicamente o que se propõe é uma tentativa de reflexão sobre os processos socioespaciais concretos, utilizando-se uma escala intermediária que permita compreendê-los, fazendo a articulação entre as escalas micro e macro do urbano: entre o próximo e o distante. Logo, a pesquisa também se situa em torno da ideia das escalas 34 (dos espaços, dos tempos e das velocidades) propondo pensar a cidade e sua mobilidade (e as políticas públicas) a partir dos seus pedaços2 (bairros e/ou conjuntos de bairros), espaços resultantes da força dos processos econômicos combinada em maior ou menor grau com a força das políticas públicas (ou sua ausência). Além de permitir uma operação desejável de transitar entre as escalas, a escolha de uma escala intermediária para tratar das questões propostas se justifica pela constatação de que a estrutura e o espaço urbano de qualquer cidade se caracteriza por partes (os pedaços) com características urbanísticas específicas (similares ou distintas). Os pedaços das cidades contemporâneas se explicam por inúmeros fatores desde seu surgimento por loteamentos, parcelas ou edificações, nos interessando destacar nesta introdução apenas: (i) a predominância do instrumento do zoneamento funcional e social (determinado por coeficientes de uso e ocupação do solo), marca do urbanismo modernista e predominante por décadas; (ii) os processos de segregação (e autosegregação) social que tem suas raízes nas decisões de localização entre iguais, mas que são reforçados por diversas fatias do mercado imobiliário (baixa, média e alta renda). O principal resultado destes complexos processos socioespaciais que se quer destacar é a forte predominância de formação de isotopias3 urbanas. Essas isotopias são entendidas como espaços com homogeneidade (física e socioeconômica) de uso e ocupação e com acessibilidade similar. Para a reflexão proposta, propõe-se adotar a denominação pedaço tanto para algumas isotopias quanto para algumas parcelas da cidade menos homogêneas ou de transição – em sua maioria tornados pedaços por sua configuração de acessibilidade – e até para as poucas heterotopias existentes, muitas vezes associadas a centralidades. Outra vantagem da escolha dessa escala intermediária como metodologia de aproximação dos processos concretos, é a constatação de que as características desses pedaços apresentam forte relação com as características dos deslocamentos resultantes. Em outras palavras: existe uma relação direta entre o padrão urbano e padrão de mobilidade de cada pedaço da cidade. Também são inúmeros os fatores que explicam essa forte relação, a 2 Como se pode perceber, não há intenção de considerar esses pedaços como categoria, mas como uma nomeação geral dessas partes ou parcelas. Também vale ressaltar que não se propõe utilizar o conceito de pedaço utilizado na antropologia (especialmente por José Guilherme Magnani em obras como Festa no Pedaço, de 2008). 3 O conceito de isotopia é tomado aqui no seu sentido mais simples: lugar (topos) com características semelhantes. Mais à frente, esse conceito é retomado a partir dos conceitos de Lefebvre e Foucault. 35 começar pela renda nas cidades brasileiras. Como se verá, se o pedaço é de alta renda, há uma evidente predominância de uso de modos motorizados e, de modo inverso, baixa renda resulta em maior parcela de modos coletivos e não motorizados. Mas fatores como localização relativa, características urbanísticas e até mesmo culturais, podem contribuir para acentuar ou atenuar a relação entre mobilidade e padrão urbano do pedaço. Do encontro desses pressupostos e premissas é que surge a questão orientadora da pesquisa ora proposta: Se é correto afirmar que os processos de produção do espaço urbano ocorrem a partir do surgimento e consolidação de partes homogêneas que formam a cidade (seus pedaços); pensar a cidade a partir de seus pedaços, identificando suas qualidades e seus problemas (tanto urbanos quanto de mobilidade) resultantes desses processos, não será uma escala privilegiada para sua compreensão crítica e para a constituição de políticas territoriais transetoriais que contribuam para uma mobilidade melhor do pedaço (o próximo) e da cidade/metrópole (o distante)? Ler a cidade através da escala de seus pedaços não se constitui nenhuma novidade já que é procedimento corriqueiro em leituras e diagnósticos espaciais, antigamente tendo o mapa em papel como suporte e hoje utilizando os diversos softwares georreferenciados disponíveis e seus mapas temáticos. Se há novidade na questão colocada é a possibilidade de utilização desses pedaços como escala da política de mobilidade, normalmente tratada principalmente a partir do distante, em sua escala macro, suas grandes ligações (redes viárias e redes de transporte com tecnologias de média e alta capacidade), ou, em termos lefebvrianos, pensada a partir do espaço abstrato e não do espaço social. Pouco – mas crescente – destaque vem sendo dado à abordagem na escala micro, dos espaços públicos do projeto urbano ou do bairro. Nesse caso, a quase esquecida escala intermediária do pedaço de cidade para tratar de mobilidade parece se caracterizar como uma proposta inovadora, com potencial para articular as escalas macro e micro (além da articulação setorial já destacada), e orientar as reflexões sobre os processos socioespaciais concretos que constituem uma cidade. Em outras palavras, o que se está propondo é uma tentativa de descentralização da gestão urbana associada a uma abordagem conceitual da vida cotidiana. Uma tese é fruto de um longo processo de aprendizado, reflexões e escolhas que se materializam especialmente na estrutura final de seu texto, aqui apresentada em seis capítulos, distribuídos em três mo(vi)mentos, além desta introdução e das conclusões. São momentos que refletem os tempos da própria pesquisa, mas ao mesmo tempo são os 36 movimentos metodológicos adotados. Momento, para Lefebvre, é uma tentativa de realização total de uma possibilidade (LEFEBVRE, 1980, p. 348), e esses movimentos/momentos propostos devem ser vistos como tentativas de, respectivamente: aprofundamento teórico e metodológico; aproximação do objeto de pesquisa historicamente produzido; destaque e análise das descobertas (intuições, comprovações e revelações) ao olhar para dentro dos pedaços. Mas além de seu texto, compõe o corpus da tese um Apêndice, denominado Um Quase Atlas dos Territórios de Gestão Compartilhada de Belo Horizonte, com tabelas, figuras e mapas sobre esses Territórios e que procuram trazer uma possibilidade de leitura mais aberta que apenas o texto, por isso mesmo apresentado à parte. O primeiro mo(vi)mento, denominado O PRÓXIMO E O DISTANTE: ESPAÇO-TEMPO-CORPO DA MOBILIDADE URBANA, apresenta a proposta teórica, resultante de uma articulação entre as abordagens dos diversos campos envolvidos. O primeiro capítulo, ENTRE: OS DESAFIOS DA MOBILIDADE URBANA NO CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO, destaca o deslocamento teórico realizado por um autor que vem da engenharia de transportes em direção à geografia urbana, em busca de uma possível abordagem espacial que dê conta dos desafios propostos pela adoção do conceito de sustentabilidade que resultou no novo conceito de mobilidade urbana. Esse entre a mobilidade e o urbano, é a principal característica da pesquisa que se inicia interdisciplinar, mas se pretende transdisciplinar. A busca de uma abordagem trans é fundamental para que a mobilidade urbana seja vista com ênfase espacial e a produção do espaço seja vista por seus elementos de mobilidade. O capítulo se inicia apresentando separadamente a base conceitual e teórica do campo da mobilidade, a diferenciação entre transporte, mobilidade e acessibilidade, o entendimento e a crítica à sustentabilidade sempre tendo em vista que mobilidade urbana é um conceito ainda em construção e em disputa. Em seguida, apresenta os conceitos que sustentam a proposição de uma tríade para olhar a mobilidade que associa e indissocia espaço, tempo e corpo, proposição teórica adotada para entender a mobilidade, tendo além de Henri Lefebvre e Milton Santos como referências principais, autores como David Harvey, Edward Soja e Michel Foucault como fortes influências. Essa primeira parte da tese se complementa e se desdobra no segundo capítulo, [MOBILI]CIDADE: A MOBILIDADE COMO COESÃO DOS LUGARES DE COPRESENÇA, que traz os processos de localização e de deslocamentos como indissociáveis na cidade contemporânea, urbano- industrial, e a formulação teórica da cidade aos pedaços adotada, tendo a tríade espaço- 37 tempo-corpo como referencial. São apresentados os processos de formação das isotopias, por exclusões e segregação, zoneamentos funcionais e sociais, que produzem espaços para os mais ricos (a cidade formal dos bairros nobres, do mercado imobiliário e dos alphavilles), para os mais pobres (as exclusões para a cidade informal das favelas, subloteamentos e ocupações) e para setores de classe média (processo tradicional que associa legislação urbana e mercado imobiliário). O segundo mo(vi)mento da tese, O PALIMPSESTO URBANO: A FORMAÇÃO E AS CONTRADIÇÕES DO ESPAÇO E DA MOBILIDADE DE BELO HORIZONTE, apresenta a cidade com seu conjunto de fragmentos de um mesmo palimpsesto temporal e espacial. O tempo (histórico) guia o terceiro capítulo, A FORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE: PROCESSOS DE SEGREGAÇÃO NA PRODUÇÃO DA CIDADE QUE É CIDADE, que faz uma análise do processo histórico de formação do espaço urbano da cidade de Belo Horizonte, buscando-se identificar elementos de formação do seu palimpsesto espacial e suas relações com a mobilidade urbana e as dimensões tempo e corpo. O quarto capítulo, ESPAÇO E MOBILIDADE DE BELO HORIZONTE: TRANSIÇÃO URBANA, PEDAÇOS, ESPAÇOS PÚBLICOS E TEMPO, destaca esses quatro temas dentro da realidade da cidade, e ao final utiliza dados dos 26 pedaços de cidade definidos e considerados no diagnóstico do Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (BHTRANS, 2014). O terceiro mo(vi)mento, A CIDADE AOS PEDAÇOS: APRESENTANDO BELO HORIZONTE COMO FRAGMENTOS DE UM MESMO PALIMPSESTO, EM BUSCA DE PISTAS PARA OUTRA MOBILI(CI)DADE, inicia-se com o quinto capítulo, BELO HORIZONTE AOS PEDAÇOS: PROCESSOS URBANOS E DE MOBILIDADE EM RELAÇÃO DIALÉTICA, que apresenta os 40 Territórios de Gestão Compartilhada como escala a ser analisada e faz a sua relação com a mobilidade através de dados da Pesquisa de Origem e Destino de 2012 e do Censo Demográfico de 2010, dando concretude à ideia de que toda cidade pode ser vista por seus pedaços. Nesse capítulo, é apresentada uma síntese do Quase Atlas, elaborado para os 40 Territórios e inserido com o apêndice, que contém tabelas, mapas e figuras que caracterizam cada Território. O que se explora e questiona é a homogeneidade de cada pedaço (que, obviamente, é homogênea apenas com o olhar distante) e suas relações diretas e inversas com o padrão de mobilidade urbana. Os dados quantificam e qualificam o perfil socioeconômico da população, as oportunidades de empregos, estudo e equipamentos existentes e o padrão de deslocamentos (quantidade, modo de transporte, distância, velocidade e tempo) resultante. 38 O sexto capítulo, A CIDADE EM TORNO DOS TEMPOS: A (IM)PERFEIÇÃO COERENTE DOS PEDAÇOS E A FORÇA DOS HOMENS LENTOS, retoma as proposições teóricas formuladas no mo(vi)mento inicial, analisando o espaço-tempo-corpo com destaque ao tempo como dimensão articuladora e inovadora. As políticas temporais europeias são apresentadas como possibilidades de um desdobramento, que mesmo extrapolando a mobilidade, parecem deslocar o eixo da tríade do espaço para o tempo-corpo, e consequentemente, para o ritmo. Resgata também a proposição da [mobili]cidade, indissociabilidade entre localização e deslocamentos trazendo luz à cidade pedestre de Belo Horizonte, que sobrevive sufocada pela cidade motorizada. E traz uma constatação de que os urbanistas sempre buscaram a transformação da cidade pela “busca do pedaço perfeito”, desde a ideia do subúrbio e do urbanismo modernista de Le Corbusier, passando pelos grandes projetos urbanos franceses das décadas de 1960 a 1980 até chegar nos projetos contemporâneos de bairros ecológicos europeus, objeto de pesquisa durante estágio sanduíche. Essas ideias de espaços concebidos que resultam em soluções urbanas (subúrbios, cidade jardim, grandes conjuntos, cidades radiantes, bairros ecológicos) repercutem no palimpsesto de Belo Horizonte em maior ou menor grau. Fecha a tese, um breve mo(vi)mento final, denominado CHEGADAS SÃO SEMPRE NOVAS PARTIDAS, que mais que concluir, aponta alguns possíveis aprofundamentos de conceitos na direção de novos caminhos, que possam libertar e abrir horizontes que os sistemas tendem a fechar. Pensar a cidade aos pedaços como escala privilegiada de percepção, análise e ação; a heterotopia como utopia; e o espaço-tempo-corpo como prismas de leitura, possibilitando análises dialéticas, parecem ser boas contribuições originais dessa longa jornada. 39 Por fim, e não menos importante, breves notas metodológicas do que a tese não se propôs a tratar ou a abranger: 1. Apesar de trazer contribuições conceituais e novas formulações, estas devem ser vistas como possibilidades e não como novas teorias consolidadas, o que exigiria uma defesa mais consistente de suas formulações; 2. Um bom exemplo dessas possibilidades foi a proposição da escala do pedaço na análise da problemática urbana, que se fosse uma proposição de categoria teórica, exigiria um aprofundamento teórico explicativo, relacionando-o com conceitos espaciais, como o de lugar, campo e território, e suas implicações com conceitos de pertencimento e poder; 3. Apesar de se utilizar muitos dados e de ferramentas estatísticas, essa tese não é uma tentativa de se construir explicações quantitativas. Sempre que essas ferramentas foram utilizadas, procurou-se destacar que a intenção era de pistas de relações (correlações) e tendências, pistas essas que servem muito mais ao pensamento que às equações. 4. Apesar de passar pelo período da metropolização e trazer em alguns momentos a Região Metropolitana de Belo Horizonte à baila, as análises principais se limitaram ao município de Belo Horizonte, o que não impede de se desdobrá-la na metrópole em pesquisa futura. 5. Apesar de ser uma possibilidade concreta de desdobramento, não foi realizada a análise comparativa com resultados de Pesquisas de Origem e Destino e do Censo Demográfico de outros anos; 6. Por fim, cabe lembrar que foi feita uma opção por não explicitar na estrutura texto alguns itens tradicionais de pesquisas acadêmicas, como hipótese, objetivo geral, objetivos específicos, metodologia, entre outros; esses itens aparecem à medida que vão sendo necessários, como é o caso da questão orientadora apresentada na Introdução. Isso posto, vamos à mobilidade da cidade aos pedaços! 43 MO(VI)MENTO 1 – O PRÓXIMO E O DISTANTE: ESPAÇO-TEMPO-CORPO DA MOBILIDADE URBANA 1 ENTRE: OS DESAFIOS DA MOBILIDADE URBANA NO CONTEXTO DA PRODUÇÃO DO ESPAÇO 1.1 ENTRE UM E OUTRO: A PESQUISA COMO UM DESLOCAMENTO DIALÉTICO Em vez do simples, o complexo; em vez da reversibilidade, a irreversibilidade; em vez do tempo linear, os tempos não lineares; em vez da continuidade, a descontinuidade; em vez da realidade constituída ou criada, os processos de criação e as qualidades emergentes; em vez da ordem, a desordem; em vez da certeza, a incerteza. (SANTOS, 2010, p. 141). Não é sem motivo que se inicia este capítulo sobre o entre com Boaventura Sousa Santos e sua Gramática do Tempo, nem tanto por sua consistente proposição de uma nova cultura política, mas por seu caráter metodológico e sua proposta de construir um pensamento alternativo de alternativas (SANTOS, 2010, p. 15). Boaventura esclarece que o que pretende é “maximizar a consciência da incompletude recíproca das culturas, através de um diálogo com um pé numa cultura e outro pé, noutra” (SANTOS, 2010, p. 87). Toda pesquisa também é uma “viagem” que tem por “origem” a própria história e formação do pesquisador, por “motivo” suas questões e reflexões pessoais, por “meio” os métodos teóricos e práticos diversos, passando por um “itinerário” de aprendizado e reflexão para se chegar ao “destino” final: contribuições teóricas, constatações, conclusões, mas também novas questões e inquietações. Inicialmente, o que motivou esta “viagem” foram experiências práticas vivenciadas na gestão cotidiana dos transportes e em suas políticas públicas e a constatação da incompletude da abordagem do setor de transportes, mais especificamente da engenharia de transportes. Havia uma intenção de resgatar a preocupação com os pedestres e espaços públicos, que têm um papel fundamental para o estabelecimento de um 44 novo paradigma de mobilidade urbana, pelo potencial de ser uma bandeira positiva e uma possibilidade prática de ruptura dos sistemas fechados, ou uma abertura a eles, nos termos lefebvrianos. Para Lefebvre (2011, p. 9, grifo do autor), “todo sistema tende a aprisionar a reflexão, a fechar os horizontes” e seu rompimento resulta de um processo de “abrir o pensamento e a ação na direção de possibilidades que mostrem novos horizontes e caminhos.” Essa escala dos pedestres e dos espaços públicos coloca em evidência a abordagem das pessoas e indivíduos em deslocamento e um olhar antropológico. Mas a inquietação fundamental que se impôs – e que passou a permear todo o “itinerário” da presente pesquisa – foi a busca de novas abordagens que permitam contribuir para a tentativa de formação de um novo paradigma para o setor, representado pela mobilidade urbana sustentável. Como será descrito neste capítulo, no início dos anos 2000, cresceu a necessidade de superação da crise da mobilidade estabelecida nos anos 1990, através da mudança da forma de pensar e agir sobre o transporte. Essa busca tem como premissa fundamental que a instiga e a direciona, a forte relação existente entre os processos econômicos, as políticas urbanas e de mobilidade e os espaços produzidos, e se apropriou do termo sustentável, seus aprendizados e questões. Será possível alcançar essa mobilidade urbana sustentável? Se possível, como chegar a ela? Para além dessas perguntas iniciais, questiona-se como interferir positivamente nas relações entre processos socioeconômicos e o espaço e para isso, deve-se buscar compreender como os processos sociais se projetam no espaço (dito espaço social da cidade), seus fixos e fluxos, indissociável do tempo e da inserção humana (através do corpo). O que diferencia e caracteriza os processos de busca de conhecimento são os meios e os “trajetos” teóricos e práticos escolhidos e utilizados pelo viajante. Essa pesquisa/viagem incorpora aspectos das ciências sociais, do urbanismo e da economia política para tratar dos processos socioespaciais da mobilidade urbana na cidade de Belo Horizonte, observada e analisada a partir de seus fragmentos ou pedaços. A metodologia proposta está alinhada a uma tentativa de aproximação dos processos socioespaciais concretos, valendo-se do suporte teórico sobre a produção do espaço (essencialmente nas ideias de Henri Lefebvre) e de uma microescala que permita compreendê-los melhor fazendo a articulação entre as escalas micro e macro do urbano e entre o próximo e o distante. Em suma, o que se pretende é contribuir com o aprofundamento teórico entre a mobilidade e os processos urbanos. 45 Toda pesquisa/viagem é composta de movimentos - teóricos e/ou práticos - em busca de novos conhecimentos e de constatações para as (hipó)teses. Nessa tentativa de buscar um pensamento alternativo de alternativas, revela-se a inspiração advinda de Boaventura Sousa Santos e suas sociologias das ausências e sociologias das emergências e de sua proposta de busca das pluralidades, sempre situada no entre, evidenciado tanto no meio/método quanto na tentativa de aproximação e diálogo entre os campos presentes neste capítulo: entre a mobilidade e o urbano; entre a produção do espaço e os deslocamentos cotidianos; entre o técnico e o social; entre o espaço, o tempo e o corpo; entre o próximo e o distante; entre o lento e o rápido; entre o corpo e a metrópole. Essa opção metodológica sustenta toda a pesquisa e se alia à intenção de uma abordagem dialética, que torna esse entre não apenas uma mudança de foco ou de zoom, mas uma operação de reflexão crítica dos processos. O entre, prefixo e preposição, além de levar o olhar para outros campos, também é intencionalmente plural - ao mesmo tempo cá e lá, trazendo o sentido de reciprocidade, de colateralidade. Essa operação de ir e vir e de estar ao mesmo tempo nos dois campos é um procedimento de natureza dialética, que também pode ser sintetizado pelo sentido de trans, prefixo que traz o sentido de além de e de transposição. É o diálogo com “um pé numa cultura e outro pé, noutra”, que exige a tradução, procedimento defendido por Boaventura Sousa Santos (2010, p. 124), como um trabalho de interpretação entre duas ou mais culturas com objetivo de identificar preocupações comuns entre elas e as diferentes respostas possíveis. Mais uma vez, cabe a ressalva que se está utilizando os conceitos de Sousa Santos em seu caráter metodológico, já que ele os aplica com caráter mais político, mas parece inspirador pensar que a tradução tem objetivo de “criar inteligibilidade, coerência e articulação” (SANTOS, 2010, p. 129). Essas operações de estar além de, ao mesmo tempo cá e lá, indo e vindo, serão essencialmente aplicadas aos diversos campos e às diversas escalas, adotando uma intencional tentativa de ser transetorial e transescalar, postura fundamental para que a mobilidade urbana seja vista com ênfase espacial e a produção do espaço seja vista por seus elementos de mobilidade. Há nessa abordagem ao mesmo tempo uma necessidade - de compreensão dos processos - e um convite - para que os profissionais do setor dos transportes se apropriem de reflexões das ciências humanas e os pesquisadores desses outros campos de conhecimento adentrem nos debates das soluções dos crescentes problemas de mobilidade urbana. 46 1.2 ENTRE A MOBILIDADE, O URBANO E O AMBIENTAL: EM BUSCA DO TRANSDISCIPLINAR Desde o final do século XIX, a história das cidades brasileiras está ligada a problemas com os transportes. A Revolta do Vintém, movimento social contra o aumento no valor das passagens dos bondes, ocorrida entre final de 1879 e início de 1880, no Rio de Janeiro, pode ser considerada como um marco inicial dessa história e que ecoa até os movimentos sociais de junho de 2013 (não por acaso deflagrados pelo aumento de vinte centavos nas tarifas de São Paulo). Também em Belo Horizonte, inaugurada em 1897, mas onde o serviço de bonde só vai ser iniciado em 1902, as insatisfações com a qualidade e custos do transporte acompanham todo o século XX, chegando aos dias de hoje com força renovada. No entanto, como será visto no Capítulo 3, cada ciclo tem sua especificidade e somente nas últimas décadas se intensifica a associação dos problemas de transporte com os de trânsito, o que já vinha ocorrendo desde a década de 1960 em São Paulo e Rio de Janeiro e gradativamente foi se expandindo para as grandes e médias cidades brasileiras. Em meados da década de 1990, provocada em grande parte pela ineficácia das soluções adotadas para os transportes decorrentes dos poucos investimentos na década de crise (década de 1980) em associação direta com o aumento de consumo de veículos motorizados, inicia-se um período que muitos (AFONSO, 2001, 2008; BRASIL, 2007) vão denominar crise da mobilidade, que teve como uma de suas principais causas os processos que produziram uma cidade dependente do automóvel e dos modos motorizados, que levou à expansão exagerada das áreas urbanas, ao crescimento de necessidades de deslocamentos mais longos e à transformação do espaço (público) onde se realizam esses deslocamentos em objeto de disputa, cada vez mais vencida pelos veículos. O Gráfico 1 apresenta os totais anuais de veículos licenciados no Brasil e mostra claramente que nos anos 1990, especialmente 1995, a produção de veículos alcança patamares de um mais de um milhão e meio de veículos licenciados ao ano, quando na década de 1980 esse número estava abaixo de um milhão. Nova mudança de patamar, essa mais assustadora ainda ocorre a partir de 2007, ultrapassando os dois milhões, e alcançando 3.802.071 em 2012, mas que começa a cair a partir de 2013. Esse novo momento, parece ter consolidado uma nova crise mais aguda, que pode vir a ser entendida como a crise da imobilidade, mas que talvez represente o começo de uma nova transição, dessa vez rumo a uma estagnação por saturação. 47 Gráfico 1 - Evolução do licenciamento anual de autoveículos no Brasil (automóveis, comerciais leves, caminhões e ônibus) entre 1957 e 2014. Fonte: Elaboração própria a partir de dados da ANFAVEA (2015). Esse processo não é exclusividade das cidades brasileiras, já tendo acontecido há algumas décadas em vários países e cidades europeias e americanas. Um de seus resultados mais evidentes é que o “espaço se torna raro [...] em particular em tudo o que diz respeito à cidade e ao urbanismo” (LEFEBVRE, 1991, p. 60), em uma sociedade de consumo, abundância e desperdício. Lefebvre falava dessa transformação do espaço em uma nova raridade na França do final dos anos 1960, mas se essa afirmação se restringia aos países industriais avançados, hoje se pode perceber o fenômeno também nos países em desenvolvimento, e “O tempo também se faz raro, assim como o desejo (LEFEBVRE, 1991, p. 60). Dentre as várias possibilidades de se propor uma reflexão sobre o meio ambiente, o espaço e a mobilidade urbana, o espaço como raridade parece permitir uma operação fundamental e necessária: trata-se do meio ambiente urbano, onde o espaço, em todos seus sentidos, é um grande recurso a ser “consumido”. Falta espaço tanto para a localização das atividades humanas quanto para a mobilidade e é em torno da sua disputa e da sua (má) distribuição e acesso que giram algumas das questões centrais quando se fala em mobilidade urbana. 1.014.925 (1979) 1.943.458 (1997) 3.802.071 (2012) 3.498.012 (2014) - 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.000.000 3.500.000 4.000.000 1 9 57 1 9 60 1 9 63 1 9 66 1 9 69 1 9 72 1 9 75 1 9 78 1 9 81 1 9 84 1 9 87 1 9 90 1 9 93 1 9 96 1 9 99 2 0 02 2 0 05 2 0 08 2 0 11 2 0 14 48 Um dos marcos iniciais das políticas ambientais, a Conferência da ONU sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, 1972, mesmo ano em que se publicou o relatório do Clube de Roma4, denominado Limits to Growth (Os Limites ao Crescimento), que associou o desenvolvimento econômico do terceiro mundo a preocupações com a base de recursos naturais. Nesse momento histórico, no Brasil governado pela ditadura militar e em pleno crescimento econômico, a questão ambiental não foi abraçada, como fica evidenciado pela participação da delegação brasileira no encontro de Estocolmo, que foi contrária à nova consciência ambiental e insistiu nos objetivos desenvolvimentistas (HOGAN, 2000, p. 24). Em 1973, surge o conceito de ecodesenvolvimento, utilizado pela primeira vez pelo canadense Maurice Strong (BRÜSEKE, 1996, p. 104), caracterizado como uma concepção alternativa de política de desenvolvimento. Este conceito tem seus princípios 5 apresentados por Sachs (19766 apud BRÜSEKE, 1996, p. 105) e preparou a adoção posterior de desenvolvimento sustentável, definido pela primeira vez em 1987, no relatório Our Comum Future (O Nosso Futuro Comum), resultante dos trabalhos da comissão da ONU denominada World Commission on Environment and Development (Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento), cujos presidentes eram Mansour Khalid e Gro Harlem Brundtland, tendo o sobrenome desta, sido usado para denominar o relatório. O Relatório Brundtland definiu desenvolvimento sustentável como o “desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem arriscar que futuras gerações não possam satisfazer as necessidades delas.” Outro passo importante para a trajetória ambiental foi a realização da Eco-92, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - CNUMAD, no Rio de Janeiro em 4 O Clube de Roma, fundado em 1968 e existente até os dias de hoje, é uma associação informal de personalidades independentes, líderes da política, dos negócios e da ciência, homens e mulheres para o futuro da humanidade e do planeta. Em 1972, o grupo ganhou reputação mundial com o relatório: Os Limites do Crescimento, encomendado a um grupo de cientistas do MIT - Massachusetts Institute of Technology. O Relatório explorou uma série de cenários e salientou as opções abertas à sociedade para conciliar o progresso sustentável dentro das restrições ambientais. [Fonte: http://www.clubofrome.org/?p=324, acessado em 02/01/2013, tradução nossa]. 5 Os cinco princípios são: sustentabilidade social (redução das desigualdades sociais); sustentabilidade econômica (aumento da produção e da riqueza social, sem dependência externa), sustentabilidade ecológica (qualidade do meio ambiente e preservação das fontes de recursos energéticos e naturais para próximas gerações), sustentabilidade espacial ou geográfica (evitar excesso de aglomerações), sustentabilidade cultural (evitar conflitos culturais com potencial regressivo). 6 SACHS, Ignacy. Environment and Styles of Development. In: MATTHEWS, William Henry (ed.). Outer Limits and Human Needs: resources and environmental issues on development strategies. Uppsala: Dag Hammarskjöld Foundation, 1976. P.41-65. 49 1992. Registra Brüseke (1996, p. 108) que, apesar das frustrações – como a pressão da delegação dos Estados Unidos em favor da eliminação das metas e dos cronogramas para a limitação da emissão de CO2 do contrato sobre o clima e a falta da assinatura dos Estados Unidos à convenção sobre a proteção da biodiversidade –, o principal resultado da Eco-92 foi a consolidação da consciência sobre os perigos que o sistema vigente de desenvolvimento socioeconômico trazia ao meio ambiente, durante décadas ignorados pela maioria dos governos do mundo. Arturo Escobar (1996), seguindo a linha da ecologia política, analisa elementos de um processo histórico complexo, que contribuem para ampliar esse debate e compreender porque o conceito de desenvolvimento sustentável elaborado pelo Relatório Brundtland foi um caminho amplamente aceito e quais problemas podem estar associados a esse consenso. Trazendo uma abordagem pós-estruturalista e incorporando elementos de análise do discurso, Escobar faz uma crítica à modernidade e identifica uma forma moderna e uma forma pós-moderna de capitalização da natureza. Focando no papel do discurso não como um reflexo da realidade, mas como parte constitutiva da realidade, para Escobar (1996, p. 46, tradução nossa), “discurso é a articulação entre conhecimento e poder, entre declarações e visibilidade, entre o visível e o expressivo [...] discurso é o processo através do qual, cada realidade social inevitavelmente se insere.” Para esse autor, a principal crítica a ser feita ao discurso de desenvolvimento sustentável é que ele tem mediado as relações entre natureza e o capital, permitindo a reconciliação de dois antigos inimigos – crescimento econômico e preservação do meio ambiente, sem questionamentos ao sistema de mercado. É a partir da difusão da questão ambiental para além de sua interface direta com o meio ambiente natural, da percepção de que essa questão deveria tratar também dos ambientes urbanos, e da consolidação do termo e conceito de sustentabilidade, que decorre a mobilidade urbana sustentável. Essa abordagem é uma tentativa de resposta ao crescimento dos problemas urbanos de transporte e trânsito, tanto decorrente do processo de urbanização quanto da aceleração nas vendas de automóveis, e foi inicialmente impulsionada nas cidades europeias, justamente pela preocupação ambiental. Esse processo ganhou força em algumas cidades latino-americanas (especialmente Bogotá e Curitiba) e hoje se espalha por praticamente todos os continentes com o estabelecimento de redes colaborativas de 50 cidades7, de ONGs 8 e mesmo de setores ambientais de bancos de fomento que se articulam em torno dos conceitos de transporte e mobilidade urbana sustentável (desdobramentos do conceito de desenvolvimento sustentável). Mas adotar a mobilidade urbana sustentável não poderia sofrer uma crítica similar à de Escobar, ou seja, de “mediar relações entre o uso do carro e a cidade sem questionamento ao sistema predominante”? Mais à frente, retoma-se essa questão com a defesa de que não basta a mudança da terminologia e a constatação de que ainda há uma necessidade de se manter esse novo conceito em construção e em disputa. Gilberto Montibeller-Filho, em seu livro O mito do desenvolvimento sustentável: meio ambiente e custos sociais no moderno sistema produtor de mercadorias (2008), decorrente de sua pesquisa de Doutorado realizada no final dos anos 1990, faz uma análise das principais teorias do desenvolvimento econômico e de como elas se desdobraram para incorporar a questão ambiental. O autor constata que as teorias econômicas utilizadas para interpretar o capitalismo até o início dos anos 1970 não levavam em conta as componentes ambientais e identifica as três principais correntes ambientalistas que se consolidam a partir de então: (i) pensamento ambiental neoclássico; (ii) economia ecológica; (iii) as elaborações conceituais elaboradas pela vertente marxista da economia ambiental, denominado ecomarxismo. Ao longo do livro, trata dos indicadores relativos às duas primeiras correntes e dos limites ecológicos, especialmente da reciclagem econômica dos materiais, e a relação entre os custos sociais (incluídos os ambientais) e o modo de produção e consumo. Em relação ao pensamento ambiental neoclássico, mostra que são utilizados os seguintes instrumentos: identificação de externalidades (e sua internalização); valoração dos bens e serviços ambientais, que vai se desdobrar no conceito de poluidor pagador; e da análise de benefício e custos. Conclui Montibeller-Filho (2008, p. 117) que essa abordagem foi útil para algumas finalidades práticas, mas “não produziu pensamento novo a partir da problemática do meio ambiente” e que, apesar de incorporar o tema nos seus tradicionais esquemas 7 Exemplos: ICLEI – rede colaborativa de governos locais pela sustentabilidade [http://www.iclei.org/]; C40 – rede de grandes cidades pela liderança climática [http://www.c40cities.org/]; Impacts – rede de cidades europeias pelo transporte sustentável [http://www.impacts.org/]; Cities for mobility – rede de cidades pela mobilidade urbana [http://www.cities-for-mobility.net/]. 8 Exemplos: ITDP – Instituto de políticas de desenvolvimento e transporte [http://www.itdp.org/]; Embarq – Centro de transporte sustentável do instituto de recursos mundiais (WRI) [http://www.embarq.org/]; IEMA – Instituto de energia e meio ambiente [http://www.energiaeambiente.org.br/]. 51 analíticos, não consegue dar conta da sustentabilidade socioambiental. Por sua vez, a denominada economia ecológica avança ao considerar o conceito de capacidade de suporte e ao considerar que “a valoração econômica dos bens e serviços ambientais, essência da economia ambiental neoclássica, é frágil como instrumento de decisões para questões relativas ao meio ambiente” (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 145). Defende que, como não se formam preços ecologicamente corretos, é importante se obter preços ecologicamente corrigidos que levam em conta, principalmente, a pressão da sociedade civil sobre o mercado. Um desdobramento desta corrente econômica, mas não apenas dela, é a formulação de indicadores e índices de sustentabilidade que têm potencial para revelar a insustentabilidade. Por fim, Montibeller-Filho apresenta o ecomarxismo e sua relação com a segunda contradição do capitalismo, tese lançada por James O’Connor em 1988, que é provocada entre o funcionamento da economia capitalista e suas condições externas de produção, entendidas como custos, os custos sociais. “Chama-se ecomarxista a vertente que entende ser necessário reconceituar categorias analíticas do marxismo de modo a compreender a questão ambiental, posta ao capitalismo na atualidade” (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 197). O mérito de Montibeller Filho foi demonstrar, sob a ótica da teoria econômica, que não há divergência entre as diversas correntes quanto a considerar a questão ambiental como parte da questão econômica; a divergência está na forma como a teoria considera a questão e qual sua real importância. Sua conclusão de que “a sustentabilidade é um mito dentro do capitalismo” está sustentada no fato de que não se consegue superar a contradição entre o capitalismo a sustentabilidade e acaba por pontuar que “o desenvolvimento sustentável muito provavelmente não será alcançado no capitalismo” (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 146). Ao tratar da aproximação da questão ambiental com a questão urbana, Costa (2000) destaca a fragilidade teórica e conceitual de desenvolvimento urbano sustentável, constatando que entre os conceitos de urbano e ambiental há sempre um conflito, uma oposição e uma contradição que estão presentes sob as mais variadas formas na sociedade, nas políticas e nas formulações teóricas. Apesar da trajetória ambiental e da análise urbana convergirem para a proposta de desenvolvimento urbano sustentável, o conflito acontece pelo fato de dessas trajetórias terem origem em áreas de conhecimento diferentes e objetivos às vezes divergentes. Há, ainda, o conflito entre formulações teóricas e propostas de intervenção, o 52 que se tem traduzido no distanciamento entre análise social/urbana crítica e planejamento urbano. Essa percepção de que a dimensão da sustentabilidade explicita a existência de conflitos ambientais no espaço urbano, parece contribuir para avançar em direção da mobilidade urbana sustentável. Na tentativa de fazer uma análise da racionalidade dos conflitos na perspectiva ambiental, e dialogando com o que Montibeller-Filho denomina pensamento ambiental neoclássico, Costa (2008) identifica uma lógica da preservação e outra lógica da valoração econômica da natureza, e defende que que os conflitos ambientais podem ser classificados em dois tipos: (i) o conflito por distribuição de externalidades, decorrente da dificuldade dos geradores de impactos externos assumirem a responsabilidade por suas consequências; (ii) o conflito pelo acesso e uso dos recursos naturais. Os conceitos ambientais devem sofrer algumas transformações quando são considerados no ambiente urbano, mesmo que ainda existam questões ambientais naturais dentro do espaço urbano. Ao pensar o ambiente urbano, não se pode fazer um paralelo entre os recursos naturais e os espaços públicos, ambos recursos limitados, que deveriam ser preservados em melhores condições para uso? E ao se inferir uma economia ecológica urbana pela lógica de valoração econômica dos espaços públicos, não se poderia tentar resolver o conflito de acesso e uso dos espaços públicos por distribuição de externalidades9? Parece ser dentro dessa perspectiva que surgiram políticas como a cobrança pelo uso da via (caso dos pedágios urbanos ou taxas de congestionamento, em cidades como Londres, Estocolmo e Singapura) e aumento do preço pelo estacionamento nas ruas. Se está cada vez mais claro que o transporte motorizado resulta em impactos ambientais negativos (consumo de energia, uso dos espaços públicos, acidentes e poluição), ainda está por se tornar concreta a defesa dos modos não motorizados e coletivos, atingindo efetivos resultados. Logo, é importante é verificar as limitações e possibilidades de novos instrumentos de gestão e planejamento que contribuam para o que Harvey (1996, p. 12) identifica como “busca sincera de soluções para o desafio de se criar algo novo de forma socialmente 9 Uma pessoa se deslocando em automóvel gasta mais energia, polui mais, provoca mais acidentes e consome mais espaços públicos: seis vezes mais que uma pessoa no ônibus, segundo Vasconcellos (2012, p. 208). 53 responsável” a fim de “tentar definir o sentido profundo do processo urbano contemporâneo, construindo, a partir dessa compreensão crítica, as escolhas reais do futuro urbano.” Será possível alcançar essa mobilidade urbana sustentável? Essa pergunta fundamental deve considerar a real possibilidade de se alcançá-la dentro do sistema econômico capitalista vigente, que concebe “o espaço de acordo com as pressões do automóvel”, como constata Lefebvre na citação que abre a Introdução. Parece que não, quando se considera a influência dos macroprocessos econômicos que produziram as cidades contemporâneas. A possibilidade de se estabelecer uma outra mobilidade urbana (em vez de... nos termos do texto de Boaventura que abre esse capítulo) em um sistema econômico sustentável (ainda seria capitalista?) parece mais um mito, como sustenta Montibeller-Filho (2008 p. 298): Conclui-se, então, pela impossibilidade de que no mundo capitalista venha a atingir-se o desenvolvimento sustentável, com suas dimensões básicas de equidade intrageracional (garantia de qualidade de vida a todos os contemporâneos), intergeracional (igual garantia às pessoas das próximas gerações, mediante a preservação do meio ambiente) e qualidade internacional (de todos os países, ou a todo indivíduo independentemente de sua localização geográfica). [...] O desenvolvimento sustentável revela-se um mito [...]. (MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 298). Parafraseando Costa (2000) quando trata do desenvolvimento urbano sustentável, seria possível concluir que também há uma contradição de termos entre mobilidade e sustentável. Se essa sociedade (capitalista) produziu sua própria vida cotidiana e seu próprio espaço, parece ter produzido também sua própria mobilidade urbana. Para alcançar resultados diferentes, deve-se necessariamente ter um sistema econômico diferente (uma sociedade diferente!), que é uma premissa na obra de Lefebvre, tanto em sua teoria da vida cotidiana quanto na da produção do espaço: deve-se ter uma nova vida cotidiana e/ou um novo espaço para se alcançar uma nova sociedade (um novo sistema econômico) e vice-e-versa. Considerando o breve histórico apresentado, defende-se que a sustentabilidade é ainda uma grande questão em disputa. E que, apesar de se poder considerar um mito sua realização plena, ainda resta a possibilidade de se colher bons resultados ao se fazer a crítica ao sistema atual e continuar na busca de aberturas possíveis junto a esses sistemas - que parecem fechados -, desde que não seja apenas a troca do termo, mas que ele represente uma disputa. 54 1.3 MOBILIDADE URBANA: UM CONCEITO EM CONSTRUÇÃO E EM DISPUTA O termo mobilidade urbana passou a ser adotado no Brasil a partir dos anos 2000, como tentativa de mudança de paradigma do setor de transportes, na busca de uma abordagem mais global ou sistêmica, com foco nas pessoas e que contemplasse aspectos mais ambientais ou sustentáveis. Esse processo de mudança de bases conceituais teve inspiração internacional, em especial da Europa, que havia adotado essa terminologia há alguns anos e no início houve alguma resistência ao termo, que aos poucos foi se difundindo e ganhando hegemonia nos meios acadêmico e técnico e por toda a sociedade brasileira como o termo dominante. Transporte e trânsito eram os termos dominantes nesse campo teórico até o final do século XX e decorriam de seus significados básicos10: ato ou efeito de transportar, levar ou conduzir (seres animados ou coisas) a determinado lugar e ato de transitar, passar ou andar ao longo, entre ou através de. Os termos são complementares, mas o entendimento mais aceito distingue o transporte do trânsito separando o “conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades” da “movimentação e imobilização de veículos, pessoas e animais nas vias terrestres” 11 , respectivamente. Por sua complementariedade, é comum se utilizar o termo transporte, incluindo o trânsito e vice-e-versa. Quando se quer tratar desses fenômenos no âmbito das cidades, é utilizada a qualificação urbano, que os delimita espacialmente e conceitualmente, mas existem ainda outras qualificações possíveis, como as apresentadas na Lei Federal de Mobilidade Urbana, artigo 3º: quanto ao objeto (passageiros ou cargas), quanto à característica do serviço (coletivo ou individual) e quanto à natureza do serviço (público ou privado). Não há intenção em aprofundar esse debate de definições e de conceitos, mas parece relevante entender que juntamente com estes termos, haviam percepções e abordagens específicas que apenas a mudança de palavras não seria suficiente para transformar. 10 Definições de trânsito/transitar e de transporte/transportar retiradas de Houaiss; Villar (2004, p. 2751/3). 11 Definição de trânsito conforme Código de Transito Brasileiro, Lei Federal nº 9.503/1997 e de transporte conforme a Lei Federal nº 12.587/2012. 55 É relevante resgatar e problematizar a história recente dessa transição conceitual do setor de transporte, que se transforma pouco a pouco no setor de mobilidade urbana. As disputas pela construção desse novo conceito e, consequentemente de um novo paradigma, iniciaram-se antes mesmo da adoção da mobilidade urbana como termo predominante. Nos debates técnicos, alguns formadores de opinião do setor defenderam (e talvez ainda defendam) que a manutenção do termo transporte permitia a adoção de um novo paradigma. Dentro desta linha, situam-se os que sempre defenderam princípios semelhantes ao que se pretende agora, e que não concordam que a simples mudança de um conceito seja capaz de modificar os complexos processos envolvidos. Outros defenderam que a mudança ocorresse através da qualificação do conceito de transporte, criando conceitos como transporte humano e transporte sustentável. Nesse sentido, destaca-se o importante esforço feito pela ANTP – Associação Nacional de Transporte Público na década de 1990, com o lançamento do Projeto Transporte Humano – Cidades com qualidade de vida, que alertou técnicos e políticos para a importância de uma nova abordagem no setor de transportes A tese foi expressa em publicações de diversos formatos, com intuito de atingir diferentes públicos, tendo um livro como principal produto para os técnicos do setor - com objetivo de “orientar as administrações municipais do Brasil sobre como formular e implementar políticas e ações de desenvolvimento urbano, transporte e trânsito” (ANTP, 1999, p. 12) e folhetos/cartilhas como produtos que foram entregues a candidatos a Prefeito e a Vereador de diversas cidades brasileiras nas eleições municipais de 1996, “visando fortalecer a presença do transporte público no clima eleitoral das eleições municipais.” (ANTP, 1999, p. 12). Um grande avanço da tese Transporte Humano, alinhado com a produção teórica do engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos sobre mobilidade urbana, coordenador técnico do trabalho, foi a tentativa de explicar as questões através de uma abordagem sistêmica e intersetorial, posteriormente adotada pelos defensores do termo mobilidade urbana. Vasconcellos foi um dos primeiros, no Brasil, a buscar a aproximação entre transportes e ciências sociais e humanas, com sua tese12 de 1988. Entre 1993 e 1995, realizou estudos de pós-doutorado na Universidade de Cornell, que resultaram em dois livros: Transporte urbano 12 VASCONCELLOS, Eduardo de Alcântara. Trânsito em São Paulo: análise sócio-política da intervenção do Estado na circulação urbana. 1988. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. 56 nos países em desenvolvimento - reflexões e propostas e Transporte urbano, espaço e equidade: análise das políticas públicas (VASCONCELLOS, 1998). Defende o enfoque sociológico e político do transporte urbano, como metodologia e procedimento alternativo para a análise de problemas e políticas de transportes, de forma a suprir uma carência de elementos que permitam considerar a natureza social e política dos fenômenos de transporte (VASCONCELLOS, 1998, p. 1). O autor reconhece nessa necessidade de aproximação, o poder analítico dos procedimentos e conceitos, para lidar com a incompletude – não por acaso o mesmo termo usado por Boaventura - com que cada campo observa o outro: “a sociologia geralmente vê o transporte apenas como um instrumento, não um fim em si mesmo, com pouco ou nenhum efeito sobre os valores das pessoas (VASCONCELLOS, 1998, p. 5) e “os engenheiros resistem aos enfoques sociais e políticos porque eles acreditam, por sua formação, que os assuntos de transporte e trânsito são exclusividade dos técnicos.” (TOWN, 198113, apud VASCONCELLOS, 1998, p. 5). As características básicas da análise sociológica dos transportes teriam como abrangência a mobilidade do local de residência (ciclo familiar) no espaço da cidade e a mobilidade diária, e objetivos muito similares aos da presente pesquisa: análise dos padrões de viagem (individual e familiar) e seus condicionante; análise das condições de transporte; análise dos movimentos sociais em torno dos problemas; análise do processo decisório; e análise do impacto das políticas nos indivíduos, grupos e valores sociais (VASCONCELLOS, 1998, p. 19). Um dos primeiros movimentos do Transporte Humano foi de resgatar a importância dos processos urbanos na geração dos problemas vividos no período da crise da mobilidade. Logo em seu início, apresenta um círculo vicioso – apresentado na Figura 1 - que tenta explicar o congestionamento associado à ineficiência do transporte, mostrando que o aumento do tráfego torna o transporte público mais lento e menos confiável, reduzindo sua demanda e sua receita (ANTP, 1999, p. 18). 13 TOWM, Stephen. The sociologist’s perspective on transport in Bannister D. e Hall P. Transportation and Public Policy Planning. London: Mansell, 1981. p. 30-33. 57 Figura 1 - O círculo vicioso do congestionamento. Fonte: Elaboração própria a partir de ANTP (1999, p. 18). O Transporte Humano também traz uma contribuição ao destacar as interfaces entre planejamento urbano, de transporte e de circulação, apontando bases para o que se constituiria posteriormente como mobilidade urbana, especialmente ao destacar que o modelo (diríamos, os processos) de desenvolvimento trazia os problemas como a produção de situações crônicas de congestionamento e o prejuízo crescente ao desempenho dos ônibus urbanos. À época, era flagrante o decréscimo no uso do transporte público regular, e aumentava-se a preocupação com o aumento da poluição atmosférica e dos acidentes de trânsito que eram entendidos como externalidades. O documento já apontava para a impossibilidade de resolver os problemas de trânsito por aumento de capacidade e, do ponto de vista urbano-ambiental, apontava para a violação das áreas residenciais e de uso coletivo e a redução das áreas verdes e a impermeabilização do solo. A maior crítica que se pode fazer a essa tese do Transporte Humano é que, apesar de sua parte inicial ser intersetorial, associando as funções da prefeitura conforme essa integração das políticas; o desdobramento do texto é pautado apenas pela lógica do setor de transporte, o Usuários cativos (maioria) são prejudicados Menos pessoas usam o transporte público Transporte público mais lento e menos confiável Aumenta o congestionamento, a poluição e a ineficiência Aumenta o número de automóveis 58 que fez que tivesse um alcance limitado ao próprio setor. No entanto, essa mudança de visão interna ao setor foi muito importante para a elaboração crítica que serviu de base para as transformações da década seguinte, mas a tese não foi capaz de atrair de fato outros setores da sociedade, talvez nem mesmo dos urbanistas. A intenção de que políticos se apropriassem do discurso emergente do setor só veio ocorrer muitos anos depois, em 2013, com o agravamento da crise da mobilidade e no âmbito das obras de mobilidade preparatórias para a Copa do Mundo, quando de fato a mobilidade conquista a agenda política. Antecipando um pouco o que se apresenta mais à frente, esse mesmo procedimento metodológico de compreensão através da identificação de processos está presente na obra de Henri Lefebvre. Especificamente no capítulo sobre o espaço diferencial em La production de l’espace (A produção do espaço), ao explicitar as contradições teórico-conceituais do espaço (LEFEBVRE 2000, p. 414-415) destaca fatos que provam as contradições de consumos do espaço e círculos ligados ao automóvel que remetem aos processos existentes na produção e consumo desse espaço, conforme pode ser visto na Figura 2. Figura 2 - O círculo vicioso da produção e consumo do espaço. Fonte: Elaboração própria a partir de Lefebvre (2000, p. 414-5). Seus exemplos mostram que o consumo produtivo do espaço (pelo automóvel) recebe subvenções e créditos enormes, pois não há interesse coletivo em se pagar pelos espaços Donos de automóveis dispõem de um espaço que custa pouco para cada um deles mas que tem manutenção cara paga pela coletividade Há mais produção do espaço (pela mais valia da indústria automobilística) Aumenta número dos carros, o que pede mais espaço 59 verdes e árvores que não trazem nada a ninguém em especial (ainda que tragam a todos o prazer) e que tendem a desaparecer. Constata Lefebvre que o consumo não produtivo não recebe investimentos, porque produz apenas charme. A contradição se instaura entre os “utilizadores” (capitalistas), e os “usuários” (pertencentes à coletividade). Nesse mesmo capítulo, Lefebvre vai utilizar os círculos do asfalto (Asphalt’s magic circle) de Goodman (197214, apud LEFEBVRE, 2000, p. 431-432, tradução nossa) para demonstrar que as estratégias do espaço visam diversos objetivos, entre eles, produzir as diferenças. O que se produz, nas palavras de Lefebvre é um “círculo vicioso, mais invasor e portador de interesses econômicos dominantes”, conforme se vê na Figura 3. Figura 3 - O círculo vicioso da produção e consumo do espaço. Fonte Elaboração própria a partir de Lefebvre (2000, p. 431-2). Será que Lefebvre exagera ao concluir que “virtualmente o automóvel e a autoestrada ocupam o espaço inteiro”? As operações implicam em um consumo produtivo do espaço, produtivo duplamente pois produz mais-valia e um outro espaço. Por outro lado, a produção 14 GOODMAN, Robert. After the Planners. Middlesex, England: Penguin Books Ltd: 1972. Cada milha nova permite um aumento do número de carros Recurso é usado na construção de estradas urbanas e interurbanas Governo (EUA) cobra % da venda de gasolina Crescimento do consumo de gasolina 60 de espaço se efetua com a intervenção do Estado que age influenciado pelo Capital, parecendo obedecer apenas às exigências racionais de partes da sociedade, e dos interesses dos usuários do automóvel. Retomando os processos identificados pelo Transporte Humano que apresenta um segundo círculo vicioso, representado na Figura 4, que aprofunda o papel do Estado na formação desses processos no âmbito municipal, especialmente ao associar a expansão urbana aos impactos na mobilidade e em toda a cidade. O processo de encarecimento afeta as redes de equipamentos públicos (água, esgoto e iluminação) e a rede de ônibus que perdem rentabilidade. Em algumas áreas, o transporte público torna-se deficitário e a cidade caminha para a insustentabilidade. Figura 4 - O círculo vicioso da expansão urbana. Fonte: Elaboração própria a partir de ANTP (1999, p. 19). Além desse esforço da ANTP, nessa época houve também uma tentativa de aproximar a questão ambiental ao se adotar transporte sustentável como termo. Parecia natural seguir a mesma lógica dos demais termos que adotaram o sustentável apenas como uma qualificação: desenvolvimento sustentável, desenvolvimento urbano sustentável e cidade sustentável. Uso do automóvel é incentivado Transporte público fica menos eficiente Aumenta interesse pelo automóvel Usuários cativos (maioria) são prejudicados Serviços de transporte público são eliminados Aumentam as distâncias e os custos Expansão urbana é incentivada 61 Aparentemente, porém, esse conceito não trouxe a força necessária para ser uma mudança de paradigma tão necessária a um setor que passava por uma crise e transporte sustentável vem sendo utilizado mais como um termo genérico para tecnologias limpas e pode ser encontrado em muitos documentos e estudos do setor. Outro termo que foi defendido como mais amplo que mobilidade foi o de acessibilidade. Muitos, principalmente fora do setor de transporte, entendem que acessibilidade seria o termo com potencial de ser esse novo paradigma. Vasconcellos (1998, p. 30) constata que “Existem várias visões de mobilidade e acessibilidade. Na visão tradicional, a mobilidade é tida simplesmente como a habilidade de movimentar-se, em decorrência de condições físicas e econômicas.” Apesar de Vasconcellos defender que acessibilidade é um conceito mais abrangente do que mobilidade, vai considerar que o termo mobilidade pode ser recuperado, desde que a relacione com acessibilidade: “mobilidade para satisfazer as necessidades, ou seja, a mobilidade que permite a pessoa chegar aos destinos desejados.” Outra forma de contrapor esses dois conceitos seria entender a acessibilidade como o que as pessoas querem e a mobilidade como o que as pessoas conseguem, ou seja, a utilização do conceito de acessibilidade parece ampliar a liberdade das pessoas em seus deslocamentos. Porém, o termo acessibilidade acabou sendo apropriado pelo movimento por melhores condições de deslocamento para as pessoas com deficiência. Com o relativo sucesso nas mudanças significativas no marco legal brasileiro, acessibilidade universal passou a ser entendida como um princípio na construção das cidades e de suas edificações. Por outro lado, acessibilidade tem como definição15: qualidade ou caráter do que é acessível, facilidade na aproximação, no tratamento ou na aquisição; acessível, por sua vez, é o que se pode ter acesso, a que se tem acesso ou fácil de atingir. Logo, parece expressar predominantemente a potencialidade dos deslocamentos e o direito ao acesso físico e econômico, como pode ser percebido na conceituação da Política Nacional de Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012), “facilidade disponibilizada às pessoas que possibilite a todos autonomia nos deslocamentos desejados, respeitando- se a legislação em vigor.” O termo mobilidade também traz em sua definição básica a ideia de potencial - “característica do que é móvel ou do que é capaz de se movimentar; possibilidade de mover algo, alguém ou a si mesmo” -, mas foi o escolhido para 15 Definições retiradas do Houaiss, Villar (2004, p. 52). 62 representar a realização dos deslocamentos, e com isso, os problemas decorrentes desse fenômeno. A acessibilidade passou a ser adotada como um princípio da mobilidade urbana e dela é inerente. Em uma breve consulta às revistas e artigos dos congressos bianuais da ANTP, constata-se que foi apenas a partir de 1999, ainda de forma tímida, que se começou a utilizar o termo mobilidade. O 12º Congresso Brasileiro de Transporte e Trânsito, de 1999, promovido bianualmente pela ANTP, registra apenas três trabalhos que utilizam esse conceito, mas esse número foi aumentando exponencialmente nas edições seguintes. A própria ANTP passou a adotar a mobilidade urbana como termo hegemônico apenas a partir de seu 14º Congresso, realizado em 2003 em Vitória, que teve como tema “Mobilidade urbana: cidadania e inclusão social”. No final de 2003, a ANTP publicou uma edição comemorativa (número 100) da Revista dos Transportes Públicos, com artigos sobre as tendências do setor e pode-se constatar que o termo mobilidade urbana já aparece com mais vigor, sendo a mobilidade urbana sustentável a grande aposta. Renato Boareto, então Diretor de Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, apresentou um artigo sobre o conceito de mobilidade urbana, que estava em debate na formulação da política nacional de mobilidade urbana e a partindo da definição: “a mobilidade é um atributo associado às pessoas e aos bens; corresponde às diferentes respostas dados por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamentos, considerando-se as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas” de Vasconcellos (199616, apud BOARETO, 2003, p. 48). Mas Boareto vai além, problematiza e politiza o conceito, destacando que é necessário tratar da necessidade de deslocamentos das pessoas a partir do conceito de mobilidade urbana, função pública que tem como objetivo garantir acessibilidade para todos. O autor defende que deve ser incorporada a preocupação com a sustentabilidade ecológica e faz sua disputa: A mobilidade urbana não pode ser entendida somente como o número de viagens que uma pessoa consegue realizar durante determinado período, mas a capacidade de fazer as viagens necessárias para a realização dos seus direitos básicos de cidadão, com o menor gasto de energia possível e menor impacto no meio ambiente, tornando-a ecologicamente sustentável. [...] Assim, a mobilidade urbana sustentável pode ser entendida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visam proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da 16 1ª edição de Vasconcellos (1998). 63 priorização dos modos não motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva, socialmente inclusiva e ecologicamente sustentável, baseado nas pessoas e não nos veículos. (BOARETO, 2003, p. 49) Essa definição defendida depois pelo próprio Ministério das Cidades, continha todos os elementos que viriam a se consolidar, incluindo os desafios de: não gerar necessidade de viagens motorizadas; repensar o desenho urbano; nova abordagem da circulação de veículos; desenvolvimento dos meios de transporte não motorizados de transporte; proporcionar mobilidade às pessoas com deficiência; priorização efetiva o transporte coletivo; barateamento das tarifas de transporte coletivo; e, inserir o tema na pauta política. Relembra Pinto (2012, p. 115) que foi também desse período o lançamento do Sistema de Informações de Mobilidade Urbana, desenvolvido com financiamento do BNDES. Em janeiro de 2003, acontece a criação do Ministério das Cidades com uma Secretaria Nacional de Mobilidade Urbana que tem como um dos primeiros trabalhos a retomada de uma Política Nacional de Mobilidade Urbana, instituída pela Lei Federal 12.587 de 3 de janeiro de 2012 (BRASIL, 2012). Os documentos, cursos e debates conduzidos pelo Ministério das Cidades ao longo dos últimos anos contribuíram para a construção e difusão das bases conceituais da mobilidade urbana. Em Belo Horizonte, a partir de 2004, a Prefeitura passou a adotar a definição de que mobilidade urbana é “o conjunto de deslocamentos de pessoas e bens, com base nos desejos e necessidades de acesso ao espaço urbano, por meio da utilização dos diversos modos de transporte” que posteriormente foi incorporada à Lei Municipal nº 10.134, de 18 de março de 2011, que institui a Política Municipal de Mobilidade Urbana. Esta Lei definiu, em seu artigo 2º, que o objetivo da Política Municipal de Mobilidade Urbana é proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, priorizando os meios de transporte coletivos e não motorizados, de forma inclusiva e sustentável. Pode-se perceber claramente que a definição adotada em Belo Horizonte, separou a política do fenômeno, neutralizando os deslocamentos. Essa operação parece ter trazido uma precisão maior na compreensão, mas também parece indicar a falta de consenso político sobre o que estava em disputa. Por sua vez, avança ao apontar que esses deslocamentos de pessoas estão baseados em desejos e necessidades no espaço urbano e ao contemplar a totalidade dos modos de transporte. 64 A Política Nacional da Mobilidade Urbana (BRASIL, 2012), que passou a ser a principal referência do setor, também neutraliza o conceito de mobilidade urbana ao definir mobilidade urbana como a condição em que se realizam os deslocamentos de pessoas e cargas no espaço urbano e deixando-a a serviço do desenvolvimento sustentável, que se torna, simultaneamente, princípio (inciso II do art. 5º, nas dimensões socioeconômicas e ambientais) e objetivo (inciso IV do Art. 7º: “promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades”) da mobilidade urbana. Essa neutralização do conceito de mobilidade urbana despolitizou o debate e tem permitido sua banalização ao longo do seu processo de consolidação (não sem intenção expressa de alguns agentes) como termo predominante, permitindo sua utilização como um novo termo para a mesma abordagem. Em outras palavras, a mobilidade urbana sustentável perdeu espaço e deixou de ser o motivo principal da mudança do paradigma. Hoje, é perceptível que estamos tratando de um conceito ainda em construção e em disputa. Mas deve-se perguntar o que está em disputa e em construção com a mobilidade urbana, e seu desdobramento na mobilidade urbana sustentável? Certamente, alguns estão tentando construir uma nova abordagem para as cidades que não dependa do “Objeto-Rei” (o automóvel). Há ainda uma tentativa de ampliar o conceito de transportes, incorporando os aspectos urbanos, ambientais e sociais, além da circulação de bens e mercadorias (a logística urbana). Mas essa disputa ainda é desigual, pois se dá contra uma inércia em quatro dimensões: inércia teórica, pois ainda poucos textos tratam desse assunto; inércia técnica, pois a formação de engenheiros e profissionais do setor ainda é fortemente rodoviarista; inércia política, que vem sendo rompida pela mudança do marco legal e pelos desdobramentos decorrentes das manifestações de 2013; e inércia cultural, pela extrema dificuldade em romper os processos relativos à cultura do automóvel. O que vale a pena reforçar neste momento é que se está tentando encontrar aberturas em um processo urdido ao longo de muitas décadas para a produção do espaço urbano, que poderia ser ilustrado por uma sobreposição dos processos identificados ao longo deste item em torno do incentivo ao uso do automóvel, apresentada na Figura 5. E muitos outros círculos poderiam ser sobrepostos a essa figura, o que nos alerta que essa disputa por uma outra 65 mobilidade urbana - representada inicialmente pelo sustentável - é um (contra)processo lento e complexo. Essa motivação, que perpassa toda a tese, seguramente extrapola suas possibilidades de abrangência. Figura 5 – Sobreposição dos círculos viciosos de incentivo ao automóvel. Fonte: Elaboração própria a partir de ANTP (1999, p. 18 e 19) e Lefebvre (2000, p. 414-5 e 431-2). Apesar de suas boas intenções, esse movimento interno ao setor tem se mostrado relativamente ineficaz e lento, principalmente por não conseguir aceitabilidade política e Usuários cativos (maioria) são prejudicados Menos pessoas usam o transporte público Donos de automóveis dispõem de um espaço que custa pouco para cada um deles, mas que tem manutenção cara paga pela coletividade Transporte público fica menos eficiente Há mais produção do espaço (pela mais-valia da indústria automobilística) Aumentam as distâncias e os custos Expansão urbana é incentivada Serviços de transporte público são eliminados Aumenta o número de automóveis Aumenta interesse pelo automóvel Recurso é usado na construção de estradas urbanas e interurbanas Crescimento do consumo de gasolina Governo (EUA) cobra % da venda de gasolina Aumenta o congestionamento, a poluição e a ineficiência Transporte público mais lento e menos confiável 66 cultural para as soluções que mudem o sistema e por não dispor de recursos e prazo suficientes para enfrentar o crescimento do problema. Muitos simplificam a questão sintetizando a crítica na falta de vontade política, simplificação que mesmo parcialmente verdadeira (pode-se citar cidades em que se atribui o sucesso a um único político, como os ex- prefeitos de Bogotá, Enrique Peñalosa e Jaime Lerner em Curitiba), parece ser mais limitadora e alienadora, pois remete a solução a um outro (o político) iluminado e bem-intencionado. Para concretizar a possibilidade da mudança, deve-se buscar uma compreensão crítica mais ampla, evidenciada e compartilhada por mais setores que apenas o dos transportes e compartilhar essa visão crítica e menos alienada com a sociedade civil, o que pode tanto mostrar caminhos para suprir a falta de uma vontade política coletiva (e não apenas do “político salvador”) quanto para acolher movimentos sociais que possam ajudar na construção e na disputa pela sua sustentabilidade, conceito esse que precisa ser também posto em questão. Em artigo decorrente dessa pesquisa (AMARAL, 2015), resgatam-se algumas “pequenas práticas” sociais que afetam a mobilidade urbana e podem ser consideradas possíveis aberturas para essa transformação. Destacam-se ações que vão da escala do corpo/sujeito que adota atitudes políticas na escala individual, passando por ações mais críticas e conscientes do impacto de suas escolhas, denominado de ativismo pessoal (e o artivismo, que se vale de estratégia mais artística e simbólica) até chegar às práticas coletivas de ação política, em que coletivos organizados realizam ações para interferir tanto no simbólico quanto no real, através de ações diretas e de intervenção junto às políticas públicas. Essas “pequenas práticas sociais”, totalmente sintonizadas com a (re)apropriação do espaço, do tempo e do corpo e com a disputa pela mobilidade urbana sustentável estão ocorrendo em vários locais do mundo e guardam uma relação com as ideias de duas obras: Apocalipse motorizado (LUDD, 2004) e Désobéir à la voiture (Desobedecer ao carro, LES DÉSOBÉISSANTS, 2012) de um grupo ativista francês. São pequenas ações políticas de “desobediência ao carro” ou ações “anticarro”, pouco registradas quando implicam ações que extrapolam a legislação e serão retomadas no último capítulo. 67 1.4 O ESPAÇO: FIXOS E FLUXOS, ESPAÇOS TRIÁDICOS E O URBANO LEFEBVRIANO Fixos e fluxos juntos, interagindo, expressam a realidade geográfica e é desse modo que conjuntamente aparecem como um objeto possível para a geografia. Foi assim em todos os tempos, só que hoje os fixos são cada vez mais artificiais e mais fixados ao solo; os fluxos são cada vez mais diversos, mais amplos, mais numerosos, mais rápidos. (SANTOS, 1996, p. 38). Tendo em vista o que está em disputa na construção do conceito de mobilidade urbana, parece evidente a importância de um aprofundamento da abordagem espacial para entender a forte relação existente entre os processos econômicos, as políticas urbanas e de mobilidade e os espaços produzidos. Os deslocamentos cotidianos de pessoas na cidade se realizam no espaço, são parte do espaço, e são essencialmente uma relação de um corpo através do espaço durante um tempo. A abordagem pelo espaço [associado ao corpo e ao tempo e deles indissociável] parte da ideia de que esse espaço é ao mesmo tempo produto e produtor das relações sociais na cidade e que as forças econômicas no processo de produção do espaço trazem consequências diretas na mobilidade (e na vida cotidiana) das pessoas. Dentre as diversas possibilidades de resgate conceitual, propõe-se uma justaposição das abordagens de Henri Lefebvre e Milton Santos, que trazem algumas boas possibilidades de diálogo com a mobilidade urbana. Para Milton Santos (1996, p. 39), o espaço é formado por um conjunto indissociável – solidário, mas também contraditório -, de sistemas de objetos e sistemas de ações. Trata-se dos homens e das relações humanas produzindo objetos que se incorporam à paisagem, se inserem no espaço físico e que se modificam pela sua própria inserção. Os objetos, devem ser entendidos como produto de uma elaboração social, vistos de forma sistêmica e consciente de que podem mudar de significado em função das ações. Eles (os objetos) não agem, mas podem nascer predestinados a certo tipo de ações. Já as ações, entendidas como comportamentos com fins e objetivos, não se restringem a indivíduos, são também ações de empresas e instituições. Sintetiza Santos (1996, p. 33 e 38) que estamos tratando do espaço como um conjunto de fixos e fluxos (sua materialidade e suas ações), ao afirmar que a realização da sociedade humana se dá sobre uma base material, seu espaço e a sua produção e o que ele reafirma ou transforma. Em sua visão, o espaço é mais que a paisagem e o físico, é resultado dessa conjugação entre sistemas de objetos e sistemas de ações, o que permite 68 “transitar do passado ao futuro, mediante a consideração do presente” (SANTOS, 1996, p. 64). Essa interdependência entre objetos e ações, entre os fixos e fluxos, é um dos fatores que podem explicar o conceito dialético de espaço defendido por Lefebvre em A Produção do Espaço (LEFEBVRE, 2000, p. 50), no qual propõe uma reflexão a partir de uma tríade que representa o espaço em três momentos indissociáveis: o espaço percebido, o espaço concebido e o espaço vivido, que guardam correspondência com a prática do espaço, a representação do espaço e os espaços de representação, respectivamente. Essa tríade parece ocultar os objetos e explicitar as ações, mas se o vivido, o percebido e o concebido remetam a ações, os objetos (os fixos) estão absolutamente aí presentes. Lefebvre (2000, p. 19; 29; 35, tradução nossa) busca também a exploração de diversos conceitos dentro de uma teoria única de compreensão do espaço da prática social que possui dimensão física, mental e social. Para ele, o espaço (social) é um produto (social), o que justifica a passagem de um espaço absoluto para um espaço abstrato, pela consolidação do capitalismo na sociedade ocidental. Dessa forma, outra tríade proposta, de natureza mais política, relaciona espaço absoluto, espaço abstrato e espaço diferencial. Para Lefebvre, o espaço social absoluto torna-se abstrato, no capitalismo, ou seja, uma abstração concreta, com uma existência mental e uma realidade social concretas. Costa (2003, p. 12), em texto sobre a contribuição da teoria do espaço de Lefebvre para a análise urbana, faz uma boa síntese dessa passagem de um espaço absoluto – religioso e político em caráter, produto de vínculos de consanguinidade, terra e linguagem – para o espaço da acumulação (de riquezas e recursos) onde o trabalho torna-se presa da abstração, donde trabalho social abstrato e espaço abstrato. Esse novo espaço abstrato, o espaço da expropriação, abriga velhas e novas contradições, estas últimas expressas no “confronto entre espaço abstrato e o espaço social produzido pela complexa interação de todas as classes na procura da vida cotidiana” (LEFEBVRE, 197917 apud COSTA, 2003, p. 12). Para além do conceito de espaço, é importante resgatar o conceito de urbano, espaço urbano e tecido urbano. O urbano é um conceito totalizante defendido por Lefebvre e que sucede a 17 LEFEBVRE, Henri. Space: social product and use value. In: FREIBERG, J. (ed.) Critical sociology: European perspective. New York: Irvington Publishers, 1979. 69 cotidianidade como possibilidade de transformação. A passagem a seguir parece esclarecer o elo fundamental que explica transição entre a sociologia do cotidiano e a teoria do urbano18 na obra de Henri Lefebvre. Poderíamos anunciar o urbano como resistência efetiva e virtualmente vitoriosa contra a cotidianidade. [...] ‘outra coisa’ que supera efetivamente a cotidianidade relegada e degradada, funcionalizada, estruturada e, por assim dizer, ‘especializada’. Seria o ‘urbano’ indicado também como referencial possível, o ‘urbano’, isto é, a vida e a sociedade urbanas, e não a cidade morfológica, plantada no terreno e encarnada por símbolos e signos, e menos ainda a cidade tradicional para sempre explodida? (LEFEBVRE, 1991a, p. 135). A substituição da vida cotidiana pelo urbano (e posteriormente pelo espaço) como centro das possibilidades de transformação (e de luta) na obra de Lefebvre, parece representar mais uma continuidade que uma ruptura. O que o motiva parece ser sempre uma tentativa de atualização do pensamento marxista para a sociedade de seu próprio tempo. De forma análoga à sociologia do cotidiano, Lefebvre constrói, a partir de 1968 até 1974, uma instigante análise de como o sistema econômico (sempre o capitalismo!) produz e reproduz o espaço (urbano) para sua própria reprodução (do capitalismo!). Assim como a relação entre valores capitalistas e vida cotidiana parece já estar devidamente incorporada no pensamento crítico, as ideias de Lefebvre sobre a relação entre capitalismo e espaço ainda parecem bem contemporâneas, principalmente se tratarmos das possibilidades de relação entre essa teoria crítica da produção do espaço e a mobilidade urbana. Lefebvre (2008, p. 13) defende a hipótese da urbanização completa da sociedade e, baseado nessa premissa, Monte-Mór (2005a, p. 435) desenvolve o conceito de urbanização extensiva: “processo de extensão das condições gerais de produção urbano-industriais para além das cidades, atingindo espaços próximos e longínquos, onde as relações socioespaciais urbano- industriais se impõem como dominantes, independentemente de densidades urbanísticas variadas.” Em complementação, Monte-Mór (2005b, p8) trata o conceito como a “materialização sociotemporal dos processos de produção e reprodução resultantes do confronto do industrial com o urbano, acrescida das questões sócio-políticas e cultural intrínsecas à polis e à civitas que têm sido estendidas para além das aglomerações urbanas ao 18 Toma a liberdade de nomear teoria do urbano as ideias contidas nos livros O Direito à Cidade (1968) e A Revolução Urbana (1970), que com A produção do espaço (1974) forma a obra espacial de Henri Lefebvre. 70 espaço social como um todo.” O termo urbanização extensiva não foi utilizado por Lefebvre, apenas inspirado em sua obra, e pretende aliar à dimensão socioespacial o elemento político implícito na práxis urbana (MONTE-MÓR, 2006b, p. 7). É um termo derivado a partir de do conceito de “zona urbana” de Lefebvre: estágio de organização espacial no qual o capitalismo industrial, firmemente estabelecido dentro da cidade e controlando toda sua região de influência, provoca a ruptura da cidade (herdeira da ‘polis’, da ‘civitas’), em duas partes relacionais: o core, centro/núcleo urbano, resultante do processo de implosão do lócus do poder, marca da antiga cidade; e o tecido urbano, a trama de relações socioespaciais que se estende à região resultante da explosão da cidade preexistente (MONTE-MÓR, 1994, p, 170). Ora, se tudo é urbano, o conceito de espaço já não seria o próprio conceito de espaço urbano? É nesse sentido que Monte-Mór (2006b, p. 2 e 7) aponta ao afirmar que “o meio urbano deixa de ser apenas o espaço da cidade para se transformar no espaço social total” e que “a questão urbana transformou-se na questão espacial em si mesma.” Completa o autor: “o que chamamos urbano, substantivamente, é o tecido urbano-industrial que se estende para além das cidades sobre o campo e as regiões, integrando os espaços em um processo que tenho chamado de urbanização extensiva.” Para diferenciar o espaço da cidade (ou na cidade), que se refere a um recorte espacial (ou geográfico), do espaço influenciado pela cidade e que reproduz as relações inerentes à cidade (especialmente à cidade urbano-industrial), propõe- se utilizar dois conceitos: tecido urbano e espaço urbano. Dessa forma, o tecido urbano, conceito utilizado por Lefebvre (2008, p. 17) parece mais apropriado para ser utilizado como esse espaço influenciado pela cidade ou pela sociedade urbana dominante: “O tecido urbano prolifera, estende-se, corrói os resíduos de vida agrária”; tecido urbano não designa, de maneira restrita, o domínio edificado nas cidades, mas o conjunto das manifestações do predomínio da cidade sobre o campo. O tecido urbano é um “suporte de um ‘modo de viver’ mais ou menos intenso ou degradado: a sociedade urbana. Na base econômica do ‘tecido urbano’ aparecem fenômenos de outra ordem, num outro nível, o da vida social e ‘cultural’” (LEFEBVRE, 2011, p. 19-20). Lefebvre caracteriza esse modo de viver comportando um sistema de objetos e um sistema de valores (ou uma “racionalidade divulgada pela cidade”). Lefebvre (2008, p. 137-148) destaca um dos pontos cruciais de sua teoria do espaço, afirmando que todo espaço é produto e esse produto não resulta do pensamento conceitual que não é força produtiva: “O espaço, considerado como produto, resulta das relações de 71 produção a cargo de um grupo atuante.” Ao afirmar que os urbanistas não percebem que estão a serviço de uma “encomenda social” que não se refere a um objeto nem a um produto (mercadoria) específicos, mas a um objeto global que é um último objeto de troca: o espaço. O mundo das mercadorias transcende os objetos e o próprio espaço passa a ser comprado e vendido, ou em outras palavras, a cidade como lugar de consumo e consumo do lugar. Essas duas características influenciam fortemente a produção do espaço e, como consequência, a mobilidade urbana. O urbano parece transcender esse tecido urbano para tornar-se um conceito mais amplo, que se estende virtualmente por todo o território e é capaz de suceder ao espaço urbano-industrial contemporâneo. Lefebvre (2011, p. 87) considera o urbano, um possível-impossível em transformação: “O ‘urbano’ contém o sentido da produção industrial [...] É um campo de relações que compreendem notadamente a relação do tempo (ou dos tempos: ritmos cíclicos e durações lineares) com o espaço (ou espaços: isotopias-heterotopias).” Estaremos tratando sempre da cidade urbano-industrial, ou seja, desta cidade que caminha para o urbano, que se apresenta como a espacialidade social contemporânea, resultante do encontro explosivo da indústria com a cidade e que se estende com as relações de produção (e sua reprodução) por todo o espaço social. Em contraposição, espaço urbano é a melhor expressão para o espaço da cidade (ou na cidade). Edward Soja (2008, p. 36, tradução nossa) defende que o espaço urbano é a especificidade espacial do urbanismo e faz referência “às configurações específicas das relações sociais, das formas de construção e da atividade humana na cidade e em sua esfera geográfica de influência.” Soja parece dialogar com os conceitos de fixos e fluxos (objetos e ações) de Milton Santos ao tentar descrever a especificidade espacial urbana, ou seja, do espaço urbano, como: “as qualidades fixas de um entorno construído, expresso em estruturas físicas (edifícios, monumentos, ruas, parques, etc.) e também os padrões de uso da terra plausíveis de serem cartografados, na riqueza econômica, na identidade cultural, nas diferenças de classe e em toda a gama de atributos, relações, pensamentos e práticas individuais e coletivas dos habitantes urbanos.” E é sobre o espaço urbano que Soja se debruça: “o espaço urbano faz referência à cidade como fenômeno histórico-social-espacial, mas com sua espacialidade intrínseca realçada com fins interpretativos e explicativos.” 72 Como já foi reforçado, há uma forte relação entre o sistema econômico, as políticas urbanas e de mobilidade e os espaços produzidos. A produção do espaço urbano (origem e destino dos deslocamentos) está associada ao sistema econômico vigente, e as cidades resultantes (cidade industrial e cidade da zona de transição, na concepção de Lefebvre) possuem dinâmica urbana e políticas e práticas de uso e ocupação do solo que afetam e produzem os espaços públicos que são também o lócus da mobilidade. Por sua vez, os modos de transporte predominantes podem afetar o espaço urbano, tanto positivamente (facilitando o adensamento urbano e o acesso às áreas e atividades urbanas e produzindo ruas e praças agradáveis) quanto negativamente (viabilizando acesso a bairros cada vez mais distantes e condomínios fechados e diminuindo calçadas e passeios, derrubando árvores para ampliação de vias, entre outros efeitos). Lefebvre (2008, p. 140) identifica que essa produção do espaço social não é uma novidade, o que é novo é sua execução de forma mais global. Considerando os próprios termos usados por Lefebvre: o espaço não é mais a soma dos lugares onde a mais-valia se forma, se realiza e se distribui; ele se torna produto do trabalho social, objeto muito geral da produção e da formação da mais-valia, e o urbanismo oculta, sob uma aparência positiva, a estratégia capitalista que é o domínio do espaço. Na mesma obra, no capítulo que trata do campo cego, o autor apresenta as lógicas existentes na produção do espaço urbana na cidade urbano-industrial que têm um lugar comum: a lógica da mais-valia: “Várias lógicas se confrontam por vezes se chocam? A da mercadoria (levada ao limite de tentar a organização da produção de acordo com o consumo); a do Estado e da lei; a da organização espacial (planejamento do território e urbanismo); a do objeto; a da vida cotidiana” (LEFEBVRE, 2008, p. 40-41). Mas há uma separação entre a produção do espaço urbano “privado” (em seu sentido mais imediato, o da propriedade), que afeta diretamente as origens, destinos e motivos dos deslocamentos na cidade e a produção de espaço urbano “público” (em sua maioria de propriedade do Estado) que afeta mais diretamente os modos de transporte e onde se realizam os deslocamentos. O processo de produção do espaço urbano “privado” é realizado por uma conjunção entre os interesses e atuações do capital, setor de construção, mercado imobiliário, Estado e, em parcela menos significativa, a sociedade civil (famílias e pessoas). As primeiras forças (ou motivações) referem-se ao processo produtivo, que continuamente procurou a melhor localização em função do acesso aos recursos naturais, à mão de obra e à 73 rede de distribuição da produção. Para a complementação da reprodução do capital, faz-se necessária a localização das atividades comerciais e de serviços que facilitem o consumo. Segue-se o processo de formação da renda pelos proprietários de terra associados ao setor de construção (e recentemente ao setor financeiro), que é orientado principalmente para os interesses das classes de maior renda. Cabe ao Estado (e aos urbanistas) o papel de criar e gerir instrumentos urbanísticos, por vezes bem-intencionados, mas na maioria das vezes sem conseguir (ou até mesmo reforçando) reverter as prioridades descritas. Um dos problemas decorrentes desta dinâmica de produção da cidade que se quer destacar é o duplo processo identificado por Lefebvre de implosão-explosão, que tanto produz subúrbios (e periferias pobres, no caso brasileiro) quanto corrói as áreas centrais. Associado aos interesses especulativos, a expansão urbana é permeada de áreas e terrenos vazios que aguardam a execução da infraestrutura (bens de consumo coletivo) de acesso às áreas mais distantes para aumento do valor da terra e consequentemente da renda. O resultado desse processo é o distanciamento entre áreas de moradia (origens) e empregos (destinos), principalmente na formação de bairros e cidades-dormitório e a consequente dependência de modos de transporte motorizado. Essas consequências são ainda mais agravadas pelo uso intenso de zoneamentos funcionais adotados pelo urbanismo durante o século XX, a serem tratados no Capítulo 2. Há ainda o processo de transformação das áreas pelas mudanças de interesses gerados pelo mercado, tanto quanto à valorização de novas localizações, quanto pelo padrão da edificação, que tem provocado certo consumismo do espaço e a obsolescência de determinadas áreas. Um exemplo bem conhecido é migração do “centro” (equivalente ao distrito de negócios, ou central business district – CBD) de São Paulo através do setor Sudoeste (região mais nobre da cidade), saindo do centro tradicional para Higienópolis, depois para Avenida Paulista, em seguida Avenida Faria Lima, Avenida Luís Carlos Berrini, seguido pela expansão pela Marginal Pinheiros. Processo equivalente acontece em Belo Horizonte, onde o CBD saiu do centro para Savassi e hoje se desloca em direção do Belvedere. Esse processo de valorização de novas áreas nobres vem associado à proximidade dos bairros de classes mais altas, muitas vezes dificultando o acesso das classes mais baixas que necessitam aumentar o número de deslocamentos dentro de uma mesma viagem, pois o sistema de transporte coletivo costuma 74 ter ótima acessibilidade apenas ao centro das cidades, provocando necessidade de dois ônibus para quem trabalha na Savassi e Belvedere, no caso de Belo Horizonte. Pode-se ainda identificar outros mecanismos de produção que contribuem para a ineficiência e ineficácia do sistema de mobilidade, mas talvez dois dos resultados mais evidentes e que vêm sendo combatidos há algumas décadas na realidade brasileira são o espraiamento (com baixas densidades, esgarçamento do espaço urbano e existência de muitas propriedades vazias, fruto do processo de explosão) e a segregação pelo uso (tanto entre usos residenciais e produtivos – ou seja, separação entre a moradia, o emprego e o local de consumo -, quanto entre usos de classes sociais, fruto da mescla de zoneamento com interesses de mercado). Por fim, cabe ainda precisar o conceito de espaço público, ao mesmo tempo da política e das ruas. Sem intenção de explorar as possíveis conceituações de público, utilizaremos nesta tese a proposição de Thierry Paquot, francês, filósofo do urbano, em seu livro L’espace public (O espaço público, de 2009), que faz a distinção pelo uso do singular e plural: o espaço público e os espaços públicos. Para Paquot (2009, p. 3, tradução nossa) o espaço público (singular) “evoca o lugar do debate político, da confrontação de opiniões privadas que a publicidade se esforça para tornar pública”, mas não apenas esse lugar, como também “uma prática democrática, uma forma de comunicação, de circulação dos diversos pontos de vista.” É um vocabulário da filosofia política, mas também, há relativamente pouco tempo, das ciências de comunicação. Por sua vez, mais comum ao vocabulário de engenheiros, urbanistas e arquitetos, os espaços públicos “designam os locais acessíveis ao(s) público(s), percorridos pelos habitantes, que residem ou não na proximidade” (PAQUOT, 2009, p. 3, tradução nossa). Como o intuito é de precisar um conceito que possibilite analisar sua produção e influência na dinâmica urbana, com foco nos transportes e associação mais imediata aos espaços para circulação e permanência de pessoas, utiliza-se principalmente o conceito de espaços públicos, sempre no plural, a não ser quando parte de citações que não façam essa distinção. Logo, o termo espaços públicos urbanos refere-se às ruas, avenidas, praças, parques, jardins, ou seja, à rede viária e seus entornos próximos, que permite o livre movimento das pessoas, considerando o respeito à acessibilidade e gratuidade. São, em sua grande maioria, espaços físicos e delimitados geograficamente, mesmo que em uma escala micro, e não são exclusivamente de propriedade estatal, já que “[...] há alguns anos, os espaços públicos são 75 aqueles que o público – ou os públicos – frequenta independentemente de seu status jurídico. Assim, os lugares privados abertos a um certo público, são qualificados de espaços públicos, como por exemplo um centro comercial ou uma galeria comercial.” (PAQUOT, 2009, p. 3, grifos no original). Mais do que definir o melhor recorte, o que se quer destacar e defender é que o conceito de espaços públicos urbanos deve considerar a dimensão física (sistema de objetos) e seu uso (sistema de ações). Ao pensar sua interface com o campo dos transportes, fica evidente que esse espaço é vivido, concebido e percebido pelos diversos atores em deslocamento de diversas formas, com interesses se alternando ao longo do tempo e em função, entre outros fatores, do modo de transporte que está utilizando. Um exemplo dessa alternância de interesses no uso do espaço é o do sujeito que ao dirigir seu carro não gostaria de parar em um sinal para pedestres, mas que pode estar na posição de pedestre nesse mesmo sinal, minutos depois de estacionar seu veículo. Marc Augé, em seu livro Não-lugares – Introdução a uma antropologia da supermodernidade (2004) propõe uma reflexão sobre alguns espaços a que se refere não-lugares, sendo muitos deles, espaços públicos ligados à circulação, mas não apenas destinados a estes fins. Por “’não- lugar’ designamos duas realidades complementares, porém, distintas: espaços constituídos em relação a certos fins (transporte, trânsito, comércio, lazer) e a relação que os indivíduos mantém com esses espaços” (AUGÉ, 2004, p. 87). Argumenta Augé (2004, p. 75) que “a distinção entre lugares e não-lugares passa pela oposição do lugar ao espaço” e que “são os passantes que transformam em espaço a rua geometricamente definida pelo urbanismo como lugar.” O autor define não-lugar em oposição ao lugar, “um espaço que não pode se definir nem como identitário, nem como relacional, nem como histórico”, fazendo pensar no espaço vivido, percebido e concebido de Lefebvre. Essa espécie de alienação que a mobilidade impõe ao lugar, criando esses não-lugares, foi evidenciado no extremo por Augé em rodovias e aeroportos (além dos centros comerciais), mas utilizando vocabulário preciso, que “tece a trama dos hábitos, educa o olhar, informa a paisagem”, ele alerta que: Na realidade concreta do mundo de hoje, os lugares e os espaços, os lugares e os não-lugares misturam-se, interpenetram-se. A possibilidade do não- lugar nunca está ausente de qualquer lugar que seja. A volta ao lugar é o recurso de quem frequenta os não-lugares (e que sonha, por exemplo, com uma residência secundária enraizada nas profundezas da terra). Lugares e não-lugares se opõem (ou se atraem), como palavras e as noções que permitem descrevê-las. Porém, as palavras em moda – as que não tinham 76 direito à existência há uns 30 anos – são as do não-lugar. Assim, podemos opor as realidades do trânsito (os campos de trânsito ou os passageiros em trânsito) àquelas da residência ou do domicílio, o trevo (onde a gente não se cruza) ao cruzamento (onde a gente se encontra), o passageiro (que define sua destinação) ao viajante (que flana a caminho) [...] o conjunto (“grupo de habitações novas”, para o dicionário Larousse), onde não se vive junto e que nunca se situa no centro de nada (grandes conjuntos: símbolo das zonas ditas periféricas), ao monumento, onde compartilhamos e comemoramos, a comunicação (seus códigos, suas imagens, suas estratégias) à língua (que se fala). (AUGÉ, 2004, p. 98-99, grifos do autor). Essa rica passagem de Augé confirma as opções de mobilidade como as que mais afetam os lugares, mas que também a localização e o formato das habitações vão criar as condições para o que ele vai denominar supermodernidade. “O não-lugar é o contrário da utopia: ele existe e não abriga nenhuma sociedade orgânica” (AUGÉ, 2004, p. 102), mas por sua vez, citando Agacinski (198719, p. 204-502, apud AUGÉ, 2004, p. 103), é “um pouco daquilo que Michel Foucault, sem incluir aí a cidade, chamava de ‘heterotopia’.” A cada vez que for retomado o tema dos espaços públicos, se procurará buscar entender esse processo tendencial de transformação dos espaços públicos em não-lugares, acreditando que as ruas guardam em si os lugares que poderiam ser ou ter sido e que por vezes existem sob esse manto do não-lugar. Ainda são espaços múltiplos e heterotopias, onde as diversas apropriações do vivido (muitas vezes invisíveis para a razão dominante) não são destruídas pelo concebido. Essa breve seleção de conceituações sobre o espaço, mais do que se constituir em uma síntese desse vasto campo de conhecimento, busca apresentar as inspirações desse campo teórico para as reflexões propostas na pesquisa, partindo do que a motiva e a perpassa: para mudar a mobilidade é preciso mudar o espaço. Nossa sociedade escolheu produzir “espaços de acordo com as pressões do automóvel” e isso é perceptível na leitura dos fixos e fluxos da totalidade dos espaços onde se realiza a mobilidade urbana (os espaços públicos). Como um espelho, que mesmo fragmentado tem em seu menor fragmento a revelação de que é um espelho; nossos espaços públicos urbanos revelam e refletem nossa sociedade através de seus os fixos e fluxos. O espaço da rua e da avenida partilhado entre o ínfimo para as pessoas e o sumo para os carros; os usos do tempo revelando a velocidade dos homens rápidos (motorizados) abafando e oprimindo os homens lentos; as ações e feições com sua lógica 19 AGACINSKI, Sylviane. La ville inquiete. In: Le Temps de la Réflexion. Paris : Gallimard, 1987. p. 240-205. 77 hegemônica dos fluxos, das horas de pico, mas que mesmo onipresentes não conseguem extinguir o espaço vivido por quem se apropria desses tempos e espaços. Mas, por sua vez, as ruas, praças e avenidas também refletem o espaço urbano, compondo-o. Esses primeiros conceitos espaciais escolhidos para dialogar com as inquietações da mobilidade urbana e do ambiente urbano, também colocam em questão a escala. Entre o urbano dominante e totalizante e os espaços públicos, as escalas se entrelaçam e apontam para a necessidade de sermos ao mesmo tempo específicos e gerais. Se o espaço reflete a sociedade como um todo, ele se manifesta em cada pedaço, cada fragmento desse “espelho”, e parece que a busca da mudança, das aberturas desse sistema não pode prescindir de ser ao mesmo tempo local e ínfimo (cada rua, cada projeto urbano) e global (a crítica aos processos) sem deixar de encontrar no intermediário (os pedaços da cidade) um potencial de articulação. 1.5 OS TEMPOS DA MOBILIDADE E SUAS POSSÍVEIS RELAÇÕES COM O ESPAÇO É nossa presença no mundo que institui o tempo. Ele não existe sem nós, sem nossos fatos e gestos. (PAQUOT, 2001, p. 20, tradução nossa). A abordagem pelo tempo [associado ao espaço e ao corpo e deles indissociável] pode ser feita de diversas formas. Essa associação entre espaço e tempo é recorrente na geografia, como no conceito de espaço de Milton Santos, que traz consigo a ideia do tempo, já que a realização da sociedade humana se dá sobre uma base material (“o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições”) e que pensar a cidade é pensar seu espaço (conjunto de fixos e fluxos, materialidade e ações) e o que ele reafirma ou transforma (SANTOS, 1996, p. 33; SANTOS 197820 apud SANTOS, 1996, p. 38). Nesta concepção de espaço, o tempo é inerente a ele. Mas de qual tempo (ou de quais tempos) devemos tratar ao pensar em nossos deslocamentos cotidianos? Uma primeira diferenciação é da escala temporal, já que a mobilidade se realiza prioritariamente nos tempos curtos (dos minutos, das horas e dos dias) e não no tempo histórico (dos meses e dos anos). É no ciclo do dia e da semana que a mobilidade urbana se produz, tornando a mobilidade parte da vida cotidiana, que se reproduz a cada dia e a cada semana. 20 SANTOS, Milton. O Trabalho do Geógrafo no Terceiro Mundo. São Paulo: Hucitec, 1978. 78 Outras diferenciações são possíveis para os tempos (agora no plural). Milton Santos (2002, p. 21) defende que é “do tempo do homem, do tempo social contínuo e descontínuo, que não flui de maneira uniforme, que temos de tratar” e utiliza a distinção do filósofo latino- americano Sérgio Bagú entre: “o tempo como sequência – o transcurso –, o tempo como raio de operações – o espaço – e o tempo como rapidez de mudanças, como riqueza de operações.” O tempo transcurso traz a ideia de sucessão e de periodização que se desdobra nos tempos longos, mas Santos parece apontar para a captura do tempo e de seus períodos pelo espaço, ao desdobrar esses conceitos nas cidades e constatar que a cidade nos traz, pela sua materialidade espacial, os tempos que se foram, mas que permanecem através das formas e objetos. Em suma, esse tempo transcurso é o que torna o espaço um palimpsesto espaço- temporal. Por sua vez, o tempo como raio de operações traz a ideia do tempo associado à distância (e ao espaço), que se materializa em deslocamentos. Mas, apesar de parecer mais evidente que estamos tratando desse tempo como raio das operações quando lidamos com a mobilidade urbana cotidiana, há uma importante mediação com o tempo transcurso através desse espaço-paisagem, que guarda em seu palimpsesto os tempos transcorridos no passado. Santos não desenvolve o terceiro conceito de tempo de Bagú (2003), que está mais associado ao que esse autor denomina intensidade. Milton Santos continua suas reflexões constatando que a sociedade atual é sincrônica, onde o homem vive a obsessão do tempo (tempos rápidos, naturalmente) e cronofágica, onde o tempo consome e é consumido. Ao final de um texto sobre o tempo das cidades, lança uma proposta de diferenciar os tempos lentos e os tempos rápidos. “Tempo rápido é o tempo das firmas, dos indivíduos e das instituições hegemônicas e tempo lento é o tempo das instituições, das firmas e dos homens hegemonizados. A economia pobre trabalha nas áreas onde as velocidades são lentas. Quem necessita de velocidades rápidas é a economia hegemônica, são as firmas.” (SANTOS, 2002, p. 22). A partir dessa conceituação de Milton Santos, pode-se até ousar uma analogia com Lefebvre, identificando os tempos rápidos com o espaço abstrato e os tempos lentos com o espaço diferencial, o que dá uma dimensão mais politizada à defesa de uma cidade dos homens lentos e de se priorizar a mobilidade lenta. Durante séculos, acreditáramos que os homens mais velozes detinham a inteligência do Mundo. A literatura que glorifica a potência incluiu a velocidade como essa força mágica que permitiu à Europa civilizar-se primeiro e empurrar, depois, a "sua" civilização para o resto do mundo. 79 Agora, estamos descobrindo que, nas cidades, o tempo que comanda, ou vai comandar, é o tempo dos homens lentos. Na grande cidade, hoje, o que se dá é tudo ao contrário. A força é dos "lentos" e não dos que detém a velocidade elogiada por um Virilio em delírio, na esteira de um Valéry sonhador. Quem, na cidade, tem mobilidade - e pode percorrê-la e esquadrinhá-la - acaba por ver pouco, da cidade e do mundo. (SANTOS, 1996, p. 220). Retomando Lefebvre, para ele, o tempo (histórico e cotidiano) é espaço e vice-e-versa, ou em suas palavras ao tratar do espaço absoluto: “quando o tempo não se separa do espaço, o sentido de um de descobre no outro, imediatamente (sem mediação intelectual)” (LEFEBVRE, 2000, p. 279, tradução nossa). Da mesma forma, ao tratar o espaço social como produto social, está tratando de espaço-tempo: cada sociedade (e cada modo de produção) produz seu próprio espaço, que contém as relações de produção e reprodução (biológica, de força de trabalho e das relações sociais de produção). Mas essa associação/indissociação carrega conflitos e contradições e procura romper com a tendência do tempo se reduzir, como identifica Lefebvre: “O tempo se reduziria rapidamente ao emprego compulsório do espaço: percursos, marchas, trajetos, transportes. Mas o tempo não se deixa reduzir.” (LEFEBVRE, 2000, p. 452). Quando se pensa nos tempos (e na distância) das viagens pela cidade, fica evidente que há uma diferenciação entre as diversas pessoas ou grupos sociais, que também dispõem de velocidades diferentes para se deslocar. A distância e a velocidade com que se pode percorrê- la interfere na capacidade de aproveitar e dispor de oportunidade que cada um - ou cada grupo - tem para usufruir das áreas e atividades urbanas. Dispor (ou não dispor) desses tempos (dessas distâncias e dessas velocidades) são condições para aproveitar oportunidades e deveria ser mais explicitado pelas políticas públicas. O resultado dessas condições faz com que as pessoas gastem (ou “percam”, como é dito no sendo comum) mais tempo em cada viagem e ao longo do dia, dimensões que serão apuradas para a realidade da cidade de Belo Horizonte. Por outro lado, como será visto mais à frente, faz-se necessário reconhecer que “a força é dos lentos”, resgatando a cidade pedestre que sobrevive ainda, mas está “sufocada” pela cidade motorizada. No sentido do tempo como raio de operação, existe na geografia, uma linha denominada geografia temporal (ou geografia do espaço-tempo) que procurou tratar de forma mais explícita o fator tempo nas atividades espaciais humanas. O surgimento da geografia temporal 80 está nos trabalhos do geógrafo sueco Torsten Hägerstrand, que destacou o fator tempo no artigo What about People in Regional Science? apresentado em 1969 no Congresso Europeu da Associação de Ciência Regional, em Copenhague. A principal inovação do artigo foi apresentar a necessidade de examinar as coordenadas espaciais e temporais da atividade humana, através de um modelo espaço-temporal. Hägerstrand (1970) destaca que o movimento de um indivíduo no espaço-tempo apresenta restrições associadas à sua velocidade de deslocamento e ele desenvolve “prismas espaço-temporais” que nada mais são do que o desenvolvimento dos deslocamentos diários das pessoas no espaço e no tempo. Em seu livro A Natureza do Espaço, Milton Santos comenta as contribuições de Hägerstrand e de sua geografia do tempo, que ele considera avanço significativo no tratamento do espaço- tempo como questões indissociáveis: “Sua proposta inclui o esforço de mapear os tempos de uma realidade em movimento, através do artifício de ‘congelar’ os eventos em padrões gráficos, de modo a que sejam analisados segundo seus respectivos conteúdos” (SANTOS, 1996, p. 32). Completa Santos que Hägerstrand “explora a noção de domínios, estudando as formas de utilização do território pelos diversos agentes, de que resulta uma verdadeira compartimentação, onde, a cada momento, o movimento do tempo e do espaço se dá de modo unitário.” Em outro ponto do livro, Milton Santos (1996, p. 59-60) defende que a geografia do tempo não seria fundada na atividade real dos indivíduos, mas nas condições para sua atividade potencial, pois assim, as ações se convertem em trajetórias espaço- temporais, reforçando que “a ação é ação em uma paisagem e é a paisagem que dá forma a ação”, no que Santos propõe trocar paisagem por espaço, já que “geografia não é separadamente os objetos, nem as ações, mas objetos e ações tomados em conjunto.” Trazer a metodologia de Hägerstrand pode ajudar a compreender o tempo como dimensão articuladora da cidade (e da mobilidade) e a pensar na ampliação de acesso às oportunidades de forma mais equitativa. Sua tese apoia-se na ideia de que as oportunidades de cada um, dependem de sua capacidade de usar o espaço no tempo (sua velocidade), pois “isso define onde, quando, e por quanto tempo, o indivíduo pode se encontrar com outros indivíduos, com ferramentas ou materiais para produzir, consumir e se relacionar” (HÄGERSTRAND, 1970, p. 14). Para isso, a metodologia prevê a elaboração de prismas espaço-tempo, onde em um plano está o espaço (no nosso caso, urbano) e no eixo zenital, está a escala do tempo (de minutos e 81 horas, totalizando o dia). Pode-se tanto construir as trajetórias máximas de uma pessoa em um dia (Figura 6), quanto representar o ir-e-vir das pessoas no espaço urbano. Figura 6 – Prismas espaço-tempo de Hägerstrand (máximos diários). Acima, prismas espaço-tempo máximos apenas com deslocamentos; abaixo, prismas máximos da pessoa que trabalha (pedestre e motorista) e representação de reuniões e ligações telefônicas. Fonte: Elaboração própria a partir de Hägerstrand (1970, p. 13 e 14) A forma como os prismas devem ser construídos mostra o tempo de permanência em casa (tempo da reprodução), o tempo do deslocamento máximo possível e o tempo na atividade. 82 Por exemplo, se construirmos um destes prismas para a atividade trabalho, o resultado seria algo como o mostrado na Figura 7. Figura 7 – Prisma espaço-tempo de Hägerstrand (área potencial de oportunidades). A figura mostra prismas espaço-tempo de duas pessoas, com a interseção das sombras dos dois prismas (hachurado) representando o potencial de interação social no espaço tempo entre elas. Fonte: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0143622810000585 (tradução nossa). A Figura 8, trazida de um site holandês da internet, mostra um esquema destes prismas aplicado a uma realidade, onde percebe-se a importância dos modos de transporte (marcados como uma imagem nos segmentos dos prismas) que serão as inclinações/declividades do movimento, onde um modo de transporte com maior velocidade gera menor declividade, ou seja, consumindo “menos tempo por espaço.” Mas, como disse Milton Santos, os prismas de Hägerstrand não devem ser vistos apenas como manifestação dos deslocamentos, mas, antes de tudo, como o potencial que cada pessoa tem de deslocamento no espaço, ou seja, abrangendo as oportunidades disponíveis. 83 Figura 8 – Prisma espaço-tempo de Hägerstrand (deslocamentos reais). Fonte: http://www.ethesis.net/geografie/geografie_deel_I.htm. A contribuição da abordagem da geografia temporal para uma pesquisa sobre mobilidade e sua relação com a dimensão tempo é explicitar que maior velocidade significa maiores oportunidades e, com efeito inverso, quanto mais oportunidades próximas se dispõe, menor velocidade é necessária para aproveitá-las. Apesar de ser mais uma ferramenta técnica de leitura que uma ferramenta de análise crítica, as formulações de Hägerstrand parecem estar mais associadas à ideia de aceleração da sociedade, mas pode vir a ser usada para demonstrar como a relação entre velocidade e oportunidades contribui para reforçar as políticas de uso e ocupação do solo como um instrumento da política de mobilidade. Quanto mais oportunidades de emprego, estudo e outras atividades se propiciar próximo de onde as pessoas moram, menos se precisará da velocidade, ou seja, mais poderemos pensar em uma cidade pautada em modos não motorizados, uma cidade de homens lentos. 84 Ao tratar dos espaços e tempos individuais na vida social, Harvey (2006, p. 195) destaca o caráter pioneiro de Hägerstrand e de como sua geografia temporal considera os indivíduos “movidos por um propósito engajados em projetos que absorvem o tempo através do movimento no espaço”, através de “’trilhas de vida no tempo-espaço’, começando com rotinas cotidianas de movimento.” Resume Harvey que a proposta consiste em estudar os princípios do comportamento do tempo-espaço através dessas trilhas (biografias), limitadas por recursos temporais finitos e por restrições de contato, que exigem interseção entre as trilhas de espaço-tempo de dois ou mais indivíduos, o que Marc Wiel vai denominar lugares de copresença. Apesar de reconhecer a utilidade dos esquemas do sueco, Harvey aponta que eles nada dizem sobre as relações sociais e políticas que produzem as diferenças de fricção da distância (velocidade) e restrições de contato (modo de produção e reprodução, se usarmos a terminologia marxista). Hägerstrand “não tenta compreender por que certas relações sociais dominam outras nem como se atribui sentido a lugares, a espaços, à história e ao tempo.” (HARVEY, 2006, p. 195), o que deve ser compreendido em outros autores. A relação entre espaço e tempo evidencia dois conceitos complementares e importantes para tratar dos deslocamentos: distância e velocidade. Se a distância é o espaço quantificado, a velocidade é o potencial para vencer as distâncias em um espaço de tempo. Para refletir sobre a velocidade, uma abordagem que parece bem estimulante e adequada ao tema da presente pesquisa é a obra L’homme à toutes vitesses (O homem de todas as velocidades21, 2000) de Jean Ollivro, geógrafo francês, que propõe uma reflexão sobre o impacto social do aumento da velocidade ocorrido nos últimos 150 anos. As reflexões de Ollivro (2000) partem de uma constatação principal: até 1850, a humanidade vivia uma lentidão homogênea, quando a relação entre a velocidade do mais rápido e do mais lento era de 1 para 2,5 (relação de velocidade, nos termos do autor); desde então, mas especialmente ao longo do século XX, a relação vai se modificando, chegando a uma relação de velocidade de 1 para 44, quando se compara a velocidade a pé com a do TGV (trem de grande velocidade), construindo um contexto que Ollivro denomina de rapidez diferenciada, definida como “o processo que conduz à existência de territórios percorridos em velocidades a cada vez mais variáveis.” 21 Literalmente, a tradução seria “O Homem a todas velocidades”, que brinca com a expressão “a toda velocidade.” Essa expressão no plural também não é comum em francês, mas parece funcionar melhor, pois oralmente não se pronuncia os esses. Em português, preferimos adaptar o título. 85 Ollivro (2000, p. 7, tradução nossa) constata que “esse crescimento da rapidez diferenciada é, sem nenhuma dúvida, um dos elementos que mais modificou a organização dos territórios” e, importante frisar, que a diferenciação do acesso a essas velocidades não é homogênea entre as pessoas, por diversos motivos. O desdobramento da tese de Ollivro vem diretamente da geografia temporal de Hägerstrand. Se a lentidão homogênea reduzia a vida cotidiana ao espaço próximo, a rapidez diferenciada permitiu diversas relações temporais do homem com o território, tornando essa relação muito mais complexa e questionando o sentido da noção de próximo e de distante. Ollivro propõe vários conceitos interessantes que dialogam com o espaço de oportunidades da geografia temporal, como o conceito de alcance22, que ele se apropria do campo da balística. Se alcance quer dizer a maior distância que um homem pode lançar um projétil (variável em função da força e do instrumento que ele se utiliza), na abordagem proposta por Ollivro, o alcance limite é a distância máxima que um homem pode esperar em um espaço de tempo (OLLIVRO, 2000, p. 44, tradução nossa) ou o ponto mais distante dos prismas máximos de Hägaerstrand. O uso do conceito de alcance, coloca o homem, seu corpo e seus movimentos no coração da análise e Ollivro o prefere ao de acessibilidade, que coloca o espaço – ou o território – no centro do processo. Ele [o conceito de alcance] permite isolar os grandes tipos de relação que o homem estabelece com o espaço-tempo. Inicialmente, ele pode ser “fixo” e estruturar fortemente seu espaço de proximidade (sedentarismo, com mobilidade de alcance local). Em seguida, se constitui em errante e não mais estar preso a um ponto fixo (nomadismo, deslocamento aleatório). Enfim, se deslocar para longe (migração definitiva) ou multiplicar as idas e vindas entre lugares distintos (migração alternante, geralmente entre um lugar mais ocupado e zonas distantes). (OLLIVRO, 2000, p. 44, tradução nossa). A contribuição teórica desse autor é de alçar a velocidade – e o acesso a ela - a uma categoria conceitual no campo espacial, tratando de dois tempos simultaneamente: os tempos curtos, dos deslocamentos cotidianos, e o tempo longo, das transformações históricas relacionadas à velocidade. Importante destacar que a principal questão desenvolvida por Ollivro, que articula todo o livro, é a rapidez diferenciada, que não eliminou os homens lentos, mas coloca-os a conviver com “homens de todas as velocidades”. Essa nova condição da humanidade rompe 22 No original, o autor usa o termo portée, que se traduziria por portada. Mas na terminologia de balística em português, é mais comum o uso do termo alcance, adotado nessa tradução. 86 a obrigação da proporcionalidade entre espaço e tempo (antes, de um passo por segundo), mas que ainda existe, sobreposta cada vez mais por outras proporcionalidades ou outras velocidades. O desdobramento dessa ideia afeta as relações dos homens com o espaço- tempo, com as práticas de deslocamento, com o território (e o transforma), com a política e com a vida cotidiana e a decisão do indivíduo do seu “território de vida”. Jean Ollivro situa suas reflexões em um campo mais teórico e multiescalar, não enfatiza os desdobramentos no espaço urbano, porém, suas ideias inspiram o debate da relação entre a velocidade, o próximo e o distante. Ao tratar da relação entre a rapidez diferenciada e vida cotidiana, Ollivro evidencia um paradoxo entre o próximo e o distante, uma vez que os homens que praticam intensamente o espaço de proximidade, não podem partir frequentemente para longe. Já o errante (o homem moderno), vive seu espaço e seu tempo sem ocupá-lo; ele o percorre. A constatação final de que, “no cotidiano, o indivíduo vive cada vez mais velocidades variáveis e, portanto, é parte de territorialidades múltiplas” (OLLIVRO, 2000, p. 157, tradução nossa) torna complexo e relevante a reflexão sobre o próximo e o distante, mas também traz contribuições para a relação entre esse indivíduo e seu espaço, permitindo avançar a noção de não-lugar e questionar se, na velocidade, esse homem não está percorrendo um não-espaço. Essa noção é ainda tratada ao extremo ao confrontar deslocamentos com comunicação, sendo essa última, “o transporte do pensamento” (OLLIVRO, 2000, p. 25), naturalmente, um transporte sem corpo (tema do próximo item). A abordagem temporal proposta se complementa e complexifica no âmbito da vida cotidiana, tratada na obra de Henri Lefebvre de forma crítica e como uma possibilidade de atualização para a sociedade de seu próprio tempo, do pensamento marxista. Antes de construir sua obra urbana e espacial, Henri Lefebvre desenvolveu a “Crítica da vida cotidiana” iniciada em 1947, que contém uma série de quatro obras23 que se estendem até 1981, onde constrói uma instigante análise de como o sistema econômico (no caso, o capitalismo) produz e reproduz uma vida cotidiana para sua própria reprodução. As possibilidades de relação entre essa teoria crítica da vida cotidiana e a mobilidade parecem evidentes quando se pensa no automóvel 23 “Crítica da vida cotidiana I” (1947); “Crítica da vida cotidiana II – Fundamentos de uma sociologia da cotidianidade” (1962); “A vida cotidiana do mundo moderno” (1968); “Crítica da vida cotidiana III – Da modernidade ao modernismo (por uma metafilosofia do cotidiano)” (1981). 87 como objeto símbolo do capitalismo urbano, mas podemos também relacionar os tempos dos deslocamentos aos tempos da vida cotidiana. Deve-se considerar os quatro volumes da crítica sobre a vida cotidiana de Henri Lefebvre como um projeto tanto político quanto intelectual, em que ao mesmo tempo em que constrói uma sociologia do cotidiano, atribui ao próprio cotidiano um caráter político. Lacombe (2008) analisa o conjunto de textos a partir do seu caráter analítico e transformador e considera que a inovação do Volume I foi colocar o cotidiano como tema central, ao lado da luta de classes, contribuindo para a teoria construída por Lefebvre, que é uma leitura crítica ao pensamento e obra de Marx no que se refere ao cotidiano, que vai encontrar ecos nos volumes posteriores 24 . Lacombe (2008, p. 156) conclui que neste volume I estão expressos três fundamentos marxistas da sociologia do cotidiano: a) tomar o vivido como centro da experiência humana e âncora de toda reflexão teórica; b) pensamento dialético com estratégia cognitiva; c) pensamento sempre em movimento e em sintonia com a realidade objetivando fazer parte da mesma, portanto carregá-lo de potência transformadora visando a realização dessa potência: ‘Changer la Vie!’” [Mudar a Vida!]. A questão do vivido vai ser sempre retomada por Lefebvre e o pensamento dialético será a base tanto para a obra sobre o cotidiano quanto para a obra espacial. Cabe registrar que em 1957, no prefácio para a segunda edição deste Volume I, além de uma atualização do contexto e uma autocrítica da “ingenuidade” da obra, ele reforça a importância central da vida cotidiana na sociedade europeia do pós-guerra, pela sociedade do consumo (mais à frente denominada Sociedade Burocrática de Consumo Dirigido), identificando três dimensões da cotidianidade: o trabalho, a família e o lazer. O interesse de Lefebvre está nesse cotidiano social e não há nenhuma citação à cotidianidade dos deslocamentos. Segundo Lacombe, é no Volume II que Lefebvre constrói de fato uma teoria do cotidiano, aprofundando a crítica das necessidades e sistematizando conceitos e categorias teóricas de análise. Destaca três categorias teóricas relacionadas entre si: a) a noção de realidade; b) o vivido e o viver; e, c) a ambiguidade. Essas categorias trazem um potencial de transformação 24 Partindo de “A ideologia alemã” de Marx, Lefebvre identifica cinco pontos temáticos em que a obra de Marx se constrói enquanto crítica da vida cotidiana, todas elas envolvidas no escopo da teoria da alienação: a) crítica da individualidade; b) crítica das mistificações; c) crítica do dinheiro; d) crítica das necessidades; e) crítica do trabalho. (LACOMBE, 2008, p. 151). 88 que é fácil associá-las à tríade do espaço percebido, vivido e concebido, que virá a desenvolver mais de dez anos depois. A noção de realidade põe em evidencia as representações e as concepções que impregnam o real; o vivido e o viver trazem a questão do real e do realizado (vivido) e do possível e virtual (viver) em uma relação dialética, sempre presentes na teoria espacial; e a ambiguidade traz a dimensão do drama, do jogo social e das dissimulações. Outra contribuição apresentada neste Volume II é a teoria dos momentos, na qual Lefebvre, a partir da tipologia da repetição e da relação com a linguagem, identifica uma constelação dos momentos, entendidos como tentativas que visam a “realização total de uma possibilidade” (LEFEBVRE, 1980, p. 348, tradução nossa), para chegar às relações com o cotidiano. Além da questão central do consumo, outro elemento a ser incorporado parece ser o tempo da vida cotidiana que é o mesmo tempo dos deslocamentos, cíclico e lento (medido em horas e minutos), que por sua natureza cíclica, torna o tempo elemento de alienação. O tempo da vida cotidiana não é o tempo histórico, mas o tempo do nosso corpo, tempo do trabalho e do lazer, do sono e da alimentação. No Volume II, sem aprofundar a relação entre espaço social e tempo social, Lefebvre (1980, p. 232-234, tradução nossa) destaca a relatividade desses espaços e tempos nas dimensões direito-esquerdo-alto-baixo e cumprido-previsto-incerto- imprevisível respectivamente25. Como a espaço social é retomado de forma mais completa na obra espacial, cabe destacar a importância dada ao tempo social, em que ele separa os tempos cíclicos (com origem na natureza) dos tempos lineares (com origem no conhecimento, na razão e na técnica). No cotidiano, há uma interação entre os tempos cíclicos e os tempos lineares (contínuos ou descontínuos), ou seja, pode-se enxergar uma ritmologia ou ritmanálise. O conceito de ritmanálise (rythmanalyse, em francês) aqui atribuído a Gaston Bachelard é retomado na obra de Lefebvre nos anos 1980. O ritmo, no caso da mobilidade urbana um ritmo cotidiano, que se repete a cada dia e a cada semana, será acrescentado às formas mais imediatas de se pensar o tempo: a que associa o tempo como sinônimo de espaço (a distância) e a que relaciona tempo com o espaço percorrido (a velocidade). São essas as três dimensões (distância, velocidade e ritmo) dos tempos que serão enfatizadas ao longo das análises realizadas mais à frente. 25 Para os tempos, ele também considera as dimensões: passado, atual, futuro próximo e futuro distante. 89 1.6 O CORPO EM DESLOCAMENTO: TERCEIRO ELEMENTO DE UMA POSSÍVEL TRÍADE CONCEITUAL PARA OLHAR A MOBILIDADE Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a frequência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e das alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de apreender. (SANTOS, 1996, p. 251). A abordagem pelo corpo [associado ao espaço e ao tempo e deles indissociável] parte da constatação de que o corpo é a menor unidade geográfica e seu deslocamento representa a manifestação de desejos e necessidades humanas. Em sua dissertação de mestrado, Costa, T. (2011) propõe o termo menor unidade geográfica como definição do corpo e tradução para a expressão the geography closest in da poetisa americana Adrienne Rich, traduzido como geografia mais próxima por Soja: [...] nossa performance como seres espaciais tem lugar em diversas escalas, desde o corpo, ou aquilo que a poetisa Adrienne Rich denominou, em alguma ocasião ‘a geografia mais próxima’, até toda uma série de geografias mais distantes, que abarcam desde dormitórios e edifícios, casas e bairros, até cidades e regiões, Estados e nações e, em última instância, toda a terra – a geografia humana mais distante. (SOJA, 2008, p. 34, tradução nossa). Diferentemente das geografias distantes, essa nossa “geografia mais próxima” se movimenta, se desloca, se move, e para pensar sobre esses movimentos/deslocamentos por outras geografias, devemos falar de desejos, necessidades e de decisões pessoais. Pretende-se considerar o corpo como dimensão de análise, principalmente pela (re)apropriação do próprio corpo em deslocamento. A percepção de que existem diferentes corpos e diferentes capacidades de locomoção é também um tema relevante, que pode ser pensado pela diferenciação dos corpos em deslocamento e dos artefatos que o envolve: corpos com dois pés; duas, três e quatro rodas; os corpos como enclaves motorizados (e cultura do automóvel). Parece uma afirmação óbvia dizer que toda e qualquer atividade do ser humano acontece em um espaço e exige um tempo e seu corpo. Os deslocamentos humanos são essencialmente uma relação do corpo através do espaço-tempo, expressa tanto em distância quanto em velocidade, mas também em fruição. A proposta de uma abordagem espacial para tratar da mobilidade urbana se desdobrou na explicitação da dimensão tempo e, por fim, no corpo dos 90 deslocamentos humanos. Nos conceitos de Milton Santos, é no sistema de ações que se encontra o corpo, naturalmente ações de sujeitos ou de indivíduos, mas “[...] é sempre por sua corporeidade que o homem participa do processo de ação. [...] A corporeidade do homem é um instrumento da ação.” (SANTOS, 1996, p. 51-52). Por sua vez, parece evidente que é do corpo no espaço-tempo que Lefebvre está tratando ao propor a triplicidade do conceito de espaço – percebido, concebido e vivido – e sua associação respectiva aos conceitos de prática espacial, representações do espaço e espaços de representação. No dizer de Lefebvre (2000, p. 50, tradução nossa) o espaço social se reporta ao corpo, pois “a relação com o espaço de um ‘sujeito’ membro de um grupo ou de uma sociedade, implica da sua relação com seu próprio corpo, e reciprocamente. A prática social tomada globalmente pressupõe o uso do corpo”, ou seja, o espaço percebido é percebido pelo corpo. Da mesma forma, Lefebvre associa as representações do corpo às representações do espaço (concebido) e é sobre o vivido corporal que Lefebvre define a complexidade deste “terceiro espaço”. A dimensão corporal do espaço também é retomada quando defende a superação das contradições do espaço abstrato pelo espaço diferencial (LEFEBVRE, 2000, p. 408) pelo resgate do valor de uso do espaço (contra o valor de troca característico do espaço abstrato), uma vez que no espaço diferencial é pela restituição do corpo, do desejo e do prazer. Retomando a análise de Harvey sobre espaços e tempos individuais, mesmo sem destacar a evidente presença do corpo do indivíduo nos esquemas de Hägerstrand (suas trilhas são registros do movimento do corpo dos indivíduos em movimento), ele avança nas abordagens sociopsicológicas do tempo e do espaço citando Foucault e de Certeau. Para Harvey, Foucault trata o espaço do corpo como o elemento irredutível das práticas sociais, pois sobre ele (o espaço do corpo) é que se exercem forças da repressão, da socialização, da disciplina e da punição. Para Foucault, o corpo existe no espaço e se submete à autoridade ou cria espaços particulares de resistência e liberdade, as heterotopias. Já Michel de Certeau vai trazer a criatividade e o andar ao debate. Pois segundo Harvey (1996, p. 197), tal como Hägerstrand, ele começa sua história pelo começo, mas no caso, os pés na cidade, trazendo caminhos entrecruzados que dão sua forma aos espaços, unindo lugares e criando a cidade e sua espacialização, por meio de atividades e movimentos diários. 91 É em sua obra “A vida cotidiana no mundo moderno”, que Lefebvre dialoga com a questão de mobilidade urbana de forma mais explícita, ao fazer uma breve análise do automóvel como Objeto-Rei (apresentada na citação que abre a Introdução) na perspectiva da cotidianidade programada (um dos temas centrais do livro), declarando ser seu melhor exemplo. Não é sem motivo que o período de expansão capitalista de quase todo o século XX é denominado de fordismo, pois se o automóvel Ford T é um dos símbolos do consumo em massa, a criação de uma vida cotidiana (e para isso, a produção da cidade foi fundamental) para facilitar seu uso e estimular seu consumo é evidente e amplamente conhecida. Lefebvre pretende “lançar uma luz sobre o Automóvel, em sua relação com a cotidianidade” a partir de quatro abordagens: Automóvel como objeto total; as hierarquias e performances; o caráter simbólico; e o código que compõe o corpus (LEFEBVRE 1991a, p. 110-114). Ao apresentar o automóvel como objeto total que rege múltiplos comportamentos e domínios (da economia ao discurso), através de prioridades e compondo um “sistema” é que Lefebvre conclui que “concebe-se o espaço de acordo com as pressões do automóvel”, expressão utilizada na citação que abre a tese. O carro chega a ser um pedaço da moradia de muitos, confirmando que no trânsito, as pessoas e as coisas se misturam sem se encontrar, em um caso de simultaneidade sem troca, contribuindo para criar a “psicologia”, ou melhor, a “psicose” do motorista. Por outro lado, há um perigo e um risco em circular de carro, sendo um resto da aventura do cotidiano, um pouco de prazer e de jogo. Lefebvre situa o carro na “estrutura dos álibis”: álibi para o erotismo, para a aventura, para o “habitar” e para a sociabilidade urbana. Ele tem um lugar importante, determina uma prática (econômica, psíquica, sociológica, etc.) e se considera (nós o consideramos “inconscientemente”) o objeto total. Ele tem um sentido (absurdo!): “De fato e na verdade não é a sociedade que o Automóvel conquista e ‘estrutura’, é o cotidiano. O Automóvel impõe sua lei ao cotidiano, contribui fortemente para consolidá-lo, para fixá-lo no seu plano: para planificá-lo” (LEFEBVRE, 1991a, p. 111, grifos do autor). Outra contribuição à análise do papel do automóvel refere-se às hierarquias e performances, já que ele não se reduz a um objeto material, ele dá lugar às hierarquias: a hierarquia perceptível e sensível (tamanho, potência, preço) e se desdobra numa hierarquia mais complexa e mais sutil, a das performances. Um bom carro coloca seu proprietário em um degrau alto da hierarquia, mas seu uso (esportivo através de uma ultrapassagem com perícia 92 ou perigosa) pode fazer subir seu motorista alguns degraus apenas pela performance, como um atleta usa seu corpo. Há uma analogia entre o estatuto do corpo humano e do automóvel, uma hierarquia física (peso, força, tamanho) e hierarquia das performances, e uma correspondência à hierarquia social, não de forma homóloga, mas análoga. O caráter simbólico identificado pelo autor aponta que a existência prática do Automóvel é apenas uma porção da sua existência social, possuindo uma dupla realidade, mais forte que em outros objetos: sensível e simbólica, prática e imaginária” (LEFEBVRE, 1991a, p. 112). A hierarquização é ao mesmo tempo dita e significada e agravada pelo simbolismo, tanto de posição social quanto de prestígio. Sonho e simbolismo que sobrepõe o consumo dos signos ao uso prático. “Signo do consumo e consumo de signos, signos de felicidade e felicidade pelos signos” (LEFEBVRE, 1991a, p. 113). Enfim, o carro acumula papéis e condensa os esforços para sair do cotidiano, reintegrando-lhe o jogo, o risco, o sentido. Por fim, Lefebvre ressalta a importância da existência de um código que compõe o corpus, que dá unidade ao objeto dando-lhe um caráter totalizante, e no caso do carro, é o Código de Trânsito. Poder-se-ia agregar outros documentos, textos legais, jornalísticos e literários para compor o corpus. Conclui e reforça Lefebvre que o cômico (ou pândego) é que o objeto destrói e se destrói: “é inútil devastar cidades e campos, pois ele chegará, mais cedo ou mais tarde, ao ponto de saturação. Ele caminha para esse limite, terror dos especialistas de trânsito: o congelamento final, a imobilidade coagulada do inextricável” (LEFEBVRE, 1991a, p. 113). No livro “Fé em Deus e pé na tábua: ou por que o trânsito enlouquece no Brasil” 26, Roberto DaMatta, antropólogo brasileiro, desenvolve questões sobre o comportamento do brasileiro no trânsito a partir de uma pesquisa com diversos agentes da mobilidade realizada em Vitória. Os autores tratam de questões muito similares à análise de Lefebvre, em uma realidade brasileira de mais de 20 anos depois, principalmente no que se refere às hierarquias, que eles contrapõem à igualdade que deveria imperar nos espaços públicos. “Nossa principal contribuição é tentar democratizar a rua, fazendo com que ela, tanto quanto a casa, seja submetida a um código igualitário” (DAMATTA; VASCONCELLOS; PANDOLFI, 2010, p. 9, grifo dos autores). A tese principal defendida é que, no Brasil, preferimos formas verticalizadas de 26 O livro e a pesquisa foram realizados em conjunto com João Gualberto M. Vasconcellos e Ricardo Pandolfi. 93 relacionamento social (hierarquias) e que a preferência por formas individualizadas de transporte apresenta um dilema, além de um retrocesso, para uma sociedade que se “modernizou” (início do século XX) tendo o transporte público como predominante. Entre várias contribuições, esse livro caracteriza melhor a reação do brasileiro (seja motorista ou pedestre) frente aos espaços públicos e igualitários, onde as pessoas se tornam indivíduos, e por isso mesmo, menos merecedores de nossa deferência. Richard Sennett, em Carne e pedra (2006), coloca o corpo no centro do discurso ao mostrar sua relação com as cidades de Atenas, Roma, Paris, Londres e Nova York, partindo da constatação da passividade do corpo, evidenciada em uma sessão de cinema no subúrbio americano, considerada “um lugar propício ao desfrute da violência no conforto do ar condicionado.” O que parece motivar Sennett (2006, p. 17) é o efeito devastador da transferência geográfica das pessoas para espaços fragmentados, enfraquecendo os sentidos e tornando o corpo ainda mais passivo -, tem relação direta com a mobilidade urbana, pois é para ele a experiência física da velocidade que reforça o corpo urbano passivo, pois “viaja-se com uma rapidez que nossos ancestrais sequer poderiam conceber.” Com isso, dialogando com a rapidez diferenciada de Ollivro e os não-lugares de Marc Augé, ele afirma que “o espaço tornou-se um lugar de passagem, medido pela facilidade com que dirigimos através dele ou nos afastamos dele” o que transforma o espaço urbano em um simples corredor, sem qualquer atrativo para o motorista que só deseja atravessá-lo (SENNETT, 2006, p. 17-18). Enfim, esse corpo passivo está desprovido do desejo e desconectado de seu espaço-tempo e é preciso considerar os efeitos da mobilidade neste corpo. Além disso, junto com o tempo e o espaço, o corpo parece ser uma dimensão natural a ser tratada, que permite dialogar com a antropologia urbana e que contribui para reflexões sobre o papel do automóvel como objeto e mercadoria e ao mesmo tempo extensão do corpo, agora motorizado. A tríade espaço, tempo e corpo como prisma para entender os deslocamentos cotidianos na cidade, tem como objetivo facilitar as reflexões propostas, criando diálogos e conexões entre as teorias lefebvrianas (entre produção do espaço e vida cotidiana). Apesar de recorrer frequentemente a Milton Santos e Lefebvre como fundamentos para sustentar a proposição da tríade espaço-tempo-corpo, esta ideia não aparece de forma explícita na obra desses autores, muito menos sua aplicação aos deslocamentos cotidianos. 94 Se essa tríade parece estar sintetizada no conceito de espaço de Milton Santos, já que a materialidade e as ações se dão através do corpo no espaço e no tempo, Lefebvre nos revela no capítulo final de A vida cotidiana no mundo moderno que esse encontro de termos se aplicava perfeitamente a seu pensamento, ao defender: Que o cotidiano se torne obra! Que toda técnica esteja a serviço dessa transformação do cotidiano!” Mentalmente, o termo “obra” não designa mais um objeto de arte, mas uma atividade que se conhece, que se concebe, que reproduz suas próprias condições, que se apropria dessas condições e de sua natureza (corpo, desejo, tempo, espaço), que se torna sua obra. Socialmente, o termo designa a atividade de um grupo que toma em suas mãos e a seu cargo seu papel e seu destino social, ou seja, uma autogestão. (LEFEBVRE, 1991a, p. 214-215, grifo do autor). Não se trata de coincidência encontrarmos essa tríade associada ao desejo como descrição de um processo de apropriação (no caso, do cotidiano tornado obra) neste ponto da obra de Lefebvre. Muito menos é por acaso que ele conclui A produção do espaço (LEFEBVRE, 2000, p. 483-485, tradução nossa) de forma similar, dizendo que a abertura (nos termos lefebvrianos: a possibilidade de ruptura do subsistema) identificada por ele como a necessidade da transformação da sociedade (e de seu espaço) pela confrontação, tende a “ultrapassar as separações e dissociações, notadamente entre a obra (única; objeto portando a marca de um ‘sujeito’, o criador, o artista, e de um momento que não voltará mais) e o produto (repetido, resultado dos gestos repetitivos, portanto reproduzível, levando ao limite a reprodução automática das relações sociais).” Lefebvre também está falando de apropriação (do espaço), principalmente ao descrever o processo de superação das contradições do espaço em direção ao espaço diferencial ao longo desse livro e conclama ao final que a espécie humana produza um espaço como obra coletiva e suporte social de uma vida cotidiana transformada. Esse importante conceito de apropriação (em Lefebvre sempre de inspiração marxista e associado ao valor de uso em contrapondo à propriedade associada ao valor de troca) está presente de forma latente na proposta da tríade espaço-tempo-corpo que pretende possibilitar e facilitar as reflexões propostas, criando diálogos e conexões com entre diversas categorias lefebvrianas e a mobilidade urbana em Belo Horizonte. Enfim, a tríade espaço-tempo-corpo apresentada nesse capítulo como uma proposição teórica será considerada ao longo de toda a tese como três dimensões indissociáveis que mantém estre si uma relação dialética e que ajudam a analisar e entender a mobilidade urbana. 95 2 [MOBILI]CIDADE: A MOBILIDADE COMO COESÃO DOS LUGARES DE COPRESENÇA 2.1 MOBILIDADE E CIDADE: PROCESSOS INDISSOCIÁVEIS A mobilidade participa da definição da cidade. [...] São as avaliações das famílias e das empresas para organizar sua mobilidade em função de sua localização, e reciprocamente, que modelam e desenham a cidade. (WIEL, 2002, p. 16, tradução nossa). As conceituações do urbanista francês Marc Wiel contribuem de forma decisiva e incisiva na associação (e indissociação) entre urbanismo e transporte, ao tratar da transição urbana ou a passagem da cidade pedestre para a cidade motorizada (WIEL, 1999)27 que nasce de sua intuição de que a mobilidade tem um papel central na evolução urbana. Decorre dessa intuição uma sequência de obras como Cidade e automóvel (WIEL, 2002), Cidade e mobilidade, um casal infernal?, Espraiamento urbano e mobilidade e artigos como A mobilidade desenha a cidade e Mobilidade e equilíbrios urbanos. Mais que uma lista de títulos, essa breve apresentação da obra de Wiel esboça suas ideias e sua linha de pesquisa. Em um texto mais específico sobre mobilidade, Questões de mobilidade, a mobilidade em questão, produzido especialmente para um curso do Instituto de Geoarquitetura de Brest, Wiel (2005) explica a tese que serve de inspiração a esse capítulo: “os fluxos de deslocamentos de um lugar a outro constituem o lado dinâmico de uma realidade cujo lado estático é a disposição geográfica dos estabelecimentos humanos (o que chamamos frequentemente agenciamento urbano28)” (WIEL, 2005, p. 1, tradução nossa, grifo do autor). Para ele, a mobilidade é a “contrapartida desta fixidez relativa”, uma consequência do fato de que os estabelecimentos “mudam de natureza ou de localização tão lentamente (em relação à mobilidade cotidiana que parece, comparativamente, da ordem de uma incessante ‘vibração’) 27 Para o autor, a cidade pedestre foi estruturada em função do modo a pé e de suas características (velocidade, alcance e uso do espaço público) e é mais densa e pensada pela proximidade; em contraposição, a cidade motorizada é decorrente dos efeitos dos modos motorizados - especialmente do automóvel - que permitiram ampliar o alcance e a velocidade, e trazendo o fenômeno do espraimento urbano. 28 No original, agencement, que seria o resultado dos processos de aplicação da legislação e planejamento urbanístico, mescla de regulação e gestão urbana. 96 que podem ser considerados fixos.” E, conclui: “não existe um termo para abraçar estes dois aspectos complementares (estático e dinâmico) da realidade urbana”, pois, para ele, a palavra cidade não consegue expressar essa relação. De fato, os termos adotados não conseguem expressar essa ideia e traduzem predominantemente um dos processos: ou de localização ou de deslocamentos. A forma grafada – [mobili]cidade - como título deste capítulo, é uma tentativa de expressar a ideia de cidade em movimento, pois “’Cidade e Mobilidade’ são indissociáveis, se coproduzem mutuamente, se explicam reciprocamente, fazem sistema, etc...” (WIEL, 2005, p. 2, tradução nossa), mas é seguramente imperfeita. Na sequência da passagem utilizada para abrir esse capítulo, Wiel (2002, p. 16, tradução nossa) vai constatar que a não compreensão dessa indissociabilidade entre cidade e mobilidade pode levar a certos equívocos, como a autonomia excessiva da política de mobilidade em relação à política urbana, que ele qualifica como a “fonte de todas as nossas dificuldades.” Para Wiel, o que justifica essa incompreensão é que pensamos a cidade “como uma forma material e simbólica, portanto estática, e não como um sistema dinâmico se adaptando permanentemente às incessantes e flutuantes interações de seus ocupantes.” Essa proposição de Marc Wiel explica e justifica muitos dos movimentos teóricos propostos, por estar exatamente entre a cidade e a mobilidade e por contribuir para a disputa e construção do conceito de mobilidade urbana sustentável, que associa a política urbana à política de mobilidade. O evidente protagonismo do uso e ocupação do solo como medidas de gestão de mobilidade urbana estão associados aos processos de localização que afetam as viagens urbanas em suas origens e destinos. As ideias de Marc Wiel ultrapassam os processos apresentados anteriormente (os círculos viciosos em favor do automóvel) e justificam sua sobreposição de forma imbricada e indissociável e essa é a tese central deste urbanista (WIEL, 1999), resumida em uma “espiral”, que se assemelha aos processos já apresentados. O intuito de Wiel, para além da constatação do processo, é mostrar a possibilidade de intervenção na fase final dessa transição urbana (passagem para a cidade motorizada) e, para isso, chega a tecer proposições. A reprodução dessa “espiral” na Figura 9, deve ser vista com algum cuidado, pois guarda muitas especificidades da realidade do processo de urbanização francês, mas seguramente é análoga em vários aspectos à realidade brasileira. 97 Figura 9 - Espiral da transformação da cidade pelas novas condições da mobilidade urbana. Fonte: Elaboração própria a partir de Wiel, 1999 (p. 110, tradução e adaptação nossa). A parte inferior do esquema de Wiel apresenta efeitos já conhecidos e evidenciados nos processos mostrados no Capítulo 1, como o aumento das distâncias de deslocamentos, da quantidade de veículos e necessidades maiores de investimentos. Nas duas etapas da parte superior da espiral de Wiel está sua contribuição para a análise espacial pretendida: os grandes processos de valorização e desvalorização do espaço; e a desagregação e recomposição da organização urbana. São quatro fatores que caracterizam as melhorias que engendram efeitos de valorização ou desvalorização seletiva do espaço, cada um correspondendo a um campo disciplinar diferente (WIEL, 1999, p. 111-116): Transformação que provoca um alongamento contínuo dos deslocamentos; e que desestimula os modos de deslocamento que não sejam automóvel. Efeitos que estimulam uma transformação morfológica da organização urbana (desagregação/recomposição) Melhorias que engendram efeitos de valorização ou desvalorização seletiva do espaço Tráfego necessita de melhorias de infraestrutura (vias, estacionamento) que permitem manter e, mais frequentemente, aumentar a velocidade dos deslocamentos. Esses dois efeitos sobre a mobilidade engendram um crescimento nulo ou fraco do total de deslocamentos mas um crescimento bem real do tráfego de automóveis, particularmente nas bordas da aglomeração urbana. 98  O aproveitamento das potencialidades ofertadas é para o autor um processo que torna mais aguda a concorrência de todos dos elementos da oferta urbana (compras, escolas, lazer, etc.). Do campo da psicossociologia, trata-se do processo relacional do indivíduo com seu espaço, seu território, seu bairro. Na cidade pedestre, antes do automóvel, o bairro ocupava um lugar importante para busca da oferta urbana, que com a possibilidade de uso do veículo motorizado, passa a ser buscada em outros locais. Se antes o habitante tinha sentimentos de pertencimento a seu bairro e ao centro, atualmente o centro passa a ter uma função de representação e os habitantes possuem sentimentos de pertencimento nos diversos bairros que frequenta;  O aumento geográfico da oferta imobiliária é o processo imobiliário de oferta fundiária disponível para habitação que provoca a mudança do preço de terrenos pela acessibilidade;  A modificação da hierarquia dos lugares mais interessantes para implantação de atividades refere-se ao processo do ponto de vista do economista, onde se aplica a regra de concorrência entre equipamentos de proximidade, já que “a mobilidade facilita o alargamento do espaço de escolha pelo conjunto de oferta urbana cujos elementos entram em concorrência, favorecendo os processos de concentração e/ou especialização” (WIEL, 1999, p. 111);  Os impactos induzidos pelo tráfego trazem o ponto de vista ambiental, especialmente na desvalorização seletiva de espaços pelo tráfego e suas consequências. A segunda contribuição da espiral proposta por Wiel está no que ele denomina desagregação e recomposição da organização urbana, que são os efeitos que estimulam uma transformação morfológica da organização urbana, tendo de um lado a mobilidade facilitada e de outro a mobilidade restrita (ou restringida). Para ele, a organização urbana é induzida tanto pela facilidade dos deslocamentos quanto por sua dificuldade, em um processo em continua transformação, onde os espaços obsoletos (desvalorizados pelos fatores descritos anteriormente) são substituídos pelos espaços novos (agora valorizados):  Os processos urbanos franceses na produção e acesso à habitação são essencialmente “centrífugos”, gerando a periurbanização (crescimento da cidade em uma periferia próxima, menos densa e menos valorizada), o empobrecimento e “guetificação” de 99 bairros com populações de classes sociais mais baixas e o esgarçamento das bacias de empregos, fazendo com que pessoas de uma mesma família encontrem trabalho em lugares totalmente diferentes e muitas vezes distantes.  Por outro lado, os efeitos que estimulam a transformação da morfologia da organização urbana pela localização das atividades são mais complexos, já que há uma forte resistência ao movimento centrífugo em alguns locais, o que provoca, principalmente, a dissociação e distanciamento entre habitação e atividade. A dinâmica descrita, apesar de trazer alguns elementos específicos da realidade francesa (como a periurbanização), mostra processos bem gerais que se aplicam à realidade das cidades brasileiras e que provocam transformação da organização urbana. No caso brasileiro, podemos identificar outros elementos, como a criação de condomínios fechados e distantes para classes médias e altas, os alphavilles (deliberadamente grafado com letra minúscula, nome comum e não nome próprio) que se associa aos processos de segregação que serão destacados neste capítulo, fundamentais na formação das isotopias que inspiram a proposição de análise da cidade aos pedaços. A segregação é tema recorrente nas reflexões de Flávio Villaça, que identifica nas cidades brasileiras as estratégias das classes de alta renda na ocupação urbana em áreas de melhor localização e maiores atrativos e a sua autossegregação. Villaça identifica que, desde a segunda metade do século XIX, ―as classes de mais alta renda começaram a exibir um processo de segregação que segue, até hoje, a mesma tendência. Em todas elas, sem exceção, a tendência é dessas classes se segregarem em uma mesma região geral da cidade (VILLAÇA, 1997, p. 1377). Essas formas de segregação decorrentes de uma expansão urbana baseada nos enclaves fortificados identificados por Caldeira (1997) como locais em que é difícil manter princípios básicos de livre circulação e abertura dos espaços públicos, estão diretamente relacionadas com o padrão de mobilidade adotado pelas grandes cidades brasileiras. Na reflexão sobre o papel dos transportes na produção do espaço urbano, parte-se da premissa que o modo de produção das metrópoles contemporâneas (pós-modernas) além de levar a espaços fragmentados, segregados social e culturalmente, apresenta forte relação com o modo de transporte predominante: o carro nos espaços segregados de alta renda e o modo a pé nas favelas localizadas próximas aos centros. O capítulo se desdobrará em quatro temas, sendo o primeiro, a discussão sobre a (falsa) superação das barreiras espaciais e a relação 100 entre os mecanismos de localização e de mobilidade e o segundo sobre as distâncias entre os lugares de copresença, discutindo o próximo e o distante. Em seguida, apresenta-se a escolha dos pedaços como escala para olhar para a cidade e, ao final, destaca os fatores de formação e conformação desses pedaços como isotopias e heterotopias urbanas. 2.2 DESMISTIFICANDO A TÉCNICA: A (FALSA) SUPERAÇÃO DAS BARREIRAS ESPAÇOTEMPORAIS NA CIDADE É comumente aceita a constatação geral de que a velocidade dos transportes e das comunicações superaram as barreiras espaçotemporais. Harvey constata essa queda das barreiras espaciais e afirma que ela reforçou, paradoxalmente, o significado do que o espaço contém já que as qualidades do lugar tornaram-se mais significantes nas últimas décadas, explicando essa superação: Muitas, senão todas, ondas de inovação que têm moldado o mundo desde o século dezesseis são baseadas em revoluções no transporte e nas comunicações, a saber: os canais e pontes do início do século dezenove; a estrada de ferro, o navio a vapor e o telégrafo dos meados daquele século; os sistemas de transporte de massa do final do mesmo século; o automóvel, o rádio e o telefone do início do século vinte; o avião a jato e a televisão dos anos cinquenta e sessenta; e a recente revolução em telecomunicações. Cada grupo de inovações significou uma mudança radical na maneira de se organizar o espaço, deixando, portanto, marcas muito distintas no palimpsesto urbano. (HARVEY, 1995, s/p). Não há dúvidas quanto à evolução das tecnologias de comunicação que pulverizaram as distâncias e os tempos ao permitir e difundir a possibilidade de comunicação instantânea pela transmissão via satélite, pelos avanços na telefonia e pela internet que permitem ouvir e ver o que se passa em (quase) qualquer lugar do mundo praticamente ao mesmo instante. A possibilidade de troca de informações, textos e mensagens associada à ampliação de acesso aos equipamentos necessários para essa comunicação (rádios, televisões, telefones, computadores e celulares que têm a possibilidade de ser todos os outros no mesmo aparelho) permitem à parcela da população mundial com acesso a esses recursos a possibilidade da sensação de estar em qualquer lugar a qualquer hora. Para essas pessoas, não existem mais barreiras na velocidade da comunicação - esse “transporte do pensamento” nos termos de Jean Ollivro (OLLIVRO, 2000, p. 25). 101 Por sua vez, a evolução dos transportes aéreos e de superfície de longa distância (com os jatos, trens de grande velocidade, automóveis associados a autoestradas) se deu de forma bem menos sensacional, e para uma parcela bem menor da população, mas mesmo assim, aumentou significativamente as velocidades e reduziu os tempos em que podemos deslocar nossos corpos para esses outros lugares, mas ainda precisamos de algumas horas de nossos dias para chegar aos destinos mais distantes. Se é evidente que a tecnologia das comunicações conseguiu aniquilar as barreiras espaçotemporais, os transportes “apenas” encolheram as distâncias do mundo, como mostra Harvey em uma imagem bem conhecida apresentada na Figura 10. Figura 10 – O encolhimento do mapa do mundo graças a inovações nos transportes. Fonte: Harvey, 2006, p. 220. 102 Também é evidente que as tecnologias de comunicação estão, muitas vezes, substituindo as necessidades de transporte, como é o caso das webconferências, webreuniões, webcursos. Mas existe uma questão fundamental que diferencia comunicação e transportes e que impede que a comunicação substitua os transportes em sua totalidade: a necessidade de transportar seu próprio corpo para algumas atividades que exigem a copresença. Quando queremos ou precisamos de nossos corpos nesses outros lugares, recorremos aos transportes. Mas mesmo essa diferença tende a diminuir com algumas novas possibilidades tecnológicas que permitem a reconstituição de um corpo virtual (hologramas) ou robótico (caso das cirurgias realizadas à distância), em local distante. Mas além dessa diferença fundamental entre comunicações (“transporte do pensamento”) e transportes (“transporte do corpo”) e das constatações de Harvey - também reforçadas por Jean Ollivro e outros autores - do encolhimento das distâncias pela velocidade, outra questão deve ser colocada ao se pensar na mobilidade urbana: será verdade que houve uma superação dessas barreiras espaçotemporais no espaço urbano? Não há dúvidas de que essa superação foi tentada – e parcialmente obtida – no período que Harvey (2006, p. 121) e outros autores denominam Fordismo, cuja “forma corporativa de organização de negócios” pode ser considerada uma evolução do que tinha sido aperfeiçoada pelas estradas de ferro ao longo do século XIX: que contribuía para a promoção da expansão das fronteiras e criação de novas cidades, como forma de viabilizar e tornar rentável a própria ferrovia. É a identificação do potencial do automóvel como solução “perfeita” para a realização dos deslocamentos individuais e do seu imenso potencial de venda (em massa), uma das principais molas impulsionadoras do modelo de produção fabril de Ford e posteriormente no modelo de produção de cidade/espaço fordista. Claro que a inovação de Ford não foi o produto automóvel, mas sua linha automática de montagem e, principalmente, no que Harvey denomina “sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia (...)”, ou seja, o objeto-rei ou objeto-total da análise de Lefebvre (1991, p. 110). No entanto, paradoxalmente, essa queda de barreiras foi um dos motivadores da ampliação das distâncias na cidade, o que dificultou imensamente os modos não motorizados, prejudicados ainda mais pelo alargamento das pistas e faixas de circulação e suprimento de calçadas e passeios. O 103 transporte coletivo para atendimento de locais mais distantes tornou-se mais caro e a ampliação das vias estimulou o uso do automóvel para a população que dispunha de carro, como já foi visto na Figura 1 e Figura 4. Ao longo de toda a descrição de Harvey sobre a consolidação do Fordismo como sistema econômico dominante, percebe-se ecos da transição urbana (pontuada por Wiel da cidade pedestre para a cidade motorizada), através da importância da criação de novos espaços, especialmente das cidades, pensados e preparados para o automóvel. Neste sentido, pode-se considerar um casamento perfeito entre o Fordismo e a concepção modernista de cidade funcional, como por exemplo, quando Harvey (2006, p. 122) aponta: “a suburbanização e desconcentração da população e da indústria [...], implícitas na concepção modernista de [Frank Lloyd] Wright, [...] se tornaria o principal elemento de estímulo da demanda efetiva pelos produtos de Ford no longo período de expansão do pós-guerra a partir de 1945.” Segundo Harvey (2006, p. 129-131), o sistema do capitalismo fordista se associou ao modelo de Estado keynesiano que assumiu uma variedade de obrigações que foram além de garantir as “condições de demanda relativamente estáveis”, e controlar ciclos econômicos com políticas fiscais e monetárias no período pós-guerra; coube ao Estado o investimento público em setores como o transporte e equipamentos públicos, vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa, associados a benefícios sociais como seguridade social, assistência médica, educação, etc. Logo, o fordismo deve ser entendido como “modo de vida total” que se apoiou na estética e na funcionalidade do modernismo e lhes serviu de apoio. Ou seja, o próprio Estado keynesiano de bem-estar social regulava a ocupação urbana e fornecia os “bens de consumo coletivos”, incluindo sistema viário e transportes, seguindo um paradigma de produção de espaço totalmente comprometido com o paradigma de deslocamentos que tinha o automóvel como símbolo máximo de aspiração. Na década de 1960, Harvey identifica “correntes de oposição” que formam um forte movimento político-cultural, no mesmo momento em que o fordismo como sistema econômico parecia estar no apogeu, e atribui a esse movimento crítico uma importância para a formação do novo sistema (acumulação flexível) que começa na virada para a década de 1980. Uma dessas correntes é puxada por Jane Jacobs, que em seu livro “Morte e Vida das 104 Grandes Cidades Americanas”, publicado pela primeira vez em 1961, dedica um capítulo à defesa da redução dos automóveis onde faz uma lúcida e premonitória constatação: As artérias viárias, junto com estacionamentos, postos de gasolina e drive- ins, são instrumentos de destruição urbana poderosos e persistentes. Para lhes dar lugar, ruas são destruídas e transformadas em espaços imprecisos, sem sentido e vazios para qualquer pessoa a pé. [...] E nós culpamos os automóveis por tudo isso. (JACOBS, 2009, p. 377). De forma irônica (ou até sarcástica), Jacobs conclui o capítulo de sua defesa por uma cidade humanizada que respeite pedestres e sua crítica à cidade modernista fazendo a conexão com o fordismo (ou seria um generalmotorismo?). E se fracassássemos em deter a erosão das cidades pelos automóveis? [...] Nessa situação, nós americanos, nem precisaríamos refletir sobre um mistério que aflige o homem há milênios: Qual o sentido da vida? Para nós, a resposta será clara, definida e para todos os efeitos indiscutível: O sentido da vida é produzir e consumir automóveis. Não é difícil entender que a produção e o consumo de automóveis sejam o sentido da vida para a diretoria da General Motors, ou o sejam para homens e mulheres muito envolvidos econômica e emocionalmente com essa ocupação. Se eles entendem assim, deveriam ser premiados, em vez de criticados, por essa notável combinação de filosofia e dever diário. É mais difícil entender, porém, porque a produção e o consumo de automóveis devam ser o sentido da vida deste país. (JACOBS, 2009, p. 412). Fica evidente que o “sentido da vida” do desabafo de Jacobs está intimamente associado ao “modo de vida total” materializado (e espacializado) pela perfeita sintonia entre produção fordista, Estado keynesiano e urbanismo modernista, mas com forte contribuição dos elementos de formação da cultura de massa em geral e da cultura do automóvel em particular, como na arquitetura, estética, publicidade, televisão e cinema. O grande paradoxo desse período fordista para os deslocamentos no espaço urbano foi que o resultado alcançado pelo aumento da velocidade não foi a redução dos tempos médios de deslocamento, mas o aumento do potencial de uso do espaço, através do espraiamento das cidades resultante dos processos já descritos anteriormente. Inicialmente, quem teve acesso à velocidade (pelo auto ou pelo transporte coletivo) e passou a gastar menos tempo, se permitiu ir mais longe, aumentando a extensão de seus deslocamentos. Mas com o crescimento de automóveis, as velocidades médias foram diminuindo em todos os modos motorizados (o transporte coletivo sendo a principal vítima do aumento de carros, por não 105 poder desviar dos itinerários estabelecidos) e passou-se a gastar (ou perder) a cada dia mais tempo nos deslocamentos diários nas cidades brasileiras. A partir do final dos anos 1970, como reflexo da crise capitalista da economia mundial, e consequentemente da brasileira, começa o período que Harvey denomina de acumulação flexível - um contraponto direto com a rigidez do fordismo - que se apoiou na flexibilidade dos processos e mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Envolve um movimento de “compressão do espaço-tempo”, onde, no mundo capitalista, tempos e decisões se estreitam com a difusão imediata dessas decisões num espaço cada vez mais amplo e variegado (HARVEY, 2006, p. 140). Não por acaso, de forma similar ao fordismo, esse novo sistema econômico está intimamente associado às condições de transporte e mobilidade. A flexibilidade causa mais mobilidade e a possibilidade de mais mobilidade causa mais flexibilidade. Um exemplo dessa relação quase dialética entre flexibilidade e mobilidade pode ser a comparação entre a urbanização decorrente da implantação das grandes fábricas até meados do século XX, período fordista, em que se produzia o espaço da reprodução com a habitação e outros bens de consumo coletivo fornecidos pelas próprias fábricas, pelo Estado ou por ambos, através de uma cidade próxima ao local de produção. Já os empreendimentos do capitalismo de acumulação flexível, em empreendimentos a partir da década de 1970, utiliza da contratação de serviços de transporte (inicialmente fretado) para trazer os trabalhadores de outros locais, evitando custos de urbanização. Um exemplo comparativo é analisado por Costa (2000), mostrando a diferença entre a urbanização de Ipatinga, em Minas Gerais, na época da instalação da Usiminas, nos anos 1950, e o modelo de ocupação e expansão urbana decorrente da instalação da empresa CENIBRA (que começa a operar em 1977), em Belo Oriente – MG, no mesmo Vale do Aço, dependente do transporte fretado de funcionários. Outro indício desta relação direta entre flexibilidade e mobilidade é o sistema de produção just-in-time - que reduz estoques e aumenta o tempo de giro - exige aceleração na troca e no consumo, e na circulação e entrega de mercadorias, com mais mobilidade de bens proporcionado pela implantação de “sistemas aperfeiçoados de comunicação e de fluxo de informações, associados com racionalizações nas técnicas de distribuição [...].” (HARVEY, 2006, p. 257). 106 Se a primeira evidente constatação das transformações do final do século XX foi a ampliação da mobilidade (deslocamentos de pessoas e bens), essa ampliação seguiu a mesma tendência fordista de aumento proporcional do uso do transporte individual motorizado, ou seja, pode- se considerar que houve a permanência do paradigma de mobilidade urbana fordista no novo capitalismo de acumulação flexível (pelo menos na realidade das cidades brasileiras) e para comprovar essa constatação, apresentam-se alguns argumentos utilizados pela Associação Nacional de Transporte Público em texto intitulado “Os Desafios da Mobilidade Urbana – Contribuição para o Debate Eleitoral de 2010”, resultado de amplo debate interno na associação e entregue a partidos e candidatos durante o processo eleitoral da época. O documento apresentou cinco grupos de propostas para a busca de um desenvolvimento urbano ambientalmente saudável e sustentável econômica e socialmente, em que se destaca a defesa da mobilidade urbana “como vetor do desenvolvimento econômico” e “como fator de desenvolvimento urbano e regional.” O texto considera que o “transporte urbano deve ser considerado como um elemento estrutural da macroeconomia e vetor do desenvolvimento econômico” e faz a identificação de algumas das consequências atuais do modelo: “Os desperdícios de tempo e de energia nos congestionamentos urbanos, assim como os impactos ambientais e de saúde pública do uso crescente dos meios motorizados movidos a combustível fóssil, são alguns dos principais gargalos para o desenvolvimento econômico e social do país.” Essas causas estão associadas ao sistema fordista: Esta situação é fruto de um conjunto de políticas implantado no país, mais intensamente a partir da segunda metade do século XX, que privilegiam o transporte individual nos investimentos e praticamente abandonam os sistemas de transporte público. O esgotamento deste modelo compromete hoje a eficiência econômica, a sustentabilidade ambiental das cidades e agrava a exclusão social de grande parte da população brasileira. [...] o crescimento das cidades brasileiras passou a ser orientado pelo e para o transporte motorizado rodoviário, estimulando a expansão urbana horizontal. [...] A urbanização periférica, sem uma distribuição equilibrada das atividades produtoras (moradia) e atratoras (principalmente empregos) de demanda, aumentou a dependência do transporte motorizado para distâncias cada vez maiores, tornando as viagens mais longas e demoradas, reduzindo as velocidades e aumentando os seus custos, entre eles as tarifas do transporte coletivo (ANTP, 2010, p. 1-2). Logo, a superação de barreiras espaçotemporais é motivada muito mais pela tecnologia de informação e comunicação, que passa efetivamente por uma revolução ainda em curso, que 107 pela tecnologia de transporte que contribui apenas parcialmente para superação de algumas grandes distâncias, mas, no caso da mobilidade urbana, não se constata essa superação das barreiras apenas pelas ações de uso e ocupação do solo. Além dessa falsa superação das barreiras espaçotemporais, é importante tentar entender os motivos que impediram que a velocidade propiciada pelos modos motorizados, no período de acumulação flexível, ao invés de superar as barreiras espaçotemporais, ampliaram-nas. Uma possível justificativa para essa constatação é a inércia cultural das opções fordistas, ou seja, a continuidade (e até aceleração) da opção pelo automóvel em todo o mundo urbano. Essa inércia é principalmente justificada pela forte incorporação da cultura do automóvel no modo de vida total, formando técnicos e consumidores de várias gerações de forma absolutamente hegemônica. No que se refere especificamente aos aspectos da cultura do automóvel, é nítido e claro o papel da propaganda e dos meios de comunicação de massa, principalmente a televisão e o cinema americano. A Figura 11 mostra algumas propagandas brasileiras das décadas de 1950 e 1960, que associam status, glamour e virilidade ao desejo de consumo dos automóveis da época. Figura 11 – Imagens de propagandas de automóvel das décadas de 1950 e 1960. Fontes: Romi Isetta (1957) http://abandonadoblog.blogspot.com.br/2011/10/propagandas-romi-isetta- 1957.html; Aero Willys http://vivaoantigo.blogspot.com.br/2010/10/em-homenagem-aos-anos-50-tambem- aero.html; Opala http://memoriasoswaldohernandez.blogspot.com.br/2012/10/propaganda-de-carros-e- caminhoes-anos.html. 108 Atuando de forma isolada ou conjunta (por exemplo, ao assistir na televisão a um filme americano com perseguições automobilísticas, entremeado de propagandas de automóveis que prometem liberdade e jovialidade), esses elementos atuaram no primeiro mundo (de forma explícita ou subliminar) desde o pós-guerra, e, no Brasil, desde fins da década de 1950. É muito forte a relação entre a história da indústria automobilística no Brasil, o auge do desenvolvimentismo e a própria publicidade, poderosa ferramenta amplamente utilizada para vender status, sucesso, virilidade e charme na forma de automóveis. Essa influência continua talvez mais forte ainda nos dias de hoje, com a diversidade de públicos atingidos, como mostra na Figura 12, propagandas direcionadas para crianças e jovens. Figura 12 – Imagens de propagandas de automóvel recentes. Fontes: Vectra 2011 http://www.saiudagaragem.com.br/2010/07/chevrolet-vectra-2011-bonequinho.html; Vectra GT Remix http://brunabites.com/tags/jogo/. No dia internacional da mulher de 2010, a Volkswagen fez uma publicidade com “conselhos” para os homens entenderem um pouco mais a alma da mulher e é finalizado como uma “homenagem da Volkswagen à sofisticada engenharia feminina.” A indústria automobilística também está tentando incorporar o discurso ambientalista em suas campanhas publicitárias, com objetivo de tentar convencer que está comprometida com o meio ambiente e que o próprio automóvel é um meio de transporte ecológico, como pode ser visto na propaganda 109 da Chevrolet29, lançada 2008, que “se posicionou” sobre o meio ambiente, apresentada na Figura 13. Figura 13 – Propaganda da Volks para mulheres e da Chevrolet com temática ambiental. Fonte: Volkswagem Dia Internacional da mulher http://www.vwbr.com.br/BlogdaVolkswagen/author/Propaganda.aspx?page=3, http://www.noticiasautomotivas.com.br/chevrolet-campanha-reinventamos-caminhos-e-o-joguinho- formigator/. 29 O filme de reposicionamento da Chevrolet teve objetivo de “incentivar formas conscientes de utilização do automóvel” e “estimular os consumidores brasileiros a adotarem uma nova postura.” O diretor de Marketing declara que a campanha publicitária reflete a preocupação com a qualidade de vida da população e com o prazer de dirigir, já que “na medida do possível [grifo nosso] acreditamos que os consumidores possam utilizar seus veículos de uma forma cada vez mais consciente, neste cenário atual de trânsito complicado nas grandes metrópoles.” Fonte: http://artedesign.wordpress.com/2008/07/31/ [acesso em 4/1/2013]. 110 Retomando a fala de Harvey sobre a superação das barreiras espaciais (HARVEY, 1995) e confrontando-a com a evolução tecnológica dos transportes, pode-se considerar outra explicação para a falsa superação dessas barreiras no espaço urbano: a inexistência de uma revolução tecnológica dos transportes urbanos que acompanhasse a revolução das tecnologias de informação e comunicação do fim do século XX. Os automóveis circulam com as mesmas velocidades e com praticamente a mesma ineficiência energética e no uso do espaço desde meados do século XX. Se é verdade que se pode produzir motores que alcancem mais de 200 km/h, a velocidade dos veículos em áreas urbanas dificilmente ultrapassa os 60 km/h, com a agravante de que as condições de circulação provocam velocidades médias de menos de 30 km/h, chegando a valores próximos à velocidade a pé (entre 4 e 5 km/h) em áreas centrais congestionadas. Apesar de muitos projetos de veículos urbanos mais eficientes energeticamente e que poderiam utilizar menos espaços públicos, o automóvel continua pesando quase uma tonelada para transportar menos de 150 kg (menos de duas pessoas em média), e o padrão de faixa de circulação de veículo é mantido entre 3 e 3,5 m há muitas décadas. Da mesma forma, a tecnologia do transporte coletivo urbano mais eficiente continua sendo o metrô utilizado desde final do século XIX, e nem mesmo existe para uso urbano algo similar ao trem de alta velocidade ou trem-bala. A grande “novidade” neste setor é o uso do ônibus com maior eficiência através de corredores do tipo BRT, que apenas aproximam seu desempenho ao do metrô, com a vantagem de ser mais barato e flexível, porém com algumas desvantagens. Para eficiência energética no uso do espaço urbano, as “novidades” são “velhos” modos de transporte: motocicleta, bicicleta e andar a pé. A moto se tornou uma alternativa mais rápida e barata que o automóvel, porém com grande risco de acidentes e ainda muito poluente, mas popularizada intensamente nos últimos anos. Andar a pé, por sua vez, apesar de seu potencial ambiental e de promoção da saúde, não pode ser considerado como fator de superação de barreiras espaço-tempo. Nem mesmo a bicicleta, enaltecida por Ivan Illich (2004, p. 63) como a máquina que dotou o ser humano de eficiência, pois “tornou possível que o movimento do corpo humano ultrapassasse uma última barreira”, permitindo “aproveitar a energia metabólica disponível e acelerar a locomoção até seu limite teórico”, já que “o ciclista é três ou quatro vezes mais veloz que o pedestre, gastando ao todo cinco vezes menos calorias por quilômetro que este.” 111 [...] as bicicletas custam pouco. Com uma fração das horas de trabalho necessárias ao gringo para comprar seu carro, o chinês, ganhando um salário muito menor, compra sua bicicleta, que dura toda a vida, ao passo que o carro, quanto mais barato, mais rapidamente será necessário trocá-lo. O mesmo se pode dizer a respeito das estradas. Para que um maior número de cidadãos possa chegar às suas casas de carro, mais o território nacional é corroído. Inevitavelmente o carro está ligado à estrada, diferentemente da bicicleta. Onde não pode ir montado nela, o ciclista a empurra. O raio diário de trajetos aumenta para todos igualmente, sem que por isso diminua para o ciclista a intensidade do acesso. O ser humano com bicicleta se converte em dono dos seus próprios movimentos, sem estorvar o vizinho. Se existe alguém que ache que em matéria de circulação é possível conseguir algo melhor, essa é a hora de provar. A bicicleta é uma invenção da mesma geração que criou o veículo a motor, porém as duas invenções são símbolos de avanços feitos em direções opostas pelo homem moderno. A bicicleta permite a cada um controlar o gasto da sua própria energia. O veículo a motor inevitavelmente torna os usuários rivais entre si pela energia, pelo espaço e pelo tempo. (ILLICH, 2004, p. 64). Não cabe aqui aprofundar os interesses (e falta de interesse) na manutenção dos limites tecnológicos, mas sim que essa revolução tecnológica dos transportes continua restrita a filmes e desenhos de ficção científica. Os filmes Blade Runner, de Ridley Scott e “O Quinto Elemento” de Luc Besson – apresentados na Figura 14, são exemplos dessa pós-modernidade e nos levam a pensar sobre as transformações nos espaços públicos e nos transportes. A cidade ficcional do filme de Scott apresenta um espaço inferior de ruas caóticas, ambientalmente degradadas, cheias de uma população excluída e andando a pé. Acima dessas cenas de caos e decadência, há um mundo de alta tecnologia de velozes transportadores onde há de fato a superação das barreiras com a utilização de veículos aéreos, multiplicando novos espaços viários. Situação semelhante e mais radical ainda pode ser vista no filme de Besson, onde o personagem de Bruce Willis é um taxista do futuro circulando por um sistema viário em inúmeras camadas e um veículo com várias tecnologias embarcadas (destaca-se um computador interativo, que além de monitorar o desempenho do veículo, controla o próprio motorista e os outros veículos em movimento) capaz de dar segurança e multiplicar a capacidade do transporte individual. 112 Figura 14 – Imagens dos filmes Blade runner, de Ridley Scott (acima) e O quinto elemento de Luc Besson (abaixo). Fonte: http://dooutroladodatela.com.br/wp-content/uploads/2015/03/Blade-Runner-o-Ca%C3%A7ador-de- Andr%C3%B3ides-2.jpg; http://www.sciencefiction.com.br/wp-content/uploads/blade_runner_pic1.jpg; http://socialmediaweek.org/copenhagen/files/2014/01/future-movies.jpg; http://images.adsttc.com/media/images/5359/6bb9/c07a/8078/3a00/0002/medium/02.png?1398369200. Por enquanto, apenas na ficção científica e no imaginário das gerações que cresceram assistindo Os Jetsons é que essas barreiras puderam ser superadas, apesar da tentativa em algumas cidades de uso do espaço aéreo, como vem acontecendo em São Paulo, considerada a cidade com a maior frota de helicópteros do mundo (mais de 400 unidades circulando diariamente), não por acaso descrita pelo Jornal The Guardian como transformada em “um episódio sul-americano real” de Os Jetsons30, como ilustra comparativamente a Figura 15. 30 Fonte: http://www.theguardian.com/world/2008/jun/20/brazil, publicado em 2008 e acesso em 12 de setembro de 2014. 113 Figura 15 – Imagens do desenho “Os Jetsons” e de helicópteros sobrevoando São Paulo. Fontes: http://moraisvinna.blogspot.com.br/2008/06/so-paulo-cidade-dos-jetsons.html e http://www.visitesaopaulo.com/dados-da-cidade.asp 2.3 DISTÂNCIAS E VELOCIDADES: PROXIMIDADE ENTRE ESPAÇO, TEMPO E CORPO A distância não é apenas uma medida de espaço, mas também de tempo, de um tempo como raio de operação. A avaliação do grau de proximidade deve considerar a capacidade de percorrer o espaço no tempo, ou seja, a velocidade disponível, mas é primordial entender que, apesar da velocidade propiciar “ganhar tempo” (por permitir percorrer mais espaço em menor tempo), o contínuo aumento das velocidades na cidade não resultou em menores tempos médios de deslocamentos; ao contrário, permitiu muito mais “ganhar espaço” e, sistematicamente, “perder tempo”. Além disso, como constata Ivan Illich em célebre texto dos anos 1970 (Energia e equidade), como esse ganho de tempo proporcionado pela velocidade é sempre pago, “a equidade e a velocidade na locomoção tendem a ser inversamente proporcionais” (ILLICH, 2004, p. 49). Wiel (2002, p. 32-35) apresenta e confirma a constatação da estabilidade dos tempos médios de deslocamentos ao longo dos anos na realidade francesa, também confirmada por Orfeuil (2005, p. 5). A explicação de Wiel é que as pessoas sempre procuram maximizar suas relações sociais e que ganhos de tempo em deslocamentos são rapidamente ocupados com mais atividade e, consequentemente, mais deslocamentos. Guarda-se uma proporcionalidade entre tempo da atividade e sua contrapartida em termos de mobilidade, mais precisamente sua componente temporal, sendo de 10% na França (WIEL, 2002, p. 33; 39, tradução nossa). 114 Se a técnica superando barreiras de distância e tempo nas cidades foi um mito, uma ilusão da sociedade fordista moderna e modernista, a velocidade ainda é o fetiche e a meta da cidade motorizada, mesmo que apenas praticada nos espaços públicos em condições ideais, sem outros carros para “atrapalhar”. O desafio atual é superar as marcas da “erosão” e reverter a inércia desse paradigma de cidade rápida e distante, evidenciando a importância de se olhar a cidade próxima e lenta, que deverá conviver com a cidade rápida que a sufoca. Antes de entrar no debate dessa cidade de proximidade, por muitos desejada, deve-se pensar no sujeito em deslocamento, seu corpo e suas decisões. Na citação de abertura deste capítulo, Marc Wiel apresenta os motes dos dois mecanismos fundamentais e recíprocos que associam a mobilidade à cidade: (1) avaliações das famílias e das empresas para se localizar na cidade; (2) avaliações das famílias e das empresas para organizar sua mobilidade. Nenhum desses mecanismos de avaliação e decisão (de localização e de mobilidade) é rígido e definitivo e, apesar de possuírem temporalidades completamente diferentes, contemplam igualmente as possibilidades disponíveis e resultam em decisões e escolhas. Os mecanismos de mobilidade (avaliações e decisões sobre os deslocamentos de um lugar a outro) são dinâmicos e os mecanismos de localização são tão lentos, que são normalmente considerados fixos, mas não é bem assim que acontece. Essa fixidez da localização é apenas relativa, pois é “consequência do fato que um estabelecimento urbano não pode se deslocalizar facilmente e que sua localização é pensada para uma multiplicidade de pessoas diferentes (localizadas diferentemente)” (WIEL, 2005, p. 1, tradução nossa), propiciando um dinamismo aos mecanismos de localização, ainda que seja um dinamismo lento. Outro destaque a ser feito é que quando se trata de mecanismos de localização, deve-se ter em conta que eles ocorrem em dois níveis: o dos estabelecimentos (empresas e instituições) e o das pessoas. Uma empresa, uma escola e a maior parte dos estabelecimentos comerciais, faz suas avaliações para decidir onde se instalar (localizar) e sua deslocalização, quando ocorre, é mais lenta e mais difícil que a deslocalização das pessoas que trabalham ou frequentam esses lugares. Essa deslocalização dos empregos, dos locais de estudo e do uso (comércio, serviço, lazer, equipamentos urbanos) de cada pessoa é mais dinâmica que a deslocalização da disponibilidade dessas oportunidades. Como já ficou evidenciado nos diversos processos apresentados anteriormente, apesar de muitas vezes serem tomados como “naturais”, esses complexos mecanismos de localização e 115 de mobilidade são influenciados por inúmeros fatores econômicos, sociais e regulatórios (e portanto, urbanos). Mas o que interessa aqui é destacar o momento final desses mecanismos, onde há uma decisão tomada e uma escolha (com mais ou menos opções). Sem querer tirar a relevância dos fatores que induzem as decisões - ou as restringem -, serão sempre as pessoas (sujeitos) que irão tomar decisões de onde morar, onde trabalhar, onde comprar e como se deslocar; sendo, da mesma forma, pessoas (sujeitos) que decidirão onde as empresas e instituições serão localizadas. A ideia de escolha parece levar a questão para um lugar oposto ao da economia política (utilizada como referência principal ao longo da tese), que é o campo da microeconomia. Para a microeconomia, há sempre uma hipótese de que as pessoas realizam “escolhas ótimas” em função de fatores de oferta e de demanda, onde o preço entra como uma variável importante para a tomada de decisão. Cobrar pelo uso da via (como, por exemplo, a taxa de congestionamento de Londres) é solução típica de regulação pelo preço e que afeta as escolhas racionais das pessoas. Obviamente que ao se tratar de mobilidade urbana, inúmeros outros fatores são levados em conta, como ficou evidente ao longo dos temas já apresentados. Vasconcellos (2012, p. 49-54) aponta os fatores que mais interagem nas decisões de como as pessoas organizam seus deslocamentos: fatores pessoais, idade, renda, escolaridade e gênero; fatores familiares, estágio do ciclo de vida, posse de automóvel; fatores externos, oferta de transporte público e seu custo, custo de usar o automóvel, localização dos destinos desejados, e hora de funcionamento dos destinos desejados. Mas essa aparente contradição entre o entendimento pela macroeconomia e a solução pela microeconomia tem que ser enfrentada, pois é uma realidade imposta pela própria sociedade capitalista. É quase uma nova dimensão a ser avaliada, além do espaço-tempo-corpo, o econômico, mas que será tratada como uma questão ligada ao corpo, aos sujeitos que tomam decisões, algumas delas também pelo custo. Feita a ressalva, destaca-se que esses dois mecanismos de arbitragem funcionam de forma inter-relacionada, formando um sistema. Para Wiel, mobilidade é conexão entre os lugares de copresença (todos os lugares onde se realizam atividades humanas: moradia, trabalho, lazer, comércio, estudos, etc.), expressa através de um investimento (em tempo, em dinheiro e em conforto) que torna possível uma interação social, Wiel propõe um esquema que tenta explicar as decisões de localização (dos lugares de copresença) e de deslocamento (entre esses lugares), apresentado na Figura 16. 116 Figura 16 – Esquema de arbitragens da mobilidade. Fonte: Elaboração própria a partir de Wiel, 2005, p. 13, tradução nossa. C O N TE X TO D EM O G R Á FI C O FATORES DE ATITUDES INSTÂNCIAS DE DECISÃO INSTITUIÇÕES EMPRESAS REDE SOCIAL E FAMILIAR VALORES sociais e culturais RECURSOS financeiros e temporais APTIDÕES físicas e intelectuais As decisões gerais criam as CONDIÇÕES DE MOBILIDADE e as CONDIÇÕES DE REGULAÇÃO urbana e do território As decisões dos atores sobre a LOCALIZAÇÃO dos lugares de copresença As decisões das pessoas para efetuar as INTERAÇÕES SOCIAIS As decisões de MOBILIDADE das pessoas 117 Neste esquema, o contexto demográfico – que parece contemplar o social além dos aspectos puramente demográficos (idade, gênero, escolaridade) – é um pano de fundo, tendo de um lado (no alto) as instâncias de decisão (instituições, empresas e famílias) e de outro (abaixo) os fatores que induzem atitudes (valores, recursos e atitudes). Os quatro quadros centrais representam a cadeia de decisões, começando nas decisões de organização da sociedade e chegando à decisão do indivíduo. O primeiro nível refere-se às decisões de natureza política que definem o contexto das condições de mobilidade de regulação, passando para um segundo nível específico das decisões de localização, seguido pelas decisões sobre as interações sociais e, por fim, as decisões de mobilidade (destinos, modos, horários, etc.). Evidentemente que as condições de mobilidade e regulação são decorrência direta do planejamento e regulação do uso e ocupação do solo urbano, que afeta o potencial de uso de cada território urbano, mas também estão associados aos efeitos da espiral de transformação da cidade pelas novas condições da mobilidade urbana, já apresentados na Figura 9, reforçando o caráter dialético dessa relação. Em função da leitura e avaliação dessas condições, os atores econômicos (famílias, empresas e instituições) levando em consideração seus fatores de atitude (valores, recursos e aptidões) decidem se instalar em um lugar particular e, mesmo que não explicitamente, também decidem se permanecem nesse determinado lugar. Mas essa localização é afetada pelas decisões potenciais de interação social e de mobilidade que se fazem mais cotidianamente. Uma mudança significativa das condições em qualquer dos quatro níveis de decisão apresentados no esquema, pode levar à mudança da decisão do outro nível, levando ou à deslocalização (e relocalização) ou à mudança da avaliação sobre a mobilidade. O grau de interdependência depende das pessoas, dos contextos e dos tipos de interação. Esse esquema, como todo esquema, é uma simplificação da realidade, tentando decifrar os bastidores dos processos de arbitragem, “momento final desses mecanismos”, quando há uma decisão feita pelas pessoas, aproximando a discussão da dimensão do corpo, esse corpo em deslocamento na cidade, que pode ser ao mesmo tempo (ou em tempos sucessivos) sujeito, indivíduo e pessoa. Por outro lado, permite a aproximação do debate sobre os 118 conceitos relativos à gestão da mobilidade (ou gestão da demanda)31 tendência recente nas políticas de mobilidade urbana que pretende induzir comportamentos (e decisões). Essa relação entre o sujeito, seu corpo e decisão do modo de transporte é uma possibilidade de transformação a partir de uma intencional modificação nos fatores que afetam as decisões pessoais (do sujeito sobre seu corpo), obviamente incluindo o tempo, o espaço. Durante muito tempo, ao se falar dos modos de transporte utilizados para realização de deslocamentos e viagens dentro da área urbana, se associava a liberdade a uma única opção individual: o carro. Ignorou-se que modos de transporte ativos (a pé e bicicleta), quando possíveis, traziam tanta - ou mais, por não depender de estacionamento - liberdade quanto o carro. Obviamente, essa opção de liberdade motorizada sempre foi fortemente influenciada por um processo baseado no consumo oriundo da atuação da indústria automobilística, influência abordada apenas indiretamente nesta pesquisa, pois o que se pretende destacar é a recente e crescente associação do uso dos modos ao seu impacto na área urbana e a percepção da influência dessas decisões individuais na apropriação coletiva dos espaços públicos, raridade destinada, em grande parte, à circulação de veículos. Para a construção de políticas públicas de mobilidade urbana, é fundamental considerar que as pessoas realizam decisões diárias sobre o modo de transporte que utilizam para se deslocar; ou seja, que as pessoas realizam uma escolha modal. Os estudos das práticas de deslocamento indicam que a resposta dos usuários potenciais a um modo de transporte é muito heterogênea e depende de fatores sociológicos, que estão distantes dos aspectos geralmente considerados nos estudos e modelos de escolha modal. Um dos desafios para os planejadores e gestores urbanos é entender melhor os diversos fatores que interferem na decisão das pessoas por determinado modo de transporte. A mobilidade é um fenômeno comportamental, com pessoas tomando decisões, e exige estratégias e instrumentos que induzam comportamentos em sintonia com uma política de transporte sustentável, que pense no futuro, que estipule objetivos e prioridades claras para o setor. Entender o comportamento e as motivações dos tipos de usuários é condição 31 O mesmo conceito é apresentado também por outras denominações, como gestão ou gerenciamento da demanda. Em inglês, é utilizado o termo mobility management. 119 imprescindível para se construir políticas eficazes. Essa compreensão modifica a ideia de que todos os usuários tomam decisões racionais, demonstrando a necessidade de uma gestão da mobilidade mais consciente e eficaz, para garantir cidades sustentáveis. A abordagem mais atual da escolha modal do modo de transporte considera uma série de impactos, como o consumo de espaços públicos por passageiro. A diferença de capacidade entre um automóvel e um ônibus foi levada ao extremo na década de 1970 e 1980, com os automóveis transportando 1 a 2 passageiros (cerca de um quarto da capacidade) e os ônibus com mais de 90 pessoas (superando sua capacidade). Atualmente, a relação que se faz é de que cada pessoa transportada em um carro consome seis vezes mais espaços públicos que uma pessoa no ônibus (VASCONCELLOS, 2012, p. 208). Em suma, passou-se do questionamento da qualidade (ainda não totalmente superado nos horários de pico) para o questionamento do impacto ambiental. Políticas pautadas na sustentabilidade apontam os modos não motorizados e coletivos como prioritários e o modo individual motorizado a ser controlado. Espera-se aumentar a demanda do transporte coletivo, mas a experiência tem mostrado que melhorias na oferta global dos transportes coletivos urbanos provocam apenas um efeito marginal e decepcionante se não estiverem integradas a ações que interfiram nas necessidades e desejos de deslocamentos. Um esquema adotado internacionalmente 32 , e que dialoga diretamente com o fluxo de arbitragem apresentado, é a metodologia A-S-I (avoid – shift – improve; evitar – trocar – melhorar), que têm como objetivos:  Avoid (evitar ou reduzir): evitar o uso desnecessário do carro, através da integração do planejamento de uso e ocupação do solo com a gestão da demanda de viagens; as necessidades de viagens podem se reduzir e os deslocamentos podem encurtar;  Shift (trocar ou manter): mudar para modos de transporte mais eficientes, como o transporte coletivo, bicicletas e trajetos a pé, fornecendo infraestrutura e programas 32 Essa abordagem ASI foi desenvolvida inicialmente por Holger Dalkmann and Charlotte Brannigan, em 2007, em material didático sobre transporte e mudança climática (5º módulo do Sourcebook Transport and Climate Change, disponível em http://www.sutp.org) para o GIZ - Deutsche Gessellschaft für Internationale Zusanmmenarbeit (Empresa Alemã para Cooperação Internacional) e, depois, adotada por ONGs e instituições de fomento de vários países. 120 de incentivo para modos coletivos e não-motorizados, com intuito de manter as viagens atuais e atrair novas;  Improve (melhorar): melhorar as tecnologias existentes, potencializando os efeitos de sustentabilidade, refere-se a melhor eficiência energética e ambiental das tecnologias de transporte motorizados (motores e combustíveis). Essa ideia de gestão da mobilidade que busca eficiência do sistema, da viagem e do veículo, tem inspirado várias cidades na busca de mais resultados em manter/direcionar deslocamentos em transporte público e em modos não motorizados e desestimular/restringir deslocamentos em modos individuais motorizados. O projeto ELTIS33 (projeto europeu de plataforma de informações sobre mobilidade, em andamento) criou um portal sobre mobilidade urbana, onde a gestão da mobilidade é um dos temas que possui mais de quinhentos estudos de caso, e traz como definição: Gestão da mobilidade é a promoção do transporte sustentável e gerenciamento da demanda de uso do carro, alterando o comportamento e atitudes dos viajantes. No coração da gestão da mobilidade estão medidas “leves” (soft measures) como a informação e comunicação, serviços de organização e coordenação de atividades dos diferentes parceiros. Medidas leves frequentemente melhoraram a eficácia das medidas "duras" (hard measures) no transporte urbano. Medidas de gestão de mobilidade não necessariamente exigem grandes investimentos financeiros e podem ter uma alta relação de custo-benefício”34. Outros projetos europeus35 foram desenvolvidos tratando do estímulo a usos de transporte mais sustentável através do uso de ferramentas organizacionais, de informação e de sensibilização e analisando conceitos e estratégias adotadas em cidades europeias. A metodologia A-S-I destaca como as decisões (e escolhas) são tomadas na realização de uma viagem, começando pela decisão sobre onde se quer ir (ou até onde se pode ir), qual o melhor modo disponível (em função de oferta, preço, tempo, etc.) e qual veículo a se utilizar (questão 33 European Local Transport Information Service (Serviço Europeu de Informação sobre Transporte Local). 34 Fonte: http://www.eltis.org/, acesso em 8/1/2013, tradução nossa. 35 Projeto MOMENTUM - Mobility management for the urban Environment (Gestão de mobilidade para o ambiente urbano), desenvolvido com recursos do 4º Programa-quadro da União Europeia35 entre 1996 e 1999; e projeto MOSAIC - Mobility management applications in the community (Gestão da mobilidade aplicada na comunidade), desenvolvido em conjunto com o MOMENTUM e avaliando 13 cidades (Leicester no Reino Unido; Leuven e Namur na Bélgica; Graz na Áustria; Munster, Essen e Potsdam na Alemanha; Bolonha na Itália; Corfu na Grécia; Coimbra em Portugal; Zurique e Zug na Suíça; e Gotemburgo na Suécia). 121 mais específica à sustentabilidade interna das viagens motorizadas). Um esquema dessas decisões está mostrado na Figura 17. Figura 17 – Decisões associadas à metodologia avoid-shift-improve. Fonte: GIZ, s/d, p. 2, tradução e adaptação nossa. Ao considerar questões do corpo e da possibilidade de gestão feita a partir da demanda, ou seja, dos desejos e necessidades, é que se faz importante precisar os conceitos de pessoa, indivíduo e sujeito. Uma possível pista para diferenciar pessoa de indivíduo, em uma abordagem antropológica, é proposta por DaMatta; Vasconcellos; Pandolfi (2010, p. 40-41) que associa as pessoas à esfera da casa e os indivíduos à esfera da rua. Para esses autores, pessoas são entes e coisas dotados de alto valor simbólico, pois na casa, seres e coisas que ali estão são pessoas, jamais indivíduos, como ocorre na esfera da rua. DaMatta completa que “o conceito de pessoa é qualificado pelo seu pertencimento a um feixe vivo de relações sociais. A pessoa vai sempre além de si mesma. Ela projeta uma sombra nos espaços onde atua (ou anda, como falamos no Brasil) [...] a pessoa jamais está só, pois é sempre (às vezes, a despeito de si mesma) um conjunto de elos sociais ou de um grupo.” Há também uma associação entre Ponto de partida: Uma residência é produtora de viagens por diversos motivos 1ª decisão: Até onde você pode e quer ir? 2ª decisão: Qual modo de transporte você usará ou terá que usar? 3ª decisão: Que tipo de veículo você vai usar? Um bom planejamento da infraestrutura pode ajudar a reduzir necessidades de viagem. EVITAR/REDUZIR Estimular uso de transporte público e não motorizado MUDAR/TROCAR Reduzir tamanho do carro e melhora motor e combustível. MELHORAR 122 casa e rua no que se refere ao trânsito, já que a rua é o espaço da igualdade (logo, do indivíduo) e a casa o espaço da hierarquia (logo, da pessoa) e que cada um se sente uma pessoa entre indivíduos quando transita pela cidade. Já o conceito de sujeito, explorado em diversos campos do conhecimento, pode estar associado ao que age (e decide) e ao que possui uma identidade própria (portanto, subjetividade). Não há nenhuma intenção de explorar teoricamente esses conceitos, utilizando-os de forma mais livre como referências para a reflexão sobre o corpo em deslocamento e as decisões tomadas pelas pessoas, sujeitos de suas decisões, para realização desse deslocamento. Esse corpo é o que unifica a pessoa ou indivíduo ao sujeito, dimensões simultâneas (ou momentos) de cada um de nós e de cada um dos outros. Essa justaposição/contraposição de diversos conceitos sobre o corpo em movimento tem uma intenção de reforçar a natureza dialética da presente análise, que permite dialogar, no caso dos deslocamentos, com os diversos interesses que cada um apresenta em cada momento de utilização do espaço-tempo da cidade. Há, nestas relações, evidentes jogos dialéticos possíveis, que as referências antropológicas adotadas podem ajudar a evidenciar. Se há um não-lugar, poderíamos dizer que há um não-corpo em deslocamento? A apropriação da cidade não passa necessariamente pela apropriação de seu próprio corpo e seus próprios desejos, contrapondo-se à sociedade do consumo dirigido (termo utilizado por Lefebvre)? O corpo é um fator influente nas decisões pessoais para realização dos deslocamentos, tanto para uma melhor análise da questão, quanto para explicitar as políticas que possam direcionar essas decisões por fatores mais coletivos que individuais. Esse corpo em deslocamento vai além do corpo humano e suas diversas condições físicas para a deambulação e de suas “transformações” em duas ou mais rodas, principalmente do automóvel, que, como diz Milton Santos (1996, p. 42), “é um elemento do guarda-roupa, uma quase-vestimenta. Usado na rua, parece prolongar o corpo do homem como uma prótese a mais, do mesmo modo que os outros utensílios, dentro de casa, estão ao alcance da mão.” É com nossos corpos que moldamos os espaços, mesmo quando “vestidos” de automóveis, e são com as performances desses corpos que estabelecemos hierarquias, como bem elaborado por LEFEBVRE (1991a, ao tratar do Objeto-Rei. 123 2.4 ENTRE O CORPO E A METRÓPOLE: OS PEDAÇOS COMO ESCOLHA METODOLÓGICA PARA A ESCALA LOCAL Até esse ponto, foram apresentadas as referências teóricas, de caráter predominantemente transdisciplinar, que sustentam e pautam as análises socioespaciais pretendidas. O passo seguinte é a definição de uma metodologia de aproximação dos processos urbanos concretos da cidade, tendo como “objeto de pesquisa”, a cidade de Belo Horizonte. A proposição adotada recaiu mais uma vez no entre, desta vez entre as escalas, na tentativa de conduzir a pesquisa e suas análises para o transescalar, para uma abordagem que consiga ao mesmo tempo evidenciar a mobilidade vivida nos espaços públicos e sua relação com os macroprocessos espaciais. De certa forma, essa opção metodológica tenta articular a vida cotidiana com a produção do espaço, os mecanismos de localização com os de mobilidade e o próximo com o distante. A primeira inspiração para esta abordagem da cidade aos pedaços veio da conjunção entre as ideias de Flávio Villaça sobre a estrutura do Espaço intraurbano no Brasil e da elaboração do Diagnóstico do Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte – PlanMob-BH, que utilizou 26 “pedaços” da cidade em busca de uma correlação entre padrão urbano (espacial e/ou socioeconômico) e padrão de mobilidade. Villaça (1997, p. 1375) se alinha aos “estudos dos efeitos do espaço produzido sobre o social” e coloca a “segregação espacial das classes sociais como processo necessário para o exercício da dominação política e desigual na apropriação dos recursos do espaço.” Conclui que é necessária uma certa configuração espacial baseada na segregação (fruto de mecanismos de localização diferentes para as classes dominantes) para viabilizar a dominação através do espaço. O que se pretende é mostrar os efeitos dessa segregação espacial, tanto na formação desses pedaços, quanto nos mecanismos de mobilidade resultantes, evidentemente associada à intenção de dominação. Trabalhar sobre os pedaços da cidade, dialoga ainda com as análises de Edward Soja (2008) em Postmetropolis, especialmente com os “discursos” sobre a cidade fractal e a cidade carcerária. Soja, em uma obra de inspiração lefebvriana, identifica seis linhas de pensamentos sobre a cidade contemporânea (a pós-metrópole) que analisam causas, resultados e transformações dessas cidades e denominando-as de “discursos”. Para Soja (2008, p. 420, tradução nossa), existe um par de discursos que gira em torno da tentativa de identificar, conceituar e explicar as forças que modificaram o mundo contemporâneo durante as três 124 últimas décadas do século XX, criando as metrópoles industriais pós-fordista e globalizando o espaço urbano, tornando-as cosmópolis. Um segundo par de discursos tentam identificar, conceituar e explicar resultados e consequências sociais e geográficas mais concretas, onde situa-se o discurso da cidade fractal – a cidade fragmentada por dentro –, mas também da exópolis – metrópole galáctica e fragmentada para fora. Completam os seis discursos uma tentativa de classificar as mudanças na vida diária da pós-metrópole, tratando do modo pós- metropolitano de regulação social e espacial, onde se situa o discurso de uma cidade carcerária e de uma cidade simulacro, as simcities. Dentre todos, a cidade aos pedaços parece dialogar com a cidade fractal, uma constatação do mosaico urbano, onde desigualdades sociais estão especializadas nos fragmentos urbanos e que, em alguma medida, traz como consequência a formação de guetos e de um arquipélago carcerário (outro dos discursos). Propõe-se que a cidade (Belo Horizonte) seja observada e analisada a partir de seus pedaços, frutos de processos socioespaciais concretos, utilizando-se uma escala microlocal que permita compreendê-los melhor, fazendo a articulação entre com as escalas mesolocal e macrolocal do urbano. Coloca-se em evidência as escalas dos espaços (mas também dos tempos e das velocidades), para pensar a cidade e sua mobilidade (e as políticas públicas) a partir desses pedaços (bairros e/ou conjuntos de bairros) resultantes da força dos processos econômicos combinada em maior ou menor grau com a força das políticas públicas (ou sua ausência) e a força dos processos sociais. Analisar o espaço urbano através de pedaços é procedimento corriqueiro em diagnósticos espaciais, tradicionalmente tendo o mapa físico (em papel) como suporte ou utilizando os diversos softwares georeferenciados disponíveis e seus mapas temáticos. A novidade na questão colocada é a possibilidade de utilização desses pedaços como escala de articulação entre políticas urbanas e política de mobilidade, normalmente tratadas a partir de sua escala macro. São diversas as escalas de planejamento e gestão das cidades, como propostas por Souza (2010, p. 103-113), desde a internacional (global ou de conjunto de países), nacional e regional, identificando a escala (ou nível) local como a escala por excelência desse planejamento e gestão urbanos. Há ainda uma possível subdivisão desse nível local em três: o macrolocal, nível local ampliado, normalmente associado às regiões metropolitanas; o mesolocal, a escala local urbana stricto senso, ou a cidade em si; e o microlocal, que nos interessa destacar, pois refere-se aos recortes territoriais de tamanhos diversos. 125 Mas além destas escalas de planejamento e gestão, na perspectiva da mobilidade urbana pretendida aqui, poderíamos ainda considerar a subdivisão de seus espaços públicos (ruas, praças e avenidas) e do corpo, a menor unidade geográfica, instância para análise das decisões dos mecanismos de localização e mobilidade. Souza (2010, p. 106) aponta que qualquer recorte que se faça, é nesse subnível da escala microlocal que estão “espaços passíveis de serem experienciados intensa e diretamente no quotidiano (coisa que nem sempre ocorre, devido à massificação e à atomização típicas das grandes cidades contemporâneas.” Considerando que o recorte pode começar no nível da habitação (escala relevante para a análise se processos de natureza e alcance coletivos), segue-se o nível de subbairro, bairro e setor geográfico. É sobre essa escala microlocal que se situam os pedaços, onde pode-se “monitorar mais eficientemente a implementação de decisões que influenciam sua qualidade de vida no quotidiano” (SOUZA, 2010, p. 107). Os pedaços das cidades contemporâneas se explicam por inúmeros fatores, desde seu surgimento por loteamentos, em parcelas ou edificações. Na formação de suas similaridades, pesa a predominância de um zoneamento funcional com padrões de coeficientes de uso e ocupação do solo, mas cabe destacar as dinâmicas de segregação social, que tem suas raízes nas decisões de localização entre iguais e são reforçadas pelo mercado imobiliário. Formam- se as isotopias urbanas, entendidas como espaços com homogeneidade (física e socioeconômica) de uso e ocupação e com acessibilidade similar. Para a reflexão proposta, propõe-se adotar a denominação pedaço tanto para essas isotopias quanto para algumas parcelas da cidade menos homogêneas ou de transição – em sua maioria tornados pedaços por sua configuração de acessibilidade – e até para os poucos pedaços com características mais diversas (heterotopias) existentes, muitas vezes associados a centralidades. O que se busca verificar com a metodologia de aproximação dos processos concretos através desses pedaços é a relação com as características dos deslocamentos resultantes. Em outras palavras: verificar se existe uma relação direta entre o padrão espacial urbano e o padrão de mobilidade de cada pedaço da cidade e se é possível intervir nesse espaço. Essa é a questão orientadora da pesquisa, que procura inicialmente confirmar a se os processos de produção do espaço urbano ocorrem a partir dessas isotopias (partes homogêneas que formam a cidade), para depois checar se pensar a cidade a partir de seus pedaços é uma metodologia , e uma escala privilegiada para a compreensão crítica e até para a formulação de políticas territoriais transetoriais que contribuam para uma mobilidade melhor do próximo (o pedaço) e do distante (a cidade e a metrópole). 126 O recorte proposto para os pedaços é de “geometria variável”, não havendo critério para sua dimensão. A adoção de um nível de escala microlocal também pretende a maior aproximação possível entre a escala dos mecanismos de mobilidade e mecanismos de localização, dentro da perspectiva da produção do espaço (visto normalmente pela escala global). Os mecanismos de mobilidade estão na escala humana - dos corpos - e na escala dos espaços públicos e os mecanismos de localização, estão situados a partir da escala da habitação e dos subbairros, mas é na escala dos bairros (ou conjunto de bairros) que esses processos permitem uma melhor leitura. Por sua vez, a leitura desses pedaços deve sempre ser transescalar, pois, como já foi visto, muitos dos processos que influem na mobilidade são em escala global, começando pelo próprio processo de urbanização (o urbano lefebvriano como uma totalidade), passando pelo processo de produção e consumo de automóveis (fato social total, elemento importante na formação do espaço) e recebe influência de elementos da escala nacional, regional e macrolocal. A proposta metodológica também se caracteriza como uma tentativa de descentralização da análise e da própria gestão urbana associada a uma abordagem conceitual da vida cotidiana, privilegiando a perspectiva do próximo, em contraposição ao distante, em sua escala macro, suas grandes ligações (redes viárias e redes de transporte com tecnologias de média e alta capacidade). Ao nos aproximarmos dos espaços, dos pedaços, de seus fixos, estamos nos aproximando simultaneamente de seus fluxos, das pessoas e de seus corpos agindo e se deslocando nestes espaços. Logo, é importante também nos aproximarmos da antropologia e de seus procedimentos de pesquisa pautados na questão do outro. Como ressalta Marc Augé, antropólogo que se interessa e se aproxima da mobilidade, “a questão do outro não é um tema que ela [a pesquisa antropológica] encontre ocasionalmente: ele é seu único objeto intelectual, com base no qual se deixam definir diferentes campos de investigação [...] E ela o trata simultaneamente em vários sentidos, o que a distingue das outras ciências sociais” (AUGÉ, 2004, p. 22). Longe de utilizar a antropologia como método de campo (a etnografia), tenta-se aproximar da questão do outro ao tratar do espaço urbano, principalmente dos espaços públicos, para problematizar e compreender o espaço triádico de Lefebvre, em seus momentos concebido, percebido e vivido. Marc Augé lança seu olhar antropológico para os lugares dos deslocamentos escolhendo o metrô parisiense. Em 1986, ele lança o livro Un ethnologue dans le métro, onde registra suas observações do espaço-tempo dos deslocamentos, que pode ser um espaço-tempo da alienação ou da vida e, nesse caso, onde há sua apropriação. Avalia que os desafios 127 contemporâneos não são mais (apenas) provenientes da alienação pela vida cotidiana, nos termos franceses “métro, boulot, dodo” (metrô, trabalho, sono)36, mas sim o desafio de “plus de boulot, plus de métro, plus de dodo” (algo como: sem trabalho, sem metrô, sem sono) motivado pelo desemprego e pela crise do Estado de Bem-Estar Social europeu na década de 1980. De toda forma, Augé (1986, p. 116, tradução nossa) destaca a importância de se estudar os transportes (o metrô), com a ressalva de que “cada sociedade tem seu metrô” que impõe, por questões culturais e tecnológicas, a cada indivíduo, itinerários onde se pode provar, singularmente, o sentido da relação com os outros. Augé (2008) volta ao tema com o livro Le métro revisité (O metrô revisitado), onde registra seu olhar sobre as transformações sociais de 20 anos no espaço-tempo dos deslocamentos em Paris (nos metrôs). É com o conceito de não-lugar(es) que Augé contribui com a aproximação entre mobilidade urbana e ciências sociais de forma mais intensa, motivado pela avaliação da contemporaneidade, Augé (2004, p. 36, grifos nossos) afirma que é preciso entender que a “inteligência do tempo” parece mais complicada pela “superabundância factual do presente”, bem como a “a inteligência do espaço” é tornada complicada pela “superabundância espacial do presente”, expressa por mudanças de escala, multiplicação de referências e “nas espetaculares acelerações dos meios de transporte”, resultando em modificações físicas e multiplicação dos não-lugares (não localizados no tempo e no espaço). Completa Augé, na mesma passagem, que os não-lugares tanto podem ser “as instalações necessárias à circulação acelerada das pessoas e bens (vias expressas, trevos rodoviários, aeroportos) quanto os próprios meio de transporte ou os grandes centros comerciais”37. O autor vai dar uma ênfase ao processo de transformação dos lugares em não-lugares, contrapondo os conceitos de lugar ao de espaço, mostrando que esses não-lugares são principalmente o espaço dos viajantes (AUGÉ, 2004, p. 81). Como foi apresentado antes, o não-lugar se estrutura tanto na dimensão do seu fim (transporte, trânsito, comércio, lazer) quanto na relação que os indivíduos mantêm com esse espaço. Este conceito é uma peça-chave para conectar a teoria espacial com a mobilidade, através de conceitos antropológicos, sem exigir uma etnografia, mas tocando em um tema chave que é a alienação entre o viajante e o espaço- 36 Que seria próximo da expressão casa-trabalho-casa, em português. 37 Ainda acrescenta que também poderiam incluir os campos de trânsito prolongado onde são estacionados os refugiados do planeta. 128 tempo da mobilidade e a necessidade de sua (re)apropriação. Destaca Augé que, “ao mesmo tempo em que o não-lugar cria a identidade partilhada dos passageiros, da clientela ou dos motoristas; o espaço do não-lugar não cria nem identidade singular nem relação, mas sim solidão e similitude” (AUGÉ, 2004, p. 93 e 95, grifo nosso). Em Por uma antropologia da mobilidade, Augé (2010) traz mais algumas contribuições para a aproximação desejada, além de esboçar uma teoria geral da mobilidade em suas diversas escalas (do turista ao passageiro do metrô; do refugiado ao motorista domingueiro), defendendo que as contradições que minam nossa história têm tudo a ver com a mobilidade. Ele afirma que “pensar a mobilidade é também aprender a repensar o tempo.” (AUGÉ, 2010, p. 100). Apesar de estar se referindo aos tempos históricos, parece ser possível fazer uma analogia de seu pensamento para a mobilidade urbana cotidiana. Como apresentado na epígrafe da tese, não basta pensar a mobilidade no espaço, precisando concebê-la no tempo. Augé também reforça a permanência da fronteira, agora ressurgida na escala urbana, das grandes metrópoles, onde “opõem-se os bairros ricos aos bairros ‘difíceis’” guardando “toda a diversidade do mundo” e “também todas as desigualdades”, existindo até mesmo “bairros privados e cidades privadas em diversos continentes” (AUGÉ, 2010, p. 20-21). Outra contribuição deste autor para a proposta de pensar os pedaços na relação entre o próximo e o distante é sua constatação de que o urbanismo é “concebido em função da necessidade de uma redefinição das relações entre interior e exterior” que considere a “ligação com outros lugares” (AUGÉ 2010, p. 38). Para ele, a grande metrópole só merece esse título se pertencer explicitamente a diversas redes mundiais, sendo que internamente ela se expande com nítidos processos de segregação, configurando dois aspectos aparentemente contraditórios da urbanização: o mundo é uma cidade, uma metacidade virtual (nos termos de Virilio em A bomba informática, citada por AUGÉ, 2004, p. 42), onde os mesmos arquitetos trabalham e se encontram as mesmas empresas; e a cidade é um mundo, onde se encontram todas as contradições e os conflitos do planeta, e a segregação entre os mais ricos dos ricos e os mais pobres dos pobres. Michel Agier, em Antropologia da Cidade (2011), propõe uma questão fundamental, também de natureza antropológica: o que torna a cidade familiar? Na análise de Agier, nossa primeira socialização é em casa, mas essa familiaridade se estende e alcança uma rede de casas e ruas e o bairro até tornar (ou não tornar) a cidade familiar. 129 Os lugares próximos do citadino são aqueles com os quais ele se identifica o mais espontaneamente possível, são espaços de sobreposição quase perfeita entre um quadro físico e um sentimento de pertencimento a uma coletividade, por menor que ela seja e da qual retira sua primeira forma de identidade entre outras mais afastadas. (AGIER, 2011, p. 103). Agier identifica na escala microssocial o que Françoise Choay (200638 apud AGIER, 2011, p. 108) denomina espaço de contato, lugares que são essenciais para a sociabilidade urbana, que ela identifica três espaços: o espaço de contato que associa à cidade medieval e, por extensão, a espaços que não são feitos pelos serviços de urbanismo; espaço de espetáculo, associado ao Renascimento, onde a perspectiva e a ordem se impõem; e, espaço de circulação, associado à cidade industrial e que surge simultaneamente ao urbanismo. Agier reforça que, para Choay, o fim da escala intermediária entre os indivíduos e as megaestruturas (esse espaço de contato) significa o fim da cidade, ou, poderíamos afirmar em outras palavras, que o crescimento dos não-lugares tende a criar a não cidade. Essas reflexões trazem questões importantes para a articulação entre os lugares e os trajetos (não-lugares); entre a familiaridade e a estranheza dos lugares de ninguém. Os pedaços propostos como escala metodológica estão em total diálogo com esse espaço de contato, mesmo que hoje em dia já não haja mais esse contato em grande parte dos pedaços. 38 CHOAY, Françoise. Six thèses en guise de contribution à une réflexion sur les échelles d'aménagement et le destin des villes. In : CHOAY, Françoise. Une anthropologie de l’espace. Paris : Seuil, 2006. P. 154-64. 130 2.5 A (CON)FORMAÇÃO DOS PEDAÇOS: ISOTOPIAS E HETEROTOPIAS DO ESPAÇO URBANO A proposta de aproximação pelo pedaço pressupõe a constatação de uma certa homogeneidade do pedaço (existência de características similares dentro do pedaço, mas não necessariamente uma homogeneidade do espaço (características iguais no pedaço). Muitos dos pedaços da cidade são espaços homogêneos, ou o que Lefebvre (2008, p. 43) denomina e define como iso-topia: um lugar (topos) e o que o envolve (vizinhança, arredores imediatos), que compõem um mesmo lugar; o “lugar mesmo”; ou “as partes comparáveis do espaço que se expressam e se leem (nos planos, nos percursos, nas imagens mais ou menos elaboradas pelos ‘sujeitos’) de modo que se possa aproximá-las” e dá como exemplo “a notável isotopia dos espaços produzidos pelo racionalismo de Estado: grandes linhas retas, avenidas largas, vazios, perspectivas amplas, ocupação do solo fazendo tabula rasa do precedente [...]” (LEFEBVRE, 2008, p. 117). Logo, para identificar pedaços da cidade, deve-se inicialmente procurar pelos espaços isotópicos e entender as características da produção do espaço urbano que contribuem para sua formação. Os processos de produção dos pedaços é complexo e cabe aqui apenas apontar alguns dos fatores que podem estar associados aos mecanismos de localização e de mobilidade que contribuem de forma decisiva para a formação dos pedaços nas cidades brasileiras e, em especial, em Belo Horizonte. Em primeiro lugar, dois fatores que não estão associados diretamente às pessoas e seus mecanismos de localização, mas sim às condições dadas pelo Estado e pelo Mercado para esses mecanismos, ou o que Wiel denomina “condições de regulação” (Figura 16). De um lado, o Estado influi nos processos de regulação urbana, que direciona a homogeneidade de uso e ocupação através de zoneamentos e de outro a influência do mercado imobiliário desde a produção inicial dos loteamentos e parcelamentos até os mecanismos de valorização de determinados pedaços. O zoneamento está historicamente associado à formação de homogeneidade de uso e ocupação desde os princípios modernistas. O Mercado adota a homogeneidade da produção dos bairros como fator de valorização do espaço, que entre outros efeitos, interfere nos processos apresentados por Wiel na Figura 9, especialmente preservando os altos valores de determinadas regiões da cidade. 131 O instrumento do zoneamento, especialmente o zoneamento unifuncional predominante na legislação urbana brasileira até a década de 1990, pode ser entendido como decorrente de algumas ideias da Escola de Chicago e do urbanismo modernista iniciado pela Carta de Atenas, como está apresentado por Agier (2011, p. 120): “O zoneamento surge, assim, de um urbanismo funcionalista, em que a cidade é concebida como uma divisão do espaço segundo funcionalidades pensada a priori: negócios, indústria, circulações cruzadas, residência, etc.”. No Brasil, Martins (2006, p. 51) registra que, no início da década 1970, “consolidou-se a concepção de zoneamento como instrumento de controle da utilização do solo, através da divisão do território em zonas de uso que se caracterizavam por admitir determinados usos e determinadas densidades de edificação. Desde então, os padrões são estabelecidos por meio de limites estabelecidos em Lei para variáveis como taxa de ocupação e coeficiente de aproveitamento. Essa visão, advinda de um planejamento urbano modernista e que tem em cidades como Brasília seu exemplo extremo, foi repensada em diversas cidades brasileiras na década de 1990. A partir da nova Constituição de 1988, com ideias oriundas do Movimento pela Reforma Urbana, várias cidades brasileiras começaram a questionar a homogeneidade do zoneamento e, em Belo Horizonte, o Plano Diretor e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo de 1996, apesar de continuarem dividindo a cidade em zonas, instituíram o uso misto. O uso (logo a funcionalidade) e a ocupação passaram a estar associados à classificação viária. A influência do mercado imobiliário é marcante desde a produção inicial dos loteamentos e parcelamentos até os mecanismos de valorização de determinados pedaços. Mas esse mercado também interfere nos processos de exclusão dos mais pobres, criando produtos rentáveis para a formação dos espaços de pessoas com menores rendas, como é o caso dos loteamentos populares. Há ainda um submercado imobiliário (ou um “circuito inferior” desse mercado) que contempla loteamentos precários e clandestinos, que descumprem a legislação, muito comuns nas décadas de 1970 e 1980, e os processos de produção informal em favelas, baseado em ocupações, que são normalmente pessoais ou de um grupo, mas algumas vezes são realizadas com fim explícito de comercialização. Dois outros fatores são relativos aos processos sociais de localização de forma direta, sendo opostos em relação às classes e similares em relação aos resultados. Um deles refere-se à autossegregação das classes de mais alta renda que buscam ocupar os melhores pedaços e 132 mantê-los “diferenciados” e exclusivos para uso de sua própria classe. Villaça (1998, p. 130) descreve como as classes sociais de renda mais alta disputam as melhores localizações “definidas, em primeiro lugar, em termos de custo e tempo de deslocamento ao centro da cidade; em segundo, em termos de atratividade do sítio” e, quando há barreiras a serem transpostas (rio e ferrovia no caso de São Paulo e Belo Horizonte), “as áreas situadas além das barreiras são rejeitadas pelas classes de maior renda e seus terrenos passam a ter preço inferior.” A análise da formação da estrutura urbana feita pelos textos de Villaça (1997 e 1998) acentua as estratégias de ocupação das classes de alta renda em áreas de melhor localização e maiores atrativos e a sua autossegregação: “Desde a segunda metade do século XIX (...), as classes de mais alta renda começaram a exibir um processo de segregação que segue, até hoje, a mesma tendência. Em todas elas, sem exceção, a tendência é dessas classes se segregarem numa única e mesma região geral da cidade” (VILLAÇA, 1997, p. 1377). Essa tendência acompanha toda a história de BH, onde as classes mais altas vão ocupando o lado Sul da cidade, com alguns reflexos a Oeste, subindo a Serra do Curral e criando a Ricópolis (a ser tratada no Capítulo 6) e transbordando em direção aos municípios de Nova Lima e Brumadinho, com formação de subúrbios para faixas de renda mais alta. A forma de urbanização decorrente de uma expansão metropolitana (a exópolis, de Soja) que radicaliza essa autossegregação é baseada em condomínios, que são denominados de enclaves fortificados por Caldeira (1997). Tanto nos bairros mais valorizados quanto nesses condomínios “é difícil manter princípios básicos de livre circulação e abertura dos espaços públicos” o que pode ser relacionado com o padrão de mobilidade adotado pelas grandes cidades brasileiras. Se nos prédios pensados para pessoas de renda mais alta existem muitas vagas para automóveis disponíveis, nos alphavilles o modo de transporte fundante é o transporte individual motorizado: o carro! A história desse modelo de ocupação (sub)urbana é tratada por Menezes (2009), tendo em seu princípio oscilado entre estar associado a transporte público (trens e bondes) ou associados a transporte individual, solução que foi se sobrepondo à primeira com o tempo. Desde o início do século XVIII, quando comerciantes ingleses se instalaram em Clapham, a 8 km do centro de Londres, que: A dificuldade de transporte e a exigência de um meio particular de deslocamento até a cidade principal — carruagem ou cavalo — estabeleceu uma das premissas da conexão subúrbio/centro da cidade, que se manteve até o século XXI: a dificuldade de implantação (inviabilidade) de sistemas de 133 transporte público ou de massa e a preferência pela “independência” possibilitada pelo meio de transporte privado. Esta dificuldade de acesso estabeleceu e reforçou uma das características inerentes a este padrão de suburbanização (inglês): a segregação (MENEZES, 2009, p. 49). A principal razão para a hegemonia de condomínios associados ao transporte individual foi que “o automóvel oferecia uma atrativa alternativa, porque combinava a flexibilidade do cavalo com a velocidade do trem ou do bonde elétrico” (MENEZES, 2009, p. 115) e o vínculo criado entre subúrbio e automóvel seria reforçado nas décadas seguintes, chegando ao modelo de alphavilles, condomínios fechados segregados, enclaves fortificados, que confirmam o desejo de Ford: “― Nós resolveremos o problema da cidade ao deixar a cidade!” (FORD apud FLINK, 199039, p. 139 apud MENEZES, 2009, p116). A quase hegemonia do uso do automóvel pelos moradores dos condomínios é causa e consequência de sua implantação. Pesquisa junto a moradores de condomínios de Nova Lima (ANDRADE, 2003, p. 194), na RMBH, apontou uma média de 2,3 carros por família (que possui em média 3,5 pessoas) e, apenas duas pessoas entrevistadas não tinham carro. E, ainda, “os problemas de locomoção são contornados por aquisição de mais carros”, ou seja, provocando mais congestionamentos e dificuldade no acesso. Os sistemas de transporte para o interior dos condomínios são muito precários e priorizam o atendimento aos empregados domésticos. O mais coletivo que existe é a carona. Muitas pessoas “não se mudariam para um condomínio devido à dificuldade de locomoção.” No entanto, já há toda uma geração de jovens que se deslocaram apenas em carros toda sua vida, sendo até os 18 anos levados por mães, pais e motoristas e que ganham seus próprios carros aos 18 anos. Muitos desses jovens sequer utilizam (ou utilizaram) as ruas, pois foram criados em condomínios verticais ou horizontais e se socializaram em shoppings e clubes ou em toda sorte de locais privados de uso elitizado. A princípio, um sistema de transporte eficiente é o que tornaria a suburbanização possível [...] Entretanto, na história do subúrbio, inacessibilidade foi tão importante quanto acessibilidade, pois seria esta dificuldade de acesso que facilitaria seu caráter segregacionista e corroboraria a sua associação a um símbolo de status e de ascensão social. [...] Quando se analisa o percurso dos subúrbios, apenas em um dos períodos seu crescimento ocorre concomitante a um sistema de transporte público (ferroviário). (MENEZES, 2009, p. 104). 39 FLINK, James J. The automobile age. Cambridge, Mass: MIT Press, 1990. 134 O outro fator associado a processos de localização que geram segregação são as estratégias sociais de localização das classes de menor renda, que priorizam o acesso à habitação, mas podem resultar tanto em proximidade (das favelas) quanto em precariedade (dos loteamentos distantes. Ocupação urbana diametralmente oposta, mas também uma forma de segregação, nas favelas, ao contrário, o modo de transporte fundante é o transporte individual não motorizado, principalmente a pé. Desde a primeira favela no século XIX no Rio de Janeiro, o principal fator que fez com que as pessoas ocupassem os morros era sua proximidade com a cidade, com o emprego e com as oportunidades: “Também a localização privilegiada de muitas favelas, que propicia facilidades e economia no transporte e proximidade a eventuais fontes de renda, é outra vantagem em relação a outras formas de habitação para população de baixa renda.” (LIMA, 2010, p. 70). Mesmo sem um urbanismo intencional, as ruas das favelas sempre apresentaram traços muito mais vivos que as da cidade formal, mas além desses espaços públicos das ruas, “a diversidade e as possibilidades de encontro declinam também em espaços destinados a serviços como a educação, a saúde e o transporte, deixados cada vez mais aos que não podem pagar pelos serviços privados” (LIMA, 2010 p. 22). A Figura 18 mostra, no caso da favela Vila Santa Rosa, em Belo Horizonte, como o transporte coletivo apenas tangencia a favela e o modo a pé se insere nela. Em geral, outra característica de vilas e favelas são as apropriações dos espaços públicos, que são diversos e não se limitam a funções de mobilidade. Um fenômeno recente é o surgimento de motos e carros, entupindo e transbordando, motivado pelo aumento da renda e facilidade de financiamento. Por fim, o último fator destacado que influencia a formação dos pedaços da cidade está associado diretamente à mobilidade, especialmente à infraestrutura instalada do sistema viário e de transportes que é ao mesmo tempo indutor de desenvolvimento e criador de barreiras físicas que separam e isolam pedaços. Apesar da predominância das isotopias, essa homogeneidade não é exclusiva e, de certa forma, nem é desejável. Há muita diversidade e diferença nestas isotopias e, mais que isso, existem muitos espaços heterogêneos nas cidades. Para Lefebvre, a diferença no e do espaço é uma das bases de sua crítica, que vai sustentar a ideia da passagem do espaço abstrato para espaço diferencial. Mas para complementar a abordagem pelos pedaços da cidade, é 135 importante definir e evidenciar o “lugar outro, ou o outro lugar” que é definido por Lefebvre como heterotopia, que difere em relação ao lugar inicial. As heterotopias são “o lugar do outro, ao mesmo tempo excluído e imbricado” e a diferença entre isotopia e heterotopia “só pode ser concebida corretamente de uma maneira dinâmica. (LEFEBVRE,2008, p. 117). Figura 18 – Acesso à Vila Santa Rosa (Belo Horizonte) pedestres (esquerda) e por transporte coletivo (direita). Fonte: Lima, 2010. p. 86-87. Lefebvre (2008, p. 121) aponta ainda uma possível confusão entre diferença e segregação. A diferença é incompatível com a segregação; a diferença pressupõe relações em uma ordem espaço-temporal dupla: próxima e distante. Já a segregação rompe essa relação, quebra a totalidade concreta e despedaça o urbano: a segregação complica e destrói a complexidade. Em uma conferência no ano de 1967, denominada Des espaces autres (Outros espaços), publicada apenas na década de 1980 (FOUCAULT, 1984), o filósofo Michel Foucault utiliza e define heterotopia de um ponto de vista diferente de Lefebvre. Nessa palestra, na qual 136 Foucault defende a importância do espaço em contraposição à predominância do tempo (a história), ele também aponta para a época da simultaneidade: “época da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado-a-lado e do disperso.” É dessa reflexão sobre o espaço e sobre o simultâneo que leva Foucault (1984, s.p.) a apresentar a heterotopia, chamada assim por oposição à utopia. Considera que as utopias são espaços fundamentalmente irreais, ao contrário das heterotopias, espaços reais e efetivos, existentes em todas as culturas e civilizações. Heterotopias seriam “uma espécie de contra- lugar, espécies de utopias realizadas nas quais todos os lugares reais dessa dada cultura são representados, contestados e invertidos.” Foucault usa o espelho como exemplo da dualidade e contradição entre utopia e heterotopia, que apesar de estar fora de todos os lugares, são localizáveis. Um espelho funciona como heterotopia pois existe na realidade, apesar de ser uma imagem que você vê e que não existe (e poderia ser chamado de utopia). Mas é heterotopia no momento em que o espelho transforma o lugar em que o observador ocupa e o lugar em que ele vê, simultaneamente, em um espaço a um só tempo absolutamente real e irreal, associado a todo o espaço que o circunda, mas onde para nos percebermos, tem de se atravessar esse ponto virtual que está do lado de lá. Para Foucault, a heterotopia descreve espaços que têm mais camadas de significação ou de relações a outros lugares e ele identifica diversos exemplos, mostrando o potencial de uso deste conceito, e nos induz a querer explorá-lo em outras situações, partindo do diálogo entre as reflexões de Lefebvre e Foucault, exercitando um raciocínio por analogia para identificar utopia e heterotopia nas questões relativas ao planejamento urbano. Espaços públicos apropriados e vividos, parecem ser essencialmente heterotopias urbanas, da mesma forma que os pedaços da cidade, quando de ocupação e uso heterogêneos. Deve-se resguardar a possibilidade da imprecisão conceitual em prol da tentativa de contribuir para a reflexão crítica sobre as questões propostas, mas parece interessante verificar se a proposição de denominar alguns pedaços não-isotópicos da cidade como heterotopias urbanas se sustenta ao ser confrontada com os princípios das heterotopias propostos por Foucault. O primeiro princípio diz que não há nenhuma cultura no mundo que não deixe de criar as suas heterotopias, inicialmente associadas ao espaço criado para pessoas em transição, ou em situação de crise (mulheres grávidas ou menstruadas, adolescentes, idosos). Essas 137 heterotopias de crise, mais presentes em sociedade primitivas, mas ainda persistentes (em colégios internos e casernas de serviço militar, por exemplo), vêm substituídas por heterotopias de desvio (hospitais psiquiátricos, prisões, casas de repouso). Esse princípio é ao mesmo tempo genérico (todas as culturas criam heterotopias) e específico (ao associar à crise e desvio), mas pode estimular a busca de novas heterotopias urbanas de forma interligada ao segundo princípio, no qual Foucault abre possibilidades ao afirmar que uma sociedade, à medida que a sua história se desenvolve, pode atribuir a uma heterotopia existente uma função diversa da original. Para esse princípio, o exemplo de Foucault é o cemitério, antigamente mais sagrado e próximo às igrejas e que foi aos poucos mudando sua relação com a sociedade sendo popularizado até ser entendido como indesejável e afastado, por razões de higiene e por propagar a morte. Se há alguma dúvida na proposição de se enxergar espaços públicos e pedaços como heterotopias, não há dúvidas da evolução do significado desses espaços, seja pela mudança histórica pela sociedade ou pelos novos usos de um espaço específico. O terceiro princípio diz que a heterotopia consegue sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários lugares que por si só seriam incompatíveis. Um bom exemplo é o teatro, por sua capacidade de receber e se transformar em uma série de lugares, um estranho ao outro. Essa parece ser a característica da heterotopia mais fácil de ser associada ao urbano e à proposta de entender os espaços públicos e alguns pedaços da cidade como heterotopias urbanas. Também estão associados ao quarto princípio de que as heterotopias estão ligadas a pequenos momentos, pequenas parcelas do tempo (estão intimamente ligadas ao que Foucault chama, por simetria, heterocronias). O quinto princípio proposto por Foucault pressupõe um sistema de aberturas e fechamentos que as torna tanto herméticas como penetráveis, o que apresenta uma aparente contradição com a proposta de pensar que os espaços públicos são heterotopias. Mas se lembrarmos que espaços nunca são apenas seus fixos, parece possível imaginar que existe um sistema de aberturas e fechamentos de alguns pedaços da cidade. Também não é preciso ser romântico para se perceber que espaços públicos e pedaços da cidade possuem aberturas e fechamentos, pois os guetos e as favelas são muitas vezes hostis aos não moradores, como o são alguns espaços públicos apropriados por outros (pessoas ou mesmo veículos) e que 138 excluem pela violência latente ou manifesta. Até a quantidade e a velocidade dos fluxos (de pessoas e veículos) podem representar esses fechamentos. Por fim, o sexto princípio apresentado por Foucault refere-se ao fato que as heterotopias têm uma função específica ligada ao espaço que sobra: criar um espaço ilusório que espelha todos os outros espaços reais e criar um espaço outro, real, tão perfeito, meticuloso e organizado em desconformidade com os nossos espaços desarrumados e mal construídos. Essa descrição de Foucault faz lembrar alguns projetos urbanos de praças meticulosamente concebidos para serem um tipo de espaço e que acabam sendo apropriados de formas diversas ou mesmo não apropriados e deixados vazios. Os bairros e condomínios criados para serem românticas utopias de pequenas cidades do interior que se transformam em ruas desertas. Foucault destaca o papel ilusórios e compensatórios dessas heterotopias e contrapõe bordeis com colônias americanas religiosas. O procedimento exposto nos parágrafos anteriores, de se tentar contrapor uma proposição teórica a todos os seis princípios das heterotopias apresentados por Foucault, seria dispensável, se não fosse estimulante. Bastaria um só princípio para justificar essa proposição, como seria o caso do último princípio que remete, na pós-metrópole de Edward Soja, aos discursos da cidade como simulacro, onde os projetos urbanos de espaços públicos e bairros temáticos se encaixam perfeitamente. Edward Soja, em seu livro Geografias Pós-Modernas dedica lugar especial a Foucault, principalmente por sua defesa do espaço em relação à predominância do tempo, tese central nessa obra de Soja. Segundo Soja, “Foucault concentrou nossa atenção numa outra espacialidade da vida social, num ‘espaço externo’ – o espaço efetivamente vivido (e socialmente produzido) dos locais e das relações entre eles.” Foucault descreve esses espaços e os define como heterogêneos, ao que Soja completa: “O espaço heterogêneo e relacional das heterotopias de Foucault não é nem um vazio desprovido de substância, a ser preenchido [...], nem um repositório de formas físicas [...]. Trata-se de um espaço outro, daquilo que Lefebvre descreveria como l’espace vécu [espaço vivido], a espacialidade efetivamente vivida e socialmente criada, simultaneamente concreta e abstrata, a contextura das práticas sociais.” (SOJA, 1993, p. 26). Na análise da cidade aos pedaços, cabe por fim destacar os processos que contribuem para criar transformar as isotopias em heterotopias. Inicialmente, registra-se os processos 139 “espontâneos” de formação das centralidades, mistura de estratégias dos decisores – comerciantes, donos de empresas – com estratégias do mercado. Nesses locais, se concentra o comércio, que começa misturado com a habitação, mas que pode expulsá-la nos centros da grande cidade, quando então um contra movimento de estímulo à manutenção ou retomada da habitação em áreas centrais excessivamente especializadas em comércio, tanto no âmbito dos mecanismos de regulação, quanto de mercado. Os recentes processos de regulação que estimulam a formação/reforço de novas centralidade e o uso misto, interferindo nos mecanismos de localização das atividades, direcionando o crescimento do uso comercial, de serviços e até industrial no meio de pedaços originalmente homogêneo de habitação. Em algumas situações, projetos urbanos de bairros são concebidos com diversidade social e funcional, iniciados em utopias do urbanismo modernista, e em outros há tentativas de estímulo à diversidade social habitacional pelo tamanho da habitação (cota de terreno por unidade habitacional) e por programas de habitação social pautados em aluguel social, pouco existentes no Brasil, mas bem difundidos em cidades europeias. 143 MO(VI)MENTO 2 – O PALIMPSESTO URBANO: FORMAÇÃO DO ESPAÇO E DA MOBILIDADE DE BELO HORIZONTE 3 A FORMAÇÃO DE BELO HORIZONTE: PROCESSOS DE SEGREGAÇÃO E PRODUÇÃO DA CIDADE QUE É CIDADE 3.1 BELO HORIZONTE: A RECONSTRUÇÃO DE UM PALIMPSESTO Este capítulo faz uma caracterização histórica do espaço produzido na cidade de Belo Horizonte e de seu sistema de mobilidade urbana, com objetivo de preparar a análise crítica posterior. Esse movimento de reconstrução da história desse espaço mantém uma relação direta com o aprofundamento teórico sobre as relações entre as opções de mobilidade e as cidades e representa um desdobramento em direção ao objeto de estudo principal: os processos socioespaciais em Belo Horizonte e sua relação com a mobilidade urbana. A maioria das tentativas de apresentação da formação da cidade de Belo Horizonte tem sua origem com o ato (do político) e o plano (do engenheiro). É dessa mistura de técnica e política que surge a cidade: de um ato político e republicano de decisão de retirada da capital das Minas Gerais de Ouro Preto e transferência para um novo local; e de um plano técnico e positivista, de decisão de produção de um espaço concebido para ser controlado pelo Estado e para receber o “homem-funcionário”. Para facilitar essa leitura da produção do espaço da cidade e de sua mobilidade, propõe-se a divisão da história da cidade a partir de quatro períodos históricos que sintetizam a formação do espaço da capital, repletos de desafios e contradições:  Primeiros tempos (1897-1950): compreende a gênese da cidade em espaços planejados e “contraespaços” dos excluídos. 144  Metropolização (1950-1980): o período de produção de espaço para a produção e para a reprodução das forças produtivas da metrópole urbano-industrial.  Crise (1980-1992): pouco mais de uma década de crise econômica e quando se inicia a transição política e processo de municipalização das políticas públicas.  Democratização (1992-2014): iniciado na guinada política e econômica que ocorre no país e na cidade e que chega até os dias atuais. Essa proposta de periodização, ao mesmo tempo simples e provocativa da história, foi inspirada pelo livro “Belo Horizonte: espaços e tempos em construção”, coordenado por Roberto Luís Monte-Mór (1994) e pelo “Projeto BH Século XXI” do CEDEPLAR - Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, em 2004, coordenado por Mauro Borges Lemos, Clélio Campolina Diniz, José Alberto Magno de Carvalho e Fabiana Santos. Esses dois referenciais trabalharam com a ideia de três momentos na história da formação dos espaços e tempos de Belo Horizonte, ao que se acrescentou um quarto momento mais recente. CEDEPLAR (2004a, p. 9) caracteriza o primeiro momento como “o da presença forte do Estado tanto na construção da capital, quanto em sua grande reestruturação, no final dos anos 40 e início dos anos 50” e o denomina de “A força da cultura”. Já o segundo momento é o da “efetiva consolidação da cidade como polo econômico dinâmico, seja pela implantação de parque industrial significativo, seja pela diversificação e expansão de sua estrutura de serviços, seja pelo expressivo crescimento populacional”, denominado de “A força da economia”. O terceiro momento, denominado “A força da democracia e da solidariedade?”, marcado por crises que vão paralisar a economia brasileira e provocar “empobrecimento da sociedade, pelo aumento do desemprego, pelo aumento da informalização do trabalho, pela redução da renda do trabalho e pela precarização da infraestrutura. Na divisão proposta pelo CEDEPLAR, o período da Crise também contempla o início da Democratização e vice-e-versa. Pode-se considerar que a Democratização está presente na Crise, principalmente se considerarmos que ela se inicia nacionalmente após 1985, com o fim da ditadura militar e elaboração da constituição, e localmente, a gestão Pimenta da Veiga/Eduardo Azeredo, pode ser considerada como o início do processo de democratização em Belo Horizonte. Por sua vez, o período Democratização contempla ainda uma grande crise 145 nacional que começa a ser superada com o Plano Real (de 1994), mas que só vai se dissipar nos anos 2000. No âmbito municipal, é na década de 1990 o auge da crise da mobilidade, pós- Plano Real, com o surgimento de transporte clandestino entre outros fatores tratados no capítulo anterior. Uma vez que esse panorama começa a se transformar a partir de 1992, com mudanças políticas no nível local (chegada do Partido dos Trabalhadores à Prefeitura em 1993) e mudanças econômicas no nível nacional (o sucesso do Plano Real de 1994), foi proposto o quarto momento, que chega até o ano de 2014. Esse novo período, Democratização, é marcado por nova rodada de políticas públicas, especialmente expressas no Plano Diretor de Belo Horizonte que é aprovado em 1996 junto com a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e que redireciona a produção do espaço do município e se desdobra em planos setoriais de transporte, se mantendo em vigor até os dias atuais, com as devidas atualizações expressas em leis40. No âmbito metropolitano, a partir de 2006, se inicia uma nova rodada de políticas públicas com a reestruturação da gestão metropolitana e desenvolvimento do Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI, que posteriormente se desdobra nos estudos denominados Macrozoneamento Metropolitano, finalizado em 2015. Foi utilizado também como referência, a narrativa da história dos transportes feita a partir da pesquisa “Omnibus – uma história dos transportes coletivos em Belo Horizonte” (FJP, 1996) que detalha as diversas etapas dos transportes coletivos e traz algumas informações sobre ações em outros campos da mobilidade urbana. Pretende-se perceber essa história a partir da perspectiva lefebvriana de momento, que o concebe em função da história do indivíduo, como “uma forma superior da repetição, da retomada e da reaparição, do reconhecimento existente em certas relações com o outro e consigo mesmo” e como “uma tentativa visando a realização total de uma possibilidade”, ideia que reflete bem os dois primeiros períodos adotados neste capítulo. Havia uma tentativa de realização de um projeto de cidade nos Primeiros tempos e da realização de uma metrópole no período seguinte. Porém, o período da Crise deve ser visto quase como um anti-momento, ou seja, uma certa [não]realização ou uma [im]possibilidade. Por sua vez, o período Democratização dos últimos vinte anos busca a realização de uma possibilidade de cidade 40 Leis de atualização do Plano Diretor e Lei de Parcelamento, Uso e ocupação do Solo: Lei nº 8.137, de 21/12/2000 e Lei nº 9.959, de 20 de julho de 2010. 146 democrática. Um dos objetivos de se olhar para esses momentos passados está em ver o quanto eles se mantêm (ou se repetem) no momento presente, já que a (re)construção da história dos processos espaciais de Belo Horizonte contextualiza a análise do espaço e sua relação com a mobilidade a partir de quatro olhares propostos: os modos de transporte (a transição urbana), os pedaços da cidade, os espaços públicos e a disputa entre o transporte coletivo e o individual pelo tempo. Cada um dos momentos marcaram o espaço e contém os espaços produzidos nos momentos anteriores, constituindo assim um palimpsesto espaço- temporal. A analogia com o palimpsesto (“papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro”41 e que guarda vestígios dos escritos anteriores) contribui para caracterizar o espaço urbano tanto com seus elementos arquitetônicos (edifícios e urbanizações) que se constroem e se destroem, quanto por seus elementos urbanísticos (forma urbana, bairros, ruas, praças e avenidas), que são mais que vestígios, pois orientam e até determinam as ocupações futuras. Harvey (2006, p. 69) defende que a “aparência de uma cidade e o modo como os seus espaços se organizam formam uma base material a partir da qual é possível pensar, avaliar e realizar uma gama de possíveis sensações e práticas sociais.” Harvey (1995, p. 1-2) propõe desvendar uma cidade por suas camadas, que formam um “palimpsesto, uma paisagem composta de várias formas construídas, sobrepostas umas às outras ao longo do tempo”; e aponta que “as realidades da política e da economia do final do século vinte nos pressionam, demandando soluções urgentes para inúmeras questões. A ênfase será nos elementos urbanísticos, especialmente os que se relacionam com os espaços públicos (ruas, praças e avenidas), que são destacados por sua correlação com a forma urbana resultante (os bairros e os pedaços) e com as opções de mobilidade. Há ainda destaque para a ocupação social e funcional dos espaços privados e públicos, que complementam a resultante socioespacial desejada. Os elementos arquitetônicos, ainda que presentes, não serão caracterizados como forma (suas fachadas, seus estilos e seus contextos históricos) e sim como função (seu uso como lugares de copresença que geram e atraem viagens) que é o que impacta a mobilidade. 41 Definição do Houaiss, Villar (2004, p. 2111). 147 3.2 PRIMEIROS TEMPOS (1897-1950): PLANEJAMENTO E EXCLUSÃO DOS PROCESSOS DE OCUPAÇÃO DO ESPAÇO CONCEBIDO DA CIDADE QUE É CIDADE A mudança da capital mineira buscou sinalizar os novos tempos que a República queria inaugurar – tempo de progresso material, de progresso cultural, de cidadania e bem-estar coletivos. Belo Horizonte foi, sob vários aspectos, uma espécie de cartão de visitas do novo regime. Seu traçado, sua fisionomia eram mais que uma metáfora da nova ordem que se buscava implantar, eram materializações de uma filosofia, de uma política, de uma pedagogia, de uma nova forma de sociabilidade. As ruas largas, as avenidas arborizadas, as numerosas praças, os espaços públicos generosos, o grande parque central da cidade eram a presentificação de uma nova proposta de vida comunitária em que a rua convidava ao convívio, à interação social. (CEDEPLAR, 2004a, p. 11). A Belo Horizonte planejada foi construída a partir de desenho urbano influenciado pelos padrões culturais do período barroco, traçado em forma de “tabuleiro de xadrez”, cortado por largas avenidas (MONTE-MÓR, 2008, p. 5). CEDEPLAR (2004a, 12-3) destaca que a cidade nasceu desafiando preconceitos e obstáculos e foi construída em tempo recorde, considerando seu isolamento relativo e a precariedade dos sistemas viário e de transportes vigentes. Concebida para abrigar uma população de, no máximo, 200 mil habitantes para ser um centro político e administrativo, era explícita no Plano a tese de que a cidade não teria vocação industrial e nem reivindicaria ser polo econômico regional ou nacional: as atividades econômicas (produção, comércio e serviços) seriam aquelas necessárias ao atendimento das demandas dos moradores da cidade. No essencial, os planejadores da cidade entendiam que a simples presença da capital do estado em região central do território induziria tanto uma reconfiguração espacial das atividades econômicas, da infraestrutura viária, de transportes e comunicações, de movimentos migratórios, que redefiniriam a ocupação do espaço mineiro por meio de efetivo processo de integração e rearticulação regional. Uma cidade pensada para ser capital do Estado tanto no sentido de ser referência regional quanto em ser o lócus do funcionalismo. A zona urbana seria habitada por uma classe média de funcionários e pela elite da cidade, enquanto a zona suburbana, que envolvia a zona urbana e tinha previsão de características de ocupação do solo mais rurais, seria a “zona popular”. 148 Uma das características do plano urbanístico de Belo Horizonte foi não pensar (e nem produzir) espaços para as classes sociais mais populares além da zona rural. Flávio Villaça (1998), ao fazer um comparativo entre as estruturas urbanas de algumas cidades brasileiras42 relata o processo de ocupação da capital mineira, restrito em sua oferta de terra pela Comissão Construtora, que apenas cedeu ou vendeu lotes situados em uma pequena faixa, destinados a comportar uma população inicial de 30 mil habitantes. A ocupação inicial limitou- se às camadas médias, funcionários públicos transferidos de Ouro Preto, proprietários de imóveis e outros pioneiros. Seguiu-se a chegada da alta e média burguesias e posteriormente os poucos industriais. A cidade foi pensada por Aarão Reis apenas de um lado da barreira física do Ribeirão Arrudas, em um processo duplo de segregação (da elite e das camadas populares): “ele [Aarão Reis] sabia que, se esse ribeirão viesse a seccionar a cidade ao meio, estaria sendo criada uma área planejada que tinha um lado melhor e outro pior, o que seria inaceitável” (VILLAÇA, 1998, p. 120), uma vez que as classes médias e altas não aceitariam localizações ruins: “a área planejada, sendo destinada às burguesias, tinha que ser ‘boa’ integralmente.” Villaça faz uma crítica da estruturação urbana da cidade enfatizando que “as forças do mercado, conduzidas pela preferência das burguesias, superaram as do planejamento, de maneira que Belo Horizonte não se constitui exceção dentre nossas metrópoles” (VILLAÇA, 1998, p. 119), pois, como constata Milton Santos (SANTOS, 199343, p. 89 apud VILLAÇA, 1998, p. 120): “nunca é demais lembrar que mercado e espaço, ou ainda melhor, mercado e território são sinônimos. Um não se entende sem o outro.” O que se destaca é que o processo de valorização da área ocupada pelas classes de renda mais alta e sua segregação das áreas ocupadas pelas classes de renda mais baixa está intrinsicamente conectado ao planejamento e sua execução pela Comissão Construtora. As camadas populares foram alojadas fora da área planejada, mesmo que nos primeiros anos ainda tenham conseguido se alojar dentro da área urbana em favelas, barracões de obras, alojamentos e casas antigas, sendo esse um dos fatores que explicam que até 1912 a população ao Sul dessa barreira ainda era maior que ao Norte. Resume Almeida (2014, p. 208) ao analisar esse período: “Belo Horizonte, assim, emerge fragmentada, homogênea e hierarquizada, de forma a reproduzir o poder da 42 São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador e Porto Alegre. 43 SANTOS, Milton. A urbanização brasileira. São Paulo: Hucitec, 1993. 149 oligarquia mineira, negando aos operários sua inserção no plano urbanístico da cidade.” O projeto BH Século XXI afirma que a história da cidade confirmará e negará as teses dos planejadores, mantendo-se por algum tempo uma “cidade não industrial” com tendências de valorização das atividades de serviços e comércio; por outro lado, contrariando o plano original pelo crescimento demográfico e pela expansão das atividades econômicas que transformaram a cidade num polo econômico e não apenas uma capital política e administrativa. A cidade ultrapassa os duzentos mil habitantes previstos já no final da década de 1930, como pode ser observado no Gráfico 2 (população entre 1900 e 1950). Conforme CEDEPLAR (2004), esse crescimento demográfico deve ser visto como resultado de um significativo processo de expansão econômica, que explicaria a força atratora da capital, que continuou com crescimento demográfico superior à média do estado de Minas Gerais e do Brasil até a década de 1980, explicável principalmente pelos fluxos migratórios. Gráfico 2 – Evolução da população de Belo Horizonte (1900 – 1950). Fonte: Elaboração própria a partir de GIANNETTI, 1951; PBH, 198544 apud CEDEPLAR, 2004a. 44 GIANNETTI, Américo Renê. Plano-Programa de Administração de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PBH, 1951. PBH - Prefeitura de Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Planejamento Perfil de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PBH, 1985. 13.472 18.662 33.245 45.741 56.914 81.396 116.981 167.712 214.307 272.910 352.724 0 50.000 100.000 150.000 200.000 250.000 300.000 350.000 400.000 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 H ab it an te s 150 Mas o crescimento da capital na primeira metade do século XX não se limitou ao demográfico. Surpreendentemente, houve um crescimento significativo do setor industrial, fazendo com que Belo Horizonte saísse do 3º lugar, entre os municípios mais industrializados de Minas Gerais em 1920, para a primeira posição neste quesito, em 1946, representando 14% do valor da produção industrial de Minas Gerais. (SINGER, 196845, p. 236 e 254 apud CEDEPLAR, 2004a, p. 14). Desde a década de 1940 o desenvolvimento industrial de Belo Horizonte ultrapassou os limites do município na direção do eixo Oeste, especialmente Contagem, e posteriormente, Betim. Ainda assim, esse crescimento industrial foi dificultado pela precariedade da oferta de energia elétrica, que só foi superada com a instalação da CEMIG, em 1952. Em paralelo, houve a confirmação de sua vocação de cidade de serviços, com forte desenvolvimento na cidade de atividades terciárias: atividades de administração pública, educacionais, culturais, bem como as atividades comerciais, bancárias e financeiras. “Neste sentido, Belo Horizonte nasce e se expande como cidade que é cidade, isto é, cidade que tem na oferta de serviços sua marca específica” (CEDEPLAR, 2004a, p. 16, grifo nosso). O principal resultado desse surpreendente crescimento populacional e econômico, aliado às restrições de ocupação na área planejada, é que rapidamente a mancha urbana ultrapassa a área planejada (hoje denominada Área Central) cuja população nunca se limitou às classes médias e aos funcionários. A área planejada tinha superfície de 881,54 hectares (2,7% do município) e antes de ser totalmente ocupada, a cidade ultrapassou seus limites para Lagoinha, Serra e, posteriormente, para outras áreas ao Sul e ao Norte. A Figura 19 e a Figura 20 apresentam as manchas urbanas em relação ao território da cidade (em 1918, percebe-se os distritos de Barreiro e Venda Nova, urbanizações que antecedem à capital) e o significativo espalhamento da cidade até 1950. Esse crescimento populacional é sempre citado como um fator não controlado e nem previsto pelo plano, bem como a exclusão de fatias da população. O fenômeno de exclusão dos mais pobres foi motivado pelas condições de acesso à terra que fizeram que somente famílias mais ricas adquirissem ou aceitassem lotes (VILLAÇA, 1998, p. 122-3). Se nos primeiros anos, os mais pobres ainda eram admitidos dentro da área urbana, já em 1912 a população mais pobre se alojava ao norte do Arrudas46. 45 SINGER, Paul. Desenvolvimento Econômico e Evolução Urbana. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968. 46 Em números: população na zona urbana em 1905 era de 7.694 moradores (41,2% do total); em 1912, 12.033 pessoas moravam na zona urbana (31,0% do total) (VILLAÇA, 1998, p. 123). 151 Figura 19 – Áreas edificadas em Belo Horizonte (1900 – 1940). Fonte: PLAMBEL47 apud Villaça, 1998, p. 121. Figura 20 – Mancha de ocupação urbana de Belo Horizonte (1918, 1935 e 1950). Fonte: CEDEPLAR, 2004b, p. 24-5. 47 PLAMBEL, não identificado, supostamente: PLAMBEL. 1974. Esquema metropolitano de estruturas, Belo Horizonte, FJP, 1974. 152 Esse fenômeno de exclusão é analisado por Heloísa Soares de Moura Costa (1994, p. 52) em relação à habitação: “dadas as diferenças de preços de terrenos e a necessidade de compra de um lote para se ter acesso à cidade, o processo de ocupação dos espaços suburbano e rural se deu de forma muito mais intensa, permanecendo o espaço central excessivamente vazio e consequentemente dispendioso aos cofres públicos.” Costa apresenta um aspecto intrigante desse processo contraditório, que a produção de um espaço excludente se volta “contra” os produtores, tornando os custos de urbanização dispendiosos por falta de proprietários e que: “a intenção, claramente expressa pelos idealizadores do espaço, de direcionar seu adensamento a partir do centro estava sendo subvertida pelo mercado imobiliário e por aqueles que insistiam em habitar Belo Horizonte.” (COSTA, 1994, p. 53). Costa aponta ainda um aspecto da exclusão específica da tipologia habitacional: no Censo de 1912, das 6.808 construções existentes na cidade, 27% eram barracos; apenas 15% tinham energia elétrica, 36% eram abastecidas por água e 24% tinha sistema de esgotos. Essa precariedade habitacional vai se tornar questão apenas quando invade o espaço planejado da zona urbana, em uma inversão de sentido da ocupação proposta: em 1902, a atual região do Barro Preto tinha cerca de 2.000 pessoas em favelas. Ao contrário da evolução da maioria das cidades, em Belo Horizonte, por sua característica de forte controle de acesso à terra, as partes centrais ainda eram rarefeitas no momento em que as periferias e as favelas começam a se formar. Villaça (1997 e 1998) enfatiza o avesso do duplo processo de exclusão e autossegregação ao destacar as estratégias de ocupação das classes de alta renda em áreas de melhor localização e maiores atrativos: “Desde a segunda metade do século XIX, quando a maioria das atuais metrópoles do país começou a apresentar altas taxas de crescimento, as classes de mais alta renda começaram a exibir um processo de segregação que segue, até hoje, a mesma tendência. Em todas elas, sem exceção, a tendência é dessas classes se segregarem numa única e mesma região geral da cidade” (VILLAÇA, 1997, p. 1377). Pelas características de cidade planejada, esse fenômeno, em Belo Horizonte, começa antes da própria cidade existir. Essa primeira fase da história da cidade que nasce de sua estruturação, vai se encerrar com sua reestruturação urbana, promovida durante o governo Juscelino Kubitschek (entre 1940 e 1945), que antecipa o que JK vai simbolizar nacionalmente dez anos depois. A reestruturação 153 tem como símbolo a Pampulha, mas vai além. A “força da cultura” que marca a criação da cidade vai marcar sua “reinvenção”, que não nega o passado, pois traz nova tentativa de ousadia técnica e estética, reforçando a crença em um espaço produzido pelo Estado, racional e direcionado para classes de renda mais alta, pois além do loteamento sofisticado próximo à lagoa da Pampulha, é desse período a implantação do bairro Cidade Jardim que vão compor os dois primeiros subúrbios da cidade. Nessa mesma década de 1940, ainda foi criada por lei a Cidade Industrial em Contagem48, inaugurada em 1946 e que se consolidada apenas na década de 1950, impulsionada pela criação da CEMIG, fato que contribui para a superação das limitações energéticas. Conclui o estudo do CEDEPLAR que a evolução da cidade nesses Primeiros tempos tem um lado de pioneirismo cultural, educacional, urbanístico em paralelo a um lado fortemente antidemocrático e excludente. Nenhum Prefeito é eleito nesse período e há muita desigualdade na distribuição de renda e acesso à terra urbana. A cidade nascida para ser cidade, fruto de um ato técnico e político, balizada pela intervenção do Estado, republicana e contraditória em sua tensão entre a forma moderna de sua estrutura arquitetônica e urbanística e certo conservadorismo da sociedade, essa cidade moderna e modernista estava preparada para virar metrópole. A cidade foi planejada por Aarão Reis para ter um sistema de transporte coletivo por bondes elétricos, que só vai ser criado em 190249. De fato, o primeiro passo para a estruturação do transporte coletivo antecedeu a cidade e foi a construção do ramal Estrada de Ferro Central do Brasil que ligou a Praça da Estação a General Carneiro no município de Sabará, e como consequência a Ouro Preto e Rio de Janeiro. Essa rede embrionária, operada pelo empresário conde de Santa Marinha, possuía um trecho entre a Praça da Estação e a Praça da Liberdade, que possibilitava o primeiro “serviço de transporte urbano” de Belo Horizonte. Para implantar o sistema de bondes elétricos previsto, deveriam ser realizadas infraestruturas e disponibilizada energia elétrica, o que exigia altos recursos. Enquanto a Prefeitura se 48 Em 1941, através dos Decretos-Lei 770, de 20 de março de 1941, e 778, de 19 de junho de 1941, foi criado o Parque Industrial, mais tarde denominado Cidade Industrial, em Contagem. A escolha do local poupou Belo Horizonte, considerada a "Cidade Jardim" do Estado, sendo escolhida uma área pouco habitada, de relevo suave boa acessibilidade às estradas que ligavam Minas Gerais ao Rio de Janeiro (445 km) e a São Paulo (600 km). 49 O período que vai de 1894 a 1912 é denominado por FJP (1996, p. 29-56) como A criação da cidade e a implantação do sistema de bondes. 154 organizava para isso, entre 1898 e 1900, alguns particulares fizeram tentativas de criação de serviços de bondes por tração animal, que também se inviabilizou pelos altos custos de instalação de trilhos. A inexistência do transporte reforçou o quadro de exclusão social provocado pela dinâmica de ocupação e, provavelmente reforçou os processos de formação das favelas em regiões do Alto da Estação (hoje Floresta) e Córrego do Leitão (hoje Barro Preto). Já em 1898, o Prefeito Adalberto Ferraz faz a remoção da população dessas primeiras favelas, levando-a para uma área na Lagoinha, mas parte dessa população preferiu mudar-se para General Carneiro e Sabará, onde o aluguel era mais barato e já existia conexão de transporte pelo ramal ferroviário, criando uma pressão pelo barateamento da passagem do trem nesse percurso, ou seja, dando características de um trem de subúrbio ao trecho. Apenas em 1902 foram inauguradas as primeiras linhas de bonde operadas pela empresa concessionária Companhia Ferro-Carril de Belo Horizonte, com ligação norte-sul e velocidade máxima era 20km/h. Os benefícios são imediatos e rapidamente o serviço de transporte por bonde foi apropriado pela população, que passa também a reivindicar melhorias no serviço. Os novos serviços de transporte iam sendo criados e expandidos em permanente conflito com a expectativa e o desejo da população, o que vai permanecer em toda história do transporte público da cidade. Enquanto a população reivindica serviços para bairros mais densamente povoados, os serviços foram sendo expandidos priorizando interesse do transporte de carga e para bairros mais nobres da região suburbana, onde a Prefeitura tinha interesse em induzir o crescimento, como é o caso do bairro Serra. Boa parte das queixas e reivindicações deste período vem da população dos bairros que cresceram à revelia do plano de Aarão Reis: a Lagoinha (1906), o Calafate (1908) e o Barro Preto50 (1907, 1909). Em fins de 191151, o transporte coletivo passa a ser operado pela “Sampaio Corrêa & Comp.”52, que ganha a concessão de fornecimento de energia e transporte por bonde, por 53 anos. A 50 O Barro Preto despertou interesse de grupos econômicos em manter a mão de obra reserva na região, em assentamentos precários, fenômeno que mais tarde (décadas de 1960 e 1970) passa a ocorrer em escala imensamente maior (FJP, 1996, p. 55). 51 O período entre 1912 e 1926 é denominado por FJP (1996, p. 57-74) de O primeiro período de gestão privada dos transportes coletivos. 52 Ao contrário da maioria das cidades brasileiras, que estavam concedendo a empresas estrangeiras seus sistemas de infraestrutura, a Sampaio Corrêa & Comp. era de capital nacional. 155 nova concessionária realiza inúmeros ajustes e melhorias nos serviços (15 novos bondes, duplicação de trechos centrais, etc.), mas os serviços ainda eram insuficientes para atender a população que vivia em sua maioria fora da zona urbana, gerando crises e queixas, e apenas uma pequena expansão dos serviços - na década de 1920, após um acordo entre a concessionária e a Prefeitura. A alternativa que se cria para a melhoria dos transportes coletivos foi a inauguração do serviço de auto-ônibus, em 1923, operado pela empresa Ladeira & Raso, através de contrato homologado com a Prefeitura. Já ao final desse ano, existiam quatro linhas de auto-ônibus em operação complementar aos bondes. Em 192653, decorridos apenas 15 dos 53 anos previstos da concessão, o Estado de Minas Gerais assume o controle do sistema, através de uma intervenção que dura três anos. O problema dos transportes explode, decorrente da estagnação dos serviços de bondes e da grande expansão urbana, especialmente com o boom imobiliário que ultrapassou o projeto original (mesmo com parte da zona urbana, a sudoeste, ainda desocupada). Ao longo da década de 1920, vários loteamentos eram abertos em regiões próximas aos locais atendidos pela rede de bondes, com pouca ou nenhuma infraestrutura, chegando a 25 novos bairros e vilas fora da zona urbana já em 1930. Uma das exceções foi o loteamento da Nova Suíça que foi precedido de uma nova linha de bonde. Nesse período de Intervenção do Estado de Minas Gerais, algumas melhorias foram realizadas, como a implantação do um grande abrigo para bondes na Avenida Afonso Pena, mas a ampliação do transporte coletivo se deu prioritariamente por novos serviços de ônibus. Em 1929, pela primeira vez na história da cidade, as tarifas dos bondes foram reajustadas, dobrando de preço - passando de 100 para 200 réis - e provocando forte reação popular. E em outubro desse mesmo ano, por decisão política do Presidente do Estado de Minas Gerais, um novo contrato de concessão foi assinado, agora com a Companhia de Força e Luz de Minas Gerais - CFLMG54, composta fortemente de capital estrangeiro, como acontecia nas demais grandes cidades brasileiras. As motivações políticas dessa decisão são descritas por Paul Singer (197755, p. 260, apud FJP, 1996, p. 84 e 87): o governador de Minas Gerais, Sr. Antônio 53 Entre 1926 e 1929, no período denominado A intervenção do governo estadual pela FGP (1996, p. 75-94), 54 O período entre 1929 e 1949 é denominado O período de gestão da Companhia Força e Luz (FJP, 1996, p. 95- 152). 55 SINGER, Paul. Desenvolvimento econômico e evolução urbana no Brasil. São Paulo: Nacional, 1977. 156 Carlos, estava comprometido em contribuir com 6 mil contos para o movimento armado de 1930 e como “o Governo mineiro, boicotado pela União, não conseguisse levantar o dinheiro, recorreu à venda do sistema elétrico e de bondes de Belo Horizonte.” Nesse período há uma forte transformação no espaço urbano, preparando a cidade para um verdadeiro salto populacional e a metropolização posterior. São implantados grandes eixos, como a Avenida Amazonas e Antônio Carlos, que marcarão a cidade nas direções Oeste e Norte e ainda implantadas avenidas em fundos de vale, como a Silviano Brandão e a Pedro II. Esse novo sistema viário viabiliza a montagem de um sistema de exploração por ônibus com maior capilaridade, tornando-o mais lucrativo e eficiente. A cidade se consolida, novos bairros se firmam no eixo Oeste, Noroeste e Norte. É o período de novos loteamentos marcados por interesses especulativos, mesmo quando na ilegalidade. É a “arrancada para o progresso”, com instalação de zona industrial fabril no Barro Preto, da Cidade Industrial de Contagem e da Reurbanização da Pampulha. Em relação aos serviços de transporte coletivo, as queixas continuam, agora com greves e quebra-quebra (em 1934), serviços insuficientes e superlotação. A década de 1940 chega com crise no abastecimento de combustíveis, decorrente da guerra, e um forte poder da Companhia de Força e Luz e sua associação a empreendimentos imobiliários. No entanto, apesar de todos os problemas, a década de 1940 é paradoxalmente o momento de maior utilização dos bondes e de sua irreversível decadência. Pela crise de combustíveis, em 1945 os ônibus atendiam apenas 10% da demanda e já em 1949, passou para 50% do total de passageiros. Em 1947, 75 carros de bonde transportavam 73 milhões de passageiros por ano (FJP, 1996, p.141). Ao longo deste período foi aumentando a quantidade de serviços por ônibus, através de concessão de licença pela Prefeitura para auto-ônibus e autolotações. Em 1948, nova greve se alastra na Companhia de Força e Luz e em fins de 1949, a Prefeitura assina contrato municipalizando os serviços para, a partir de janeiro de 1950, operar os transportes coletivos (ônibus e bondes). 157 3.3 METROPOLIZAÇÃO (1950-1980): CRESCIMENTO ECONÔMICO E (MAIS) EXCLUSÃO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO METROPOLITANO Se as primeiras décadas de Belo Horizonte foram dominadas pela presença do estado, a dinâmica da cidade, entre 1950 e 1980, será marcada, em grande medida, pelo capital. Reconhecer isto, contudo, não significa ignorar a importância dos três níveis de governo na vida da cidade, senão que é constatação do fato de que neste período encerrou-se a etapa de implantação da cidade, aquela em que o poder público, de fato, determinou os grandes vetores do desenvolvimento da cidade: as grandes estruturas viárias, os equipamentos coletivos estruturantes, as grandes obras de infraestrutura etc. A partir daí será o capital que vai determinar mesmo certas ações do poder público no sentido de valorização de terrenos, de facilitação de vantagens e lucros. (CEDEPLAR, 2004a, p. 18)56 O período da Metropolização é mais fácil de ser percebido pelo que a cidade se transformou, mas “tem sua gênese nos anos 40, período marcado por importantes intervenções públicas que definiriam os futuros processos de expansão da capital e sua conturbação com os municípios vizinhos, principalmente a oeste e norte” (ANDRADE, 2009, p. 3). Mais uma vez, um forte fator da transformação desse período é a explosão populacional, ainda mais intensa que na primeira metade do século XX. Se em 1950 a população era de 352.724 pessoas, essa quantidade vai ser multiplicada por cinco em trinta anos, chegando a quase um milhão e oitocentos mil habitantes em 1980, como mostra o Gráfico 3. Em paralelo ao impressionante crescimento populacional, o crescimento espacial é fruto de dois grandes movimentos interligados: o processo de industrialização e intervenções públicas estruturadoras da ocupação do espaço e a atuação do capital imobiliário, tendo como produto espaços diferenciados de reprodução, através da habitação (COSTA, 1994, p. 56). Uma forma de abordar a dinâmica urbana deste momento de Metropolização foi proposta por Costa (1994, p. 56-67) através de dois olhares: a produção de um espaço para a produção; a produção de um espaço para a reprodução. O espaço para a produção na metrópole desse período começa pela Cidade Industrial em Contagem, inaugurada ainda na década de 1940 e apresentada na Figura 21. Apesar de se iniciar com poucas empresas - apenas 10 em 1950 -, já abrigava 82 empresas em 1960 (COSTA, 1994, p. 56-7). 56 Ao final dessa passagem, há uma ressalva: “não se conclua, do que foi dito, que o capital não tenha se beneficiado da ação do estado no período anterior a 1950.” Essa ressalva é justificada, principalmente, pela presença de capital privado nas concessões do serviço de bondes e de energia. 158 Gráfico 3 – Gráfico da evolução da população de Belo Horizonte (1950 – 1980). Fonte: Elaboração própria a partir de PBH, 198557 apud CEDEPLAR, 2004a, p. 18. Figura 21 – Vista aérea da Cidade industrial (1970) e atual (imagens de 2009). A Cidade Industrial, já estava relativamente ocupada no início dos anos 1970, mas segue se consolidando. Fonte: http://novo.contagem.mg.gov.br/?hs=303766&hp=776903 (Foto do Acervo Casa da Cultura Nair Mendes Moreira atribuída ao início dos anos 1970 pelo próprio site) e Google Earth. A “força da economia” começa a se impor no período da Metropolização desde a década de 1950, se beneficiando do crescimento da economia brasileira do período, e a RMBH passa a ser responsável por 38,4% do valor da transformação industrial do estado CEDEPLAR (2004a, p. 18). Pela sua localização estratégica, Belo Horizonte se aproveitou direta e indiretamente 57 PBH - Prefeitura de Belo Horizonte, Secretaria Municipal de Planejamento Perfil de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PBH, 1985. 352.724 693.328 1.235.030 1.780.855 0 200.000 400.000 600.000 800.000 1.000.000 1.200.000 1.400.000 1.600.000 1.800.000 2.000.000 1900 1905 1910 1915 1920 1925 1930 1935 1940 1945 1950 1960 1970 1980 H ab it an te s 159 dos investimentos no setor minero-metalúrgico de grande porte desde o final da década de 1930, a partir da construção da Usina da Companhia Siderúrgica Belgo Mineira localizada em João Monlevade (inaugurada em 1937). Os setores de energia e construção civil também repercutiram na cidade pela presença da CEMIG e de grandes construtoras, que vão marcar as décadas de 50, 60 e 70 com grandes obras de engenharia pesada. A cidade se beneficiou desse período de crescimento por dois fatores fundamentais: estar bem localizada em relação aos setores em desenvolvimento e contar com serviços – escolas, universidades, centros de pesquisas, centros de lazer e consumo, etc. – para dar o suporte às atividades industriais. A expansão do setor industrial se deu a partir desse vetor minero-metalúrgico, destacando-se a instalação da Mannesmann, em 1954, na região do Barreiro. Durante a década de 1960 a grande centralidade industrial se forma no eixo Barreiro-Cidade Industrial em Contagem, mas na década de 1970, durante o “milagre econômico” aumentam-se os investimentos em espaços industriais com investimento público em Contagem e no eixo em direção a Betim, com a implantação fábrica da FIAT, da Refinaria Gabriel Passos e do CEASA na BR-040 em Contagem, caracterizando a “nova industrialização mineira” (ANDRADE, 2009, p. 4). Por sua vez, confirmando a vocação para o setor terciário, há uma grande expansão comercial e de serviços, principalmente do Hipercentro, que passa por forte verticalização e adensamento de empregos com galerias comerciais e prédios de salas que se mantém até os dias de hoje com muita vivacidade. A Figura 22 mostra a verticalização do centro, um dos efeitos decorrentes desse período. A região do Barro Preto se estrutura como polo têxtil importante e a Área Hospitalar, como polo de serviços de saúde (hospitais, clínicas e consultórios). Na década de 1970, inicia-se um processo de descentralização do comércio em direção à Savassi, que posteriormente ultrapassa as barreiras topográficas e se instala no Belvedere, com o primeiro Shopping Center da cidade - BH Shopping - em 1979. É também importante destacar nessa época a existência de duas centralidades regionais: Barreiro e Venda Nova, que ainda sem condições de competir com o Hipercentro, suprem parte dos serviços “regionais”. Esboça-se também uma mudança de uso no eixo da Avenida Pedro II e o início de comercialização na Avenida Cristiano Machado, que só se consolida anos mais tarde. 160 Figura 22 – Vistas aéreas de Belo Horizonte: Praça 7 e Praça Raul Soares (década de 1950) e Centro (década de 1970). Fonte: http://bhnostalgia.blogspot.com.br/ e http://curraldelrei.blogspot.com.br/2012/05/beneficos-ou- malditos-os-ramais-ferreos.html Por outro lado, a produção de espaço para a reprodução vai se tornar o grande problema desse período. Na primeira fase, a habitação operária aconteceu nos arredores das indústrias como forma de manter parcelas da força de trabalho próximas à produção, gerando grande procura por essas terras, o que acabou provocando um conflito entre os interesses dos promotores imobiliários (que queriam o parcelamento da terra e instalação de loteamentos), 161 e os interesses dos proprietários de terra (que defendiam a retenção dos terrenos vagos para valorização posterior). Esse conflito justifica os vazios urbanos intercalados com loteamentos operários na região de Contagem e Barreiro, bem como a relação de 2,5 lotes vagos para cada lote ocupado ao final da década de 1950 (PLAMBEL, 198058, apud COSTA, 1994, p. 57). Da mesma forma que nas grandes cidades brasileiras nesse período, o crescimento de Belo Horizonte é acompanhado de problemas sociais em proporções ainda maiores. Sem ter a mesma dramaticidade da favela carioca, a população favelada da cidade atinge pouco mais de 10% do total de habitantes, mantendo a proporção até início da década de 1980: passa de 119.799 pessoas em 1966 para 233.500 em 1981. A explosão das favelas acontece de fato no período seguinte, atingindo 550.000 (cerca de um quarto da população da cidade) já em 1985. [Fonte: COSTA e PEREIRA, 196759, p. 55; COSTA, 1994, p. 73 apud CEDEPLAR, 2004a, p. 20]. Os problemas decorrentes de um processo de urbanização sem a contrapartida de apoio social são evidentes, quando se trata da exclusão e empobrecimento de parte significativa da população que se materializa para além das favelas e moradias precárias. Dois importantes efeitos sobre as camadas sociais menos favorecidas, notadamente nas décadas de 1960 e 1970, são: (1) a formação de um “exército industrial de reserva” 60 , decorrente do inchaço das grandes cidades, que minava o potencial de atuação dos trabalhadores; (2) o processo que Kowarick (1979, p. 59) denominou espoliação urbana, ou as extorsões por inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo. Para ele, espoliação urbana “é o somatório de extorsões que se opera através da inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo que se apresentam como socialmente necessários em relação aos níveis de subsistência e que agudizam ainda mais a dilapidação que se realiza no âmbito das relações de trabalho” (KOWARICK, 1979, p. 59). 58 PLAMBEL. Programa de benefícios urbanos à população favelada do aglomerado metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PLAMBEL, 1980. 59 COSTA, Beatriz Meireles da; PEREIRA, Jesse de Azevedo. Estudo Monográfico de Belo Horizonte. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais, nº 17, dezembro de 1967, Belo Horizonte, UFMG. 60 O termo “exército industrial de reserva” foi formulado por Marx e refere-se à existência de uma massa de desempregados que contribui para baixar salários. Kowarick (1979, p. 58) explica como esse “exército” atua no caso brasileiro da década de 1960/1970: “permite dilapidar, através da superexploração do trabalho e da espoliação urbana, boa parte da mão de obra engajada nas engrenagens produtivas na medida em que os segmentos desgastados podem ser substituídos pelos vastos reservatórios disponíveis.” 162 A questão habitacional vai se agravando com o passar do tempo, forçando o aumento das favelas e de novos processos de loteamentos. Costa (1994) identifica que a alternativa que se colocava à ocupação ilegal dos espaços (invasões e favelas) era o loteamento popular. Se, por um lado, as favelas e invasões podem ser consideradas como uma “estratégia de ‘solução’ da questão habitacional, através da ocupação intensiva de espaços de certa forma preteridos em algum momento do processo de expansão da cidade” (COSTA, 1994, p. 61-2), por outro lado, na periferia, há um processo orquestrado “por parte de uma fração específica do capital imobiliário, que, num determinado momento, vislumbra as condições favoráveis para um produto específico: o lote popular” (COSTA, 1994, p. 62). Não se trata de movimento espontâneo e informal, mas antes de tudo, produto da omissão do estado e uma versão capitalista periférica do processo de suburbanização, que chega a produzir 85.000 lotes entre 1975 e 1979 (PLAMBEL, 198061 apud COSTA, 1994, p. 62). O resultado dessa ocupação espacial das periferias através de loteamentos populares, em sua maioria de péssima qualidade, é a constatação da espoliação urbana, pois há uma concentração espacial desses loteamentos em “bolsões dormitório”, que não são alvo de investimento público – pelo menos não nesse primeiro momento -, não recebendo bens e serviços de consumo coletivo. Logo, esses loteamentos também podem ser vistos como uma estratégia de “solução”, pois conseguem ser opção para moradia mais barata, exatamente por não possuir nem a moradia (que vai se viabilizar com salários futuros) e nem todos os bens de consumo coletivo, viabilizando o acesso à terra pelos moradores de baixa renda. Inúmeros problemas decorrentes dessa alternativa vão comprometer as ações e investimentos futuros tanto dos moradores, quanto das Prefeituras, e um dos primeiros problemas a ser resolvido ou reclamado é o transporte, pois sem ele, não é possível “realizar” a moradia. Dentro do município de Belo Horizonte, o principal eixo de produção desta moradia foi o eixo Norte, com Venda Nova inicialmente e depois Ribeirão das Neves e Vespasiano se tornando as grandes regiões dormitório da Região Metropolitana nesse período. Na RMBH, por sua vez, além do forte crescimento populacional do eixo Norte, é no prolongamento do Eixo Oeste que surgem mais loteamentos populares. O resultado é uma nova periferia que “apresenta um padrão 61 PLAMBEL. Programa de benefícios urbanos à população favelada do aglomerado metropolitano da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Belo Horizonte: PLAMBEL, 1980. 163 extremamente precário que traz as marcas do improviso, do inacabado e da carência absoluta e reflete o ritmo acelerado de construção exigido pela dinâmica de crescimento da cidade, caracterizando-se como espaço da simples reprodução da força de trabalho, totalmente excluído da fruição do urbano (PLAMBEL 1986, p. 79 apud SOUZA J., 2008, p. 63). No que se refere à habitação de renda média e alta, ocorre um aumento significativo da oferta habitacional com a verticalização e ocupação de áreas ao sul, como é o caso da Avenida Prudente de Morais, Santa Lúcia, Santo Antônio, São Bento e Luxemburgo. As décadas desse período - principalmente a de 1970 -, foram de produção intensa do espaço metropolitano, mas a inércia de ocupação desse espaço se prologa pelos anos 1980 até os dias de hoje. A RMBH se estabelece formalmente (com 14 municípios) por lei apenas em 197362, número esse que vai aumentar a partir dos anos 1980. A Tabela 1 apresenta a população de Belo Horizonte e de sua região metropolitana entre os censos de 1940 e 2010, identificando o peso da capital sobre o total, o acréscimo de habitantes em cada década (total e taxa ao ano) e o quanto esse acréscimo corresponde ao município sede. Como pode ser constatado, o maior acréscimo percentual da população de Belo Horizonte se deu nos anos 1960, quando a cidade cresceu a impressionantes 6,99% ao ano, mantendo acelerado ritmo na década de 1970, com 5,94% de crescimento ao ano, o que trouxe o maior acréscimo populacional absoluto da história da cidade: entre 1960 e 1970, a população aumentou 541.702 habitantes; e entre 1970 e 1980, foram mais 545.825 habitantes, totalizando mais de um milhão de pessoas em vinte anos. Por sua vez, a RMBH cresce bastante nos anos 1970 (acréscimo de 246.505 habitantes), com 7,34% ao ano, mas seu grande boom quantitativo vai acontecer nas duas décadas seguintes, com percentuais anuais menores, mas quantidades expressivas de pessoas. 62 Lei Federal Complementar nº 14, de 08/06/73: Belo Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos, Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. 164 Tabela 1 – População de Belo Horizonte e Região Metropolitana entre 1940 e 1980. ANO VARIÁVEIS Belo Horizonte DEMAIS MUNICÍPIOS RMBH 1940 Total de habitantes 211.377 157.407 368.784 (em relação à RMBH) (57,3%) (42,7%) 1950 Total de habitantes 352.724 170.195 522.919 (em relação à RMBH) (67,5%) (32,5%) Habitantes adicionados na década anterior + 141.347 + 12.788 + 154.135 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (91,7%) (8,3%) Taxa de crescimento (% ao ano) 5,25% 0,78% 3,55% 1960 Total de habitantes 693.328 237.955 931.283 (em relação à RMBH) (74,4%) (25,6%) Habitantes adicionados na década anterior + 340.604 + 67.760 + 408.364 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (83,4%) (16,6%) Taxa de crescimento (% ao ano) 6,99% 3,41% 5,94% 1970 Total de habitantes 1.235.030 484.460 1.719.490 (em relação à RMBH) (71,8%) (28,2%) Habitantes adicionados na década anterior + 541.702 + 246.505 + 788.207 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (68,7%) (31,3%) Taxa de crescimento (% ao ano) 5,94% 7,37% 6,32% 1980 Total de habitantes 1.780.855 895.537 2.676.392 (em relação à RMBH) (66,5%) (33,5%) Habitantes adicionados na década anterior + 545.825 + 411.077 + 956.902 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (57,0%) (43,0%) Taxa de crescimento (% ao ano) 3,73% 6,34% 4,52% Fonte: Elaboração própria a partir de IBGE (Censos Demográficos de 1940 a 1980) e SOUZA; BRITO, s.d., p. 5. Em relação aos transportes, em 194963 , a Prefeitura havia municipalizado os serviços de transporte coletivo (bondes e ônibus), passando a gerenciá-los a partir de janeiro de 1950, com a criação da autarquia municipal Departamento de Bondes e Ônibus (DBO). Os serviços são inicialmente melhorados e ampliados e é implantada uma nova tecnologia: os ônibus elétricos ou trólebus. Os trólebus iniciam operação em 1953 em Lourdes, Coração de Jesus, Santa Lúcia e ex-colônia Afonso Pena (hoje Santo Antônio). Inicialmente, trazem insegurança e acidentes, mas como têm custos de instalação menores que os bondes, passam a ser ampliados e começam a substituí-los – demanda da própria população -, contribuindo para 63 Período entre 1950 e 1969 denominado por FJP (1996, p. 153-227) de Os setores público e privado na gestão dos transportes. 165 sua extinção em 1963. Apesar de algumas melhorias, esse período também é marcado por problemas operacionais (dificuldade da Prefeitura em operar o serviço, greves e reclamações) e a expansão dos serviços não anda no mesmo ritmo da expansão urbana. Muitas vezes, os trólebus faziam concorrência com linhas de ônibus, forçando a redução das passagens. Em uma “metrópole carente de tudo: transporte coletivo, habitação, serviços de água e esgoto, afetando até mesmo áreas mais centrais, habitadas por população de maior nível de renda” (FJP, 1996, p. 187), é nesse período que se registra o fortalecimento do modelo de transporte baseado no automóvel que começa a contribuir para os problemas urbanos, com o início de congestionamentos. Os recursos financeiros vão sendo a cada dia mais destinados à expansão de sistema viário, com o poder público passando a investir em planos voltados para o trânsito na área central, com implantação de mão única direcional em algumas ruas para ampliar capacidade, que gerou um caloroso debate ao se propor colocar mão única na Rua da Bahia, retirando os trólebus64. Em 1966 é publicado um parecer favorável à troca dos trólebus por ônibus, por sua flexibilidade na operação, processo que acaba afastando a Prefeitura da operação direta do serviço, pois passa a ser predominantemente operado por concessionários. Em 1967, a prefeitura implanta um projeto de reorganização dos pontos finais no centro, com retirada parcial destes pontos que passaram a ser operados nos bairros e com redução dos itinerários no centro. No final da década de 1960, se intensifica a hegemonia dos ônibus sobre os trólebus, que provocavam problemas de congestionamento por serem grandes e terem trajetos já inadequados para a evolução da cidade e era quase total a modalidade ônibus no serviço de transporte coletivo. A década de 197065 é de consolidação do processo de industrialização, expansão do setor de serviços e expansão da mancha urbana para o norte e oeste. Em 1974, logo após a criação da Região Metropolitana de Belo Horizonte - RMBH, foi instituída a autarquia estadual que seria o órgão gestor da RMBH: Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de 64 O debate é vencido inicialmente pelos defensores dos trólebus, já que se mantém, por algum tempo, a mão dupla para depois ser implantada a mão única. 65 O período entre 1970 e 1980 é denominado A região metropolitana e a supremacia do sistema de ônibus por FJP (1996, p. 229 – 270). 166 Belo Horizonte – Plambel (que surgiu a partir de grupo técnico da Fundação João Pinheiro, responsável pelo Plano Metropolitano de Belo Horizonte). O Plambel foi responsável por uma rica e extensa experiência de planejamento integrado, pela elaboração de diagnósticos e planos de alto nível técnico que serão implantados parcialmente na primeira metade da década de 1980. Todavia, a principal crítica que se fazia ao planejamento metropolitano vigente a essa época é o excessivo centralismo e autoritarismo, não abrindo espaço para a participação efetiva dos municípios nem da sociedade civil66. Nessa fase de grande aumento das demandas, as reformulações foram mais intensas, mas não conseguem resolver os problemas de forma definitiva. No final da década de 1970, nova reformulação nos pontos do centro e trajetos mais curtos foram implantados. O preço do transporte passa a se tornar questão crítica, com seguidos reajustes e seguidas queixas da população. A poluição começa a ser controlada, assim como a velocidade que provoca acidentes (é aprovada lei que exige implantação de tacógrafos nos ônibus) e, ainda, passa a ser obrigatório abrigos nas paradas, que começam a ser implantados em 1975. No entanto, a lotação passa a ser um problema constante e novos bairros passam a reivindicar linhas novas. A partir de 1975, o Plambel começa a mostrar resultados dos trabalhos técnicos a partir de diagnóstico apresentado no Simpósio sobre o Trânsito de Belo Horizonte, que apontava problemas de sistema viário rádio concêntrico, falta de hierarquização viária e sua compatibilização com o uso do solo, problemas que vão ser retomados na década de 1990. Foi também um momento de grande discussão de subsídios e de tarifa única. Em 1978 inaugura-se o serviço de linhas de luxo, cujos ônibus são batizados de “fresquinhos”, com objetivo de estimular o uso dos coletivos por segmentos de maior poder aquisitivo oferecendo-se como alternativa ao automóvel em decorrência da crise de combustíveis do período. Serviço polêmico, não conseguiu a diminuição do uso do automóvel pela classe média, sendo extinto pouco tempo depois67. O final da década de 1970 é marcado por grandes projetos para o setor. O Plambel realiza estudos para o trânsito e o transporte, que vão ser implantados no início da década seguinte e, em 1979, foi desenvolvido pela Empresa Brasileira 66 Fonte: http://www.rmbh.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=98&Itemid=74 [acesso em 22/10/2012]. 67 Em 2012, com os mesmos objetivos, foram implantadas três linhas de transporte “executivo”, que ainda não apresentaram resultados concretos neste sentido. 167 de Planejamento de Transporte (Geipot) o projeto do trem metropolitano, aproveitando o leito e trilhos da linha ferroviária de cargas existente, ideia aventada desde a década de 1960 e que teve implantação prevista para ser iniciada em 1982. Importante destacar que em paralelo com o desenvolvimento urbano, econômico e as alterações na gestão do transporte, apenas em 1979 a ocupação urbana passa a ser mais controlada pelo poder público, com a publicação da Lei Federal nº 6.766/79, que definiu normas gerais para o parcelamento do solo no Brasil (tanto no âmbito do direito civil, quanto regras de ordem urbanística e penal). Até essa data, o Decreto-Lei nº 35/40 regulamentava os parcelamentos do solo, e apenas seus procedimentos administrativos, o que fez com que os espaços produzidos nesse importante período de Metropolização fossem fruto mais da vontade do mercado imobiliário que das políticas públicas, com devidas exceções em Belo Horizonte, como será visto no item final desse capítulo. 3.4 CRISE (1980-1992): IMPLOSÃO E ESTAGNAÇÃO DA CIDADE DURANTE A OCUPAÇÃO DO ESPAÇO METROPOLITANO Desde 1980 a economia brasileira tem enfrentado crises. No essencial, a economia não tem crescido. Desde então, ao mesmo tempo o desemprego avança, a renda do trabalho decresce, os trabalhadores perdem direitos sociais e previdenciários, a exclusão social, a concentração da renda e da riqueza batem recordes. (CEDEPLAR, 2004a, p. 21-2). Apesar desse momento ser marcado pela crise econômica que afetava o mundo inteiro, e que Harvey vai identificar como o início do capitalismo de acumulação flexível, Belo Horizonte, sob a gestão metropolitana dp PLAMBEL e da Metrobel, vai começar a implantar grandes mudanças e consolidar o processo de metropolização através da ocupação e adensamento dos novos espaços metropolitanos marcados pela localização de populações de excluídos (alguns expulsos da capital e outros que migravam e já se instalavam na metrópole). Como a população de Belo Horizonte diminui seu crescimento e a RMBH continua a ritmo acelerado, é na metrópole que vai ocorrer o principal processo de desenvolvimento e que afeta diretamente a capital, que passa a ser sua fornecedora de empregos e serviços. Costa (1994, p. 68) destaca que “a trajetória da cidade foi marcada por alternância de momentos de expansão, como as décadas de 1950 e 1970, com momentos de retração e/ou 168 adensamento”, como as décadas de 1960 e 1980. Constata, ainda, que os períodos de expansão combinaram expansão econômica (produção de espaços industriais) com expansão do espaço (principalmente através de loteamento privado com fins residenciais); e arrisca generalizar que as fases de crise econômica coincidem com períodos de pouca expansão espacial. Atrelado ao “adensamento” demográfico, o impacto da ‘nova industrialização mineira’ da década de 1970 na RMBH contribuiu para que “‘estourassem’ certas condições de urbanização, historicamente frágeis, prevalentes na região (MONTE-MÓR, 1994, p. 25). Monte-Mór constata a exclusão dos não cidadãos, que foram morar fora do município de Belo Horizonte, transformando-os em transeuntes e em passageiros, para os quais o sistema de transporte metropolitano passou a ser pensado. Internamente, o impacto da modernidade advinda da nova industrialização fez-se sentir com toda força nas áreas centrais e periféricas da Região Metropolitana. O centro de serviços expandiu-se sobre as áreas habitacionais ricas, e proliferaram as periferias pobres, marcando com maior rigor a segregação socioespacial [sic] que caracterizou as cidades brasileiras pós-64. A metrópole industrial subordinou-se às lógicas hegemônicas do mercado de terras e da produção industrial no Brasil do ‘milagre’. O centro urbano, fechado sobre si mesmo, excluiu ainda mais fortemente do espaço do poder a população trabalhadora – o centro histórico implodiu -, adensou- se e excluiu os não cidadãos, exceto como transeuntes. (MONTE-MÓR, 1994, p. 25-26, grifo nosso). A Tabela 2 apresenta a evolução da população de Belo Horizonte e RMBH entre 1980 e 2010, apresentando o enorme crescimento populacional da RMBH nas décadas de 1980 e 1999, com acréscimo de mais de sessenta mil pessoas a cada ano, em média. Cabe lembrar que, no Censo de 1980, a RMBH possuía 14 municípios e passou a 18 municípios68 em 1991; no Censo de 2000 eram 3369 e, no último censo, chegou aos atuais 34 municípios70. 68 Em 1989 houve acréscimo de Mateus Leme, Igarapé, Esmeraldas e Brumadinho. 69 Em 1995, houve a emancipação de Juatuba (pertencente a Mateus Leme) e São José da Lapa (pertencente a Vespasiano); em 1997, houve emancipação de Confins (pertencente a Lagoa Santa), São Joaquim de Bicas (pertencente a Igarapé), Sarzedo e Mário Campos (antes pertencentes a Ibirité); houve ainda acréscimo de Florestal e Rio Manso; em 1998, são acrescidos os municípios de, Baldim. Capim Branco, Itabirito, Itaguara, Matozinhos e Nova União; e em 2000, acréscimo de Jaboticatubas e Taquaraçu de Minas e saída de Itabirito. 70 Acréscimo de Itatiaiuçu em 2002. 169 Tabela 2 – População de Belo Horizonte e Região Metropolitana entre 1940 e 1980. ANO VARIÁVEIS BH DEMAIS MUNICÍPIOS RMBH 1980 Total de habitantes 1.780.855 895.537 2.676.392 (em relação à RMBH) (66,5%) (33,5%) 1991 Total de habitantes 2.020.161 1.502.746 3.522.907 (em relação à RMBH) (57,3%) (42,7%) Habitantes adicionados na década anterior + 239.306 + 607.209 + 846.515 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (28,3%) (71,7%) Taxa de crescimento (% ao ano) 1,15% 4,82% 2,53% 2000 Total de habitantes 2.238.526 2.119.645 4.358.171 (em relação à RMBH) (51,4%) (48,6%) Habitantes adicionados na década anterior + 218.365 + 616.899 + 835.264 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (26,1%) (73,9%) Taxa de crescimento (% ao ano) 1,17% 3,97% 2,44% 2010 Total de habitantes 2.375.151 2.508.819 4.883.970 (em relação à RMBH) (48,6%) (51,4%) Habitantes adicionados na década anterior + 136.625 + 389.174 + 525.799 (% hab. adic. em relação ao adic. à RMBH) (26,0%) (74,0%) Taxa de crescimento (% ao ano) 0,59% 1,70% 1,15% Fonte: Elaboração própria a partir de IBGE, Censos Demográficos de 1980 a 2010 e SOUZA, s.d., p. 5. No período que vai de 1980 a 2000 ocorre, de fato, o boom populacional da RMBH, com mais de seiscentos mil habitantes adicionados a cada década (para ser mais preciso, seria necessário descontar a população dos catorze municípios71 adicionados à RMBH por período). É o fenômeno de adensamento do espaço metropolitano que havia sido produzido nas décadas anteriores. O Gráfico 4 mostra o resultado desses números, com uma nítida inflexão do crescimento de Belo Horizonte em relação à RMBH a partir de 1980, marcado com seta vermelha. 71 Apesar do número de municípios ter passado de 14 para 34, sete destes novos municípios são oriundos de emancipações de distritos de outros municípios que já compunham a RMBH. 170 Gráfico 4 – Gráfico de evolução da população de Belo Horizonte e RMBH (1950 a 1980). Fonte: Elaboração própria a partir de IBGE, Censos Demográficos de 1940 a 2010 e SOUZA, s.d., p. 5. A década de 1980 e início de 1990 é muito mais caracterizada pelos efeitos das décadas anteriores, que pelas dinâmicas do período. Souza; Britto (s.d., p. 15-16) vão propor analisar o papel dos movimentos migratórios na constituição da população da RMBH para melhor compreensão de seu processo de expansão. Sua análise de movimentos migratórios interestaduais, intraestaduais constata que é “praticamente impossível dissociar o processo de metropolização observado nas principais regiões metropolitanas brasileiras do processo de industrialização e das migrações internas dele decorrentes.” Na RMBH, são as migrações intraestaduais que contribuem de forma significativa para a ocupação da metrópole, principalmente de sua periferia. Esses migrantes, em sua maioria pobres e com baixos níveis de escolaridade, são expostos a intensos mecanismos de seletividade populacional (associados aos atributos socioeconômicos, a questões pessoais e familiares e às características das sociedades de origem e de destino. A mobilidade centro-periferia interna 211.377 352.724 693.328 1.235.030 1.780.855 2.020.161 2.238.526 2.375.151 368.784 522.919 931.283 1.719.490 2.676.392 3.522.907 4.358.171 4.883.970 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 3.000.000 3.500.000 4.000.000 4.500.000 5.000.000 1940 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010 BH RMBH 171 a Belo Horizonte e na RMBH é decorrência direta desse do processo de seletividade. Do outro lado, há também o que os autores denominam de periferização da riqueza, com ocupação dos migrantes mais ricos nos municípios de Nova Lima, Brumadinho e Lagoa Santa, respectivamente. A década de 1980 se inicia com grande transformação na gestão do sistema de transporte72, com a criação da empresa pública Companhia de Transportes Urbanos da Região Metropolitana de Belo Horizonte (Metrobel), que havia sido criada em junho de 1978, mas foi instituída de fato em junho de 1980. A Metrobel foi uma peça estratégica para suporte institucional dos planos elaborados pelo Plambel na década de 1970, tendo seu capital constituído de recursos do governo de Minas Gerais (51,22%), EBTU (20%), Prefeitura de Belo Horizonte (22,75%) e demais prefeituras e DER (6,03%). A Metrobel assume quase todos os serviços de gestão de transporte e trânsito e passa a ser referência no Brasil, com uma concepção técnica muita avançada que integrava o descongestionamento do trânsito com a rapidez para o transporte coletivo. Já no final de 1980, ocorreu o lançamento do ônibus padron, com chassis específico para transporte de pessoas e não a adaptação de chassis de caminhão, como era prática até então. Mas os dois principais projetos implantados pela Metrobel e que transformam o espaço metropolitano são o Programa de Organização do Transporte Público (Probus) e o Projeto da Área Central (PACE/7973). O PACE/79 visava reorientar os fluxos de tráfego através da hierarquização do sistema viário. Sua concepção nasceu da constatação, expressa no Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração, de que a Área Central vinha perdendo atividades e moradores, caracterizando a sua deterioração. Para reverter esse quadro, o PACE/79 pretendia o reordenamento da circulação viária, incluindo o fechamento de algumas ruas para uso exclusivo de pedestres. Intensificou-se a circulação nas vias arteriais e foi eliminado o tráfego de passagem das vias locais, configurando áreas ambientais a serem preservadas. Para isso, foram tratados os 72 Esse período entre 1980 e 1987 é denominado pela FJP (1996, p. 271-296) de A atuação da Metrobel - ou 7 anos de mil problemas. 73 Como na década de 1990 será realizado outro projeto de circulação para a Área Central com a mesma sigla, optamos por grafar cada um com seu ano de criação: PACE/79 e PACE/86. 172 corredores e a sinalização, proporcionando segurança para pedestres e veículos, bem como maior eficiência do sistema viário. A Savassi foi transformada em corredor de transporte coletivo (com o fechamento de várias ruas que desembocavam na Praça), assim como outras vias: Rua Platina, Rua Padre Eustáquio e Rua Niquelina. O mesmo ocorreu com as Praças Milton Campos e Rio Branco. Para a implantação do novo sistema de transporte (Probus) foram feitas modificações no trânsito das avenidas Paraná e Santos Dumont, com o estabelecimento de via exclusiva para ônibus, com mão dupla. As obras na Avenida Paraná permitiram aos ônibus espaço sem congestionamento no centro, para que realizassem mais viagens em um mesmo período de tempo e servissem de terminal longitudinal de coletivos, evitando os grandes deslocamentos a pé. Mas os problemas e reações começam: o projeto das avenidas Paraná e Santos Dumont provocaram numerosos atropelamentos e receberam a alcunha de Corredor da Morte; os comerciantes criticavam os corredores que não permitiam estacionamentos. O Probus foi um programa que veio reestruturar todo o sistema de transporte, com novos itinerários, linhas expressas e semiexpressas (bairro-centro), diametrais (bairro a bairro) e circulares, eliminando ao máximo os pontos terminais no centro e reduzindo o deslocamento dos passageiros no centro. O projeto previa laços de recobrimento, quando as diversas linhas tinham trechos coincidentes para que a população pudesse descer de um veículo e entrar em outro sem realizar grandes deslocamentos. Em julho de 1982 foram feitas as transformações, aproveitando-se da redução de movimento do mês de férias escolares. Em um fim de semana foram introduzidas todas as novas linhas e modificados os pontos de embarque. Mais problemas: as mudanças tiveram grande impacto na população, completamente desinformada. O novo sistema de cores e numeração substituindo o da década de 1960 foi considerado incompreensível de imediato (mais tarde, foi plenamente absorvido pela população). Na segunda-feira, a cidade parou, pois, a população ficou desnorteada sem saber os novos pontos e números de ônibus, e o órgão gestor recebeu as mais duras críticas. A empresa recém-criada ficou marcada para a população pelo seu saber técnico e pela dificuldade política, que, por sua vez, não encontrava respaldo na política mais geral, em pleno processo final de abertura política e luta pela redemocratização. Além das mudanças visíveis, 173 o sistema de remuneração adotado foi inovador, com a implantação da Câmara de Compensação Tarifária – CCT, que fazia a transferência de recursos entre as empresas operadoras de forma a que a remuneração se aproximasse do serviço efetivamente prestado (frota e quilometragem) e não do passageiro transportado (tarifa), fazendo com que linhas superavitárias subsidiassem as linhas deficitárias, no denominado subsídio cruzado. Esse sistema sobrevive à própria empresa, sendo retomado na década de 1990 e apenas extinto com as concessões recentes do final de 2007 (metropolitano) e 2008 (municipal). A relação com as empresas operadoras era de forte embate, promovendo fusões, extinção de algumas e uma modernização e profissionalização de sua gestão. No entanto, vários fatores acirraram o embate entre movimentos sociais e a Metrobel. Por um lado, crise urbana da fase da metropolização ainda cobrava melhorias do serviço, os movimentos sociais estavam renascendo no processo de redemocratização brasileiro e a crise econômica era evidente. Vários embates ocorrem nesse período, sendo um dos primeiros o denominado movimento contra o projeto Pró-Barreiro. Em julho de 1984 há outra reação popular contra a mudança do embarque para a porta dianteira que acaba sendo revisto. Em fins de 1985, a Metrobel passa por uma reestruturação, entra em uma fase de muitas concessões de gratuidades e pouco enfrentamento dos problemas e sua extinção é tema da campanha eleitoral deste ano. Em 1987, a Metrobel é extinta e substituída pela autarquia estadual Transportes Metropolitanos (Transmetro). Era o fim dos “Sete anos de mil problemas”. “Em meados da década de 1980, os transportes coletivos encontravam-se diante do seguinte paradoxo: ao mesmo tempo que o governo federal vinha reduzindo os investimentos no setor, os técnicos falavam em esgotamento das opções para contornar o problema diante da infraestrutura existente. Ao lado disso, a população vinha sofrendo um processo de grave achatamento salarial. A solução apontada era a dissociação entre cobertura dos custos operacionais e a arrecadação tarifária. Os subsídios apareciam como única saída para o impasse. Isso exigia a capacitação dos órgãos de gerência locais, custos reais de transporte e maior eficiência operacional das empresas, além de efetiva participação comunitária no setor.“ (FJP, 1996, p. 293). No final deste período, fatos importantes ocorreram em relação aos transportes coletivos. Em março de 1986, foi criado por lei o Vale-Transporte74, que respondia parcialmente à demanda 74 Lei Federal nº 7.418 de 16 de dezembro de 1985. 174 de “dissociação entre cobertura de custos operacionais e a arrecadação tarifária” e instituía um subsídio do custo com transportes dos trabalhadores com baixo salário, na prática definindo que o trabalhador pagaria no máximo 6% de seu salário com transporte coletivo para chegar ao trabalho; o que excedesse esse valor, seria pago pelo empregador. Em agosto de 1986, o trem metropolitano de Belo Horizonte entra em operação no trecho Lagoinha – Eldorado, sendo estendido em 1987 até a Estação Central. Esse trecho era de 12,5 km de um total previsto inicialmente de 37 km e apenas anos mais tarde o metrô chegaria a Venda Nova, totalizando apenas 28 km. Ao mesmo tempo em que se implantou o metrô, o trem suburbano até Betim foi extinto. A partir de 198875, se por um lado se fortalece a atuação estadual na gestão metropolitana (ao contrário da Metrobel que tinha ações divididas com EBTU, DER, Prefeitura de Belo Horizonte e demais prefeituras, a TRANSMETRO era 100% do Governo de Minas Gerais), ocorre simultaneamente o enfraquecimento da gestão metropolitana, motivado pelo movimento municipalista que domina a assembleia constituinte e pelas definições da Constituição de 1988 que tratam transporte coletivo (que tem caráter essencial) e o trânsito como questões de interesse local, e, portanto de âmbito municipal. Logo, pode-se enxergar esse período como o “canto do cisne” tanto da gestão estadual quando da gestão metropolitana centralizada, que até hoje não foi retomada. Foi um período marcado pelo abandono do planejamento metropolitano sem substituição por nenhuma outra escala de gestão e poucos fatos merecem ser registrados. De negativo, a CCT passa a ser operada pelas empresas operadoras, diminuindo o controle do poder público; a relação entre trabalhadores do setor e empresários se acirra e, em 1990, é a primeira vez que se utiliza da estratégia apelidada de “Operação Linguição”, em que os ônibus andam lentamente sem ultrapassagens, formando uma fila interminável de ônibus nos principais corredores. Em 1986, um projeto de corredor de trólebus foi proposto para a Avenida Cristiano Machado e nunca finalizado. Iniciado no Governo Hélio Garcia com a aquisição de trólebus e instalação de postes para implantação da rede elétrica aérea (catenária), o projeto foi totalmente abandonado e proposta, em 1989, a implantação de corredor de bonde moderno, Veículo 75 Entre 1988 e 1991, ocorre o período denominado A Transmetro e o fortalecimento da ação estadual (FJP, 1986, p. 319), último período retratado no livro Omnibus. 175 Leve sobre trilhos (VLT) que também não foi implantado. Dessa aventura inconsequente, a cidade herdou pelo menos uma pista exclusiva para ônibus (busway) que aos poucos foi se transformando em uma boa opção para o transporte neste eixo norte, apesar de problemas de segurança para pedestres que a transformaram no início dos anos 1990 no segundo “Corredor da Morte” da cidade. Em 1989, mais um fato negativo deste período foi a implantação de “direcionadores de passageiros” para evitar evasão de receitas e que passaram a ser conhecidos como “chiqueirinhos”, apenas retirados em 1993. Ao final desse período, Belo Horizonte dispunha de praticamente o mesmo sistema implantado em 1982, já desgastado pela má gestão e crescimento dos problemas. Em paralelo, o processo de municipalização da gestão do transporte coletivo e trânsito se materializava com a Lei que criou a Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte S.A., em 1991. A empresa começa a cumprir suas funções em 1992, mas apenas em 1993 assume de fato o controle do sistema de transporte e trânsito da capital, iniciando novo período marcado pela “força da democracia”. Betim e posteriormente Contagem seguem o mesmo processo e o sistema metropolitano continua sendo operado por órgão estadual. 176 3.5 DEMOCRATIZAÇÃO (1992-2014): CONCENTRAÇÃO E DIVERSIDADE APÓS A GUINADA POLÍTICA E ECONÔMICA Nem só de crises tem sido feita a vida de Belo Horizonte, de Minas Gerais e do Brasil nas últimas décadas. Este também tem sido um tempo da valorização da participação popular, da experimentação de novas formas de construção do espaço público, da busca de alternativas de gestão e propriedade, de experimentações na organização da produção e no próprio sentido da geração de riquezas e sua distribuição. Belo Horizonte tem já, na sua história como em seu passado recente, contribuído para o fortalecimento dessas alternativas, expressas no orçamento participativo, nas experiências pioneiras e bem sucedidas na área de abastecimento e segurança alimentar, nos avanços na área de educação e saúde, no reconhecimento da importância de sua história e memória expressa no patrimônio arquitetônico, urbanístico e cultural (com conselho municipal democrático, pioneiro e forte, e de caráter deliberativo), o reconhecimento da diversidade e da alteridade de comunidades culturais, étnicas e religiosas, entre outros. (CEDEPLAR, 2004A, p. 29). Em 1992, foi eleito o Prefeito Patrus Ananias do Partido dos Trabalhadores - PT 76 para suceder a Administração Municipal de Pimenta da Veiga/Eduardo Azeredo do Partido da Socialdemocracia Brasileira - PSDB. Apesar da administração anterior já ter sido uma importante etapa de transição para o caminho de administrações de esquerda, é com a primeira administração petista que Belo Horizonte passa efetivamente a ter uma gestão autodenominada democrática e popular. Patrus havia sido vereador e tinha se destacado na elaboração da Lei Orgânica Municipal (aprovada em 1990), processo iniciado logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, e sua administração vai inaugurar um período que se estende por 20 anos (cinco administrações) em que o PT estaria no poder (direta ou indiretamente). O documento “Avaliação situacional de Belo Horizonte e de sua inserção no contexto metropolitano” (PBH, 2009), elaborado para sustentar o Plano Estratégico BH 2030 do início da Administração Municipal eleita em 2008, traz uma síntese baseada em estudos desenvolvidos em anos anteriores. No que se refere ao desenvolvimento econômico, PBH (2009, p. 48) aponta que: ao longo da última década, a RMBH apresentou crescimento econômico acima das principais metrópoles nacionais; a concentração desse crescimento nos 76 O vice-prefeito eleito foi Célio de Castro do PSB – Partido Socialista Brasileiro. 177 demais municípios da RMBH, excluindo-se Belo Horizonte, sinaliza um típico fenômeno de descentralização comum às grandes metrópoles; há grande heterogeneidade no perfil da economia metropolitana; que enquanto a economia de Belo Horizonte possui forte peso do setor de serviços, em outros municípios a indústria é bem mais significativa; e que, apesar de ter sua economia ancorada no setor terciário, observa-se que os serviços avançados de maior valor agregado têm menor participação relativa na RMBH quando comparado às metrópoles de Rio e Janeiro e São Paulo. A partir de meados da década de 90 (PBH, 2009, p. 48-69), a violência, medida tanto pelo número de homicídios quanto pela criminalidade violenta, aumentou substancialmente na RMBH, em especial na Capital. Mas, a partir de 2004, há uma queda significativa nos índices, que também reduziu a participação de Belo Horizonte no total de homicídios na RMBH; no entanto, ainda se encontram maiores que na década de 90. O documento ainda registra alguns pontos positivos no desempenho da metrópole em aspectos como educação (melhoria em evolução), saúde (a mais alta esperança de vida e maior queda na mortalidade infantil) e meio ambiente (uma das metrópoles mais verdes do Brasil), trazendo alguns problemas ainda não resolvidos como a questão do saneamento (notadamente no âmbito metropolitano). Nesses últimos vinte anos, pode-se identificar alguns processos ocorrendo de forma paralela, que modificam sensivelmente a realidade brasileira, metropolitana e municipal, em sua maioria com efeitos predominantemente positivos no que se refere aos processos econômicos e sociais. Em contrapartida, apesar de uma crescente preocupação ambiental, há uma degradação das condições de realização dos deslocamentos na cidade. Nesse período, percebe-se a melhoria simultânea dos aspectos econômicos e sociais nas diversas escalas territoriais. Ao sair da “década perdida” dos anos 1980, o Brasil vai passando por sucessivos momentos de melhoria econômica, especialmente após a estabilização da moeda (Plano Real, em 1994), com crescimento do poder de compra e estabilização da moeda que amplia capacidade econômica da população como um todo, e, em especial, das classes menos favorecidas. Há uma inflexão do próprio padrão de emprego, deixando de crescer os empregos informais e voltando a crescer os empregos formais, agora predominantemente no setor terciário. Uma das consequências imediatas é a ampliação do poder de compra de padrões de consumo provocando maior consumo do espaço. De certa forma decorrente do primeiro, o processo de aumento do poder de compra tem inúmeros aspectos positivos para 178 as pessoas e para a cidade, possibilitando o acesso à moradia mais próxima das centralidades e maior adensamento urbano; mas no tocante à mobilidade, há um aumento no “consumo do lugar”, provocado pelo aumento das viagens motorizadas tantos dos mais ricos, quanto dos mais pobres, com mais carros em circulação e mais viagens por pessoa por dia. É possível constatar ainda o aumento na produção de espaço privado e melhoria da produção de espaços públicos, pois, se no início desse período ainda se vive a estagnação, notadamente nos últimos dez anos - com intensificação nos últimos cinco anos -, há uma dinamização do setor imobiliário que trouxe consigo um maior adensamento do município (pois a cidade ocupava 100% do município), uma expansão de alta renda para o vetor sul (Nova Lima e Brumadinho), e maior acesso à moradia próxima das centralidades em toda a RMBH. Os projetos de melhoria de espaços públicos (seja por investimentos públicos seja por empreendimentos privados) ganham força com um novo Código de Posturas, vigente desde 2004). Mas, se a gestão municipal se consolida, há um descompasso com a gestão metropolitana que só começa a se “modernizar” a partir de 2006. É inegável o salto de qualidade da gestão municipal ao longo das cinco administrações, mesmo que se possa fazer crítica a cada uma isoladamente, consolidando políticas inovadoras e eficazes em todos os setores, porém a gestão metropolitana apenas começa a se modificar nos últimos cinco anos, ainda sem resultados específicos além da estrutura de gestão (assembleia, plano e agências metropolitanas). Quanto ao histórico das principais políticas públicas que dialogam e interagem com os espaços produzidos na metrópole, utilizou-se o texto Gestão do transporte e trânsito em Belo Horizonte: construindo uma mobilidade sustentável (LEITE; AMARAL, 2008), que traz luz a algumas das principais transformações ocorridas na passagem da gestão metropolitana para a municipal (em 1993) e da gestão de transporte e trânsito para gestão da mobilidade urbana (a partir de 2004). 179 No período entre 1992 e 2000 acontece a municipalização da gestão do transporte e trânsito que se inicia ainda no último ano da gestão Eduardo Azeredo77 abrange gestão de Patrus Ananias e Célio de Castro. Apesar da ruptura política durante a eleição, a administração de Célio de Castro deu continuidade a muitas das políticas iniciadas na gestão anterior, principalmente as ações de transporte. É o período da retomada do planejamento de transporte em paralelo ao planejamento urbano e das implantações das principais ações dos planos decorrentes. A BHTRANS, empresa pública integrante da estrutura da Prefeitura de Belo Horizonte, iniciou suas atividades em 1991, com a finalidade de planejar, organizar, dirigir, coordenar, executar, delegar e controlar a prestação de serviços públicos relativos a transporte coletivo e individual de passageiros, tráfego, trânsito e sistema viário municipal, observando o planejamento urbano municipal. A BHTRANS assumiu, gradualmente, as atribuições de um órgão gestor de transporte e trânsito de forma unificada. Em 1992, recebeu as atividades de planejamento do sistema viário local e de gerenciamento do estacionamento rotativo, do sistema de táxi e do transporte escolar. Em julho de 1993, através de decreto, o Prefeito Patrus Ananias municipalizou o gerenciamento do transporte coletivo por ônibus em Belo Horizonte. Mas apenas em dezembro de 1993, assumiu a gestão dos principais corredores passou para a competência do Município. Uma das principais estratégicas no início dos trabalhos da BHTRANS foi a retomada do processo de planejamento, que fora paralisado por 10 anos, que culminou na execução de dois planos - parcialmente implantados - que atingiram seu horizonte de projeto em 2005: o Plano de Circulação da Área Central – PACE/9678, e o Plano de Reestruturação do Transporte Coletivo de Belo Horizonte – BHBUS, desenvolvidos a partir de 1994 e articulados entre si. Essas ações foram desenvolvidas por uma equipe renovada por meio de concursos públicos, mas que recebeu uma grande parte de técnicos que trabalharam (e se formaram tecnicamente) nos órgãos anteriores, o que trouxe com eles parte da memória das intervenções. 77 Eduardo Azeredo havia sido eleito Vice-Prefeito e assumiu a Prefeitura em 1990, quando Pimenta da Veiga renuncia para concorrer ao Governo de Minas. 78 Para diferenciar do PACE/79, optou-se por grafar a sigla como PACE/96 180 O PACE/96 propôs a reformulação do sistema de circulação da Área Central com o objetivo de redistribuir os fluxos e de criar condições para a operacionalização do sistema de transporte coletivo integrante do BHBUS. As medidas de curto prazo englobaram implantação efetiva de modificações em 11 locais (de 12 áreas previstas), incluindo alterações na circulação, além de tratamento em diversos pontos do hipercentro, para a melhoria da segurança e do conforto dos pedestres. As medidas de médio prazo, que contemplavam modificações na circulação para adequar a Área Central ao novo sistema de transporte coletivo, não foram implantadas, principalmente pelo fato de a racionalização do transporte coletivo prevista no BHBUS não ter sido suficiente para reduzir a quantidade de ônibus em circulação, comprometendo o desempenho dessas intervenções. As medidas de longo prazo incluíam obras-de-arte (viadutos e túneis) que não foram implantadas pelo impacto na paisagem urbana, principalmente, em trechos de conjunto urbano tombado, como é o caso dos viadutos propostos na região da Praça da Estação e das trincheiras na Praça Raul Soares. Um resultado concreto do PACE/96 foi a efetiva implantação de um sistema de controle de tráfego na Área Central denominado CIT – Controle Inteligente de Tráfego, que foi precedida por uma auditoria de segurança de trânsito que serviu de orientação para a implantação de mais de 170 semáforos para pedestres, mesmo assim insuficientes para garantir travessias seguras em todos os movimentos de pedestres. O BHBUS foi desenvolvido de acordo com as diretrizes do Plano Diretor Municipal (então em desenvolvimento), especialmente aquelas direcionadas a descentralização e desconcentração de atividades, meio ambiente e desenvolvimento social e econômico. Considerando como premissa básica a otimização e a racionalização da infraestrutura de transportes e, ainda, a proposição de diretrizes para o sistema de transporte coletivo metropolitano, o BHBUS criou uma nova estrutura de organização do sistema de transporte coletivo municipal, com serviços troncais nos corredores de maior demanda, alimentados em estações de integração, e com linhas de ligação transversal e perimetral, mas mantendo as linhas circulares e diametrais. Embora o BHBUS não tenha sido integralmente implantado, a conclusão de muitas de suas etapas, ao longo dos anos, demonstrou a importância de um plano comprometido com as necessidades do município, que passou a servir como referência para os diversos projetos setoriais de transportes em Belo Horizonte. 181 Entre 2001 e 2007, começa um período de resgate do centro e do modo a pé. Abrange a gestão Célio de Castro/Fernando Pimentel79 e praticamente toda a gestão Fernando Pimentel, que foi reeleito Prefeito em 2004. Essa fase está destacada por sua importância na retomada de ações sobre os espaços públicos, tanto por projetos para pedestres, quanto pelos projetos focados no Hipercentro. Conforme Leite e Amaral (2008, p. 197-199), que desde 1993, as administrações municipais consideram na gestão do transporte e trânsito duas prioridades principais: prioridade à circulação de transporte coletivo e prioridade à circulação do pedestre. Porém, apenas a partir de 2001, o desafio de colocar em prática a prioridade política para os pedestres foi devidamente enfrentado com desenvolvimento de programas e projetos, por orientação do então prefeito Fernando Pimentel. Foi inicialmente constituído o programa “Caminhos da Cidade” (AMARAL, 2003) que englobava intervenções físicas realizadas na rede de caminhamento de pedestres na Área Central de Belo Horizonte e posteriormente passou a fazer parte de um programa maior, denominado “Centro Vivo”. As intervenções buscavam priorizar a circulação dos pedestres e requalificar o espaço urbano, com uma gestão que compartilhava aspectos relativos ao transporte, ao patrimônio, ao meio ambiente, à regulação urbana e à segurança. A melhoria do modo a pé é também essencial para as pessoas que se utilizam do transporte coletivo, pois para atingir seus destinos, deve haver complementação de modos. Dessa forma, alguns projetos foram implantados com a premissa de melhorar condições de espera do ônibus, posicionando-se os pontos de embarque de modo de modo a diminuir conflitos com a circulação de pessoas. O tratamento de prioridade ao pedestre, entendido como política de transporte coletivo, facilitou e justificou recursos junto a instituições de financiamento para projetos como a remodelação da Praça da Estação, por exemplo. O programa foi pensado em etapas contínuas e aproveitando o potencial de projetos já em andamento. Além de transformar os espaços públicos, contribuiu para formar uma visão de cidade, ajudando a priorizar intervenções de forma continuada até os dias de hoje. 79 Célio de Castro, do PSB, foi reeleito Prefeito, agora com apoio do PT desde a fase eleitoral, porém foi afastado por problemas de saúde no final do primeiro ano de gestão, que foi concluída pelo seu vice, Fernando Pimentel do PT. 182 Na primeira etapa, foram implantados: Caminho Caetés (Rua dos Caetés e Rio de Janeiro); Caminho da Saúde (Avenida Alfredo Balena e Alameda Ezequiel Dias); Praça Sete de Setembro e Praça da Estação. Os fatores essenciais para o sucesso do projeto foram: a integração entre órgãos públicos; a retirada do comércio informal realizado nas calçadas; ações políticas contemplando o comércio formal, mantendo seus interlocutores como parceiros; a consideração de aspectos de segurança pública e adequação da iluminação nos projetos de intervenção. Com as mesmas premissas, foram implantadas intervenções nos seguintes locais: Aarão Reis (2006); Rua dos Carijós (2006); Bulevar Arrudas (2006); Rua Rio de Janeiro (2007); e Praça Raul Soares (2008), Avenida Amazonas, e região do Mercado Central. A partir dos resultados positivos das primeiras intervenções, os projetos focados em melhorias para pedestres na área central foram se realizando de forma contínua, incorporados ao Programa “Centro Vivo”, sempre com o mesmo direcionamento de aproveitamento das oportunidades para melhorias de pedestres. Os projetos passaram a ser coordenados pela equipe técnica ligada diretamente ao Secretário de Políticas Urbanas e o programa foi desenvolvido para agrupar as ações e intervenções da Prefeitura na Área Central e foi uma das motivações para desenvolver um plano mais amplo, com participação popular e apoio de equipes de consultoria que se denominou Plano de Reabilitação do Hipercentro, que definiu diretrizes e uma hierarquização das calçadas conforme a vocação de cada rua da área central. As diretrizes do Plano de Requalificação do Hipercentro consideram a eficiência do transporte coletivo e a segurança e conforto de pedestres no ordenamento do tráfego, propondo a redução de conflitos de estacionamento e de carga e descarga e promovendo a melhoria da qualidade ambiental pela redução dos níveis de ruídos e de poluição atmosférica. Além disso contempla propostas de implantação de ciclovias e rotas de caminhamento de pedestres e políticas de incentivo aos meios não motorizados. A hierarquização das calçadas estabeleceu vias prioritárias para tratamento de pedestres, outras vias para tratamento de pedestres e transporte coletivo e foram identificadas as passagens para pedestres em galerias. A Figura 23 mostra esses mapas, juntamente com as propostas de vias para implantação de ciclovias, ainda de forma muito tímida. A priorização de intervenções também foi objeto de debate do Plano de Reabilitação do Hipercentro, com os projetos de tratamento de vias para pedestres ficando em segundo lugar 183 entre os projetos de mobilidade, atrás apenas do metrô. Foram também estabelecidos padrões de paginação de pisos de cada rua e avenida. A leitura atenta do documento final desse Plano mostra um avanço nas questões de mobilidade, mas ainda de forma muito incipiente em relação aos modos não motorizados, mas foi importante momento de consolidação de alguns conceitos que vão se tornar mais fortes nos documentos do final da década. Figura 23 – Propostas de tratamento viário do Plano de Reabilitação do Hipercentro. No alto à esquerda: vias prioritárias para tratamento de pedestres; à direita: vias para tratamento para pedestres e transporte coletivo. Abaixo à esquerda: percursos de pedestres por galerias; à direita: ciclovias. Fonte: PBH (2007, p. 26-28, 40). 184 Em 2008 é iniciado um período que se poderia denominar em busca da mobilidade sustentável e que se prolonga até os dias de hoje. Abrange o último ano da gestão Fernando Pimentel e toda a primeira gestão Márcio Lacerda. Apesar de iniciado no momento anterior com definições e um diagnóstico preliminar, é neste período que se desenvolve e consolida o PlanMob-BH (BHTRANS, 2012) e os projetos decorrentes dele, que tiveram sua execução com recursos do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento quanto pela oportunidade da Copa do Mundo de Futebol, prevista para 2014. É nesse período que a PBH/BHTRANS vai estabelecer a sua política de mobilidade e iniciou a elaboração de um Plano de Mobilidade, nas novas bases conceituais e atendendo ao determinado no Estatuto das cidades e posteriormente estabelecido na Política Nacional de Mobilidade Urbana. O Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte – PlanMob-BH considerou como horizonte o ano 2020. O PlanMob-BH partiu de um diagnóstico analítico e de um Plano de Gestão da Demanda que propôs táticas gerais, visando a um maior controle sobre a distribuição modal, por meio de propostas de alterações na legislação urbanística em vigor, especialmente como instrumento de direcionamento da decisão modal das pessoas. As políticas pautadas na sustentabilidade apontam os modos não-motorizados e coletivos como prioritários e a necessidade de controlar o uso do modo automóvel. Espera-se aumentar a demanda do transporte coletivo, mas a experiência tem mostrado que melhorias na oferta global dos transportes coletivos urbanos provocam apenas um efeito marginal e decepcionante. Por outro lado, no debate sobre formas de se desestimular o uso excessivo do automóvel em benefício dos sistemas de transporte coletivo, estudos recentes têm constatado a subestimação dos custos reais associados ao uso do automóvel. O PlanMob-BH teve como uma das linhas de intervenção de destaque a prioridade ao pedestre, consolidada nas políticas de mobilidade sustentável, propondo: sinalização e informações através de mapas; iluminação; programas de educação e incentivo ao modo e rotas turísticas. Também consolida a padronização das calçadas com divisão em três faixas segundo suas funções específicas:: faixa de serviço: espaço (entre 25 e 35% da calçada) destinado à colocação de árvores, rampas de acesso para veículos ou portadores de deficiências, poste de iluminação, sinalização de trânsito e mobiliário urbano; faixa livre: espaço (que deveria ocupar 50 a 60% da calçada) destinado à circulação de pedestres e, portanto, deve estar livre de quaisquer desníveis, obstáculos físicos, temporários ou 185 permanente e vegetação; faixa de acesso: espaço (que ocupa entre 5 e 25% da largura) situado em frente à testada dos imóveis ou terrenos, onde é permitido vegetação, rampas, toldos, propaganda e mobiliário móvel, desde que não impeçam acesso ao imóvel. Em 2010, em consonância com o PlanMob-BH, a III Conferência de Política Urbana aprovou a alteração no Plano Diretor, incorporando medida de adensamento ao longo dos corredores, conhecida internacionalmente com TOD – Transit Oriented Development80 (Desenvolvimento Orientado ao Transporte), associada à Operação Urbana Consorciada - OUC, instrumento urbanístico previsto no Estatuto da Cidade. A Figura 24 mostra o mapa de onde estão previstas as OUCs associadas a transporte (300 m dos corredores viários e de transporte e 600 m das estações do metrô). Figura 24 – Mapa dos locais das Operações Urbanas Consorciadas associadas à transporte. Fonte: BHTRANS (2015, p.65) a partir de Belo Horizonte (2010, Anexo III). Essa medida está em sintonia com a tentativa da recuperação de parte da mais valia produzida 80 Segundo Suzuki; Cervero; Iuchi (2013), TOD é o desenvolvimento organizado em torno de estações de transporte com características de compactação, uso misto e facilidades para pedestres. TOD incorpora a ideia de que comércio local, empregos e moradia na proximidade de equipamentos de transporte promove o seu uso e as viagens não motorizadas. 186 pelo transporte e que direciona o desenvolvimento urbano para ocorrer próximo de locais com mais capacidade e permite ainda um adensamento do uso misto de forma linear, que pode facilitar a proximidade de oportunidades aos moradores dos bairros vizinhos aos corredores, e com isso, os modos ativos de transporte (a pé e bicicleta). A principal OUC em curso em Belo Horizonte, que abrange todo o Corredor das Avenidas Antônio Carlos e Pedro I, além do eixo Leste-Oeste ao longo das Avenidas Andradas, Contorno e Teresa Cristina, possui bons objetivos para adensar, com estimulo aos modos coletivos (metrô e BRT) e não motorizados (quadras abertas e rede de ciclovias): O desincentivo ao uso de veículos particulares e a ampliação da utilização do transporte público e dos meios não motorizados de deslocamento, por meio da melhoria das condições de mobilidade e acessibilidade cicloviária e de pedestres ao longo do corredor e no entorno das estações de metrô, assim como através de parâmetros urbanísticos que estimulam a construção de unidades habitacionais com menos vagas para automóveis do que o produzido atualmente. (BELO HORIZONTE, 2015, p. 13) Inspirado na associação entre uso do solo e transporte que notabilizou Curitiba, hoje é defendido internacionalmente tendo sido criado até um padrão de qualidade para avaliar medidas de TOD (ITDP, 2014). Um dos pioneiros na defesa de associação de adensamento ao longo de estações e corredores, Robert Cervero81 publicou inúmeras obras em defesa desse adensamento e de combate ao modelo americano de subúrbio de baixa densidade e em Transit Metropolis (Metrópoles transporte) faz uma grande pesquisa analítica de experiências em doze cidades do mundo 82 , classificando-as em quatro grupos: cidades adaptativas, transporte adaptativo, cidades com forte centro e híbridas (cidades adaptativas com transporte adaptativo). Ao final, Cervero registra quinze “lições” que poderiam ser tiradas da avaliação das experiências dessas cidades, desde questões ligadas ao poder público (visão, visionários) e ao planejamento (proativo) de estratégias e táticas (dar prioridade ao transporte, small is beatiful, flexibilidade) até o desenho urbano. Também derruba alguns 81 Além de Cervero (1998) e Suzuki; Cervero; Iuchi (2013) citadas nas referências, outras de suas obras: Developing Around Transit: Strategies and Solutions That Work. Washington: Urban Land Institute, 2004 (com R. Dunphy, F. Dock, M. McAvey, D. Porter, and C. Swenson); Transit Villages in the 21st Century. New York: McGraw- Hill, 1997 (com M. Bernick); America's Suburban Centers: The Land Use-Transportation Link. Boston: Unwin- Hyman, 1989; Suburban Gridlock. New Brunswick, New Jersey: Rutgers University Press, CUPR, 1986. Fonte: http://www.ced.berkeley.edu/faculty/cervero_robert/robertcv.htm#BK. 82 Adelaide, Cidade do México, Copenhague, Curitiba, Estocolmo, Karlsruhe (Alemanha), Melbourne, Munique, Ottawa, Singapura, Tóquio e Zurique. 187 mitos, mostrando que o uso do transporte público pode ser direcionado pela cidade. Apesar do potencial de bons resultados para a cidade e a mobilidade, uma forte crítica a ser feita nos modelos de TOD brasileiros, em especial de Belo Horizonte, é seu formato de Operações Urbanas Consorciadas, que submetem a medida aos sabores e desejos do mercado imobiliário. Por mais bem-intencionadas que sejam, o resultado dessas OUCs no Brasil tem mostrado que as concessões necessárias aos desejos do mercado para viabilizá-las impactam negativamente os resultados pretendidos, especialmente na gentrificação decorrente, como registra Mariana Fix (2007, p. 134) ao avaliar a Operação Urbana Faria Lima: Além do desenvolvimento extensivo de medidas de segurança, se observarmos a região veremos que uma série de medidas garantem que apenas um certo tipo de pessoa tenha acesso às construções que definem a nova paisagem urbana: isolamento dos empreendimentos; constituição de plazas semipúblicas ou a simples construção de muros; conexões diretas a garagens subterrâneas e ao sistema de trânsito, reduzindo a necessidade do uso das ruas; segregação de usos; altos preços de aluguel e das mercadorias vendidas nas novas lojas; mercados ‘sofisticados’, que fazem as pessoas de renda mais baixa se sentirem ‘fora do lugar’.” (FIX, 2007, p. 134) A principal OUC em curso em Belo Horizonte, que abrange todo o Corredor das Avenidas Antônio Carlos e Pedro I, além do eixo Leste-Oeste ao longo das Avenidas Andradas, Contorno e Teresa Cristina, possui bons objetivos de adensar, com estímulo aos modos coletivos (metrô e BRT) e não motorizados (quadras abertas e rede de ciclovias, mas há que se aguardar se seu processo será capaz de impedir a gentrificação e trazer resultados para a mobilidade urbana. O desincentivo ao uso de veículos particulares e a ampliação da utilização do transporte público e dos meios não motorizados de deslocamento, por meio da melhoria das condições de mobilidade e acessibilidade cicloviária e de pedestres ao longo do corredor e no entorno das estações de metrô, assim como através de parâmetros urbanísticos que estimulam a construção de unidades habitacionais com menos vagas para automóveis do que o produzido atualmente. (BELO HORIZONTE, 2014, p. 13) Resumir 120 anos da história desse complexo espaço urbano não é tarefa fácil. Concentrar informações de tantos documentos disponíveis pode ter trazido algumas distorções e descontextualizações. Muitos autores já passaram por esse desafio da síntese da história espacial de Belo Horizonte e as escolhas feitas incorporadas a esse capítulo tentaram trazer luz para algumas questões que se pretendia destacar. Outros tantos autores poderiam ser “convidados”, mas afinal, como em um palimpsesto, apenas alguns dos textos antigos aparecem, para poder deixar espaço para as novas escritas. 188 4 ESPAÇO E MOBILIDADE: TRANSIÇÃO URBANA, PEDAÇOS, ESPAÇOS PÚBLICOS E TEMPO 4.1 IDENTIFICANDO QUATRO QUESTÕES NA [MOBILI]CIDADE DE BELO HORIZONTE Do encontro entre a apresentação da formação do palimpsesto da cidade e as questões propostas pela pesquisa, tendo a tríade espaço-tempo-corpo e os mecanismos de localização e de mobilidade como fundamentação teórica e orientadora dessa leitura, surgem quatro questões que merecem um destaque. Inicialmente, retoma-se a ideia da transição urbana apresentada por Wiel (1999) para pensar como ela pode ter ocorrido em Belo Horizonte, para em seguida destacar a formação da cidade aos pedaços, sejam eles pedaços concebidos e planejados ou espaços que surgem nas ”frestas” e “franjas” da cidade formal. Em seguida, destaca-se uma rápida leitura dos espaços públicos da cidade planejada para depois finalizar com a retomada da dimensão do tempo e seu potencial articulador tanto da tríade espaço- tempo-corpo da mobilidade quanto no impacto na vida cotidiana das pessoas. Para contribuir no debate dessas quatro questões, ora ilustrando ora dialogando com o texto, serão utilizadas imagens históricas e algumas vistas aéreas atuais de Belo Horizonte. No último item, utiliza- se de dados quantitativos provenientes de documentos da BHTRANS (2014) para elaborar tabelas e gráficos que ajudam a entender as correlações entre tempo e espaço. O que se busca ao final da seleção dessas temáticas é um recorte de leitura socioespacial que estruture o debate, mas que não tem a intenção de limitá-lo. Outras tantas questões poderiam (e podem) vir a se desdobrar da leitura do palimpsesto espaço temporal de Belo Horizonte tendo a mobilidade urbana como prisma do olhar, mas os temas escolhidos parecem ter potencial para dar concretude às discussões teóricas anteriores e trazer uma orientação para a leitura quantitativa que se desdobra no próximo mo(vi)mento e serão retomadas mais à frente, à luz de pistas retiradas dessas análises mais quantitativas. O debate sobre modos de transporte fica enriquecido quando se pensa na cidade pedestre e cidade motorizada que coexistem em Belo Horizonte, se articulam através do tempo e dos espaços públicos que conectam essa cidade aos pedaços. 189 4.2 A TRANSIÇÃO URBANA: DA CIDADE PEDESTRE À CIDADE MOTORIZADA Em seus Primeiros tempos, imperava em Belo Horizonte a lentidão homogênea da cidade pedestre, sem carros e sem transporte. Havia uma quase hegemonia do modo a pé como solução para as necessidades dos deslocamentos - ainda muito curtos -, com complementação de modos por tração animal para carga e para a elite. Os termos lentidão homogênea (apresentado por Jean Ollivro em seu livro L’homme à toutes vitesses) e cidade pedestre (apresentado por Marc Wiel em La transition urbaine) foram pensados a partir das cidades europeias antes da difusão dos transportes motorizados, mas se aplicam bem à cidade planejada em seu início, pois o único meio de transporte coletivo existente era o ramal do trem de subúrbio, já que os bondes só chegam a circular cinco anos depois de sua inauguração. No início, havia carros particulares com tração animal, e já em 1900, a Prefeitura inicia a orientação do tráfego nas ruas da capital (PENNA, 1997, p. 67). As largas avenidas e as ruas retas eram ocupadas principalmente por pessoas e alguns veículos de tração animal, como se pode ver na foto da Figura 25, que mostra o dia da inauguração do serviço de bondes. Figura 25 – Inauguração do serviço de transporte de passageiros por bondes elétricos (1902). O Serviço foi inaugurado em setembro de 1902 e a imagem mostra um bonde neste momento histórico, na Av. Afonso Pena esquina com rua Bahia, Fonte: http://www.museudantu.org.br/QMinasGerais.htm [acesso em 15/03/2015]. 190 Antes dos bondes e dos automóveis, além de pedestres, a bicicleta já ocupava seu lugar (ainda como esporte), como a fundação do Velo Clube em 1898, ano que se realizada a primeira corrida de bicicletas na cidade (PENNA, 1997, p. 53). O primeiro automóvel (motorizado) circulou apenas em fevereiro de 1908, dez anos depois da inauguração da cidade83, e em novembro desse mesmo ano, chega o primeiro automóvel de aluguel à cidade (PENNA, 1997, p. 102). Nesse ano, o serviço de bondes registrou 4.000 passageiros no dia de Natal (PENNA, 1997, p. 104). Os bondes rapidamente começam a disputar os espaços públicos da cidade e contribuir para a ocupação urbana, como pode ser visto na Figura 26, que apresenta mapas elaborados pela Fundação João Pinheiro no Omnibus, que fazem um paralelo entre as linhas de bonde e as manchas de ocupação urbana da cidade. É interessante notar a forte coincidência entre linhas de bondes e ocupação urbana, quando a cidade tinha uma escala que permitia o caminhar. Além dos bondes e ônibus, o trem de subúrbio cumpria importante função para a população que morava em municípios vizinhos, especialmente um “pequeno trecho entre a Praça da Estação e a Praça da Liberdade, [por onde] transitaram também os primeiros passageiros urbanos, recém-chegados poeira adentro na Capital ainda imaginada” (FJP, 1996, p. 333). Cardoso (2007, p. 61-62) faz uma análise dos primórdios da formação da cidade sob a ótica da acessibilidade e da segregação. Para esse período inicial, registra a importância dos bondes: “Esse novo modo de transporte, desde a sua inauguração, teve o seu traçado voltado às áreas urbanas do vetor sul da cidade, sendo seus itinerários estendidos, ainda que limitadamente, nos sentidos das novas frentes de expansão urbana da Capital.” Ressalta Cardoso que os prolongamentos não atendiam os interesses da população, como foi o caso da extensão à região do bairro Prado (em 1906) que “foi concebida no intuito de facilitar o acesso, sobretudo das classes mais abastadas, ao lazer”, pois era abrigava um hipódromo. 83 Segundo Ramos (2014) em artigo publicado no Jornal Hoje em Dia: “em 1908, dirigir por BH era o máximo da exclusividade. Naquele ano, trafegou pelas ruas da capital mineira o primeiro automóvel, um Pope-Hartford, que, segundo o livro ‘Notas Cronológicas de Belo Horizonte’ [PENNA, 1997, p. 100], pertencia à empresa Trajano Medeiros.” 191 Figura 26 – Linhas de bondes em Belo Horizonte versus ocupação urbana (Belo Horizonte, 1910 – 1930). Se, na década de 1910 apenas a área não atendida por bondes situada ao norte, na região da Lagoinha, nas décadas de 1920 e 1930 já se percebe manchas desatendidas também na região a leste da área planejada. Fonte: Elaborado por CARDOSO (2007, p. 214-5) a partir de FJP, 1996. 192 Pelas características de seus amplos espaços públicos, o processo de transição urbana (também nos termos propostos por Wiel) de Belo Horizonte parece ser diferente do constatado em cidades europeias (e mesmo de algumas cidades brasileiras mais antigas). Lá, a cidade motorizada engloba a cidade pedestre, que pelas suas ruas estreitas e sinuosas, não foi capaz de absorver o tráfego de automóveis sem uma obra de alargamento. Com um ambiente propício - largas avenidas e ruas retas - para receber veículos motorizados desde seu início, aqui, a cidade motorizada vai se sobrepor à cidade pedestre, ocupando os mesmos espaços, mas isso só se realizará de fato em momento posterior da evolução de Belo Horizonte. A Figura 27 mostra a Rua da Bahia na década de 1910, onde já se vê automóveis estacionados. Figura 27 – Rua da Bahia (década de 1910). Fonte: http://www.duniverso.com.br/fotos-da-antiga-belo-horizonte-de-volta-ao-passado/ [acesso em 22/02/2015]. Nas décadas seguintes, Belo Horizonte permanece uma cidade pedestre - a cada dia mais servida pelo transporte coletivo - com lentidão homogênea, pois a relação de velocidade (relação entre a velocidade do mais rápido e do mais lento), que era de 1 para 2,5 na cidade 193 não motorizada, passa apenas para 1 para 3, se considerarmos a velocidade máxima dos bondes (15 km/h) no perímetro central nas horas de trânsito intenso (FJP, 1996, p. 108). Pode-se afirmar que há um campo cego nos registros da época em relação ao modo a pé. É evidente que tanto para os mais ricos quanto para os mais pobres, na cidade ainda pequena, caminhar era a opção de transporte mais utilizada. A ocupação dos bairros “do lado de lá do Ribeirão Arrudas” pelos mais pobres, especialmente a Lagoinha, além da formação de favelas do Barro Preto, estão fortemente relacionadas com a possibilidade de encontrar moradia de baixo custo e com o potencial de caminhar até as oportunidades (empregos, comércio e serviços) da nova cidade. Apesar de haver citação de registro dessa associação, parece evidente que para os mais pobres e, principalmente, para os excluídos, os mecanismos de localização estavam intrinsecamente ligados aos mecanismos de mobilidade em uma cidade ainda não motorizada. Mas é evidente que esses mecanismos apontados por Marc Wiel também são intrínsecos para os mais ricos, que podem escolher melhor seus espaços, influenciados pela proximidade, pois apesar da vida do início de século XX ser resumida pelo cronista Rômulo Paes como “subir Bahia e descer Floresta” (de bonde!), era caminhando que se percorria a cidade. “A Belo Horizonte da década de 20, retratada por Pedro Nava com carinhosa acuidade, é aquela por onde, a partir do Bar do Ponto [no local do hoje Othon Palace Hotel], transitam os bondes em diversas direções” (COSTA, 1994, p. 54), mas é também aquela cidade onde se caminha, apesar dos desafios da topografia, como pode ser visto nas fotos da Figura 28. Também se registra muitas lacunas sobre como a população não atendida pelo sistema de transporte coletivo supria suas necessidades de deslocamento e pouco se fala de bicicletas e veículos de tração animal. Como o uso do automóvel ainda está no início de sua expansão, outra questão importante é que nessa época há uma falta de opções de deslocamentos para as pessoas nos transportes públicos, mesmo para os mais ricos. Dessa forma, o acesso ao bonde e a boa localização torna-se fator ainda maior de disputa e de distinção social. 194 Figura 28 – Vista da Praça Sete e Avenida Afonso Pena com Rua Tupis (década de 1930). Praça Sete tomada por pedestres e Afonso Pena no trecho em que se vê, à esquerda, o prédio que abrigava o Bar do Ponto no térreo e o Hotel Globo no segundo andar, hoje ocupado pelo Hotel Othon. Fonte: http://bhnostalgia.blogspot.com.br. Nos anos 1930 e 1940, as coisas começam a mudar e vão se acelerar a partir de 1950, com o início da Metropolização, época de grandes transformações que vão levar a novos espaços, novos tempos e novos problemas. Em 195084, o Anuário Estatístico do Brasil (IBGE, 1951, p. 173) registrava 56 km de vias de ferro-carris de uso público em Belo Horizonte, transportando 63.819 passageiros ao ano. Nesse mesmo ano (IBGE, 1951, p. 174), apenas 34.518 veículos “em tráfego” no Estado de Minas Gerais, sendo 16.909 automóveis comuns (incluindo caminhonetes). É de se supor que a maioria desses veículos trafegassem na capital, mas são números ínfimos se comparados com a população de mais de 350 mil habitantes em Belo Horizonte. Os processos urbanos de Belo Horizonte a partir de 1950 são similares aos das grandes cidades brasileiras e decorrentes, principalmente, dos efeitos das grandes opções econômicas adotadas no país. Por sua vez, as opções brasileiras estavam inseridas em um processo mundial, decorrente do capitalismo fordista, que expandia seus mercados através do 84 Nessa data, circulavam ainda pelo Estado, 1.409 ônibus e caminhonetas e 1.463 motociclos, conforme a mesma fonte (IBGE, 1951, p. 174). 195 paradigma de produção de espaço para o automóvel, opção hegemônica no mundo ocidental. Trata-se de ao mesmo tempo de um processo social, estruturado a partir de um modo de transporte predominante (o automóvel), de um modelo desenvolvimentista construído a partir dele e do espaço resultante dessa opção. Lysia Bernardes (1986) afirma que o espaço se destaca como expressão dos processos econômico-sociais (incluindo as políticas públicas) sobre o território, mas não se trata apenas da expressão ou do reflexo do processo social global: “ele exerce, de forma retroativa, importante papel na organização social global resultante desse processo” (BERNARDES, 1986, p. 84). Dessa forma, o espaço integra a dinâmica do processo social que resulta na organização do território e nas configurações espaciais específicas. Bernardes analisa a política urbana brasileira e pontua o conhecido momento de entrada do Brasil no processo geral de produção de espaço orientado pela indústria automobilística. Não se pode deixar de referir aos efeitos particularmente concentradores do Programa de Metas do governo Kubitschek que, ao acelerar o processo de industrialização, o fez com base da indústria automobilística. A expansão dos transportes rodoviários e a precedência que assumiram desde então sobre o transporte ferroviário e o de cabotagem contribuíram diretamente para a grande mudança na configuração espacial do País, acelerando a migração campo-cidade, subvertendo as relações intrarregionais e acentuando, a nível nacional, a primazia da Região Sudeste, de São Paulo, em particular. (BERNARDES, 1986, p. 86). Iniciado em 1955, com o Plano de Metas de Kubitschek, apenas no final da década de 1970 e início de 1980 se perceberá de forma mais ampla o agravamento das disfunções do sistema urbano nacional. Entre outros fatores, a política de apoio à indústria automobilística afetou negativamente a circulação e os transportes coletivos nas grandes cidades brasileiras. Também abordando o caso brasileiro, Monte-Mór (2007; p. 84-85) destaca que o modelo de desenvolvimento econômico, adotado após 1964, continha implicitamente uma opção de concentração urbana, já que os objetivos pretendidos encontraram o meio propício à sua execução: as cidades grandes. Diante desse modelo de crescimento econômico, essas cidades tornaram-se cada vez mais “centros de riqueza e focos de pobreza.” (MONTE-MÓR, 2007, p. 91) e o modelo de política habitacional provocou o esgarçamento do espaço urbano. Especialmente a partir dos anos 1970, refletindo o que acontece em todo o Brasil, Belo Horizonte começa a se transformar na cidade automóvel, preparando seu espaço para essa 196 transformação. O automóvel e a indústria automobilista (não é sem motivo que a FIAT é atraída para a RMBH neste período) eram símbolos do milagre econômico e as vozes contrárias a essas opções se calavam ou não eram ouvidos. Pode-se considerar o período da Metropolização de Belo Horizonte como o que mais se aproxima do denominado Fordismo, e o espaço decorrente, o que mais se aproxima do espaço abstrato, nos termos lefebvrianos. Almeida (2014, p. 255), constata que “as transformações de Belo Horizonte, na segunda metade do século XX, [...] consolidam o espaço abstrato belo- horizontino e a expansão da cidade como um grande centro metropolitano”, e nesta realidade, a economia política da urbanização sustenta o registro da evolução da história da cidade (o espaço urbano) como expressão da sociedade de classes: “a existência da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo de produção e de distribuição, ou seja, uma sociedade de classes” (SINGER, 1973, p. 13). Em uma perspectiva histórica sobre o intenso processo de urbanização brasileiro entre os anos 1960 e 1970, pode- se antever uma análise abrangente das questões urbanas no termo espoliação urbana, defendido por Lúcio Kowarick (1979, p. 59), que incorpora ao conceito de habitação, os serviços de consumo coletivo como parte inerente a ela. Desde 1950, o espaço construído em Belo Horizonte parece desconsiderar a possibilidade de uma solução para todos, baseando-se em soluções incompletas de habitação, sem o suprimento dos meios de consumo coletivo, em um processo de espoliação urbana imposta, principalmente, aos mais pobres. Se a periferia da capital se adensava, exigindo grandes investimentos em transporte coletivo que não aconteciam, os loteamentos precários pressionavam pela expansão da rede de transporte coletivo. Esse processo desvincula a produção de moradia do acesso aos transportes (notadamente em loteamentos irregulares e clandestinos), além de diminuir o potencial de atuação dos trabalhadores pela formação de um “exército industrial de reserva”, decorrente das altas taxas de crescimento populacional da metrópole. Os problemas urbanos e de mobilidade se agravam nas décadas de 1960 e 1970, com o aumento de mais de cinquenta mil pessoas por ano na cidade e entre trinta e quarenta mil a mais na RMBH. As galopantes demandas cresciam em proporção geométrica enquanto as soluções chegam em proporção linear. Cardoso (2007, p. 70) constata nesse período que a criação e/ou prolongamento de eixos viários (avenidas Amazonas e Antônio Carlos, Pedro II e Silviano Brandão) promoveram uma maior capilaridade viária no eixo oeste e norte da cidade, 197 contribuindo para o crescimento radial de Belo Horizonte, já que esses eixos também facilitaram o crescimento populacional e de atividades, apesar de não garantirem boas condições de acessibilidade. As intervenções do início da década de 1970 reestruturaram o tráfego de veículos, abrindo e alargando vias, com projetos de circulação que privilegiavam o automóvel. De um lado a cidade prestes a se tornar metrópole confirmava a tendência rodoviarista associada ao processo de periferização, enquanto o modo ônibus consolidava-se como predominante no transporte coletivo (CARDOSO, 2007, p. 78-79). A década de 1980, mesmo destacando as positivas intervenções Metrobel sobre o sistema de transportes metropolitanos (a partir dos planos desenvolvidos pelo Plambel), não foi suficiente para suprir as carências geradas peles trinta anos anteriores, ao contrário, os problemas urbanos e de transporte e trânsito continuavam crescendo em ritmo muito maior que a capacidade de intervenção pública, haja visto a multiplicação de população em vilas, favelas e loteamentos irregulares, o adensamento do espaço metropolitano produzido anteriormente e que provoca o espraiamento da metrópole e o aumento de demanda pelo transporte metropolitano, que pressiona aumento de custos sem aumentos de receitas. As coisas parecem começar a mudar apenas no final dos anos 1980, com a onda de municipalização gerada com a nova Constituição e o início de administrações mais democráticas. Se o início dos anos 1990, no período da Democratização, é um período de otimismo e de inversão de prioridades (declara-se que as prioridades passam a ser o transporte coletivo e o não motorizado), quando o próprio desenvolvimento econômico do país, após o Plano Real, acaba por gerar mais pressão sobre os transportes coletivos, com aumento do uso do automóvel e séria crise de mobilidade já descrita no Capítulo 1. É apenas no início dos anos 2000, com a mudança de paradigma para a mobilidade urbana sustentável que se começa a enxergar a possibilidade de reverter a cidade do automóvel para transformá-la em uma cidade sustentável. Considerando que essa nova abordagem reflete uma decisão política de planejar diferente, mesmo com a consciência que a cultura política vigente ainda pode ser considerada insustentável, pode-se considerar que se está apostando na “possibilidade de um planejamento que, mesmo operando nos marcos de uma sociedade injusta, contribua, material e político-pedagogicamente, para a superação da injustiça social”, ideia defendida por Souza (2010, p. 29), que ainda destaca que: 198 “Uma das tarefas [...] ao se lidar com o planejamento e a gestão urbanos [...] é integrar a reflexão sobre aquilo que, sinteticamente, deve ser a finalidade do planejamento e da gestão – o desenvolvimento urbano, ou a mudança social positiva da e na cidade – com reflexões a respeito do desenvolvimento social (ou socioespacial) em geral, beneficiando-se de ideias e inquietações que têm surgido a propósito da meditação sobre transformações (‘modernização’, redução de desigualdade, etc.) em outras escalas de análise.” (SOUZA, 2010, p. 40). A reflexão entre mobilidade e cidade não se limita aos instrumentos legais e planos urbanos, mas ajudam a entender o contexto brasileiro e o passado recente da formação das cidades brasileiras, seus erros e as consequências decorrentes. O estabelecimento de novas práticas de planejamento e gestão tem sido uma abertura desejada e em construção, mas não será tema explícito da presente pesquisa, que avança na direção de uma problematização teórica destas interfaces, antes de se aproximar novamente de Belo Horizonte. A sociedade de Belo Horizonte já iniciou o debate sobre a necessidade e possibilidade de implantação de medidas que caminhem no sentido de que os usuários de automóveis tenham uma ideia mais objetiva do custo real de seus deslocamentos. Isso significa exigir dos que transitam em horários de pico uma contribuição efetiva que leve em conta os custos de congestionamento que estão impondo aos demais. Para além da melhoria das condições de mobilidade urbana, o principal desafio que se apresenta, atualmente, para as políticas públicas é a melhoria da qualidade de vida e a humanização da cidade. Nos anos recentes, o município de Belo Horizonte vem propondo algumas ações no sentido de tentar reverter a tradicional lógica de criação de facilidades para a utilização do veículo privado, com a adoção de medidas com o intuito de estimular o uso do transporte coletivo e dos modos não motorizados. Entre essas medidas, pode-se destacar a implantação de corredores rápidos de ônibus (BRT – Bus Rapid Transit) associados a medidas de adensamento urbano (TOD), as intervenções na rede de caminhamento, especialmente na Área Central de Belo Horizonte, a criação de um programa de incentivo ao uso de bicicleta como modo de transporte e o estabelecimento de medidas de regulamentação do transporte de cargas urbanas. Uma tentativa de mudança nas políticas públicas com o PlanMob-BH foi a introdução de um Plano de Gestão da Demanda, avaliado por Leite; Amaral (2011) em seus aspectos metodológicos, resultados efetivos na formulação de propostas de políticas e projetos e das opções estratégicas. Como já foi apresentado, medidas que tentem interferir nas decisões das 199 pessoas são fundamentais para se alcançar resultados nos mecanismos de localização e mobilidade e apesar de ter ampliado conhecimento a respeito dos potenciais impactos da implantação de medidas testadas, ainda muito deve ser avançado nas políticas de mobilidade de Belo Horizonte. Nesse artigo (LEITE; AMARAL, 2011) estão registradas algumas dessas ausências e com elas, direcionam o que seriam esperado. As políticas de direcionamento da demanda não ainda foram apropriadas, apesar de esforços nesse sentido na etapa de gestão e monitoramento do plano, mas ações de desestímulo (e não restrição ao uso) ao transporte individual ainda foram tímidas, esperando-se que apenas políticas de estacionamento e melhoria do transporte coletivo apresentem fossem capazes de atingir resultados. Também não se conseguiu avançar em propostas objetivas de mudança da matriz energética e nem em tarifação social, nem se avançou na longa história em áreas ambientais da cidade, o que permitiria novos espaços públicos com menores velocidades. Pouco se avançou na explicitação dos custos do transporte individual motorizado e em políticas tarifárias inovadoras. Para que efetivos resultados em um sistema de mobilidade urbana sejam alcançados, muitos problemas ainda terão de ser enfrentados, tanto no que se refere às questões físicas e operacionais do sistema, quanto em relação aos aspectos institucionais municipal e metropolitano. Um dos pontos centrais nas discussões em torno da questão metropolitana é a desarticulação do sistema de transporte da Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH, que gera externalidades negativas também em outras políticas públicas estratégicas como desenvolvimento urbano e qualidade ambiental. A perspectiva de uma rede de transporte metropolitana efetivamente integrada fica na dependência de possíveis avanços no processo de gestão metropolitana, orientado, pelo novo marco regulatório, implementado em 2007. Se a abordagem das políticas públicas e dos projetos públicos implantados vêm se aproximando da conceituação proposta pela presente pesquisa, ela se dá mais pela dimensão espacial, pela discussão do uso do solo (produção e ocupação do espaço urbano e metropolitano) e do uso das vias (ampliação de calçadas, implantação de ciclovias e faixas exclusivas para ônibus). A dimensão do corpo também se faz presente pela explicitação da gestão da demanda no PlanMob-BH e sua consolidação no Plano Estratégico BH2030, e da própria valorização dos espaços públicos de qualidade. 200 É esse o grande desafio atual do palimpsesto espacial de Belo Horizonte: a cidade motorizada praticamente sufocou a cidade pedestres, mas seus bons espaços públicos ainda estão em disputa, em luta pela sua apropriação. ´Será possível transformar essa cidade automóvel em uma cidade sustentável? Apesar de ser esse o objetivo declarado, os resultados estão mostrando o contrário, seja por inércia ou pelo fato de que a sociedade ainda não se transformou em sustentável, o que pode levar algumas gerações. E, só mudando a sociedade é que se conseguirá mudar o espaço. E, dialética e lefebvrianamente, só mudando o espaço é que se conseguirá mudar a sociedade. 4.3 O PALIMPSESTO DA METRÓPOLE AOS PEDAÇOS: ESPAÇO, TEMPO E CORPO Os objetivos positivistas dos empreendedores do projeto da nova capital podem até parecer bem-intencionados, mas foram causa de processos de exclusão e segregação antes mesmo da inauguração da cidade planejada. Desde o final do século XIX - com Belo Horizonte -, e passando por vários exemplos de cidades planejadas do século XX - como Goiânia, na década de 1930 -, a utopia de produzir um espaço novo e racional marca o imaginário urbano da sociedade brasileira e está na base do recorrente discurso de “falta de planejamento” e “crescimento desordenado”. Sempre de inspiração europeia, sendo inicialmente pelas ideias do Barão de Haussmann e suas reformas em Paris, o espaço racional atinge seu auge na realização de Brasília, em 1960, utopia urbanista, modernista e racionalista, que se transforma em um forte exemplo de distopia urbana, com perversos efeitos na mobilidade da população mais desfavorecida, deliberadamente localizada fora e longe das oportunidade da cidade concentradas no Plano Piloto. Apesar da história bem específica de uma capital planejada, é relevante verificar que a conjuntura de dificuldade de acesso à terra motivou tanto o espraiamento da cidade para além do atendido pela infraestrutura de transportes quanto uma ocupação irregular por favelas nas brechas da área mais bem localizada. As características básicas do espaço urbano gestadas no começo do século estão presentes nos dias atuais: baixa densidade de ocupação, retenção de áreas vazias equipadas, intensa atividade imobiliária, com o controle do acesso à cidade através do mercado de terrenos, e a ação do Estado no sentido de produzir e qualificar espaços para incentivar determinados tipos 201 de ocupação, com a industrial, em detrimento de outras, com a habitacional. (COSTA, 1994, p. 54). Esse duplo fenômeno perdura em toda a história da cidade e é similar ao ocorrido em outras cidades brasileiras. O que difere Belo Horizonte das demais cidades é a pouca expressividade do capital privado na sua formação, uma vez que o Estado é o grande produtor de espaço no período, mesmo assim, a partir dos anos 1930, o capital imobiliário “descobre” que as novas linhas de bonde valorizam os novos loteamentos, como está registrado no Omnibus. Desses Primeiros tempos, resulta o pedaço mais importante da cidade até os dias de hoje, centro da cidade e da metrópole, que ainda guarda algumas características originais em seus aspectos urbanísticos, apesar de seu intenso adensamento e transformação. Como a maioria das cidades, a formação espacial de Belo Horizonte segue dois ritmos de ocupação em paralelo. De um lado, forma-se aos pedaços, por planos urbanísticos, loteamentos e parcelamento, públicos ou privados, que deixam suas marcar visíveis até hoje na planta e nas vistas aéreas da metrópole. Mas ao lado desses pedaços traçados e organizados, nas suas brechas e nos seus vazios, a cidade espontânea se desenha e se conecta, onde as favelas e loteamentos irregulares ocupam as “brechas”, as “frestas” e as “franjas”. Mas esse processo de segregação das populações de menor renda tem duas naturezas, que acompanham toda a história da cidade, a cada dia de forma mais intensa até os anos 1990: de um lado, a favelização, ocupando vazios normalmente próximos às oportunidades de empregos comércio e serviços, ocupando “brechas urbanas”; do outro lado, o processo de periferização da cidade e da metrópole, que passam a ocupar as “franjas urbanas” e que trazem efeitos cruéis para as populações que são obrigadas a se localizar em regiões distantes e mal conectadas. Na (re)produção do espaço de Belo Horizonte, desde a sua gênese até os dias atuais, destaca-se também a produção de diversas formas de parcelamento do solo, seja de iniciativa pública ou de iniciativa privada. Presentes na materialidade da cidade, os parcelamentos permitem uma leitura das diferentes temporalidades e especificidades da produção/reprodução do espaço de Belo Horizonte. Os arranjos dos espaços públicos e privados desses parcelamentos podem revelar os meandros do processo de expansão urbana, bem como os seus significados na formação socioespacial. As configurações do espaço intraurbano, como resultado desses parcelamentos, convidam a pensar os vários caminhos trilhados pela cidade, no decurso de sua expansão territorial, aguçando nossos olhares questionadores sobre a sua história, na qual está registrado o processo de formação da cidade. (ALMEIDA, 2014, p. 192). 202 Em sua tese denominada Pelo espaço concebido: as repercussões dos modelos do urbanismo moderno na (re)produção do espaço urbano de Belo Horizonte, Reginaldo Magalhães de Almeida (2014, p. 193-4) considera que tanto os parcelamentos regulares, quanto os irregulares e clandestinos “contribuíram para a (re)produção do seu espaço urbano.” Essa tese, juntamente com a dissertação Condomínio: status e utopia num subúrbio brasileiro do século XXI de Lucas Menezes (2009) trazem alguns exemplos de importantes pedaços formais da cidade. Já a tese Cidade e exclusão: o lugar de moradia dos excluídos - O caso de Belo Horizonte de Rita Liberato (2007) traz alguns espaços conquistados que, juntos, formam e determinam boa parte do palimpsesto espacial da cidade, para além da cidade planejada circunscrita à Área Central. Almeida (2014, p. 194-210) constata que antes da implantação da capital e mesmo durante sua construção, ainda prevalecia a forma tradicional/colonial de assentamento urbano brasileira no Brasil, caracterizada por “traçados irregulares e orgânicos, adaptando-se às condições físicas do local” (ALMEIDA, 2014, p. 196), fazendo que a conformação urbana fosse derivada da configuração da rua, que surgia do espaço vazio das casas. Se no espaço concebido que vai produzir a Área Central a geometria se impôs, no espaço excluído, ainda prevaleceria essa lógica orgânica: Pode-se afirmar que dois são os princípios que vão dominar a gênese da produção do espaço da nova capital: o primeiro é o Estado [...]como o grande agente responsável pela produção do espaço; e o segundo, a elitização do espaço produzido, como consequência da atuação do próprio Estado, através das desapropriações necessárias para a implantação da capital, do projeto urbanístico excludente e do controle acerca da destinação dos espaços centrais. Em Belo Horizonte, após a sua inauguração, o Estado continuou a arcar com a implantação da cidade. O setor privado veio a atuar na produção do espaço de Belo Horizonte, nas áreas suburbana e rural, de forma mais pontual. Entretanto, a partir das primeiras décadas do século XX, os parcelamentos privados pulverizaram na área suburbana, quase sempre, devido aos estímulos e à omissão do Estado. (p. 209-210) Almeida (2014, p. 210-255) apresenta processos de produção de pedaços até o final da 1960, quando foi realizada a primeira planta cadastral pela Prefeitura. Na área planejada, uma “cidade oficial” com rígido controle pelo Estado contribuiu para que a expansão do espaço para fora dos limites da área urbana fosse através de uma “cidade real”, “que exaltava as necessidades e carências de serviços urbanos da maior parcela da população local” (ALMEIDA, 2014, p. 211). Celina Borges Lemos (1995) vai registrar que “os três tipos de segregação social, 203 espacial definidos pelo sociólogo Jean Lojkine estão representados nas primeiras apropriações da cidade – no nível da habitação, dos equipamentos coletivos e de transporte domicílio- trabalho” (Lojkine, 198185, p. 122 apud LEMOS, 1995, p. 108-109). Os primeiros parcelamentos privados implantados na área suburbana trouxeram traçados distintos da cidade oficial, mas ainda ficavam entre a regularidade progressista do projeto coordenado por Aarão Reis e a organicidade culturalista do Arraial Bello Horizonte” (ALMEIDA, 2014, p. 214). Eram quadras grandes, se comparado com os quarteirões homogêneos de 120 metros, com traçado viário geometricamente irregular, vias que se cruzavam em ângulos obtusos, conformando quadras, divididas em lotes de formato também irregular. A história dos parcelamentos desse período mostra vários problemas cujos efeitos ainda hoje são sentidos em diversos pedaços da cidade: havia um descaso com áreas comuns, falta de continuidade do sistema viário e dos próprios parcelamentos - “Quando ocorre certa continuidade, as ruas acabam absorvendo indevidamente o tráfego de passagem” (ALMEIDA, 2014, p. 219) -, vias de larguras uniformes sem hierarquização prevista, frequente dificuldade em implantação das vias previstas, por desconsiderar topografia e presença de obstáculos naturais. Outro processo que ocorreu paralelo à expansão da mancha urbana de Belo Horizonte foi a concentração de certos grupos sociais em algumas regiões da cidade, o que estimulava ainda mais a hierarquização do espaço belo- horizontino. Já era marcante em Belo Horizonte, nesse período, que a região Norte concentrava os operários, principalmente na crescente Lagoinha; a região Leste, região do bairro Santa Efigênia, basicamente os militares e os trabalhadores do serviço de saúde; a região Oeste, como a do atual bairro do Prado, a população de imigrantes estrangeiros que vieram trabalhar na construção da cidade e, a região central e Sul, como os bairros atuais do Cruzeiro, Sion e parte da Serra, os funcionários da administração pública e a elite belo-horizontina. (ALMEIDA, 2014, p. 225). Nos anos 1940, além do projeto funcional da Cidade Industrial em Contagem, que vai configurar Barreiro, Contagem e o próprio vetor oeste da futura metrópole como espaços da produção, o projeto de ocupação da Pampulha vai marcar de vez o espaço urbano de Belo Horizonte. Sob o comando do Prefeito Juscelino Kubitschek, foi iniciada a implantação da urbanização às margens da Lagoa da Pampulha, construída em 1938 com o represamento do ribeirão homônimo. Nesse caso, além de ocupação residencial de um subúrbio típico, o plano contemplava equipamentos de lazer — cassino, hotel, clube recreativo e casa noturna — além 85 LOJKINE, Jean. O estado capitalista e a questão urbana. São Paulo: Martins Fontes, 1981. 204 de uma igreja. Apesar de intenções manifestadas em produzir um espaço compartilhado por diferentes classes sociais, o projeto contrariou a recomendação do urbanista francês Agache86, que o Prefeito havia convidado para fazer um diagnóstico sobre a cidade e apontar potencialidades para a Pampulha e os parcelamentos no entorno da lagoa acabaram por atrair quase que exclusivamente a população mais privilegiada, tanto pelas grandes dimensões dos lotes, quanto pelos precários serviços do transporte público. Às margens da Lagoa e sobre suas águas, apenas os equipamentos de lazer, já que a moradia deveria recuar 500 metros da orla, onde seria construída uma avenida, em lotes também de mil metros quadrados e 20 metros de frente. O conjunto arquitetônico foi projetado pelo jovem arquiteto Oscar Niemeyer em 1942, inaugurado pelo Presidente Getúlio Vargas em 1943 (MENEZES, 2009, p. 172-3). A Figura 29 mostra a situação ao final da década de 1940 e nos dias atuais. Figura 29 – Vista aérea da urbanização da Pampulha (1948 e 2015). Fonte: CASTRO, 200687, p. 474, apud MENEZES, 2009, p. 173; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). 86 “O urbanista detectou que Belo Horizonte apresentava uma desorganização urbana, sendo necessária uma planificação da sua expansão para solucionar um grande déficit habitacional” (LEMOS, 1995, p. 113). 87 CASTRO, Maria Angela Reis de. Guia de bens tombados de Belo Horizonte. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo Horizonte, 2006. 205 No início da década de 1940, o mesmo Prefeito (JK) iniciou a implantação do projeto de urbanização do que seria o futuro bairro Cidade Jardim, juntamente com a implantação de um museu, o Museu da Cidade (atual Museu Histórico Abílio Barreto), que ocuparia a sede da antiga Fazenda do Leitão (MENEZES, 2009, p. 169). A ocupação da região era prevista no planejamento da urbanização de Belo Horizonte elaborado por Lincoln Continentino no final da década de 1930. Menezes (2009, p. 77) situa o bairro Cidade Jardim de Belo Horizonte, dentro de uma trajetória da utopia dos subúrbios, motivada inicialmente pela obra de Howard de 1898: Tomorrow: a peaceful path to real reform (Amanhã: um pacífico caminho para a real reforma), que foi revista e reeditada com o título Garden cities of tomorrow (Cidades-Jardins de amanhã). Howard imagina novas cidades inseridas em um ambiente de parque e áreas verdes que substituiriam as periferias das grandes cidades, verdadeiras “cidades-jardins” que seriam a base de uma nova sociedade. Motivado pelo sucesso de outros bairros jardim (em São Paulo e Rio de Janeiro), o projeto de Belo Horizonte foi planejado para ser um local arborizado, com casas com jardins e sem muros altos e uma ocupação específica, de uso exclusivamente residencial, em lotes de mil metros quadrados, 25 metros de frente e 10 metros de recuo. (MENEZES, 2009, p. 171). Esse bairro produzido para as pessoas de classes mais altas, próximo ao centro, recebe incentivos públicos nos primórdios de sua ocupação, como a linha de ônibus gratuita e integrada ao bonde. A Figura 30 mostra a imagem do projeto original e uma vista aérea do bairro nos dias atuais. Figura 30 - Planta cadastral do parcelamento do bairro Cidade Jardim e vista aérea em 2015. Fonte: ALMEIDA 2014, p. 243; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). 206 Ainda na década de 1940, houve também produção de espaços para população com menor renda, como foi o caso do bairro Mato da Lenha (atual Salgado Filho) descrito por Almeida (2014, p. 245-6) e apresentado na Figura 31 e do IAPI, conjunto construído para o do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários. Havia necessidade de espaços para a classe operária e interesse político do Prefeito em atender essa população e dois padrões de parcelamentos (“bairros populares”) foram produzidos no período, pelo corpo técnico da própria PBH. O padrão utilizado no Mato da Lenha , com lotes unifamiliares pequenos, traçado viário racional, geralmente ortogonal, mas que no caso do Mato da Lenha apresenta geometria losangular. Figura 31 – Vista aérea do bairro Mato da Lenha (atual Salgado Filho) na época de sua criação e nos dias atuais (1948 e 2015). Fonte: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/11/os-anos-1940-uma-moderna-metropole-no.html; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). O segundo padrão de bairros populares produzidos pelo poder público na década de 1940 também tinha referência em ideias progressistas, mas trazia um modelo verticalizado. O IAPI, conforme Almeida (2014, p. 247), foi construído sobre parte da favela Pedreira Prado Lopes entre 1941 e 1942, ocupação vertical entre cinco e dez pavimentos, dispostos em forma de U ao redor de uma praça central, totalizou 928 unidades habitacionais e é marcado pelo formalismo do conjunto, com clara referência ao discurso de Le Corbusier - “a geometria é a base”. O projeto do IAPI está apresentado na Figura 32 ao lado de sua situação atual, margeado pela Avenida Antônio Carlos recém alargada. 207 Figura 32 – Vista do projeto do IAPI na época de sua criação (1948) e nos dias atuais (2015). Fonte: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/11/os-anos-1940-uma-moderna-metropole-no.html; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). A maioria dos parcelamentos realizados na cidade nas décadas de 1960 e 1970, seguem um padrão da grade especulativa, com quadras uniformes, que permitem o maior rendimento possível de lotes, estes de dimensões regulares e no padrão de 360 m². As áreas de praças, quando existentes, são geralmente situadas em finais de quadras, onde o parcelamento torna- se mais irregular. Na década de 1970, consolida-se o processo de periferização das classes média e alta que buscou simulacros do campo e mesmo da cidade e trouxe como consequência o aumento da segregação socioespacial do território de Belo Horizonte (ALMEIDA, 2014, p. 259-260). Em paralelo à produção dos “espaços concebidos”, processos de ocupação das brechas ocorriam de forma contínua, como registra Almeida em ocupações precárias como Favela do Pau Comeu (próxima ao bairro Santa Lúcia) e Favela do Buraco do Peru (Carlos Prates). Almeida (2014, p. 251-2) vai salientar que as favelas se localizavam fora da Av. do Contorno, na direção norte e oeste, além da periferia das zonas leste e sul, e que já representavam 10% da população da cidade na década de 1950. A partir de 1955 o Estado passa a intervir nas favelas, através do Departamento Municipal de Bairros Populares, com a “diretriz de remover os aglomerados das áreas centrais, principalmente ao longo do ribeirão Arrudas, para assentá- 208 los em bairros populares que seriam produzidos pelo poder público” (URBEL, 201488 apud ALMEIDA, 2014, p. 251). Essa estratégia de remoção pelo Estado vai permanecer em maior ou menor grau até os dias de hoje e “contribuirá para o aumento da hierarquização do espaço belo-horizontino.” Liberato (2007) faz uma análise do processo histórico de localização dos marginais e excluídos nas cidades brasileiras em geral e de Belo Horizonte em particular, constatando que “o problema da marginalidade social é estrutural, e mais, que os indivíduos assim denominados e os espaços por eles ocupados fazem parte da sociedade, sendo, por sua vez, funcionais à mesma” (LIBERATO, 2007, p. 153). Nas grandes cidades brasileiras, e nas latino-americanas em geral, e, com Belo Horizonte não foi diferente, o local de moradia possível para os pobres foram as favelas e, a partir da primeira metade do século XX, os loteamentos clandestinos. Salienta-se que esses dois fenômenos representam a territorialização da ilegalidade urbana e da marginalidade social, já que para esses – favelas e os assentamentos informais – convergiram aqueles que, devido à falta de recursos financeiros, não podiam participar ativa e integralmente do consumo de produtos, dentre esses, o da moradia e buscaram formas alternativas para realizar o direito básico de morar. Devido ao não acesso à moradia por parte dessa população, essa passa a ser segregada social, econômica e espacialmente. (LIBERATO, 2007, p. 153). Liberato (2007, p. 173,177,184,193) faz um histórico das favelas e assentamentos informais em Belo Horizonte, registrando que a cidade inicia o período de Metropolização com 44 favelas e vilas-favelas e constatando uma expansão em quantidade na década de 1950 (passando a ter 76 favelas vilas-favelas e conjuntos habitacionais populares), na década de 1960 (explode para 143) e na década de 1970, atingindo 181 favelas, vilas-favelas e conjuntos habitacionais populares, distribuídas em todas as nove regiões administrativas da cidade. A Figura 33 mostra os mapas de localização no final das décadas de 1940 e 1970, permitindo constatar a evolução espacial do período. 88 URBEL - Companhia Urbanizadora de Belo Horizonte. Dados sobre a Habitação em Belo Horizonte. Belo Horizonte: URBEL, 2014. 209 Figura 33 – Mapa com a localização das favelas, vilas-favelas e conjuntos habitacionais em Belo Horizonte (em 1950 à esquerda e 1980 à direita). Fonte: Liberato, p. 175 e 197. Liberato vai confirmar que, até o início da década de 1980, as políticas públicas em relação às favelas em Belo Horizonte eram de erradicação e a alternativa para os moradores era a aquisição de lotes em loteamentos populares cada vez mais distantes (em sua maioria na RMBH). Apesar da tentativa de erradicação, as favelas e seus moradores resistem e aumentam em número e tamanho, por se tratar de uma alternativa viável de moradia. Esse fato impõe à cidade uma importante dinâmica de crescimento e expansão concomitante entre a cidade formal e informal. Na década de 1970, o poder público local faz tentativas de a construção de conjuntos habitacionais populares que rapidamente se transformam em favelas, devido ao alto adensamento populacional e à falta de infraestrutura (LIBERATO, 2007, p. 231-232), casos de “Ribeiro de Abreu (1975), Vale do Jatobá (1975), Califórnia (1976) e Tirol (1977), dentre outros. Todos eles, sem exceção, em poucos anos, se transformaram em verdadeiras favelas.” (LIBERATO, 2007, p. 195). É importante destacar que além da baixa qualidade dos espaços privados (das habitações), o processo de ocupação das periferias, que provocou segregação e exclusão social, 210 marginalidade urbana e espoliação também afetou com igual intensidade os espaços públicos. A inexistência de ruas largas para circulação de ônibus vai contribuir para que as favelas se transformem em enclaves urbanos e mesmo a circulação de pedestres em muitas das favelas é penosa, por caminhos descontínuos e cheios de degraus e obstáculos. Se avenidas apenas existem fora do perímetro das favelas, as poucas “praças”, quando existem, são na verdade “largos” comerciais ou quadras preservadas para atividades comuns. No entanto, deve-se destacar que as características da rua como espaço do encontro, do lazer se manteve vivo na maioria das periferias nas mais adversas condições (bairros e loteamentos populares e favelas); e, ao contrário, as ruas dos bairros de maior renda foram perdendo suas características, tanto pela crescente insegurança (real ou imaginária) quanto pela sua ocupação pelos automóveis e sua velocidade. Esse intenso processo de urbanização espoliativa traz um efeito no processo de produção do espaço da cidade de Belo Horizonte, que é o transbordamento das populações mais pobres e sem acesso à terra e ao emprego e a formação de uma metrópole no sentido mais empobrecido do termo: parcelas significativas da população passam a morar em municípios vizinhos, normalmente em condições desprovidas de infraestrutura, continua trabalhando no município sede, criando municípios-dormitório e uma intensa mobilidade pendular diária, com desperdício imenso do tempo de vida em deslocamentos. Esse processo de espoliação metropolitana, talvez seja muito mais perverso e ainda parece não ter acabado. Nas quatro últimas décadas do século XX, há uma consolidação da expansão do espaço urbano de Belo Horizonte para além das divisas municipais, uma participação maior do capital imobiliário na produção do espaço e a implementação de importantes legislações urbanísticas na cidade, baseadas no ideário progressista. No que se refere aos novos pedaços dentro do município, destaca-se o bairro Cidade Nova, apresentado na Figura 34, parcelamento que trazia a inovação de destinar áreas para equipamentos públicos e praças e tinha uma variação na direção das quadras, que proporcionam descontinuidade e menos impacto do tráfego de passagem, com algumas ruas terminando em cul-de-sacs (mini-rotatórias instaladas em ruas sem saída, onde os veículos podem fazer a volta para retornar por onde entraram (ALMEIDA, 2014, p. 259). 211 Figura 34 – Bairro Cidade Nova: planta do parcelamento (1967) e vista atual (2015). Fonte: Belo Horizonte, 2012 apud ALMEIDA, 2014, p. 259; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). O Conjunto Califórnia, apresentado na Figura 35, diferentemente do pioneiro IAPI, rompeu com o padrão de repetição linear de casas típico de habitações sociais da época, adotando-se soluções verticais maiores que o IAPI e liberação de áreas para espaços verdes e equipamentos comunitários. As quadras residenciais possuem habitações multi e unifamiliares, implantação de comércio em um único ponto e sistema viário reticulado e com ruas interrompidas, similar a cidades jardins e de uso quase exclusivo dos próprios moradores. Interessante destacar no processo de ocupação do Conjunto Califórnia algo que ocorreu em diversos outros conjuntos: a previsão inicial de vagas de estacionamento foi insuficiente para a crescente demanda e a população foi criando garagens, adaptando passeios para a entrada dos carros e utilizando espaços próximos aos pilotis das torres. 212 Figura 35 – Foto da maquete do conjunto Califórnia (1970) e vista aérea atual (2015). Fonte: Belo Horizonte, 2012 apud ALMEIDA, 2014, p. 266; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). Outro bairro que se destaca dessa época é o Bairro Castelo, apresentado na Figura 36, implantado de acordo com a LPUOS de 1976 (ALMEIDA, 2014, p. 273) e vai representar uma nova opção para a classe média apenas na década de 1990, pois inicialmente tinha pouca acessibilidade. Figura 36 – Bairro Castelo: planta cadastral (década de 1980) e vista aérea atual (2015). Fonte: Belo Horizonte, 2012 apud ALMEIDA, 2014, p. 273 Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). O Belvedere, por sua vez, mistura um bairro residencial unifamiliar para população de alta renda, com a implantação do primeiro Shopping Center de Belo Horizonte (final dos anos 213 1970) e posteriormente, parcelamentos multifamiliares e partes comerciais, também para pessoas de alta renda. A Figura 37 mostra a planta cadastral e a vista aérea atual, desse parcelamento. Figura 37 – Planta cadastral do parcelamento dos bairros Belvedere II e III (década de 1980) e vista aérea atual (2015). Fonte: Belo Horizonte, 2012 apud ALMEIDA, 2014, p. 278; Google Earth (imagem gerada em 27/03/2015). E assim foi a história da ocupação da cidade: espaços planejados de pedaço em pedaço e cidades informais nas frestas, franjas e brechas. “Nas últimas décadas do século XX, a metrópole de Belo Horizonte torna-se uma realidade socioespacial. Os processos especulativos de valorização da terra, sob a tutela do Estado, proporcionaram uma conformação socioespacial desigual e segregadora.” (ALMEIDA, 2014, p. 283-4). Essa constatação se completa com o fato de que os espaços para populações de menor renda foram sendo “’empurrados’ para as periferias mais distantes.” Esse processo de ocupação, relativamente conhecido, resulta na ocupação quase total do território (resta um único grande vazio urbano na região denominada Isidoro, a nordeste da cidade). Se, por um lado, há ação e omissão do Estado, por outro lado, o mercado imobiliário tem papel predominante ao conduzir a expansão imobiliária com imóveis residenciais para as classes médias nas áreas pericentrais e periféricas do município de Belo Horizonte e, paralelamente, produzir loteamentos populares nas periferias mais distantes da Região Metropolitana. 214 Se ao final do século XX, o espaço da cidade transforma-se em raridade e sua produção “entra em contradição com as necessidades do desenvolvimento do próprio capital” (ALMEIDA, 2014, p. 284), na primeira década do século XXI, o espaço para novos parcelamentos do solo é mais raro ainda, e passa a ser marcado pela ação cada vez maior do capital imobiliário na renovação dos imóveis e mudança de uso, uma vez que o território está praticamente todo ocupado (ALMEIDA, 2014, p. 284-300). No entanto, a força do mercado ainda encontra novos espaços para produção de moradia e serviços focado na população de maior renda na consolidação do bairro Belvedere, em bairros como o Buritis e, no âmbito metropolitano, nos condomínios da região sul, que vão transformando esse eixo em uma verdadeira Ricópolis. Essa região se beneficia da proximidade com favelas, criando uma verdadeira simbiose, e será estudada no Capítulo 6. Esses novos espaços para populações de alta renda possuem uma grande homogeneidade, são mais segregados (verdadeiros enclaves) e dependentes de modos de transporte individuais. De certa forma, esse eixo Sul se torna um “subúrbio” à brasileira, tanto na parte municipal – que ainda guarda alguma semelhança com bairros normais -, quanto na parte metropolitana, que vai se aproximar dos modelos americanos de condomínios fechados e superprotegidos, os enclaves fortificados e motorizados do arquipélago carcerário, nos termos de Caldeira (1997) e Soja (2008), respectivamente. Outro destaque final é a consolidação das favelas centrais em torno dessa Ricópolis, que chegam a formar alguns aglomerados de vilas e favelas que se espalham por extensos territórios, normalmente de topografia desfavorável para a ocupação imobiliária tradicional. Essa “solução” se consolida no espaço e se transforma em espaços legítimos com questões específicas e representação política que se estabelece nos tempos de Democratização. O aglomerado da serra, o Morro do Papagaio (Favela Santa Lúcia), e Morro das Pedras e o Taquaril vão se estabelecer também como referências simbólicas na cidade, “produzidos” de maneira marginal a partir de uma lógica de mercado imobiliário informal e atuação pontual do poder público (tanto na repressão, quanto na qualificação, normalmente normativa, como nas recentes intervenções do Programa Vila Viva89). As vilas e favelas atuais de Belo Horizonte 89 Programa de urbanização de favelas implantado a partir de 2005 pela Prefeitura, associado aos Planos Globais Específicos (PGE) de cada vila atendida, com ações de diversas naturezas: saneamento, remoção de famílias, 215 estão apresentadas na Figura 38 e cada uma pode ser considerada uma isotopia e seu conjunto, isotopias distantes. Figura 38 – Vilas, favelas e conjuntos habitacionais de interesse social em Belo Horizonte. Fonte: PBH, 2013 [http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/mapas-e-estatisticas/mapas-estaticos, acesso em 02/05/2015]. construção moradia, erradicação de áreas de risco, sistema viário, urbanização de becos, promoção social, educação, criação de alternativas de geração de trabalho e renda, além de emissão das escrituras dos lotes aos ocupantes. Fonte: http://portalpbh.pbh.gov.br/ [acesso em 23/7/2015]. 216 4.4 ESPAÇOS PÚBLICOS DA CAPITAL: ENTRE A HETEROTOPIA E O NÃO-LUGAR Ao apresentar o conceito de heterotopia na ótica de Foucault no Capítulo 2, foi proposto um breve exercício de comparação dos espaços públicos com os seis princípios das heterotopias de Foucault para sustentar uma proposição: os espaços públicos não seriam heterotopia urbanas? Parece que sim, principalmente por suas características de sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários lugares que por si só seriam incompatíveis, conforme o terceiro princípio da heterotopia de Foucault. Além disso, como as heterotopias, os espaços públicos modificam seu significado ao longo do tempo (segundo princípio), seja pela mudança histórica pela sociedade ou pelos novos usos de um espaço específico. Um bom exemplo são as praças que já foram símbolos da cidade política (a ágora grega) e que viraram símbolos da cidade mercantil (espaços da troca e do mercado). Se lembrarmos que espaços nunca são apenas seus fixos, parece possível imaginar que existe um sistema de aberturas e fechamentos (quinto princípio da heterotopia em Foucault) dos espaços públicos, que inclui ou exclui determinadas pessoas ou grupos de pessoas. Começando pelo próprio ato de circular pelos espaços públicos sem se relacionar com esse espaço (sem “entrar” nele), evidente ao pensarmos na circulação em modos motorizados, mas possível mesmo em caso de transeuntes caminhando, que apenas passam por esse não-lugar. Desde o antigo hábito de se levar a cadeira para a calçada para conversar com vizinhos ou de crianças que se sentam no meio-fio, mas até no singelo ato de parar e usufruir de uma praça, de se deixar observar o movimento de uma esquina e em diversas outras situações, essas heterotopias urbanas se abrem para nos mostrar seus outros espaços contidos. Na outra extremidade dessa analogia dos espaços públicos como heterotopias, estão os espaços públicos como não-lugares, termo proposto por Marc Augé e apresentado no item Capítulo 1. Há uma forte tendência de alguns espaços públicos se transformarem nesses não- lugares, tanto quando seus fins são meios (mobilidade é sempre um meio, mas que possui lugares cujo fim é justamente a mobilidade) quanto quando as pessoas perdem as relações/apropriações com os espaços. Nesse sentido, os espaços públicos guardam uma contradição em si, pois são ao mesmo tempo vários lugares (heterotopias) e não-lugares, pois as pessoas passando transformam o lugar em espaço, e quando passam com velocidade, transformam o espaço em não-lugar. O que ocorre, como já foi pontuado, é uma espécie de 217 alienação que a mobilidade impõe ao lugar, criando esses não-lugares, simples locais de atravessamento, como pontua (SENNETT, 2006, p. 17-18) que está preocupado com a condição física do corpo em deslocamento que passa a estar desconectada do espaço, tanto pela alta velocidade, quanto pelo pouco esforço em se deslocar, o que não exige quase nenhuma vinculação com o que está ao redor. A partir desse contexto, como fazer a leitura da evolução dos significados das ruas, praças e avenidas90 de Belo Horizonte ao longo de sua curta história? Essa parece ser uma boa questão a ser explorada para configurar o palimpsesto da cidade. Nos Primeiros tempos, o período de formação de Belo Horizonte, foi evidenciado que o desenho da cidade, planejada no final do século XIX, é de inspiração do período barroco. Não por acaso, Belo Horizonte nasce marcada por suas avenidas, pois na cidade barroca, a avenida e seu movimento são de grande importância (MUMFORD, 1998, p. 399–403). Mumford parte da constatação de que a avenida é o símbolo mais importante da cidade barroca e, mesmo quando não era possível planejar toda a cidade, o traçado de meia dúzia de novas avenidas ou de um bairro novo, podia redefinir o caráter da cidade. O período de sua análise inicia-se durante o século XVI, quando o veículo de roda - as carruagens e carroças - tiveram uso mais generalizado dentro das cidades, exigindo o alargamento das ruas para “a aceleração do movimento e a conquista do espaço, o desejo febril de ‘chegar a alguma parte’” (MUMFORD, 1998, p. 400). Essas avenidas barrocas (sementes das avenidas atuais), também cumpriam o papel de movimentação militar, o que reforçava a necessidade de serem largas e retas. Se inicialmente eram o palco das manobras militares para os expectadores nas calçadas e janelas, essa função evolui para controle militar do espaço nas reformas parisienses de Haussman, séculos mais tarde. A avenida, produto das mudanças sociais, também produziu mudanças. Se na caminhada, o olhar corteja a variedade; em ritmo acelerado, o movimento pede a repetição, através da 90 Rua: via pública urbana ladeada de casas, prédios, de muros ou jardins; centro dessa via, onde transitam os veículos; conjunto de casas ou prédios que margeiam essa via; conjunto de moradores dessas casas ou prédios. Praça: área pública não construída, dentro de uma cidade; largo, campo; área urbana arborizada e/ou ajardinada, frequentemente com bancos, chafarizes, coreto etc., para descanso e lazer; jardim público. Avenida: via pública urbana ampla, mais larga que a rua, geralmente arborizada ou provida de outros guarnecimentos. (HOUAISS; VILLAR, 2004, p. 2479, 2276 e 356, respectivamente). 218 disposição regular de edifícios. E esse espaço privilegiado dos veículos com rodas e das tropas militares produz outros espaços, como os estábulos e as cocheiras, que acabaram por invadir bairros menos requintados. Essa “ambição de poder” (velocidade e controle militar) não pode ser considerada homogênea entre as classes sociais, pois o desenvolvimento da larga avenida provocou a dissociação entre as classes superiores e inferiores, e essa dissociação não era por acaso conforme constata Mumford (1998, p. 402-403): Os ricos conduzem; os pobres caminham. [...] Os ricos olham; os pobres admiram. [...] Havia apenas uma situação desejável nesse despotismo: era a dos ricos. Para eles foi feita a avenida [...]: era para protegê-los que os soldados se punham em marcha. Possuir cavalo e carruagem era sinal indispensável de êxito comercial e social. É também com a avenida que se generaliza a geometrização do espaço expresso nos planos urbanísticos. Essa projeção do espaço urbano em um espaço de coordenadas geométricas vai ser evidenciada nos planos de Paris, cujos bulevares, largas e extensas avenidas arborizadas são o símbolo de espaços públicos. Essa geometrização do espaço vai persistir até o urbanismo moderno, onde, “segundo Le Corbusier, a geometria é o ponto de encontro entre o belo e o verdadeiro: a arte é regida por uma lógica matemática” (CHOAY, 2007, p. 23). Conforme constata Monte-Mór (2006a, p. 62-63), o plano de Paris é considerado o primeiro plano regulador para uma metrópole moderna, com racionalidade urbanística, parques e grandes avenidas, mas pode-se citar também o caso de Barcelona, onde o engenheiro Cerdà projetou em 1854 um plano com infraestrutura sanitária, sistema viário e no desenho de quarteirões integrados ao espaço urbano em praças internas. No caso brasileiro, as avenidas eram também um contraponto à organicidade das ruas das cidades coloniais, mas é certo que Belo Horizonte é uma cidade marcada pela avenida desde seu início, sem desconsiderar as belas e simbólicas praças e as ruas largas e arborizadas. É marcante a importância desses espaços públicos nas palavras do próprio Aarão Reis: [...] Às ruas fiz dar a largura de 20 metros, necessária para a conveniente arborização, a livre circulação de veículos, o tráfego dos carris e os trabalhos das colocações e reparações das canalizações subterrâneas. Às avenidas fixei a largura de 35 metros, suficiente para dar-lhes a beleza e o conforto que deverão, de futuro, proporcionar à população. Apenas a uma das avenidas – que corta a zona urbana de norte a sul, e que é destinada à ligação dos bairros opostos – dei a largura de 50 metros, para constituí-la em centro obrigado da cidade e, assim, forçar a população, quando possível, a ir-se desenvolvendo do centro para a periferia, como convém à economia 219 municipal, à manutenção da higiene sanitária e ao prosseguimento regular dos trabalhos técnicos. Essa zona urbana é delimitada e separada da suburbana por uma avenida de contorno, que facilitará a conveniente distribuição dos impostos locais, e que, de futuro será uma das mais apreciadas belezas da nova cidade.” (REIS, Aarão91 apud FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 1996, p. 30, grifos nossos). Aarão Reis sabia exatamente o que estava propondo e não escondia a importância que deu às vias e, principalmente, à avenida principal, que ele queria tornar o “centro obrigado da cidade”, um centro que, apesar dessa afirmação de seu planejador, “não havia sido definido no Plano” já que “nem o Plano nem a Comissão Construtora definiram qualquer zoneamento para a cidade” (VILLAÇA, 1998, p. 120). Mas Reis queria mais, ele queria dar poder às avenidas nos mesmos termos da análise de Mumford, tanto para separar as classes sociais ao consolidar seu projeto de uma cidade que “força a população” a se desenvolver na avenida “do centro para a periferia”, quanto para o controle do Estado (construir uma cidade higienista, preparada para a técnica e cujo espaço facilitasse a distribuição dos impostos). A Figura 39 mostra fotos da Avenida Afonso Pena em dois momentos da primeira metade do século XX. Os belos espaços públicos planejados eram elementos fundamentais do projeto da nova cidade e cobriam 42,2% da superfície total da cidade. Penna (1997, p. 38) mostra números da extensão de avenidas (38,83 km) e ruas (87,76km) do Plano de Aarão Reis, onde as praças ocupavam 5,09 hectares dentro de uma zona urbana de 881,54 hectares. Pode-se perceber a importância das avenidas planejadas, ao se constatar que sua extensão representava 30,7% do total de extensão de vias e 37,3% da superfície total de espaços públicos92. 91 O texto original vem da Revista Geral da Comissão Constructora da Nova Capital e optou-se por ser apresentado com a ortografia atual e não como a ortografia original de época, como está registrado em FJP. 92 Esse cálculo estimado considera a largura média das ruas e avenidas planejadas de 20 m e 35 m respectivamente. A exceção é a Avenida Afonso Pena, que possuía 50 m de largura e 3 km de extensão). O resultado das superfícies de espaços planejadas seria de 175,52 hectares (de ruas), 140,41 hectares (de avenidas), que somados aos 5,09 hectares (praças) e 55,5 hectares do parque municipal, chega a 376,52 hectares de espaços públicos, que corresponde a 42,7% da superfície da área planejada (881,54 hectares). Em relação à superfície total de espaços públicos, as ruas representam 46,6%, as avenidas 37,3, o parque 14,8% e as praças 1,4%. (Fonte dos números utilizados para os cálculos: PENNA, 1997, p. 38). 220 Figura 39 – Imagens históricas da Avenida Afonso Pena (1910 e 1930). Fontes: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/05/o-seculo-xx-e-o-inicio-da-consolidacao.html, http://www.duniverso.com.br/fotos-da-antiga-belo-horizonte-de-volta-ao-passado/. No livro A Revolução Urbana, para apresentar as diferenças e transformações das cidades política, comercial, industrial e da “zona crítica”, Lefebvre (2008, p. 15-32) utiliza alguns espaços públicos urbanos como evidências: a praça e a rua. É a praça os espaços públicos que representa os dois primeiros momentos da cidade: ampla o suficiente para receber o povo nas decisões da cidade política; e nas compras e trocas da cidade comercial. Os lugares destinados à troca e ao comércio, marcados pela heterotopia, são inicialmente excluídos da cidade política e em um processo que dura séculos, a praça da reunião (a ágora, o fórum) vai ser suplantada pela praça do mercado, símbolo da cidade comercial. Essa transformação é seguida pela arquitetura que traduz a nova concepção da cidade, onde “o espaço urbano torna-se o lugar do encontro das coisas e das pessoas, da troca.” É evidente que Lefebvre não está falando apenas dos espaços públicos urbanos, pois a praça agrega em seu entorno os espaços privados (de comércio) e públicos (igreja, prefeitura) que complementam a praça. A Belo Horizonte planejada não é nem a cidade política e nem a cidade comercial da análise de Lefebvre, mas vai se transformar na cidade urbano-industrial (mais urbano que industrial) na segunda metade do século XX. Em sua história, desde seu plano original, podemos 221 identificar diversos tipos de praças93: praças monumentos (para o poder e a política), praças comerciais (para o comércio), praças jardim (para o estar) e praças largos (as diversas praças abertas à circulação de veículos e muitas vezes apenas encontros das avenidas, praças apenas no nome, sem característica de praça). Muitas das praças são híbridas de diversos desses tipos. O projeto original de Aarão Reis apresentava cuidado com as praças (e jardins), com previsão de vinte locais para sua instalação, como pode ser visto na Figura 40. Figura 40 – Planta original de Belo Horizonte com identificação de locais de praças e jardins Na planta, 13 locais que são praças nos dias atuais foram numerados e marcados com círculos e sete locais que não são nem praças e nem jardins foram marcados com retângulos. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Belo_Horizonte, com marcação nossa. [acesso em 21/02/2015]. Algumas dessas praças tinham vocação bem específica: a Praça da Estação (identificada com o número 2 na Figura 40), porta de entrada da cidade, era uma praça comercial (e tinha configuração de um grande largo); enquanto a Praça da Liberdade (6), era uma praça 93 Terminologia nossa, proposta a partir dos diversos conceitos de praça, com o simples intuito de diferenciar as tipologias e provocar uma reflexão sobre sua apropriação. 222 monumento (com desenho de praça jardim) e foi palco da inauguração da cidade, como mostra a Figura 41 e Figura 42. Algumas das praças eram, e continuam sendo, praças largos, como é o caso das atuais Praça Sete (1) (que é também uma praça monumento), Praça da Savassi (7), Praça ABC (9) e Praça Tiradentes (10); enquanto outras eram previstas para serem praças jardim para passeios e contemplação, como é o caso da Praça Rio Branco ou da Rodoviária (3) (que é ainda uma praça comercial), Praça Raul Soares (4), Praça da Assembleia (5), Praça Milton Campos (8), Praça Afonso Arinos (11) Praça Hugo Werneck (12) e Praça Floriano Peixoto (13). Claro que essas funções foram aos poucos se misturando e sendo reformuladas, como as próprias praças, e lamenta-se que seis praças e o Jardim Zoológico (atual Minas Tênias Clube) tenham sido descartados com o passar do tempo, marcados em vermelho na Figura 40. Figura 41 –Praça da Liberdade: Inauguração da Cidade (12/12/1897). Fontes: http://bhnostalgia.blogspot.com.br/2013/10/praca-da-liberdade.html [acesso em 4/1/2013]. 223 Figura 42 – Praça da Liberdade: vista aérea (década de 1930). Fontes: http://bhnostalgia.blogspot.com.br/2010/03/praca-da-liberdade-vista-do-alto-cidade.html [acesso em 4/1/2013]. E além de suas ruas, praças e avenidas, a cidade planejada possuía um considerável parque urbano – o atual Parque Municipal -, com 555 mil metros quadrados (55,5 hectares) 94 previstos (hoje, foi reduzido a pouco mais de 32% de sua previsão original, conforme mostrado na Figura 43. E as ruas da cidade planejada, pensadas por Aarão Reis para serem largas (20 metros) e receberem arborização, circulação de veículos e dos carris95 e as canalizações subterrâneas, foram sendo produzidas e transformadas exatamente como previsto por ele ao longo da primeira metade do Séculos XX. 94 Fonte: http://www.belohorizonte.mg.gov.br/atrativos/roteiros/oficios-de-minas/historia-do-parque- municipal [acesso em 21/02/2015]. Atualmente, o Parque possui apenas 180.000 metros quadrados, pouco mais de 32% da área original. 95 Carris são os trilhos, e por extensão, os bondes elétricos e posteriormente os trólebus e ônibus. 224 Figura 43 – Parque Municipal: comparação entre projeto original e implantação atual. Fonte: http://ficaficus.concatena.org/wp-content/uploads/2013/03/parque_mun.jpg [acesso em 21/2/2015]. Enquanto as ruas retas e largas do projeto original eram construídas na cidade planejada (hoje Área Central), a cidade real, que extrapola o plano, ia sendo construída com as ruas sinuosas da cidade colonial e posteriormente ao sabor do mercado (formal e informal). Até o final da primeira metade do Século XX, pode-se considerar que havia um duplo processo de produção de espaços públicos: do lado de dentro da Avenida do Contorno, a produção e consolidação dos espaços públicos planejados na Área Central, que resguardavam características de qualidade como arborização e passeios largos; do lado de fora, a produção de espaços públicos sinuosos, descontínuos e estreitos, com exceção dos locais que receberam projetos urbanísticos, como a Pampulha e a Cidade Industrial. A partir dos anos 1950 e durante todo o período de Metropolização, mesmo os espaços já construídos vão sendo corroídos – nos termos de Jane Jacobs, erodidos - pelo aumento do uso do automóvel e a consequente transformação dos espaços para esse Objeto-Rei. É nesse período que mais se prejudica os pedestres nas soluções urbanas. A Figura 44 mostra uma das mais simbólicas transformações, quando ações que beneficiam o trânsito de automóveis, em 1963, derrubam as árvores da Avenida Afonso Pena, fato marcante na paisagem da cidade foram mais rápido dos veículos96. 96 A versão oficial é de que as árvores foram suprimidas por proliferação de insetos e pragas; mas como o resultante não foi o replantio das árvores, fica evidentes que os reais motivos foram o alargamento viário. 225 Figura 44 – Avenida Afonso Pena e Praça 7 (1958 e 1965). Fonte: http://www.novomilenio.inf.br/santos/bonden09.htm [acessos em 21/02/2015]; http://curraldelrei.blogspot.com.br/2012/09/metamorfoses-urbanas-avenida-afonso-pena.html. Em parte, esse expurgo dos espaços para caminhar foi motivado pela grande priorização de problemas mais visíveis, como a expansão do serviço de transporte e sistema viário. Porém, o maior motivador é a consolidação do automóvel como solução de mobilidade, ainda sem uma crítica a seu uso97. De forma quase silenciosa, esse modo vai se impondo, provocando a retirada de árvores e a redução de espaços dos pedestres (estreitamento de calçadas), prejudicando o desempenho do transporte coletivo e viabilizando o espraiamento da metrópole juntamente com a hegemonia do transporte coletivo por ônibus. No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, com implantações propostas pelo Plambel e Metrobel, há uma significativa transformação (de forma geral, positiva) em alguns espaços públicos. De fato, é como se o processo de transformação dos espaços privados da metrópole, ocorrido nas décadas anteriores, se refletisse em uma vontade de transformação nos espaços públicos a partir das implantações do PACE/79 e do Probus. Os efeitos dessa transformação caracterizam a chegada de Belo Horizonte a certa “modernidade” que, como veio contaminada de autoritarismo e tecnocracia, foi fadada a ter vida curta. Os registros deste 97 A única tentativa de redução de uso de automóveis se deu nos períodos das crises de petróleo na década de 1970, que afetarem o fornecimento de combustível, e geraram temporárias medidas de controle do uso dos carros. 226 período da Metrobel enfatizam mais as preocupações com o transporte rodoviário, sistema viário e serviços para o transporte coletivo. Mas, se não se incorporava ainda a ideia de mobilidade, seguramente algumas ações da Metrobel traziam sementes das soluções atuais. Um bom exemplo são as denominadas áreas ambientais, que resguardaram pedaços da cidade do tráfego de passagem tiveram (e ainda tem) grande importância para humanizar os espaços públicos. Uma das experiências mais abrangentes de criação de áreas ambientais no Brasil ocorreu em Belo Horizonte. Os projetos foram elaborados, entre 1976 e 1978, pelo extinto PLAMBEL [...], como parte integrante do PACE - Projeto da Área Central [...] A implantação do projeto teve início em 1979 [...] O PACE/79 estabeleceu um rígido sistema arterial, composto pela maioria das avenidas situadas na Área Central e por diversos trechos de ruas. Os bolsões delimitados, basicamente, por essa rede de ruas e avenidas constituíram as 25 áreas ambientais propostas. A viabilização das áreas ambientais se deu através de um plano de circulação que inibia o ingresso e a circulação de tráfego de passagem no âmbito de cada área, direcionando-o para o conjunto de vias arteriais devidamente programadas e sinalizadas para propiciar maior fluidez. (BHTRANS, 1999, p. 29-30). A lógica predominantemente das áreas ambientais do PACE/79 não foi exclusivamente para os transportes não motorizados, mas buscar simultaneamente melhores condições para o tráfego arterial e a elevação dos níveis de qualidade de vida urbana. As medidas utilizadas para melhorar as condições da circulação de pedestres eram: instalação de semáforos apenas nas interseções de vias arteriais, restrição do estacionamento junto ao meio-fio, construção de baías para ônibus, introdução de tempo para pedestres nos semáforos. Outras medidas restringiam o uso das vias internas às áreas ambientais pelo tráfego de atravessamento: circulação com descontinuidade de fluxo, canalização do tráfego em interseções, ampliação das áreas de calçada, etc. Esse tipo de medida pode ser considerada como uma restrição aos automóveis, trazendo recepção negativa dos usuários do automóvel, “acostumados a um total grau de liberdade na utilização do sistema viário, no qual os pedestres e o transporte coletivo foram sempre secundarizados.” (BHTRANS, 1999, p. 30). Sua implantação foi limitada à Área Central e o PACE/79 não foi totalmente implantado no que se refere ao tratamento das vias internas às áreas ambientais e “foi sendo lentamente descaracterizado e mutilado em sua concepção original, não recebendo as devidas correções e ajustes que, em função da dinâmica da cidade, seriam necessários para a sua atualização e manutenção de sua eficiência” 227 (BHTRANS, 1999, p. 30-31). No entanto, muitas dessas transformações ainda estão visíveis no palimpsesto da cidade, especialmente nos bairros Funcionários e Savassi. Mas se a Metrobel conseguiu reverter e proteger alguns bolsões na Área Central, no resto da cidade o processo de erosão dos espaços públicos continuou até a fase de Democratização e, de certa forma, continua até hoje. Nessa nova fase, a primeira tentativa de revitalização dos espaços públicos foi a retomada das áreas ambientais pela BHTRANS através da proposição da criação de uma Área Ambiental Central, correspondendo a praticamente todo o Hipercentro pelo PACE/1996. O objetivo declarado era “proporcionar um maior nível de controle do tráfego que ingressa na área e de contribuir para a integração urbanística de seus diversos setores e respectivos equipamentos” (BHTRANS, 1999, p. 34). Essas áreas ambientais deveriam receber tratamento com medidas moderadoras de tráfego (traffic calming) e redução da velocidade para 30 km/h e para isso, a BHTRANS lançou um Manual de Medidas Moderadoras de Tráfego que sustentou a execução de um Concurso (Ruas da Cidade) para implantação de novas áreas ambientais. O resultado foi menor do que o esperado, não sendo implantada a área ambiental no Centro e apenas se consegue implantar duas novas áreas ambientais (Santana, no bairro da Serra; Rua Turquesa, no bairro do Prado). Nova tentativa de avanço, agora com maior sucesso, se deu na reconquista dos espaços públicos do Centro, iniciando-se com o Projeto 4 Estações que foi realizado em 2000 a partir da contratação da equipe vencedora do Concurso Ruas da Cidade98 para desenvolvimento de projeto no Hipercentro, vinculados a intervenções de melhoria de circulação e do transporte coletivo. O principal resultado desse projeto foi a reforma da Praça da Estação (Figura 45) e Rua Aarão Reis, reconquistas de espaços públicos extremamente importantes e implantados com recursos do BNDES para melhorias do transporte público, uma vez que permitiam a integração entre o metrô (Estação Central), ônibus (Terminal Aarão Reis) e pedestres. Os projetos para pedestre (Programa Caminhos da Cidade), que se iniciam de forma estruturada a partir de 2003 irão transformar espaços públicos da Área Central, com foco em uma rede de caminhamento a pé composta de calçadas e travessias. A Figura 46 apresenta alguns desses 98 O Concurso Nacional Ruas da Cidade foi realizado em 2001 para seleção de propostas metodológicas para a melhoria da qualidade de áreas urbanas vinculadas ao PACE - Plano da Área Central na Zona Central de Belo Horizonte. 228 projetos implantados. A partir de 2007, as diretrizes são incorporadas ao Plano de Reabilitação do Hipercentro e a partir de 2010, ao Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte – PlanMob-BH. Figura 45 – Praça da estação (antes e depois da reformulação) Fonte: Freitas (2011). Figura 46 – Projetos de requalificação de espaços públicos do Programa Caminhos da Cidade: Rua dos Carijós, Rua Rio de janeiro, entorno da Praça Raul Soares e Mercado Central. Fonte: Freitas (2011). 229 Dez anos depois, com muitos projetos desenvolvidos, mas nem todos implantados, o tema dos espaços públicos ainda é crítico e eles continuam sendo erodidos, apesar de, pelo menos, o tema se manter na agenda política. Em 2014, o resultado da IV Conferência de Política Urbana aponta para algo aparentemente novo - a proposta de implantação de Zonas 30 km/h - mas que se trata de uma revisita às áreas ambientais das décadas de 1980 e 1990, agora com o novo conceito de diminuição das velocidades, que poderíamos chamar de desvelocidades ou tempos lentos. Se incorporada de fato ao Plano Diretor, a proposta aprovada pode ser uma retomada de ações de resgate dos espaços públicos para as pessoas. O interessante é que se refere, obviamente, a uma melhoria para pedestres, mas aparece no Projeto de Lei (em fase final de elaboração) como medida de política cicloviária e do transporte individual: Art. 334 - Constituem ações relativas ao transporte por bicicleta: [...] II - identificar e implantar rede de ciclorrotas ou rotas cicláveis incluindo vias com limitação de velocidade a 30 km/h (trinta quilômetros por hora), bem como outras identificadas como de tráfego compartilhado entre veículos motorizados e bicicletas; Art. 346 - Constituem ações relativas ao transporte individual motorizado por automóvel e motocicleta: {...] II - identificar vias destinadas a receber medidas de moderação do tráfego a partir da limitação de velocidade a 30 km/h (trinta quilômetros por hora), de forma a permitir o compartilhamento do leito viário por modos de transporte motorizados e não motorizados, com maior segurança para os usuários. (PBH, 2015a, s/p) Resultado de sua história, que se alia à história dos pedaços da cidade, hoje em Belo Horizonte, a diversidade de traçados, larguras e tratamentos das ruas é enorme, passando pelos becos das inúmeras favelas, pelas ruas e vielas estreitas de loteamentos populares, pelas inúmeras ruas e avenidas de fundo de vale (a canalização dos córregos é quase uma premissa do projeto original, que desconsiderou a hidrografia para o traçado das vias), pelas ruas que sobraram protegidas pelas áreas ambientais do PACE/79. Retomando Foucault, é possível perceber que espaços públicos e pedaços da cidade, assim como as heterotopia, possuem aberturas e fechamentos: os guetos e as favelas são muitas vezes hostis aos não moradores, como o são alguns espaços públicos apropriados por outros (pessoas ou mesmo veículos) e que excluem pela violência latente ou manifesta. Até a quantidade e a velocidade dos fluxos (de pessoas e veículos) podem representar esses fechamentos. Foucault refere-se ao fato que as heterotopia, em seu sexto princípio, têm uma função específica ligada ao espaço que sobra: criar um espaço ilusório que espelha todos os 230 outros espaços reais e criar um espaço outro, real, tão perfeito, meticuloso e organizado em desconformidade com os nossos espaços desarrumados e mal construídos. Essa descrição de Foucault faz lembrar alguns projetos urbanos de praças meticulosamente concebidos para serem um tipo de espaço e que acabam sendo apropriados de formas diversas ou mesmo não apropriados e deixados vazios. Os bairros e condomínios criados para serem românticas utopias de pequenas cidades do interior que se transformam em ruas desertas. Pensar os espaços públicos da cidade como heterotopias em constante disputa por apropriação e uso de diversos atores é o que se interessa destacar. Em pesquisa realizada durante os anos de 2004 e 2005 sobre as sociabilidades, os conflitos e as formas de apropriação das praças, Andrade; Jayme; Almeida (2009) vão apontar a diversidade dos espaços de sociabilidade com algumas praças com uso bem local; espaços centrais com passagem de grande número de pessoas, mas que também se prestam à sobrevivência para outros. Mas a principal constatação é que as rotinas se alteram segundo as horas do dia e os dias da semana, com usos e públicos bastante distintos entre dias úteis e fins de semana. Ao estudar algumas das praças da cidade, as autoras constatam que os espaços públicos são vivos, muito frequentados e refletem questões próprias da sociedade contemporânea, como a preocupação com exercícios e com segurança. Há um comportamento segregacionista, onde busca-se convivência entre iguais, entrando em contradição com a vocação dos espaços públicos: “não há uma recusa à praça, mas uma recusa em interagir com as diferenças” (ANDRADE; JAYME; ALMEIDA, 2009, p. 149). Mas se as ruas locais e praças são, em sua grande maioria heterotopias, as grandes avenidas e corredores viários e de transporte renderam-se à força do não lugar. A quantidade e velocidade dos veículos (barulho e poluição); a precariedade das calçadas (larguras estreitas e buracos) e pontos de ônibus, tornam essas avenidas (e algumas ruas) lugares que se quer passar e nunca permanecer. E os espaços públicos guardam latente sua tendência à heterotopia pois, mesmo nos “piores” lugares, ainda há uso, nem que seja um uso marginal99. A transformação em seus fixos e/ou fluxos pode fazer brotar novamente nos espaços públicos 99 Exemplo: Avenida do Contorno atrás da Rodoviária onde a maioria das pessoas nunca vai ou, quando vai, passa rápido, mas que guarda um intenso uso marginal. 231 sua diversidade com toda sua força positiva (atração e reapropriação) e negativa (gentrificação e expulsão). 4.5 A CONSTANTE DISPUTA PELO TEMPO: O PRÓXIMO E O DISTANTE Como se procurou evidenciar nos capítulos iniciais, a mobilidade urbana está relacionada a um corpo em movimento pelo espaço, gastando um tempo para se deslocar de um lugar de copresença a outro. Essa tríade espaço-tempo-corpo se articula com as instâncias de decisão relacionadas aos mecanismos de localização e mecanismos de mobilidade (Wiel, 2005) resultando na [mobili]cidade - cidade indissociável de mobilidade -, esse espaço social urbano feito de fixos e fluxos, um “organismo dinâmico” onde pessoas se deslocam e atividades se “deslocalizam” continuamente, mesmo que em ritmos diferentes. Para fechar a análise da [mobili]cidade de Belo Horizonte, propõe-se uma leitura articulada entre velocidade e distância, elementos fundamentais para a compreensão do que é próximo e do que é distante, ou ainda, de quem está próximo e quem está distante. Velocidade e distância são elementos articuladores do movimento do corpo no espaço-tempo, que na geografia temporal de Hägerstrand possuem papel fundamental para a percepção das desigualdades de oportunidades, tanto pelo desenvolvimento real dos deslocamentos diários das pessoas no espaço (registrados em prismas reais), quanto pelo potencial que cada indivíduo dispõe (prismas potenciais). E nos lembra Jean-Marc Offner que o urbanista é um ajustador de distâncias, pois é ele que orquestra os espaçamentos: Localizar os equipamentos, traçar limites, promover a mistura (social ou funcional), favorecer ou dificultar a mobilidade, desenhar as paisagens, reconfigurar a estrutura de uma rede técnica, abrir ou fechar um quarteirão, planejar uma infraestrutura de transporte, hierarquizar as centralidades comerciais, conceber uma praça... Em todas essas matérias, sobre o que o urbanista intervém? Sobre o espaço, é claro, sobre modos de ocupação e usos. Mas também e sobretudo, sobre os espaçamentos. Planejar o espaço é jogar com o próximo e o distante, a separação entre as edificações, as atividades, os bairros, os indivíduos... (OFFNER, 2010, p. 56, tradução nossa) Por outro lado, apesar do urbanista ser o maestro, essa música de distâncias e velocidades é tocada pelas pessoas e famílias que também ajustam (suas próprias) distâncias, principalmente em função do tempo, que, junto com o espaço, está em constante disputa. Se 232 “tempo é dinheiro”, a abordagem de orçamento do tempo100 proposta por estudiosos das políticas temporais parece sintetizar bem o que acontece no cotidiano de qualquer cidade. Todos nós, conscientemente ou não, temos um orçamento do tempo, no qual uma significativa parcela do nosso tempo diário é “gasta” com deslocamentos. Em um texto sobre o papel do automóvel na França, Orfeuil (2005, p. 5, tradução nossa, grifo nosso) afirma que “o orçamento do tempo de transporte, soma das durações dos deslocamentos dos indivíduos, tem papel chave nas análises, da mesma forma que a velocidade global de deslocamento ao longo do dia.” Afirma ainda que, na realidade francesa, apesar do aumento histórico das velocidades médias, a parcela transporte101 do orçamento do tempo é constante ao longo do tempo, ainda que não seja uniforme entre as pessoas. Chega mesmo a criar uma “meta-regra das escolhas residenciais e de mobilidade” que afeta esse orçamento. Em uma pesquisa feita em 1999 por ele, conclui-se que um francês que habite na região metropolitana de Paris coloca na mesma equação o tamanho da família, a localização da habitação, sua superfície e custo, o tempo com deslocamento de todos os membros da família e os custos com esses deslocamentos. Nessa equação de decisão, que para a realidade brasileira parece racional ao extremo, o tempo máximo diário de cada pessoa com deslocamentos é de uma hora e meia e o seu custo é a dimensão que é considerada ajustável. Seguramente, a realidade brasileira é diferente da francesa, mas os elementos envolvidos são semelhantes. A localização, o custo e o tamanho da habitação são importantes, mas as possibilidades de acesso também são: alugar, comprar ou até mesmo ocupar. O “sonho da casa própria” fez muitas pessoas decidirem se localizar distante das oportunidades, muito mais por falta de opção que por uma decisão racional. O período de Metropolização em Belo Horizonte e em outras metrópoles brasileiras é marcado pela expulsão de parcelas significativas da população de menor renda. As consequências dessas (falta de) opções, trouxeram uma feição caótica para os deslocamentos, muito bem registrada na análise da cidade de São Paulo feita pelo texto A lógica da desordem, (CAMARGO et. al., 1976, p. 33-34). Esse estudo afirma que as situações mais penosas estão reservadas aos usuários dos transportes coletivos, no duplo trajeto que liga residência ao trabalho que foram 100 No original, budget temps não traz a preposição, mas preferiu-se grafar “orçamento do tempo”, por ser mais coerente com o conceito e autoexplicativo. 101 A parte do tempo diário gasto com deslocamentos por cada pessoa. 233 caracterizadas à época como: tempos médios de viagens cresceram 30% em seis anos; população operária utilizando transporte de massa 3 a 4 horas por dia; trens circulando com “pingentes” (pessoas penduradas para fora do vagão) e composições abarrotadas; filas; superlotação; atrasos; perdas de dia de trabalho; e às vezes, a fúria das depredações. É dessa época, o primeiro intenso processo de motorização de São Paulo, passando de 120 mil veículos (1960) para um milhão (1974), que acirrou os congestionamentos e gerou falta de locais para estacionamento nas ruas. Consequências similares foram registradas em pesquisa sobre formação das periferias realizada por Nabil Bonduki e Raquel Rolnik (1979, p. 153): “condução lotada, três conduções; ‘é uma hora e meia que leva’.” Essa pesquisa focaliza melhor as causas na política habitacional, ou seja, na localização das origens das viagens urbanas, ao produzir habitações em locais distantes dos centros polarizadores de emprego e no consequente movimento que leva as camadas menos remuneradas da força de trabalho a habitarem parcelas do território urbano mais desprovidas de serviços, equipamentos e transportes. Em suma, parte significativa da espoliação urbana, conceito defendido por Kowarick. A conclusão da pesquisa aponta que o padrão de crescimento urbano “não atende aos interesses do morador de baixa renda, pois se aumenta o tempo desperdiçado no deslocamento cotidiano casa-trabalho, consequências que só podem piorar o nível de vida dos trabalhadores.” Do ponto de vista da parcela transporte do orçamento do tempo, um contraponto ao processo de expulsão por que passaram (e passam) as metrópoles brasileiras é a localização de muitas pessoas de menor renda em favelas centrais, onde ficam próximas às oportunidades e empregos, abrindo mão de elementos fundamentais da habitação, principalmente a segurança da propriedade. Essas parcelas de pessoas conseguem ter tempos de deslocamentos mais curtos, em média, que as pessoas que são forçadas a buscar moradias distantes. Há uma disputa clara pelos tempos, quando se pensa na [mobili]cidade. Localização, distância e velocidade não estão distribuídas de forma equitativa entre pessoas. Qualquer análise de mobilidade que considere renda comprova facilmente que, na média, as pessoas com maior renda estão melhor localizadas, dispõem de maiores velocidades e menores distâncias, mas ao olharmos mais de perto, vemos que essa relação é uma tendência, mas não 234 necessariamente uma regra. O processo de suburbanização extremamente dependente do automóvel, associado aos estrangulamentos das conexões viárias, tem aumentado tempos de viagem para todos e não apenas para os que dependem do ônibus, como no período da Metropolização. Se o transporte coletivo ainda é significativamente mais lento que o individual motorizado (o dobro do tempo, em média) em Belo Horizonte, o aumento do tempo médio de deslocamento nos dois modos tem sido similar. A Tabela 3 apresenta os tempos médios gastos em deslocamentos nos seis principais modos de transporte em Belo Horizonte para os anos de 2002 e 2012, apontando para crescimentos médios de quase trinta por cento se considerarmos todos os modos, mas em relação aos tempos de viagem em transporte coletivo por ônibus e em automóvel, os crescimentos são bem maiores e similares: 65,7% e 62,6%, respectivamente. Tabela 3 - Tempos médios de viagem por modos de transporte em Belo Horizonte. Tempos médios de viagem Todos os modos A pé Bicicleta Ônibus Metrô Auto Moto 2002 0:26:55 0:13:26 0:21:34 0:39:44 0:38:12 0:19:59 0:21:34 2012 0:34:50 0:16:28 0:24:25 1:05:50 1:12:34 0:32:29 0:27:27 Variação entre 2012/2002 29,4% 22,6% 13,2% 65,7% 90,0% 62,6% 27,3% Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS, 2015, p. 35-6. Para olharmos mais detalhadamente a cidade, uma primeira possibilidade é considerar como pedaços as 26 áreas homogêneas em termos de características socioeconômicas, “agregação espacial dos setores censitários, compatível com o zoneamento de transportes adotado na Pesquisa Origem/Destino de 2002 e 2012”, propostas por BHTRANS (2014, p. 5-8) “com o intuito de facilitar a análise espacial da evolução da população de Belo Horizonte.” A Figura 47 apresenta o mapa com a distribuição dessas áreas pela cidade e a Tabela 4 apresenta a classificação dessas 26 regiões em função de sua renda média domiciliar e tipo de urbanização e podem ser uma primeira tentativa de análise espacial por pedaços propostas. Essa tabela também apresenta os tempos de viagem médios para os seis modos de transporte principais para as 26 áreas homogêneas propostas por BHTRANS. Percebe-se claramente que há uma 235 razoável amplitude nos tempos médios de quase 14 minutos, variando de 26 minutos e 11 segundos até 40 minutos e 9 segundos. Figura 47 – Divisão de Belo Horizonte em 26 Áreas Homogêneas. Fonte: BHTRANS (2014, p. 5). Tabela 4 – Tempos médios de viagem por modo de transporte (todos os motivos_ - resultados por área homogênea. Nome Renda mensal domiciliar (média, 2008) Média (todos os modos) A pé Bici cleta Ônibus Metrô Auto móvel Moto Centro 11 Centro 5.548,14 26:39 17:11 19:38 46:11 56:59 31:39 09:25 Alta renda 3 Buritis/ Belvedere 5.586,11 34:41 17:28 35:00 1:01:00 01:26:37 36:46 23:26 6 Barroca/ São Bento 6.221,93 32:34 18:03 20:52 57:14 55:33 32:59 22:01 9 Sion 9.204,80 29:30 16:54 - 49:23 - 30:34 26:36 10 Savassi 9.933,67 26:11 16:09 10:00 50:36 1:38:07 29:03 19:17 22 Pampulha 4.994,72 33:14 15:05 21:18 1:01:19 57:34 29:59 18:44 (Continua) 236 Tabela 4 (continuação) – Tempos médios de viagem por modo de transporte. Nome Renda mensal domiciliar (média, 2008) Média (todos os modos) A pé Bici cleta Ônibus Metrô Auto móvel Moto Centros regionais 2 Barreiro 2.474,38 36:18 15:09 23:19 1:09:24 1:25:57 34:04 29:22 20 Padre Eustáquio 3.028,67 34:11 16:05 17:36 1:04:56 1:00:43 29:23 22:12 24 Venda Nova 2.246,38 40:09 18:43 50:16 1:15:19 1:43:44 34:43 28:37 Média renda 5 PUC 3.859,30 39:10 17:06 41:41 1:03:32 1:01:20 38:35 1:12:49 13 Santa Efigênia 3.375,18 31:43 18:03 19:44 53:41 58:02 30:14 26:17 15 Floresta/ Boa Vista 3.923,58 31:42 16:41 15:24 58:31 58:56 26:14 28:14 17 Cristiano Machado 3.735,54 37:45 16:18 23:21 1:09:07 1:09:58 33:46 34:34 21 Ouro Preto 3.558,45 34:19 15:51 16:29 1:07:08 1:29:51 31:23 23:09 Baixa renda 1 Jatobá 2.012,06 35:30 14:05 22:11 1:11:09 1:43:36 34:32 31:49 4 Betânia 2.239,00 35:59 18:22 32:10 1:00:46 1:14:38 38:40 25:40 18 Antônio Carlos 2.642,44 33:14 16:35 11:37 1:01:20 1:01:58 28:46 24:03 23 Santa Amélia 2.997,36 36:18 14:35 18:46 1:14:31 1:31:11 34:20 25:50 25 Tupi 2.310,94 36:00 14:29 20:18 1:09:28 1:09:38 33:41 27:20 26 Isidoro 1.905,66 40:07 15:16 24:03 1:14:39 1:20:19 36:47 29:29 Vilas e favelas 7 Morro das Pedras 1.865,36 32:41 23:44 - 58:26 - 35:13 14:49 8 Santa Lúcia 1.657,36 30:44 21:17 22:30 57:16 2:16:52 39:48 17:38 12 Serra 1.631,81 35:32 24:13 - 56:47 1:02:28 27:01 10:32 14 Taquaril 1.571,56 39:38 16:24 32:30 1:07:24 1:24:40 24:51 29:45 16 Mariano de Abreu 2.098,75 35:33 20:28 15:00 1:07:04 - 27:50 18:45 19 Prado Lopes 1.973,58 35:15 13:30 - 1:05:21 - 19:17 10:00 Amplitudes Amplitude (diferença entre maior e menor) 13:58 10:43 40:16 28:08 1:19:53 20:31 1:03:24 Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60. 237 Uma primeira hipótese de análise espacial desses tempos de viagem, seria que existe uma correlação inversamente proporcional entre renda média de cada pedaço e seus tempos de viagem. Utilizando ferramentas básicas de estatística disponíveis no software Excel, foram elaborados sete gráficos de dispersão (x, y), em que no eixo X estão as rendas médias mensais domiciliares de cada área homogênea e no eixo Y os tempos de viagem (médio e de cada um dos seis modos destacados). No alto da direita de cada gráfico, estão apresentadas as equações resultantes e o coeficiente de determinação (R2)102 que contribui para verificar se a tendência constatada é seguida em maior ou menor grau por todos os valores utilizados. Está destacado em vermelho o resultado da área homogênea Centro e em amarelo, os resultados das áreas homogêneas de vilas e favelas. Gráfico 5 – Tempos de viagem médios (todos os modos) versus renda média domiciliar. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). O Gráfico 5 apresenta a correlação entre os tempos de viagem médios das 26 áreas homogêneas com a renda média domiciliar e pode-se confirmar uma tendência real de correlação inversa (ou negativa). A medida de R2 encontrada de 0,42, pode parecer baixa para 102 O R² varia entre 0 e 1, indicando, em percentagem, o quanto o modelo consegue explicar os valores observados. Quanto maior o R², mais explicativo é modelo, melhor ele se ajusta à amostra. y = -7E-07x + 0,0265 R² = 0,4204 00:00:00 00:05:00 00:10:00 00:15:00 00:20:00 00:25:00 00:30:00 00:35:00 00:40:00 00:45:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) 238 ciências exatas, mas é aceitável para explicar relação nas ciências humanas. Porém, quando vamos analisar as correlações de cada modo, a correlação é forte apenas no modo ônibus (R2 de 0,37) apesar de tendências de correlação inversa (ou negativa) para todos os modos. O Gráfico 6 e o Gráfico 7 mostram que existe pouca correlação entre renda e tempos de viagem dos modos não motorizados, com leve tendência inversa (menores tempos para as áreas de maior renda), mas com coeficientes de determinação (R2) muito baixos, ou seja, a renda não consegue explicar o comportamento. O Centro segue a tendência geral, mas algumas das áreas de vilas e favelas mostram tempos significativamente maiores para o modo a pé, indicando que possivelmente as pessoas caminham mais que a média da cidade, provavelmente para ampliar suas oportunidades espaciais com menor gasto. O Gráfico 8 e o Gráfico 9 mostram as correlações entre modos coletivos e tempos de viagem de cada área homogênea, apresentado forte correlação inversa (negativa) e boa correlação (R2 = 0,3723) para o modo ônibus, mas para o metrô, apesar de forte tendência inversa (locais de maior renda com menores tempos), a correlação inexistente (R2 = 0,0283) provavelmente por sua fraca inserção espacial. O Centro e as áreas de vilas e favelas mostram tendência de se comportarem abaixo da média de comportamento geral no modo ônibus. Os altos tempos de viagem do metrô devem-se, principalmente, por serem considerados os tempos de viagem total, que inclui o tempo da linha de ônibus integrada a ele, o que ocorre em muitos casos. O pedaço de maior renda da cidade possui tempos altos de metrô, o que comprova pouca correlação e alta dispersão desse modo, o que indica que sua análise mereceria detalhar mais os dados encontrados. 239 Gráfico 6 – Tempos de viagem médios (modo a pé) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). Gráfico 7 – Tempos de viagem médios (modo bicicleta) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. Obs: Três das zonas de vilas e favelas não apresentaram viagens por bicicleta. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). y = -1E-07x + 0,0125 R² = 0,031 00:00:00 00:05:00 00:10:00 00:15:00 00:20:00 00:25:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) y = -9E-07x + 0,0194 R² = 0,0707 00:00:00 00:05:00 00:10:00 00:15:00 00:20:00 00:25:00 00:30:00 00:35:00 00:40:00 00:45:00 00:50:00 00:55:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) 240 Gráfico 8 – Tempos de viagem médios (modo ônibus) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). Gráfico 9 – Tempos de viagem médios (metrô) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). y = -2E-06x + 0,0489 R² = 0,3723 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 01:20:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) y = -1E-06x + 0,0582 R² = 0,0283 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 01:20:00 01:30:00 01:40:00 01:50:00 02:00:00 02:10:00 02:20:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) 241 Gráfico 10Por fim, o Gráfico 10 e o Gráfico 11 mostram o comportamento da correlação dos modos individuais motorizados, que apresenta como resultado uma total independência entre renda e tempos de viagem. Esse resultado surpreende e é contra intuitivo, mas traz questões a serem exploradas no detalhamento das análises dos pedaços, uma vez que algumas áreas de vilas favelas apresentam os menores tempos de viagem em automóvel e moto da cidade. Mais uma vez, os coeficientes de determinação (R2) foram muito baixos. A análise dessas correlações entre tempos de viagem por modo e áreas homogêneas traz algumas confirmações e algumas questões. Confirma-se que a disputa por tempos de viagem vem sendo vencida pelos mais ricos, mas parece que os mais pobres possuem algumas estratégias que fazem a diferença não ser tão grande assim. Se os tempos de viagem do modo ônibus (predominante entre os mais pobres) são o dobro dos tempos de viagem em automóvel (predominante entre os mais ricos), os tempos de viagem das regiões que concentram os mais pobres possuem no máximo 50% a mais do tempo de viagem médio, sendo que algumas áreas ocupadas por pessoas de menor renda possuem tempos de viagem médios bastante competitivos em relação aos mais ricos. O que se quer destacar é que cidade é essencialmente um espaço em disputa, tanto por melhores localizações quanto por melhores oportunidades. Mas há também uma constante disputa pelo tempo, expresso na sua relação entre distância e velocidade. Essa disputa é predominantemente vencida pelas pessoas de maior renda, mas os resultados globais de tempos de viagem parecem indicar que as estratégias das pessoas de menor renda são extremamente eficazes. O exemplo mais bem-sucedido parece ser mesmo as favelas centrais, onde as pessoas abrem mão de aspectos relacionados à habitação e equipamentos para conseguir maiores oportunidades e menores tempos. 242 Gráfico 10 – Tempos de viagem médios (automóvel: motorista e passageiro) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – 2012. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). Gráfico 11 – Tempos de viagem médios (modo moto: piloto e passageiro) versus renda média domiciliar de cada área homogênea - 2012. Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS (2014, p. 7 e p. 60). y = -8E-08x + 0,0224 R² = 0,0026 00:00:00 00:05:00 00:10:00 00:15:00 00:20:00 00:25:00 00:30:00 00:35:00 00:40:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) y = -2E-07x + 0,0185 R² = 0,0028 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 01:20:00 0 1.000 2.000 3.000 4.000 5.000 6.000 7.000 8.000 9.000 10.000 Te m p o d e vi ag em m éd io - H :m in :s eg Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) 243 Emre Korsu, Marie-Hélène Massot e Jean-Pierre Orfeuil no trabalho intitulado La ville cohérente – penser autrement la proximité (A cidade coerente – pensar diferentemente a proximidade, 2012) realizam pesquisa que procura perceber como se dão as estratégias de localização das famílias na metrópole parisiense, que sofre de processos de espraiamento e suburbanização (ou, nos termos franceses, periurbanização, com formação de “franjas urbanas” em piores condições de localização), apesar de efetivas políticas que promoveram adensamento em boa parte da cidade urbanizada, mas que não aconteceu em toda a metrópole, os autores propõem o conceito de cidade coerente, que seria mais realista que a busca de cidades compactas103. Na base do conceito de cidade coerente está a ideia de uma cidade em que as pessoas possam estar a x minutos de seu trabalho (x podendo ser um valor baixo, como 20 minutos ou até 45 minutos). Essas questões serão retomadas no capítulo seguinte para se verificar como ocorre nos Territórios de Belo Horizonte, mas se considerarmos os resultados das 26 áreas homogêneas estudadas, apesar de apenas três delas terem tempos médios menores que 30 minutos, a maioria fica abaixo dos 40 minutos. O que interessa trazer para a discussão da análise do palimpsesto de Belo Horizonte é a força da coerência adotada pelos moradores. Os dados de tempos de viagem médios parecem indicar que os mecanismos de localização e mecanismos de mobilidade aplicados pelos moradores e instituições de Belo Horizonte resultam em uma cidade muito mais coerente do que aparenta sua leitura espacial. Dessa análise inicial da correlação entre renda média domiciliar e os tempos de viagem médios pode-se concluir que há uma correlação inversa entre renda e tempos de viagem quando se considera as viagens em todos os modos. Ou seja, nas regiões em que a renda média domiciliar é maior, os tempos de viagem em todos os modos são menores, porém, com uma taxa de diminuição relativamente baixa, sendo que em média, os tempos de viagem diminuem 5 minutos em um aumento de R$4.500,00 de renda média domiciliar, ou cerca de 1 minuto ganho a cada R$900,00 de aumento de renda. Outra possível conclusão é que as maiores tendências ocorrem nos modos coletivos, principalmente ônibus, onde a razão é de cerca de 10 minutos para os mesmos R$4.500,00 de renda, ou seja, 1 minuto ganho a cada aumente de R$ 450,00 de renda. O modo ônibus é o 103 O ponto de partida é justamente a constatação de que, por mais compacta que seja a cidade de Paris (uma das mais compactas do mundo), parece não ter resolvido questões de localização. 244 único que individualmente apresenta alta correlação (R² = 0,3723). É surpreendentemente baixa a razão de queda tanto nas viagens em modos não motorizados, quanto em modos individuais motorizados, especialmente modos a pé e automóvel que apresentam um quase nivelamento, com a linha de tendência variando apenas 2 minutos entre os de menor renda e de maior renda, mas com uma significativa dispersão (R² menores que 0,04). O resultado da correlação dos tempos de viagem em todos os modos ser relativamente alta (R² = 0,4204) permite concluir que, em média, os tempos de viagem realizados pelas pessoas em todos os modos apresenta boa correlação com a variável renda, apesar de que modo a modo, a correlação se confirma apenas no modo ônibus. Isso parece indicar que os mais ricos dispõem, de fato, de mais velocidade, mas que os mais pobres encontram estratégias para diminuir seus tempos de viagem, trocando os modos coletivos (maiores tempos de viagem) tanto para modos individuais motorizados quanto para modos não motorizados, o que pode ser constatado em várias regiões de menor renda e nas vilas e favelas, com percentual de viagens em modos não motorizados bem mais altos que a média da cidade. Para complementar a análise, utilizando dados das Pesquisa de Origem e Destino de 2012, elaborou-se análises das viagens por motivo trabalho das 26 áreas homogêneas. A Tabela 5 mostra o percentual de viagens por limite de tempo separadamente do total e apenas das viagens trabalho e a Tabela 6 apresenta as mesmas informações detalhadas para cada uma das áreas homogêneas propostas por BHTRANS e com os dados de percentual de viagens até 30 minutos, foram elaborados dois gráficos, relacionando esses valores com a renda média domiciliar de cada área: Gráfico 12 (todos os motivos) e Gráfico 13 (motivo trabalho). Tabela 5 – Percentual de viagens por limite de tempo (todos os motivos e motivo trabalho) – Belo Horizonte (2012). Rótulos de Linha Total de viagens % Viagens (trabalho) % Até 20 minutos 3.001.354,43 47,4% 853.789,36 33,7% Até 30 minutos 4.005.861,36 63,3% 1.254.338,36 49,6% Até 45 minutos 4.687.356,01 74,1% 1.553.690,98 61,4% Até 1 hora 5.584.832,88 88,3% 1.965.327,03 77,7% Total Geral 6.326.672,19 2.529.812,34 Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). Tabela 6 - Percentual de viagens por limite de tempo (todos os motivos e motivos trabalho) para 26 áreas homogêneas – Belo Horizonte (2012). Nome Todos os motivos Motivo trabalho Até 20 min Até 30 min Até 45 min Até 1 hora Até 20 min Até 30 min Até 45 min Até 1 hora Centro 11 Centro 58,9% 78,0% 86,4% 94,4% 52,6% 72,5% 81,4% 92,5% Alta renda 22 Pampulha 49,7% 68,7% 82,0% 97,5% 37,5% 60,2% 74,2% 96,7% 3 Buritis/Be lvedere 40,2% 58,0% 73,1% 87,9% 29,8% 47,2% 62,0% 83,4% 6 Barroca/S ão Bento 44,1% 65,0% 78,6% 91,9% 35,0% 56,1% 72,0% 89,4% 9 Sion 52,0% 73,3% 84,0% 93,7% 39,6% 64,7% 77,2% 90,5% 10 Savassi 61,6% 78,3% 87,1% 94,0% 49,4% 71,9% 81,7% 92,5% Centros regionais 24 Venda Nova 48,7% 61,3% 70,2% 79,0% 32,9% 43,9% 52,9% 65,0% 2 Barreiro 47,8% 59,4% 69,5% 82,4% 28,6% 40,9% 52,7% 70,6% 20 Padre Eustáquio 46,3% 63,7% 73,8% 85,9% 36,8% 55,3% 66,3% 80,9% Média renda 13 Santa Efigênia 49,0% 67,0% 79,4% 90,7% 43,9% 62,0% 75,0% 88,1% 21 Ouro Preto 45,5% 63,3% 74,4% 86,5% 31,1% 49,0% 61,9% 77,5% 17 Cristiano Machado 45,3% 60,3% 71,8% 84,7% 30,6% 45,2% 58,6% 75,9% 5 PUC 42,1% 57,4% 69,0% 83,5% 36,4% 49,6% 60,6% 78,1% 15 Floresta/ Boa Vista 46,8% 65,4% 79,1% 90,6% 36,6% 56,1% 71,4% 85,9% (Continua) Tabela 6 (continuação) – Percentual de viagens por limite de tempo (todos os motivos e motivos trabalho) para 26 áreas homogêneas – Belo Horizonte (2012). Nome Todos os motivos Motivo trabalho Até 20 min Até 30 min Até 45 min Até 1 hora Até 20 min Até 30 min Até 45 min Até 1 hora Baixa renda 26 Isidoro 44,6% 57,2% 65,6% 77,5% 23,3% 34,0% 44,8% 61,8% 1 Jatobá 51,6% 64,2% 73,9% 82,8% 33,1% 44,9% 57,4% 72,4% 4 Betânia 42,7% 60,0% 72,1% 86,7% 30,6% 47,0% 58,9% 80,7% 25 Tupi 48,3% 60,7% 69,9% 82,5% 31,6% 42,3% 52,2% 70,7% 18 Antônio Carlos 47,7% 64,0% 73,7% 86,8% 38,8% 53,7% 63,4% 80,3% 23 Santa Amélia 49,6% 63,2% 73,3% 87,1% 30,5% 41,7% 52,1% 71,6% Vilas e favelas 14 Taquaril 41,5% 56,5% 67,9% 80,6% 24,7% 37,9% 49,9% 68,1% 12 Serra 40,6% 59,1% 69,5% 87,9% 21,1% 38,3% 41,0% 75,5% 8 Santa Lúcia 51,9% 69,4% 79,4% 89,2% 45,8% 58,8% 68,2% 82,0% 7 Morro das Pedras 37,9% 68,7% 81,5% 91,7% 33,6% 54,1% 71,0% 88,5% 19 Prado Lopes 46,5% 58,2% 67,3% 87,3% 34,2% 43,4% 49,7% 72,5% 16 Mariano de Abreu 51,1% 65,3% 74,0% 82,3% 36,4% 47,7% 55,8% 67,4% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). 247 Gráfico 12 – Percentual de viagens até 30 minutos (todos os motivos) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – Belo Horizonte (2012). Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS, 2015, p. 7 e ARMBH (2012). Gráfico 13 - Percentual de viagens até 30 minutos (motivo trabalho) versus renda média domiciliar de cada área homogênea – Belo Horizonte (2012). Fonte: Elaboração própria a partir de BHTRANS, 2015, p. 7 e ARMBH (2012). y = 2E-05x + 0,5795 R² = 0,4053 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) y = 3E-05x + 0,3919 R² = 0,4975 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Renda média mensal domiciliar (R$ por domicílio) 248 Da mesma forma que nas análises anteriores, foram utilizadas ferramentas básicas de estatística disponíveis no software Excel, e traçados nos gráficos de dispersão (x, y), em que no eixo X estão as rendas médias de cada área homogênea e no eixo Y os percentuais de viagens com tempos até 30 minutos. Abaixo, à direita, estão apresentadas as equações resultantes e o coeficiente de determinação (R2)104 que contribui para verificar se a tendência constatada é seguida em maior ou menor grau por todos os valores utilizados. Os dois gráficos apresentam coeficientes de determinação com valores relativamente altos para análises de variáveis sociais, indicando uma boa correlação direta (ou positiva) onde a maior renda traz maior percentual de viagens realizadas com menos de 30 minutos. No gráfico de viagens por motivo trabalho, o R2 é de 0,4975 indicando maior correlação que gráfico de todas as viagens (R2 de 0,4053). O resultado das áreas de vilas e favelas (marcados em laranja no gráfico) parece indicar que não existe um comportamento diferente nesses locais, mas o Centro (marcado em vermelho nos gráficos) apresentou desempenho bem superior, com percentuais significativamente mais elevados em ambos os gráficos. Os resultados apresentados parecem, novamente, indicar uma inequidade de tempos de viagem, com os mais ricos apresentando entre 65% e 78% de seus deslocamentos abaixo de 30 minutos (a única exceção é a região do Buritis e Belvedere, que apresentou apenas 58,0% de suas viagens abaixo de 30 minutos, resultado de uma saturação evidente nessas regiões). Por sua vez, apesar de resultados entre 57% e 69% (nas regiões de baixa renda e de vilas e favelas), a diferença parece ser bem menor que o senso comum esperaria, ou seja, apenas cerca de 10% abaixo. No entanto, esses resultados ficam mais discrepantes no caso das viagens a trabalho, com as regiões de alta renda apresentando 56% a 72% das suas viagens com menos de 30 minutos (novamente a região do Buritis e Belvedere foge ao padrão, com 47,2% das viagens com menos de trinta minutos). As regiões de baixa renda e de vilas e favelas apresentam resultados variando entre 34% e 58%, ou seja, entre 20 e 50% mais baixos. 104 O R² varia entre 0 e 1, indicando, em percentagem, o quanto o modelo consegue explicar os valores observados. Quanto maior o R², mais explicativo é modelo, melhor ele se ajusta à amostra. 249 Essas primeiras análises quantitativas de tempos de viagem geral da cidade e por áreas homogêneas parecem confirmar a hipótese geral da pesquisa de que existe uma intrínseca relação entre o padrão socioespacial e a mobilidade resultante de cada pedaço da cidade e que a Belo Horizonte, produzida aos pedaços, traz diferentes padrões espaciais e de mobilidade, questão a ser aprofundada no próximo capítulo. Esses primeiros números também parecem confirmar a complexidade e eficácia dos mecanismos de localização e mecanismos de mobilidade, que resultam em uma cidade muito mais coerente do que aparenta. 253 MO(VI)MENTO 3 – A CIDADE AOS PEDAÇOS: EM BUSCA DE OUTRA MOBILI(CI)DADE 5 BELO HORIZONTE AOS PEDAÇOS: PROCESSOS URBANOS E DE MOBILIDADE EM RELAÇÃO DIALÉTICA 5.1 DESPEDAÇANDO A CIDADE: A ESCOLHA DA ESCALA DOS PEDAÇOS Neste capítulo sobre Belo Horizonte aos pedaços, retoma-se a questão da escala a ser utilizada para identificar os pedaços da cidade, que se supõe privilegiada para perceber a relação indissociável entre os processos de produção do espaço e a mobilidade. A defesa dessa escala intermediária se sustenta nas evidências de que as características dessas partes da cidade apresentam forte relação com as características dos deslocamentos resultantes, evidenciando a relação entre o padrão urbano e padrão de mobilidade105 de cada pedaço da cidade. São inúmeros os fatores que explicam essa forte relação: renda e diversidade social, uso do solo e diversidade funcional, localização relativa, características urbanísticas e até mesmo culturais. Em uma análise entre o quantitativo e o qualitativo, o que se busca é desdobrar a questão orientadora apresentada na Introdução, procurando verificar se pensar a cidade a partir dessas partes, identificando suas qualidades e seus problemas é uma escala privilegiada para sua compreensão crítica. Além disso, tem-se em conta que poderia contribuir para a constituição de políticas territoriais transsetoriais que contribuam para uma mobilidade melhor do pedaço (o próximo) e da cidade/metrópole (o distante). Mas qual seria o tamanho desse pedaço a ser utilizado para se perceber esses processos? A resposta para essa pergunta depende do que se quer perceber e da própria dinâmica do 105 O termo padrão urbano procura representar uma síntese das características de uso e ocupação do solo, tanto em aspectos socioeconômicos quanto funcionais. O termo padrão de mobilidade representa a síntese das características dos deslocamentos quanto ao modo, distância e tempo. 254 pedaço, que, por sua vez, só será percebida depois de se explorar uma determinada escala, em um processo interativo entre maiores escalas para compreensão de processos mais amplos e menores escalas para compreensão dos impactos mais locais. Logo, defende-se o princípio de que as aproximações devem ocorrer em diversas escalas e até mesmo de forma transescalar e foram definidos alguns critérios para a escolha de um recorte inicial a ser utilizado. Parte-se da escolha de uma escala que contemple uma certa homogeneidade de cada pedaço, que resulte em uma quantidade de dados e informações que possa permitir a leitura de toda a cidade sem necessidade de uso de estatísticas elaboradas e que seja preferencialmente em uma escala já utilizada nas análises urbanas vigentes, ampliando o potencial de contribuição da pesquisa. Considerando esses critérios, as opções consideradas foram: as 26 áreas homogêneas utilizadas no Plano de Mobilidade Urbana de Belo Horizonte – PlanMob-BH, apresentadas no capítulo anterior; os 40 Territórios de Gestão Compartilhada 106 ; e as 80 Unidades de Planejamento – UP107. A 48 apresenta os mapas dessas três escalas. Por não se querer uma quantidade muito grande de pedaços, evitou-se subdivisões muito pequenas como a dos 487 bairros108 que possuem um maior grau de homogeneidade, da mesma forma que não foi considerada a escala das 554 áreas homogêneas utilizadas na Pesquisa OD. Outras escalas menores foram aventadas e descartadas, por serem muito pequenas ou de uso muito restrito. 106 Criados pelo Decreto 14.724/2011, foram definidos por estudos técnicos sobre a existência de áreas homogêneas internas a cada Regional, com base em critérios socioeconômicos, de infraestrutura e de características do espaço urbano (IVS, ISA e valor do m2 construído). Fonte: http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/estrutura-territorial/territorios-de-gestao-compartilhada. 107 As Unidades de Planejamento (UP) são divisões espaciais criadas pela PBH para ajudar no planejamento urbano e na criação e execução de políticas públicas e suas demarcações foram definidas pelas características de homogeneidade de ocupação e uso do solo, respeitando os limites das barreiras físicas, naturais ou construídas (Fonte: http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/estrutura-territorial/unidades-de-planejamento). 108 Conforme a Lei 9.691/2009 e sua atualização pela Lei 10.698/2014. 255 Figura 48 – Escalas possíveis para serem consideradas pedaços. Fonte: BHTRANS, 2014; http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/. As Unidades de Planejamento – UPs, conforme apresenta Amaral (1999, p. 7), foram criadas pela administração pública municipal na época de elaboração do Plano Diretor, em meados da década de 1990, e partiram do pressuposto de que era necessário ao planejamento urbano uma leitura da complexidade da dinâmica urbana em diferentes níveis de aproximação e de recortes espaciais. Tinham como objetivo de curto prazo, além de subsidiar os estudos do Plano Diretor, apoiar a implantação do Orçamento Participativo, sendo ao mesmo tempo escala de análise e suporte para a representação política. As diretrizes para definição dos limites das UPs foram muito parecidas com o que se utilizou para definir os Territórios de Gestão Compartilhada quase vinte anos depois: inserção total na Administração Regional; facilidade de identificação pela população local, respeitando limites dos bairros; homogeneidade das características de ocupação (padrão das construções, perfil socioeconômico da população); inexistência de elementos seccionadores; quantidade de UPs que não fragmentasse demais a leitura socioespacial. Pelo critério da homogeneidade, os grandes aglomerados de vilas ou favelas (Jardim Felicidade, Taquaril, Aglomerado Serra, Aglomerado Barragem, Mariano de Abreu, Pedreira Prado Lopes, Morro das Pedras e Confisco) foram mantidas como UPs isoladas. 256 Com o passar dos anos, os limites das unidades de planejamento foram sendo modificados, com algumas agregações e desagregações e a própria Prefeitura passou a considerar que elas já não seguiam consistentes na sua homogeneidade, pois o crescimento da cidade em duas décadas não aconteceu de forma linear, “com o surgimento de novas centralidades, de vetores de forte expansão econômica e urbanística em algumas áreas, paralelamente ao arrefecimento do crescimento de outras regiões” (NABUCO; FERREIRA; ALMEIDA, 2012, p. 3- 4), sendo um dos motivos apresentados para a proposição dos Territórios de Gestão Compartilhada, em 2011. É claro que as UPs poderiam ter sido redefinidas e mantidas como elementos de espacialidades e que provavelmente outros motivos (técnicos e políticos) levaram à formulação dos Territórios, mas apesar de seguirem existindo, seu uso se tornou menos abrangente, aparentemente usadas mais para comparação com estudos passados que como unidade real de planejamento. E com base nas UPs, por exemplo, que são calculados os resultados do IQVU – Índice de Qualidade de Vida Urbana109. A escala de 26 áreas homogêneas utilizada nos diagnósticos do PlanMob-BH, apesar de trazer a vantagem de se aproximar dos estudos de transporte, tem seu uso muito restrito a esses estudos setoriais. Dessa forma, preferiu-se adotar a escala de análise pelos 40 Territórios de Gestão Compartilhada, que serão nomeados apenas de Territórios 110 , e foram definidos através de agrupamentos de bairros internos a cada uma das nove Regiões Administrativas e com grande potencial de dialogar com a gestão pública da cidade, pois como destaca o site da Secretaria de Gestão Compartilhada da Prefeitura de Belo Horizonte111: A proposta dos Territórios liga-se ao planejamento de médio e longo prazo de políticas e projetos para a cidade. A proposta é servir de referência institucional e territorial para articular a discussão do planejamento de médio e longo prazo, criando espaço para a democratização das decisões, não apenas de demandas imediatas, como a resolução de passivos ambientais, sociais e econômicos locais, mas também daquelas decisões que definirão a trajetória do investimento para a cidade para as próximas décadas. 109 O Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU) é um índice multidimensional intraurbano, que quantifica a desigualdade espacial no interior do tecido urbano em termos de disponibilidade e acesso de bens e serviços urbanos, apontando as áreas mais carentes de investimentos públicos e expressando, em números, a complexidade de fatores que interferem na qualidade de vida dos diversos espaços da cidade. Página e relatórios disponíveis do portal da PBH (http://portalpbh.pbh.gov.br). 110 A denominação Território não apresenta relação direta com o conceito de território, comum a estudos da geografia, e será grafado sempre com inicial em maiúscula para evitar interpretação equivocada. 111 http://gestaocompartilhada.pbh.gov.br/estrutura-territorial/territorios-de-gestao-compartilhada. 257 O texto que apresenta esses Territórios no site explica que os recortes foram definidos a partir de estudos técnicos que identificaram áreas homogêneas internas a cada Regional, com base em critérios socioeconômicos, de infraestrutura e de características do espaço urbano, respectivamente: IVSaúde – Índice de Vulnerabilidade à Saúde, ISA – Índice de Salubridade Ambiental e valor do m2 construído. Essa proposta técnica foi debatida internamente (com equipes ampliadas da administração municipal) e com a população (em oficinas públicas do Planejamento Participativo Regionalizado – PPR). Adotada a escala dos Territórios, foi desenvolvida uma metodologia de análise para evidenciar as relações entre padrão urbano e padrão de mobilidade entre os Territórios, utilizando-se de dados disponíveis no Censo de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, e na Pesquisa de Origem e Destino 2012, realizada pela Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – ARMBH, procurando estabelecer possíveis correlações que contribuíssem para a reflexão. Foram incorporadas outras informações disponíveis nos diagnósticos dos Planos Diretores Regionais (PBH, 2013a até 2013h) e algumas informações obtidas diretamente junto à Prefeitura de Belo Horizonte, além de imagens de vista aérea disponíveis nas bases do software Google Earth. A partir dessa lista de informações e variáveis disponíveis, procurou-se selecionar um conjunto que fosse razoavelmente amplo112 , mas que permitisse a leitura do todo e evidenciasse possíveis relações entre os dados sociais, econômicos, urbanos e de mobilidade. Com os números em mãos, foram sendo selecionados os que melhor expressavam as correlações, tendo a mobilidade urbana como eixo central, e dentro dessas diversas possibilidades, percebeu-se que a melhor síntese para enxergar as relações entre os mecanismos de mobilidade e localização estava em variáveis de tempo: o tempo de viagem médio (por modo e por motivo) e a média do tempo total gasto com deslocamentos por uma pessoa por dia (a parcela transporte do orçamento do tempo, conforme apresentado no capítulo anterior). É pelo tempo que se percebe os efeitos do espaço e o resultado das decisões conjuntas de localização e mobilidade e como a coerência de cada pessoa e família, mesmo quando limitada em oportunidades, gera uma coerência para a cidade. Como já apresentado, a base do conceito de cidade coerente está no tempo que as pessoas gastam na viagem entre suas casas 112 A metodologia utilizada e o conjunto de dados apurados estão descritos no Apêndice (Quase Atlas). 258 e seu trabalho, uma das decisões fundamentais de cada um nos deslocamentos de seus corpos pelo espaço. Para cada Território, foram apurados os percentuais de pessoas que gastam até 30 minutos na viagem casa-trabalho (considerando todas as viagens, não importando o modo de transporte) e percentual de pessoas que conseguem gastar até 1 hora por dia com deslocamentos, parâmetros adotados como desejáveis de uma cidade coerente e utilizados para comparar os Territórios, como será detalhado mais à frente. Todos esses procedimentos de análise do conjunto de dados disponíveis geraram tabelas, gráficos e mapas que foram sintetizados em um atlas, denominado Quase Atlas dos Territórios de Gestão Compartilhada, que está apresentado no Apêndice e tem a intenção de destacar em cada território: a caracterização da renda e diversidade social; a caracterização urbana e a diversidade funcional; e os tempos resultantes, tanto em relação à “distância” ao centro113, quanto o percentual de pessoas que possuem uma parcela transporte do orçamento do tempo menor que uma hora e gastam menos de 30 minutos em suas viagens totais e de trabalho. O Quase Atlas também apresenta mapas temáticos na escala da cidade, comparando os 40 territórios em diversas dimensões, além de mostrar mapas de cada regional e imagens aéreas dos pedaços internos dos territórios a partir de imagens aéreas obtidas através do aplicativo Google Earth. Esse Quase Atlas, bem como o conjunto de seus elementos (mapas e tabelas) produzidos, será apresentado de forma resumida no próximo item deste capítulo, que é seguido de um item mais analítico, com gráficos que buscam encontrar variáveis explicativas para os parâmetros de tempo encontrados em cada Território. Na sequência, um item com uma leitura mais crítica dos 40 Territórios em relação à sua pretensa homogeneidade e sua coerência (a partir do conceito de cidade coerente), com a formulação e questionamento de tipologias que confirmam ou questionam as premissas adotadas, indicando caminhos a serem desdobrados no próximo capítulo e em futuras pesquisas. Além da leitura dos pedaços de Belo Horizonte, outro resultado que se procurou encontrar foi a validação da metodologia de análise socioespacial da cidade aos pedaços, que relaciona 113 Tomou-se a liberdade de denominar essa variável de “distância”, apesar de ter sido calculada em termos dos tempos médios de deslocamento por ônibus ao centro. A intenção é justamente provocar essa mistura entre noção de espaço e tempo e nas demais citações será grafada sem as merecidas aspas. 259 dados, mapas e gráficos na leitura dos pedaços de qualquer cidade, que possa ser interessante de ser replicada também em escalas maiores e menores. Ressalva importante deve ser registrada: serão apresentados apenas os números dos pedaços internos à cidade de Belo Horizonte, deixando de lado os números da região metropolitana 114 , que trariam uma complexidade indesejável para os limites da análise proposta. 5.2 SÍNTESE DE UM QUASE ATLAS A mitologia grega conta que o titã chamado Atlas, junto com seu irmão Prometeu, quis enfrentar os Deuses do Olimpo para tomar o poder deles e dá-lo aos homens. Conta que foi castigado [...] foi obrigado a sustentar com seus ombros o peso da abóboda celeste inteira. Conta também que levar esta carga lhe fez adquirir um conhecimento infranqueável, e uma sabedoria desesperante. Foi precursor de astronautas e geógrafos, e inclusive alguns dizem que foi o primeiro filósofo. [...] Atlas, por fim, deu seu nome a uma forma visual de conhecimento: ao conjunto de mapas geográficos, reunidos em um volume, geralmente em um livro de imagens, e cujo destino é oferecer a nossos olhos, de maneira sistemática ou problemática – inclusive poética, com risco de ser errática, quando não surrealista –, toda uma multiplicidade de coisas reunidas ali por afinidades eletivas, como dizia Goethe. (DIDI-HUBERMANN, 2010, s/p.). Antes de explicar o que se entende por Atlas – ou Quase Atlas – e como ele foi elaborado, cabe uma pergunta fundamental: por que elaborar um Atlas e como ele pode contribuir para as reflexões propostas? Um Atlas sintetiza, facilita e permite uma leitura socioespacial através da representação visual do espaço e estimular esse raciocínio visual que contenha o socioespacial é o principal objetivo do Quase Atlas. No entanto, mais que apresentar mapas e cartas geográficas, pretende-se que ultrapasse esse objetivo, trazendo uma forma visual de conhecimento sobre os pedaços da cidade, que o texto, tabelas e gráficos não conseguem expressar. Para diminuir um pouco essa pretensão e quebrar expectativas técnicas de formulação de mapas, é que se propôs o quase, que o deixa no meio do caminho entre um atlas tradicional e o atlas defendido por Didi- 114 Os dados da RMBH provenientes da Pesquisa OD foram levantados nas escalas dos municípios, mas sua utilização exigiria a identificação de pedaços internos a cada município e implicaria em uma análise que, seguramente, ampliaria demais o escopo, prejudicando a compreensão e problematização pretendida. Utilizar outras escalas e replicar a aplicação da metodologia em outros espaços/cidades é um dos objetivos que se pretende estimular, mas que ultrapassam o escopo da Tese. 260 Hubermann, que oferece a nossos olhos, de maneira quase sistemática e quase problemática, uma multiplicidade de coisas reunidas com uma afinidade eletiva: mostrar a relação entre espaço e mobilidade. Sempre há uma intencionalidade do autor ao se fazer um atlas, tanto pela escolha dos temas a serem apresentados, quanto pela escala utilizada, representações gráficas escolhidas e até a ordem a serem apresentados os elementos. No Quase, os temas escolhidos giram em torno da caracterização social, urbana e de mobilidade, com alguns números e muitos mapas apresentados de forma transescalar entre o nível do município, da regional e dos territórios, chegando ao nível dos pedaços de territórios nas imagens de vista aérea. Os mapas apresentados no Quase Atlas são variados e seu uso foge um pouco das técnicas precisas e padronizadas de cartografia, sendo a maioria produzida pelo autor e outros coletados de bibliografia disponível. Similar a um atlas geográfico, com apresentação organizada, tematizada e categorizada, permitiu-se também a elaboração e associação de números e imagens de forma mais livre, buscando nessa associação, contribuir para a reflexão conceitual elaborada e não apenas limitar-se a ilustrá-la. É inspirada pela proposta de “explorar as possibilidades de reconfigurar a ordem das coisas”, defendida por Didi- Hubermann (2010): Quando colocamos diferentes imagens – ou diferentes objetos, como as cartas de um baralho, por exemplo – em uma mesa, temos uma constante liberdade para modificar sua configuração. Podemos fazer pilhas, constelações. Podemos descobrir novas analogias, novos trajetos de pensamento. Ao modificar a ordem, fazemos com que as imagens tomem uma posição. Uma mesa não se usa nem para estabelecer uma classificação definitiva, nem um inventário exaustivo, nem para catalogar de uma vez por todas – como em um dicionário, um arquivo ou uma enciclopédia –, mas sim para recolher segmentos, trocos do parcelamento do mundo, respeitar sua multiplicidade, sua heterogeneidade. E para outorgar legibilidade às relações postas em evidência.” (DIDI-HUBERMANN, 2010, s/n) Essa possibilidade de se embaralhar as imagens será explorada neste capítulo, quando utilizam-se os mesmos elementos do Quase Atlas de forma mais livre. Os elementos formais que se buscou inicialmente fazem a caracterização espacial, socioeconômica e de mobilidade. Na escala do município, o Quase Atlas apresenta um conjunto de 40 mapas temáticos, elaborados com dados do Censo de 2010 (IBGE - Instituto 261 Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) e da Pesquisa de Origem e Destino (ARMBH – Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2012). Todos os mapas temáticos foram elaborados com graduações de cores em cinco escalas por critério de contagem, ou seja, cada quantil tem 20% dos resultados (ou oito Territórios de Gestão Compartilhada) e possui uma cor diferente em graduação. A única exceção é o mapa de tipologias urbanas, que inclui outros critérios de classificação (separa as centralidades, favelas e bairros por faixa de renda). As variáveis selecionadas estão apresentadas em grupos de oito mapas (quatro por página, que podem ser visualizados aos pares) em uma tentativa de justapor informações, esboçar tipologias e permitir a análise comparativa. As primeiras duas páginas mostram dados demográficos (população, densidade populacional e habitantes por domicílio) ao lado de dados de disponibilidade de veículos (automóveis, motos e bicicletas) por domicílio e por pessoa. Em seguida, um conjunto de dados socioeconômicos (renda média domiciliar e por pessoa e a relação entre a renda dos 20% mais ricos e 20% mais pobres) ao lado de dados urbanos, como densidade de unidades residenciais e não residenciais e a relação entre viagens destinadas sobre viagens originadas (2012). Outro grupo refere-se especificamente à mobilidade, mostrando os índices de mobilidade e percentuais de viagens por modos agregados: não motorizados (a pé e bicicleta), coletivos (metrô, ônibus, fretado, escolar e perua) e individuais motorizados (motorista e passageiro de auto, piloto e passageiro de moto e táxi). Esses quatro mapas, relacionam-se com outros mapas que representam para os três motivos selecionados (trabalho, escola e compras) o índice de mobilidade e os percentuais por modo principal. Por fim, fecha essa primeira seção do Quase Atlas, oito mapas com o tempo como referência: tempo médio de viagem em transporte coletivo até o centro de Belo Horizonte, percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos (parcela transporte de seu orçamento do tempo); percentual de viagens com menos de 30 minutos em seis versões de modos e motivos. Na escala regional, apresenta-se números de dados de população, área, densidade populacional, renda média e divisão modal (não motorizados, coletivos e individuais motorizados), além de uma seleção de mapas coletados nos diagnósticos dos Planos Diretores Regionais: mapas de análise de acessibilidade (aos bairros da região, ao transporte público, ao 262 centro de Belo Horizonte e às centralidades da regional) e de caracterização geral (centralidades, áreas valorizadas, necessidades de áreas verdes e de adequação geométrica legal das vias da Regional). A maior seção do Quase Atlas refere-se à escala dos Territórios, onde cada um é apresentado em duas páginas contendo dados e fotos aéreas. As fotos aéreas trazem vista geral do Território e de alguns pedaços em zoom. Os dados selecionados trazem população (2000, 2010 e variação neste período), nomes dos Bairros que compõem cada Território, divisão modal das viagens diárias (Pesquisa OD 2012) e uma tabela com três dimensões:  Diversidade Social: com dados de renda média, renda do quantil dos 20% mais ricos, do quantil dos 20% mais pobres, e a relação entre as duas médias;  Diversidade funcional: com dados de densidade de unidades residenciais e não residenciais, a relação entre uma e outra e a relação entre viagens destinadas e originadas no Território;  Orçamento do tempo: com dados de distância ao centro (tempo de viagem em transporte coletivo ao centro), percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e percentual de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e todos os motivos e apenas motivo trabalho). Cada uma das variáveis dessa tabela foi qualificada e enquadrada em um dos seguintes níveis: baixo, médio-baixo, médio, médio–alto e alto e marcada em cores nas colunas da tabela de dados. O Quase Atlas contribuiu para problematizar através da visualidade mostrando correlações em torno de informações sobre tempos de deslocamentos. Algumas pistas do que mais se destacou no produto apresentado no apêndice podem ser resgatadas, incluindo novos agrupamentos de imagens. Na escala do município, como foram utilizados 40 mapas com o mesmo padrão visual (grupos de quantis de 20%, com escala cromática crescente: “pior, mais claro; “melhor”, mais escuro) é possível verificar possíveis relações diretas e inversas115 entre os mapas das variáveis, especialmente com os mapas de renda média e de distância ao centro. 115 Proporções ou relações direta e inversa são termos matemáticos que relacionam duas variáveis. A relação direta significa que uma variável cresce ou decresce juntamente com outra e a relação inversa significa que uma variável cresce quando a outra decresce e vice-e-versa. 263 Essas duas variáveis centrais (renda e distância ao centro) apresentam uma tendência de relação inversa nesse nível agregado de Territórios, com exceção feita a um Território na Pampulha (P2), como pode ser visto nos mapas (1) da Figura 49 e da Figura 50. As variáveis que apresentam nitidamente relação direta com renda, como a motorização (automóvel) por pessoa, o número de viagens realizadas por pessoa (índice de mobilidade) e percentual de viagens realizadas com menos de 30 minutos possuem relação inversa com distância ao centro. Por sua vez, as variáveis que possuem relação direta com distância ao centro, como a motorização (motocicleta), percentual de viagens em modos coletivos, possuem relação inversa com a renda média. Se por um lado é esperado que nos Territórios mais ricos tenham mais automóveis e mais viagens individuais motorizadas (mapas 2 e 4 da Figura 49) e nos Territórios mais pobres tenha-se mais motos (opção barata de transporte individual) e mais viagens em transporte coletivo (mapas 2 e 3 da Figura 50), é relativamente surpreendente que no Territórios de menor renda e mais distantes do centro tenham os maiores percentuais de viagens com menos de 30 minutos por motivo escola (mapa 6 da Figura 50). Aparentemente, a descentralização escolar permite que muitas crianças possam ir a pé (mapa 5 da Figura 50) e, com isso, gastem menos tempo em suas viagens. Figura 49 – Mapas de variáveis com relação direta com renda média. (1) (2) (3) (4) (5) (6) (1) Renda média domiciliar, (2) Automóveis/pessoa, (3) índice de mobilidade; (4) % viagens em modos individuais motorizados, (5) % viagens com menos de 30 minutos e (6) % de viagens com menos de 30 minutos (trabalho). Fonte: Elaboração própria, registrada no Quase Atlas do Apêndice. 264 Figura 50 – Mapas de variáveis com relação direta com distância ao centro. (1) (2) (3) (4) (5) (6) (1) Distância ao centro (tempo de viagem médio ao centro em transporte coletivo), (2) Motos/domicílio, (3) % viagens em modos coletivos; (4) % de viagens em modos coletivos (trabalho), (5) % viagens modos não motorizados (escola), (6) % viagens com menos de 30 minutos (escola). Fonte: Elaboração própria, registrada no Quase Atlas do Apêndice. Apesar de visualmente ser nítida a semelhança entre os mapas da Figura 49 e Figura 50, um olhar atento percebe que as relações não são totalmente diretas ou indiretas, com pequenas variações entre os gráficos. Uma boa parte das relações encontradas e totalmente esperadas, será objeto de análise através de gráficos (ferramenta mais apropriada para essa análise exata) no próximo item, buscando-se confirmar essas correlações e tendências116. Há ainda um conjunto bem significativo de mapas que apresenta comportamento totalmente diferente, singular e/ou inesperado, nem seguindo a relação com renda e nem a relação com distância. A Figura 51 apresenta alguns deles, onde se destacam mapas relativos aos tempos (de viagem ou da parcela transporte do orçamento do tempo), além do percentual de viagens em modos não motorizados, número de viagens médio por motivo escola. Outras correlações esperadas podem ser visualizadas quando se compara mapas temáticos de renda média, diversidade de renda, diversidade funcional e tempos resultantes, como mostrado na Figura 52. Neste caso, as relações não parecem obedecer a regras fixas, mas sua 116 Correlação e tendência são conceitos estatísticos, aqui usados em caráter mais amplo. Correlação é o quanto uma variável é explicada por outra (será utilizado o coeficiente de determinação como sua medida) e tendência é a razão da variação entre as variáveis, podendo ser positiva (quando há relação direta) e negativa (relações inversas) e cujo grau é medido pela razão com que a variação ocorre. 265 análise antecipa a diversidade de cada Território e que uma classificação entre eles deve considerar, pelo menos, estas três dimensões. Figura 51– Mapas temáticos dos Territórios de Belo Horizonte com comportamento singular. (1) (2) (3) (4) (5) (6) (1) % de viagens em modos não motorizados, (2) Índice de mobilidade por motivo escola (3) % de viagens em modos individuais motorizados (compras) (4) % de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos (5) % de viagens com menos de 30 minutos (modos individuais motorizados) (6) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos, motivo compras). Fonte: Elaboração própria, registrada no Quase Atlas do Apêndice. Figura 52 – Mapas temáticos dos Territórios nas dimensões social, urbana e tempo. (1) (2) (3) (4) (5) (6) (1) renda média per capita (2) variação de renda (3) tipologia urbana (4) Viagens destinadas sobre viagens originadas (quanto mais escuro, mas atração) (5) % de viagens com menos de 30 minutos (modos individuais motorizados) (6) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos, motivo trabalho). No mapa, a cor amarela representa os Territórios de Vilas e Favelas. Fonte: Elaboração própria. Esses primeiros resultados – esperados ou não – permitem algumas suposições interessantes, como por exemplo, de que, nos Territórios com maior renda, apesar das pessoas realizarem 266 viagens mais rápidas, como realizam mais viagens, acabam por gastar mais tempo de seus dias com deslocamento que as pessoas de alguns Territórios de renda mais baixa, que realizam menos viagens e muitas por modos não motorizados (tempos menores). Outro tipo de visualidade que o Quase Atlas traz, de natureza mais livre e menos lógica, refere- se aos pedaços dos pedaços (recortes de imagens de vista aérea). Da forma como foi disposto (cinco pedaços de cada Território117), estão destacadas as similaridades e diferenças internas a cada Território, mas no conjunto de 196 imagens recortadas, pode-se fazer outros agrupamentos, mostrando por um lado a homogeneidade do espaço em Territórios distintos e por outro, sua diversidade. A Figura 53 e Figura 54 apresentam algumas possibilidades de leitura visual desses pedaços. Mas o que se quer destacar nesse jogo de semelhanças são as isotopias distantes, como descreve Lefebvre: “chamamos de isotopias às partes comparáveis do espaço que se expressam e se leem (nos planos, nos percursos, nas imagens mais ou menos elaboradas pelos ”sujeitos”) de modo que se possa aproximá-las” (LEFEBVRE, 2008, p. 117, grifo do autor). Os termos utilizados no agrupamento de imagens proposto (“indícios de favelização”, “conjunto popular”, “alta renda”, “grandes indústrias”, “favelas de franja”, etc.) é meramente especulativo, servindo mais para estimular a leitura do que para classificar esses pedaços. 117 Alguns Territórios menores ou mais homogêneos foram caracterizados com apenas quatro ou três pedaços de pedaços. 267 Figura 53 – Imagens dos pedaços internos aos Territórios – popular, vazio (pressão por mineração e por imobiliário), industrial e favela central. Ocupação típica de “padrão popular”, com lotes e casas menores e alta densidade de ocupação: Leste - Esplanada / Norte – Campo Alegre Ocupação típica dos poucos “vazios urbanos”, com estradas e pequenas estruturas de vigilância para a especulação ou para mineração: Barreiro – Mineração / Norte - Granja Werneck/Isidoro Ocupação típica de “grandes indústrias”: Barreiro – Mannesmann / Pampulha - Correios Ocupação típica de “vilas”, onde apesar de uma certa urbanização, há indícios de favelização: Norte – Jd Felicidade / Leste Alto Vera Cruz Fonte: Elaboração própria a partir de imagens do Google Earth, registradas no Quase Atlas do Apêndice. 268 Figura 54 – Imagens dos pedaços internos aos Territórios – favela isolada, conjunto popular, distrito industrial e alto padrão (Google Earth). Ocupação típica de “favelas de franjas”, com limites em terrenos vazios: Centro-Sul – Acaba Mundo – Barreiro – Bernadete Padrão “conjunto popular”: Noroeste - California / Oeste - Havaí Ocupação típica de “galpões industriais”: Pampulha – São Franciso / Barreiro Jatobá Ocupação típica de “alta renda”: Centro-Sul – Mangabeiras / Pampulha Bandeirantes Fonte: Elaboração própria a partir de imagens do Google Earth, registradas no Quase Atlas do Apêndice. Foram produzidas 196 imagens de pedaços dos Territórios justamente para permitir leituras espaciais. Diversas outras tipologias de ocupação podem ser imaginadas, sendo uma possibilidade de desdobramento da pesquisa, talvez mais lúdica, mas que contemple essa espécie de jogo de associação entre as diversas isotopias urbanas. Outras associações são 269 possíveis, como os bairros mais verticalizados, loteamentos planejados, parques, grandes equipamentos, etc. Há também situações únicas como o Campus da UFMG. Uma parte intermediária do Quase Atlas, que não foi produzida para esta pesquisa, traz mapas regionalizados da cidade elaborados para os diagnósticos dos Planos Diretores Regionais e que foram incluídas por permitir uma visão geral de aspectos importantes na análise, como acessibilidade, centralidades, valorização do terreno e adequações necessárias para áreas verdes e vias. Com exceção da dimensão dos espaços públicos (vias e áreas verdes), as demais dimensões são representadas por alguma informação mais quantitativa que serviu para qualificar os espaços. O que se constata ao ver o conjunto de mapas118 não surpreende, pois comprova a ideia comum de que os problemas de acessibilidade estão nitidamente nas periferias e fronteiras, como pode ser visto no mapa geral da cidade, com avaliação da acessibilidade à Área Central, mostrado na Figura 55, que pode ser comparado ao mapa temático “distância ao centro” expressa em tempos médios do transporte coletivo ao centro. Figura 55 – Avaliação de acessibilidade à Área Central (rosa pior e verde melhor) e Tempos de Viagem médios em transporte coletivo ao Centro (mais escuro, tempos maiores). Fonte: PBH, 2013a e elaboração própria. 118 No Quase Atlas (Apêndice) estão apresentados todos os mapas das oito regionais que possuem diagnósticos finalizados em 2013. Os trabalhos sobre a Regional Norte haviam sido feitos pela equipe da Prefeitura em outro padrão e não constam desse item do Quase Atlas. 270 Um outro conjunto de mapas mostra a avaliação de acessibilidade às centralidades locais, onde os mapas da Centro-Sul e Nordeste estão apresentados na Figura 56 para constatar a enorme diferença entre elas. Essa falta de acessibilidade na Região Nordeste parece ser fruto muito mais da falta de consolidação das centralidades existentes, como pode ser visto ao se comparar com a Figura 57. Da comparação entre as figuras, percebe-se que há problemas nos mecanismos de localização das atividades que a proposta de novas centralidades apresentada durante a IV Conferência de Política Urbana, em 2014, procura melhorar. Figura 56 – Mapas de avaliação de acessibilidade às centralidades (rosa pior e verde melhor). Fonte: PBH (2013c, p. 441; 2013e, p. 373). Neste capítulo, foram trazidos apenas mapas das Regionais Centro-Sul e Nordeste para estimular a leitura, por terem potencial de mostrar resultados extremos e complementares. 271 Figura 57 – Centralidade identificadas (marcadas em vermelho e amarelo). Fonte: PBH (2013e, p. 483). Já a Figura 58 apresenta alguns dos mapas de necessidades de adequações nas vias das regionais, em função do padrão viário estabelecido, que trazem a ideia de que praticamente todas as principais vias da cidade deveriam ser alargadas (marcadas em vermelho), incluindo todas as vias da Área Central. Obviamente, nessa conclusão, há uma premissa equivocada ao se pensar que a via deveria ser larga o suficiente para sua função e seu tráfego e o resultado de uma análise deste tipo só confirma que há que se inverter totalmente a abordagem tradicional da engenharia de transportes. 272 Figura 58 – Adequação viária (em vermelho e amarelo, vias que “precisam” ser alargadas). Fonte: PBH (2013c, p. 328 e 2013e, p. 279). A tentativa de se pensar a cidade de Belo Horizonte a partir de suas Regionais foi um passo em direção aos pedaços da cidade. Estes estudos (oito deles contratados junto a consultorias e um feito diretamente pela equipe da Prefeitura) serviram de base para propostas de mudança do Plano Diretor da cidade, debatidos na IV Conferência de Política Urbana. As análises destes diagnósticos trazem ainda uma subdivisão de cada Regional em uma dúzia de setores, mostrando também o uso de metodologia transescalar. Entre as inúmeras propostas debatidas e aprovadas pela IV Conferência de Política Urbana, cabe registrar algumas que dialogam diretamente com as análises da cidade aos pedaços e que relacionam localização com mobilidade e que permitiriam uma melhor mobilidade a partir da mudança do espaço:  Centralidades;  Redução de vagas;  Melhoria dos espaços públicos;  Rede de caminhamento a pé integrada à rede de centralidades e rede de transporte coletivo. 273 5.3 DECIFRANDO A RELAÇÃO INDISSOCIÁVEL DA [MOBILI]CIDADE: FORMAÇÃO DO ESPAÇO E DO TEMPO E SUA RELAÇÃO COM OS CORPOS EM DESLOCAMENTO Como já apresentada, a proposição do Quase Atlas se deu em torno de três dimensões básicas que se imagina desejáveis para a formação dos pedaços da cidade: diversidade social, diversidade funcional e, como resultante, os tempos de viagem e tempos gastos ao longo de um dia com deslocamentos (parcela transporte do orçamento do tempo). Essas dimensões foram escolhidas por guardar aderência ao novo paradigma de cidade sustentável e à mobilidade resultante. Existem ainda duas dimensões adjacentes que aparecem ao longo das análises que qualificam os deslocamentos e se associam à intenção de uma mobilidade urbana sustentável: divisão modal e motivos de viagem. No geral, há um grande consenso em se buscar o adensamento das cidades e estimular a proximidade, tanto através da localização das atividades (novas centralidades, uso do solo misto) quanto da localização das pessoas (políticas habitacionais de ocupação e adensamento dos centros, corredores e centralidades). A ênfase nos tempos, como apresentada no final do capítulo anterior, tem inspiração na pesquisa de Korsu, Massot e Orfeuil sobre a Cidade Coerente, conceito defendido por eles que reflete a ideia de uma cidade em que as pessoas possam estar a X minutos de seu trabalho. Foi por inspiração dessa pesquisa francesa que se propôs os indicadores de percentuais de pessoas que realizam viagens de menos de 30 minutos, desdobrado por modos de transporte (todos os modos, não motorizados, coletivos e individuais motorizados) e motivos (todos os motivos, motivo trabalho, motivo escola e motivo compras). A eles, foi acrescentado o indicador de percentual de pessoas que gastam no máximo uma hora por dia com deslocamentos, a parcela transporte do orçamento do tempo. O resultado dessa seleção de indicadores é uma grande tabela com os números para cada Território, mostrada no Apêndice (Quase Atlas). É complexo fazer uma análise com tantas variáveis sem utilizar ferramentas estatísticas ou modelos matemáticos. No entanto, sem desconsiderar a importância das análises quantitativas em outras pesquisas, a metodologia analítica que se propõe é um híbrido entre ferramentas estatísticas básicas (correlação e 274 tendência) e reflexões subjetivas, que buscam prioritariamente entender as lógicas e relações e não buscam encontrar equações ou números que expliquem comportamento das pessoas. Correlação e tendência são dois conceitos estatísticos utilizados amplamente em estudos de econometria, que serão aplicados a alguns pares de variáveis associadas aos Territórios, não tanto para encontrar explicações matemáticas quanto para testar as relações. O que se buscará é verificar se uma determinada variável pode ou não explicar o comportamento de outra e as análises apresentadas serão feitas sempre por regressão linear, onde se estima que uma reta representará a relação entre as duas. A regressão linear foi feita utilizando-se a ferramenta do software Excel, que se baseia no método dos mínimos quadrados, o mais amplamente utilizado. Essa estimativa minimiza a soma dos quadrados dos resíduos (valores necessários para ajustar os resultados) da regressão para aumentar o grau de ajuste do modelo aos dados observados. A aplicação dessas ferramentas mais ortodoxas de análises quantitativas será feita em uma perspectiva heterodoxa, pois a rigor, nas análises estatísticas, as variáveis deveriam representar indivíduos e não Territórios. Tomou-se essa liberdade por se achar que essas correlações e tendências contribuem para estimular a compreensão das relações entre urbano e mobilidade e o formato de gráficos é uma metáfora visual rápida se ser apreendida, quando se está habituado à sua leitura. De forma geral, a visualização em forma de gráfico com linha de tendência segue um padrão simples: quanto mais os pontos analisados estiverem próximos à linha de tendência (no caso, uma reta), maior a correlação; e quanto mais inclinada for a reta, maior a tendência, se a inclinação for para cima, a tendência é positiva (ou direta, onde maiores valores de x geram maiores valores de y), se for para baixo, a tendência é inversa (ou negativa). A medida de correlação utilizada, também gerada pelo Excel utilizando o método simples dos quadrados mínimos, foi o coeficiente de determinação – R², que apresenta valores entre 0 (nenhuma correlação) e 1 (correlação plena). Como já ressaltado no capítulo anterior, não há um valor esperado para R², sendo que nos estudos de Ciências Humanas aceita-se valores mais baixos de R². Para efeito da presente análise, vamos considerar que resultados próximos de 0,4 ou maiores, são bons indícios de correlação, pois representam que 40% dos valores respondem àquela regressão. 275 A tendência também foi utilizada em sua forma mais simples na regressão linear, onde se traça uma reta que procure representar o comportamento de uma variável em relação a outra. A fórmula resultante dessa reta, muitas vezes de difícil leitura para as pessoas que não estão acostumadas a esse tipo de análise, nada mais é que uma equação de primeiro grau, com a qual se calcula um valor de y (variável dependente ou de resposta) a cada valor de x (variável independente ou explicatória) e a constante que é multiplicada ao x representando a razão dessa variação (quanto maior o valor da constante, maior a tendência e vice-e-versa). A razão de tendência119, apesar de não ser variável usual nas análises estatísticas, será calculada e mostrada em algumas das análises, por ser mais fácil de ser entendida. Foi com essa mesma metodologia que foi realizada a análise inicial da correlação entre renda média domiciliar e os tempos de viagem médios por modos nas 26 áreas homogêneas utilizadas por BHTRANS (2014) apresentada no capítulo anterior, e concluiu-se que:  Existe uma correlação inversa entre renda e tempos de viagem para viagens em todos os modos. Apesar de ser inversa nos números, quanto menos tempo gasto, melhor para as pessoas, logo entende-se que nos pedaços onde a renda média das pessoas é maior, elas gastam menos tempos de viagem, o que é desejável.  A tendência é que se diminuam os tempos de viagem médios, mas a uma razão de tendência relativamente baixa: em média, os tempos de viagem diminuem cerca de 1 minuto em média a cada R$ 900,00 de aumento de renda média no Território;  As maiores variações de tendência ocorrem nos modos coletivos, principalmente ônibus, a uma razão de tendência de se diminuir 1 minuto nos tempos de viagem a cada aumento de R$ 450,00 de renda média;  É surpreendentemente baixa a razão de tendência de diminuição de tempos de viagem em relação à renda média nas viagens em modos não motorizados e individuais motorizados, especialmente modo a pé e automóvel com um quase nivelamento. A média dos tempos de viagem em Territórios com renda domiciliar mais baixa, são superiores em apenas 2 minutos em relação aos tempos de viagem dos Territórios com maiores rendas médias, quase dez vezes mais alta ou R$ 8 mil a mais. 119 Essa relação entre x e y, expressa na constante da equação de primeiro grau (em cálculo seria considerada a derivada a reta ou seu ângulo de inclinação) será denominada razão de tendência. 276  A análise de dispersão (pelo coeficiente de determinação R2) apresentou resultado que permite concluir que, em média, os tempos de viagem realizados pelas pessoas (em todos os modos) apresenta boa correlação com renda, apesar de que, modo a modo, a correlação se confirme mais no modo ônibus. Isso parece permitir concluir que os mais ricos dispõem, de fato, de mais velocidade, mas que os mais pobres encontram estratégias para diminuir seus tempos de viagem trocando o modo ônibus tanto por modos individuais motorizados, quanto por modos não motorizados, efeito especialmente comprovado nas vilas e favelas. As análises do final do capítulo anterior comprovaram a existência de correlações entre percentual de viagens com menos de 30 minutos e renda média domiciliar, com razoável tendência de aumento nos percentuais, mas com proporções menores que o esperado. A inequidade de tempos de viagem apresentada para as regiões homogêneas do PlanMob-BH, indicava que, entre os mais ricos, cerca de 65% e 78% de seus deslocamentos eram abaixo de 30 minutos (a única exceção foi a região do Buritis e Belvedere, que apresentou apenas 58,0% de suas viagens abaixo de 30 minutos, resultado de uma saturação evidente nessas regiões). Por sua vez, as regiões de baixa renda e de vilas e favelas apresentaram resultados entre 57% e 69%, apenas cerca de 10% abaixo. A partir destes interessantes resultados iniciais, vistos mais como pistas que como certezas, preferiu-se não repetir as análises de correlação e tendência entre essas mesmas variáveis, ao se tratar o conjunto de Territórios, explorando-se mais as correlações com percentuais de viagens com menos de 30 minutos e outras associadas ao orçamento do tempo. Como a análise anterior foi realizada apenas para as viagens com motivo trabalho, optou-se por retomar a análise por motivo, utilizando renda média per capita (que apura melhor a renda realmente disponível) e considerando três motivos principais para as viagens: trabalho, escola e compras. Os motivos escola e compras foram acrescentados para se verificar a existência de uma vida de proximidade. Foram verificadas também as correlações entre distância até o centro (medida intencionalmente em tempo de viagem médio em transporte coletivo) e os percentuais de tempo de viagem menores que 30 minutos e os percentuais de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos. Os resultados estão apresentados do Gráfico 14 ao Gráfico 21, em pares por motivo para renda e distância ao centro, que permite visualizar as possíveis correlações e tendências. 277 Gráfico 14 – Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (todos os motivos). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 15 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (todos os motivos). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = 3E-05x + 0,5974 R² = 0,2383 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 % v ia ge n s at é 30 m in u to s Renda média per capita y = -0,7256x + 0,6476 R² = 0,0234 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 278 Gráfico 16 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo trabalho). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 17 – Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo trabalho). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = 6E-05x + 0,419 R² = 0,3827 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 % v ia ge n s at é 3 0 m in u to s Renda média per capita y = -3,3538x + 0,5791 R² = 0,1634 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 279 Gráfico 18 - Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo escola). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 19 - Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo escola). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = -3E-05x + 0,7686 R² = 0,1471 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 85,0% 90,0% 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 % v ia ge n s at é 3 0 m in u to s Renda média per capita y = 3,5916x + 0,6375 R² = 0,3382 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 85,0% 90,0% 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 280 Gráfico 20 - Cruzamento entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e renda média per capita (motivo compras). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 21 - Cruzamentos entre percentual de viagens realizadas até 30 minutos e distância ao centro (motivo compras). Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = 2E-05x + 0,7633 R² = 0,0415 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 85,0% 90,0% 95,0% 100,0% 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 % v ia ge n s at é 3 0 m in u to s Renda média per capita y = -1,177x + 0,8178 R² = 0,0207 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 75,0% 80,0% 85,0% 90,0% 95,0% 100,0% 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 % d e vi ag en s at é 30 m in u to s Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 281 A Tabela 7 apresenta um resumo da análise dos gráficos apresentados, procurando facilitar a leitura e as conclusões. Tabela 7 – Análise sintética dos gráficos de correlação de percentuais de viagens com menos de 30 minutos. Graf. Variável 1 Variável 2 Coeficiente de determinação (R²) Razão de tendência 14 e 15 % de viagens até 30 minutos (todos os motivos) Renda média per capita 0,2383 baixo + 1% a cada acréscimo de R$360 na renda positiva média Distância ao centro (tempo de viagem médio ao centro em transporte coletivo) 0,0234 sem correlação - 1% a cada aumento de 30 minutos na distância negativa média 16 e 17 % de viagens até 30 minutos (motivo trabalho) Renda média per capita 0,3827 razoável + 1% a cada acréscimo de R$160 na renda positiva alta Distância ao centro (tempo de viagem médio ao centro em transporte coletivo) 0,1634 baixo - 1% a cada aumento de 4min30seg na distância negativa alta 18 e 19 % de viagens até 30 minutos (motivo escola) Renda média per capita 0,1471 baixo - 1% a cada acréscimo de R$360 na renda negativa alta Distância ao centro (tempo de viagem médio ao centro em transporte coletivo) 0,3382 razoável + 1% a cada aumento de 4 minutos na distância positiva alta 20 e 21 % de viagens até 30 minutos motivo compras) Renda média per capita 0,0415 sem correlação + 1% a cada acréscimo de R$500 na renda positiva média Distância ao centro (tempo de viagem médio ao centro em transporte coletivo) 0,0207 sem correlação - 1% a cada aumento de 12 minutos na distância negativa média Fonte: Elaboração própria. Para representar a correlação, estão apresentados os valores do coeficiente de determinação (R²) entre cada dupla de variáveis, cujo maior resultado significa maior relação entre as duas variáveis (uma explica a outra) e nenhum chegou a 0,4, tendo sido considerado que os dois 282 valores acima de 0,3 apresentaram razoável correlação. Para destacar a tendência, expressa pela equação exibida nos gráficos, preferiu-se utilizar razão de tendência expressa em quanto uma variável varia para cada intervalo de variação da outra. Em negrito as relações encontradas que apresentam maior correlação (R²) ou maior tendência positiva e hachurados, os resultados sem correlação ou com alta tendência negativa. A análise desses gráficos confirma que existe tendência de aumento no percentual de viagens com menos de 30 minutos para Territórios com maiores rendas e a tendência de queda à medida que se distancia do centro, em todas as viagens (não importando o motivo) e nas viagens por motivo trabalho, de forma ainda mais intensa. Mas é surpreendente constatar que as viagens por motivo escola tem comportamento nitidamente inverso, apesar de resultados um pouco mais difusos. As viagens por motivos compras seguem o comportamento de motivo trabalho, mas com correlação mais dispersa e tendência mais suaves. Outro conjunto de gráficos - do Gráfico 22 ao Gráfico 27 - foi elaborado a partir dos dados tratados de cada território procurando explorar outras as possíveis correlações entre média do tempo diário gasto com transporte, % de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e Índice de Mobilidade (viagens por pessoa por dia), cruzados com renda per capita e a distância ao centro (tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro). 283 Gráfico 22 – Cruzamentos entre parcela transporte do orçamento do tempo (média dos tempos diários gastos com deslocamentos) e renda média per capita. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 23 – Cruzamentos entre parcela transporte do orçamento do tempo (média dos tempos diários gastos com deslocamentos) e tempo de viagem. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = -4E-06x + 0,0613 R² = 0,2771 01:00:00 01:10:00 01:20:00 01:30:00 01:40:00 01:50:00 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500 M éd ia d o t em p o d iá ri o g as to c o m t ra n sp o rt e Renda média per capita (R$) y = 0,173x + 0,0523 R² = 0,0787 01:00:00 01:10:00 01:20:00 01:30:00 01:40:00 01:50:00 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 M éd ia d o t em p o d iá ri o g as to c o m tr an sp o rt e Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 284 Gráfico 24 – Cruzamentos entre percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e renda média per capita. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 25 – Cruzamentos entre percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e tempo de viagem. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = -8E-07x + 0,4893 R² = 0,0003 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500 % d e p es so as q u e ga st am m en o s d e u m a h o ra p o r d ia c o m d es lo ca m e n to s Renda média per capita (R$) y = 0,5789x + 0,4722 R² = 0,0168 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 50,0% 55,0% 60,0% 65,0% 70,0% 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 % d e p es so as q u e ga st am m en o s d e u m a h o ra p o r d ia c o m d es lo ca m e n to s Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 285 Gráfico 26 – Cruzamentos entre índice de mobilidade (número de viagens por pessoa por dia) e renda média per capita. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Gráfico 27 – Cruzamentos entre índice de mobilidade (número de viagens por pessoa por dia) e tempo de viagem. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012). y = 0,0003x + 2,2805 R² = 0,641 2,0 2,2 2,4 2,6 2,8 3,0 3,2 3,4 3,6 3,8 4,0 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500 Ín d ic e d e m o b ili d ad e (v ia ge n s p o r p es so a p o r d ia ) Renda média y = -6,668x + 2,8369 R² = 0,0348 2,0 2,2 2,4 2,6 2,8 3,0 3,2 3,4 3,6 3,8 4,0 00:00:00 00:10:00 00:20:00 00:30:00 00:40:00 00:50:00 01:00:00 01:10:00 Ín d ic e d e m o b ili d ad e (v ia ge n s p o r p es so a p o r d ia Tempo de viagem médio em transporte coletivo ao centro 286 Os resultados foram sintetizados na Tabela 8 que procura facilitar a leitura e as conclusões. Para representar a correlação, estão apresentados os valores do coeficiente de determinação (R²) entre as duplas de variáveis, cujo maior resultado significa maior relação entre as duas variáveis (uma explica a outra) e foi considerado que apenas o R² acima de 0,6 apresentou boa correlação. Para destacar a tendência, expressa pela equação exibida nos gráficos, preferiu- se utilizar razão de tendência expressa em quanto uma variável varia para cada intervalo de variação da outra. Em negrito as relações encontradas que apresentam maior correlação (R²) ou maior tendência positiva e hachurados, os resultados sem correlação. Tabela 8 - Análise sintética dos gráficos de correlação do orçamento do tempo. Graf. Variável 1 Variável 2 Coeficiente de determinação (R²) Razão de tendência 22 e 23 Parcela transporte do orçamento do tempo (média dos tempos diários gastos c/deslocamentos) Renda média per capita 0,2771 baixo - 1minuto a cada acréscimo de R$200 na renda TV médio ao centro (transp. coletivo) 0,0787 sem correlação + 1minuto a cada aumento de 4 minutos na distância 24 e 25 % de pessoas que gastam menos de 1h/dia c/deslocamentos Renda média per capita 0,0003 Sem correlação estável TV médio ao centro (transp. coletivo) 0,0168 sem correlação + 1% a cada aumento de 20 minutos na distância 26 e 27 Índice de mobilidade (viagens/pessoa/ dia) Renda média per capita 0,641 boa correlação + 0,1 viagens/ia a cada acréscimo de R$400 na renda TV médio ao centro (transp. coletivo) 0,0348 baixo - 0,1 viagens/dia a cada aumento de 20 min na distância Fonte: Elaboração própria. Se o tempo médio diário gasto pelas pessoas com seus deslocamentos apresenta tendência de diminuir para as pessoas com maiores rendas, o resultado surpreendente é que o percentual de pessoas que conseguem gastar apenas uma hora com esses deslocamentos se mantém estável, tanto para Territórios com maiores rendas, quanto para os mais distantes (pequena razão de crescimento). Mas além de uma coerência existente, tanto das pessoas quanto da oferta de serviços da cidade (escolas e postos de saúde descentralizados), o que vai explicar essa estabilidade é a diminuição do índice de viagem, ou seja menos viagens compensam viagens mais longas. A Tabela 9 apresenta os números dos gráficos. 287 Tabela 9 - Valores utilizados nas análises com renda média e orçamento do tempo. Terr. Renda média IM Distância ao centro Motivos Orçamento do tempo todos trabalho escola compras média/ dia % de < 1 h B1 569,83 2,4 00:18:36 60,2% 41,0% 73,8% 82,9% 1:23:43 50,9% B2 903,79 2,7 00:52:47 62,3% 44,8% 75,4% 87,8% 1:18:13 47,3% B3 580,33 2,9 00:58:36 65,0% 49,2% 82,1% 89,9% 1:27:03 53,4% B4 600,42 2,4 01:03:45 56,3% 37,2% 76,6% 85,1% 1:35:59 48,3% B5 432,29 2,7 01:03:56 65,2% 42,0% 83,9% 88,4% 1:27:20 53,9% CS1 3.582,03 3,8 00:22:57 77,9% 70,7% 79,1% 85,3% 1:03:32 56,1% CS2 3.934,62 3,4 00:32:32 73,0% 65,0% 74,5% 83,4% 1:05:46 53,9% CS3 380,56 2,5 00:28:00 61,5% 42,1% 67,4% 80,9% 1:31:48 50,5% CS4 3.552,67 3,6 00:27:16 67,0% 57,9% 60,5% 73,4% 1:23:28 46,1% CS5 501,30 2,4 00:42:34 70,7% 61,5% 83,1% 81,7% 1:13:00 59,2% L1 836,54 2,3 00:39:50 62,0% 47,1% 72,6% 90,2% 1:18:10 48,3% L2 1.651,10 2,7 00:31:38 67,7% 60,4% 72,6% 82,8% 1:12:31 50,7% L3 1.124,48 2,4 00:28:03 65,0% 61,0% 63,8% 78,6% 1:15:01 51,2% L4 405,31 2,2 00:31:05 56,5% 37,6% 76,9% 67,7% 1:29:06 40,8% N1 514,60 2,6 00:57:51 63,0% 39,5% 85,5% 67,9% 1:26:22 47,9% N2 448,93 2,4 00:50:54 55,9% 32,3% 73,5% 79,7% 1:26:22 45,1% N3 813,30 2,9 00:54:57 64,2% 48,6% 76,5% 87,3% 1:18:43 49,7% N4 599,38 2,4 00:50:40 64,1% 47,9% 79,0% 63,0% 1:14:04 54,0% (Continua) 288 Tabela 9 (continuação) - Valores utilizados nas análises com renda média e orçamento do tempo. Terr. Renda média IM Distância ao centro Motivos Orçamento do tempo todos trabalho escola compras média/di a % de < 1 h NE1 499,74 2,3 00:55:29 54,8% 31,8% 72,9% 78,0% 1:36:26 43,3% NE2 497,78 2,3 00:41:37 57,5% 42,1% 72,4% 71,5% 1:47:11 45,7% NE3 753,34 2,7 00:05:29 53,8% 37,1% 63,6% 78,7% 1:42:01 39,3% NE4 984,50 2,8 00:27:02 65,6% 49,8% 77,3% 82,1% 1:23:23 51,4% NE5 1.898,85 3,0 00:36:29 62,5% 48,1% 72,8% 80,4% 1:14:06 48,2% NO1 731,86 2,6 00:31:55 63,0% 54,6% 68,6% 68,0% 1:15:16 48,3% NO2 1.393,77 2,9 00:31:47 68,7% 59,4% 66,3% 93,2% 1:09:05 49,6% NO3 691,68 2,6 00:45:26 60,8% 49,7% 73,0% 72,7% 1:25:13 45,5% NO4 1.410,73 2,7 00:28:24 62,7% 56,6% 66,0% 81,7% 1:21:33 43,9% O1 2.032,26 2,4 00:04:24 63,6% 54,7% 68,2% 82,4% 1:10:21 47,9% O2 662,37 2,1 00:25:54 58,6% 47,3% 71,5% 70,8% 1:27:23 48,6% O3 388,22 2,3 00:32:01 69,9% 56,4% 81,6% 89,1% 1:12:49 59,9% O4 815,63 2,4 00:45:50 56,2% 46,5% 65,7% 67,7% 1:23:32 41,0% O5 2.795,56 2,8 00:37:50 57,7% 46,7% 63,8% 88,0% 1:20:27 41,7% P1 1.413,92 3,1 00:46:01 60,7% 46,7% 69,9% 80,8% 1:25:53 45,0% P2 1.950,98 2,9 00:44:07 60,3% 46,7% 68,0% 73,2% 1:20:30 43,5% P3 1.376,80 3,1 00:31:32 62,6% 54,6% 73,8% 70,2% 1:15:06 48,0% P4 786,74 2,7 00:47:40 64,2% 50,8% 72,0% 74,5% 1:19:34 49,1% VN1 571,88 2,6 00:57:26 63,9% 43,7% 82,0% 83,2% 1:26:52 51,8% VN2 487,64 2,2 01:04:54 60,0% 44,0% 81,2% 56,4% 1:35:08 48,3% VN3 804,96 2,5 00:56:50 61,3% 44,8% 79,4% 78,2% 1:24:02 52,4% VN4 552,45 2,4 00:57:21 63,2% 43,2% 84,9% 62,6% 1:23:37 53,9% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). 289 5.4 HOMOGENEIDADE ESPACIAL DOS TERRITÓRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA: MITOS E CONSTATAÇÕES A homogeneidade parece ser o principal atributo desejado quando se definem espacialidades de planejamento e de representação política, como apresentado no início deste capítulo. No artigo Territórios de Gestão Compartilhada na cidade de Belo Horizonte: descrição da metodologia utilizada e perspectivas de uso da nova regionalização, Nabuco, Ferreira e Almeida (2012) detalham o processo de construção dos limites dos Territórios e destacam que, desde 1995, “o conceito de áreas homogêneas está incorporado, pela administração pública municipal, ao planejamento territorial de Belo Horizonte” (NABUCO; FERREIRA; ALMEIDA, 2012, p. 3) através da proposição das Unidades de Planejamento (UPs) e, posteriormente, com a proposição de sub-regiões do Orçamento Participativo, que trazem um caráter representativo para ser aplicado à escolha de projetos. Os Territórios também surgem com essa mescla de homogeneidade e representação, com preocupações adicionais de atualizar a homogeneidade e de ajustar os limites territoriais aos novos contornos das Regionais, modificados em 2011 pela Lei Municipal 10.231 de 2011. Explicam os autores (NABUCO; FERREIRA; ALMEIDA, 2012, p. 3) que a nova regionalização trazia uma declarada intenção de inovação política pela sua representatividade que uniria poder público e cidadãos vizinhos – “com semelhante qualidade de vida” – em um processo conjunto de conhecimento sobre a cidade, já que previa estabelecimento de informações (estatísticas, indicadores, dados georreferenciados) disponibilizados pelo governo como estratégia de diálogo para planejar a cidade. Destacam os objetivos desta escala: Quase todo aspecto da rotina urbana ocorre de forma a deixar claro que a realidade se manifesta – e por isso exige respostas – em múltiplas escalas: escalas políticas, escalas econômicas, e por isso mesmo escalas territoriais. O perto e o distante, o local e o não local conjugam-se e misturam-se, sem se anular, em cada aspecto da vida cotidiana. É por isso que o atendimento às demandas sociais requer o emprego de múltiplas escalas de planejamento e ação, em outras palavras, múltiplos recortes territoriais e arranjos institucionais a eles associados, de forma a enfrentar problemas específicos e dar respostas apropriadas. (NABUCO; FERREIRA; ALMEIDA, 2012, p. 3). Além da homogeneidade interna, que aparentemente não foi plenamente atingida e que talvez nem fosse tão desejável assim, outros critérios foram utilizados pela Prefeitura para a 290 decisão dos limites dos Territórios: contiguidade territorial; tamanho populacional mínimo de 40 mil habitantes; observância dos limites das Administrações Regionais e limites de bairros; utilização dos bairros como a unidades geográficas mínima de agregação; quantidade entre 35 e 45 Territórios; fácil mobilidade, considerando as barreiras físicas criadas por grandes vias (evitar elementos seccionadores, como barreiras físicas ou grandes obras viárias, dentro dos Territórios); conhecimento do território e das relações existentes; percepção de pertencimento por parte da população (NABUCO; FERREIRA; ALMEIDA, 2012, p. 8). Não se conseguiu cumprir tantos critérios e foram criadas exceções para a contiguidade territorial (os Territórios CS3, CS5, O2 e O3 não são contíguos) e o tamanho populacional mínimo de 40 mil habitantes (CS5, N1, N4, O3 são menores que isso). A observância dos limites das Administrações Regionais e dos limites de bairros, assim como a quantidade esperada, foram critérios atingidos, mas apesar das divisões terem tentado evitar elementos seccionadores, alguns dos Territórios são atravessados por importantes avenidas (Territórios P3, N3). As primeiras questões que se quer levantar em relação aos Territórios são: Essa homogeneidade interna foi atingida? Mas homogêneo em relação a qual dimensão (ou quais dimensões)? Será mesmo desejável trabalhar espacialidades homogêneas? A proposição dos Territórios utilizou critérios socioeconômicos, de infraestrutura e de características do espaço urbano e especialmente três indicadores: ISA – Índice de Salubridade Ambiental (dimensão de infraestrutura urbana), IVSaúde – Índice de Vulnerabilidade à Saúde (dimensão social), e valor do m2 construído (dimensão econômica). A Figura 59, apresenta os mapas com os valores desses indicadores, evidenciando que, obviamente, o comportamento espacial de cada variável é diferente. Nabuco, Ferreira e Almeida (2012, p. 8) explicam que, para agregação desses três indicadores, foram calculados valores de cada um deles por bairro, e depois utilizadas “técnicas indutivas de agregação de áreas, baseada em sucessivas aglomerações a partir das regularidades encontradas de acordo com os critérios pré- definidos”, e com auxílio de um software (Skater), foram feitas agregações em “áreas que comportassem uma certo grau de homogeneidade, o que permitiria a posterior geração de informações estatísticas com um menor grau de discrepância interna.” Os resultados encontrados foram utilizados em uma segunda etapa, denominada “Etapa de Pactuação”, que trouxe uma característica mais política-administrativa do que administrativa 291 aos limites dos Territórios, com o objetivo de permitir “seu uso como área para planejamento de ações e oferta de serviços à população, mesmo que tal opção significasse a perda de homogeneidade do ponto de vista dos parâmetros utilizados na etapa anterior.” Figura 59 – Índice de Salubridade Ambiental – ISA (2008), Índice de Vulnerabilidade à Saúde – IVSaúde (2000) e Valor Venal médio do m² construído (2010). Fonte: PBH – Secretaria de Gestão Compartilhada. 201Divisão das Regionais em Territórios de Gestão Compartilhada (apresentação powerpoint). Belo Horizonte, s/d. Logo, percebe-se que o que se buscou para os Territórios não foi uma homogeneidade unidimensional (o que teria sido bem mais fácil de se obter), mas multidimensional, o que traz em si uma certa contradição e faz com que o resultado não seja a demarcação precisa de pedaços homogêneos, mas sim que esses pedaços tenham um equilíbrio entre certas homogeneidades. A metodologia de análise proposta para este capítulo se alinha nessa mesma direção, tanto na proposição multidimensional de uma definição de pedaços homogêneos, quanto por aceitar a dose de heterogeneidade dos resultados encontrados. Como já foi apresentado em diversos momentos (no Capítulo 2 e no início deste mesmo capítulo), apesar da análise proposta ter como ponto de partida a identificação das isotopias, essencialmente pedaços homogêneos, há uma intencionalidade de questionar a homogeneidade e explorar as possibilidades da diversidade social e diversidade funcional, por 292 se entender que contribuem para resultados melhores na mobilidade. A ideia da cidade funcionalista, zoneada ao extremo e/ou separada (na maioria das vezes, segregada) espacialmente por grupos sociais ou de renda deve ser questionada por diversos fatores, mas principalmente por seu impacto indesejável nas necessidades de viagens resultantes. De toda forma, tanto nas definições dos recortes espaciais quanto na identificação das isotopias, inicialmente, deseja-se evidenciar a homogeneidade e depois é que se vai questioná-la. E dentre as diversas dimensões que se poderia utilizar, é evidente que a renda é uma questão central, por sua intensa correlação causal com as outras dimensões. Ressalta-se que, mais uma vez, não estamos tratando de verificação estatística, mas de encontrar uma forma de evidenciar correlações que contribuam para as análises entre cidade e mobilidade. Antes mesmo da elaboração do Quase Atlas, foi proposta uma tipologia urbana similar à utilizada por BHTRANS (2008 e 2014) no Diagnóstico do PlanMob-BH, que classificou os Territórios em função da renda média per capita no Censo de 2010 (alta, média, média-baixa e baixa) e foram separados os grupos de Territórios que cumprem funções de centralidades e as vilas e favelas. Não se trata da mesma lógica multidimensional usada para definir os Territórios, onde houve uma composição, mas sim uma sobreposição de dimensões. Foram destacados como centralidades o Território Área Central (CS1), Padre Eustáquio (NO4), Centro do Barreiro (B2) e Centro de Venda Nova – (VN3) e como vilas e favelas, os territórios: Aglomerado da Serra e outras próximas - CS3, Aglomerado Santa Lúcia e outras próximas – CS5, Aglomerado Taquaril – L4 e Aglomerado Morro das pedras e outras próximas – O3. Porém, esta tipologia inicialmente utilizada, que avalia a homogeneidade de renda associada à dimensão urbana (centralidade e favelas), não consegue separar as zonas de forma estritamente homogênea, uma vez que existem centralidades e vilas e favelas em diversos outros Territórios que não receberam essa classificação. A Tabela 10 apresenta os valores de população, área e densidade dos Territórios agregados por tipo, obedecendo esta caracterização inicial. A Área Central, apesar de contemplar o Hipercentro (com moradores de menor renda), apresenta maior renda média que nos Territórios classificados de Alta renda, principalmente pelo fato de conter os bairros dentro de perímetro da Avenida do Contorno (Lourdes, Santo Agostinho, Savassi, Funcionários). Os 293 resultados dos valores médios de renda por grupo/tipo confirmam a correlação direta com a gradação da tipologia urbana adotada. Tabela 10 - Caracterização das categorias de Territórios de Gestão Compartilhada. Tipologia urbana Territórios População 2010 Área km2 Densidade média (hab./km2) Renda média (2010) per capita domiciliar Área Central CS1 84.941 3,6% 8,9 9.544 3.582,03 8.608,07 Centro Regional B2, NO4, VN3 192.742 8,1% 21,8 8.837 1.039,83 3.151,21 Alta CS2, CS4, O1, P2 e O5 331.211 13,9% 58,4 5.675 2.853,22 7.920,61 Média L2, L3, NE5, NO2, P1 e P3 328.646 13,8% 47,8 6.878 1.476,49 4.383,18 Média- baixa L1, NE3, NE4, NO1, NO3, N3, O4, P4 532.146 22,4% 55,0 9.674 801,70 2.535,79 Baixa B1, B3, B4, B5, NE1, NE2, N1, N2, N4, O2, VN1, VN2, VN4 781.451 32,9% 126,6 6.175 539,82 1.774,81 Vila ou favela CS3, CS5, L4, O3 124.014 5,2% 12,8 9.711 418,85 1.490,04 Fonte: Elaboração própria. A partir das análises realizadas com auxílio do Quase Atlas e das diversas planilhas de trabalho produzidas, sintetizadas neste item, percebeu-se que essa tipologia inicialmente adotada é insuficiente e questionável. No Quase Atlas, foram feitas qualificações para as diversas variáveis utilizadas nas dimensões de diversidade social, diversidade funcional e orçamento do tempo. Cada variável de cada Território foi qualificada em um de cinco níveis, neste caso sem usar critérios de quantil. O objetivo inicial era construir uma nova tipologia urbana que considerasse simultaneamente as três dimensões em um cruzamento de resultados para cada uma delas. Logo, as classificações e números foram trabalhados de diversas formas para se tentar chegar a essa nova tipologia sintética, sempre de maneira quase sistemática e quase problemática, entre uma análise mais qualitativa e outra mais quantitativa que se apodera de ferramentas de estatística e elementos visuais (gráficos, quadros e tabelas) para testar a 294 multiplicidade de possibilidades de afinidade que explicassem a relação entre espaço e mobilidade. O que se pretende ao se confrontar homogeneidade com diversidade – dimensões complementarmente opostas -, é evidenciar novas relações entre mobilidade e urbano, especialmente a partir da dimensão dos tempos de viagem em suas variações (médias, percentuais de viagens até meia hora por modo e motivo, média da parcela transporte do orçamento do tempo e percentual de pessoas que gastam até uma hora por dia com deslocamentos). Ao se tentar construir a proposta da nova tipologia urbana, percebeu-se rapidamente que cruzar três dimensões em resultados estratificados em cinco níveis traria uma enorme complexidade, que seria incompatível com o resultado esperado. Percebeu-se também que alguns desses cruzamentos traziam contribuições de reflexão analítica, que a tipologia multidimensional ocultaria, e alguns desses cruzamentos estão apresentados nas análises deste item. Logo, o resultado construído da nova tipologia foi uma revisão e complementação da tipologia urbana inicial, que confirmou o papel central da renda e das características urbanas e trouxe algumas interessantes complementações que alinham ou contrapõem homogeneidade e diversidade. O Quase Atlas trouxe o levantamento das variáveis de renda de cada Território e considerou várias dimensões: renda média per capita, renda média domiciliar, rendas médias do quantil de 20% de pessoas com maior renda e dos 20% de pessoas com menor renda e a relação entre a renda média dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres. Essa última variável parece sintetizar melhor o grau de homogeneidade/diversidade da renda e os resultados encontrados variam entre 1,77 a 5,64, ou seja, no Território mais homogêneo (CS3, que contém o Aglomerado da Serra), a renda média dos 20% mais ricos é de 1,77 vezes a renda média dos mais pobres, e no Território menos homogêneo (P3, que contém o Bairro Jaraguá), a renda média dos 20% mais ricos é 5,64 vezes a renda média dos 20% mais pobres. Para efeito de comparação, se considerarmos todos os setores censitários da cidade, a renda média do quantil de 20% mais pobres seria R$ 187,99 e a renda média do quantil de 20% mais ricos seria R$ 1.989,92, representando uma relação de 10,59 vezes. O fato da diversidade de renda dos Territórios ser inferior à média da cidade parece indicar que, de fato, essa espacialidade resultou em pedaços 295 mais homogêneos, mas também indica efeitos dos processos de localização (auto)segregadores, promovidos pelo mercado imobiliário e pela própria população que procura se localizar “entre iguais”. O Gráfico 28 mostra um gráfico que cruza as rendas médias dos Territórios com as relações entre 20% mais ricos e 20% maios pobres e se traçou uma linha de tendência geral (sempre com a ferramenta básica do Excel), marcada em azul. Gráfico 28 – Gráfico que relaciona renda média per capita com a relação entre as rendas médias dos 20% mais ricos sobre 20% mais pobres. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). A imagem do gráfico mostra a forte relação entre as variáveis até a faixa de renda de R$ 2.000 (marcadas com uma seta vermelha). Constata-se que os Territórios com menor renda têm forte tendência a serem mais homogêneos (especialmente os de vilas e favelas). No entanto, os Territórios com maior relação entre rendas são os que situam-se entre R$ 1.500 e R$ 2.000, de renda média, e os quatro Territórios de maior renda não apresentam a diversidade tão alta quanto esperado, se seguissem a tendência: CS1 (3,77), CS2 (3,31), CS4 (1,83) e O5 (2,07). A 3,77 3,31 1,83 2,07 0,00 1,00 2,00 3,00 4,00 5,00 6,00 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500 R en d a m éd ia d o s 20 % m ai s ri co s so b re r en d a m éd ia d o s 20 % m ai s p o b re s Renda média per capita (R$) 296 explicação para esse resultado parece ser o fato das relações entre rendas aplicadas às rendas médias menores, geram faixas de rendas (diferença entre maior e menor) significativamente menores. Por exemplo, no Território CS3, onde os 20% mais ricos ganham 1,77 vezes a renda dos 20% mais pobres, a diferença entre a renda deles é de R$ 214,12 reais; já no Território CS4, onde os mais ricos ganham 1,83 vezes a renda dos 20% mais pobres, a diferença é dez vezes superior, ou seja, de R$2.136,48. Esse efeito pode ser melhor visualizado no Gráfico 29 que agregou aos valores de rendas médias, as faixas entre rendas médias dos 20% mais pobres e dos 20% mais ricos. Abaixo do eixo horizontal do gráfico, em setas de gradação cromática azuis, estão as cinco faixas de renda qualificadas no Quase Atlas. As constatações de associação entre rendas médias e diversidade de renda sugerem que é possível fazer uma qualificação única que inclua as duas dimensões. No gráfico, foi marcado em retângulos verdes pontilhados uma nova possibilidade de qualificação (em três níveis), que contempla essas duas dimensões. Com base no resultado expresso no gráfico, percebe-se que, apesar das variações existentes, não há necessidade de caracterizar os territórios nas duas dimensões (renda e diversidade), optando-se por uma classificação coincidente, onde renda baixa apresenta baixa diversidade, rendas médias, média diversidade e rendas altas com alta diversidade:  Renda baixa e homogênea: Território com renda média baixa e baixa diversidade social (baixa variação relativa e absoluta das rendas médias);  Renda média: Território com renda média em níveis médios e com diversidade social mediana (tanto na variação relativa, quanto absoluta);  Renda alta e heterogênea: Território com renda média alta e grande diversidade social (alta variação relativa e absoluta das rendas médias). Outra dimensão considerada no Quase Atlas foi a diversidade funcional que procurou ser avaliada através de duas variáveis que a representassem: percentual de viagens destinadas sobre o percentual de viagens originadas (locais mais residenciais tem mais viagens originadas e locais com muito emprego, mas viagens destinadas) e relação entre unidades residenciais e não residenciais. Gráfico 29 – Gráfico de rendas médias dos Territórios e a variação entre rendas dos 20% mais pobres até os 20% mais ricos. Fonte: Elaboração própria. 0 500 1.000 1.500 2.000 2.500 3.000 3.500 4.000 4.500 5.000 5.500 6.000 6.500 7.000 C S3 O 3 L4 B 5 N 2 V N 2 N E2 N E1 C S5 N 1 V N 4 B 1 V N 1 B 3 N 4 B 4 O 2 N O 3 N O 1 N E3 P 4 V N 3 N 3 O 4 L1 B 2 N E4 L3 P 3 N O 2 N O 4 P 1 L2 N E5 P 2 O 1 O 5 C S4 C S1 C S2 R $ 20% RICOS (atual) 20% POBRES (atual) Renda média/cápita Baixa renda e baixa variação Média renda e média variação de renda Alta renda e alta variação de renda 298 A primeira informação vem diretamente da Pesquisa de Origem e Destino (2012) e é a manifestação da diversidade nas viagens, seu resultado é simples de ser analisado pois reflete um balanço entre geração e atração ou entre moradia e outras atividades. A segunda dimensão foi levantada junto ao cadastro da Prefeitura de IPTU – Imposto Predial Territorial Urbano e refere-se ao número de unidades de imóveis com uso residencial e não residencial, sem levar em conta quantas pessoas habitam ou trabalham e nem dimensão e valor do imóvel. Foi escolhida por ser também um indicador sintético e que se associa diretamente ao uso e função de cada imóvel. Com os valores desses dois indicadores, separando os dados do Território da Área Central (CS1), que não foi incluído por ter desempenho completamente diferente do restante, foi elaborado o Gráfico 30. Gráfico 30 – Gráfico que relaciona percentual de viagens destinadas sobre originadas e percentual de unidades não residenciais sobre residenciais. Fonte: Elaboração própria. O3 O2 N4 NO1 P1 L3NE5P2 L2 CS4CS2 NO2 VN3 VN1 O1NO4 B2 O5 P3 R² = 0,1178 -80,0% -60,0% -40,0% -20,0% 0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% P er ce n tu al d e vi ag en s d es ti n ad as s o b re v ia ge n s o ri gi n ad as Percentual de unidades não residenciais sobre residenciais Atratores Equilibrados Produtires 299 No gráfico, está representada a diversidade funcional e, apesar de haver uma leve tendência de correlação direta entre as duas variáveis, há uma dispersão evidente (R²=0,1178). Os retângulos pontilhados verdes identificam os Territórios equilibrados (entre – 20% e + 20% da relação de viagens destinadas sobre originadas), os atratores (acima de 20%) e produtores (abaixo de - 20%). Também foram marcados os Territórios com mais de 20% de unidades não residenciais, em um retângulo tracejado azul. O interessante resultado é que apenas o Território O5 encontra-se na interseção dos dois retângulos, ou seja, além de ter mais de 20% de seus imóveis com uso não residencial, possui mais de 20% de viagens destinadas sobre originadas, na verdade, 70,5%. Esse resultado indica que esse Território deveria ser tratado como uma centralidade, o que se explica por incorporar as atividades do Buritis, de um dos lados da Avenida Raja Gabaglia, e do início da Avenida Barão Homem de Mello, além das atividades industriais do Olhos D’Agua. A análise também valida o Território B2 como centralidade e põem dúvidas sobre o VN3, mas que será mantido como centralidade, por estar próximo aos limites utilizados. Os demais Territórios que se encontram dentro dos retângulos traçados e tem potencial para serem tratados como centralidade são: O1, CS2, CS4, NO1, NO4, VN1 e P3. Pode-se perceber ainda, que a maioria dos Territórios é produtora de viagens, fazendo com que seus moradores tenham que sair diariamente em busca de outras oportunidades. Como base nesse gráfico foi proposta a seguinte qualificação para ser incorporada à tipologia para os Territórios120:  Atratores: Territórios onde as viagens destinadas superam em 20% as viagens originadas, acrescidos dos dois Territórios que possuem mais de 20% de unidades residenciais e, pelo menos resultado positivo no balanço entre viagens destinadas e originadas. Além da Área Central (CS1), foram identificados outros 9 Territórios atratores, confirmando as três centralidades iniciais (B2, VN3 e NO4) e acrescentando: O5 (o único que obedece aos dois limites estabelecidos), O1, CS2 e CS4 (Territórios de 120 Idealmente, essa tipologia seria mais interessante se considerasse toda a RMBH e não só Belo Horizonte, mas foge ao fôlego da pesquisa. 300 maior renda da Franja Sul e Oeste) P3 (que contém UFMG como grande atratora) e VN1 (onde a Cidade Administrativa é a grande atratora);  Equilibrados: Territórios onde as viagens destinadas são 20% a menos ou a mais que as viagens originadas. Foram identificados 8 Territórios equilibrados, que estão a meio caminho de O2, L2 e L3, NE5, N4, P1 e P2, NO2.  Produtores: Territórios onde as viagens destinadas não chegam a 80% das viagens originadas. O restante dos 22 Territórios, que possuem mais características de “bairros-dormitórios” e, em relação a essa dimensão, mais homogêneos. Ao se fazer um cruzamento com as dimensões de renda com três níveis cada, chega-se a nove possibilidades de cruzamentos, que estão mostrados no Quadro 1. Quadro 1 - Cruzamento de classificações de Territórios Renda \ Atração Produtor Equilibrado Atrator Renda alta e heterogênea nenhum NE5 e P2 O1, O5, CS1, CS2 e CS4 Renda média O4, L1, NE3, NE4, N3 e P4 L2, L3, NO2 e P1 B2, VN3, P3 e NO4 Renda baixa e homogênea B1, B3, B4, B5, O3, CS3, CS5, L4, NE1, NE2, N1, N2, VNE, VN4 e NO3 O2, N4 e NO1 VN1 Fonte: Elaboração própria. O que se procurou fazer com esses resultados não foi criar uma nova tipologia com nove níveis (na verdade dez, se fossem separadas as favelas), mas ajustar a tipologia inicial. Analisando o Quadro 1, propõe-se o agrupamento dos Territórios de renda média e baixa que são equilibrados, dessas mesmas faixas de renda que são atratores e dos Territórios que são de alta renda equilibrados e atratores. Com essas três agregações e separando-se as vilas e favelas, chega-se à tipologia final com seis níveis, apresentada no Quadro 2. 301 Quadro 2 – Tipologia urbana final proposta. Territórios atratores de renda alta e heterogênea: O1, O5, CS1, CS2, CS4, NE5 e P2. População: 480.220 (20,2% do total) Territórios de renda média (produtores de viagem): O4, L1, NE3, NE4, N3 e P4. População: 383.925 (16,2% do total) Territórios equilibrados de média e baixa renda: L2, L3, NO2, P1, O2, N4 e NO1. População: 412.194 (17,4% do total) Territórios atratores de média e baixa renda: B2, VN3, P3, NO4 e VN1. População: 281.128 (11,8% do total) Territórios de renda baixa (produtores de viagem): B1, B3, B4, B5, NE1, NE2, N1, N2, VNE, VN4 e NO3. População: 693.670 (29,2% do total) Vilas e favelas de renda baixa (produtores de viagem): O3, CS3, CS5 e L4. População: 124.014 (5,2% do total) Fonte: Elaboração própria. Foi feita ainda a tentativa de se verificar se essa tipologia tem alguma correlação com os resultados da parcela transporte do orçamento do tempo de cada Território e seu grupo, apresentados na Tabela 11, onde estão destacados os Territórios com baixo (itálico) e alto (negrito) resultado nas duas variáveis: percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia em seus deslocamentos e percentual de viagens por motivo trabalho realizadas com tempo menor que 30 minutos. A Figura 60Tabela 11 apresenta os mapas com a tipologia urbana inicial, retirada do Quase Atlas, onde mais escuro significa mais renda, as favelas estão marcadas em amarelo. Apresenta também a tipologia resultante, em seis tipos de Territórios. 302 Tabela 11 - Caracterização dos Territórios de Gestão Compartilhada e variáveis relativas ao tempo – tipologia predominante de renda Território Tipologia inicial % de pessoas que gastam menos de uma hora por dia % de viagens com menos 30 minutos (trabalho) Tipo 1: Vilas e favelas de renda baixa (produtores de viagem) O3 Vila ou favela 59,9% 56,4% CS3 Vila ou favela 50,5% 42,1% CS5 Vila ou favela 59,2% 61,5% L4 Vila ou favela 40,8% 37,6% Tipo 2: Territórios de renda baixa (produtores de viagem) B1 Baixa 50,9% 41,0% B3 Baixa 53,4% 49,2% B4 Baixa 48,3% 37,2% B5 Baixa 53,9% 42,0% NE1 Baixa 43,3% 31,8% NE2 Baixa 45,7% 42,1% N1 Baixa 47,9% 39,5% N2 Baixa 45,1% 32,3% VN2 Baixa 48,3% 44,0% VN4 Baixa 53,9% 43,2% NO3 Média-baixa 45,5% 49,7% Tipo 3: Territórios de renda média (produtores de viagem) O4 Média-baixa 41,0% 46,5% L1 Média-baixa 48,3% 47,1% NE3 Média-baixa 39,3% 37,1% N3 Média-baixa 49,7% 48,6% P4 Média-baixa 49,1% 50,8% NE4 Média-baixa 51,4% 49,8% Tipo 4: Territórios equilibrados de média e baixa renda O2 Baixa 48,6% 47,3% L2 Média 50,7% 60,4% L3 Média 51,2% 61,0% N4 Baixa 54,0% 47,9% P1 Média 45,0% 46,7% NO2 Média 49,6% 59,4% NO1 Média-baixa 48,3% 54,6% (Continua) 303 Tabela 11 (continuação) - Caracterização dos Territórios e variáveis relativas ao tempo. Território Tipologia inicial % de pessoas que gastam menos de uma hora por dia % de viagens com menos 30 minutos (trabalho) Tipo 5: Territórios atratores de média e baixa renda B2 Centro Regional 47,3% 44,8% VN1 Baixa 51,8% 43,7% VN3 Centro regional 52,4% 44,8% P3 Média 48,0% 54,6% NO4 Centro regional 43,9% 56,6% Tipo 6: Territórios atratores de renda alta e heterogênea O1 Alta 47,9% 54,7% O5 Alta 41,7% 46,7% CS1 Área Central 56,1% 70,7% CS2 Alta 53,9% 65,0% CS4 Alta 46,1% 57,9% NE5 Média 48,2% 48,1% P2 Alta 43,5% 46,7% Nas colunas de percentuais, o itálico hachurado indica Territórios com baixo desempenho (< 45% de pessoas que gastam menos de uma hora por dia e < 40% de viagens com menos de 30 minutos (trabalho) e o negrito, Territórios com alto desempenho (> 55% e > 50% respectivamente). Fonte: Elaboração própria, a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). A Tabela 12 apresenta os valores médios (ponderados por população de cada Território) dos grupos de tipo de Território para facilitar a análise mais apurada. São muitas análises possíveis de serem feitas a partir desses resultados e foram identificadas algumas pistas que contribuem para a confirmação de algumas ideias intuitiva ou para possibilidades de que a realidade é contra intuitiva. 304 Figura 60 – Mapas de Belo Horizonte com nova tipologia urbana proposta (em menor escala a tipologia anterior) A Área Central e os Territórios considerados centralidades estão destacados em azul/preto mais escuro e as favelas marcadas em amarelo. Os demais Territórios receberam uma gradação de cores com o branco indicando baixa renda, azul/cinza bem claro indica média-baixa, seguido por média e alta renda. Fonte: Elaboração própria. Tabela 12 – Análise por tipo de Território (valores médios ponderados por população). Tipologia nova Renda média (R$ per capita) Índice de mobilidade (viagens/pes soa/dia) % de viagens em modos coletivos e não motorizados % de pessoas que gastam menos de uma hora por dia % de viagens com menos 30 minutos (trabalho) Tipo 1: Vilas e favelas de renda baixa (produtores de viagem) 409,08 2,45 84,1% 50,00% 45,91% Tipo 2: Renda baixa (produtores de viagem) 539,58 2,43 73,9% 48,83% 41,09% Tipo 3: Renda média (produtores de viagem) 833,43 2,69 65,0% 47,11% 47,40% Tipo 4: Equilibrados de média e baixa renda 1.077,47 2,50 62,9% 49,46% 53,91% Tipo 5: Atratores de média e baixa renda 1.032,78 2,73 66,3% 48,52% 49,33% Tipo 6: Atratores de renda alta e heterogênea 2.844,18 3,14 44,8% 49,27% 57,32% Obs: a gradação de cores indica quanto mais escuro, melhor, ou seja, mais pessoas gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos e mais pessoas fazem viagens para o trabalho com menos de 30 minutos. Fonte: Elaboração própria, a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). 305 Nos Territórios do Tipo 1 - Vilas e favelas de renda baixa (produtores de viagem), destaca-se que os resultados confirmam o que já se identificou nas análises precedentes, ou seja, as pessoas que vivem nas favelas mais centrais acabam por estar mais próximas de oportunidades e parecem conseguir gastar menos tempo com deslocamentos, pois conseguem um percentual de viagens em modos coletivos e não motorizados muito positivo (84,1% em média). Porém, quando a vila ou favela se distancia (caso do Território CS3, que se estende pela região Leste e, principalmente, o Território L4) das centralidades, passam a se comportar como um Território de baixa renda. É surpreendente o desempenho dos Territórios O3 e CS5 no percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia com deslocamentos, com os melhores resultados entre todos os Territórios, superando os de alta renda, mas provavelmente influenciados pelos baixos índices de mobilidade (2,3 e 2,4 respectivamente, bem menores que o de alta renda que chegam a 3,4 ou 3,5, ou seja, uma viagem a mais por dia). Os Territórios de Tipo 2 - Territórios de renda baixa (produtores de viagem) e Tipo 3 - Territórios de renda média (produtores de viagem), evidenciam como os efeitos da renda e da falta de atratividade são perversos para seus moradores, sendo a média da parcela transporte do orçamento do tempo dos Territórios de tipo 3 a mais baixa de todos e a média do percentual de viagens com menos de 30 minutos ao trabalho dos Territórios de Tipo 2 a mais baixa de todas. Porém, os resultados de distribuição modal são positivos para a cidade (mais viagens em modos menos impactantes), uma vez que resulta 73,9% e 65,0% de modos coletivos e não motorizados, para os tipos 2 e 3 respectivamente. Dentre os Territórios do Tipo 2, destaca-se o bom desempenho do Território B3 (Lindeia), provavelmente motivado pelo fato de ser uma região industrializada, e o mal desempenho do Território NE1, situado no extremo da saída para Vitória, que deve ser motivado pela má acessibilidade. Dentre os do Tipo 3, destaque negativo ao NE3, sem uma aparente explicação. Já os resultados dos Territórios do Tipo 4 - Territórios equilibrados de média e baixa renda e Tipo 5 - Territórios atratores de média e baixa renda confirmam que a existência de diversidade de uso pode melhorar os resultados dos tempos de mobilidade, principalmente aproximando oportunidades de emprego para mais pessoas, mesmo em patamares de equilíbrio (Tipo 4). As análises por Território parecem indicar uma certa homogeneidade de resultado entre os Tipos 4 e 5, o que talvez permita até um agrupamento em certas análises. 306 A grande diferença entre os Tipos 4 e 5 está na formação de centralidades mais explicitamente atratoras de viagens (Tipo 5), mas os Territórios do Tipo 4 parecem caminhar para uma substituição de uso, possivelmente facilitada pela lei de uso do solo em vigor desde 1996, que estimula o uso misto em praticamente todo o território urbano. Ao se verificar no mapa, percebe-se ainda que a alta acessibilidade dos Territórios do tipo 4 contribui para seu bom desempenho, sendo pedaços próximos do centro e, principalmente dos corredores viários e de transporte. Essa atratividade locacional poderá ainda reforçada na possível implantação das Operações Urbanas Consorciadas previstas para a cidade. Os Territórios do Tipo 6 - Territórios atratores de renda alta e heterogênea apresentam os melhores resultados de percentual de viagens por motivo trabalho com menos de 30 minutos, indicando que há uma busca pela cidade mais próxima, mais coerente. Indica ainda que quando a barreira econômica desaparece, os mecanismos de localização e de mobilidade funcionem de forma mais indissociável ainda. O desempenho da parcela transporte do orçamento do tempo só não é melhor pelo aumento de viagens por dia para essa população. Porém, ainda são os Territórios que mais trazem impactos no trânsito, com percentual de modos coletivos e não motorizados baixos: 44,8%. Dentre eles, a Área Central eleva um pouco a média, com 62,3%, e os Territórios CS4 e P2 tendem a baixar a média, com 31,4% e 33,7% respectivamente. Porém, apesar da homogeneidade estar na base dos processos de produção do espaço, como já foi apresentado em capítulos anteriores ao se tratar das isotopias urbanas, ao se pensar na mobilidade urbana, a homogeneidade não é um resultado desejável. O que se busca, ao contrário, é a diversidade social e funcional dos espaços, pois pressupõe-se que contribuem para alcançar melhor padrão de mobilidade. E, mais à frente, será verificada se a homogeneidade social e funcional é fator positivo ou negativo para melhores resultados de mobilidade. 307 5.5 PISTAS DE NOVOS CAMINHOS: NOTAS METODOLOGIAS E SÍNTESE DOS “ACHADOS” A ideia de fechar esse capítulo com uma crítica propositiva à própria metodologia utilizada reforça o caráter inovador dessa proposta híbrida que se acredita ser uma das contribuições da tese. Pretende-se também deixar registrados os principais “achados” desse virtual “trabalho de campo” realizado através do Quase Atlas, ora confirmando e ora desmentindo ideias e intuições, mas para além disso, apontando possibilidades de caminhos e, dentre eles, justificar o caminho escolhido para finalizar a pesquisa no próximo e último capítulo. Se o primeiro movimento da tese registra as reflexões teóricas que procuram articular campos muitas vezes distantes – mobilidade urbana, perspectiva ambiental e sustentável, análises socioespaciais, urbanismo – e o segundo movimento registra a aproximação com a realidade da cidade de Belo Horizonte, fazendo leituras históricas, fotográficas e até alguns números iniciais, é este último movimento, especialmente no presente capítulo, que se fez a tentativa de levar as reflexões teóricas anteriores para o “mundo dos números” sobre Belo Horizonte. Esse hibridismo trouxe um risco em si: o de pretender confirmar com números as suposições e reflexões teóricas. E apesar de vários alertas deixados ao longo do texto, de que a intenção quantitativa era para dar um caráter mais exploratório que verificador, mais heterodoxo que ortodoxo, é possível que o uso de ferramentas tradicionais das análises quantitativas (números, mapas, gráficos e fórmulas estatísticas) tenha estimulado a expectativa de uma “comprovação” das ideias através dos números. O quase e o entre permearam a metodologia proposta, deixando-a sempre em aberto a possíveis aprofundamentos espaciais e numéricos, mas com cuidado de trazê-la de volta ao método das possibilidades analíticas. O transescalar e o transetorial foram sempre explorados, utilizando-se os pedaços dos Territórios como pivô dessa articulação entre campos e entre escalas. A comparação entre o Quase Atlas (sustentado por tabelas e possibilidades de gráficos e mapas) e um “trabalho de campo” pode parecer exagerada, mas tenta refletir um pouco da sensação de surpresa constante que a análise híbrida proposta trouxe à pesquisa. De um lado, a segurança que uma estrutura analítica racional (mapas, gráficos e tabelas) parece transmitir e de outro lado, a fragilidade dos próprios dados primários, principalmente da Pesquisa de Origem e Destino, mas até mesmo do Censo Demográfico. Assim como o espaço no conceito de Milton Santos, a metodologia proposta foi de fixos e fluxos, tendo de um lado, a constante 308 tentativa de enquadramento e síntese, de tipologias e de níveis de avaliação (quantis) e de outro lado, uma análise multidimensional e a um constante esforço de fazer análises mais dialéticas. Nesse duelo de forças distantes, onde precisão e subjetividade são questionadas, muitas possibilidades se abriram, impossíveis de serem registradas em texto. O simples manuseio do Quase Atlas demonstra que “podemos descobrir novas analogias, novos trajetos de pensamento” com fala Didi-Hubermann (2010) na citação já apresentada. O que se trouxe para o presente capítulo foi apenas parte desses trajetos, que se acreditou mais alinhados às reflexões teóricas propostas desde o início. Da mesma forma, do “mundo dos números” muitos trajetos foram deixados de lado, como por exemplo, uma análise mais detalhada da distribuição modal (percentual de viagens por modo de transporte) por motivo de viagem (trabalho, escola e compras) e a comparação com a escala metropolitana. O que se conclui, ao final, é que a tentativa de síntese de tantas variáveis (renda e sua diversidade, atratividade e diversidade funcional, tempos resultantes e distribuição modal) não se mostrou a melhor alternativa a ser seguida. A busca por uma homogeneidade multidimensional parece ser mais um fetiche técnico, inegavelmente funcional, mas que mantém a análise na escala macro do município, escala da cidade. Sem negar sua utilidade, o exercício de busca de tipologia multidimensional resultou em ajustes que, para além de melhorar a própria tipologia, ampliou as possibilidades de análise. No entanto, diversas dimensões interessantes ainda foram deixadas de lado, principalmente por não se encontrar variáveis que as sintetizassem, como a qualidade e quantidade dos espaços públicos e dos serviços de transporte. A esse ponto, a pergunta inevitável que se impõe trata dos possíveis trajetos metodológicos a serem propostos e percorridos na presente pesquisa ou em outras que se desdobrem. Um destes caminhos seria o aprofundamento da microescala, seja reproduzindo a análise em uma subdivisão dos Territórios, mostrando ao mesmo tempo sua homogeneidade e diversidade, conceitos antagônicos e complementares de leitura do espaço; ou seja no agrupamento de Territórios, especialmente o efeito do encontro dos extremos (alta renda e vilas e favelas) que ocorre entre Territórios da Regional Centro Sul e Oeste e que seguramente contribuem para a diversidade social e funcional de espaços vizinhos. Um terceiro caminho 309 metodológico parece ser o da exemplificação comparativa, onde se selecionam alguns Territórios que simbolizem os diversos tipos identificados para aprofundar semelhanças e diferenças entre esses pedaços, buscando explicações e proposições que resultem em pedaços “melhores”. Por fim, um quarto caminho menos ortodoxo seria explorar os pedaços com a liberdade do embaralhamento imagético, apenas iniciado ao se utilizar as imagens do Quase Atlas em outras configurações no início deste capítulo, mas que permitiriam liberdade para modificar sua configuração, em pilhas e constelações, fugindo das classificações definitivas, recolhendo “segmentos, trocos do parcelamento do mundo”, respeitando sua multiplicidade, sua heterogeneidade”, em uma metodologia de inspiração em Didi- Hubermann (2010). Considerando as possíveis relações entre metodologia e conceitos, muitos trajetos podem vir a ser seguidos como desdobramento da presente pesquisa, mas que seguramente a extrapolam. Essas quatro possibilidades metodológicas registradas giram em torno das abordagens conceituais levantadas, ou seja, da mobilidade como uma tríade de espaço- tempo-corpo, da indissociabilidade entre cidade e mobilidade (dos mecanismos de localização e de mobilidade) e da constatação de que a cidade se forma aos pedaços em um processo histórico de formação do palimpsesto espaço-temporal urbano. Estão influenciadas ainda por outras ideias que surgiram e que dão sentido à pesquisa, como a cidade lenta e a cidade rápida, o próximo e o distante e a cidade coerente, ideias essas que, como neste capítulo, buscam no tempo (e sua relação com espaço na forma de distância e de velocidade) um elo e um eixo que é capaz de articular as reflexões e de extrapolá-las, ampliando percepções e possibilidades. Seria a análise da mobilidade através do tempo uma abertura lefebvriana para entender e agir sobre esse sistema fechado? Antes de escolher e justificar o caminho que será seguido para conclusão desta tese, é útil um breve resgate dos “achados” registrados ao longo do presente capítulo:  Existem várias correlações entre renda e mobilidade, mostrando que as pessoas que moram em Territórios de maior renda, supostamente mais ricas, realizam mais viagens, 310 estas são mais rápidas que a média (principalmente por motivo trabalho) e realizadas de forma predominante em modos individuais motorizados;  Apesar das correlações entre tempos de viagem por modo e renda indicarem tendências, a maioria delas apresenta razão da tendência relativamente baixa, sendo que no transporte coletivo (especialmente ônibus) a razão é maior que nos outros modos, chegando a não haver variação para modo não motorizados e individuais motorizados;  É surpreendente constatar que as viagens por motivo escola têm comportamento de tempo inverso às demais, mostrando que em Territórios de menor renda os tempos são menores;  Se o tempo médio diário gasto pelas pessoas com seus deslocamentos apresenta tendência de diminuir para as pessoas com maiores rendas, o resultado surpreendente é que o percentual de pessoas que conseguem gastar apenas uma hora com esses deslocamentos se mantém relativamente estável (pequena razão de crescimento), tanto para Territórios com maiores rendas, quanto para os mais distantes;  Há fortes indícios de que, nos Territórios com maior renda, apesar das pessoas realizarem viagens mais rápidas, como as pessoas realizam mais viagens, acabam por gastar mais tempo de seus dias com deslocamento que as pessoas de alguns Territórios de renda mais baixa, e que realizam menos viagens e muitas por modos não motorizados;  Os Territórios foram constituídos com base em uma homogeneidade multidimensional, o que traz em si uma certa contradição e faz com que o resultado não seja a demarcação precisa de pedaços homogêneos, mas sim que esses pedaços tenham um equilíbrio entre certas homogeneidades;  Os Territórios com menor renda têm forte tendência a serem mais homogêneos (especialmente os de vilas e favelas) e vice-e-versa, sugerindo que é possível fazer uma qualificação única que inclua as duas dimensões: rendas médias e diversidade de renda;  A maioria dos Territórios é produtora de viagens, fazendo com que seus moradores tenham que sair diariamente em busca de outras oportunidades;  Nas vilas e favelas mais centrais, pelo fato das pessoas estarem mais próximas de oportunidades, elas parecem conseguir gastar menos tempo com deslocamentos, e conseguem um percentual de viagens em modos coletivos e não motorizados muito 311 positivo (84,1% em média). Porém, quando a vila ou favela se distancia das centralidades, passam a se comportar como um Território de baixa renda;  Os Territórios de renda baixa e média que são produtores de viagem) evidenciam como os efeitos da renda e da falta de atratividade são perversos para seus moradores;  O Territórios equilibrados e atratores de média e baixa renda confirmam que a existência de diversidade de uso pode melhorar os resultados dos tempos de mobilidade, principalmente aproximando oportunidades de emprego para mais pessoas, mesmo em patamares de equilíbrio;  Os Territórios de renda alta são atratores de viagens e apresentam os melhores resultados de percentual de viagens por motivo trabalho com menos de 30 minutos para seus moradores, indicando que há uma busca pela cidade mais próxima, mais coerente, que quando a barreira econômica desaparece, facilita que os mecanismos de localização e de mobilidade funcionem de forma mais indissociável ainda. Porém, são os Territórios que mais impactam a cidade, com percentual de modos coletivos e não motorizados baixos: 44,8%. Em suma, confirma-se que a homogeneidade, apesar de estar na base dos processos de produção do espaço, não é um resultado desejável para uma cidade com melhor mobilidade. Por sua vez, a institucionalização dos pedaços (áreas homogêneas, Territórios), acaba por reforçar essa homogeneidade. O questionamento das isotopias tem sido uma das questões fundamentais que orientou a pesquisa e constatou-se que a cidade se rende à homogeneidade social e funcional na maior parte de seus Territórios, motivados principalmente pela barreira da renda, que tanto contribui para as decisões de localização, quanto para as decisões de mobilidade. Mas se não há surpresa na constatação de que as condições urbanas e de mobilidade são melhores em pedaços de maior renda, a grande revelação desse capítulo é mostrar (talvez comprovar) que as pessoas de menor renda encontram estratégias para equilibrar a parcela do seu orçamento do tempo gasta com deslocamentos, o que parece justificar a tese da cidade coerente, que se contrapõe à cidade de proximidade, justamente por mostrar os efeitos das decisões das pessoas em relação à localização e mobilidade. 312 Com tantas possibilidades de caminhos, fez-se necessária uma escolha por um caminho para esse terceiro movimento que apresentou Belo Horizonte com seus fragmentos de um mesmo palimpsesto. Nesse sentido, parece mais coerente retomar o caminho conceitual percorrido e buscar as pistas para outra mobili(ci)dade, agora à luz da realidade socioespacial de Belo Horizonte percorrida no Quase Atlas e no “mundo dos números” utilizados neste capítulo. Com isso, abre-se mão de aprofundar as metodologias intuídas (algumas serão apenas vislumbradas), mas ganha-se em possibilidade de aprofundamento das ideias, pois será reforçado o conceito do tempo como articulador propositivo tanto de conceitos quanto de alguns números levantados para o Quase Atlas, que procuram contribuir no diálogo proposto entre o próximo e o distante a partir de três motivos de viagens: trabalho, escola e compras. 313 6 A CIDADE EM TORNO DOS TEMPOS: A (IM)PERFEIÇÃO COERENTE DOS PEDAÇOS E OS HOMENS LENTOS 6.1 DE VOLTA AOS CONCEITOS NA REALIDADE DE BELO HORIZONTE: A ETERNA BUSCA DOS PEDAÇOS (IM)PERFEITOS E OS TEMPOS, RITMOS E VELOCIDADES URBANAS Todo pensamento é movimento. O pensamento que estanca deixa produtos: obras, textos, resultados ideológicos, verdades. Cessou de pensar. [...] não apenas todo pensamento “é” um movimento de pensamento, mas também que todo pensamento verdadeiro é pensamento (conhecimento) de um movimento, de um devir. (LEFEBVRE, 1991b. p. 90). Uma pesquisa é essencialmente esse movimento/pensamento estimulado por intuições e constatações que surgem ao longo do tempo e que ora se confirmam, ora se negam, em um constante processo dialético. A dialética defendida por Lefebvre (1991b, p. 90-130) é um pensamento que se movimenta entre a verdade e o erro, entre o absoluto e o relativo, percebendo que o conhecimento é relativo e que a verdade se transforma em erro e este em verdade, da mesma forma que o desconhecido se transforma em conhecido e vice-e-versa. Como método, a dialética não separa o imediato do mediato e o abstrato do concreto, sendo o imediato, nas palavras de Lefebvre (1991b, p. 105), “todo conhecimento que não é obtido através de um processo, de um caminho que passa através dos ‘meios’, de etapas ‘intermediárias’”, que a “linguagem filosófica habitual” chama de intuição. Por sua vez, “a percepção que resulta de uma atividade prática e de um trabalho do entendimento, que já supera as sensações, já as unifica racionalmente, já lhes acrescenta recordações, etc., a percepção é um conhecimento mediato” (LEFEBVRE, 1991b, p. 107). O método dialético também se vale da análise por indução e dedução, sendo a indução o pensamento que “vai de um conjunto de fatos particulares a uma conclusão geral” (LEFEBVRE, 1991b, p. 121) e a dedução “vai do geral ao particular, extraindo de princípios ou ‘premissas’ gerais uma conclusão ou consequência” (LEFEBVRE, 1991b, p. 122, grifos do autor). A esta análise, que penetra o objeto e que não o respeita, que vai do complexo ao simples, do todo aos elementos, que mata o objeto, que divide suas dificuldades em tantas partes quanto for mais fácil resolvê-las, se opõe a síntese, que refaz o caminho inverso, reconstituindo o objeto. 314 Mas a síntese dialética supera a simples reconstituição do objeto a partir de seus elementos, já que não pode ser separada da análise e nem “dizer que elas devem se suceder ou se complementar”, pois o sentido da análise está no fato do concreto se apresentar de maneira sintética e o sentido da síntese é que “o real tende a se analisar, a produzir elementos ou aspectos [...] reunidos por uma ligação profunda” (LEFEBVRE, 1991b, p. 120-1). Porém, se a “lógica dialética” foi uma inspiração, há que se aceitar que a “lógica formal” está presente em diversos momentos da pesquisa - principalmente pelas limitações do pesquisador – e é preciso admitir que ela se situa entre a lógica formal e a dialética. Este último capítulo apresenta-se como um grande desafio ao se propor uma síntese dialética (essa síntese-análise) que seja capaz de articular os conceitos desenvolvidos na parte inicial da pesquisa - e que foram fundamentais para orientar e articular a leitura da cidade - com os resultados encontrados – constatados ou intuídos - pela aproximação dos processos socioespaciais da cidade de Belo Horizonte. A tentativa de articular as ideias centrais dos dois primeiros mo(vi)mentos da tese baseia-se em uma constatação e uma intuição que foram se fortalecendo ao longo do percurso desse movimento do pensamento da pesquisa: a constante busca dos pedaços perfeitos e a importância do tempo como dimensão articuladora (uma possível abertura lefebvriana) das políticas de mobilidade urbana. Constata-se que as proposições urbanísticas (sejam elas com objetivos explícitos de combater a cidade do automóvel ou não) utilizadas há muitos anos, giram em torno de busca inatingível de cidades perfeitas, mais especificamente de pedaços de cidade perfeitos, onde as relações entre cidade e mobilidade se “resolvem” pela transformação do espaço. Desde os primeiros subúrbios pautados em transporte público, ainda na virada do século XIX para o século XX, passando pelas ideias modernistas e a Cidade Radiante (Ville Radieuse, concebida em 1924 por Le Corbusier), pelas cidades novas (Villes Nouvelles francesas, espécie de subúrbios modernos) e chegando aos bairros ecológicos ou ecobairros europeus contemporâneos, o urbanista, especialmente europeu e mais ainda, urbanista francês, buscou resolver a cidade pelo espaço concebido para ser perfeito. A partir dessa constatação, longe de se defender a adoção de projetos urbanos como solução, busca-se entender os valores que movem esses processos para trazê-los para a realidade da análise dos pedaços da cidade propostos. 315 Logo, inicialmente apresenta-se o que está na base dessa busca pelo pedaço perfeito, uma certa utopia espacial que mais que atingir a perfeição, constitui-se em um processo dialético entre os fixos e fluxos do espaço social, que é preciso entender e evidenciar para fugir da fetichização do espaço (de seus fixos). No item seguinte, retoma-se, em outra escala, os pedaços imperfeitos do palimpsesto de Belo Horizonte, articulando-os com as análises quantitativas do capítulo anterior, dentro de uma estrutura que remete às análises qualitativas feitas anteriormente. Novamente, uma tentativa de inspiração dialética, onde a retomada da síntese, mais que fechar ideias, procurar abrir possibilidades de leituras (novas análises), com o olhar para a Ricópolis121 de Belo Horizonte, associação de oito Territórios de tipos extremos: alta renda e vilas e favelas. Uma das primeiras intuições do percurso desta tese, registrada no capítulo inicial, é de que o tempo deveria ganhar destaque ao se falar em mobilidade, juntamente com o espaço (naturalmente abordado em uma pesquisa no campo da geografia urbana) e o corpo (outra intuição, que sintetiza as decisões do sujeito e diferencia e caracteriza a mobilidade). A dimensão do tempo, expressa em termos de distância ou de velocidade (podendo se desdobrar em ritmo), é a essência da vida cotidiana da cidade e em torno do tempo giram ideias importantes de cidade, como a cidade compacta (de proximidade), a cidade lenta e a cidade coerente, conceitos provocativos que aparecem de forma recorrente ao longo de várias partes da tese. Considerar o tempo como uma interessante dimensão articuladora da mobilidade, talvez seja uma das principais contribuições (teórica e metodológica) da tese e pode vir a ser uma abertura para romper esse sistema fechado expresso nos círculos viciosos entre produção do espaço e mobilidade. O tempo como distância e seus limites no orçamento do tempo, parecem ser uma barreira que impediu que a exclusão espacial e o esgarçamento urbano não tenham aniquilado o cotidiano das pessoas obrigadas a viverem na cidade distante. Se o tempo foi de fato essa barreira - como os dados do capítulo anterior parecem mostrar para a realidade de Belo Horizonte -, pode vir a ser o elemento transformador, por sua reapropriação simbólica em ideias como “cidade a 30 minutos” ou “cidade a 30 km /h”, onde o tempo (como 121 Denominação provocativa criada para a presente análise, onde ricos e pobres convivem lado a lado, de forma segregada, mas sob a evidente dominação das camadas de maior renda, dos ricos, os “donos” de Ricópolis. 316 velocidade) também se presta a esse papel transformador do imaginário, que procura resgatar a cidade pedestre sufocada pela cidade motorizada. Resgatar o espaço-tempo-corpo da mobilidade urbana é resgatar a preocupação com os espaços públicos e seu potencial de heterotopia e se retomar a ideia da transição urbana e a passagem da cidade pedestre para a cidade motorizada, proposição teórica de Marc Wiel e que se viu refletida na evolução histórica de Belo Horizonte. E nesse ponto, a constatação se mistura com a intuição, pois foi o olhar para os pedaços da cidade que permitiu evidenciar que a cidade pedestre nunca deixou de existir e que dar luz a ela, pode ser um bom começo para resgatá-la. Em seguida, um item dedicado aos desdobramentos do tempo nas políticas públicas, apresentando-se um breve histórico das políticas temporais (ou políticas do tempo) europeias e de como essas políticas podem se relacionar com a mobilidade urbana, tanto pelo tempo/distância (tempo com raio de operação), tempo/velocidade (relação direta com o espaço percorrido) e tempo/ritmo, talvez a dimensão menos aprofundada, mas que é a essência da mobilidade urbana em sua cotidianidade. Essa tentativa de voltar aos conceitos através da síntese-análise dessas duas dimensões – pedaços e tempo -, configura-se uma escolha e um recorte que pretende contribuir para o aprofundamento das reflexões socioespaciais sobre a mobilidade urbana, ciente de que outras tantas questões interessantes são sempre deixadas de lado ao final de uma pesquisa desse porte. A força da síntese desses dois conceitos está na sua potência de articular a proposição da tríade espaço-tempo-corpo e a da indissociação entre mobilidade e cidade, com as leituras da cidade realizadas a partir daí. E, como toda síntese dialética, seu potencial está nas possibilidades analíticas decorrentes dessa articulação. Fecha a tese e o capítulo uma abordagem sobre as “pequenas práticas” sociais, de caráter mais metodológico, que as identifica como possíveis aberturas teóricas e práticas e condição para as apropriações desejadas. Apontar apropriações relacionadas aos processos de mobilidade, que se manifestam por “pequenas práticas” (individuais ou de pequenos grupos) e fazer uma reflexão sobre suas potencialidades de apropriação do espaço e do tempo da mobilidade cotidiana são feitas a partir de ações recentes de movimentos sociais relacionados ou não à mobilidade urbana, tanto em Belo Horizonte quanto em outras cidades brasileiras. 317 6.2 EM BUSCA DO PEDAÇO PERFEITO: DOS SUBÚRBIOS AOS ECOBAIRROS Antes de voltar a olhar para os pedaços de Belo Horizonte, cabe registrar uma constatação de que o urbanista (entendido aqui em seu sentido amplo de quem pensa e constrói – e reconstrói - a cidade) esteve sempre em busca da perfeição em forma de cidade ou de seus pedaços. De certa forma, toda cidade planejada e muitos dos pedaços planejados de cidade buscam essa perfeição, um espaço concebido que contenha a vida urbana e seu cotidiano, seja na escala de um bairro, de um subúrbio ou de cidades satélites122. Nessa longa história do urbanista criador de utopias concretas (apesar de real e concreta, talvez nunca realizada em seu desejo), talvez uma das primeiras ideias de construção de pedaços perfeitos tenham sido os subúrbios. Menezes (2009, p. 49, 104 e 211) traz um resgate histórico desde os proto- subúrbios (as Villas Suburbanas romanas) mostrando que ao longo de sua história, a ideia de subúrbio irá “se alternar entre o seu enfoque como local de enobrecimento de seus moradores ou de marginalidade social”, mas sempre mantendo um grande vínculo entre o pedaço de cidade produzido e a mobilidade, seja pela tentativa de associá-lo ao transporte público (com poucos exemplos de sucesso) ou pela preferência pelo transporte privado. Inacessibilidade foi tão importante quanto acessibilidade, pois foi esta dificuldade de acesso que facilitou seu caráter segregacionista e corroborou a sua associação a um símbolo de status e de ascensão social. A segregação é reforçada ao longo da história do subúrbio tanto pela opção de negação da cidade (os subúrbios ricos pensados para se aproximar da natureza e da vida em comunidade) quanto pela expulsão (subúrbios pobres que surgem como alternativa de acesso à terra). Essa mesma segregação impediu que esses subúrbios pudessem ser encarados como perfeitos ao olhar do urbanista moderno. As ideias modernistas de pedaços perfeitos são radicalmente expressas nos projetos-conceito de Le Corbusier nos anos 1920: Plan Voisin e Ville Radieuse (em tradução livre, plano de vizinhança e cidade radiante, que Menezes prefere denominar cidade contemporânea123), apresentados na Figura 61, Figura 62 e Figura 63. Menezes associa 122 Os três termos entendidos no sentido amplo. 123 “A cidade contemporânea: Modelo de cidade proposto por Le Corbusier para uma população de 3 milhões habitantes, sistema viário racional reduzido em 2/3 através da implantação de superquadras e distâncias maiores entre vias: 400m. Propunha três tipos de zonas residenciais, com moradias distribuídas, tanto no interior da cidade como no subúrbio, além de edifícios de 60 pavimentos” (MENEZES, 2009, p. 257). 318 o surgimento da disciplina de urbanismo a esse momento de reflexão sobre a cidade ideal, iniciada pelo higienismo (cidade ideal para os princípios da saúde pública) no final do século XIX, que trazia o desejo de articular as dimensões contraditórias do fenômeno urbano, com intenção de romper com os problemas das cidades do passado através do espaço concebido. Essa cidade moderna - sintetizada nas ideias de Le Corbusier - vai propor a separação entre os usos, grandes áreas livres, unidades de vizinhança, separação entre veículos e pedestres. E serve de inspiração para inúmeros projetos de cidades e bairros ao longo de todo o século XX. Figura 61 - Plan Voisin proposto por Le Corbusier para Paris (1925). Construção de um centro administrativo composto de Torres dispostas em um plano ortogonal, distantes de 400m e com 40.000 empregos cada torre. Apenas duas artérias de circulação possibilitariam o trânsito de automóveis e as demais áreas do centro seriam de circulação exclusiva para pedestres. O plano também previa habitações com áreas verdes e distinção de classes. Fonte: http://www.fondationlecorbusier.fr/ 319 Figura 62 – Ville Radieuse proposta por Le Corbusier (1925). A tese propõe construção ocupando 12% da superfície, disponibilizando 88% do solo para as pessoas, que são complementados pelos térreos dos prédios, construídos sobre pilotis. Unidades de habitação com 2.700 habitantes e em cada uma, serviço comuns: comércio local, creches, escolas, serviços de saúde. Fonte: http://www.fondationlecorbusier.fr/ Figura 63 – Ville Radieuse proposta por Le Corbusier (1925) – detalhes do projeto. À esquerda, o padrão de quadras de unidades habitacionais e à direita, detalhes de separação entre automóvel e pedestre por desnível. A rua não existe mais e a cidade volta a ser verde, com opções de lazer para crianças e adultos e uma vida convivial. Fonte: http://www.fondationlecorbusier.fr/ 320 Na prática, essas ideias modernistas são pouco implementadas antes da Segunda Guerra Mundial, mas após ela, com a necessidade de reconstrução da Europa, os grandes conjuntos habitacionais modernistas se espalham pelo continente. Em momento mais recente (1965 a 1980), surge na França um projeto que merece destaque, as Villes Nouvelles, de certa forma uma releitura atualizada da Ville Radieuse, e que foram implantadas na metrópole parisiense (Île-de-France) e em outras cidades francesas (Rouen, Lyon, Lille e Marselha124). Na Île-de- France, o projeto estava associado à construção de grandes linhas de trem regional (RER – Rede Expressa Regional) e autoestradas, que passaram a ser construídas após sua consolidação no Plano Diretor de Paris de 1965 (SDRIF - Schéma directeur de la région Île-de- France), conectando cidades existentes e essas novas cidades planejadas como centralidades, com certa autonomia para comércio, equipamentos (educação e saúde) e empregos locais. Para além das ideias modernistas que geraram as Villes Nouvelles, a solução da cidade a partir de um projeto urbano, de um conjunto habitacional ou um bairro passou a povoar os arquitetos e urbanistas europeus, e particularmente franceses. Cidades novas (Villeneuves) e Grandes Conjuntos (Grands Ensembles) foram se espalhando como soluções habitacionais e, de certa forma, se degenerando ao longo da década de 1970, perdendo sua parte mais interessante que era a diversidade social e funcional. A diversidade social é mantida de alguma forma através de políticas habitacionais pautadas em aluguel social e subsídio à moradia em diversos países que instauram o Estado de Bem-Estar Social, e não foi diferente na França. No entanto, a força do mercado valorizando os centros urbanos aliada à força da chegada de imigrantes, faz com que, a partir da década de 1980, esses projetos urbanos, mesmo os que foram bem planejados e executados passassem a simbolizar a exclusão social urbana, em um processo de “guetificação” (isolamento de populações de camadas sociais e origens similares), até culminar em revoltas populares lideradas por jovens sem muitas perspectivas sociais e com o recorrente uso da estratégia de queima de carros. Esse movimento ganha repercussão internacional em outubro de 2005, em Clichy-le-Bois, quando por dias seguidos revoltas populares queimaram carros em subúrbios franceses. Marc Augé (2010, p. 52) vai comentar 124 Nove Villes Nouvelles foram construídas na França, a partir da formação de uma Operação de Interesse Nacional, sendo cinco delas na Île-de-France: Cergy-Pontoise (1969), Évry (1969), Saint-Quentin-en-Yvelines (1970), Marne-la-Vallée (1972) e Sénart (1973). Em Lille, Villeneuve-d'Ascq (1969) ; em Lyon, L'Isle-d'Abeau (1972); Étang de Berre (1973) em Marselha ; e Vaudreuil/Val-de-Reuil (1972) em Rouen. Fonte: http://www.cdu.urbanisme.equipement.gouv.fr/avertissement-r8212.html. 321 esse momento, lembrando que “os incêndios de carros durante o final de semana são uma atividade regular de alguns bandos de jovens em certos subúrbios há vários anos [...] Durante a crise dos subúrbios’ o movimento ampliou-se consideravelmente, mas ele não era novo”. Apesar da constatação de um certo “erro a não se reproduzir” - termo utilizado por Chalard (2014) - na produção das Villes Nouvelles e dos insucessos sociais e políticos associados aos dos Grandes Conjuntos franceses, a ideia da busca da solução urbana pelo espaço concebido e seus pedaços perfeitos continua fortemente presente. Hoje em dia, essa busca, simbolizada pelos bairros ecológicos ou ecobairros europeus contemporâneos, ganhou, na França, status de Programa Nacional (instituição de um Prêmio Palmares e de um Selo Ecoquartier). A origem dos ecobairros está associada ao conceito de ecocontrução (ou ecoarquitetura) nos anos 1980, na Europa. Alguns bairros de cidades na Alemanha, Holanda e Áustria foram propostos e implantados por pessoas engajadas politicamente, muitas vezes mais se aproximando de vilarejos ecológicos (écovillage, em francês) com propostas de organização social alternativa. É o período que Souami (2011) denomina dos proto-bairros sustentáveis. Nos anos 1990 é que de fato são desenvolvidos protótipos de bairros sustentáveis, para em seguida (a partir do meio dos anos 1990), serem de fato implantados os bairros-tipo, dentre os quais, um dos mais conhecidos e difundidos é o bairro de Vauban, na cidade de Freiburg, na Alemanha. A ideia se estendeu por diversos países da Europa e Souami, em 2011, identifica na Europa, 43 bairros em dez países diferentes: Alemanha, Áustria, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Holanda, Itália, Reino Unido, Suécia e Suíça. Na França, identifica nesse mesmo ano 57 projetos de ecobairros instalados ou em construção. Em 2013, fruto de pesquisa realizada durante estágio sanduíche, foram registradas 119 experiências em todo o país (Figura 64). Ao analisar as diversas experiências já implantadas, conclui Souami que cada país e cada bairro tem suas próprias características, mas podem ser identificados pré-requisitos e etapas de implantação comuns. Os quatro pré-requisitos comuns: existência de um contexto econômico favorável; ser decorrente de (ou ao menos dialogar com) uma política ambiental existente; envolver os habitantes; e, encontrar um fator que estimule seu início. A possibilidade de construir bairros mais sustentáveis como estratégia inicial para transformação do espaço urbano coloca em evidência tanto o espaço quanto a escala deste 322 espaço. Um ecobairro é uma forma de ocupação onde se considera o espaço um bem raro e não renovável, ao invés de considerá-lo um ativo a valorizar, em função de oportunidade financeira ou econômica. Um ecobairro é um projeto de longo prazo, e se constitui de um lugar que se apoia em recursos locais e pretende contribuir para a sustentabilidade urbana. A escala de um bairro também parece ser um fator positivo para a apropriação do espaço, do tempo e do corpo. Um exemplo singelo, mas que ilustra bem esse potencial é da prioridade de uso das vias no bairro de Vauban, dada às crianças brincando, antes de qualquer modo de transporte. Figura 64 – Mapa dos projetos de ecobairros franceses (2013). Fonte: Elaboração própria. Dois documentos produzidos e publicados pela instituição francesa CERTU - Centro de Estudos sobre as Redes, Transportes, Urbanismo e Construções Publicas - apresentam uma análise relativa aos deslocamentos e aos espaços públicos nos ecobairros. A publicação Les déplacements dans les écoquartiers: de l'expérimentation aux bonnes pratiques (Os 323 deslocamentos nos ecobairros: da experimentação às boas práticas) de 2012, sob a direção de Martine Meunier-Chabert tem como questão principal analisar como os deslocamentos e a política de mobilidade são tratados nos projetos de ecobairros. A conclusão geral é de que os projetos de ecobairros, em sua grande maioria, possuem objetivo de criar territórios não dependentes do automóvel, propondo três alternativas ao uso do carro: (1) rede de transporte coletivo; (2) estímulo aos modos não motorizados; e (3) novos serviços de mobilidade. Conclui-se também que pouco inovam, com tímidas tentativas de novos serviços de mobilidade e proposição de instrumentos de acompanhamento das novas práticas, mas trazem o mérito de conseguir espacializar as políticas existentes de mobilidade sustentável. Porém, se há um enorme consenso em colocar em questão o lugar do automóvel, ainda pouco se avançou para conceitos mais radicais como bairros sem carros (car free). Outra ausência é no aprofundamento da “economia de estacionamentos” e das questões de logística urbana e circulação de mercadorias dentro dos bairros. Também registra o documento que se há evolução na integração modal e multimodal, poucos projetos são capazes de provocar um questionamento mais global da organização da cidade e seus deslocamentos. Por sua vez, a publicação Quels espaces publics pour les écoquartiers? Innovation et fondamentaux (Quais espaços públicos para os ecobairros? Inovação e fundamentação), de 2013, confirma a importância que os espaços públicos tem nos projetos de ecobairros, relatando como esses espaços são tratados, identificando seis grandes desafios para a concepção do espaço público dentro do projeto. O primeiro desafio é que esses espaços públicos consigam promover tanto a estruturação do bairro (tramas internas e ambientes variáveis) quanto a sua integração aos bairros vizinhos (conexões e portais). Devem ainda ser coerentes com a geografia do local (sua paisagem!) e com sua memória (preservando e valorizando patrimônio pré-existente), mas ser ainda capaz de criar novos referenciais simbólicos e nova paisagem. Os espaços verdes devem propiciar uma natureza para ver e viver, criando e valorizando espaços que respeitem e criem biodiversidade para se ver, mas também para se usar. Esses espaços públicos também devem compatibilizar um sistema viário multimodal com uma rua convivial, dosando qualidade e quantidade de espaço público disponível para: (1) estacionar e circular, limitando o uso do carro, não inviabilizando o bairro; (2) estimular caminhar e pedalar mesmo em espaços compartilhados com modos motorizados. Esses espaços públicos devem ainda conseguir que sejam para todos e tenham 324 lugar para cada um. Talvez o maior desafio para o arquiteto e seu “espaço concebido” seja conseguir que o projeto responda à diversidade de uso sem predeterminar as práticas e deixar aberta a possibilidade das intervenções dos habitantes. Deve ainda, sem deixar de marcar os limites entre espaço público e privado, prolongar os espaços públicos para os interiores das quadras. Por fim, pensando na sua manutenção, deve equilibrar a economia de recursos com generosidade do projeto: um bom espaço projetado pode estar condenado se não considerar elementos que facilitem sua manutenção ou se economizar antes para encarecer depois, mas não pode deixar de ousar e manter seus objetivos. A pesquisa realizada na França contemplou além do levantamento bibliográfico e caracterização das políticas públicas existentes, a visitas e entrevistas em oito ecobairros125. Uma das conclusões desse trabalho de campo foi a confirmação de que, para um bairro – e consequentemente um pedaço - chegar a ter condições de mobilidade urbana sustentável, deve ter, ao mesmo tempo: Qualidade urbana é entendida como alta densidade, diversidade social e funcional, que permita a proximidade de atividades (moradia, empregos, comércio e serviços). A qualidade dos espaços públicos é fundamental para dar prioridade de uso para os mais frágeis (crianças, pessoas com mobilidade reduzida, pedestres e ciclistas), menos espaço (vagas) para estacionamento e circulação de carros e facilidade para ter (bicicletários) e utilizar bicicletas. E, por fim, e não menos importante, a qualidade dos serviços de mobilidade, que incluem transporte público, carona, compartilhamento de carros e bicicletas públicas, acesso a bicicletas e carros elétricos, etc. Essas três dimensões foram utilizadas no Quase Atlas e complementadas nesse capítulo. Outra conclusão encontrada, difícil de mensurar, foi a constatação de que esses ecobairros não são tão diferentes de qualquer outro bairro de qualquer outra cidade. Alguns melhores, outros não. Em duas visitas realizadas à cidade de Grenoble, que possui um conjunto grande de ecobairros, e cinco deles foram visitados, o principal “achado” foram dois Grandes Conjuntos (Villeneuve de Grenoble e Village Olimpiques) implantados justamente ao lado de um dos ecobairros e que contribuiram significativamente para constatar a constante “busca do pedaço perfeito”. 125 Em Lille (L’Union), Grenoble (Caserne de Bonne, Vigny-Musset, Blanche Monier, ZAC Centre de Échirolles, Bastille de Fontaine), Lyon (Confluence) e Paris (Clichy-Batignolles). 325 Grenoble tornou-se uma espécie de Estudo de Caso que comprovou esse processo de busca da solução pela concepção de um espaço. Seu principal ecobairro, ganhador de prêmios, é o Caserne de Bonne, cujo plano geral está mostrado na Figura 65. Figura 65 – Mapa de localização do projeto do bairro de Caserne de Bonne, Grenoble. Fonte: http://www.debonne-grenoble.fr/index.php?/fr/Le-logement/Situation O projeto, realizado em 8,5 hectares de uma antiga caserna militar, próxima do centro da cidade, em uma friche 126 militar. Em realidade, o projeto abrange 15 hectares, pois se estendeu também para terrenos no seu entorno, permitindo a integração com os bairros vizinhos: um deles tipicamente urbanizado com os preceitos do século XIX, denominado na França como bairro haussmaniano127; outro mais moderno, dos anos 1950; e outro dos anos 1980, que é um projeto urbano de bairro social, similar a um Grande Conjunto, mas de menor tamanho, denominado Bairro Hoche (em vermelho na Figura) e construído em torno de um belo parque. Esse bairro, que pretendia a diversidade social funcional, foi se guetificando e 126 As friches são espaços produzidos que perderam sua função e ficaram decadentes, sendo mais comuns em antigos distritos e bairros industriais, mas também em áreas de estruturas ferroviárias. Alguns prédios são demolidos e outros mantidos como patrimônio historico, mas adaptados para outras funções. 127 Bairro influenciado e orientado pelas ideias contidas nas reformas urbanas de Paris promovidas por Haussman e que se caracteriza por edifícios de mesma altura e arquitetura similar e a existência de bulevares. 326 tornando-se “perigoso” para os padrões locais, apesar de sua ótima localização e concepção. Iniciado em 2004, Caserne de Bonne pretendia ter um bom desempenho ambiental, especialmente na performance energética dos prédios e antecipar a “cidade futura”, que se pretende compacta, econômica em espaço e em energia e integradora das funções urbanas de habitação, economia e espaços públicos. O projeto tinha uma intenção de diversidade social, com 35% de suas 850 habitações previstas para famílias de baixa renda, para idosos e para estudantes. Também procurou a diversidade funcional, com uso misto intenso, habitações, equipamentos públicos, cinema, escola, piscina, comércios, hotel, escritórios e parque. Inicia-se depois do projeto do ecobairro Vigny-Musset, utilizando-se do mesmo instrumento urbanístico denominado ZAC – Zone d'Aménagement Concerté (zona de intervenção concertada), criado em 1967 pelo código de urbanismo e que equivale a uma operação urbana consorciada. Para as ações fundiárias e para a implantação do projeto, foi criada uma Sociedade de Economia Mista, denominada SEM SAGES, e o custo total, segundo o dossiê de candidatura do projeto no prêmio Palmares, foi de 40 milhões de euros, com 2,5 milhões de subsídio do poder público, ou pouco mais de 5%. O bairro é bem servido por transporte público, com uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, o bonde “moderno”) a menos de 500 metros. Como a intenção era diminuir a necessidade de uso do automóvel, a quantidade de vagas para carros foi menor que o tradicional, em um estacionamento subterrâneo de 400 vagas, que é pago, mesmo por moradores. Os espaços públicos, mostrados na Figura 66 foram pensados como espaços de convivência e circulação de pedestres e bicicletas e, para diminuir conflitos com modos não- motorizados, foi implantada a zona 30 (com velocidade máxima de 30 km/h) nas ruas interiores do bairro. Existem vias cicláveis e locais para estacionamento de bicicletas tanto no meio do bairro, quantos nas ruas e no estacionamento subterrâneo, sempre gratuito. Foram várias visitas ao Caserne de Bonne, em horários e dias diferentes, destacando-se a grande animação da praça central e de todo o bairro. Desse ponto de vista, o sucesso do projeto é evidente e percebe-se que mais do que um bairro, foi criada uma pequena “centralidade” tanto pelo centro comercial, bares e cinema quanto pelos espaços públicos que visivelmente são utilizados por muitas pessoas dos bairros vizinhos. No entanto, paradoxalmente, a sensação é de um espaço controlado e excludente, pela sua alta qualidade 327 e por uma certa “estética de shopping center” (até pela forte presença do centro comercial). Os bares, restaurantes e lojas, são de cadeias internacionais, sem identidade com o lugar e a própria cidade. A arquitetura explicitamente “de concurso” 128 , com ênfase em fachadas coloridas e geométricas reforçam uma paisagem artificial. Figura 66 – Espaços públicos no ecobairro Caserne de Bonne, Grenoble. Um lago artificial, ao mesmo tempo separa a área comercial da residencial e as integra através de pontes e espaços contemplativos. A água que alimenta o lago surge como um riacho de pedras que é espaço lúdico. Usos e apropriações diversas da praça central: idosos, crianças e jovens. Fonte: Fotos próprias, 2013. 128 Termo comum na França para designar projetos arquitetônicos que privilegiam a fachada para facilitar “ganhar concurso”, mas que não consideram com a mesma igualdade outros aspectos do projeto. 328 A Figura 67 mostra algumas imagens internas ao bairro. O aspecto que mais impressiona no bairro Caserne de Bonne é seu espaço público, interno à quadra, entre o Centro Comercial, os prédios da antiga caserna (reconvertidos em habitação) e o os novos prédios. Essa grande praça, possui ambientes elementos que direcionam uma diversidade de usos perceptível a qualquer momento do dia, mas que também se alternam ao longo do dia. Figura 67 – Centro Comercial e Cour d’Honneur da Caserne de Bonne, Grenoble. Usos diversos da praça central: jovens e famílias. Praça interna à antiga caserna mostrando a fonte seca. Fonte: Fotos próprias, 2013. Posteriormente, a partir de entrevistas com responsáveis pelo projeto e por análise de uma pesquisa de avaliação realizada junto à população residente e usuários do local (VILLE DE GRENOBLE; ARGOS, 2012), pode-se perceber que os pontos fortes superam os fracos e que os 329 resultados pretendidos foram alcançados. Essa pesquisa trouxe questões interessantes a serem debatidas no contexto global dos ecobairros, sintetizadas a seguir:  Mesmo em ecobairros, parece haver uma importância grande dos fatores de localização para a decisão de onde morar: foi feita pergunta sobre os motivos que levaram a pessoa a morar neste bairro, o mais citado é a localização próxima ao centro (31%), que pode ser somada aos 10% de resposta à proximidade de local de trabalho/razões profissionais e estudo; a qualidade da habitação e do bairro (25%) vem em segundo lugar, seguida pelas razões de atratividade por ser bairro e construção sustentável (16%).  A qualidade dos espaços públicos parece estimular sua apropriação. Apesar da pesquisa não trazer um referencial comparativo, parece bem significativa a informação de que apenas 5% dos moradores jamais usam seus espaços públicos e que 27% usam todos os dias e 37% várias vezes por semana. E a diversidade desses espaços foi enfatizada como fator importante para seu uso, confirmando as observações no terreno.  O Bairro se transformou em uma centralidade local: confirmada pela pesquisa ao identificar que 36% dos vizinhos frequentam os bairros todos os dias e outros 36% o frequentam uma ou duas vezes por semana. Entre os motivos, além da predominância de uso do comércio (34%) e bares/restaurantes (10%), é significativo que 15% declarem que vão passear e 10% apreveitam os espaços verdes (a praça central).  A qualidade e as características dos espaços urbanos produzidos podem modificar os comportamentos. Na escala da vida cotidiana do bairro, parece que a experiência do Ecobairro Caserne de Bonne confirma a hipótese de que é possível interferir nos processos sociais a partir da produção de um espaço outro: 36% das pessoas declararam que adquiriram novos gestos ecológicos após se mudarem para um ecobairro e que o motivo principal dessa mudança foi por sua própria vontade (74%); a principal mudança de comportamento foi de economia energética (34%), seguida de perto por mobilidade sustentável (29%), ou seja, passar a andar a pé, de bicicleta ou de transporte público.  O ambiente construído e sua localização em relação às oportunidades da cidade e os serviços de mobilidade podem modificar significativamente o comportamento relativo à mobilidade urbana. Muito difícil será separar as causas do notável padrão de comportamento dos moradores no que se refere à mobilidade urbana, mas parece que o conjunto de respostas da pesquisa não deixam dúvidas sobre a importância – ao menos 330 parcial – do espaço produzido. Apesar dos moradores do bairro possuírem taxa de motorização similar à da cidade (69% possuem carro, sendo 19% com mais de um - a média de Grenoble é 67,6% e 14,9% respectivamente), terem disponibilidade de garagem (88%), surpreende que 80%129 das pessoas declararam ir ao trabalho em modos coletivos e ativos, sendo que a média da cidade é de 68%130, o que já é significativamente alta. A Figura 68 mostra vaga para carro compartilhado, ciclovias e paraciclos nas ruas do entorno do bairro. Figura 68 – Vaga para carro compartilhado, ciclovias e paraciclos nas ruas do entorno do bairro de Caserne de Bonne, Grenoble. Fonte: Fotos próprias, 2013. Muitas são as questões suscitadas pela visita e vivência a um projeto bem-sucedido e completamente implantado como o do Ecobairro de Caserne de Bonne, que juntamente com a comparação a outros projetos de ecobairros em Grenoble enriqueceram a avaliação e reflexão sobre esse tipo de intervenção. Para citar apenas um, Vigny-Musset, cujo plano geral está mostrado na Figura 69, foi construído a partir de 1995, antes do surgimento do conceito de ecobairros e inserido na proposta de construir uma cidade sustentável. 129 30% a pé, 25% de bicicleta e 25% de transporte público. 130 42% declaram andar a pé, apenas 5% de bicicleta e 21% de transporte público. 331 Figura 69 – Plano geral do bairro Vigny-Musset (marcado em preto). Pode-se perceber a leste a Villeneuve de Grenoble (vermelho, com eixo do bonde tracejado), projeto urbano dos anos 1970 executado com princípios modernistas (Ville Radieuse de Le Corbusier) e ao Sul (azul), o Village Olympique, dos anos 1960, executado com os mesmos princípios, mas resultado diferente. Fonte: http://www.aktis-architecture.com/projets/zac-vigny-musset.html. Tinha objetivo de contrapor o espraiamento urbano da região urbana de Grenoble, e responder à demanda habitacional, incluindo preocupações de inovação tecnológica construtiva, possuindo cerca de 2.000 moradias e mais de 5 mil habitantes, além de:  Diversidade social: 27% de moradia social (apesar de ser um bairro relativamente popular, possui um percentual de habitação social menor que o de Caserne de Bonne), com 120 moradias para pessoas portadoras de deficiência, 400 para estudantes (na França, essas residências estudantis se enquadram na categoria social e recebem subsídio do governo) e 80 para pessoas idosas.  Diversidade funcional: no interior do bairro foi construída uma escola fundamental e ao lado do parque Jardim dos Poetas, um polo de conhecimento denominado Cidade dos Territórios, apresentado na Figura 70, com 8.500 m2, faculdades de urbanismo, arquitetura e geografia. Foi construída e colocada à disposição dos habitantes uma sala partilhada de 150 m2, além de 5.500 m2 de área comercial, com previsão de 1.200 empregos. 332 Figura 70 – Faculdade Cidade dos Territórios em Vigny-Musset, Grenoble. Fonte: Fotos próprias, 2013.  Qualidade dos espaços públicos: além do parque “Jardim dos Poetas”, apresentado na Figura 71, que possui vários ambientes e que ocupa uma grande quadra central, uma das ruas centrais foi concebida como uma alameda arborizada e existem jardins internos às quadras, com mais de 2 mil m2 cada, compartilhados pelos moradores dos prédios da quadra. Além disso, um projeto paisagístico propôs arborização diferente para cada uma das ruas, que tem largura e características locais, mas que possuem vagas para carros. Figura 71 – Tratamento e usos do Jardim dos poetas em Vigny-Musset, Grenoble. A primeira visita ao bairro de Vigny-Musset foi em um final de tarde, momento em que o parque infantil estava em pleno uso, alguns moradores passeavam (o que se repetiu em todas as visitas) usufruindo dos espaços. Fontes: http://www.aktis-architecture.com/projets/zac-vigny-musset.html# e foto própria, 2013. 333  Acessibilidade e transporte: o bairro situa-se a 10 minutos de bicicleta do centro da cidade que podem ser percorridos em ciclovia e a linha de VLT passa a menos de 500 metros. Sem ser muito ousado, o projeto considerou a construção de menos vagas de carros por habitação (tanto internas quanto nas ruas) que o padrão. As ruas internas são protegidas do tráfego de passagem com definição de zona 30km/h e lombadas nos acessos e possuem ciclovias e áreas para pedestres. Algumas fotos na Figura 72. Figura 72 – Tratamento das vias do Bairro Vigny-Musset, Grenoble. No entorno, foram implantadas ciclovias, paraciclos (mobiliário para estacionar bicicletas) e tratamento para pedestres nas calçadas e travessias; nestas vias foram mantidas vagas para carros e há um estacionamento público que serve conjuntamente ao Village Olympique; entradas dos bairros, placas indicando a zona 30km/h. Fonte: Fotos próprias, 2013. 334 No projeto de Vigny-Musset, destaca-se a grande temporalidade do projeto, com um tempo longo entre a proposição, o desdobramento, a implantação e a incorporação deste novo espaço construído à cidade. Outra questão que se percebe é a hiperestrutura de gestão do projeto, completamente diferente de projetos imobiliários particulares do Brasil, mesmo se alguns elementos pareçam iguais (folhetos, cartazes, stands, sites). E, por fim, o entendimento que um projeto de ecobairro nada mais é que um “pacote de medidas”, que extrapola o projeto imobiliário, tornando-se hibrido com políticas urbanas que é, em alguns aspectos, parecido com o que se espera de uma Operação Urbana. Mas se a comparação entre esses dois projetos de ecobairros foi importante, paradoxalmente, a grande contribuição do Estudo de Caso de Grenoble para as reflexões sobre a cidade aos pedaços foi encontrada ao lado de Vigny-Musset: os bairros planejados de Village Olympique e Villeneuve de Grenoble. O primeiro, Figura 73, implantado para os jogos olímpicos de inverno de 1968, mostra nitidamente uma tentativa tímida de criar um bairro com diversidade social, decorrente de empreitada típica de grandes eventos, que deixa de “legado” à cidade, as habitações produzidas para atletas. Figura 73 – Vista geral do bairro Village Olympique na época da inauguração (1968). À direita, pode ser visto (seta) estádio olímpico, onde seria construído o bairro de Villeneuve de Grenoble. Fonte: http://villageolympiquegrenoble.blogspot.com.br/p/blog-page_18.html 335 Construído no local do Estádio Olímpico, que foi posteriormente desmontado, está a Villeneuve de Grenoble131, mostrada na Figura 74, é nitidamente um ousado projeto utópico com inspiração nos projetos-conceito de Le Corbusier. Seus grandes princípios muito se parecem com os ecobairros atuais e fazem o “elo” entre esses momentos históricos, comprovando a linhagem desses projetos urbanos. A circulação de pedestres foi concebida em total desnível em relação ao tráfego de veículos (similar ao apresentado na Ville Radieuse da Figura 63, conectando os térreos dos prédios em pilotis), o parque, os equipamentos implantados (creche, escola, centro de lazer, esporte) e as garagens centralizadas. Em 11 hectares de terreno, a disposição dos edifícios e casas respeita e protege (por outro lado, esconde) um amplo e belo parque, como visto na Figura 75. Figura 74 – Maquete e vista aérea do bairro Villeneuve de Grenoble. Fontes: https://fr.wikipedia.org/wiki/La_Villeneuve_(Grenoble) e http://forums.jeuxonline.info/attachment.php?attachmentid=141534&d=1314703449. 131 http://infovn.free.fr/sites/quartier.php#historique. 336 A habitação se dá em imóveis altos, permitindo forte densidade, em formato unilinear com ângulos que dão mais privacidade entre apartamentos, corredores servindo 30 apartamentos aproximadamente, com boa relação qualidade e preço e isolamento acústico. A diversidade social foi buscada misturando no mesmo prédio, apartamentos de aluguel social com proprietários por financiamento e apartamentos em tamanhos diferentes, pretendendo uma mistura econômica, cultural e de origens. A diversidade funcional com serviços para as pessoas no térreo: equipamentos públicos (escolas, colégio, creche e centro de saúde, centro de lazer, esporte, piscina, etc.), bem como lojas e mercados na parte central. Para complementar a utopia, as escolas com caráter experimental (pelo menos no início), a partir de acordo com Ministério da Educação e participação dos habitantes em comissões sobre o projeto. Figura 75 – Vistas do parque interno de Villeneuve de Grenoble. Fonte: Fotos próprias, 2013. No entanto, a história da Villeneuve de Grenoble mostrou uma gradativa fuga das famílias de 337 classes médias e a dominação por famílias de imigrantes mais pobres. O resultado foi de violência e mais fuga, culminando com as revoltas ocorridas em 2010 (similares às ocorridas em Paris em 2005, lideradas por jovens e com estratégia de queima de veículos, Figura 76). Figura 76 – Vistas de veículos queimados nas proximidades de Villeneuve de Grenoble. Fonte: Fotos próprias, 2013. Os insucessos sociais e políticos associados aos grandes conjuntos de habitat coletivo (‘cidades-jardim verticais’) dos subúrbios populares, dos quais se pode dizer que foram ficções realizadas da subdivisão do zoneamento urbano, levaram atores e agentes das políticas públicas a preferir um pensamento urbano mais processual e estrutural”. (AGIER, 2011, p.120). Mas será que Villeneuve de Grenoble também se enquadra nas categorias dessa constatação geral de Michel Agier? Parece ter sido um projeto criado para negar o subúrbio popular e o Grande Conjunto, com muitos elementos de diversidade e uma qualidade evidente de espaços públicos, e que poderia ter sido até mesmo outro destino, pois pela qualidade do parque e do entorno, tem vários elementos para passar por um processo de gentrificação, principalmente após a chegada do VLT (anos após sua inauguração) e de um grande shopping vizinho. Ou pode ainda, já que a Prefeitura tenta uma requalificação, que tenta trazê-lo para um novo paradigma: o de ecobairro. E esse parece ser o desejo de seus habitantes, já que nesse projeto de requalificação busca recuperar a atratividade do bairro, “abri-lo” para a cidade (os edifícios protegem o parque, mas afasta a cidade) e se tornar um ecobairro, conforme pode ser visto no material exposto no centro de convivência do bairro apresentado na Figura 77. 338 Figura 77 – Cartazes expostos no centro de convivência, com ideias da população para o Projeto de Requalificação de Villeneuve de Grenoble. Fonte: Fotos próprias, 2013. Ao longo das visitas, observações e entrevistas com moradores e técnicos da Prefeitura, algumas hipóteses de natureza mais conceitual foram testadas procurando relacionar deslocamentos sustentáveis com a tríade espaço-tempo-corpo. Buscou-se perceber se esses projetos, para além de um produto imobiliário (público e/ou privado) produzia de fato um espaço outro, entendido como um espaço vivido que se integre ao percebido e concebido, com apropriação real por parte de seus moradores e frequentadores. De certa forma, encontrou-se espaços que favorecem mais as relações sociais internas e externas, superando a tendência homogeneizante (e abstrata) do espaço urbano, com oportunidades de proximidade. Outra questão que se tentou perceber foi se haveria um tempo outro, entendido como um tempo também apropriado, diverso, que considere e respeite um tempo mais lento ao interior e na proximidade e possibilite a conexão rápida com o resto da cidade. Por fim, tentar perceber se esses ecobairros seriam capazes de mudar a percepção do corpo a se deslocar, principalmente do corpo de pessoas que escolhem o local de moradia e de trabalho, que escolhem sua mobilidade, se apropriam dos espaços públicos e se apropriam de seu próprio tempo de deslocamento, criando um corpo outro. 339 Mas o nível de contato (apenas observações e poucas visitas e entrevistas) com os bairros não permitiu fazer mais que suposições e, na maioria dos projetos, a impressão predominante é apenas de um bom projeto. Apesar desses ecobairros não terem se transformado em objetos centrais da tese, conhecê-los de perto contribuiu para a pesquisa. A junção das pesquisas de campo com o estudo da bibliografia e sites dedicados aos projetos (a maioria dos ecobairros possui um site ou, pelo menos páginas com material informativo) além de permitir as constatações apresentadas neste item, foram decisivas na estruturação do capítulo anterior e do Quase Atlas. 6.3 OS PEDAÇOS (IM)PERFEITOS DE BELO HORIZONTE: RICÓPOLIS OU UMA NOVA ESCALA DOS TERRITÓRIOS No item 4.3, foi apresentado um breve histórico da formação do palimpsesto da metrópole aos pedaços, identificando além da Área Central planejada, outros projetos urbanos, bairros, loteamentos e intervenções que marcaram a cidade pela formação de isotopias, tanto quanto as favelas que vão se formando nas ocupações e exclusões urbanas. Conclui que a história da ocupação da cidade poderia ser sintetizada em: espaços planejados pedaço a pedaço e cidades informais nas franjas, frestas e brechas. Essa cidade aos pedaços, concebida e planejada desde seu início - e rejuntada e remendada ao longo de sua formação - foi avaliada a partir da escala dos Territórios no capítulo anterior, que acaba por mostrar mais do todo que dos detalhes de cada pedaço desse palimpsesto. As constatações da formação da cidade apontam para forças de expulsão dos mais pobres no sentido da periferia e da região metropolitana - as franjas da cidade e da metrópole - apenas contrapostas pelas estratégias de ocupação das frestas, e das brechas por vilas e favelas e alguns loteamentos irregulares. Destacou-se o papel do Estado (mescla de ações e omissões) e do mercado imobiliário (formal e informal) que reforçou a exclusão e a formação dos pedaços homogêneos (isotopias) ao produzir lotes e imóveis estratificados para cada faixa de renda. Esse mesmo mercado produz novos espaços para populações de alta renda com grande homogeneidade, mais segregados, verdadeiros enclaves dependentes de modos de transporte individuais, que vem sendo implantados, principalmente no Eixo Sul da RMBH. 340 Nesse item, propõe-se um breve exercício de escala para esboçar uma das possibilidades metodológicas apontadas ao final do capítulo anterior, com o intuito de complementar a reflexão sobre o potencial da metodologia de análise proposta a partir da microescala e buscar mais pistas da indissociação entre cidade e mobilidade, sem pretender um diagnóstico mais detalhado, que exigiria novos desdobramentos. O que se busca é explorar as possibilidades de agrupamento de alguns pedaços para perceber melhor o efeito entre Territórios, especialmente o efeito do encontro dos extremos de alta renda (O1, O5, CS1, CS2 e CS4) com vilas e favelas132 (O3, CS3 e CS5). Desse encontro de extremos que ocorre a partir do Centro e em direção ao Sul e Oeste de Belo Horizonte, nasce uma simbiose urbana onde suas “frestas” e “franjas” são ocupadas por vilas e favelas, praticamente sem existência de “bairros” de baixa e média renda 133 . Essa espacialidade composta de um conjunto de 8 Territórios, mostrado na Figura 78, transborda em direção a municípios ao Sul, como Nova Lima e até mesmo Brumadinho, mas para efeito da análise presente, será limitado ao município de Belo Horizonte (critério estabelecido como limite da análise desta tese). Esse novo pedaço, denominado provocativamente de Ricópolis (pela alta concentração das classes altas da cidade), ocupa 15,6% da superfície do município, com 18,5% da população, conforme mostra a Tabela 13, com dados agregados de caracterização dessa nova espacialidade. Seus limites concentram 30,7% dos imóveis residenciais registrados nos cadastros da Prefeitura e 64,0% dos imóveis não residenciais cadastrados. Sua taxa de motorização é maior que a média da cidade, inclusive com mais bicicletas, porém com menor quantidade de motocicletas por domicílio. Obviamente, por conter o Hipercentro e toda a Área Central, possui alta atratividade, com 88,8% mais viagens atraídas que geradas. 132 Parte do Território L4 poderia ser incluída, mas por sua extensão territorial, preferiu-se deixa-lo de fora). 133 “Bairro” aqui está sendo usado deliberadamente como sinônimo de uma urbanização mais tradicional, apesar de termos o entendimento que vilas e favelas são bairros como qualquer outro. 341 Figura 78 – Mapa de Ricópolis, agrupamento de 8 Territórios de alta renda e vilas e favelas. Fonte: Elaboração própria. Tabela 13 - Caracterização de Ricópolis, agrupamento de cinco Territórios de alta renda com três de vilas e favelas (valores comparativos com Belo Horizonte). Ricópolis Em relação a BH BELO HORIZONTE Pop_2010 440.237 18,5% 2.375.151 Área (km²) 51,74 15,6% 332,72 N° de imóveis residencial 168.858 30,7% 550.723 N° de imóveis não residenciais 84.879 64,0% 132.540 N° de imóveis territoriais (Lotes vagos) 8.525 15,8% 53.805 Densidade residencial (imóveis/km²) 3.263,6 cerca de duas vezes maior- 1.655,2 Densidade não residencial (imóveis/km²) 1.640,5 cerca de quatro vezes maior- 398,4 Bicicletas por domicílio 0,15 94,6% 0,16 Automóvel por domicílio 0,88 122,5% 0,72 Motocicleta por /domicílio 0,09 62,5% 0,14 % das viagens destinadas sobre as viagens originadas 88,8% quase sete vezes maior 12,9% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). 342 Se a análise agregada mostra a força e a concentração dessa Ricópolis, olhar para os dados de renda comprova a diversidade social resultante quando se rompe as fronteiras entre a cidade formal e a informal. Em um espaço com o dobro da renda média da cidade, convivem com relativa harmonia grandes diferenças sociais, onde estima-se que a renda média134 dos 20% mais ricos é 14,9 vezes maior que a renda média dos 20% mais pobres, valor bem superior à desigualdade do resto da cidade (onde a relação é 10,6 vezes maior) conforme pode ser visto na Tabela 14 que contém valores de cada Território, evidenciando a diferença entre eles. Tabela 14 - Caracterização da Renda de Ricópolis (agregação de 8 Territórios). Terr. Pop 2010 Densidade (2010) Renda média per capita 20% + pobres 20% + ricos + ricos/+ pobres Territórios de alta renda CS1 76.266 9.545,0 3.582,03 1654,15 6239,64 3,77 CS2 79.082 6.093,6 3.934,62 2071,92 6860,50 3,31 CS4 54.461 8.721,2 3.552,67 2576,31 4712,79 1,83 O1 98.898 11.087,4 2.032,26 922,39 3650,92 3,96 O5 17.804 3.556,1 2.795,56 1689,78 3492,70 2,07 Territórios vilas e favelas CS3 44.627 20.082,0 380,56 278,40 492,52 1,77 CS5 19.469 29.702,8 501,30 320,13 827,41 2,58 O3 24.359 17.802,4 388,22 272,46 638,16 2,34 Ricópolis 414.966 8.508,7 2.525,95 364,97 5437,17 14,90 Total BH 2.375.151 7138,5 1,197,94 306,26 3245,33 10,60 Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). A análise da mobilidade resultante nessa Ricópolis, através da distribuição modal de todas as viagens, viagens a trabalho (Tabela 15), viagens para escola e compras (Tabela 16), comprovam as correlações identificadas anteriormente entre modos e renda (quanto maior a renda, maior a partição de modos individuais motorizados e quanto menor a renda, maior uso de modos coletivos e não motorizados). O que mais chama a atenção dessa Ricópolis é evidenciar a tendência para a qual a cidade inteira está caminhando, com metade das viagens 134 Utilizou-se os mesmos dados e metodologia do Quase Atlas, com a renda desagregada de setores censitários. 343 em modos individuais motorizados, situação que tende a se agravar na medida em que parte expressiva da expansão dispersa metropolitana se dá em padrões semelhantes. Tabela 15 – Distribuição modal de Ricópolis para todas as viagens e motivo trabalho. Terr. Todos os motivos (% de cada modo em relação ao total de viagens) Viagens por motivo trabalho (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Não motorizados Coletivos Individual motorizado Não motorizados Coletivos Individual motorizado CS1 47,0% 15,2% 37,7% 42,9% 16,3% 40,7% CS2 25,0% 11,8% 63,2% 17,2% 9,2% 73,7% CS4 20,5% 10,7% 68,6% 17,1% 9,8% 72,8% O1 24,4% 21,4% 54,1% 18,2% 16,2% 65,4% O5 22,6% 17,6% 59,8% 12,1% 7,2% 80,6% CS3 50,7% 37,5% 11,8% 21,3% 58,7% 20,0% CS5 61,6% 23,7% 14,7% 56,8% 26,8% 16,5% O3 44,8% 31,9% 23,3% 35,2% 28,6% 36,3% Ricópolis 33,4% 17,8% 48,8% 24,6% 17,3% 58,0% BH 35,2% 28,0% 36,8% 23,6% 31,6% 44,8% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Tabela 16 – Distribuição modal de Ricópolis para motivos escola e compras. Terr. Viagens por motivo escola (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Viagens por motivo compras (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Não motorizados Coletivos Individual motorizado Não motorizados Coletivos Individual motorizado CS1 50,9% 19,3% 29,8% 56,5% 11,4% 32,1% CS2 33,7% 20,4% 45,9% 32,1% 8,5% 59,4% CS4 17,1% 23,1% 59,8% 36,3% 12,5% 51,1% O1 28,0% 35,2% 36,7% 43,4% 12,2% 44,4% O5 36,2% 35,7% 28,1% 37,1% 7,4% 55,5% CS3 77,9% 21,4% 0,7% 80,9% 19,1% 0,0% CS5 76,8% 19,7% 3,4% 75,3% 16,9% 7,9% O3 50,7% 37,3% 12,1% 89,1% 10,9% 0,0% Ricópolis 43,4% 25,8% 30,8% 45,1% 11,1% 43,8% BH 48,6% 30,1% 21,2% 49,7% 16,8% 33,5% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). 344 Em seguida, foram analisados os resultados de atratividade, parcela transporte no orçamento do tempo e tempo de viagens (Tabela 17), que mais uma vez comprovando as tendências anteriormente identificadas de que as pessoas tomam decisões de localização e mobilidade coerentes, evitando gastar muito tempo de suas vidas se deslocando. Na média, em Ricópolis, cidade de extremos, as pessoas gastam pouco mais de uma hora (1h06m26s) ou 15 minutos a menos que a média de Belo Horizonte. No entanto, 47,9% das pessoas conseguem gastar menos de uma hora ao dia, número equivalente à média da cidade (48,8%). Fica mais uma vez nítida que nas vilas e favelas (Territórios CS3, CS5 e O3), ao contrário do que se supõe, as pessoas conseguem gastar menos tempo de seus dias com mobilidade. Tabela 17 - – Caracterização das variáveis relativas ao tempo em Ricópolis. Terr. Viagens destinadas/ originadas Budget Tempo % de viagens realizadas em menos de 30 minutos % menor uma hora Média Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado CS1 219,8% 56,1% 01:03:32 77,9% 95,6% 34,8% 73,1% CS2 12,9% 53,9% 01:05:46 73,0% 94,5% 32,2% 72,0% CS4 10,7% 46,1% 01:23:28 67,0% 94,8% 23,4% 65,7% O1 22,3% 47,9% 01:10:21 63,6% 93,0% 27,5% 64,6% O5 70,5% 41,7% 01:20:27 57,7% 92,9% 25,2% 54,0% CS3 - 56,0% 50,5% 01:31:48 61,5% 85,1% 19,8% 92,4% CS5 - 49,1% 59,2% 01:13:00 70,7% 87,7% 21,5% 78,7% O3 - 58,7% 59,9% 01:12:49 69,9% 91,2% 43,7% 64,8% Ricópolis 88,8% 47,9% 01:06:28 64,0% 85,7% 26,9% 65,9% BH 12,9% 48,8% 01:22:14 63,3% 94,3% 19,9% 66,8% Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). A grande surpresa surge nos dados de origens e destinos das viagens apresentados na Tabela 18 e Tabela 19, elaboradas apenas com as viagens realizadas pelos moradores dos oito Territórios e originadas nas residências. Verifica-se que 82,0% das viagens são destinadas a algum dos Territórios internos à Ricópolis, 13,6% a outro Território de Belo Horizonte e apenas 4,4% a algum município da RMBH. 345 Tabela 18 – Origens e destinos (agrupados) em Ricópolis. Origem\Destino Ricópolis Resto BH RMBH Total CS1 123.527 83,1% 18.939 12,7% 6.196 4,2% 148.662 CS2 107.292 84,9% 14.770 11,7% 4.252 3,4% 126.313 CS4 72.732 84,4% 8.308 9,6% 5.085 5,9% 86.125 O1 85.650 73,7% 23.921 20,6% 6.591 5,7% 116.162 O5 41.121 77,3% 8.854 16,6% 3.222 6,1% 53.197 CS3 42.838 86,4% 5.322 10,7% 1.436 2,9% 49.596 CS5 20.892 88,4% 2.218 9,4% 519 2,2% 23.629 O3 20.268 86,6% 2.850 12,2% 290 1,2% 23.408 Total 514.320 82,0% 85.182 13,6% 27.590 4,4% 627.092 Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Tabela 19 - – Origens e destinos das viagens internas em Ricópolis. Origem CS1 CS2 CS4 O1 O5 CS3 CS5 O3 Total CS1 100.479 (81,3%) 7.985 6.604 3.357 3.595 578 928 123.527 CS2 45.720 45.947 (42,8%) 6.306 2.544 4.276 1.808 212 478 107.292 CS4 39.483 5.861 22.497 (30,9%) 2.116 2.346 394 35 72.732 O1 32.317 3.701 4.526 40.361 (47,1%) 3.892 121 732 85.650 O5 13.125 2.582 2.601 3.458 18.995 (46,2%) 109 252 41.121 CS3 9.895 12.153 84 156 178 20.372 (47,6%) 42.838 CS5 3.224 2.449 7.034 369 665 6.928 (33,2%) 222 20.892 O3 4.040 159 2.632 9.448 1.012 146 2.831 (14,0%) 20.268 Total 248.282 81.004 52.284 61.809 34.960 22.180 8.489 5.479 514.320 Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). 346 Essa alta autonomia dos moradores de Ricópolis também se repete quando observa-se as viagens separadas por motivo, com 76,9% das viagens por motivo trabalho ficando na própria Ricópolis, 82,6% por motivo escola e 93.1% por motivo compras. No entanto, é bom lembrar que essa evidente centralidade “depende” de moradores de outros locais da cidade e da RMBH, pois o total de viagens destinadas é 88,8% superior às viagens originadas. Esse exercício de escala nesse “novo” pedaço, parece indicar a potencialidade da metodologia de análise da cidade aos pedaços proposta. São confirmações e surpresas que ajudam a entender a resultante dos processos de localização e mobilidade e mostrar em que grau a população encontra-se “bem localizada” e essa é uma das possibilidades de desdobramento, inspirada mais uma vez na pesquisa A Cidade coerente (KORSU, MASSOT e ORFEUIL, 2012). Se o conceito de cidade coerente colocou os tempos (de viagem e orçamento do tempo) em destaque, esta pesquisa francesa foi bem além disso, fazendo simulações de relocalização das famílias135 e da mobilidade resultante, tocando em questões importantes, mas no contexto da metrópole parisiense: a menor redução do uso do carro nas simulações do que esperado, a confirmação do papel central do preço dos imóveis (e das políticas de habitação, aí incluindo o aluguel social) e da concentração de empregos para a localização, temas que podem ser consideradas possibilidades para futuras pesquisas em Belo Horizonte. Outras possibilidades de aplicação da metodologia de olhar aos pedaços podem ser pensadas, como: olhar a microescala interna de cada Território, através de seus bairros; criar novas espacialidades de geometria mais variável, agrupadas com critérios menos de gestão (como foi o dos Territórios) e mais de acessibilidade; propor outros agrupamentos de Territórios. Mas para além de explorar a metodologia pelas possibilidades de escala e agrupamentos, o principal desdobramento parece estar no potencial de uso dessa metodologia para desenvolver ações transetoriais em cada pedaço, em busca da melhoria da sua mobilidade (e não de sua perfeição). Espera-se ter sido bem evidenciado que a junção (pacote) de medidas aplicadas a uma determinada espacialidade parecem ser a melhor forma de se buscar efeitos na mobilidade, e que não se deve restringir a solução apenas aos serviços de transporte. Se a diversidade social e funcional são efeitos de políticas urbanas macro – e de longo prazo -, a 135 O termo usado em francês é ménage, que significa casal e por extensão a família ou o domicílio. 347 qualidade dos espaços públicos parecem ter uma temporalidade mais próxima, para serem sempre associadas aos projetos de transporte. Por fim, apenas como um destaque, quando se trata de pedaços com diversidade social e funcional, nada mais se está buscando que contribuir para que cada pedaço tenha características mais próximas de heterotopias que de isotopias, mesmo que o exemplo de Ricópolis tenha mostrado a enorme força da segregação ainda em vigor em Belo Horizonte e que, se são encontradas características de heterotopia no agrupamento de pedaços, essas são resultantes ainda das isotopias tradicionalmente formadas na cidade. 6.4 A FORÇA É DOS LENTOS: O MITO DA TRANSIÇÃO URBANA E O RESGATE DA CIDADE PEDESTRE SUFOCADA PELA CIDADE MOTORIZADA No item 4.2, denominado A transição urbana: da cidade pedestre à cidade motorizada, foi constatado o processo por que passou Belo Horizonte desde seu início, quando ainda era uma cidade pedestre, sem carros e sem transporte até os tempos atuais, em que a cidade motorizada praticamente sufocou a cidade pedestre. Apesar de ser uma ideia que sintetiza o que ocorreu na cidade, os números apresentados no Quase Atlas mostram que essa transição urbana foi incompleta, com a “resistência” de alguns Territórios, onde o caminhar ainda é predominante e seus bairros ainda poderiam ser caracterizados como bairros pedestres. Nesses Territórios, se a produção do espaço afastou as pessoas das oportunidades de trabalho, resta uma cidade de proximidade, talvez reconquistada a partir de políticas de descentralização colocadas em prática desde o Plano Diretor de 1996, comprovados quando se avalia as viagens por motivo escola e compras136. Além disso, na Ricópolis, as vilas e favelas centrais são verdadeiros enclaves de cidades pedestres em uma cidade automóvel na sua relação simbiótica com os bairros de maior renda do entorno. Será que a conclusão de que Belo Horizonte foi transformada em uma cidade automóvel não serviria mais para impedir e dificultar o reconhecimento dessa cotidianidade sufocada do que 136 As análises foram realizadas apenas para três motivos que são mais relacionados à análise pretendida da cidade próxima e cidade distante: trabalho (40,3% do total de viagens), escola (26,3% do total de viagens) e compras (5,7% do total de viagens). Juntos, representam 72,3% das viagens realizadas por moradores de Belo Horizonte. 348 contribuir para a busca de uma sustentabilidade? Valorizar e destacar nos pedaços da cidade o potencial da proximidade não poderia ser uma possível abertura para esse debate e talvez um atalho na busca da sustentabilidade? A Tabela 20 apresenta a distribuição modal por motivo de viagem e por tipo de Território, evidenciando a importância dos modos não motorizados nas viagens por motivo escola, principalmente em Territórios dos tipos 1 e 2, que representam mais de um terço da população da cidade e alcançam patamares de 56,3% e 66,9% do total de viagens com esse motivo. Com comportamento oposto, os Territórios do tipo 6 (atratores de renda alta e heterogênea) apresentam apenas 32,9% das viagens por motivo escola em modos não motorizados (e 39,5% em modos individuais motorizados) e esses valores só não são mais favoráveis aos modos individuais motorizados pela inclusão da Área Central137 no grupo do tipo 6. As viagens por motivo compras seguem comportamento similar, com predominância de modos não motorizados, incluindo ainda os Territórios do tipo 3 (renda média produtores de viagem) no grupo dos que possuem mais viagens não motorizadas e, de forma geral, menor uso do transporte coletivo. Esses resultados são diferentes das viagens por motivo trabalho, para as quais fica evidente uma distribuição modal mais dependente do transporte coletivo no Territórios de menor renda (incluindo baixa e média renda) motivada por um distanciamento físico das oportunidades e que causa maiores tempos de viagem para essas populações. A exceção se dá apenas nas favelas e nos Territórios de renda baixa e média que são atratores de viagens (tipo 1 e tipo 5): 33,7% e 26,9% das viagens por motivo trabalho são realizadas em modos não motorizados, respectivamente. A possível explicação para esses resultados é a localização estratégica das vilas e favelas centrais e a maior quantidade de empregos nos Territórios atratores do tipo 5. Surpreende o significativo uso do transporte individual motorizado para trabalho (aí incluída a moto) em todos os Territórios (mesmo nas vilas e favelas, com 23,6% das viagens) onde se destacam os 66,3% de viagens nos Territórios de alta renda. 137 O Território CS1 (Área Central) tem 50,9% das viagens por motivo escola em modos não motorizados, enquanto o CS4 tem apenas 17,1%. 349 Tabela 20 - – Distribuição modal das viagens por motivo e por tipo de Território. Tipo 1 2 3 4 5 6 BH Distribuição modal das viagens (todos os motivos) Não motorizados 49,0% 38,5% 35,8% 33,0% 37,5% 26,4% 35,2% Coletivos 34,3% 34,1% 30,9% 29,7% 28,3% 17,1% 28,0% Individual motorizado 16,6% 27,3% 33,3% 37,3% 34,1% 56,5% 36,8% % das viagens por motivo trabalho 40,3% 40,6% 40,9% 41,0% 40,0% 39,8% 40,3% Distribuição modal das viagens por motivo trabalho Não motorizados 33,7% 21,7% 24,3% 25,0% 26,9% 19,4% 23,6% Coletivos 42,7% 41,4% 37,9% 31,8% 31,5% 14,3% 31,6% Individual motorizado 23,6% 36,7% 37,8% 43,3% 41,6% 66,3% 44,8% % das viagens por motivo escola 34,2% 29,0% 22,9% 25,2% 26,3% 24,1% 26,3% Distribuição modal das viagens por motivo escola Não motorizados 66,9% 56,3% 44,5% 40,3% 51,6% 32,9% 48,6% Coletivos 26,9% 30,7% 34,4% 35,8% 27,6% 27,6% 30,1% Individual motorizado 6,2% 12,9% 21,1% 23,7% 20,8% 39,5% 21,2% % das viagens por motivo compras 3,1% 4,5% 6,3% 6,0% 5,4% 7,4% 5,7% Distribuição modal das viagens por motivo compras Não motorizados 67,5% 51,4% 54,8% 47,0% 49,3% 38,3% 49,7% Coletivos 20,8% 23,1% 16,4% 21,7% 18,6% 12,2% 16,8% Individual motorizado 11,7% 25,5% 28,8% 31,3% 32,1% 49,5% 33,5% Em negrito, alguns destaques de valores acima das médias. Fonte: Elaboração própria a partir de ARMBH (2012) e PBH (2015b). Essa análise das viagens por motivos e modos parece confirmar as falhas da distribuição das atividades/oportunidades no espaço urbano. O resultado da análise das viagens para estudo mostra que há uma razoável distribuição dessas atividades em Belo Horizonte, fruto de políticas de descentralização de equipamentos e de política de desconcentração, que se ainda apresentam falhas (notadamente no estudo de ensino médio, pré-universitário e superior, muito concentrado na área central ou em pontos isolados da cidade) parecem conseguir criar possibilidades de cidades de proximidade para boa parte da população. No entanto, mostra também a falta de opção dessas populações, vinculadas à escola de seu bairro, que quando conseguem maior renda, acabam por optar por escolas privadas e, juntamente com essa 350 decisão, optam por maior uso dos modos individuais motorizados. As viagens por motivo compras seguem a mesma tendência, apesar de algumas conhecidas carências de centralidades locais que podem ser vistas nos números por Territórios apresentados no Quase Atlas, onde Territórios como L2, classificado como vila e favela, apresenta apenas 24,8% de suas viagens por motivos compras realizadas em modos não motorizados. Essas carências de centralidades foram a principal justificativa para a proposta levada pela Prefeitura à IV Conferência de Política Urbana, em 2014, para fortalecimento das centralidades em três níveis: local, intermediária e regional. Por fim, talvez o mais importante, apesar de já bem conhecido, tem-se a comprovação dos efeitos da falta de uma melhor distribuição de empregos/oportunidades. Em todos os tipos de territórios, as viagens por motivo trabalho são extremamente dependentes de viagens motorizadas. Até nas vilas e favelas, 66,3% (duas em cada três viagens) das viagens para trabalhar são em modos motorizados (coletivos ou individuais) e nos demais tipos de Territórios, os números oscilam entre 75 a 80% (mais de três em cada quatro viagens): 78,3 (tipo 2), 75,7% (tipo 3), 75,0% (tipo 4), 73,1% (tipo 5) e 80,6% (tipo 6). O efeito perverso se dá no tempo das pessoas que dependem mais do transporte coletivo, ainda pouco priorizado na circulação e com o dobro do tempo de viagem médio em relação ao individual. Esses números, complementares à análise quantitativa do capítulo anterior, trazem alguma luz a esse grande campo cego138 das análises de mobilidade urbana: a cidade pedestre. Dar luz às cidades pedestres que resistem, verdadeiros campos cegos das políticas urbanas, pode ser importante para transformar essa cidade automóvel em uma cidade sustentável? Entre os campos, que não são aprazíveis, mas campos de forças e de conflitos, existem campos cegos. Não somente obscuros, incertos, mal explorados, mas cegos no sentido em que há, na retina, um ponto cego, centro da visão e, contudo, sua negação. Paradoxos. O olho não se vê. Ele necessita de um espelho. O ponto central da visão não se vê, nem sabe que é cego. Esses paradoxos não se estendem ao pensamento, à consciência, ao conhecimento? (LEFEBVRE, 2008, p. 35, grifo do autor). 138 Um ponto cego, por definição, é uma área fora da visão por motivos fisiológicos (é o ponto de junção do nervo ótico na retina) ou óticos (o ponto que o motorista não enxerga olhando diretamente e nem através dos retrovisores). Aqui, o campo cego é a ampliação desse conceito para o campo das ideias e busca inspiração em Lefebvre (2008, p.35). 351 O campo cego de Lefebvre é o urbano (o espaço urbano, a paisagem urbana), ainda não visto, ofuscado pelo rural (os subúrbios e casas ajardinadas) e pelo cotidiano industrial (casas funcionais, “trajetos monótonos e obrigatórios”). No dizer de Lefebvre, o urbano reduz-se ao industrial! Apesar de tomarmos esse interessante e importante capítulo de Lefebvre em A revolução urbana mais como uma analogia e inspiração metodológica (nesse caso, método de pensamento), não parece sem sentido alinharmos o resgate da cidade pedestre ao urbano lefebvriano. Como método, Lefebvre defende que o “que existe no campo cego é o insignificante, cujo sentido será atribuído pela pesquisa”, pois “esses campos são campos: eles se oferecem à exploração. Eles a aguardam. São virtualidade para o conhecimento e possibilidade para a ação” (LEFEBVRE, 2008, p. 37, grifo do autor). Como campo, o urbano, síntese da superação da cidade industrial, cidade que “serve mais que nunca à formação de capital, isto é, à formação, à realização, à distribuição da mais-valia” (LEFEBVRE, 2008, p. 41), reconhece as diferenças e renova o espaço-tempo, tornando-o diferencial: “cada lugar e cada momento não tendo existência senão num conjunto, pelos contrastes e oposições que o vinculam aos outros lugares e momentos, distinguindo-os” (LEFEBVRE, 2008, p. 42). Olhar para a cidade por seus pedaços e, mais que isso, olhar para dentro de seus pedaços, permite enxergar diferenças que antes nos passam despercebidas. Se a cidade motorizada predomina, ela não é capaz de anular a cidade pedestre que sobrevive, por certo sufocada, mas viva em diversos pedaços e momentos da vida cotidiana de Belo Horizonte. E como resgatar a cidade pedestre, muita mais próxima do urbano lefebvriano, que “se define como lugar onde as pessoas tropeçam umas nas outras, encontram-se diante e num amontoado de objetos, entrelaçam-se até não mais reconhecerem os fios de suas atividades, enovelam suas situações de modo a engendrar situações imprevistas” (LEFEBVRE, 2008, p. 44)? Em primeiro lugar, reconhecer sua existência, sua potência e seu potencial. Em seguida, inverter as lógicas, pensando nos pedaços da cidade como espaços-tempo urbanos, renovados, que reconhecem diferenças, definidos por “propriedades unitárias (globais: constitutivas de conjuntos, de grupos em torno de um centro, de centralidades diversas e específicas), assim como por propriedade duais139”(LEFEBVRE, 2008, p. 42), como espaços- 139 Lefebvre usa como exemplo de propriedade dual do espaço-tempo a rua, ao mesmo tempo ruptura e sutura, elemento que interliga os lugares. 352 tempo da diferença, possíveis heterotopias. Mas passa também, e principalmente, por resgatar e se reapropriar do espaço-tempo, notadamente dos espaços públicos e dos tempos de deslocamento. É evidente a importância para a cidade pedestre das ruas, praças e avenidas, lócus dos trajetos e da mobilidade, que ao mesmo tempo une e separa os espaços, mas não tão evidente assim parece ser a necessidade de resgatar o tempo (e velocidade) da cidade lenta. Gerir velocidades, diminuindo-as, pode ser uma questão de segurança para as pessoas, pode se tornar uma abertura em busca do urbano. O item 4.4 trata dos Espaços públicos partindo desta dicotomia entre a heterotopia e o não- lugar. Se por um lado, os espaços públicos têm um potencial latente de se tornar uma heterotopia - por “sobrepor, num só espaço real, vários espaços, vários lugares que por si só seriam incompatíveis” -, por outro lado foram sendo destituídos do sentido de lugar na formação do espaço abstrato da metrópole, tornando-se símbolos de não-lugares, conceito proposto e defendido por Marc Augé (2004). Principalmente a partir da década de 1950, e durante todo o período de Metropolização, estabelece-se o processo de erosão dos espaços públicos que foi apenas parcialmente contraposto na década de 1980 e, posteriormente, na década de 2000. Pensar os espaços públicos da cidade como heterotopias em constante disputa por apropriação e uso por diversos atores é o que se destacou no capítulo 4 e que se quer retomar aqui. Se a sociedade contemporânea é, de certa forma, mais segregadora - busca-se convivência entre iguais -, as ruas locais e praças ainda são, em sua grande maioria, espaços da diferença e heterotopias. Por sua vez, nas grandes avenidas e nos corredores viários e de transporte a força do não lugar prevalece, pela quantidade e velocidade dos veículos e precariedade das calçadas, mas guardando latente a força da heterotopia. O resgate da cidade pedestre traz ecos da tese lançada pela Comissão de Circulação e Urbanismo da Associação Nacional de Transporte Público – ANTP, coordenada pelo arquiteto Nazareno Stanislau Affonso, apresentada no VII Congresso da ANTP, no Rio de Janeiro, em 1989, em sessão presidida por Fernando Gabeira. A tese denominava-se Não Transporte: a reconquista do espaço-tempo social e tinha como objetivo a luta “contra os desperdícios das soluções calcadas nas obras viárias e o tratamento exclusivamente técnico, econômico e em grande medida não político dado ao problema da mobilidade” (AFONSO, 2001, p. 10). Eram 353 muitas propostas defendidas, mas que tinham um ponto central, como destaca Afonso em artigo que faz um resgate e um balanço da tese vinte anos após: As ações de não-transporte visam basicamente diminuir a dependência do cidadão com relação ao transporte motorizado, incentivar a circulação a pé e de bicicleta com segurança e conforto, reduzir os tempos de deslocamentos, melhorar as condições ambientais e recompor os espaços urbanos, permitindo sua utilização mais democrática. Indiretamente, objetivam também a diminuição dos custos da cidade e a consequente redução dos investimentos utilizados para viabilizar a circulação dos automóveis na cidade. (Afonso, 2008, p. 97). As ideias lançadas nessa época anteciparam uma série de bandeiras que quinze anos depois vão se incorporar à disputa pela mobilidade urbana sustentável, como constata Afonso (2008, p. 101-2) “As teses do ‘Não Transporte’, hoje também chamadas de mobilidade sustentável, tem ainda um longo caminho para tornarem-se hegemônicas no nosso país.” A reação dos técnicos de transportes foi tratar as teses de “utopia ‘simpática’” (AFONSO, 2008, p 97), empurrada para o futuro, mantendo-se e agravando-se os ciclos viciosos que até hoje perduram. O interessante é que, hoje, olhando do “futuro” para esse momento de 25 anos atrás, vê-se como em um espelho as ideias trabalhadas ao longo dessa pesquisa, pois parte- se de mesmos pressupostos (redução da quantidade de viagens motorizadas) e defende-se propostas similares sempre partindo das premissas de romper “com as soluções que se restrinjam ao compartimento transporte, voltando-se a respostas globais comprometidas com a reforma urbana de nossas cidades” (AFONSO, 2008, p. 98) (uma das primeiras propostas do não-transporte). Além disso, promover um reordenamento das atividades urbanas, de forma a “permitir a redução das distâncias, dos tempos de deslocamento e incrementar a autonomia de cada região” (AFONSO, 2008, p.98). As regiões (ou os pedaços, nos termos dessa pesquisa): Seriam ilhas interligadas e imbricadas no tecido urbano que, remetendo ao paradigma “Descentralização e Autonomia”, constituem regiões com a maior independência possível em termos de serviços, empregos, infraestrutura, comércio, indústria, abastecimento, escolas, lazer, etc. O objetivo é propiciar a seus habitantes alternativas de qualidade de vida sem a necessidade de serem obrigados à “sobrevivência” em outros locais, reduzindo a dependência do transporte e permitindo espaços de convivência em bairros autônomos. Esse modelo não implica redução da acessibilidade a outros locais, o “viver” localmente não compromete a capacidade de integração cosmopolita. (AFONSO, 2008, p. 98). 354 Em texto elaborado após 10 anos da tese, Afonso reforçava que ela significava “introduzir o conceito do tempo no uso da cidade que é essencial à apropriação social do espaço de mobilidade” (AFONSO, 2001, p.12). Defendia-se ainda a qualificação do tratamento da infraestrutura para os modos a pé e de bicicleta e que estes fossem tratados “com a mesma seriedade de uma via de automóvel com planejamento, iluminação, orientação, adequadamente pavimentada sem buracos e com piso de qualidade” (AFONSO, 2001, p10), situação que mais de vinte anos depois ainda não foi atingida plenamente. O que se pretendia era o uso compartilhado no tempo e no espaço entre pedestres, ônibus, carros e bicicletas. É possível sonhar que uma rua pode ser usada pelos pedestres e veículos, desde que os carros andem com velocidade baixa, o que é compatível com as medidas de moderação de tráfego (traffic calming) utilizadas na engenharia dos transportes. Ela estava sustentada na superação das barreiras espaciais pelo transporte e comunicação, identificando possibilidades de redução de viagens pela Internet, fax, descentralização econômica, reescalonamento de horários e restrições aos automóveis, mas o mais revolucionário estava na reconquista da rua: Uma revolução de valores acontece quando a calçada atravessa a rua e o carro é obrigado a pedir licença ao pedestre. Assim as crianças podem voltar a ser crianças, os velhos e portadores de mobilidade reduzida podendo seguir seu ritmo como cidadãos enquanto a grama deixar de ser estacionamento de automóveis. (AFONSO, 2001, p.12). A ideia do “não transporte” também se alinha às ideias de gerenciamento da mobilidade apresentadas no Capítulo 1, principalmente em relação ao primeiro objetivo que é de reduzir as viagens (o avoid da metodologia A-S-I). Além de exigir políticas urbanas, a utopia do não transporte contemplava políticas relativas ao trabalho, como o teletrabalho e escalonamento de horários. Porém, apesar de ser uma ideia tentadora não depender das viagens como necessidade (o “não transporte”), a intenção nunca foi não existirem viagens, mas que elas fossem mais racionais. O artigo em que se publicou a tese original do não transporte abre com uma citação de Ivan Illich que parece bem apropriada à presente pesquisa: “Os usuários rebentarão as correntes do transporte superpoderoso quando passarem a amar de novo sua pequena ilha de circulação e não quiserem distanciar-se dela com demasiada frequência” (ILLICH, s/d, apud COMISSÃO DE CIRCULAÇÃO E URBANISMO DA ANTP, 1989, p.9). Várias ideias de cidade colocam em evidência uma vida cotidiana que não dependa de motores, ou pelo menos diminua sua dependência. Mas a questão central para que isso ocorra 355 é sem dúvida a uma cidade que propicie a proximidade, normalmente associada à cidade compacta, densa e com uso misto. No Brasil, esse conceito de cidade compacta vem ganhando força, mas ainda há uma longa caminhada para que as cidades brasileiras sejam de fato compactas no sentido de ter oportunidades amplas (emprego, estudos, lazer, compras) na proximidade de uma forma que não seja excludente. No entanto, muitos bairros ou mesmo alguns centros de cidade, vêm se transformando em reais possibilidades e algumas pessoas já descobriram isso. Copacabana, no Rio de Janeiro, um bairro bem denso, talvez seja um dos mais simbólicos, que consegue diversidade social e funcional. Em Belo Horizonte, partes da Área Central conseguem se aproximar desse conceito, mas muitas centralidades possuem potencial para isso. 6.5 A FORÇA É DO TEMPO: VELOCIDADE E RITMO No item 4.5, tratou-se da constante disputa pelo tempo que ocorre nos mecanismos de localização da cidade, onde se fez uma leitura articulada entre velocidade e distância, elementos fundamentais para a compreensão do que é próximo e do que é distante e para a articulação do movimento do corpo no espaço-tempo, tendo o urbanista como um ajustador de distâncias, que “orquestra” os espaçamentos tendo a velocidade como “música”. Naquele item, o destaque maior foi dado à relação entre espaço e tempo pela distância (medida em metros ou em segundos), ou seja, o quanto de espaço (ou de tempo) se percorre para chegar a outro lugar. Foi trazido à baila o conceito de orçamento do tempo e de cidade coerente (uma cidade em que as pessoas possam estar a x minutos de seu trabalho) e procurou-se evidenciar que a disputa por melhores localizações acaba por ser uma disputa por menores tempos de mobilidade. Ao fazer uma primeira análise dos tempos de viagem e dos orçamentos do tempo, através das variáveis de percentual de pessoas que dispõem de menores tempos (viagens menores que 30 minutos e parcela transporte dos orçamentos menores que uma hora), mostrou-se que em Belo Horizonte, como em provavelmente a maioria das cidades brasileiras, há uma correlação inversa entre renda e tempos de viagem para viagens em todos os modos, porém com razão de tendência relativamente baixa em quase todos os modos, sendo as viagens de ônibus as que mais são impactadas por isso. Os resultados apresentados, e depois retomados no 356 capítulo seguinte, parecem “indicar que os mais ricos dispõem, de fato, de mais velocidade, mas que os mais pobres encontram estratégias para diminuir seus tempos de viagem trocando o modo ônibus tanto por modos individuais motorizados, quanto por modos não motorizados, efeito especialmente comprovado nas vilas e favelas.” Retomando as análises de Marc Wiel sobre a passagem da cidade pedestre para a cidade motorizada, guiado pela convicção de que a mobilidade tem um papel central na evolução urbana, a transição urbana observada por Wiel é produzida por uma associação de processos relativos à localização das atividades (moradia, empregos, comércio, serviços, etc.) e à gestão dos transportes. Wiel trata com frequência da interface entre a produção dos espaços e a mobilidade urbana, como na contraposição entre velocidade e densidade (WIEL, 2006), considerado um dado-chave para entender a cidade, uma vez que velocidade e densidade são características antagônicas e definem morfologias urbanas distintas. Para ele, tanto a opção pela velocidade, quanto a opção pela densidade, apresentam vantagens e desvantagens, nem sempre evidentes. São vantagens da velocidade para as famílias o “ganho de espaço”, podendo morar mais longe e viver em locais maiores; e são vantagens para as empresas, o “aumento da produtividade”. Mas “não se deve considerar que a velocidade faz ganhar tempo de forma definitiva” (WIEL, 2006, p. 3, tradução nossa). Essa afirmação contra intuitiva tem duas razões principais: (i) “os diversos elementos constitutivos da organização urbana se agenciam no espaço (via escolhas de localização dos investidores: famílias, empresas ou instituições) para limitar a duração dos nossos deslocamentos e os tornar proporcionais ao interesse da interação social que o deslocamento torna possível” (WIEL, 2006, p. 3, tradução nossa) e; (ii) os tempos de deslocamentos permanecem proporcionais ao tempo passado fora de casa. Por sua vez, existem desvantagens visíveis e invisíveis da velocidade. As visíveis nem são desenvolvidas por Wiel por entender que são muito evidentes e conhecidas: perda de convivialidade dos espaços públicos, aumento de acidentes e impactos na saúde das pessoas. O que ele desenvolve são os inconvenientes invisíveis: (i) engarrafamento dos acessos; (ii) desestruturação dos polos de proximidade; (iii) aumento dos custos do transporte coletivo; (iv) poluições globais que impacto na mudança climática; (v) crescimento da segregação social. 357 Do outro lado dessa equação proposta por Wiel, estão as vantagens e desvantagens da densidade. Inicialmente, ele desmistifica a ideia de que a densidade é que permite alcançar ”urbanidade dos lugares” (tolerância e hospitalidade), ao contrário, ele entende que essa urbanidade é alcançada apesar da densidade. Mas essa densidade traz vantagens materiais, como a economia do espaço, a redução dos custos de urbanização e a redução da mobilidade. Mesmo assim, ele pondera que essa economia de espaços é relativa, que a redução de custos não foi comprovada e que a redução da mobilidade acontece, mas de forma bem mais lenta que o declarado. Nesse sentido, Wiel se questiona se as vantagens da densidade não são mais de natureza imaterial, em função da “possibilidade de criação de espaços públicos que tornam possíveis interações sociais improvisadas e constitutivas de um sentimento de pertencimento a uma comunidade” (WIEL, 2006, p. 9), já que densidade sem qualidade urbana provoca concentração da precariedade. O principal inconveniente da densidade se reflete na supervalorização dos imóveis. Por fim, o mais importante para Wiel é apontar a dificuldade de se elaborar um compromisso aceitável entre densidade e velocidade, de forma a contemplar três exigências: atenuar a crise de habitação, evitar inconvenientes da segregação social e ter uma mobilidade mais sustentável em relação às crises ambientais. Por um lado, as ideias de Wiel apontam para uma leitura de cidade por sua velocidade, mostrando que a cidade-automóvel engloba a cidade- transporte-coletivo e a cidade-pedestre, por outro decifra mecanismos de localização e os processos de urbanização que afetam as origens e destinos das viagens e serão retomados na discussão da formação dos pedaços da cidade. Por outro lado, esses mecanismos de localização se associam de tal forma à necessidade humana de busca da copresença, que a mobilidade passa a ser definida como: “o investimento – que tem um custo (em tempo, dinheiro e conforto) – que torna possível, pelo deslocamento de um lugar de copresença a outro, uma interação social” (WIEL, 2005, p. 1). Essa discussão sobre as relações da mobilidade em torno das distâncias e da velocidade, principalmente quando se contrapõe com densidade urbana, induz ao debate de modelos urbanísticos e das políticas públicas. A velocidade é variável fundamental para encurtar essas distâncias, pois quem dispõe de mais velocidade, amplia seu leque de oportunidades (fica mais próximo de mais lugares), como já 358 tratava Hägerstrand em sua geografia temporal. O que se pretende aprofundar neste item é o potencial do papel articulador do tempo, tanto como distância, quanto como a razão entre o tempo e o espaço que se percorre, entendida como velocidade e o ritmo, entendido como mais uma possibilidade a ser aprofundada. Há que se destacar que o tempo e a velocidade podem ser incorporados como política pública juntamente com o ritmo (esse tempo cotidiano sempre esteve presente ao se pensar a cidade, mas na grande maioria das vezes, de forma implícita). Pensar as políticas públicas a partir do tempo, é uma experiência relativamente recente, que documentos europeus situam ter se iniciado em meados da década de 1980, na Itália. No entanto, a relação entre tempo e mobilidade no que se refere ao escalonamento de horários de atividades, e com isso, descongestionamentos das horas de pico, se inicia antes, como no caso francês, com os trabalhos do Comité National pour l’Aménagement des Horaires de Travail (Comitê Nacional de Gestão de Horários de Trabalho - CNAT) entre 1958 e 1961. A história das viagens domicílio–trabalho no regime de acumulação capitalista é resgatada por Munch (2013), pelo menos para a cidade industrial francesa, mostrando que a organização do trabalho industrial sempre exigiu horários de trabalho rígidos, mas que é o fortalecimento do modelo fordista que vai consolidar essa sincronicidade dos ritmos urbanos ao mesmo passo em que o local do domicílio vai se distanciando do local de trabalho. Esse processo culmina na sobrecarga de transporte em horários de pico que começa a ser questionado pelo CNAT, que tinha o foco na produtividade das empresas (MUNCH, 2013, p. 68-70). É entre 1966 e 1971 que as políticas de gestão de horários de trabalho começam de fato a serem propostas e implantadas pelo Comité pour l’Étude et l’Aménagement des Horaires de Travail et des Temps de Loisirs dans la Région Parisienne (Comitê para estudos e gestão dos horários de trabalho e tempos de lazer da região parisiense - C.AT.R.A.L), com proposições de escalonamentos de horários para ampliar capacidade dos sistemas de viário e de transporte (MUNCH, 2013, p. 70-72). Esse tipo de medida por escalonamento de horários nada mais é que usar do tempo para resolver problemas de mobilidade e teve ecos no Brasil na década de 1970. No entanto, a designação de políticas temporais (urbanas) - ou políticas do tempo - vai surgir apenas na Itália, ao longo dos anos 1980, em um movimento que ganhará o nome de tempi della città (tempos da cidade). Um relatório sobre o papel do tempo nos transportes, coordenado por Bailly e Heurgon (CNT – Conseil National de Transports, 2001), aponta a data de 1985 como o surgimento do tempi della città, quando se iniciam ações públicas 359 territorializadas motivadas pelas “transformações dos ritmos da sociedade de um lado, a tomada de consciência da sua incidência na qualidade de vida de outro” (CNT, 2001, p. 32, tradução nossa). Em sua origem, tratava-se de uma problemática inovadora e uma “reflexão científica multidisciplinar que se apoiava nos conceitos de cidade pós-industrial” ” (CNT, 2001, p. 32, tradução nossa). Patrick Vassalo, no artigo Ville et politiques Temporelles (Cidade e políticas temporais, 2005), apresenta um breve histórico das políticas temporais na Europa, identificando que esse surgimento na Itália é rebatimento do movimento de maio de 68140 naquele país e “iniciado por militantes autônomos [...] [que se interessam] em restituir o espaço de trabalho das mulheres e em fazer respirar a vida cotidiana pelo alargamento e adaptação dos horários de abertura [do comércio] e por uma luta para obter transporte público confiável e adaptado às necessidades das mulheres e das crianças nas cidades italianas.” (VASSALO, 2005, p. 118, tradução nossa). O desdobramento dessas primeiras reivindicações é a aprovação de uma lei nos anos 1990, dando competência às Prefeituras para intervir sobre questões de tempo e de horários e de instalar escritórios do tempo municipais. Cidades de vários países acompanham o movimento italiano, principalmente Finlândia, Alemanha, Holanda e Espanha, e em meados dos anos 1990, se desenvolve uma escola francesa de políticas temporais. O autor distingue o modelo dos países do norte (menos pautados em políticas públicas) dos do modelo do sul, essencialmente associado a políticas públicas locais. Em 2000, foi aprovada na Itália uma Lei (denominada Lei Turco) que torna obrigatória a política temporal em cidades acima de 30 mil habitantes. Na França, o início das políticas temporais foi alavancado pelo grupo Tempo e Território, em um projeto da DATAR141, no início do governo Lionel Jospin142, entre 1998 e 2002, envolvendo os territórios de: Poitiers, Nancy, Rennes, La Gironde, Belfort et Saint-Denis. Em 2001, Jospin valida seu apoio em um Seminário em Créteil e transforma as políticas temporais francesas 140 Denominado mai rompante, e que teria durado dez anos na Itália, entre a batalha do Valle Giulia, em março de 68 e a repressão de Bolonha, em setembro de 1977. 141 DATAR- Delegação interministerial do ordenamento do território e à atratividade regional (Délégation interministérielle à l’aménagement du territoire et à l’attractivité régionale) é um serviço ligado ao Primeiro Ministro Francês, que tem como função preparar, impulsionar e coordenar políticas de ordenamento territorial pelo Estado Francês. [http://www.datar.gouv.fr/]. 142 Ocupou o cargo de primeiro-ministro da França pelo Partido Socialista Francês, entre 1997 e 2002. 360 em uma orientação nacional. As primeiras municipalidades que aderiram às políticas criaram escritórios do tempo (bureaux des temps em Poitiers, Paris e Rennes), espaços dos tempos (em Lyon, Saint-Denis) ou estabeleceram missões de estudo e prospecção de urbanismo. As Universidades aderiram ao tema, como foi o caso da Maison du temps e de la mobilité (Casa do tempo e da mobilidade) em Belfort e o laboratório IRIS (Instituto de Relações Internacionais Estratégicas) na Universidade de Paris Dauphine. Vassalo apresenta ainda, como um exemplo, a cidade de Saint-Dennis (região metropolitana de Paris) que implantou medidas como ampliação dos horários de serviços públicos e mercados e ajustes na oferta dos serviços de transporte. As políticas temporais dialogam diretamente com o texto de Milton Santos sobre o Tempo nas Cidades, onde cita uma passagem de Baillard sobre uma cidade denominada Cronópolis, que no seu esplendor, era como um organismo fantasticamente complexo: Transportar a cada dia quinze milhões de empregados de escritório, manter o serviço de eletricidade, de água, de televisão, administrar essa nossa população, tudo isso dependia de um só fator: o tempo! Esse organismo não poderia subsistir senão sincronizando estritamente cada passo, cada refeição, cada chamada telefônica. Daí, houve necessidade de descongestionar os horários, segundo a zona da cidade. Os carros tinham placas de cores diferentes, de acordo com o horário em que podiam circular, e assim o sistema se generalizou. Só se podia ligar a máquina de lavar, postar uma carta ou tomar um banho, durante uma faixa determinada de tempo. Um sistema de cartas coloridas e uma série de quadros publicados a cada dia, assim como programas de televisão, permitiam a cada pessoa sua localização dentro daquela faixa de tempo. Caso contrário, os fusíveis saltavam e a recuperação do sistema seria muito cara. No edifício que, antigamente, era um dos maiores parlamentos do mundo, isto é, o lugar onde se faziam leis, nesse décor, de estilo gótico perpendicular, uma espécie de ministério do tempo estava pouco a pouco se constituindo, em torno de um relógio gigantesco. Os programadores eram, de fato, os senhores absolutos da cidade. E a totalidade da existência de cada um era impressa nos boletins expedidos a cada mês pelo Ministério do Tempo. (SANTOS, 2002, p. 21-22). Tratando de questões bem mais amplas que apenas a mobilidade, os escritórios do tempo foram uma forma original de lidar com conflitos. Vassalo (2005) apresenta um pouco dos objetivos deste tipo de política, começando com um item denominado tempos, espaços e pessoas, defendendo que os ritmos de uma cidade em transformação já não precisam ser sincrônicos, quando a sua dessincronização causa “sofrimentos individuais (‘eu não paro de correr’), coletivos (congestionamentos, desvios de uso) e agravam as desigualdades.” Vassalo 361 defende a rearticulação espacial e temporal no território, principalmente em função de novas tecnologias de comunicação (celulares, GPS, computador portátil e internet). O desdobramento das políticas temporais se dá para diversas dimensões, como a questão de gênero, as desigualdades sociais, o espaço e seu uso. Sua relação direta e indireta com a mobilidade pode vir a ser construída da mesma forma que com o espaço: podemos falar de uma produção do tempo produtivo e uma produção do tempo de reprodução. Em outras palavras, trabalho e lazer, que se completam pelos tempos dos deslocamentos. Ao tratar também dos tempos do trabalho (produção, formação e estudos), tempo livre, tempo da vida social, tempo do lazer, tempo doméstico, as políticas do tempo evidenciam que é possível considerar políticas públicas pela dimensão tempo e que esses tempos incluem o tempo em deslocamento, que é central na vida cotidiana das pessoas. A ideia de um setor público que intervenha sobre os tempos parece algo tentador (se estiver a serviço da sustentabilidade e do resgate dos tempos lentos) e arriscado (se for dominado ou estiver a serviço dos tempos rápidos, os tempos dominantes) ao mesmo tempo. Explicitar a dimensão temporal pode contribuir para entender melhor os ritmos urbanos. Levar em conta a diversidade dos ritmos cotidianos e sua coordenação estão no cerne das ações dos Escritórios do Tempo. Antes de apresentar as ações de política temporal, indo nesta direção, lembremos que o ritmo nasceu inicialmente da configuração de vários elementos, fonte de permanentes ajustes mas também da dessincronização e diferenças de horários. Conjunto formado pela relação entre as partes (Benveniste, 1966), o ritmo é um acordo entre diferentes processos temporais, interagindo entre eles (Lefebvre e Régulier, 1985). Para Catherine Régulier e Henri Lefebvre, o ritmo é a forma temporal de nosso cotidiano, incluindo a sucessão de atos, fatos e gestos, alternando ausências e presenças e horas de pico e fora-pico. (MALLET, 2013, s/p, tradução nossa). Pensar o ritmo no contexto da mobilidade no tempo presente é ver como esses ritmos estão se alterando a cada dia e de forma rápida. O Relatório francês sobre “Novos ritmos urbanos e a organização dos transportes” (CNT, 2001) faz um bom panorama dessas transformações no ritmo urbano e suas consequências para a mobilidade das pessoas, para a organização dos transportes e para a circulação de bens. A mobilidade das pessoas vem crescendo e se tornando mais diversa e complexa, tanto em termos de destinos quanto de horários e de motivos. O crescimento de atividades de lazer e turismo, sistematicamente desprezados pelas políticas de mobilidade passam a ser considerados até em cidades menos turísticas e os 362 grandes eventos passam a exigir mais da mobilidade, como pode ser visto durante a Copa do Mundo de 2014 em Belo Horizonte e nas demais sedes de jogos. De um lado a inserção na sociedade passa a exigir mais e mais mobilidade e os que tem pouca mobilidade passam a se sentir excluídos. Para a organização dos transportes, os efeitos mais evidentes são a tendência de desaparecimento das horas de vale ou horas entre picos e a complexidade vai exigir um funcionamento contínuo e mais personalizado, diminuindo mais ainda a atratividade do transporte público, que tem dificuldades em se adaptar. A circulação de mercadorias passa a ser pressionada a não ser realizada nos horários de pico, com políticas que restringem esses horários e estimulam entregas fora pico e noturnas. Os efeitos no espaço e na cidade são imediatos, colocando a mobilidade na agenda política e exigindo outras temporalidades (serviços noturnos, finais de semana, dias especiais). As escalas se modificam e o desafio passa a ser conciliar a mobilidade de proximidade com os transportes rápidos e diferenciar os usos dos espaços públicos no tempo. Só o fato de considerar que há sempre uma cidade lenta e outra rápida, que se relacionam em constante disputa por espaço, muitas vezes de forma desigual, já parece ser uma possível abertura para romper com o paradigma dominante. E ainda é importante associar o caráter político e de transformação da valorização dos tempos lentos. O que a grande maioria das pessoas deseja não é o melhor (ou mais rápido) modo de transporte, mas sim a maior proximidade aos seus destinos (suas oportunidades)! É esse o desejo que move as pessoas ricas e pobres na busca de lugares para a moradia, seja em condomínios, em favelas ou em qualquer outro pedaço da cidade. É esse o desejo dos urbanistas ao propor cidades compactas, superquadras ou ecobairros. 363 6.6 A FORÇA DAS PEQUENAS PRÁTICAS SOCIAIS: ESPAÇO, TEMPO, CORPO E DESEJO A apropriação dos espaços da cidade passa necessariamente pela apropriação de seu próprio corpo e seus próprios desejos, contrapondo-se à sociedade burocrática do consumo dirigido (termo utilizado por Lefebvre, 1991). O corpo é um fator influente nas escolhas pessoais para realização dos deslocamentos, tanto para uma melhor análise da questão quanto para explicitar as políticas que possam direcionar essas escolhas por fatores mais coletivos que individuais. Esse corpo em deslocamento vai além do corpo humano e suas diversas condições físicas para a deambulação e de suas “transformações” em duas ou mais rodas, principalmente do automóvel. Algumas pessoas estão decidindo usar seu corpo como única propulsão de seus deslocamentos, deixando de usar o carro (ou de querê-lo) e decidindo usar o transporte coletivo. Para isso, organizam suas vidas – seus lugares de copresença e sua mobilidade – de forma diferente e, apesar de pouco notadas no Brasil, essas mudanças têm se intensificado aos poucos. Há uma tênue fronteira entre agir politicamente e agir de forma crítica e consciente do impacto de suas escolhas. Essas outras “pequenas práticas”, que poderiam ser caracterizadas como um ativismo pessoal. As atitudes desses ativistas estão ocorrendo em vários locais do mundo e são apresentadas como ideias em duas obras: Apocalipse motorizado (2004), de Ned Ludd, e Desobedecer ao carro (Désobéir à la voiture, 2012), dos “Desobedientes”, grupo ativista francês. São pequenas ações políticas de “desobediência ao carro” ou ações “anticarro”, pouco registradas quando implicam ações que extrapolam a legislação. Ludd (2004, p. 135-140) traz uma série de sugestões de ações anticarro, classificadas em: ações diretas; ações de via legal; ações orientadas às famílias; ações para indivíduos (ou pequenos grupos); e ações de confrontamento das pessoas para os perigos reais do carro. O autor explica que as ideias objetivam colocar o automóvel na ordem do dia da discussão social, promovendo o questionamento da “sociedade do automóvel”, através de um anarquismo social. Ludd (2004, p. 135-140) traz uma série de sugestões de ações anticarro, classificadas em cinco grupos. O autor explica que as ideias objetivam colocar o automóvel na ordem do dia da discussão social, promovendo o questionamento da “sociedade do automóvel”, através de um anarquismo social. Alguns exemplos das ações de cada grupo: 364  ações diretas: colocar outdoors contra obras com mensagens provocativas; criar carros de papelão com mensagens para queimá-lo sem “um ritual de sacrifício ao deus dos espaços públicos”; organizar ações de pedestres atravessando ruas para protestar por segurança. Também constam ações mais radicais (lançar fumaça em feiras de automóvel), lúdicas (festas de rua); e intervenções na infraestrutura: pintar sua própria ciclovia, mudar a entrada de uma rua, tornando-a estreita para diminuir a velocidade, instalar quebra-molas. Ludd ainda estimula a organização de eventos como a “Massa Crítica”, uma pedalada que percorre a cidade para protestar por uma cidade com menos carro.  ações pela via legal: interferir nas políticas públicas trabalhando com a prefeitura local ou oferecendo serviços à comunidade (“aconselhamento gratuito para viciados em carro”) ou atuando com grupos artísticos para protestar com arte.  ações orientadas à família: sugestões de festa sem carros e almoços comunitários;  ações dos indivíduos ou de pequenos grupos: colocar multas falsas no para-brisa de carros estacionados; subverter outdoors e propagandas de carro de maneira que passem uma mensagem anticarro; carregar o sofá para a rua, sentar-se e ler um livro; construir uma armação do tamanho de um carro para a bicicleta e andar com ela pela cidade; modificar placas de “Pare” para “Pare de dirigir”.  ações de confronto das pessoas para os perigos reais do carro: ações sobre segurança (passeatas lembrando mortes no trânsito, campanhas de arrecadação de fundos etc.). Muitas ações similares a essas vêm sendo realizadas no Brasil e no mundo todo. Um primeiro exemplo é o movimento “Massa Crítica”, citado por Ludd, e realizado em Belo Horizonte desde 2011. O texto na página do Facebook143 do grupo “Massa Crítica Belo Horizonte” explica que “é uma celebração para quebrar a monotonia, mecanicidade e agressividade do trânsito urbano, levando alegria e outros elementos mais humanos – braços, pernas e rostos – no asfalto”. Explica ainda que é organizada de forma horizontal, sem porta-vozes e sem líderes: “Ela não tem uma voz. Ela tem tantas vozes quanto participantes. Cada um é livre para levar a manifestação ou a reivindicação que quiser. ”A primeira “Massa Crítica” ocorreu em 25 de setembro de 1992, em São Francisco, com cerca de 50 ciclistas (LES DÉSOBÉISSANTS, 2012, p. 143 . 365 29, tradução nossa) com objetivo de “imprimir o ritmo das bicicletas ao fluxo de automóveis ao invés de subir a velocidade dos carros”. Insere-se em um grupo de ações que são simultâneas no mundo inteiro, similar ao Park(ing)Day,144 que se iniciou em 2005, também em São Francisco, quando o grupo artístico Rebar145 transformou algumas vagas de carro em parques temporários no centro da cidade. Outra ação realizada em todo o mundo é o “dia mundial sem carro”, que nasce na Europa e hoje é praticado no mundo inteiro no dia 22 de setembro. O livro do coletivo francês Les Désobéissants (2012) proclama a desobediência ao carro, trazendo um histórico das ações no contexto francês e também propostas focadas nas bicicletas, como promover a vélorution (uma revolução através das bicicletas), propostas para combater montadoras de automóveis e dificultar suas propagandas e ações de (re)apropriação da rua, entre outras. Esse livro-panfleto faz parte de uma coleção de “desobediências” e se alinha às propostas de ações que questionam os modos de produção e consumo dominantes, tendo como referência a ação individual e de pequenos grupos. Essas ações de apropriação, especialmente dos espaços públicos, lembram as ações diretas feitas por grupos de São Paulo e Belo Horizonte, apresentadas na Figura 79. Além de mostrar intervenções sobre a sinalização de forma lúdica (faixa de pedestres de pano e transformação do texto das placas “PARE” para “PIRE”)”, mostra ação de pintura do viaduto Santa Tereza, em Belo Horizonte, criando uma via comum, onde a bicicleta seria bem-vinda. De forma similar, percebem-se ações no âmbito da arte, ou do que poderia ser denominada de artivismo. Esse ativismo artístico se mistura com o político, como no caso do Grupo Poro (de Belo Horizonte) e o Grupo Gia - Grupo de Interferência Ambiental (de Salvador). A Figura 80 apresenta algumas ações desses dois grupos, como uma campanha de mensagens que estimulam as pessoas a perder tempo (campanha PERCA TEMPO: pergunte-me como) e cartazes inspirados na mobilidade urbana. Do Grupo Gia, ações que dialogam com questões de mobilidade e apropriação dos espaços públicos.146 144 . 145 . 146 O grupo registra suas ações em vídeos, que podem ser assistidos em: (cama) e (degrau). 366 Figura 79 - Exemplos de ações diretas de indivíduos ou pequenos grupos. No alto: à esquerda, intervenção de faixas de pedestre de pano em São Paulo; à direita, placa Pare modificada, em São Paulo. Abaixo: à esquerda, intervenção no Viaduto Santa Tereza em Belo Horizonte, reclamando compartilhamento de via com bicicletas; à direita, cartaz da “Massa Crítica” de janeiro de 2014 em Belo Horizonte”, que teve mais de 150 ciclistas. Fontes: ; ; . O mais interessante dessas ações é o fato de serem tão coincidentes às propostas do livro de Ned Ludd (obviamente um pseudônimo que faz alusão ao ludismo, movimento inglês antifabril do século XIX) de dez anos atrás, que parece representar a inspiração de uma geração que agora começa a colocar em práticas estas ideias. As ideias desse livro foram difundidas no Brasil pelo site apocalipse motorizado, 147 criado em 2005 por Thiago Benicchio, que 147 . 367 posteriormente se alinhou ao movimento de ciclopolítica, principalmente na Associação de Ciclistas Urbanos de São Paulo (Ciclocidade). Figura 80 - Exemplos de ações diretas de indivíduos ou pequenos grupos Ações do Grupo Poro (BH) e do grupo Gia (Bahia). Fontes: ; ; . Cabe destacar que essas ações de ativismo pessoal ainda são facilmente observadas e difundidas pelas redes sociais – não se limitando ao tema de mobilidade urbana – e estão associadas a uma nova geração de pessoas que tanto reproduzem pequenas práticas individualmente quanto participam da formação dos coletivos organizados. As redes sociais, além de permitirem a difusão dessas ações políticas, são a base de sua estruturação. Os grupos se organizam e suas ações são divulgadas por meio das páginas em Facebook, vídeos no Youtube (outros sites de compartilhamento de vídeos) e de grupos de contato por celular (tipo 368 WhatsApp), que permitem a organização de ações. Fica evidente que está sendo formada uma nova (contra)cultura que, apesar de não se limitar às novas gerações, estão firmemente associadas a elas. Nesse caso, entre muitos, apresenta-se exemplos de três coletivos de Belo Horizonte que atuam na apropriação dos espaços públicos, nos modos de transporte coletivo e não motorizados (bicicleta): “Pise a Grama”, “Tarifa Zero” e Associação de Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte – “BH m Ciclo”. O coletivo “Pise a Grama”, hoje institucionalizado como uma editora que publica a revista homônima, tem se destacado na promoção de ações associadas a estratégias de marketing para debater o espaço urbano. Uma “campanha” iniciada em setembro de 2012 durante o evento “Noite Branca” lançou produtos (cartaz, adesivo e sacolas) com seis mensagens e obteve um sucesso impressionante. A Figura 81 mostra as mensagens dessa campanha, que parece alterar – através do conceitual e do racional – o espaço triádico concebido-percebido- vivido, criando possibilidades utópicas (utopias possíveis/impossíveis) e trazendo um efeito de “desalienação” e de politização, evidenciando possibilidades para o espaço que podem ser consideradas aberturas. Essas mesmas mensagens foram objeto de uma “campanha não eleitoral” que disputou os muros e cavaletes da cidade com cartazes de políticos durante as eleições de 2012. Por sua vez, o movimento Tarifa Zero (TZ), que nasce como desdobramento do movimento estudantil pelo Passe Livre, ganha força nas manifestações de junho de 2013 e aponta o dedo para essa uma nova utopia possível/impossível que é circular livremente pela cidade através de um transporte público gratuito. Após as manifestações, o TZ passa a atuar no Grupo de Trabalho de Mobilidade da Assembleia Horizontal, criado após a ocupação da Câmara Municipal de Belo Horizonte na política urbana da cidade. A conexão entre o “Pise a Grama” e o TZ vai além das mensagens similares (#ônibussemcatraca), uma vez que compartilham pessoas e estratégias, criando sua própria campanha (esteticamente similar à do Pise a Grama). A Figura 82 apresenta imagens da interface visual entre o “Pise a Grama” e o TZ, além da “busona sem catracas” e de cartaz sobre propostas de emendas orçamentárias. 369 Figura 81 - Campanhas do coletivo Pise a Grama. No alto: sacolas da campanha do Pise a Grama; abaixo: campanha não eleitoral. Fonte: . Figura 82 - Passeata, camiseta do Tarifa Zero. Fonte: ; ; . O que se destaca aqui é o potencial transformador do espaço que uma tarifa zero poderia provocar, pelo seu caráter simbólico e fatual (plena liberdade de ir e vir) e que vem sendo testado na prática por ações de ônibus gratuito durante o Carnaval de 2014 e durante o 370 Festival de Inverno da UFMG em julho de 2014. Suas ações diretas continuam a acontecer e a chamar a atenção, tendo a ação “busona sem catracas”148 sido selecionada para o prêmio Mobilidade Minuto, promovido em 2014 pelo Instituto Cidade e Movimento. Circular com um ônibus sem catraca e tarifa zero no carnaval ou em um festival é uma ação simbólica de alto impacto, mas a partir do momento que circula no itinerário de uma linha existente (fato que ocorreu no dia mundial sem carro de 2014) e transporta pessoas em seu dia a dia, a ação ganha uma dimensão política ainda maior, que ampliam a gama de ações de um coletivo que também faz proposições de leis e de emendas orçamentárias. Já a Associação de Ciclistas Urbanos de Belo Horizonte – BH em Ciclo, criada em 2012 e atuando na ciclopolítica da cidade com um pequeno grupo de pessoas (pouco mais de 30 associados), tem conseguido catalisar o interesse de milhares de pessoas que desejam uma cidade com espaços reais para modos não motorizados e bicicletas. Suas estratégias envolvem ações na “via legal”, influenciando nas políticas públicas, tanto forçando a criação de um espaço de debate sobre a bicicleta (Grupo de Trabalho para debater o Programa Cicloviário de Belo Horizonte - GT Pedala BH) quanto fazendo proposições diretas como a aprovação de recursos no plano de investimentos municipal (aprovação de emenda no Plano Plurianual de Governo - PPAG) a serem destinados para campanhas educativas. Mais uma vez, há uma interface entre os coletivos, como foi o exemplo de ação conjunta entre TZ e “BH em Ciclo” em uma pedalada contra viadutos na cidade ocorrida em julho de 2014. A Figura 83 mostra algumas das ações da “BH em Ciclo”. O espaço de atuação de um grupo de ciclistas pode parecer limitado, mas a articulação nacional desses grupos através da União de Ciclistas do Brasil (UCB) mostra um envolvimento no contexto geral da mobilidade urbana, participando de ações políticas em diversos níveis (individual, ativista ou coletivo). Apesar de haver indícios de ser um fenômeno geracional, envolve ativistas de outras gerações, pessoas de diversas idades e de diversos países. Com a internet e as redes sociais facilitando a articulação das pessoas e grupos, propagando ações e estimulando coletivos em diversos países, grupos de ciclistas são ótimos exemplos de como as denominadas “pequenas práticas” que procuram questionar o sistema fechado de cidades feitas para carros se propagam hoje em dia. 148 Ver: . 371 Figura 83 - Ações da BH em Ciclo. No alto: convite e cartaz para a pedalada “Não foi acidente”; abaixo: chamada para reunião do GT Pedala feito pela “BH em Ciclo” e imagem da campanha de recursos para campanhas educativas no PPAG. Fonte: . Os exemplos aqui apresentados para ilustrar “pequenas práticas” sociais, indicam que há uma forte interconexão e autoalimentação entre envolvimento em coletivos, ativismo pessoal e decisões individuais como faces de um mesmo (contra)processo, que induz mudança em comportamentos individuais e estimula envolvimento político em um formato novo e que ainda precisa ser melhor estudado. Inúmeros outros movimentos e práticas coletivas podem ser encontrados em atuação tanto em Belo Horizonte quanto em outras cidades brasileiras e do resto do mundo. Uma boa fonte de iniciativas pode ser encontrada na edição do Prêmio Mobilidade Minuto,149 que recebeu inscrição de iniciativas que mostram uma boa diversidade nas “pequenas práticas” sociais relativas à mobilidade urbana que privilegiam: 149 Prêmio promovido pelo Instituto francês Cidade em Movimento, que se instalou recentemente no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2014. 372 sustentabilidade nos transportes, melhoria do meio ambiente urbano, qualidade de vida e o uso equânime do espaço urbano, a melhoria do meio ambiente urbano, a qualidade de vida e o uso equânime do espaço urbano. Foram selecionadas quase 80 iniciativas inovadoras que mostram a diversidade e a criatividade na área de mobilidade. Outro importante registro de movimentos ativistas atuais é a Pesquisa Ativismo no Contexto Urbano: diagnóstico para ação nas cidades (ESCOLA DE ATIVISMO, 2015), que mapeou grupos que atuam com mobilidade, resíduos sólidos e infraestrutura em 12 cidades brasileiras, incluindo Belo Horizonte. Partindo da ideia de que o uso do termo ativismo, pensado apenas como ações de rua, protestos, manifestações, não representar a complexidade do trabalho do ativista, defende que ele seja, de fato uma demonstração política no espaço público. Mas complementa que o ativismo de hoje é fruto de uma longa história, mas destaca que hoje se caracteriza com uma especificidade: “o uso sistemático da internet e das tecnologias da comunicação como ambiente e instrumento da mobilização, representado pelas manifestações recentes” (ESCOLA DE ATIVISMO, 2015, p. 8).” Em recente entrevista sobre ativismo e artivismo, o antropólogo português Paulo Barroso (2014, [s.p.]) registra que “as pessoas sentem necessidade de reafirmar que o espaço público é um espaço do público. Passeatas e até grandes revoltas sempre foram dirigidas ao poder. As novas formas buscam o diálogo com o mundo em busca do comum”. Na capital da Holanda, uma rica história foi a resistência dos moradores do bairro de Pijp150 contra o uso das ruas pelo automóvel. Movimento iniciado por crianças, em março de 1972, que resolvem questionar os motivos das ruas serem para carros e não para brincar. Após mobilizar moradores do bairro, as ações se desdobram em um movimento social que se inicia de forma pacífica, mas que acaba gerando reações e contrarreações violentas. As reivindicações são levadas aos políticos e os resultados acabam por transformar as políticas públicas da cidade de forma definitiva. O movimento usou frases do tipo: “tudo é devotado ao estacionamento. Por que não podemos andar de bicicleta?” e “Tirem os carros do caminho, nós queremos brincar!”. O registro desse movimento em Pijp, é apresentado em um documentário, onde alguns fotogramas estão apresentados na Figura 84. 150 Um pouco da história pode ser vista no site: ; ou no vídeo De ijp, Amsterdam 1972, disponível no em: . 373 Figura 84 - Ações de (re)apropriação no Bairro de Pijp, Amsterdam, em 1972. Fontes: . No início desta Tese, adotou-se a proposição de Paquot (2009) de utilizar o termo espaços públicos (plural) para ruas, praças e avenidas onde se realizam os deslocamentos da mobilidade cotidiana, em contraposição ao espaço público (singular), lugar do debate político e da confrontação de opiniões. Ao final, percebe-se que as “pequenas práticas” de apropriação relacionadas à mobilidade acabam por transformar esses espaços públicos em espaço público. No século XX, durante décadas, a autonomia da política de mobilidade em prol do automóvel foi tão intensa que dominou a cidade e seus espaços. O sistema foi sendo urdido até ser considerado um sistema fechado, difícil de ser rompido, mas que clama por aberturas. As “pequenas práticas” identificadas nas últimas décadas em cidades de todo o mundo não foram suficientes para romperam com esses processos de forma global, mas pelo menos foram capazes de transformar os espaços internos de algumas cidades pelo mundo, como foi o caso de Amsterdam. As destacar esse mesmo contexto, a Escola de Ativismo (2015, p. 60) vai constatar que “Para se contrapor a esse modelo imobilista, excludente e insustentável de transporte nas cidades, há um conjunto de grupos mobilizados atuando em diferentes cidades do País.” Essas possibilidades trazem esperança! 377 MO(VI)MENTO FINAL: CHEGADAS SÃO SEMPRE NOVAS PARTIDAS CONCLUSÕES E ABERTURAS Ao final desse longo percurso, é evidente a importância da teoria lefebvriana do espaço nesta tese, onde assumiu-se o risco de sua leitura parcial, tendo com fio condutor o entrecampo da [mobili]cidade. Buscou-se, na medida do possível, aplicar uma “sensibilidade lefebvriana” (KOFMAN; LEBAS, 1996, p. 8) que volta a ser tentada nesta parte final, ao se propor como forma de conclusão, a identificação de aberturas, essas possibilidades que a tese traz para novas pesquisas e desdobramentos, bem como para abrir o pensamento e a ação na direção de possibilidades que mostrem novos horizontes e caminhos que possam libertar e abrir horizontes que os sistemas tendem a fechar151. Duas contribuições teóricas foram trazidas por esta tese: a leitura da cidade aos pedaços e a formulação de um prisma espaço-tempo-corpo para compreensão crítica da mobilidade urbana. A proposta da cidade aos pedaços, alça-os (os pedaços) a um lugar privilegiado das análises e propostas, podendo-se variar a escala e os agrupamentos, mas sempre contribuindo para a percepção dos processos socioespaciais. Olhar para dentro dos pedaços de Belo Horizonte, permitiu enxergar, entre outras coisas, um campo cego relativo ao processo da transição urbana, que se deu de forma incompleta. Se a cidade motorizada predomina, ela não é capaz de anular a cidade pedestre que sobrevive, por certo sufocada, mas viva em diversos pedaços e momentos da vida cotidiana de Belo Horizonte. Esse resgate da cidade pedestre, muito mais 151 Referência a Lefebvre (2011, p. 9, grifo do autor) em citação apresentada no início da Tese: “todo sistema tende a aprisionar a reflexão, a fechar os horizontes” e seu rompimento resulta de um processo de “abrir o pensamento e a ação na direção de possibilidades que mostrem novos horizontes e caminhos.” 378 próxima do urbano lefebvriano surge na articulação entre diversas aberturas apontadas, mas inicia-se em um tema da espacialidade de Belo Horizonte que foi menos tratado do que se desejava: os espaços públicos. Se heterotopia pode definir alguns pedaços da cidade e seus espaços públicos, um possível desdobramento seria pensar a heterotopia como uma utopia, que parece ser outra questão a se aprofundar dentro das possibilidades de mudança, do “projeto político” e da política do espaço de Lefebvre. Costa e Costa (2005) evidenciam que o novo espaço a ser produzido (o espaço diferencial) só pode nascer por acentuar as diferenças “que emergem de um processo de luta”. Mesmo considerando que “o conceito lefebvriano de diferença não é similar àquele da análise pós-estruturalista” (raça, gênero, grupos e indivíduos), não parece ser mais pela heterotopia que pela utopia que Lefebvre defende a transformação? Em uma análise sobre a utopia (ou utopismo) na teoria lefebvriana do espaço, Harvey (2009, p. 240) conclui que Lefebvre é “resolutamente antagônico ao utopismo da forma espacial”, mas justifica que o motivo seja o “autoritarismo fechado deste”; porém não seria também por sua escolha pela heterotopia? No entanto, o próprio Foucault, que serviu de inspiração para trazer a heterotopia ao debate, parece mostrar que essa opção pela heterotopia traz uma dificuldade e uma estranheza incômoda. Em “As Palavras e as Coisas: Uma arqueologia das ciências humanas”, Foucault declara: “As utopias consolam: é que, se elas não têm lugar real, desabrocham, contudo, num espaço maravilhoso e liso; abrem cidades com vastas avenidas, jardins bem plantados, regiões fáceis, ainda que o acesso a elas seja quimérico. As heterotopias inquietam, sem dúvida porque solapam secretamente a linguagem, porque impedem de nomear isto e aquilo, porque fracionam os nomes comuns ou os emaranham, porque arruínam de antemão a ‘sintaxe’, e não somente aquela que constrói as frases — aquela, menos manifesta, que autoriza ‘manter juntos’ (ao lado e em frente umas das outras) as palavras e as coisas. Eis por que as utopias permitem as fábulas e os discursos: situam-se na linha reta da linguagem, na dimensão fundamental da fábula; as heterotopias (encontradas tão frequentemente em Borges) dessecam o propósito, estancam as palavras nelas próprias, contestam, desde a raiz, toda possibilidade de gramática; desfazem os mitos e imprimem esterilidade ao lirismo das frases.” (FOUCAULT, 2000, p. XIII). Mas é justamente por questionar o “consolo” da utopia e por trazer uma inquietação que a heterotopia parece ser uma questão tão contemporânea e propensa a enriquecer as reflexões sobre a [mobili]cidade. 379 Outra contribuição da tese que pode vir a ser desdobrada é a utilização da tríade espaço- tempo-corpo como prismas de leitura, possibilitando análises dialéticas. Foi com seu uso que se descobriu a força do tempo e dos lentos. Em diversos momentos dessa tese, o tempo surge e ressurge, sempre associado ao espaço e ao corpo. Procurou-se trazer novas possibilidades de leituras aos tempos e uma última contribuição nesse sentido seria a distinção entre os conceitos de tempo que confrontam a estrutura temporal da civilização moderna, que geralmente emprega uma só palavra para significar o "tempo". Os gregos antigos tinham três palavras para o tempo: chronos, kairós e aiôn. Enquanto o primeiro referia-se ao tempo cronológico, o tempo que se mede; kairós é um momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece, a experiência do momento oportuno; e aiôn é o tempo do acaso, do jogo, da brincadeira. Julien (2008) apresenta outra diferenciação entre aiôn, chronos (ou kronos, como ele prefere grafar) e kairós: De acordo com a mitologia grega, Kronos e Kairós eram irmãos, filhos de Aiôn, o tempo eterno. Kronos representa “o tempo construído pelo conhecimento, tempo regular, divisível e, portanto, controlável”, o aspecto quantitativo do tempo; Kairós, por sua vez, designa “o tempo aberto à ação e constituído pela ocasião, tempo perigoso, caótico e, portanto, indomável”, o aspecto qualitativo do tempo. (JULIEN, 1998). Associar o tempo da nossa vida cotidiana apenas ao quantitativo, ao chronos, é limitar sua potencialidade. Nessa dimensão predominante, os tempos dos deslocamentos são vistos como um tempo perdido, desprovido de sentido e de motivo. É importante reconhecer as dimensões qualitativas e lúdicas do tempo e mesmo outras temporalidades que não apenas da monocultura do tempo linear, como trata Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 108). Em sua sociologia das emergências (que se contrapõe à sociologia das ausências), Boaventura defende a adoção de uma ecologia das temporalidades, pois “o tempo linear é uma entre muitas concepções do tempo [...] [e] não é sequer a concepção mais praticada” e, usando a analogia ao palimpsesto, afirma: Por isso, a subjectividade [sic] ou identidade de uma pessoa ou grupo social num dado momento é um palimpsesto temporal do presente, é constituída por uma constelação de diferentes tempos e temporalidades, alguns modernos outros não modernos, alguns antigos outros recentes, alguns lentos outros rápidos, os quais são activados [sic] de modo diferente em diferentes contextos e situações. (SANTOS, 2010, p. 109). 380 Pensar que os tempos dos deslocamentos podem ser (e, de fato, o são!) diferentes para cada um e diferente a cada momento, em função das características do próprio deslocamento, do indivíduo e do ambiente em que se realiza, amplia as possibilidades de análise. Esse palimpsesto temporal vai dialogar com o pensamento de Jean Ollivro (2000, p.33, tradução nossa): “O indivíduo não percebe de forma idêntica o que ele percorre de maneira diferente”. E, ainda, estimula a reflexão de que esse tempo da mobilidade também está associado ao kairós e até mesmo ao aiôn, aos tempos curtos e cíclicos, aos ritmos e, obviamente à sua relação com o espaço e o corpo. Dentro dessa perspectiva múltipla, o foco maior recaiu sobre o tempo como distância (raio de operação) e como velocidade, apontando o ritmo como uma questão a ser desdobrada em outros momentos. Contrariando ao que seria esperado de uma pesquisa dessa natureza, ousa-se encerrar a tese com uma proposição que articule o tempo aos espaços públicos: buscar as “desvelocidades” urbanas. A (alta) velocidade tem dominado nossas ruas e algumas cidades brasileiras já estão descobrindo que devem conter a velocidade para tornar as ruas mais democráticas e justas. Pessoas, grupos, movimentos e associações, envolvidos em temas ambientais, de mobilidade sustentável e de promoção de modos de transporte ativos já trabalham por uma outra lógica de desenvolvimento das cidades. Em sintonia com esse movimento, entende-se que as ideias contidas nessa tese que se encerra reforçam argumentos para que as cidades (man)tenham espaços de ‘não-velocidades”, para que os espaços públicos das cidades sejam espaços comuns, resguardando o direito à imobilidade e ao convívio das diferenças. Todas as ruas deveriam ter seus limites de velocidade mais baixos, chegando-se a limites de 20 ou 30 km/h. Baixar velocidades é uma ação simples de propor e difícil de executar, mas é uma ação completa que, além de resgatar a cidade para as pessoas, promove a melhoria dos pedaços da cidade, da qualidade de vida e da mobilidade urbana. 381 PALAVRA FINAL Não há como negar a importância fundamental de Henri Lefebvre na pesquisa que se encerra, estruturando o pensamento e a sensibilidade que se pretendem dialéticos, com seus conceitos e tríades espaciais e, principalmente com a esperança de que existam aberturas para a transformação da vida cotidiana e do espaço, que tragam de fato uma transformação na sociedade. Sua intuição e defesa da revolução urbana, onde o urbano - possível-impossível - torna-se real, onde todos têm direito à cidade, a mobilidade urbana sustentável se encontrou e fez sentido: ela mesma, algo em disputa e construção, ao mesmo tempo possível e impossível, que “se apropria [...] de sua natureza (corpo, desejo, tempo, espaço)” (LEFEBVRE, 1991, p. 214-215). Outros autores, que acompanharam a tese desde seu início ou se incorporaram ao longo de sua trajetória, trouxeram importantes contribuições que ora preencheram ideias e deram forma às intuições e ora foram verdadeiros aprendizados que tiraram o pesquisador do lugar comum, da sua zona de conforto, para arriscar em novas searas. Entre todos, foi o caso de Milton Santos, Roberto Monte-Mór, Roberto DaMatta, Flávio Villaça, Boaventura Sousa Santos, Torsten Hägerstrand, Marc Augé, Jean Ollivro, Michel Foucault e Thierry Paquot. Mas quem, mais que todos, deu forma e sentido a essa A mobilidade da cidade aos pedaços foi o urbanista francês Marc Wiel, “descoberto” durante estágio-sanduíche na França e com quem se compartilha a intuição de que cidade e mobilidade são indissociáveis, se coproduzem mutuamente, se explicam reciprocamente. Essa confirmação da indissociabilidade transformou a pesquisa e levou-a para esse entre que é ao mesmo tempo cidade e mobilidade, produção conjunta de localizações e deslocamentos e explicações mútuas. A força dessa ideia articulou os pedaços com os tempos, constatação e intuição, conquistadas e confirmadas. Lamenta-se não ter se conseguido chegar a uma palavra que fosse capaz de designar essa relação indissociável, formulada apenas como [mobili]cidade, e que possibilitaria mostrar conjuntamente as dinâmicas e fluxos desse espaço, ao mesmo tempo urbis e mobilis. 382 Cabe a Wiel, falecido em 31 de outubro de 2014, a palavra final... La mobilité quotidienne, c’est-à-dire les déplacements que chacun effectue chaque jour, peut se réinventer constamment – à l’échelle individuelle – mais pourtant, pris dans leur globalité, les flux observés se répètent et se reproduisent dans leurs traits majeurs : ils résultent bien de la superposition au fil du temps des agencements urbains antérieurs dans lesquels ils s’inscrivent. La répartition des densités mais également le degré de mixité sociale ou fonctionnelles, autrement dit l’imbrication spatiale des choses et des gens, conditionnent le volume et la longueur des déplacements, et, pour partie, le moyen de transport utilisé. Les déplacements résultent des caractéristiques de l’agencement urbain et l’existence de cette relation causale a rendu possible toute l’ingénierie de la prévision de trafic qui, partant de cet agencement et des hypothèses de ses modifications, en déduit une prévision des flux.152 (WIEL, 2002, p. 22). 152 A mobilidade cotidiana, ou seja, os deslocamentos que cada um realiza a cada dia, pode reinventar- se constantemente - no nível individual - mas ainda, tomado em sua totalidade, os fluxos observados se repetem e se reproduzem em seus traços principais: eles são o resultado da superposição ao longo do tempo do regime urbano anterior em que eles se inscrevem. A distribuição das densidades, como também o grau de diversidade social ou funcional, ou seja, o imbricamento espacial das coisas e das pessoas, condiciona o volume e o comprimento dos deslocamentos e, em parte, os meios de transporte utilizados. Os deslocamentos resultantes são resultado das características do planejamento urbano e a existência desta relação causal tornou possível a previsão de engenharia de tráfego que, a partir deste regime e dos pressupostos de suas alterações, podem deduzir uma previsão dos fluxos. 383 REFERÊNCIAS AFONSO, Nazareno. Não Transporte, 10 anos depois. Resultados do trabalho da Comissão de Circulação e Urbanismo da ANTP”. Revista dos Transportes Públicos - RTP, São Paulo, Ano 23, n. 91, p. 9-12, junho de 2001. ______. Revisitando o “Não Transporte”, a tese da rua humanizada. Revista Ciência&Ambiente, Santa Maria, RS, n. 37, p. 93-104, dez. 2008. AGIER, Michel. Antropologia da Cidade: Lugares, situações, movimentos. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2011. ALMEIDA, Reginaldo Magalhães de. Pelo espaço concebido: as repercussões dos modelos do urbanismo moderno na (re)produção do espaço urbano de Belo Horizonte. 2014. 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[VOLUME 2 DE 2] APÊNDICE - QUASE ATLAS DOS TERRITÓRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA DE BELO HORIZONTE Belo Horizonte Agosto de 2015 Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................................................................... 401 PARTE 1 – ESCALA DO MUNICÍPIO: mapas de Belo Horizonte com seus 40 territórios .................. 405 DEMOGRÁFICOS ........................................................................................................................... 406 VEÍCULOS ...................................................................................................................................... 407 SOCIOECONÔMICOS .................................................................................................................... 408 TIPOLOGIA URBANA ..................................................................................................................... 409 MOBILIDADE GERAL ..................................................................................................................... 410 MOBILIDADE TRABALHO .............................................................................................................. 411 MOBILIDADE ESCOLA ................................................................................................................... 412 MOBILIDADE COMPRAS ............................................................................................................... 413 ORÇAMENTO TEMPO ................................................................................................................... 414 PARTE 2 – ESCALA DA REGIONAL: Detalhamento dos Territórios de Gestão Compartilhada ........ 417 REGIONAL BARREIRO ....................................................................................................................... 417 Território de Gestão Compartilhada B1 ....................................................................................... 420 Território de Gestão Compartilhada B2 ....................................................................................... 422 Território de Gestão Compartilhada B3 ....................................................................................... 424 Território de Gestão Compartilhada B4 ....................................................................................... 426 Território de Gestão Compartilhada B5 ....................................................................................... 428 REGIONAL OESTE.............................................................................................................................. 431 Território de Gestão Compartilhada O1 ...................................................................................... 434 Território de Gestão Compartilhada O2 ...................................................................................... 436 Território de Gestão Compartilhada O3 ...................................................................................... 438 Território de Gestão Compartilhada O4 ...................................................................................... 440 Território de Gestão Compartilhada O5 ...................................................................................... 442 REGIONAL CENTRO-SUL ................................................................................................................... 445 Território de Gestão Compartilhada CS1 ..................................................................................... 448 Território de Gestão Compartilhada CS2 ..................................................................................... 450 Território de Gestão Compartilhada CS3 ..................................................................................... 452 Território de Gestão Compartilhada CS4 ..................................................................................... 454 Território de Gestão Compartilhada CS5 ..................................................................................... 456 REGIONAL LESTE............................................................................................................................... 459 Território de Gestão Compartilhada L1 ....................................................................................... 462 Território de Gestão Compartilhada L2 ....................................................................................... 464 Território de Gestão Compartilhada L3 ....................................................................................... 466 Território de Gestão Compartilhada L4 ....................................................................................... 468 REGIONAL NORDESTE ...................................................................................................................... 471 Território de Gestão Compartilhada NE1 .................................................................................... 474 Território de Gestão Compartilhada NE2 .................................................................................... 476 Território de Gestão Compartilhada NE3 .................................................................................... 478 Território de Gestão Compartilhada NE4 .................................................................................... 480 Território de Gestão Compartilhada NE5 .................................................................................... 482 REGIONAL NORTE ............................................................................................................................. 485 Território de Gestão Compartilhada N1 ...................................................................................... 488 Território de Gestão Compartilhada N2 ...................................................................................... 490 Território de Gestão Compartilhada N3 ...................................................................................... 492 Território de Gestão Compartilhada N4 ...................................................................................... 494 REGIONAL VENDA NOVA .................................................................................................................. 497 Território de Gestão Compartilhada VN1 .................................................................................... 500 Território de Gestão Compartilhada VN2 .................................................................................... 502 Território de Gestão Compartilhada VN3 .................................................................................... 504 Território de Gestão Compartilhada VN4 .................................................................................... 506 REGIONAL PAMPULHA ..................................................................................................................... 509 Território de Gestão Compartilhada P1 ....................................................................................... 512 Território de Gestão Compartilhada P2 ....................................................................................... 514 Território de Gestão Compartilhada P3 ....................................................................................... 516 Território de Gestão Compartilhada P4 ....................................................................................... 518 REGIONAL NOROESTE ...................................................................................................................... 521 Território de Gestão Compartilhada NO1 .................................................................................... 524 Território de Gestão Compartilhada NO2 .................................................................................... 526 Território de Gestão Compartilhada NO3 .................................................................................... 528 Território de Gestão Compartilhada NO4 .................................................................................... 530 PARTE 3 – TABELAS E METODOLOGIA ............................................................................................. 532 TABELAS TERRITÓRIOS DE GESTÃO COMPARTILHADA .................................................................... 532 METODOLOGIA DE CÁLCULO ........................................................................................................... 541 401 APRESENTAÇÃO O presente Atlas, nomeado de “Quase” por não respeitar padrões técnicos tradicionais de produção de mapas e de informações especializadas, tem como objetivo principal sustentar a análise crítica das relações entre espaço e mobilidade na cidade de Belo Horizonte realizada no Capítulo 4 da Tese de Doutorado A MOBILIDADE DA CIDADE AOS PEDAÇOS: espaço-tempo-corpo dos deslocamentos em Belo Horizonte através da justaposição de mapas e dados em três escalas diferentes que se intercruzam: o Município, cada uma das nove Regionais e os 40 Territórios de Gestão Compartilhada. Os elementos utilizados para compor as informações em cada uma das escalas propostas são: ESCALA DO MUNICÍPIO (com subdivisão nos 40 Territórios de Gestão Compartilhada): Mapas temáticos elaborados com dados sócio-econômicos e de mobilidade selecionados do Censo de 2010 (IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010) e da Pesquisa de Origem e Destino (ARMBH – Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, 2012). Os mapas temáticos foram elaborados com graduações de cores em cinco escalas e critério de contagem, ou seja, cada quantil de 20% (ou de oito Territórios de Gestão Compartilhada) possui uma cor diferente. As variáveis selecionadas estão apresentadas em grupos1 de quatro mapas em uma tentativa de justapor informações, criar tipologias e permitir a análise comparativa:  Demográficos: População (2010), Variação da População (% entre 2010 e 2000), Densidade populacional média (2010) e Habitantes por domicílio (2010);  Veículos (2012): Automóvel por domicílio, Automóvel por pessoa, Motocicleta por domicílio, Bicicletas por domicílio;  Socioeconômicos (2010): Renda Média domiciliar, Renda média per capita, Variação de renda (relação entre 20% mais ricos e 20% mais pobres), Tipologia de renda;  Tipologia urbana: Densidade de unidades habitacionais (2014), Densidade de unidades não habitacionais (2014), Viagens destinadas sobre viagens originadas (2012), tipologia urbana (diversidade funcional).  Mobilidade geral (2012): Índice de Mobilidade Geral (viagens por pessoa por dia), Percentual de viagens em modos não motorizados (a pé e bicicleta), Percentual de viagens em modos 1 Outros agrupamentos dos mesmos mapas foram feitos, de forma mais analítica, para serem apresentados no corpo da Tese. 402 coletivos (metrô, ônibus, fretado, escolar e perua); Percentual de pessoas em modos individuais motorizados (motorista e passageiro de auto, piloto e passageiro de moto e táxi);  Mobilidade trabalho (dados restritos às viagens por motivo trabalho, 2012): Índice de Mobilidade (por motivo trabalho), Percentual de viagens em modos não motorizados (trabalho), Percentual de viagens em modos coletivos (trabalho); Percentual de pessoas em modos individuais motorizados (trabalho);  Mobilidade estudo: (dados restritos às viagens por motivo escola, 2012): Índice de Mobilidade (por motivo escola), Percentual de viagens em modos não motorizados (escola), Percentual de viagens em modos coletivos (escola); Percentual de pessoas em modos individuais motorizados (escola);  Mobilidade compras (dados restritos às viagens por motivo compras, 2012): Índice de Mobilidade (por motivo compras), Percentual de viagens em modos não motorizados (compras), Percentual de viagens em modos coletivos (compras); Percentual de pessoas em modos individuais motorizados (compras).  Orçamento do tempo e viagens com menos de 30 minutos (conjunto de oito mapas, 2012): Tempo médio de viagem em transporte coletivo até o Centro de Belo Horizonte, Orçamento do Tempo (% de pessoas que gastam menos de uma hora por dia); Percentual de viagens com menos de 30 minutos (em seis versões: todos os modos e todos os motivos, todos os modos, motivo trabalho; modos coletivos, todos os motivos, modos individuais motorizados, todos os motivos; todos os modos, motivo escola; e todos os modos, motivo compras ESCALA REGIONAL (com subdivisão nos respectivos Territórios de Gestão Compartilhada):  Dados gerais (2010): População, Área, Densidade populacional, Renda Média, divisão modal (não motorizados, coletivos e individuais motorizados);  Acessibilidade: Mapas de análise da acessibilidade produzidos nos Diagnósticos dos Planos Diretores Regionais – PDRs): acessibilidade aos bairros da região, acessibilidade ao transporte público, acessibilidade ao centro de Belo Horizonte e acessibilidade às centralidades da regional;  Caracterização geral: Mapas de produzidos nos Diagnósticos dos Planos Diretores Regionais – PDRs: Mapa de centralidades identificadas, Mapa de áreas valorizadas, Mapa de necessidades de áreas verdes ou de qualificação ambiental da estrutura urbana; e Mapa de adequação geométrica legal das vias da Regional. 403 ESCALA DO TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA:  Fotos aéreas retiradas do Google Earth: geral do Território e de alguns pedaços em zoom, com identificação em manchas verdes de todas as vilas e favelas, conforme camada obtida no site da Prefeitura;  Dados de População (2000, 2010 e variação neste período) e nomes dos Bairros que compõem cada Território;  Divisão modal das viagens diárias do Território (Pesquisa OD 2012);  Tabela com dados das dimensões: o Diversidade Social: renda média, renda dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres e variação de renda entre o quantil dos 20% mais ricos e o quantil dos 20% mais pobres; o Diversidade funcional: densidade de unidades residenciais, densidade unidades não residenciais, relação entre densidades e o balanço entre viagens destinadas ao Território e originadas nele; o Orçamento do tempo: tempo ao centro, percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia; percentual de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e todos os motivos); percentual de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho).  Cada uma das variáveis dessa tabela foram qualificadas em cinco níveis conforme as seguintes faixas de valores: Variável Baixo Médio-baixo Médio Médio-alto Alto Renda média per capita < -600 600 a 1.200 1.200 a 1.800 1.800 a 2.400 > 2.400 Variação de renda (20% + rico/20% + pobre) < 2,45 2,45 a 2,70 2,70 a 3,20 3,20 a 3,90 > 3,90 Relação entre densidades (resid. e não resid.) < 0,1 0,1 a 0,15 0,15 a 0,20 0,20 a 0,30 > 0,30 Balanço de viagens (destinadas/originadas) < -30% -30% a -10 -10% a +10% +10% a +30% > + 30% Tempo ao centro > 1h20min 1h20min a 1h10min 1h10min a 1h00min 1h00min a 50min < 50min % de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia < 44% 44% a 47% 47% a 50% 50% a 53% < 53% % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) < 59% 59% a 61% 61% a 63% 63% a 65% > 65% % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) < 43% 43% a 45% 45% a 47% 47% a 49% > 49% 404 405 PARTE 1 – ESCALA DO MUNICÍPIO: mapas de Belo Horizonte com seus 40 territórios 406 DEMOGRÁFICOS População 2010 Variação de população (% entre 2010 e 2000) Densidade média Habitante por domicílio 407 VEÍCULOS Automóveis por domicílio Automóveis por pessoa Motocicletas por domicílio Bicicletas por domicílio 408 SOCIOECONÔMICOS Renda média per cápita Renda média domiciliar Variação de renda Tipologias de renda (favelas em amarelo) 409 TIPOLOGIA URBANA Densidade unidades residenciais Densidade unidades não residenciais Viagens destinadas sobre viagens originadas (quanto mais escuro, mas atração) Relação entre densidades 410 MOBILIDADE GERAL Índice de Mobilidade (viagens/pessoa.dia) % de viagens em modos não motorizados % de viagens em modos coletivos % de viagens em modos individuais motorizados 411 MOBILIDADE TRABALHO Índice de mobilidade por motivo trabalho % de viagens não motorizadas (trabalho) % de viagens em modos coletivos (trabalho) % de viagens em modos individuais motorizados (trabalho) 412 MOBILIDADE ESCOLA Índice de mobilidade por motivo escola % de viagens não motorizadas (escola) % de viagens em modos coletivos (escola) % de viagens em modos individuais motorizados (escola) 413 MOBILIDADE COMPRAS Índice de mobilidade por motivo compras % de viagens não motorizadas (compras) % de viagens em modos coletivos (compras) % de viagens em modos individuais motorizados (compras) 414 ORÇAMENTO TEMPO ”Distância ao centro” (tempo médio de viagem em transporte coletivo) Orçamento Tempo (% de pessoas que gastam menos de uma hora por dia) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos, motivo trabalho) 415 % de viagens com menos de 30 minutos (modos coletivos) % de viagens com menos de 30 minutos (modos individuais motorizados) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos, motivo escola) % de viagens com menos de 30 minutos (todos os modos, motivo compras) 416 417 PARTE 2 – ESCALA DA REGIONAL: Detalhamento dos Territórios de Gestão Compartilhada REGIONAL BARREIRO 418 REGIONAL BARREIRO Dados gerais (2010):  População: 282.552 habitantes;  Área: 53,46 km2;  Densidade populacional: 5.285,0 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 593,50 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: -16,3%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 51,0% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade - Barreiro (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013,a, p.387-390. 42,2% 30,6% 26,9% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 419 Mapa das centralidades identificadas - Barreiro. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013a, p.498. Mapa das áreas valorizadas- Barreiro. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013a, p.482. Mapa das necessidades de áreas verdes ou de qualificação ambiental da estrutura urbana. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013a, p.105 Mapa de adequação geométrica legal das vias da Regional Barreiro. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horizonte 2013a, p.288. 420 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA B1 População 2000 População 2010 Variação 47.798 45.869 -4,1% Divisão modal: Bairros: Alta Tensão Primeira Seção; Alta Tensão Segunda Seção; Bairro das Indústrias I; Bairro Novo das Indústrias; Bernadete; Bonsucesso; Conjunto Bonsucesso; Milionários; Olhos d'Água (parte); Pilar; São João; Vila COPASA; Vila Nova dos Milionários; Vila Olhos d'Água e Vila Pilar. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 569,83 Renda dos 20% mais ricos R$ 830,28 Renda dos 20% mais pobre R$ 336,89 Variação de renda 2,46 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 479,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 87,2 Relação entre densidades 0,182 Balanço entre viagens destinadas e originadas -32,0% Orçamento do tempo Tempo ao centro 52m47s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 50,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 60,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 41,0% 43,60% 33,10% 23,20% Não Mot Coletivos Individual 421 E SEUS PEDAÇOS 422 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA B2 População 2000 População 2010 Variação 39.868 42,531 +6,7% Divisão modal: Bairros: Ademar Maldonado; Átila de Paiva; Barreiro; Diamante; João Paulo II; Santa Helena; Santa Margarida; Teixeira Dias; Vila Átila de Paiva e Vila Tirol. Dimensão Indicador Valor Qualificação Renda média (2010) R$ 903,79 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.642,42 Renda dos 20% mais pobre R$ 450,91 Variação de renda 3,64 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1796,1 Densidade unidades não residenciais (2014) 351,0 Relação entre densidades 0,195 Balanço entre viagens destinadas e originadas + 63,7% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h04m39s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 47,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 62,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 44,8% 41,60% 23,80% 34,50% Não Mot Coletivos Individual 423 E SEUS PEDAÇOS 424 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA B3 População 2000 População 2010 Variação 53.191 52.370 -1,5% Divisão modal: Bairros: Itaipu; Jatobá; Lindéia; Marieta Segunda Seção; Marieta Terceira Seção; Marilândia; Tirol; Túnel de Ibirité e Vila Piratininga. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 580,33 Renda dos 20% mais ricos R$ 935,54 Renda dos 20% mais pobre R$ 369,00 Variação de renda 2,54 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.474,50 Densidade unidades não residenciais (2014) 235,0 Relação entre densidades 0,159 Balanço entre viagens destinadas e originadas -34,3% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h17m54s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 53,4% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 65,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 49,2% 40,30% 30,50% 28,60% Não Mot Coletivos Individual 425 E SEUS PEDAÇOS 426 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA B4 População 2000 População 2010 Variação 54.097 68.018 +25,7%s Divisão modal: Bairros: Alto das Antenas; Araguaia; Brasil Industrial; Cardoso; Corumbiara; Esperança; Flávio de Oliveira; Flávio Marques Lisboa; Miramar; Novo Santa Cecília; Pongelupe; Serra do Curral; Solar do Barreiro e Vila CEMIG. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$601,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 834,36 Renda dos 20% mais pobre R$ 334,83 Variação de renda 2,49 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 470,7 Densidade unidades não residenciais (2014) 43,2 Relação entre densidades 0,092 Balanço entre viagens destinadas e originadas -41,5% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h34m19 Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 56,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 37,2% 37,20% 34,90% 27,60% Não Mot Coletivos Individual 427 E SEUS PEDAÇOS 428 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA B5 População 2000 População 2010 Variação 67.243 73.764 +9,7% Divisão modal: Bairros: Águas Claras; Castanheira; CDI Jatobá; Cjto Jatobá; Distrito Ind. do Jatobá; Ernesto do Nascimento; Independência; Jd do Vale; Mangueiras; Marieta 1ª Seção; Mineirão; Olaria; Petrópolis; Sta Cecília; Sta Rita; Vale do Jatobá; Vila Batik; Vila Ecológica; Vila Formosa; Vila Independência 1ª, 2ª e 3ª Seção; Vila Mangueiras; Vila Petrópolis; Vila Pinho e Vitória da Conquista. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 432,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 638,29 Renda dos 20% mais pobre R$ 276,05 Variação de renda 2,31 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 841,7 Densidade unidades não residenciais (2014) 92,1 Relação entre densidades 0,109 Balanço entre viagens destinadas e originadas -30,0% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h23m14s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 53,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 65,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 42,0% Tipologia de tempo 46,80% 30,30% 22,80% Não Mot Coletivos Individual 429 E SEUS PEDAÇOS 430 431 REGIONAL OESTE 432 REGIONAL OESTE Dados gerais (2010):  População: 308.549 habitantes;  Área: 35,93 km2;  Densidade populacional: 8.587,2 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 1.359,44 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: +5,0%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 46,8% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade - Oeste (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013b, p.386-389. 29,5% 25,3% 45,2% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 433 Mapa das centralidades identificadas - Oeste. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013b, p.498. Mapa das áreas valorizadas- Oeste. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013b, p.483. Necessidades de áreas verdes e de qualificação ambiental da estrutura urbana - Oeste. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013b, p.107 Mapa de adequação geométrica legal das vias - Oeste. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horioznte 2013b, p.294. 434 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA O1 População 2000 População 2010 Variação 98.898 100.638 +1,8% Divisão modal: Bairros: Alto Barroca; Barroca; Calafate; Grajaú; Gutierrez; Jardim America; Nova Granada; Nova Suissa; Prado e Salgado Filho. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 2.032,26 Renda dos 20% mais ricos R$ 3.650,92 Renda dos 20% mais pobre R$ 922,39 Variação de renda 3,96 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 4.159,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 676,3 Relação entre densidades 0,163 Balanço entre viagens destinadas e originadas +22,3% Orçamento do tempo Tempo ao centro 50min07seg Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 47,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 63,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 54,7% 24,40% 21,40% 54,10% Não Mot Coletivos Individual 435 E SEUS PEDAÇOS 436 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA O2 População 2000 População 2010 Variação 89.680 92.539 +3,2% Divisão modal: Bairros: Ambrosina; Bairro das Indústrias II; Cabana do Pai Tomás; Camargos; Custodinha; Gameleira; Guaratã; Imbaúbas; Jardinópolis; Madre Gertrudes; Maravilha; Nova Cintra; Nova Gameleira; Oeste (parte); Sta Maria; Sport Club; Vila Calafate; V. da Amizade; Vila Madre Gertrudes 1ª, 2ª, 3ª e 4ª Seção; Vila Nova Gameleira 1ª, 2ª, 3ª Seção; Vila Oeste; V. Vista Alegre; Virgínia e Vista Alegre. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 662,37 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.334,03 Renda dos 20% mais pobre R$ 344,31 Variação de renda 3,87 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.376,7 Densidade unidades não residenciais (2014) 152,6 Relação entre densidades 0,111 Balanço entre viagens destinadas e originadas -18,1% Orçamento do tempo Tempo ao centro 52m25s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 58,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 47,3% 24,40% 21,40% 54,10% Não Mot Coletivos Individual 437 E SEUS PEDAÇOS 438 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA O3 População 2000 População 2010 Variação 24.359 21.181 -13,0% Divisão modal: Bairros: Alpes; Barão Homem de Melo Primeira Seção; Barão Homem de Melo Segunda Seção; Barão Homem de Melo Terceira Seção; Chácara Leonina; Leonina; Pantanal; Santa Sofia; São Jorge Primeira Seção; São Jorge Segunda Seção; São Jorge Terceira Seção e Vila Antena. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$388,22 Renda dos 20% mais ricos R$ 638,16 Renda dos 20% mais pobre R$ 272,46 Variação de renda 2,34 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 357,2 Densidade unidades não residenciais (2014) 83,2 Relação entre densidades 0,233 Balanço entre viagens destinadas e originadas -58,7% Orçamento do tempo Tempo ao centro 46m57s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 59,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 69,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 56,4% 44,80% 31,90% 23,30% Não Mot Coletivos Individual 439 E SEUS PEDAÇOS 440 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA O4 População 2000 População 2010 Variação 56.174 59.549 +6,0% Divisão modal: Bairros: Betânia; Cinqüentenário; Estrela do Oriente; Havaí; Marajó; Palmeiras; Parque São José; Ventosa; Vila Betânia; Vila Havaí e Vila Nova Paraíso. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 815,63 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.525,98 Renda dos 20% mais pobre R$ 373,86 Variação de renda 4,08 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.726,9 Densidade unidades não residenciais (2014) 155,9 Relação entre densidades 0,09 Balanço entre viagens destinadas e originadas -31,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h04m39s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 41,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 56,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 46,5% 24,40% 21,40% 54,10% Não Mot Coletivos Individual 441 E SEUS PEDAÇOS 442 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA O5 População 2000 População 2010 Variação 17.804 34.642 +94,6% Divisão modal: Bairros: Buritis; Estoril; Olhos d'Água (parte) e Santa Lúcia (parte). Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$2.795,56 Renda dos 20% mais ricos R$ 3.492,70 Renda dos 20% mais pobre R$ 1.689,78 Variação de renda 2,07 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.738,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 410,3 Relação entre densidades 0,236 Balanço entre viagens destinadas e originadas +70,5% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h04m57s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 41,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 57,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 46,7% 22,60% 17,60% 59,80% Não Mot Coletivos Individual 443 E SEUS PEDAÇOS 444 445 REGIONAL CENTRO-SUL 446 REGIONAL CENTRO-SUL Dados gerais (2010):  População: 283,776 habitantes;  Área: 31,73 km2;  Densidade populacional: 8.943,0 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 3.024,55 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: +110,5%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 53,0% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade – Centro-Sul (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013c, p.439-442. 36,4% 16,2% 47,3% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 447 Mapa das centralidades identificadas – Centro- Sul. Fonte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013c, p.547. Mapa das áreas valorizadas- Centro-Sul. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013c, p.531. Necessidades de áreas verdes e de qualificação ambiental da estrutura urbana – Centro-Sul. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013c, p.107 Mapa de adequação geométrica legal das vias – Centro-Sul. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horioznte 2013c, p.328. 448 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA CS1 População 2000 População 2010 Variação 76.266 84.941 +11,4% Divisão modal: Bairros: Barro Preto; Boa Viagem; Centro; Floresta (parte); Funcionários; Lourdes; Santa Efigênia (parte); Santo Agostinho e Savassi. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$3.578 Renda dos 20% mais ricos R$ 6.239,64 Renda dos 20% mais pobre R$ 1.654,15 Variação de renda 3,77 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 5.722,2 Densidade unidades não residenciais (2014) 6.614,6 Relação entre densidades 1,156 Balanço entre viagens destinadas e originadas +219,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 41m20s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 56,1% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 77,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 70,7% 47,00% 15,20% 37,70% Não Mot Coletivos Individual 449 E SEUS PEDAÇOS 450 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA CS2 População 2000 População 2010 Variação 79.082 84.103 +6,3% Divisão modal: Bairros: Anchieta; Belvedere; Carmo; Comiteco; Cruzeiro; Mangabeiras; Novo São Lucas (parte); São Lucas; Serra e Sion. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$3.934,62 Renda dos 20% mais ricos R$ 6.860,50 Renda dos 20% mais pobre R$ 2.071,92 Variação de renda 3,31 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.699,9 Densidade unidades não residenciais (2014) 639,5 Relação entre densidades 0,237 Balanço entre viagens destinadas e originadas +12,9% Orçamento do tempo Tempo ao centro 40m54s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 53,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 73,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 65,0% 25,00% 11,80% 63,20% Não Mot Coletivos Individual 451 E SEUS PEDAÇOS 452 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA CS3 População 2000 População 2010 Variação 44.627 39.942 -10,5% Divisão modal: Bairros: Acaba Mundo; Fazendinha; Marçola; Nossa Senhora da Aparecida; Nossa Senhora da Conceição; Nossa Senhora de Fátima; Nossa Senhora do Rosário; Pindura Saia; Santa Isabel; Santana do Cafezal; Vila FUMEC e Vila Novo São Lucas. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$380,56 Renda dos 20% mais ricos R$ 492,52 Renda dos 20% mais pobre R$ 278,40 Variação de renda 1,77 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 59,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 9,1 Relação entre densidades 0,151 Balanço entre viagens destinadas e originadas -56,0% Orçamento do tempo Tempo ao centro 51m16s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 50,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 61,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 42,1% 50,70%37,50% 11,80% Não Mot Coletivos Individual 453 E SEUS PEDAÇOS 454 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA CS4 População 2000 População 2010 Variação 54.461 55.853 +2,6% Divisão modal: Bairros: Cidade Jardim; Coração de Jesus; Luxemburgo; Santa Lúcia (parte); Santo Antônio; São Bento; São Pedro e Vila Paris. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$3.552,67 Renda dos 20% mais ricos R$ 4.712,79 Renda dos 20% mais pobre R$ 2.576,31 Variação de renda 1,83 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 3.940,5 Densidade unidades não residenciais (2014) 1.082,4 Relação entre densidades 0,275 Balanço entre viagens destinadas e originadas +10,7% Orçamento do tempo Tempo ao centro 49m41s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 46,1% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 67,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 57,9% 20,50% 10,70% 68,60% Não Mot Coletivos Individual 455 E SEUS PEDAÇOS 456 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA CS5 População 2000 População 2010 Variação 19.469 18.937 -2,7% Divisão modal: Bairros: Ápia; Conjunto Santa Maria; Estrela; Mala e Cuia; Monte São José; Santa Rita de Cássia; Vila Bandeirantes e Vila Barragem Santa Lúcia. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$501,30 Renda dos 20% mais ricos R$ 827,41 Renda dos 20% mais pobre R$ 320,13 Variação de renda 2,58 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 318,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 7,8 Relação entre densidades 0,025 Balanço entre viagens destinadas e originadas -49,1% Orçamento do tempo Tempo ao centro 58m28s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 59,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 70,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 61,5% 61,60% 23,70% 14,70% Não Mot Coletivos Individual 457 E SEUS PEDAÇOS 458 459 REGIONAL LESTE 460 REGIONAL LESTE Dados gerais (2010):  População: 238.539 habitantes;  Área: 27,9 km2;  Densidade populacional: 8.549,7 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 1.089,17 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: -10,6%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 48,2% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade – Leste (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013d, p.376-379. 33,1% 32,1% 34,7% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 461 Mapa das centralidades identificadas - Leste. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013d, p.480. Mapa das áreas valorizadas- Leste. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013d, p.464. Necessidades de áreas verdes e de qualificação ambiental da estrutura urbana - Leste. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013d, p.107. Mapa de adequação geométrica legal das vias - Leste. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horioznte 2013d, p.294. 462 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA L1 População 2000 População 2010 Variação 61.321 61.084 -0,4%% Divisão modal: Bairros: Boa Vista; Caetano Furquim; Camponesa Primeira Seção; Camponesa Segunda Seção; Casa Branca; Grota; Mariano de Abreu; Nova Vista; Santa Inês; São Geraldo; Vila Boa Vista e Vila São Geraldo. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 836,54 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.553,33 Renda dos 20% mais pobre R$ 425,82 Variação de renda 3,65 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.888,9 Densidade unidades não residenciais (2014) 238,3 Relação entre densidades 0,126 Balanço entre viagens destinadas e originadas -32,0% Orçamento do tempo Tempo ao centro 52min08seg Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 62,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 47,1% 34,00% 35,00% 30,90% Não Mot Coletivos Individual 463 E SEUS PEDAÇOS 464 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA L2 População 2000 População 2010 Variação 79.051 77.431 -2,0% Divisão modal: Bairros: Colégio Batista (parte); Floresta (parte); Horto; Horto Florestal; João Alfredo; Sagrada Família; Santa Tereza; São Vicente e Vila Dias. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.651,10 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.416,68 Renda dos 20% mais pobre R$ 819,26 Variação de renda 2,95 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 3.525,2 Densidade unidades não residenciais (2014) 433,8 Relação entre densidades 0,123 Balanço entre viagens destinadas e originadas +9,9% Orçamento do tempo Tempo ao centro 47min57seg Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 50,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 67,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 60,4% 29,70% 25,50% 44,60% Não Mot Coletivos Individual 465 E SEUS PEDAÇOS 466 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA L3 População 2000 População 2010 Variação 53.939 56.070 +4,0% Divisão modal: Bairros: Belém; Cônego Pinheiro Primeira Seção; Cônego Pinheiro Segunda Seção; Esplanada; Jonas Veiga; Novo São Lucas (parte); Paraíso; Pirineus; Pompéia; Santa Efigênia (parte); Saudade; Vera Cruz; Vila Nossa Senhora do Rosário; Vila Paraíso; Vila São Rafael; Vila União; Vila Vera Cruz Primeira Seção e Vila Vera Cruz Segunda Seção. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.124,48 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.067,31 Renda dos 20% mais pobre R$ 549,04 Variação de renda 3,77 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.060,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 330,5 Relação entre densidades 0,160 Balanço entre viagens destinadas e originadas +3,4% Orçamento do tempo Tempo ao centro 50min33seg Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 51,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 65,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 61,0% 33,10% 30,30% 36,60% Não Mot Coletivos Individual 467 E SEUS PEDAÇOS 468 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA L4 População 2000 População 2010 Variação Tempo ao centro 46.886 43.954 -6,3% Divisão modal: Bairros: Alto Vera Cruz; Baleia; Cidade Jardim Taquaril; Conjunto Taquaril; Granja de Freitas; Taquaril e Vila da Área. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 405,31 Renda dos 20% mais ricos R$ 563,58 Renda dos 20% mais pobre R$ 207,33 Variação de renda 2,72 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 162,1 Densidade unidades não residenciais (2014) 25,2 Relação entre densidades 0,156 Balanço entre viagens destinadas e originadas -45,5% Orçamento do tempo Tempo ao centro 52min51seg Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 40,8% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 56,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 37,6% 39,10% 44,30% 16,50% Não Mot Coletivos Individual 469 E SEUS PEDAÇOS 470 471 REGIONAL NORDESTE 472 REGIONAL NORDESTE Dados gerais (2010):  População: 290.353 habitantes;  Área: 39,5 km2;  Densidade populacional: 7.347,0 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 955,00 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: +22,3%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 45,9% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade – Nordeste (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013e, p.371-374. 33,6% 32,7% 33,6% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 473 Mapa das centralidades identificadas - Nordeste. Fonte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013e, p.483. Mapa das áreas valorizadas- Nordeste. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013e, p.466. Necessidades de áreas verdes e de qualificação ambiental da estrutura urbana - Nordeste. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013e, p.105. Mapa de adequação geométrica legal das vias - Nordeste. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horioznte 2013e, p.279. 474 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NE1 População 2000 População 2010 Variação 73.614 78.485 +6,6%% Divisão modal: Bairros: Acaiaca; Antônio Ribeiro de Abreu; Beija Flor; Beira-Linha; Belmonte; Boa Esperança; Capitão Eduardo; Conjunto Capitão Eduardo; Conjunto Paulo VI; Dom Silvério; Grotinha; Nazaré; Ouro Minas; Paulo VI; Ribeiro de Abreu (parte); São Gabriel; Três Marias; Vila Esplanada; Vila Ouro Minas; Vila São Dimas; Vila São Gabriel; Vila São Gabriel Jacuí e Vista do Sol. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 500,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 789,15 Renda dos 20% mais pobre R$ 311,86 Variação de renda 2,53 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 629,5 Densidade unidades não residenciais (2014) 61,3 Relação entre densidades 0,097 Balanço entre viagens destinadas e originadas -32,6% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h13m52s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 43,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 54,8% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 31,8% 35,90% 38,10% 25,90% Não Mot Coletivos Individual 475 E SEUS PEDAÇOS 476 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NE2 População 2000 População 2010 Variação 32.545 40.573 +24,7% Divisão modal: Bairros: Bela Vitória; Goiânia; Guanabara; Jardim Vitória; Mirtes; Morro dos Macacos; Pousada Santo Antônio; São Benedito; Vila da Luz; Vila Maria e Vitória. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 498,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 733,46 Renda dos 20% mais pobre R$ 306,60 Variação de renda 2,39 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 700,5 Densidade unidades não residenciais (2014) 57,2 Relação entre densidades 0,082 Balanço entre viagens destinadas e originadas -40,4% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h23m48s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 45,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 57,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 42,1% 31,70% 39,40% 28,90% Não Mot Coletivos Individual 477 E SEUS PEDAÇOS 478 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NE3 População 2000 População 2010 Variação 42.660 43.425 +1,8% Divisão modal: Bairros: Andiroba; Dom Joaquim; Eymard; Fernão Dias; Ipê; Maria Goretti; Penha; Pirajá; São Marcos; São Paulo e Vila São Paulo. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 753,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.563,13 Renda dos 20% mais pobre R$ 411,81 Variação de renda 3,8 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1710,7 Densidade unidades não residenciais (2014) 172,3 Relação entre densidades 0,101 Balanço entre viagens destinadas e originadas -41,5% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h23m40s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 39,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 53,8% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 37,1% 32,00% 34,70% 33,30% Não Mot Coletivos Individual 479 E SEUS PEDAÇOS 480 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NE4 População 2000 População 2010 Variação 64.330 62.977 +6,1% Divisão modal: Bairros: Cachoeirinha; Canadá; Colégio Batista (parte); Concórdia; Lagoinha (parte); Maria Virgínia; Renascença; Santa Cruz; São Cristóvão (parte); São Sebastião; Tiradentes; Vila da Paz; Vila do Pombal; Vila Inestan e Vila Nova Cachoeirinha Terceira Seção. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 984,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.585,82 Renda dos 20% mais pobre R$ 436,47 Variação de renda 3,63 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2135,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 320,6 Relação entre densidades 0,150 Balanço entre viagens destinadas e originadas -22,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 54m52s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 51,4% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 65,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 49,8% 38,00% 31,00% 31,00% Não Mot Coletivos Individual 481 E SEUS PEDAÇOS 482 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NE5 População 2000 População 2010 Variação 60.103 64.893 +5,2% Divisão modal: Bairros: Cidade Nova; Graça; Ipiranga; Nova Floresta; Palmares; Silveira; União; Vila de Sá e Vila Ipiranga. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.899,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 3.268,90 Renda dos 20% mais pobre R$ 706,16 Variação de renda 4,63 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 4216,9 Densidade unidades não residenciais (2014) 517,9 Relação entre densidades 0,123 Balanço entre viagens destinadas e originadas +4,9% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h05m14s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 62,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 48,1% 29,50% 25,00% 45,40% Não Mot Coletivos Individual 483 E SEUS PEDAÇOS 484 485 REGIONAL NORTE 486 REGIONAL NORTE Dados gerais (2010):  População: 212.055 habitantes;  Área: 32,6 km2;  Densidade populacional: 6.512,7 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 614,31 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: -34,4%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 48,7% Divisão modal (2012): Obs: O Plano Diretor das Regional Norte foi desenvolvido em outro momento e com outra metodologia, e não foram desenvolvidos mapas de avaliação das condições de acessibilidade . 39,0% 34,0% 27,0% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 487 Mapa das centralidades identificadas - Nordeste. Fonte: PBH, 2015. Obs: O Plano Diretor das Regional Norte foi desenvolvido em outro momento e com outra metodologia, e não foram desenvolvidos mapas de áreas valorização, de avaliação das necessidades de áreas verdes e de adequação geométrica legal das vias. 488 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA N1 População 2000 População 2010 Variação 23.423 34.709 +48,2%% Divisão modal: Bairros: Etelvina Carneiro; Frei Leopoldo; Jaqueline; Juliana; Madri; Mariquinhas; Satélite; Vila Nova; Xodó-Marize e Zilah Spósito. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 514,60 Renda dos 20% mais ricos R$ 767,93 Renda dos 20% mais pobre R$ 291,16 Variação de renda 2,64 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.012,5 Densidade unidades não residenciais (2014) 48,9 Relação entre densidades 0,048 Balanço entre viagens destinadas e originadas -32,5% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h22m39s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 47,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 63,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 39,5% 46,00% 33,90% 19,90% Não Mot Coletivos Individual 489 E SEUS PEDAÇOS 490 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA N2 População 2000 População 2010 Variação 61.949 66.331 +7,1% Divisão modal: Bairros: Bela Vitória; Goiânia; Guanabara; Jardim Vitória; Mirtes; Morro dos Macacos; Pousada Santo Antônio; São Benedito; Vila da Luz; Vila Maria e Vitória. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 448,93 Renda dos 20% mais ricos R$ 635,95 Renda dos 20% mais pobre R$ 262,72 Variação de renda 2,42 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 242,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 32,6 Relação entre densidades 0,134 Balanço entre viagens destinadas e originadas -47,3% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h13m18s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 45,1% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 55,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 32,3% 34,90% 41,80% 23,30% Não Mot Coletivos Individual 491 E SEUS PEDAÇOS 492 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA N3 População 2000 População 2010 Variação 69.831 75.206 +7,7% Divisão modal: Bairros: Bacurau; Biquinhas; Campo Alegre; Floramar; Heliópolis; Jardim Guanabara; Planalto; São Bernardo; São Tomáz; Vila Aeroporto e Vila Clóris (parte). Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 813,30 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.522,73 Renda dos 20% mais pobre R$ 384,66 Variação de renda 3,96 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.175,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 249,9 Relação entre densidades 0,115 Balanço entre viagens destinadas e originadas -33,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h11m17s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 49,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 64,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 48,6% 38,90% 28,10% 33,00% Não Mot Coletivos Individual 493 E SEUS PEDAÇOS 494 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA N4 População 2000 População 2010 Variação 38.145 35.809 -6,1% Divisão modal: Bairros: Aarão Reis; Boa União Primeira Seção; Boa União Segunda Seção; Conjunto Providência; Guarani; Minaslândia; Primeiro de Maio; Providência; São Gonçalo; Vila Minaslândia e Vila Primeiro de Maio. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 599,38 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.070,96 Renda dos 20% mais pobre R$ 345,63 Variação de renda 3,10 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.643,1 Densidade unidades não residenciais (2014) 226,5 Relação entre densidades 0,138 Balanço entre viagens destinadas e originadas -14,6% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h02m47s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 54,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 64,1% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 47,9% 40,20% 34,70% 25,10% Não Mot Coletivos Individual 495 E SEUS PEDAÇOS 496 497 REGIONAL VENDA NOVA 498 REGIONAL VENDA NOVA Dados gerais (2010):  População: 265.179 habitantes;  Área: 29,2 km2;  Densidade populacional: 9.093,0 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 571,88 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: -9,7%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 52,0% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade - Barreiro (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013ha, p.229-232. 41,8% 30,6% 27,6% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 499 Mapa das centralidades identificadas - Barreiro. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013ha, p.53. Mapa das áreas valorizadas- Barreiro. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013a, p.306. Mapa das necessidades de áreas verdes ou de qualificação ambiental da estrutura urbana. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013a, p.56 Mapa de adequação geométrica legal das vias da Regional Barreiro. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horizonte 2013a, p.151. 500 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA VN1 População 2000 População 2010 Variação 45.258 50.356 +1,6% Divisão modal: Bairros: Canaã; Cenáculo; Conjunto Minascaixa; Conjunto Serra Verde; Europa; Laranjeiras; Minascaixa; Parque São Pedro; São Damião; Serra Verde; Vila Clóris (parte) e Vila Satélite. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 487,64 Renda dos 20% mais ricos R$ 866,13 Renda dos 20% mais pobre R$ 339,20 Variação de renda 2,55 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.114,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 137,3 Relação entre densidades 0,064 Balanço entre viagens destinadas e originadas +20,6% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h13m52s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 51,8% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 63,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 43,7% 41,60% 29,20% 29,20% Não Mot Coletivos Individual 501 E SEUS PEDAÇOS 502 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA VN2 População 2000 População 2010 Variação 51.186 50.356 -1,6% Divisão modal: Bairros: Jardim dos Comerciários; Mantiqueira; Maria Helena; Nova América; Vila Mantiqueira e Vila SESC. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 487,64 Renda dos 20% mais ricos R$ 704,88 Renda dos 20% mais pobre R$ 311,78 Variação de renda 2,26 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.114,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 137,3 Relação entre densidades 0,123 Balanço entre viagens destinadas e originadas -27,2% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h38m12s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 60,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 44,0% 35,50% 37,40% 27,00% Não Mot Coletivos Individual 503 E SEUS PEDAÇOS 504 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA VN3 População 2000 População 2010 Variação 65.369 72.195 +10,4% Divisão modal: Bairros: Candelária; Letícia; Nossa Senhora Aparecida; Rio Branco; Santa Mônica (parte); São João Batista; Venda Nova; Vila Canto do Sabiá e Vila São João Batista. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 804,96 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.359,14 Renda dos 20% mais pobre R$ 453,87 Variação de renda 2,99 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.309,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 263,6 Relação entre densidades 0,114 Balanço entre viagens destinadas e originadas +19,4% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h11m43s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 52,4% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 61,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 44,8% 42,00% 30,10% 28,00% Não Mot Coletivos Individual 505 E SEUS PEDAÇOS 506 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA VN4 População 2000 População 2010 Variação 86.080 95.468 +10,9% Divisão modal: Bairros: Apolônia; Céu Azul (parte); Copacabana (parte); Flamengo; Jardim Leblon; Lagoa; Lagoinha Leblon; Piratininga; Universo (parte); Várzea da Palma; Vila Copacabana; Vila dos Anjos; Vila Jardim Leblon; Vila Piratininga Venda Nova; Vila Santa Mônica Primeira Seção e Vila Santa Mônica Segunda Seção. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$552,45 Renda dos 20% mais ricos R$ 929,82 Renda dos 20% mais pobre R$ 306,74 Variação de renda 3,03 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.869,2 Densidade unidades não residenciais (2014) 198,2 Relação entre densidades 0,106 Balanço entre viagens destinadas e originadas -42,7% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h16m54s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 53,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 63,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 43,2% 44,90% 28,20% 27,60% Não Mot Coletivos Individual 507 E SEUS PEDAÇOS 508 509 REGIONAL PAMPULHA 510 REGIONAL PAMPULHA Dados gerais (2010):  População: 226.110 habitantes;  Área: 51,0 km2;  Densidade populacional: 4.430,4 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 1.315,82 per cápita;  Viagens destinadas/originadas +5,3%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 46,7% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade - Pampulha (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013g, p.399-401. 27,5% 23,9% 26,9% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 511 Mapa das centralidades identificadas – Pampulha. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013g, p.53. Mapa das áreas valorizadas- Pampulha. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013g, p.313. Mapa das necessidades de áreas verdes ou de qualificação ambiental da estrutura urbana. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013g, p.56. Mapa de adequação geométrica legal das vias da Regional Pampulha. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horizonte 2013g, p.153. 512 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA P1 População 2000 População 2010 Variação 36.714 48.050 +30,9% Divisão modal: Bairros: Bispo de Maura; Braúnas; Céu Azul (parte); Conjunto São Francisco de Assis; Copacabana (parte); Garças; Itapoã; Jardim Atlântico; Nova Pampulha; Santa Amélia; Santa Branca; Santa Mônica (parte); Trevo; Unidas; Universo (parte) e Xangri-lá. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.413,92 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.181,61 Renda dos 20% mais pobre R$ 692,27 Variação de renda 3,15 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.253,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 144,5 Relação entre densidades 0,115 Balanço entre viagens destinadas e originadas -9,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h08m07s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 45,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 60,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 46,7% 24,50% 24,80% 50,60% Não Mot Coletivos Individual 513 E SEUS PEDAÇOS 514 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA P2 População 2000 População 2010 Variação 35.610 55.975 +57,2% Divisão modal: Bairros: Bandeirantes; Castelo; Conjunto Lagoa; Engenho Nogueira; Lagoa da Pampulha; Novo Ouro Preto; Ouro Preto; Paquetá; São José; São Luíz; Vila Engenho Nogueira e Vila Paquetá. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.950,98 Renda dos 20% mais ricos R$ 3.245,01 Renda dos 20% mais pobre R$ 578,38 Variação de renda 5,61 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.194,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 132,2 Relação entre densidades 0,111 Balanço entre viagens destinadas e originadas +8,9% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h06m58s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 43,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 60,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 46,7% 16,00% 17,70% 66,30% Não Mot Coletivos Individual 515 E SEUS PEDAÇOS 516 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA P3 População 2000 População 2010 Variação 35.474 41.226 +16,2% Divisão modal: Bairros: Aeroporto; Campus UFMG; Dona Clara; Indaiá; Jaraguá; Liberdade; Santa Rosa; São Francisco; Suzana; Universitário; Vila Aeroporto Jaraguá; Vila Real Primeira Seção; Vila Real Segunda Seção; Vila Rica; Vila Santa Rosa; Vila Santo Antônio; Vila São Francisco; Vila Suzana Primeira Seção e Vila Suzana Segunda Seção. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.376,00 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.242,33 Renda dos 20% mais pobre R$ 397,54 Variação de renda 5,64 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.090,0 Densidade unidades não residenciais (2014) 158,0 Relação entre densidades 0,145 Balanço entre viagens destinadas e originadas +79,7% Orçamento do tempo Tempo ao centro 50m41s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 62,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 54,6% 30,10% 27,80% 42,10% Não Mot Coletivos Individual 517 E SEUS PEDAÇOS 518 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA P4 População 2000 População 2010 Variação 83.976 80.859 +3,7% Divisão modal: Bairros: Alípio de Melo; Confisco; Conjunto Celso Machado; Inconfidência (parte); Itatiaia; Jardim Alvorada; Jardim São José; Manacás; Santa Terezinha; Serrano; Urca; Vila Antena Montanhês; Vila Jardim Alvorada; Vila Jardim Montanhês; Vila Jardim São José e Vila Santo Antônio Barroquinha. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 786,74 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.565,54 Renda dos 20% mais pobre R$ 357,42 Variação de renda 4,38 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.109,2 Densidade unidades não residenciais (2014) 220,9 Relação entre densidades 0,105 Balanço entre viagens destinadas e originadas -35,4% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h13m26s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 49,1% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 64,2% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 50,8% 36,10% 25,60% 38,30% Não Mot Coletivos Individual 519 E SEUS PEDAÇOS 520 521 REGIONAL NOROESTE 522 REGIONAL NOROESTE Dados gerais (2010):  População: 290.353 habitantes;  Área: 39,33 km2;  Densidade populacional: 7.382,4 habitantes por km2;  Renda Média: R$ 952,64 per cápita;  Viagens destinadas/originadas: -1,8%;  %de pessoas que gastam menos de uma hora com deslocamento por dia: 46,3% Divisão modal (2012): Mapas de avaliação das condições de acessibilidade – Noroeste (Geral, Transporte Público, Acesso ao Centro e Centralidades). Fonte: Belo Horizonte 2013f, p.399-401.. 42,2% 30,6% 26,9% Não motorizados Coletivos Individuais motorizados 523 Mapa das centralidades identificadas - Noroeste. onte: TESE, 2012 apud Belo Horizonte 2013f, p.500. Mapa das áreas valorizadas- Noroeste. Fonte: SMAPU/PBH,2011 apud Belo Horizonte 2013f, p.483. Necessidades de áreas verdes e de qualificação ambiental da estrutura urbana - Noroeste. Fonte: SMAPU/PBH, 2011; SMAPU, 2012; PRAXIS, 2012 apud Belo Horizonte 2013f, p.108. Mapa de adequação geométrica legal das vias - Noroeste. Fonte: TESE, 2011 apud Belo Horioznte 2013f, p.311. TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NO1 524 População 2000 População 2010 Variação 65.042 60.494 -7,0% Divisão modal: Bairros: Aparecida; Aparecida, Sétima Seção; Bom Jesus; Bonfim; Ermelinda; Lagoinha (parte); Nova Cachoeirinha; Nova Esperança; Pedreira Prado Lopes; Santo André; São Cristóvão (parte); Senhor dos Passos; Sumaré; Vila Maloca; Vila Nova Cachoeirinha Primeira Seção; Vila Nova Cachoeirinha Segunda Seção e Vila Sumaré. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 731,86 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.134,51 Renda dos 20% mais pobre R$ 289,85 Variação de renda 3,91 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.880,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 388,8 Relação entre densidades 0,207 Balanço entre viagens destinadas e originadas -13,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 48m49s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 48,3% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 63,0% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 54,6% 39,90% 34,70% 25,50% Não Mot Coletivos Individual 525 E SEUS PEDAÇOS 526 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NO2 População 2000 População 2010 Variação 40.077 41.801 +4,3% Divisão modal: Bairros: Alto Caiçaras; Caiçara-Adelaide; Caiçaras; Jardim Montanhês e Monsenhor Messias. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.393,77 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.150,58 Renda dos 20% mais pobre R$ 757,34 Variação de renda 2,84 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.448,9 Densidade unidades não residenciais (2014) 319,2 Relação entre densidades 0,130 Balanço entre viagens destinadas e originadas +16,4% Orçamento do tempo Tempo ao centro 59m37s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 49,6% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 68,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 59,4% 28,10% 25,50% 46,40% Não Mot Coletivos Individual 527 E SEUS PEDAÇOS 528 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NO3 População 2000 População 2010 Variação 86.263 87.727 +1,7% Divisão modal: Bairros: Álvaro Camargos; Califórnia; Conjunto Califórnia I; Conjunto Califórnia II; Conjunto Jardim Filadélfia; Conjunto Novo Dom Bosco; Coqueiros; Dom Bosco; Glória; Inconfidência (parte); Novo Glória; Pindorama; São Salvador; Vila Califórnia; Vila Coqueiral e Vila Trinta e Um de Março. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 691,68 Renda dos 20% mais ricos R$ 1.058,50 Renda dos 20% mais pobre R$ 403,37 Variação de renda 2,62 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 1.347,4 Densidade unidades não residenciais (2014) 204,6 Relação entre densidades 0,152 Balanço entre viagens destinadas e originadas -31,6% Orçamento do tempo Tempo ao centro 1h04m22s Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 45,5% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 60,8% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 49,7% 34,40% 35,30% 30,20% Não Mot Coletivos Individual 529 E SEUS PEDAÇOS 530 TERRITÓRIO DE GESTÃO COMPARTILHADA NO4 População 2000 População 2010 Variação 76.661 78.016 +1,8% Divisão modal: Bairros: Alto dos Pinheiros; Carlos Prates; Coração Eucarístico; Delta; Dom Cabral; João Pinheiro; Lorena; Marmiteiros; Minas Brasil; Oeste (parte); Padre Eustáquio; São Francisco das Chagas; Vila das Oliveiras e Vila PUC. Dimensão Indicador Valor Qualificação Diversidade Social Renda média (2010) R$ 1.410,73 Renda dos 20% mais ricos R$ 2.288,89 Renda dos 20% mais pobre R$ 715,45 Variação de renda 3,20 Diversidade funcional Densidade unidades residenciais (2014) 2.808,8 Densidade unidades não residenciais (2014) 405,0 Relação entre densidades 0,144 Balanço entre viagens destinadas e originadas +23,8% Orçamento do tempo Tempo ao centro 53m51ss Percentual de pessoas que gastam menos de 1 hora por dia 43,9% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e todos os motivos) 62,7% % de viagens < 30 minutos (todos os modos e motivo trabalho) 56,6% 32,40% 30,90% 36,70% Não Mot Coletivos Individual 531 E SEUS PEDAÇOS 532 PARTE 3 – TABELAS E METODOLOGIA Tabelas Territórios de Gestão Compartilhada Terr. Pop_2000 Pop_2010 Variação 2010/2000 Área (km2) Densidade (2010) Número de domicílios Hab/domicílio B1 47.798 45.869 -4,0% 11,12 4.126,3 13.998 3,28 B2 39.868 42.531 6,7% 5,52 7.703,5 13.364 3,18 B3 53.191 52.370 -1,5% 5,23 10.006,7 16.159 3,24 B4 54.097 68.018 25,7% 24,07 2.825,9 21.037 3,23 B5 67.243 73.764 9,7% 7,52 9.804,8 21.603 3,41 CS1 76.266 84.941 11,4% 8,90 9.545,0 35.346 2,40 CS2 79.082 84.103 6,3% 13,80 6.093,6 30.631 2,75 CS3 44.627 39.942 -10,5% 1,99 20.082,0 11.329 3,53 CS4 54.461 55.853 2,6% 6,40 8.721,2 20.501 2,72 CS5 19.469 18.937 -2,7% 0,64 29.702,8 5.359 3,53 L1 61.321 61.084 -0,4% 5,36 11.387,8 18.975 3,22 L2 79.051 77.431 -2,0% 7,52 10.297,2 27.958 2,77 L3 53.939 56.070 4,0% 6,07 9.243,2 18.481 3,03 L4 46.886 43.954 -6,3% 8,95 4.910,8 12.170 3,61 N1 23.423 34.709 48,2% 5,43 6.387,0 10.400 3,34 N2 61.949 66.331 7,1% 16,09 4.121,9 19.275 3,44 N3 69.831 75.206 7,7% 7,74 9.722,7 23.961 3,14 N4 38.145 35.809 -6,1% 3,30 10.855,9 11.102 3,23 NE1 73.614 78.485 6,6% 14,59 5.379,9 23.543 3,33 NE2 32.545 40.573 24,7% 8,87 4.574,3 12.291 3,30 NE3 42.660 43.425 1,8% 4,60 9.445,5 13.417 3,24 NE4 64.330 63.802 -0,8% 6,14 10.394,0 21.096 3,02 NE5 60.103 64.068 6,6% 5,14 12.473,1 21.778 2,94 NO1 65.042 60.494 -7,0% 5,59 10.827,6 19.769 3,06 NO2 40.077 41.801 4,3% 5,03 8.302,3 14.218 2,94 NO3 86.263 87.727 1,7% 10,99 7.979,5 27.404 3,20 NO4 76.661 78.016 1,8% 8,46 9.221,5 27.185 2,87 O1 98.898 100.638 1,8% 9,08 11.087,4 35.308 2,85 O2 89.680 92.539 3,2% 9,00 10.280,4 29.499 3,14 O3 24.359 21.181 -13,0% 1,19 17.802,4 5.945 3,56 O4 56.174 59.549 6,0% 6,92 8.603,3 18.449 3,23 O5 17.804 34.642 94,6% 9,74 3.556,1 12.724 2,72 P1 36.714 48.050 30,9% 12,39 3.878,1 15.353 3,13 P2 35.610 55.975 57,2% 19,34 2.894,1 19.101 2,93 P3 35.474 41.226 16,2% 11,63 3.543,3 13.496 3,05 P4 83.976 80.859 -3,7% 7,67 10.542,8 25.060 3,23 VN1 45.258 47.160 4,2% 7,94 5.936,0 14.510 3,25 VN2 51.186 50.356 -1,6% 5,74 8.772,0 14.907 3,38 VN3 65.369 72.195 10,4% 7,83 9.217,3 22.981 3,14 VN4 86.080 95.468 10,9% 7,65 12.487,5 29.002 3,29 BH 2.238.524 2.375.151 6,10% 331,19 7.171,5 768.685 3,09 533 Terr. Renda média/ capita Renda média/ domicílio Tipo inicial Tipo revisto 20% pobres 20% ricos Ricos/pob res B1 569,83 1.867 Baixa Renda baixa (geradores) 336,89 830,28 2,46 B2 903,79 2.876 Centro Reg. Atratores (média/baixa) 450,91 1642,42 3,64 B3 580,33 1.881 Baixa Renda baixa (geradores) 369,00 935,54 2,54 B4 600,42 1.941 Baixa Renda baixa (geradores) 334,83 834,36 2,49 B5 432,29 1.476 Baixa Renda baixa (geradores) 276,05 638,29 2,31 CS1 3.582,03 8.608 Área Central Atratores de renda alta 1654,15 6239,64 3,77 CS2 3.934,62 10.803 Alta Atratores de renda alta 2071,92 6860,50 3,31 CS3 380,56 1.342 Vila ou favela Vilas e favelas 278,40 492,52 1,77 CS4 3.552,67 9.679 Alta Atratores de renda alta 2576,31 4712,79 1,83 CS5 501,30 1.771 Vila ou favela Vilas e favelas 320,13 827,41 2,58 L1 836,54 2.693 Média-baixa Renda média (geradores) 425,82 1553,33 3,65 L2 1.651,10 4.573 Média Equilibrados (média/baixa) 819,26 2416,68 2,95 L3 1.124,48 3.412 Média Equilibrados (média/baixa) 549,04 2067,31 3,77 L4 405,31 1.464 Vila ou favela Vilas e favelas 207,33 563,58 2,72 N1 514,60 1.717 Baixa Renda baixa (geradores) 291,16 767,93 2,64 N2 448,93 1.545 Baixa Renda baixa (geradores) 262,72 635,95 2,42 N3 813,30 2.553 Média-baixa Renda média (geradores) 384,66 1522,73 3,96 N4 599,38 1.933 Baixa Equilibrados (média/baixa) 345,63 1070,96 3,10 NE1 499,74 1.666 Baixa Renda baixa (geradores) 311,86 789,15 2,53 NE2 497,78 1.643 Baixa Renda baixa (geradores) 306,60 733,46 2,39 NE3 753,34 2.438 Média-baixa Renda média (geradores) 411,81 1563,13 3,80 NE4 984,50 2.977 Média-baixa Renda média (geradores) 436,47 1585,82 3,63 NE5 1.898,85 5.586 Média Atratores de renda alta 706,16 3268,90 4,63 NO1 731,86 2.240 Média-baixa Equilibrados (média/baixa) 289,85 1134,51 3,91 NO2 1.393,77 4.098 Média Equilibrados (média/baixa) 757,34 2150,58 2,84 NO3 691,68 2.214 Média-baixa Renda baixa (geradores) 403,37 1058,50 2,62 NO4 1.410,73 4.049 Centro Reg. Atratores (média/baixa) 715,45 2288,89 3,20 O1 2.032,26 5.793 Alta Atratores de renda alta 922,39 3650,92 3,96 O2 662,37 2.078 Baixa Equilibrados (média/baixa) 344,31 1334,03 3,87 O3 388,22 1.383 Vila ou favela Vilas e favelas 272,46 638,16 2,34 O4 815,63 2.633 Média-baixa Renda baixa (geradores) 373,86 1525,98 4,08 O5 2.795,56 7.611 Alta Atratores de renda alta 1689,78 3492,70 2,07 P1 1.413,92 4.425 Média Equilibrados (média/baixa) 692,27 2181,61 3,15 P2 1.950,98 5.717 Alta Atratores de renda alta 578,38 3245,01 5,61 P3 1.376,80 4.206 Média Atratores (média/baixa) 397,54 2242,33 5,64 P4 786,74 2.539 Média-baixa Renda média (geradores) 357,42 1565,54 4,38 VN1 571,88 1.859 Baixa Atratores (média/baixa) 339,20 866,13 2,55 VN2 487,64 1.647 Baixa Renda baixa (geradores) 311,78 704,88 2,26 VN3 804,96 2.529 Centro Reg. Atratores (média/baixa) 453,87 1359,14 2,99 VN4 552,45 1.819 Baixa Renda baixa (geradores) 306,74 929,82 3,03 Obs: a gradação de cores representa vermelho (pior), amarelo (intermediário) e verde (melhor). 534 Terr. Número de imóveis Densidade de imóveis Balanço entre origens e destinos Residencial não Residenciais Territoriais (Lotes) residencial não residencial Relação Viagens originadas Viagens destinadas % sobre originadas B1 5.329 969 1.114 479,4 87,2 0,182 65.189 44.321 -32,0% B2 9.916 1.938 1.529 1.796,1 351,0 0,195 70.777 115.889 63,7% B3 7.717 1.230 881 1.474,5 235,0 0,159 80.170 52.639 -34,3% B4 11.330 1.040 1.304 470,7 43,2 0,092 74.099 43.349 -41,5% B5 6.332 693 714 841,7 92,1 0,109 97.174 68.025 -30,0% CS1 50.922 58.863 408 5.722,2 6.614,6 1,156 339.782 1.086.771 219,8% CS2 37.264 8.826 1.628 2.699,9 639,5 0,237 146.716 165.620 12,9% CS3 119 18 473 59,8 9,1 0,151 51.605 22.682 -56,0% CS4 25.236 6.932 2.162 3.940,5 1.082,4 0,275 102.406 113.343 10,7% CS5 203 5 82 318,4 7,8 0,025 24.964 12.714 -49,1% L1 10.132 1.278 490 1.888,9 238,3 0,126 73.280 49.826 -32,0% L2 26.508 3.262 468 3.525,2 433,8 0,123 116.841 128.445 9,9% L3 12.501 2.005 734 2.060,8 330,5 0,160 65.487 67.738 3,4% L4 1.451 226 1.266 162,1 25,2 0,156 50.575 27.578 -45,5% N1 5.502 266 1.379 1.012,5 48,9 0,048 41.809 28.211 -32,5% N2 3.907 525 360 242,8 32,6 0,134 80.581 42.457 -47,3% N3 16.827 1.933 2.110 2.175,4 249,9 0,115 115.813 76.651 -33,8% N4 5.420 747 584 1.643,1 226,5 0,138 45.310 38.696 -14,6% NE1 9.184 894 2.596 629,5 61,3 0,097 90.367 60.931 -32,6% NE2 6.213 507 2.506 700,5 57,2 0,082 46.740 27.879 -40,4% NE3 7.865 792 957 1.710,7 172,3 0,101 56.966 33.316 -41,5% NE4 13.110 1.968 878 2.135,8 320,6 0,150 93.515 72.234 -22,8% NE5 21.660 2.660 645 4.216,9 517,9 0,123 106.708 111.952 4,9% NO1 10.506 2.172 928 1.880,4 388,8 0,207 82.384 70.987 -13,8% NO2 12.330 1.607 751 2.448,9 319,2 0,130 62.457 72.730 16,4% NO3 14.813 2.249 1.268 1.347,4 204,6 0,152 108.634 74.342 -31,6% NO4 23.763 3.426 994 2.808,8 405,0 0,144 121.282 150.108 23,8% O1 37.758 6.139 1.338 4.159,8 676,3 0,163 142.345 174.077 22,3% O2 12.392 1.374 1.554 1.376,7 152,6 0,111 102.718 84.126 -18,1% O3 425 99 348 357,2 83,2 0,233 25.802 10.666 -58,7% O4 11.953 1.079 1.311 1.726,9 155,9 0,090 76.242 52.004 -31,8% O5 16.931 3.997 2.086 1.738,0 410,3 0,236 66.389 113.218 70,5% P1 15.525 1.791 4.449 1.253,0 144,5 0,115 75.676 68.228 -9,8% P2 23.101 2.556 3.752 1.194,4 132,2 0,111 88.852 96.715 8,9% P3 12.682 1.838 1.235 1.090,0 158,0 0,145 74.913 134.618 79,7% P4 16.177 1.694 1.965 2.109,2 220,9 0,105 116.768 75.446 -35,4% VN1 8.949 574 1.309 1.126,4 72,2 0,064 64.167 77.416 20,6% VN2 6.395 788 874 1.114,0 137,3 0,123 59.503 43.307 -27,2% VN3 18.085 2.065 1.654 2.309,0 263,6 0,114 101.031 120.680 19,4% VN4 14.290 1.515 2.721 1.869,2 198,2 0,106 116.430 66.751 -42,7% Obs: a gradação de cores representa vermelho (pior) e verde (melhor). 535 Terr. Índice de mobilidade (viagens/pessoa.dia) Bicicletas /domicílio Automóvel /domicílio Moto/ domicílio Distância ao centro (TV modos coletivos) Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado B1 2,7 1,2 0,9 0,6 0,100 0,637 0,139 00:59:46 B2 2,8 1,2 0,7 1,0 0,046 0,841 0,101 01:04:39 B3 3,0 1,2 0,9 0,9 0,099 0,749 0,134 01:17:54 B4 2,1 0,8 0,7 0,6 0,109 0,616 0,135 01:34:19 B5 2,6 1,2 0,8 0,6 0,096 0,558 0,184 01:23:14 CS1 3,8 1,8 0,6 1,4 0,133 0,777 0,029 00:41:20 CS2 3,2 0,8 0,4 2,0 0,244 1,393 0,095 00:40:54 CS3 2,6 1,3 1,0 0,3 0,158 0,347 0,200 00:51:16 CS4 3,5 0,7 0,4 2,4 0,201 1,489 0,088 00:49:41 CS5 2,6 1,6 0,6 0,4 0,208 0,151 0,160 00:58:28 L1 2,3 0,8 0,8 0,7 0,233 0,638 0,181 00:52:08 L2 2,8 0,8 0,7 1,2 0,138 0,805 0,090 00:47:57 L3 2,1 0,7 0,6 0,8 0,175 0,710 0,155 00:50:33 L4 2,3 0,9 1,0 0,4 0,093 0,404 0,185 00:52:51 N1 2,4 1,1 0,8 0,5 0,262 0,500 0,122 01:22:39 N2 2,4 0,8 1,0 0,6 0,121 0,503 0,161 01:13:18 N3 2,9 1,1 0,8 1,0 0,221 0,727 0,144 01:11:17 N4 2,3 0,9 0,8 0,6 0,113 0,561 0,213 01:02:47 NE1 2,3 0,8 0,9 0,6 0,135 0,576 0,213 01:13:52 NE2 2,3 0,7 0,9 0,7 0,175 0,544 0,200 01:23:48 NE3 2,7 0,9 0,9 0,9 0,151 0,683 0,159 01:23:40 NE4 2,8 1,1 0,9 0,9 0,083 0,677 0,182 00:54:52 NE5 3,1 0,9 0,8 1,4 0,092 0,911 0,109 01:05:14 NO1 2,5 1,0 0,9 0,6 0,158 0,517 0,104 00:48:49 NO2 2,9 0,8 0,7 1,3 0,178 0,967 0,109 00:59:37 NO3 2,4 0,8 0,9 0,7 0,190 0,698 0,127 01:04:22 NO4 2,8 0,9 0,9 1,0 0,123 0,747 0,084 00:53:51 O1 2,5 0,6 0,5 1,3 0,109 0,952 0,093 00:50:07 O2 2,1 0,7 0,7 0,7 0,108 0,664 0,131 00:52:25 O3 2,3 1,0 0,7 0,5 0,175 0,435 0,143 00:46:57 O4 2,5 0,8 0,6 1,1 0,182 0,701 0,153 01:04:39 O5 3,3 0,7 0,6 1,9 0,083 1,179 0,103 01:04:57 P1 3,0 0,7 0,8 1,5 0,427 1,110 0,189 01:08:07 P2 2,9 0,5 0,5 1,9 0,271 1,209 0,169 01:06:58 P3 3,1 0,9 0,9 1,3 0,180 0,824 0,077 00:50:41 P4 2,8 1,0 0,7 1,1 0,219 0,713 0,154 01:13:26 VN1 2,5 1,1 0,7 0,7 0,148 0,606 0,181 01:13:52 VN2 2,3 0,8 0,9 0,6 0,111 0,494 0,160 01:38:12 VN3 2,5 1,1 0,8 0,7 0,205 0,601 0,121 01:11:43 VN4 2,4 1,1 0,7 0,6 0,273 0,580 0,161 01:16:54 Obs: a gradação de cores representa vermelho (pior), amarelo (intermediário) e verde (melhor). 536 Orçamento do tempo Terr. % menor uma hora % menor uma hora e meia % menor que duas horas % maior que 2 horas Média B1 50,9% 62,7% 78,7% 21,3% 01:23:43 B2 47,3% 63,2% 76,0% 24,0% 01:18:13 B3 53,4% 69,3% 78,0% 22,0% 01:27:03 B4 48,3% 60,7% 74,1% 25,9% 01:35:59 B5 53,9% 66,1% 75,1% 24,9% 01:27:20 CS1 56,1% 74,7% 86,3% 13,7% 01:03:32 CS2 53,9% 73,8% 86,6% 13,4% 01:05:46 CS3 50,5% 68,7% 87,4% 12,6% 01:31:48 CS4 46,1% 62,0% 76,6% 23,4% 01:23:28 CS5 59,2% 73,2% 87,8% 12,2% 01:13:00 L1 48,3% 63,5% 79,7% 20,3% 01:18:10 L2 50,7% 72,2% 85,0% 15,0% 01:12:31 L3 51,2% 72,1% 84,9% 15,1% 01:15:01 L4 40,8% 55,4% 69,8% 30,2% 01:29:06 N1 47,9% 58,6% 68,8% 31,2% 01:26:22 N2 45,1% 59,0% 72,0% 28,0% 01:26:22 N3 49,7% 64,4% 75,5% 24,5% 01:18:43 N4 54,0% 65,9% 80,2% 19,8% 01:14:04 NE1 43,3% 56,1% 68,6% 31,4% 01:36:26 NE2 45,7% 57,7% 69,5% 30,5% 01:47:11 NE3 39,3% 56,0% 67,0% 33,0% 01:42:01 NE4 51,4% 65,1% 79,4% 20,6% 01:23:23 NE5 48,2% 65,8% 79,8% 20,2% 01:14:06 NO1 48,3% 63,9% 78,7% 21,3% 01:15:16 NO2 49,6% 67,4% 80,9% 19,1% 01:09:05 NO3 45,5% 58,4% 74,0% 26,0% 01:25:13 NO4 43,9% 61,6% 76,4% 23,6% 01:21:33 O1 47,9% 71,1% 86,5% 13,5% 01:10:21 O2 48,6% 64,9% 79,6% 20,4% 01:27:23 O3 59,9% 76,6% 89,7% 10,3% 01:12:49 O4 41,0% 62,8% 78,3% 21,7% 01:23:32 O5 41,7% 67,3% 81,7% 18,3% 01:20:27 P1 45,0% 58,3% 72,3% 27,7% 01:25:53 P2 43,5% 60,4% 73,9% 26,1% 01:20:30 P3 48,0% 63,7% 79,3% 20,7% 01:15:06 P4 49,1% 63,2% 77,2% 22,8% 01:19:34 VN1 51,8% 61,1% 73,1% 26,9% 01:26:52 VN2 48,3% 59,7% 70,0% 30,0% 01:35:08 VN3 52,4% 65,7% 74,3% 25,7% 01:24:02 VN4 53,9% 65,4% 74,9% 25,1% 01:23:37 Obs: a gradação de cores representa vermelho (pior), amarelo (intermediário) e verde (melhor). 537 Total de viagens e % de viagens Terr. Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado B1 126.121 100,0% 55.025 43,6% 41.709 33,1% 29.252 23,2% B2 120.879 100,0% 50.333 41,6% 28.776 23,8% 41.719 34,5% B3 155.837 100,0% 62.860 40,3% 47.456 30,5% 44.621 28,6% B4 142.225 100,0% 52.840 37,2% 49.674 34,9% 39.268 27,6% B5 194.306 100,0% 90.991 46,8% 58.840 30,3% 44.318 22,8% CS1 321.825 100,0% 151.388 47,0% 48.992 15,2% 121.372 37,7% CS2 270.230 100,0% 67.551 25,0% 31.759 11,8% 170.827 63,2% CS3 105.126 100,0% 53.315 50,7% 39.435 37,5% 12.376 11,8% CS4 194.777 100,0% 39.886 20,5% 20.845 10,7% 133.711 68,6% CS5 49.910 100,0% 30.735 61,6% 11.815 23,7% 7.361 14,7% L1 141.512 100,0% 48.175 34,0% 49.489 35,0% 43.789 30,9% L2 213.337 100,0% 63.415 29,7% 54.473 25,5% 95.217 44,6% L3 119.698 100,0% 39.572 33,1% 36.236 30,3% 43.766 36,6% L4 100.976 100,0% 39.444 39,1% 44.718 44,3% 16.649 16,5% N1 82.564 100,0% 38.013 46,0% 28.028 33,9% 16.404 19,9% N2 159.498 100,0% 55.602 34,9% 66.742 41,8% 37.154 23,3% N3 221.498 100,0% 86.101 38,9% 62.275 28,1% 73.122 33,0% N4 84.095 100,0% 33.781 40,2% 29.219 34,7% 21.095 25,1% NE1 178.091 100,0% 63.948 35,9% 67.941 38,1% 46.073 25,9% NE2 92.611 100,0% 29.376 31,7% 36.449 39,4% 26.787 28,9% NE3 115.516 100,0% 37.005 32,0% 40.087 34,7% 38.424 33,3% NE4 177.774 100,0% 67.596 38,0% 55.026 31,0% 55.152 31,0% NE5 197.780 100,0% 58.339 29,5% 49.453 25,0% 89.885 45,4% NO1 154.124 100,0% 61.428 39,9% 53.457 34,7% 39.238 25,5% NO2 121.378 100,0% 34.136 28,1% 30.914 25,5% 56.327 46,4% NO3 212.122 100,0% 72.992 34,4% 74.813 35,3% 64.082 30,2% NO4 217.206 100,0% 70.301 32,4% 67.089 30,9% 79.778 36,7% O1 246.938 100,0% 60.318 24,4% 52.803 21,4% 133.701 54,1% O2 190.821 100,0% 67.141 35,2% 62.258 32,6% 61.308 32,1% O3 47.913 100,0% 21.475 44,8% 15.274 31,9% 11.164 23,3% O4 146.463 100,0% 45.541 31,1% 38.056 26,0% 62.866 42,9% O5 112.723 100,0% 25.454 22,6% 19.882 17,6% 67.386 59,8% P1 145.299 100,0% 35.652 24,5% 36.090 24,8% 73.557 50,6% P2 162.428 100,0% 25.994 16,0% 28.676 17,7% 107.758 66,3% P3 128.266 100,0% 38.612 30,1% 35.692 27,8% 53.961 42,1% P4 230.345 100,0% 83.231 36,1% 58.972 25,6% 88.143 38,3% VN1 119.425 100,0% 49.675 41,6% 34.826 29,2% 34.924 29,2% VN2 115.974 100,0% 41.207 35,5% 43.423 37,4% 31.344 27,0% VN3 181.805 100,0% 76.267 42,0% 54.637 30,1% 50.901 28,0% VN4 227.529 100,0% 102.103 44,9% 64.225 28,2% 60.823 26,7% Obs: a gradação de cores representa vermelho (pior), amarelo (intermediário) e verde (melhor). 538 Distribuição modal das viagens por motivo trabalho (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Distribuição modal das viagens por motivo escola (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Distribuição modal das viagens por motivo compras (% de cada modo em relação ao total de viagens trabalho) Terr. Não motorizados Coletivos Individual motorizado Não motorizados Coletivos Individual motorizado Não motorizados Coletivos Individual motorizado B1 24,3% 42,2% 33,3% 57,1% 30,0% 12,9% 80,4% 14,2% 5,4% B2 27,4% 30,7% 41,7% 52,5% 22,9% 24,6% 67,4% 14,4% 18,2% B3 23,4% 37,8% 38,0% 57,9% 30,0% 11,6% 64,8% 7,0% 28,3% B4 20,0% 43,6% 36,1% 57,9% 26,5% 15,3% 67,2% 16,5% 16,3% B5 25,0% 40,9% 34,1% 68,3% 25,2% 6,5% 67,6% 14,8% 17,6% CS1 42,9% 16,3% 40,7% 50,9% 19,3% 29,8% 56,5% 11,4% 32,1% CS2 17,2% 9,2% 73,7% 33,7% 20,4% 45,9% 32,1% 8,5% 59,4% CS3 21,3% 58,7% 20,0% 77,9% 21,4% 0,7% 80,9% 19,1% 0,0% CS4 17,1% 9,8% 72,8% 17,1% 23,1% 59,8% 36,3% 12,5% 51,1% CS5 56,8% 26,8% 16,5% 76,8% 19,7% 3,4% 75,3% 16,9% 7,9% L1 24,4% 40,6% 35,0% 38,0% 42,4% 19,6% 54,8% 8,3% 36,8% L2 24,1% 26,5% 49,4% 36,5% 31,2% 32,0% 54,4% 16,9% 28,7% L3 27,7% 28,4% 43,9% 35,7% 43,5% 20,4% 51,6% 21,3% 27,1% L4 21,8% 56,7% 21,5% 62,4% 29,1% 8,6% 24,8% 36,2% 38,9% N1 27,5% 50,3% 21,8% 69,4% 19,2% 11,4% 43,2% 35,9% 20,9% N2 15,0% 52,3% 32,8% 55,5% 36,2% 8,3% 49,2% 21,4% 29,4% N3 26,0% 33,3% 40,7% 54,2% 28,0% 17,8% 68,0% 13,0% 19,0% N4 24,4% 43,3% 32,3% 61,6% 32,5% 5,9% 17,0% 37,0% 46,0% NE1 14,8% 48,6% 36,6% 54,7% 34,6% 10,5% 55,8% 22,0% 22,2% NE2 19,1% 42,6% 38,3% 39,1% 50,2% 10,7% 52,1% 23,4% 24,5% NE3 20,2% 46,2% 33,5% 35,0% 38,3% 26,7% 55,4% 18,9% 25,7% NE4 25,4% 39,9% 34,7% 46,3% 32,8% 20,9% 52,7% 17,2% 30,1% NE5 16,8% 26,8% 56,3% 41,5% 30,4% 28,1% 46,9% 17,5% 35,6% NO1 30,7% 40,1% 29,2% 50,2% 35,0% 14,8% 51,5% 32,4% 16,1% NO2 21,6% 26,5% 51,9% 22,5% 39,9% 37,6% 55,3% 7,8% 36,8% NO3 25,1% 38,3% 36,5% 45,3% 41,3% 13,4% 44,9% 28,9% 26,2% NO4 28,3% 28,5% 43,2% 38,9% 40,2% 20,8% 59,0% 14,4% 26,6% O1 18,2% 16,2% 65,4% 28,0% 35,2% 36,7% 43,4% 12,2% 44,4% O2 25,9% 34,4% 39,6% 44,1% 34,7% 21,2% 61,1% 20,4% 18,6% O3 35,2% 28,6% 36,3% 50,7% 37,3% 12,1% 89,1% 10,9% 0,0% O4 21,9% 23,0% 55,1% 42,7% 29,8% 27,5% 14,6% 28,6% 56,8% O5 12,1% 7,2% 80,6% 36,2% 35,7% 28,1% 37,1% 7,4% 55,5% P1 20,3% 23,0% 56,6% 31,9% 34,0% 34,1% 38,1% 15,9% 46,0% P2 11,4% 14,4% 74,2% 23,1% 29,0% 47,9% 15,7% 16,2% 68,2% P3 25,7% 25,8% 48,6% 42,6% 27,3% 30,2% 11,1% 31,3% 57,6% P4 25,4% 29,4% 45,2% 49,1% 30,6% 20,4% 43,0% 24,4% 32,6% VN1 26,0% 38,0% 36,0% 66,7% 21,3% 12,0% 45,8% 14,9% 39,3% VN2 19,5% 42,0% 38,5% 55,6% 27,8% 16,6% 33,4% 40,9% 25,6% VN3 27,1% 34,6% 38,3% 57,1% 26,3% 16,6% 63,2% 18,1% 18,7% VN4 25,4% 34,7% 39,6% 72,4% 17,9% 9,7% 43,5% 23,4% 33,1% 539 Terr. Tempos de viagem (% de viagens < 30 minutos) Viagens totais Viagens por motivo trabalho Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado B1 60,2% 96,2% 15,5% 56,4% 41,0% 96,0% 5,5% 46,0% B2 62,3% 92,7% 14,9% 58,5% 44,8% 88,7% 2,9% 46,9% B3 65,0% 95,6% 24,0% 65,7% 49,2% 93,9% 13,3% 56,9% B4 56,3% 95,0% 18,3% 52,0% 37,2% 95,9% 9,5% 38,2% B5 65,2% 96,7% 21,4% 59,1% 42,0% 96,6% 6,2% 45,0% CS1 77,9% 95,6% 34,8% 73,1% 70,7% 96,8% 22,3% 62,7% CS2 73,0% 94,5% 32,2% 72,0% 65,0% 95,6% 17,5% 63,8% CS3 61,5% 85,1% 19,8% 92,4% 42,1% 89,7% 8,7% 89,8% CS4 67,0% 94,8% 23,4% 65,7% 57,9% 93,9% 24,8% 54,1% CS5 70,7% 87,7% 21,5% 78,7% 61,5% 82,2% 6,9% 78,7% L1 62,0% 93,1% 19,3% 76,1% 47,1% 91,6% 3,8% 66,1% L2 67,7% 93,7% 22,4% 76,2% 60,4% 93,2% 12,7% 70,1% L3 65,0% 93,1% 26,3% 71,5% 61,0% 94,1% 21,1% 65,9% L4 56,5% 93,8% 17,4% 72,6% 37,6% 89,0% 8,1% 63,2% N1 63,0% 94,4% 15,1% 71,7% 39,5% 91,7% 5,7% 50,8% N2 55,9% 94,4% 18,9% 64,7% 32,3% 95,5% 4,5% 47,7% N3 64,2% 96,8% 16,7% 66,1% 48,6% 94,8% 6,6% 53,5% N4 64,1% 97,4% 18,6% 73,8% 47,9% 97,9% 8,2% 63,2% NE1 54,8% 96,5% 13,8% 57,3% 31,8% 93,2% 3,2% 44,8% NE2 57,5% 97,6% 19,0% 65,8% 42,1% 94,8% 3,0% 59,3% NE3 53,8% 91,0% 10,9% 62,8% 37,1% 89,0% 4,0% 51,5% NE4 65,6% 95,1% 18,2% 76,9% 49,8% 96,3% 3,9% 68,6% NE5 62,5% 94,8% 16,8% 66,8% 48,1% 90,6% 9,5% 53,8% NO1 63,0% 95,5% 15,9% 76,4% 54,6% 98,5% 8,9% 71,2% NO2 68,7% 95,0% 20,6% 79,3% 59,4% 95,3% 7,9% 70,8% NO3 60,8% 95,5% 17,5% 71,8% 49,7% 93,2% 4,8% 66,7% NO4 62,7% 94,2% 18,1% 72,5% 56,6% 94,9% 6,8% 64,3% O1 63,6% 93,0% 27,5% 64,6% 54,7% 92,3% 11,7% 54,9% O2 58,6% 93,6% 21,8% 57,6% 47,3% 89,3% 11,2% 51,2% O3 69,9% 91,2% 43,7% 64,8% 56,4% 85,2% 22,6% 55,0% O4 56,2% 90,2% 20,1% 53,4% 46,5% 92,8% 5,5% 45,1% O5 57,7% 92,9% 25,2% 54,0% 46,7% 98,8% 6,4% 42,5% P1 60,7% 97,1% 20,1% 63,0% 46,7% 95,7% 7,9% 44,9% P2 60,3% 93,3% 22,1% 62,5% 46,7% 87,3% 7,7% 48,1% P3 62,6% 95,7% 17,6% 68,6% 54,6% 94,5% 10,4% 56,9% P4 64,2% 94,6% 17,8% 66,6% 50,8% 96,3% 6,9% 53,8% VN1 63,9% 93,4% 17,0% 68,5% 43,7% 87,1% 3,3% 54,9% VN2 60,0% 91,7% 25,4% 66,2% 44,0% 91,8% 10,3% 56,7% VN3 61,3% 91,4% 19,4% 61,3% 44,8% 85,4% 6,3% 51,0% VN4 63,2% 95,3% 15,2% 60,4% 43,2% 92,7% 4,2% 45,7% 540 Terr. Tempos de viagem (% de viagens < 30 minutos) Viagens por motivo escola Viagens por motivo compras Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado Todos os modos Não motorizados Coletivos Individual motorizado B1 73,8% 95,0% 40,5% 58,0% 82,9% 97,2% 1,0% 85,1% B2 75,4% 92,8% 40,6% 70,7% 87,8% 100,0% 39,4% 80,8% B3 82,1% 97,7% 51,8% 85,0% 89,9% 99,5% 44,3% 79,1% B4 76,6% 95,7% 42,8% 62,1% 85,1% 100,0% 9,8% 100,0% B5 83,9% 95,3% 57,3% 68,2% 88,4% 100,0% 27,1% 95,1% CS1 79,1% 95,9% 43,9% 73,3% 85,3% 93,5% 47,9% 84,1% CS2 74,5% 91,5% 46,1% 74,6% 83,4% 100,0% 24,8% 82,8% CS3 67,4% 78,4% 27,0% 75,0% 80,9% 100,0% 0,0% #DIV/0! CS4 60,5% 94,3% 29,9% 62,5% 73,4% 95,5% 9,1% 73,4% CS5 83,1% 94,9% 35,7% 92,4% 81,7% 94,6% 15,5% 100,0% L1 72,6% 94,2% 47,3% 85,7% 90,2% 97,9% 22,9% 94,0% L2 72,6% 94,9% 40,8% 77,9% 82,8% 100,0% 25,7% 84,0% L3 63,8% 90,8% 38,0% 71,4% 78,6% 100,0% 23,2% 81,3% L4 76,9% 97,7% 33,8% 71,8% 67,7% 100,0% 15,0% 96,2% N1 85,5% 92,6% 56,9% 90,1% 67,9% 94,1% 17,7% 100,0% N2 73,5% 91,7% 42,5% 87,5% 79,7% 100,0% 26,9% 84,3% N3 76,5% 96,9% 37,2% 75,8% 87,3% 100,0% 2,1% 100,0% N4 79,0% 95,7% 47,6% 78,3% 63,0% 100,0% 0,0% 100,0% NE1 72,9% 97,0% 32,7% 79,3% 78,0% 100,0% 4,7% 95,2% NE2 72,4% 98,9% 48,9% 86,5% 71,5% 96,1% 22,8% 65,7% NE3 63,6% 90,7% 30,3% 75,7% 78,7% 90,2% 53,1% 72,8% NE4 77,3% 96,0% 44,7% 86,8% 82,1% 98,7% 21,1% 88,1% NE5 72,8% 97,4% 30,6% 82,1% 80,4% 96,9% 17,9% 89,4% NO1 68,6% 97,1% 23,3% 79,2% 68,0% 94,9% 25,9% 66,6% NO2 66,3% 88,9% 44,3% 76,1% 93,2% 95,9% 41,7% 100,0% NO3 73,0% 97,2% 40,5% 91,0% 72,7% 100,0% 20,1% 83,9% NO4 66,0% 92,9% 31,4% 82,7% 81,7% 92,9% 41,1% 78,8% O1 68,2% 94,2% 44,4% 71,1% 82,4% 93,9% 35,2% 84,2% O2 71,5% 96,3% 41,2% 69,4% 70,8% 98,3% 0,0% 57,9% O3 81,6% 90,9% 69,5% 79,4% 89,1% 100,0% 0,0% #DIV/0! O4 65,7% 88,7% 36,1% 62,3% 67,7% 100,0% 22,8% 81,9% O5 63,8% 91,4% 33,5% 66,8% 88,0% 95,8% 0,0% 94,6% P1 69,9% 96,0% 38,5% 76,9% 80,8% 100,0% 24,9% 84,3% P2 68,0% 94,2% 36,6% 74,4% 73,2% 92,7% 16,0% 82,2% P3 73,8% 95,7% 30,9% 81,5% 70,2% 100,0% 47,5% 76,8% P4 72,0% 94,3% 36,0% 72,4% 74,5% 100,0% 12,3% 87,6% VN1 82,0% 94,8% 43,4% 79,6% 83,2% 100,0% 30,1% 83,7% VN2 81,2% 93,8% 60,4% 73,9% 56,4% 67,1% 20,4% 100,0% VN3 79,4% 92,4% 48,3% 83,9% 78,2% 88,6% 19,2% 100,0% VN4 84,9% 96,3% 39,3% 83,6% 62,6% 100,0% 17,2% 45,5% 541 Metodologia de cálculo Este item apresenta de forma resumida a metodologia utilizada para cálculo dos valores utilizados nas tabelas e gráficos apresentados. Foram utilizadas basicamente três fontes de dados e trabalhadas em tabelas dinâmicas do Software Excel e em mapas no Software QGys. As fontes de dados foram: 1. Banco de dados da Pesquisa de Origem e Destino 2012, executada pela ARMBH – Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, a partir de duas planilhas de trabalho: uma utilizada na BHTRANS para o projeto interno de análise da OD (preparada por Rodrigo Sandro dos Anjos) e outra proveniente da própria agência (preparada por Charliston Moreira). 2. Censo Demográfico 2010, realizado pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a partir de consultas de população na base Cidades e Planilha de dados sobre Territórios de Gestão Compartilhada, elaborada por Diego Ferreira Fonseca e reinaldo Onofre dos Santos da Sala de Situação Estratégica de Governo da Prefeitura de Belo Horizonte. A Planilha obtida junto à PBH (2015) trouxe as seguintes informações para cada Território de Gestão Compartilhada:  População 2000 e 2010, de onde se apurou a variação 2010/2000;  Área do território (km2), de onde se apurou a densidade (2010);  Número de domicílios, Habitantes por domicílio;  N° de imóveis não residenciais, N° de imóveis residencial, N° de imóveis territoriais (Lotes vagos)., Total de Imóveis População em 2010;  Renda nominal mensal per capita (média do Território)  Renda nominal mensal per capita por setor censitário, de onde se apurou a renda média ponderada da população 20% mais pobre e mais rica e a relação entre elas. A partir da pesquisa de Origem e Destino, foram calculados para o conjunto de domicílios de cada Território:  Bicicletas/domicílio; Automóvel/domicílio; Moto/domicílio. Foram associados os respondentes em cada Território de moradia e apuradas para o conjunto de viagens realizadas por esses morados:  Índice de mobilidade (viagens/pessoa.dia);  Total de viagens e % de viagens em cada modo agregado (não motorizados, coletivos e individual motorizado);  Total de viagens e % de viagens em cada modo agregado (não motorizados, coletivos e individual motorizado) para as viagens por motivo trabalho, escola e compras separadamente.  O tempo médio de viagens por Território, por modo e para cada um dos motivos selecionados (trabalho, escola e estudo);  Os percentuais de viagens realizadas em menos de 30 minutos por motivo e por modo. Descontadas as viagens com motivo no destino residência, foram calculadas para cada Território: 542  Viagens originadas;  Viagens destinadas;  E calculada a diferença e o percentual de viagens destinadas sobre as originadas. Para cada indivíduo do Territórios foi somado o tempo gasto com todas as suas viagens e calculado:  Percentual de pessoas que gastam menos de uma hora por dia;  Percentual de pessoas que gastam menos de uma hora e meia;  Percentual de pessoas que gastam menos de duas horas. Foi ainda calculado o tempo médio de viagens em transporte coletivo de cada Território ao Centro. Os mapas temáticos foram todas calculadosatravés do Sottware QGys, considerando a divisão em cinco faixas por contagem, representando quantis de 20% (ou 8 Territórios) cada.