2 3 O presente trabalho tem como finalidade analisar a atuação do grupo Comandos de Libertação Nacional (COLINA) no universo da “Nova Esquerda” brasileira. O grupo, que surgiu como dissidência da organização teórica Política Operária (POLOP), em 1967, teve forte influência foquista cubana e atuou nos estados de Minas Gerais e Guanabara. As questões teóricas que permearão a discussão referem-se à uma definição do que seria terrorismo, culturas políticas comunista e nacional-estatista, e à assimilação da idéia de violência pelo COLINA, trazida por autores internacionais diversos. Por fim, trabalharemos com dois acervos importantes, ORVIL e AESI bem com a reivindicação pela memória do período por parte dos militares The following paper aims to analyze the performance of the group Comandos de Libertação Nacional (COLINA) in the universe of the Brazilian “New Left”. The group, which appeared as a disagreement of the theoretical organization called Política Operária (POLOP) in 1967, had great influence from the Cuban guerrilla and operated in the states of Minas Gerais and Guanabara. The theoretical issues which will feed the discussion refer to a definition of what terrorism would be, to political and communist cultures and to the assimilation of the idea of violence from COLINA, brought by a range of international authors. Lastly, a claim for the memory of the period by two militaries and two important inventories produced by them concerning the group ORVIL and AESI. 4 SIGLAS ADESG – Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra AERP - Agência Especial de Relações Públicas AESI – Assessoria Especial de Segurança e Informação ALN –Ação Libertadora Nacional AP- Ação Popular ARP – Assessoria de Relações Públicas BNM – Brasil: Nunca Mais CIDE- Coordinación de Informaciones del Estado CIE – Centro de Informações do Exército CODI – Centro de Operações de Defesa Interna COLINA – Comandos de Libertação Nacional CORRENTE – Corrente Revolucionária de Minas Gerais DDD - Dissidência da Dissidência DOI –Destacamentos de Operações e Informações DSI- Divisão de Segurança e Informações DSN – Doutrina de Segurança Nacional ESG- Escola Superior de Guerra ESMA -Escuela de Mecánica Armada ERP – Erjercito Revolucionário del Pueblo FACE -Faculdade de Ciências Econômicas FAFICH –Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas FAR- Fuerzas Armadas Peronistas FMP -Frente de Mobilização Popular G11 - Grupos de 11 Companheiros IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática IC- Internacional Comunista ICB – Instituto de Ciências Biológicas ICEX- Instituto de Ciências Exatas IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais ME – Movimento Estudantil 5 MNR- Movimento Nacional Revolucionário MO – Movimento Operário MPL - Movimento Popular de Libertação MRT - Movimento Revolucionário Tiradentes NM – Nunca Más NML - Núcleo Marxista-Leninista PCB- Partido Comunista Brasileiro PC do B - Partido Comunista do Brasil PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário POLOP – Política Operária PRN - Proceso de Reorganización Nacional PSB - Partido Socialista Brasileiro PTB - Partido Trabalhista Brasileiro SIDE- Secretaria de Informaciones del Estado SNI – Serviço Nacional de Informação TDE - Terrorismo de Estado UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais VAR- Palmares - Vanguarda Armada Revolucionária VPR -Vanguarda Popular Revolucionária 6 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 11 CAPÍTULO I – CULTURAS POLÍTICAS, TERRORISMO E VIOLÊNCIA....................................17 I.1 – Culturas Políticas..............................................................................................17 I.2 – Terrorismo.........................................................................................................39 I.3 – Dos autores e da violência ...............................................................................51 CAPÍTULO II – REVOLUCIONÁRIOS E SEGURANÇA NACIONAL DA AMÉRICA LATINA................................................................................................................................61 II.1 – Cuba e a “exportação da Revolução”.............................................................61 II.2 – Cuba e esquerdas radicais..............................................................................72 II.3 – DSN: Caso Nacional.......................................................................................83 CAPÍTULO III– RADICALIZAÇÃO EM MINAS GERAIS.......................................................103 III.1 – A Belo Horizonte dos anos 1960.................................................................103 III.2 – POLOP em Minas........................................................................................107 III.3 – Comandos de Libertação Nacional...............................................................124 III.4 – Denúncias contra a ditadura.........................................................................144 III.5 – Mortos e Desaparecidos...............................................................................152 III.6 – Duas pesquenas histórias de vida.................................................................153 CAPÍTULO IV – VIGILÂNCIA E REIVINDICAÇÃO PELA MEMÓRIA....................................159 IV.1 – Vigilância sobre o COLINA........................................................................159 IV.2 – Disputas pela Memória................................................................................187 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................203 ANEXOS...............................................................................................................................208 FONTES................................................................................................................................218 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................................225 7 INTRODUÇÃO 1959. Há 50 anos uma revolução socialista ocorreu na América Latina e ainda hoje percebemos seus ecos, ainda que enfraquecidos, em alguns países que passaram ou tentaram reproduzir experiências semelhantes àquelas vividas por Fidel Castro. A exemplo da metáfora já utilizada do anjo e do demônio falando ao ouvido, temos duas facetas de uma mesma revolução. O anjo fala do valente e romântico exército que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista e mostrou aos demais povos americanos que a revolução seria possível, que bastaria boa vontade e armas para que mudanças sociais fossem realizadas em benefício de todos. Já o demônio fala em um sirênico canto, que se refere a uma “troca de ditaduras” e que, apesar de melhoras, o povo cubano ainda sofria a falta de liberdade. 1969. Dez anos da Revolução Cubana se passaram e a organização revolucionária Comandos de Libertação Nacional (COLINA) foi desmantelada em Belo Horizonte. O núcleo dirigente do grupo foi detido e levado para Juiz de Fora. Ficou conhecido por ser o primeiro grupo guerrilheiro a “cair” e a assumir a autoria de um assalto com fins políticos. No ano seguinte, seu nome veio à tona em função de seus integrantes redigirem a primeira carta de denúncia sobre os “porões da ditadura”. Tal carta foi tornada pública primeiramente no exterior. Tratou-se da “Carta de Linhares”, escrita enquanto tais militantes estavam encarcerados na penitenciária Edson Cavalieri, no bairro de Linhares, em Juiz de Fora/MG. Conhecida por Penitenciária de Linhares, havia sido adaptada especialmente para receber presos políticos. 1979. Uma década após a “queda” do COLINA, e duas após a Revolução Cubana, foi promulgada a Anistia parcial, não por acaso, propagada como “ampla, geral e irrestrita”, ensejando o retorno do exílio e o fim da clandestinidade de vários militantes. Em tese, a luta agora ocorreria de modo legal e pelas liberdades democráticas. Considerando o conceito de geração utilizado por Jean François Sirinelli, em que o autor considera que as gerações seriam “criadas ou modeladas por um acontecimento inaugurador” 1, refletimos, ou melhor, questionamos: em que medida seria possível entendermos cada um destes recortes temporais como gestores dos que os precederam? Se 1 SIRINELLI, Jean-François. A geração. IN: FERREIRA, Marieta de Moraes e AMADO, Janaína. Os usos e abusos da História oral Rio de Janeiro, FGV, 2000. 8 cada novo evento é conseqüência das experiências anteriores, seria possível entender a Revolução Cubana como inauguradora do movimento guerrilheiro no Brasil? Além de buscar respostas a estas questões contribuiremos, com este trabalho, para uma melhor compreensão do que foi o processo de radicalização dos movimentos de oposição à ditadura no Brasil no fim da década de 1960. Nosso principal objetivo é contar e analisar a breve trajetória do grupo COLINA, uma das dissidências e, em grande medida, herdeira do grupo Política Operária (POLOP). Formado em 1967, o COLINA imprimiu uma forma de oposição e resistência à ditadura militar, sob inspiração foquista cubana. Embora tenha existido por um período muito curto, haja vista ter sido desarticulada ainda em 1969, o estudo de tal grupo se justifica, principalmente, devido à falta de pesquisas aprofundadas sobre a esquerda revolucionária em Minas Gerais 2 . Nos interessa saber, entre outras questões, quais as peculiaridades do COLINA face às tantas outras organizações existentes, qual o perfil de seus militantes, e por fim, qual o tipo de projeto revolucionário defendiam. O COLINA se insere na chamada “nova esquerda”, que abrange as organizações e partidos clandestinos críticos ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), surgidos no início da década de 1960. O termo “nova” quer dizer “diferente” e não opõe-se à “velha”, no sentido de ultrapassada 3 . A origem da expressão (new left), remonta aos historiadores ingleses oriundos do PC Britânico – dentre os quais figuravam Eric Hobsbawn, Edward P. Thompson, Christopher Hill e Perry Anderson, que pretendiam “escrever a história por baixo”. Os debates derivados desta perspectiva foram de grande valia para a compreensão das nuances existentes no interior do marxismo, uma vez que colocaram em evidência a participação de grupos políticos, movimentos sociais, organizações e partidos, realçando a riqueza das discussões e contradições teóricas, ao promover um deslocamento da análise macro-estrutural 4 . 2 Recentemente foi defendida na PUC/MG a monografia Corrente Revolucionária de MInas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de MInas Gerais (1967-1969), de Thiago Veloso Vitral. 3 REIS FILHO Daniel & SÁ, Jair. Imagens da revolução Rio de Janeiro, Marco Zero, 1985. pp.7; SOUSA, Rodrigo Faria. A nova esquerda americana. Rio de Janeiro, FGV, 2009. pp.15-30 4 Cf. ARAÚJO, Maria Paula Nascimento. A utopia fragmentada. Novas esquerdas no Brasil e no mundo na década de 1970.Rio de Janeiro: FGV, 2000. pp. 12. 9 Algumas peculiaridades caracterizariam a “novidade” de tal esquerda. De modo sucinto: a) diferentes interpretações e práticas políticas, que divergiam acerca do caráter da revolução (libertação nacional ou diretamente socialista?); da orientação doutrinária, (revolucionária - se pegariam em armas, ou reformista-fariam trabalho com as massas?); b) a busca de um modelo internacional para legitimação de suas ações (o modelo chinês ou cubano?); c) marcada pela problemática do choque de gerações (se antes do golpe os militantes eram mais velhos, com longa trajetória política geralmente ligada ao PCB, na “nova esquerda”, a média de idade seria de 20-22 anos); d) fragmentação da esquerda, gerada pela atuação na clandestinidade, que influiu muito na dinâmica desses grupos, na medida em que foram formados vários micro-centros de poder 5 . Para responder algumas das questões que nos permitirão uma maior compreensão dos princípios organizacionais do COLINA utilizaremos, principalmente, os conceitos de cultura política, terrorismo, violência. Em termos metodológicos procedimentais, optamos por cruzar tipos diversos de fontes: jornais, depoimentos, documentos produzidos pelas duas organizações e que foram apreendidos pelo DOPS, bem como cartas escritas por militantes no exílio. No que tange às fontes, primeiramente trataremos das entrevistas. Trabalhamos com análises de quatro tipos: a) as inéditas por mim coletadas: Ângela Pezzuti, Apolo Heringer, Carmela Pezzuti, Cláudio Galeno Linhares, Irani Campos, Jorge Nahas, José Maurício Gradel, Maria do Carmo Brito, Maria José Nahas, Leovegildo Leal (esta coletada em parceria com pesquisador Samuel Oliveira); Elza Porto, viúva de Humberto Polo Porto, interventor do Sindicato dos Metalúrgicos, Bancários e Fiação e Tecelagem; Berenice Machado, carcereira na penitenciária de Linhares/ MG e depoimento de Guido Rocha, escrito e cedido pelo mesmo; b) entrevista inédita realizada pela professora Priscila Brandão, gentilmente cedida par esta pesquisa, com antigo chefe do Centro de Informações do Exército (CIE), responsável pelo desenvolvimento do Projeto ORVIL, cujos resultados, se fossem publicados, resultariam na obra “As quatro tentativas de tomada do poder”; c) entrevistas coletadas por outros pesquisadores disponibilizadas no programa de História Oral da UFMG e no Acervo Luta Armada no Brasil, do Arquivo Edgard Leuenroth /UNICAMP; e por fim d) Entrevistas com Angela Pezzuti, Apolo Heringer e Laís Soares 5 REIS FILHO & SÁ.op.cit. pp.16. 10 Pereira, esta última, antiga militante do Movimento Esudantil Universitário e simpatizante do grupo COLINA. Tais entrevistas inéditas foram também generosamente disponibilizadas pelo professor Dr. James Naylor Green. A metodologia que envolve as fontes orais privilegiará tanto uma análise das trajetórias particulares, quanto o trabalho de reconstrução memorialística destas pessoas, no que tange a luta armada e questões conexas. A segunda tipologia documental refere-se aos jornais. Analisaremos dois grandes veículos de comunicação da imprensa escrita, com destacada circulação nos estados em que esta organização atuou. Focaremos as ações do COLINA e as evidências do destino de seus militantes, sobretudo no jornais Estado de Minas e Jornal do Brasil, bem como em jornais da imprensa alternativa. A terceira tipologia documental são os documentos que podem ser divididos em duas categorias: a) documentos produzidos pela POLOP e COLINA e apreendidos pelo DOPS, nos quais buscaremos analisar os debates existentes dentro da organização e identificar as motivações que conduziram à dissidência da POLOP e formação do COLINA e; b) documentos disponibilizados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. Este acervo foi incorporado a partir de pesquisa baseada no livro-documento Direito à Memória e à Verdade, publicado pela mesma, o qual discorre sobre os processos relacionados aos desaparecidos políticos brasileiros. Por fim, identificaremos perspectivas militares relacionadas ao COLINA em dois acervos: primeiro, nos arquivos da Assessoria Especial de Segurança e Informação na Universidade (AESI), órgão responsável pelo monitoramento e repressão dos militantes do COLINA dentro dos institutos da UFMG: Faculdade de Medicina, ICB, FACE e FAFICH; o segundo refere-se ao ORVIL. Uma vez explicitados métodos e fontes, apresentaremos o plano de redação com os objetivos de cada capítulo. O primeiro capítulo consiste no estabelecimento de um debate em torno dos conceitos de Culturas Políticas, Terrorismo e Violência. Importantes tanto para o entendimento da complexidade dos signos e ritos políticos no âmbito da luta armada, quanto para a problematização da relação entre Estado e oposição no Brasil. 11 No segundo capítulo analisaremos a conjuntura internacional entre as décadas de 1960 e 1970, com o objetivo de compreender aspectos da Doutrina de Segurança Nacional, que balizaram o discurso e as práticas desencadeadas na América Latina. Partiremos da Revolução Cubana, buscando perceber, dentro dos limites possíveis, os alcances mais plausíveis de seu impacto sobre as esquerdas radicais da América Latina, com destaque para as organizações brasileiras. O capítulo três demonstra a constituição espacial do centro da cidade de Belo Horizonte para compreender a sociabilidade que possibilitou a existência de grupos de oposição e melhor organização de manifestações. Analisaremos a história da POLOP e seus conflitos, cujo ápice foi a ruptura durante seu IV Congresso, realizado em Santos, no ano de 1967. A importância da análise da história da POLOP está na explicação de vários aspectos herdados pelo COLINA. Analisaremos a história da mesma, sob vários aspectos: suas ações, teoria, práticas revolucionárias e influências doutrinárias. Finalmente, no capítulo quatro, buscamos analisar o olhar da repressão sobre o COLINA em dois acervos: ORVIL e AESI. Especialmente o último servirá para melhor compreensão dos mecanismos de repressão dentro da Universidade. A segunda parte do capítulo abrange a questão da disputa pela memória do período. Disputa que consideramos tanto a partir da tentativa de imposição de uma memória pelos militares, seja por meio de propagandas, do sistema educacional etc., quanto a partir de uma reivindicação da legitimidade da leitura deste passado, por parte de militantes da esquerda atingidos em sua integridade física ou civil durante ditadura militar brasileira. 12 CAPITULO I – CULTURA POLÍTICA, TERRORISMO E VIOLÊNCIA. Neste capítulo apresentaremos os aportes teóricos que permearão a pesquisa. Discutiremos os conceitos de cultura política, terrorismo e violência. I.1 – CULTURAS POLÍTICAS A expressão culturas políticas não é recente. Data da década de 1960 e foi cunhada por Sidney Almond e Gabriel Verba 6 . Buscava representar uma interface entre distintas perspectivas, como da sociologia, antropologia e psicologia, aplicadas ao estudo dos fenômenos políticos 7 . A definição de cultura foi amparada, sobretudo, pela antropologia, que a entende como uma articulação de comportamentos apreendidos socialmente, por meio de processos de transmissões de pensamentos e idéias, sem qualquer intervenção biológica. Vários estudiosos nos fornecem apontamentos sobre como pensar e aplicar o conceito de culturas políticas. Para Daniel Cefai, por exemplo, as culturas políticas são aquelas: que se coloca(m) em diferentes espaços teóricos e se inscreve(m) em diferentes espaços empíricos, desafia(m) uma produção consensual (...) que seja apropriada a todas as constelações de temas e a todas as grandezas de escala em uso nas ciências sociais, históricas e políticas 8 Serge Berstein propôs pensar a cultura política a partir de uma perspectiva histórica, distinta da sociologia e antropologia, embora dialogue com ambas. Para o autor, o conceito de culturas políticas implicaria a junção de componentes antagônicos 9 . Assim como a história cultural teve sua renovação quando mostrou convergência com as ciências sociais a partir da Escola dos Annales, para Berstein, o mesmo ocorreu com o fenômeno do político, 6 ALMOND, Sidney & VERBA, Gabriel. The Civic Culture: Political Attitudes and Democracy In Five Nations. PrInceton University Press, 1963. 7 KUSHNIR, Karina & CARNEIRO, Leandro. As dimensões subjetivas da política: cultura política e antropologia política. In: Estudos Históricos. Número.24. 8 CEFAI, Daniel, citado por DUTRA, Eliana Regina de Freitas. Arqueologia do conceito de cultura política. In: Vária História, n.28, dez. 2002 , Belo Horizonte. pp.13-29. 9 BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: ROIUX & SIRINELLI. Para uma historia cultural. Lisboa: Estampa, 1998. pp.349. 13 sob inspiração de René Rémond. Esse autor analisa o chamado “retorno do político”, de forma que o político “pode ser um objeto de conhecimento científico, assim como um fator de explicação de outros fatos além de si mesmo” 10. Sua análise trás à cena a História Política, que bem como a narrativa e a biografia retornaram após a crise da Nova História. Até este momento de crise, a política, a narrativa e biografia, estavam sob controle dos Annales, em proveito da História Econômica e Social. Para Rémond, o político não é um fato isolado, tampouco imutável. Pode-se inscrevê-lo na longa duração e na mudança e está ligado ao estudo da história do tempo presente. A cultura política deve ser pensada como uma interseção entre a história política com a cultural, porém, como um elemento que diz respeito tão somente aos fenômenos políticos. Na sua tentativa de definição do conceito, parte do princípio da existência de uma espécie de código e de conjunto de referências definido dentro de uma determinada “família” política, ou partido. Deriva daí a importância das representações, dos signos, das normas e valores, como elementos de coesão e para a definição de diversas culturas políticas 11 . Nesta perspectiva, haveria a necessidade de uma estabilidade de procedimentos de no mínimo duas gerações para que uma nova cultura política penetrasse na sociedade sob forma de representações. Seus principais expoentes seriam, por exemplo, a família, o Exército, o partido e a escola, o que caracterizaria mobilidade e mutabilidade destas culturas políticas 12 . Em certos casos pode ocorrer a formação de uma sub-cultura política, que consiste em uma forma mais específica de comportamento político dos militantes, dentro de determinada cultura política. 13 Tendo em vista esta afirmação, nos interessa aplicá-la ao caso das culturas políticas de esquerda e analisarmos duas de suas tradições as quais consideramos que mais influenciaram, em graus diferentes, a vertente escolhida por alguns grupos revolucionários, em especial, o COLINA: as tradições comunista e nacional- estatista. 10 RÉMOND, René. O retorno do político. In:CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história do presente. Bauru: Edusc,1992. pp.51-60. 11 Para debate mais amplo sobre o “Retorno do político”: CHAUVEAU & TÉTART. Questões para a história do presente. Bauru: Edusc,1992; REMOND, R.(org.) Por uma história política.Rio de Janeiro: FGV, 2006; FALCON, Franscisco. História e poder. In: CARDOSO & VAINFAS. Domínios da História – Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997. 12 BERSTEIN. op. cit. pp. 356. 13 LAZAR, Marc. Fort et fragile, immutable et changeante… la culture politique communiste. In:BERSTEIN, Serge. Les cultures politiques en France. Paris: Seuil, 1999. 14 Segundo Daniel Aarão Reis, ao fazer uma revisão da trajetória das esquerdas, seja no Brasil ou no mundo, é necessário reconhecer sua pluralidade. Costumamos empregar o termo no singular. Para o autor, esta tendência ao singular nos reportaria a uma tradição do inicio do século XX, que entendia a representação da esquerda legitimada em um só partido. Antes da I Guerra, quem não estivesse vinculado ao partido social-democrata, não poderia ser considerado de esquerda. Após a Internacional Comunista, essa tradição seria característica dos Partidos Comunistas 14 . Em relação a esta perspectiva, devemos ressaltar que o Partido Comunista Brasileiro (PCB) tem duas singularidades face aos PC’s europeus. Inicialmente, não teve origem na social-democracia, pelo simples fato de não ter havido social-democracia neste país. Saímos de uma sociedade escravista, e em pouco tempo surgiram os primeiros centros industriais, formando um núcleo operário, composto por vários imigrantes italianos e espanhóis. Foi a influência anarquista responsável pela criação do PCB 15 . Entre seus objetivos estava: "conquistar o poder político pelo proletariado e transformar a sociedade capitalista em comunista. O partido da classe operária brasileira deveria também, lutar e agir pela compreensão mútua internacional dos trabalhadores" 16 . A segunda característica do PCB, e rara na história do comunismo mundial, é a influência militar. Segundo Jacob Gorender, com exceção do PC Chinês, nenhum outro teve esta característica de modo tão marcante, e esta adesão de militares dever-se-ia à presença de Luis Carlos Prestes 17 . No Brasil, a década de 1930 foi marcada pelo que Dulce Pandolfi chamou de "Prestismo". Com a filiação de Luis Carlos Prestes ao PCB, o partido saíra do gueto e o “Prestismo” seria maior que o “pecebismo”18. O partido passaria a ser, a partir de então, o representante dos camponeses, marinheiros e soldados revolucionários, não mais exclusivamente do proletariado. Após 1933, com a subida de Hitler ao poder, a 14 REIS FILHO, Daniel. As esquerdas no Brasil. Culturas Políticas e Tradições. In: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.175. 15 GORENDER, Jacob. O ciclo do PCB: 1922-1980. In: FORTES, A. História e perspectivas da esquerda. São Paulo: Perseu Abramo, 2005. pp.164. 16 PANDOLFI, Dulce. Camaradas e companheiros: História e memória do PCB. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. pp.71. 17 GORENDER. op.cit.pp.166. 18 PANDOLFI.op.cit.pp.71 15 Internacional Comunista não mais incentivava as insurreições, mas sim, as frentes populares compostas por outros partidos, que não só o comunista. Uma das exceções à regra que temos conhecimento foi justamente o PCB, cuja prática insurrecional fora recomendada, devido à confiança na potencialidade militar do partido. Para Jacob Gorender, esta seria uma prova concreta do reconhecimento do militarismo sobre o mesmo 19 . Quando miramos a esquerda no Brasil, podemos evidenciar suas múltiplas culturas políticas. A mais consolidada delas, que por muito tempo obteve o monopólio do “ser de esquerda” no Brasil foi, sem dúvida, a comunista. O que se chama de tradição comunista seria, segundo Reis Filho, uma árvore de vários ramos, que se tornou mais complexa após a década de 1960 20 . Marc Lazar, ao fazer uma análise do Partido Comunista Francês, estabelece um diálogo direto com Berstein, ao definir cultura política como um conjunto de idéias, símbolos, crenças, tradições e uma diversificação de regras e práticas que, combinados, dão um significado ao real, estabelecendo as regras do jogo, formando os comportamentos políticos, e conduzindo à incorporação de normas sociais. Para o autor, a cultura política comunista teve seu ápice entre os anos de 1930 e 1950, sendo o Partido a sua instituição- chave, é ele quem ocupa lugar central e determinante, como um meio de socialização e na definição do pensamento político 21 . Já Dulce Pandolfi qualifica a cultura política comunista como uma determinada visão de mundo compartilhada por todos, vinculados a uma tradição iniciada com a vitória da Revolução Russa, que se identificou com o modelo de sociedade implantado pela URSS, e que se inspirou nos escritos de Marx, Engels e Lênin 22 . Para a análise de uma outra face da cultura política comunista, citamos ainda Marco Aurélio Garcia, que trabalha com hipótese de a Revolução Cubana ser o marco que separaria a passagem de um primeiro momento, marcado pelos ecos da Revolução Russa e que se estendeu até final dos anos 1950, para uma segunda fase, que seria o surgimento de novas organizações de esquerda influenciadas, em grande parte, pelos valores e pela teoria 19 GORENDER. op.cit. pp.167. 20 REIS FILHO. 2005. op. cit. pp.177. 21 LAZAR.op.cit.pp. 217. 22 PANDOLFI.op.cit. pp.35. 16 foquista 23 . A partir deste novo referencial, a cultura política comunista teria tomado uma nova direção, radicalmente distinta da antecedente russa, no que tange à estratégia de tomada do poder. 24 Podemos afirmar que uso de uma série de rituais e símbolos formou a identidade do militante comunista. Abrigados sob uma mesma sigla, pessoas que militavam mesmo com posições divergentes, giravam em torno de uma prática unitária, ou seja, mesmo e apesar das diferenças, todos eram comunistas, o que significava, sobretudo, estar ligado ao Partido Comunista 25 . Seus valores mais difundidos são: a obediência incondicional, a disciplina de ferro, a dedicação completa, a exaltação da unidade, seja da URSS, do partido ou de seus chefes. Estes valores ou imagens são interiorizados e acompanhados obrigatoriamente de uma submissão e de conformidade ao modelo oficial. O comunismo possui calendário, comemorações e ritos próprios. 26 Valores parecidos pertencem a esta vertente “nova” do comunismo, ainda que ambas se condenem mutuamente. Se por um lado, membros do PCB eram considerados reformistas pelos revolucionários, por outro, esses eram vistos como aventureiros por aqueles. Existiam, dentro das organizações armadas da esquerda comunista, representações que, a seu modo, lhes mantinham unidos. Assim como o PCB, os revolucionários estariam coesos sob a premissa da formação de um partido de vanguarda, responsável por guiar as massas à revolução, independentemente da aliança com a burguesia que pregavam os comunistas “ortodoxos”, vinculados ao Partidão (PCB). Como exemplo destas representações, podemos citar a do grande líder revolucionário, incontestável, que para o COLINA (e claro, tantas outras organizações armadas) seria o guerrilheiro Che Guevara, assim como outras lideranças internas, seja o mais velho, o teórico, o melhor atirador. Como veremos posteriormente, a influência deste ícone da esquerda militarista é citada de modo recorrente em falas de militantes do grupo em questão. 23 GARCIA, Marco Aurélio. As esquerdas no Brasil e o conceito de Revolução: trajetórias. In: ARAÚJO, Angela. (org.). Trabalho, cultura e cidadania. São Paulo: Scritta, 1997. pp.38. 24 Há que se relativizar, entretanto, a mudança de valores entre pró-soviéticos e pró-cubanos, como constatamos em documentos e depoimentos de militantes do COLINA que evidenciam que, por mais que tentassem se desvincular desta esquerda tradicional, leia-se PCB, as normas e valores não se diferiam tanto quanto acreditavam. 25 PANDOLFI. op.cit. pp.29. 26 VIDAL, Adriane. Pablo Neruda: uma poética engajada. Dissertação de mestrado. UFMG, 2003. pp.224. 17 Para Fernando Pimentel, político, ex-militante do COLINA, Vanguarda Armada Revolucionária, conhecida como VAR-Palmares e Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), foi exatamente a morte de Guevara que influenciou sua decisão pela via armada. 27 Pimentel militou mo movimento estudantil secundarista em 1967, naquele momento, fortemente influenciado pela esquerda católica, por meio da organização Ação Popular (AP). Dois amigos o convidaram para integrar suas respectivas organizações, um do COLINA, e outro da AP, contudo: Uma das coisas que pesou na minha opção, foi a morte de Guevara em outubro de 1967.O Guevara era, de certa forma, um mito, uma referencia muito forte pra nós, para minha geração. E (...) as circunstancias da morte dele na Bolívia, aquela aura de heroísmo que aquilo carregou (...) me marcou muito e me impulsionou fortemente pra concepção de organização que era expressa pelo COLINA 28 . Tal adoração ao guerrilheiro morto e ao seu método de combate, que seria, nas próprias palavras de Pimentel, “quase uma vara de condão”, que estaria “fadado a dar certo onde for”, levou à época a uma análise acrítica da idéia e das circunstancias necessárias à instauração do foco guerrilheiro: A gente atribuiu isso (a morte de Guevara), a uma derrota momentânea. Quer dizer, o método era correto, só que ele foi infeliz naquela circunstancia 29 . A fala do sindicalista Irani Campos, ex-militante do COLINA, corrobora a anterior, no sentido da adoração ao comandante argentino e ao seu método: Nós demos naquele momento, de sair daquela luta política tradicional, para outras formas de luta que já tinham, de certa forma, dado resultado. Uma grande influencia que nós tivemos foi a Revolução Cubana, e é por isso que também falo que quando eu lembro da historia do Che Guevara, eu lembro de todo o exemplo dele, de um cara que podia ter morrido sentado em cima do ouro, não é? Foi morrer brilhantemente, heroicamente, “Dom 27 VAR-Palmares: Vanguarda Armada Revolucionária Palamares, foi uma organização armada surgida após a dizimação do COLINA. VPR: Vanguarda Popular Revolucionária, surgiu, assim como o COLINA da cisão da POLOP. 28 Entrevista de Fernando Pimentel a Marcelo Ridenti em 16/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP. 29 Idem. 18 Quixoticamente” e mais a quantidade de adjetivo que você puser pelo mundo. Hay que endurecer sin perder la ternura 30 . Um relato que destoa aos citados quanto a crítica à estratégia Guevarista é o de Apolo Heringer Lisboa, médico, ex-militante do COLINA e VAR-Palmares: Apresentei um trabalho (em 1969) que era “revolução e o foquismo” (...) e criticava o Debray (Régis), como tendo feito uma interpretação errada da revolução cubana e tinha aconselhado os outros paises a importar. Claro, nos cometemos o erro de importar uma coisa que já era um erro (...) simplismo do “Debraismo”. A gente combateu isso, não poupamos nem o Che Guevara, com todo o respeito que ele merece da gente 31 . Outro elo entre PCB e o COLINA no âmbito da cultura política comunista, refere- se às imposições de disciplina e respeito à hierarquia e normas de conduta. O COLINA investiu mais na perspectiva da guerrilha, do que na formação do partido – o dispositivo militar superava a questão política, por isto é uma organização militarista. Como tal, fez suas regras semelhantes às dos militares. Deixam claro que são apenas semelhantes, pois os militares não compactuavam com o ideal de Exército Leninista, muito pelo contrário. Na visão daqueles revolucionários, esta disciplina seria mais do que necessária para a formação do Exército que se transformaria no “Grande Exercito de Libertação Nacional”. A aceitação destas normas disciplinares deveria ser de modo consciente por parte dos militantes, já tendo conhecimento da necessidade de sua aplicação, a aceitação “provém da própria prática concreta da disciplina revolucionária”. Tais normas designavam desde o perfil ideal do militante, até como agir na prisão em caso de queda, possibilidade plausível, na medida em que acreditavam estar numa guerra. Para exemplificar, citamos Maria do Carmo Brito, ex-militante da COLINA. Seu relato demonstra que a ordem da organização era o suicídio em caso de prisão. Todos os militantes andavam com uma cápsula de veneno em um alfinete preso à roupa, contudo, o veneno produzia um efeito inesperado: apenas provocava cólicas, agravando a situação do militante emboscado 32 . Outras regras referiam-se à, principalmente: a) aguentar por mais tempo à tortura (física ou psicológica), para que houvesse tempo de os companheiros 30 Entrevista de Irani Campos a autora em 17/01/2006. 31 Entrevista de Apolo Lisboa a Marcelo Ridenti em 13/07/1985. Acervo AEL/UNICAMP. 32 Cf.CARVALHO, Luis. Mulheres que foram à luta armada. Rio de Janeiro: Globo, 1998. pp.142. 19 saberem da prisão e não irem aos pontos de encontro, evitando um efeito “dominó”; b) não falar sobre demais militantes; c) simular desmaio quando da aplicação do Pentotal Sódico (soro da verdade); d) aproveitar as situações para o suicídio, e bater a cabeça na parede até desmaiar. Em pouco tempo, a militante descobriu que algumas das orientações na prisão apenas a deixavam situações tragicômicas, como no dia em que tentou bater a cabeça para desmaiar e o torturador Gomes Carneiro 33 postou-se atrás dela fazendo com que sua cabeça batesse no peito deste 34 . Não obstante, caso fossem infligidas as regras, o militante sentiria “todo o peso da disciplina”, pois seriam com estas medidas que o indisciplinado refletiria sobre seus erros e utilizaria da auto-critica na prática 35 . A própria estrutura interna do COLINA por células, já demonstra sua preocupação com a ordem e disciplina 36 . O contraponto desta estratégia seria a da Aliança Libertadora Nacional (ALN), por exemplo, em que as ações não eram coordenadas; ocorriam, às vezes, diversas ações no mesmo dia, no mesmo local, em horários diferentes, e um agrupamento não tinha conhecimento do outro 37 . Havia, evidentemente, uma hierarquia entre as células e, por questão de segurança, somente um representante de cada comando se reunia com a direção. As decisões eram verticalizadas e centradas em torno do comando armado, sob o qual se encontravam os maiores expoentes. Um exemplo das normas disciplinares diz 33 Major Gomes Carneiro, torturador, comandante do CODI/DOI – Rio a partir de 1970. Antes desta data, torturava no CODI/MG quando aInda era capitão. Seu nome aparece no “listão” que possui o nome de 443 torturadores. O Major esteve envolvido diretamente na morte do político Rubens Paiva, em 1971. Para o psiquiatra a serviço da repressão Amílcar Lobo, Carneiro era um dos mais violentos torturadores que conheceu. Em 1976 o Comitê Pró-Amnistia dos presos políticos no Brasil – CAB, em Portugal, publicou pela primeira vez a coletânea dos Documentos dos presos políticos brasileiros. É uma esmiuçada descrição do “aparelho repressivo”, IncluIndo, Instrumentos e métodos de tortura; mandantes de tortura, presos políticos mortos e desaparecidos; torturadores e Informantes. Os autores montaram esta lista até então Inédita e aInda demonstraram a ligação da ditadura com o empresariado nacional e estrangeiro. No Brasil, esta relação de nomes se tornou mais conhecida em dois momentos: em junho de 1978 e março de 1979, através do semanário Em Tempo, ambos exemplares apreendidos e destruídos. Para entrevista de Amílcar Lobo sobre a repressão e Gomes Carneiro: Cf. JORNAL DO BRASIL. 8/09/1986.Arquivo digital Ana Lagoa/UFSCAR: http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R06878.pdf Para a lista completa dos torturadores:Cf. VENTURA , Maria Isabel PInto (ed.). Dos presos políticos brasileiros Acerca da repressão fascista no Brasil. Lisboa: Edições Maria da Fonte / Comitê Pro Anistia Geral no Brasil, 1976; BRASIL: NUNCA MAIS. Projeto A, Tomo II. Para saber mais sobre o CAB e a história da repressão sobre o Em tempo: GRECO, Heloísa.Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003.pp.155-158. 34 VIANNA, Martha.Uma tempestade como a sua memória. A história de Lia, Maria do Carmo.Rio de Janeiro: Record, 2003, pp. 75 -79. 35 Por uma disciplina revolucionária. Rolo 2: Pasta 16: Sub-Pasta 17: Imagem:0186. Acervo DOPS/MG. 36 A questão da estrutura interna do grupo assim como questões ligadas ao ideal de democracia por estas organizações serão tratados com mais detalhes no capitulo III. 37 Cf. ROLLEMBERG, Denise. Exílio: entre raízes e radares. Rio de Janeiro: Record, 1999. 20 respeito ao “contato mínimo” entre militantes, para que fosse preservada a clandestinidade do grupo 38 . Comentar algo da organização para alguém de fora, mesmo que de confiança, era considerado uma falta gravíssima 39 . Sobre a disciplina, conta Jorge Nahas, médico, ex- militante da POLOP e COLINA: Nós éramos muito duros, inclusive, fomos muito duros com as companheiras que caíram, inclusive, estavam presas conosco. Companheiros que falaram o que a gente achava que não deveria falar, companheiros que foram muito estigmatizados. (...) Essa sensação de responsabilidade com o momento político exagerada, nós tínhamos em alto grau. Era mais importante que essas coisas de patrulhamento interno, que existiram. Muitos companheiros padeceram com isso, mas eu acho um erro. 40 . Dentro das definições doutrinárias do COLINA, o militante deveria “ter compromisso com o seu destino”, o qual só se tornaria completo no processo de “proletarização” da prática guerrilheira41. Isto significa que eram a luta pela sobrevivência diária e o contato concreto com a necessidade revolucionária que proporcionariam a força para a luta de libertação. Outra característica marcante da cultura política comunista estaria relacionada à moral comunista. Em referência ao PC, como observam Rodrigo Patto Motta e Gerard Vicent, muitas vezes, a severidade dos comunistas em relação à conduta moral pode parecer contraditória, ao levarmos em conta a dimensão libertária da tradição revolucionária. Para Motta, “é paradoxal que um projeto visando a emancipação humana, tenha dado origem a normas de comportamento tão rígidas”42. Os dois autores descrevem em seus textos como o partido regulava severamente a vida privada do militante, tendo este que ser um exemplo para a sociedade. Assim como Motta, Vicent trabalha com depoimentos de militantes comunistas e conclui pelas falas destes, que o comunista deveria 38 Por uma disciplina revolucionária. Rolo 2. Pasta 16. Subpasta 17. Imagem 186. Acervo DOPS/MG. 39 O militante. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG. 40 Entrevista de Jorge Nahas a autora em 06/01/2006. 41 Concepção da luta revolucionária.In: REIS FILHO & SÁ.op.cit. pp. 159. 42 Cf. MOTTA, Rodrigo. O PCB e a moral comunista. IN: LOCUS. Revista de Historia.vol. 3. 1997. pp. 73. Outros trabalhos similares que abordam a questão da moral comunista: BROWARNIK, Graciela. Para ser un reolucionario... Un estudio acerca de a transmission de la moral comunista del Partido Comunista ArgentIno. In: Voces recobradas. Buenos Aires. Año 6. No. 16.pp.22-36 e OBERTI, Alejandra. Lamoral según los revolucionarios. In: Políticas de la memoria. Buenos Aires: CEDINCI, 2005. pp.77-84. 21 “ser excelente profissional, bom marido, pai ‘normal’, conformista, em consonância com o tipo ideal derivado da tradição judaico-cristã”43. Na “nova esquerda” há um apelo à moral, mas não em um sentido de conduta exemplar, como no caso do PCB. Diz respeito mais à segurança da organização do que ao comportamento do militante em si. O indivíduo era orientado a adaptar-se ao local em que fazia seu trabalho, atento à cultura, linguagem, vestimenta, de modo que não destoasse da comunidade, minimizando as possibilidades de serem percebidas como suspeitas. Um comportamento desregrado também seria condenado, a exemplo do excesso com a bebida e mentiras. O curioso do documento é a represália à “falta de critério nas relações sexuais”44. Em outro momento, relata Jorge Nahas: Esse tipo de militância (armada), não permite muita vacilação, é tudo tratado num plano moral, isso sem duvida alguma. Você tem a visão muito ideologizada e moral das coisas. O sujeito começava a duvidar (politicamente ou pessoalmente sobre a organização), você podia achar que ele estava afrouxando 45. O guerrilheiro seria, desta forma, um herói e como tal, cheio de virtudes e poderes. A crença nestes valores também é recorrente nos relatos, porém apontam decepções com a realidade do período, como pode ser vislumbrado na fala do mesmo entrevistado: [Eu] achava que todos nós tínhamos têmporas de heróis. E a ditadura impunha isso também, ou você era um herói, ou você era um traidor. O cruel, o perverso de uma ditadura, é que te obriga o tempo inteiro a você ser herói, resistir, ou a ser um covarde 46 . A estreita e curiosa analogia entre Comunismo e Igreja nos primórdios do surgimento dos PCs também é marcante: “Os ídolos são diferentes, mas a liturgia é parecida”47. No caso o PCB, Dulce Pandolfi relata um discurso de Astrojildo Pereira, no qual relembra que o Partido fora fundado por 12 militantes, “o mesmo numero de apóstolos de Cristo”, e que na platéia alguém aparteou, dizendo que “não faltara também o Judas”, 43 Cf. VICENT, Gérard. Ser comunista? Uma maneira de ser. IN: PROST, Antoine. Historia da vida privada. Vol. 5.São Paulo: Companhia das letras, 1995. pp.445. 44 O militante. Rolo 2. Pasta 16. Subpasa 13.Imagem 119. Acervo DOPS/MG. 45 Entrevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti em 15/07/1985. Disponível no AEL/UNICAMP. 46 Entrevista de Jorge Nahas a autora, já citada. 47 VINCENT. op. cit. 446. 22 em alusão a Antonio Canellas, o único militante de voto contrário a Trotsky, na IV Internacional Comunista 48 . Mesmo com o radicalismo exacerbado, esta ligação continua existindo dentro da guerrilha, como podemos derivar das resignificações dos depoimentos. Apolo Heringer foi um dos depoentes que mais evidenciou a assimilação entre a fé católica e a militância armada: Tem gente que tem jeito pra música, não tem? Eu desde cedo tive inclinação para a questão social. Eu sempre tomava partido dos pobres, aquilo ali é intuitivo.(...) Minha leitura da Bíblia foi mais dirigida para esta questão de Moisés e os profetas, eu vibrava com Geroboão, que se revoltou contra Salomão, eu vibrava com a luta de libertação do povo. (...) Minha formação da Bíblia me legitimou, inclusive, para a luta armada. Na Bíblia, são inúmeros os casos de guerrilha, inclusive, da libertação do povo hebreu 49 . Em se tratando das questões referentes a gênero, acreditavam nas diferenças inatas entre homens e mulheres, nos quais os papéis sociais eram definidos de forma natural. Não obstante tentavam, em discurso, ampliar a participação feminina nas questões políticas. O exemplo de Auxiliadora Bambirra, esposa de Sinval Bambirra 50 , serve para ilustrar tal afirmação. Em uma passagem de seu depoimento, afirma que o marido lhe cobrava uma militância política, sendo que ao mesmo tempo questionava sua atuação pública, reclamando maior atenção aos filhos 51 . 48 Antonio Canellas, militante de origem anarquista, com 24 anos, equivocadamente achou que sua Indicação para participar dos trabalhos do congresso Incluía direito a "voto deliberativo" com a admissão do PCB na Internacional Comunista. Não percebeu tampouco o esquema de funcionamento do congresso, segundo o qual as questões se decidiam nas comissões ampliadas ou restritas para serem apenas homologadas nas reuniões plenárias. Além disso, diante da condenação de Leon Trotsky à participação de maçons nos partidos comunistas (dirigida prIncipalmente ao PC francês) defendeu a idéia de que "nosso gênero de socialismo é neutro em moral", podendo o partido brasileiro ter como membros elementos maçons, protestantes, católicos etc. Ao afirmar que o PCB contava com "alguns bons camaradas maçons, cuja ação revolucionária no seio da maçonaria é notável e notória", ele se referia prIncipalmente a Cristiano Cordeiro e Everardo Dias, membros da maçonaria e do partido. FInalmente, ao prestar Informações sobre o PCB, Canellas cometeu algumas falhas, afirmando que o partido contava com 500 militantes, quando na verdade não passavam de 250, e declarando que ele próprio havia colaborado numa revista de orientação anarquista. Diante da atuação do delegado brasileiro, o comitê executivo da Internacional Comunista considerou que o PCB aInda não era um verdadeiro partido comunista, pois conservava "restos de ideologia burguesa alimentados pela presença de elementos da maçonaria e Influenciados por preconceitos anarquistas, o que explica a estrutura descentralizada do partido e a confusão reInante sobre a teoria e a tática comunista". A Internacional decidiu aceitar apenas provisoriamente o PCB dentro de seu organismo como um "partido simpatizante".Cf. Verbete Partido Comunista Brasileiro (PCB). In:CPDOC/FGV.Dicionário Histórico-biográfico brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes_htm/6069; PANDOLFI. op.cit. pp.75. 49 Entrevista de Apolo H. Lisboa a Marcelo Ridenti em julho de 1985. Disponível no AEL/UNICAMP. 50 Deputado operário, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro e cassado durante a ditadura militar. 51 Cf. MOTTA. Op. cit. 79. 23 Se voltarmos às referências diretas do PC, Engels e Marx, podemos perceber uma visão mais avançada do que a defendida por seus seguidores: “a emancipação da mulher e sua equiparação ao homem são e continuarão sendo impossíveis, enquanto ela permanecer excluída do trabalho produtivo social e confinada ao trabalho doméstico, que é um trabalho privado. A emancipação da mulher só se torna possível quando ela pode participar em grande escala, em escala social, da produção, e quando o trabalho doméstico lhe toma apenas um tempo insignificante”52 O consenso entre Marx, Engels e Lênin está na análise de que o capitalismo iniciou uma revolução democrática, mas foi incapaz de concluí-la, pois a forma monogâmico- patriarcal, ou seja do início da dominação de um sexo sobre outro, nasceu justamente da “concentração das grandes riquezas nas mesmas mãos (dos homens) e do desejo de transmitir essas riquezas por heranças aos filhos desses mesmos homens”. Assim, “a preponderância do homem no casamento é uma simples conseqüência da sua preponderância econômica e desaparecerá com esta”53. Obviamente a mudança neste padrão só iria ocorrer após uma revolução social que transformasse os meios de produção, e a riqueza dos homens, em propriedade coletiva. Seria por meio da revolução socialista que a libertação da mulher teria início. A emancipação, propriamente dita, exigiria uma prolongada luta de idéias no interior do Partido e da sociedade e, conseqüentemente, não seria o resultado “natural” do processo de expropriação dos principais meios de produção das mãos da burguesia. Lênin, em 1916, defendeu a emancipação feminina através do trabalho, pois somente nas fábricas haveria possibilidade de igualdade entre os sexos. Acreditava que as mulheres teriam as mesmas responsabilidades, tanto no emprego quanto em casa, e citava casos de operárias que ajudavam no sustento do lar, da mesma forma que seus maridos. Foi também defensor do divórcio, atitude esta que serviu de argumento para que os conservadores de todo mundo acusassem o comunismo de pregar o fim da família 54 . 52 Engels, F. A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1974. pp.182. 53 MARX, K., ENGELS, F. e LENIN, V. Sobre a Mulher. São Paulo: Global Editora, 1980. pp. 24-25. 54 Para imaginário comunista no Brasil e movimentos conservadores pré-golpe: DREIFFUS, René. 1964: A conquista do estado. Petrópolis: Vozes, 1981; SIMÕES, Solange. Deus, pátria e família. As mulheres no golpe de 64. Petrópolis: Vozes, 1985. STARLING, Heloísa. Os senhores das Gerais. Os novos Inconfidentes 24 O exemplo do divórcio mostra de maneira evidente que é impossível ser democrata e socialista sem exigir, nos dias de hoje, a inteira liberdade de divórcio, pois a falta dessa liberdade constitui a forma extrema de humilhação da mulher, do sexo oprimido. (...) A República dos Sovietes tem a tarefa de abolir, antes de tudo, qualquer limitação dos direitos femininos. Para obter o divórcio, já não se exige um processo judiciário: essa vergonha burguesa, fonte de aviltamento e de humilhação, foi completamente abolida pelo poder soviético 55 . Outro revolucionário que se referiu ao papel da mulher foi Che Guevara, contudo, mais conservador. Disse ele que “a mulher é capaz de realizar os trabalhos mais difíceis e combater ao lado dos homens” e que “embora mais débil que o homem, não é menos resistente que ele”. Não obstante, em outra situação afirmou que “a mulher como cozinheira (na guerrilha), pode melhorar muito a alimentação e, além, disso, é mais fácil mantê-la em sua tarefa doméstica”56 . A proposta de Che Guevara seria a criação de “homens e mulheres novos” após a revolução, mas não de liberação da condição feminina. Maria Paula Nascimento afirma que estes movimentos sociais traziam uma critica radical no interior do marxismo ortodoxo, que enfatizava a dimensão econômica da noção de classe. Ao privilegiar a opressão de classe, o marxismo teria secundarizado ou ocultado outras formas de opressão – sexual, religiosa e racial 57 . Dentro do COLINA estas diferenças, ao que parece, não existiam. Ou pelo menos as mulheres que lá militavam cumpriam as mesmas tarefas e tinham as mesmas responsabilidades. Duas destas militantes só tomaram consciência da existência desta divisão sexual quando já se encontravam no exílio 58 . Tomemos como exemplo as falas de Maria do Carmo Brito e Maria José Nahas, ambas ex-militantes do COLINA. Em tempo, a primeira chegou a ser a única mulher a comandar a VPR, e a outra foi uma das pioneiras a pegar em armas e praticar assaltos: e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1986; MOTTA, Rodrigo Pato. Em guarda contra o perigo vermelho. São Paulo: Perspectiva, 2002. 55 LENIN, V. O socialismo e a emancipação da mulher. Editoria Vitória, 1956. 56 GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edições Futuro, 1961. pp.112. 57 ARAUJO, Maria Paula. op.cit. pp.10. 58 RIDENTI, Marcelo. As Mulheres na Política Brasileira: Os Anos de Chumbo. Tempo Social. Revista de Sociologia da USP, v. 2, n. 2, p. 113-128, 1990. pp.118. 25 “É claro que existia machismo na organização, mas, para mim, francamente, dentro do Brasil nunca fez diferença o fato de ser mulher. Isso não existia” 59 “Esse negócio de masculino, feminino, feminista, isso para mim não existia. Eu tomei conhecimento disso quando eu cheguei do exílio. Não existia”60. Há que se problematizar? Não teriam estas militantes entrado em contato com a discussão sobre o feminismo que estava em evidência na época, tamouco com a letiura de Simone de Beaovoir? A participação de Maria José Nahas no comando armado do COLINA, e nos demais assaltos, tornou-a conhecida como a “Loura da Metralhadora”. Ela foi talvez, a primeira das várias outras existentes nas organizações. A peruca loura sempre foi usada para despistar a polícia. A presença feminina na guerrilha causou a formação de uma imagem sexualizante da militante, muito em função do imaginário anticomunista difundido. Seria a antítese das mulheres que marcharam “com Deus e pela Liberdade” a favor do golpe em 1964. Há clara alusão ao estereótipo de prostituta: Claro, a presença de uma mulher era... E aí saiu na imprensa a questão da loura. Era a Loura, a loura dos assaltos, a loura de Sabará. E quando eu fui presa, nossa! Eu fui interrogada dias para afirmar que eu era loura, se eu usava botas, se [tinha] um vestido verde esvoaçante. E eu fui enrolando aquilo, no final eu falei assim: ‘Gente, se é tão importante para vocês eu ser loura, tá ok! Eu sou loura, tudo bem’. Tava de botas e tava com um vestido, só que nada disso é verdade”61. Como explica Herbert Daniel, a “loura” era uma criação bem masculina: “Não é preciso ir muito longe para descobrir num dos mitos que a imprensa iria inventar sobre os guerrilheiros a extraordinária carga erótica. A loura era um tesão e tesava”: Um fenômeno inquietante: uma mulher guerrilheira (...). O guerrilheiro fazia das mulheres A fêmea; não AS mulheres, A Fêmea, com F maiúsculo. O F de fálus. Natural. Numa época de castração exacerbada – e a censura o que era? – o complexo de castração encontrava saídas e símbolos62. 59 Maria do Carmo Brito. In: RIDENTI, Marcelo. As mulheres na política brasileira: Os anos de chumbo. Tempo social; Revista de sociologia da USP. V.2, 2 sem.1990. pp. 118. 60 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 61 Entrevista de Maria José Nahas a autora em 2002. 62 DANIEL. Herbert. Passagem para o próximo sonho.Rio de Janeiro: CODECRI, 1982. pp.38 26 Para Irani Campos, um dos maiores exemplos que existiu no COLINA foi Carmela Pezzuti. Carmela entrou na militância por conta de seus dois filhos, membros da direção da POLOP e posteriormente do COLINA, Ângelo Pezzuti e Murilo Pezzuti 63 . A disposição, a coragem e a determinação que a Carmela Pezzuti tinha de ser guerrilheira (...) Aquilo era uma fortaleza para a gente. Além de ela [sic] ser mais velha que a gente, é mulher. Tem um entrave, nessa diferencinha, mulher. E às vezes até tinha gente que tinha dó dela, porque mulher não tinha que agüentar tipo de coisa, que ás vezes era difícil para homem, não é? Tinha menos prática, menos vivência, por exemplo, de andar no mato, esses negócio todo. (...) Subir montanha com mochila, esse negócio, era difícil. A gente achava que aquilo era um sacrifício muito maior para a mulher, do que para a gente. Isso eu não acho desnível nem nada não, acho natural. A gente ia nessa Serra do Curral subindo aí, com coisa que era tranqüilo, e ficava admirado com o esforço da Carmela. E outras que participaram de outras coisas. Era coisa admirável 64 . Por fim, como um dos últimos indícios desta cultura política comunista, destacamos a existência de um vocabulário próprio ou de resignificações das palavras, tais como: - Autocrítica: é uma palavra de apropriação das organizações marxistas-leninistas, que diz respeito à reflexão constante do militante acerca, principalmente, da sua atuação em relação à organização. A finalidade era a de sanar os erros que porventura tenha cometido e buscar o contínuo aprimoramento. Segundo Lênin, “é reconhecer abertamente um erro, descobrir suas causas, estudar atentamente o que a gerou e estudar atentamente os meios de corrigir”65. Desta forma será um meio didático de aprendizado prático dos erros, para que não atrapalhe a formação do partido revolucionário. Em alguns casos, esta autocrítica era feita abertamente, na presença de vários companheiros, causando constrangimentos. - Desbundado: termo usado pelos segmentos politizados da esquerda como forma pejorativa de qualificar os não-engajados, os que são considerados alienados. Todavia, quando um militante abandonava a organização também levava esta “pecha”, ficava estigmatizado entre os demais. O desbunde implicava a “morte” política do revolucionário. - Intelectuais. Usado pejorativamente para tentar desqualificar os que não iam para o front da luta armada. Esta afirmação pode ser exemplificada, tendo por base nossa 63 Tais biografias serão tratadas nos próximos capítulos. 64 Entrevista de Irani Campos já citada. 65 LÊNIN citado por BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Ed.UNB, 2002. pp 69. 27 pesquisa. Um documento escrito por um militante da POLOP expressa sua insatisfação com a direção central, composta por estudantes e catedráticos, afirmando o quão são vaidosos, e que se escondiam atrás da teoria, por desconhecerem a situação concreta da luta. São chamados, pejorativamente, de “intelectuais da revolução”. Segundo o autor do documento, o que estava ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos “companheiros” que questionavam as orientações da direção central, taxando-os de pequenos burgueses (o que representava um demérito aos olhos dos revolucionários) 66 . Tais designações - desbundado e intelectual - neste contexto das esquerdas, nos remetem a uma tipologia de negação do reconhecimento de um grupo por outro. De acordo com Axel Honneth, quem mais sistematicamente tratou da teoria do reconhecimento 67 , o uso de conceitos negativos deste tipo deveria ser considerado uma injustiça pois: “não apenas ele priva a pessoa de sua liberdade de ação, ou lhes é insultante, mas também porque interfere negativamente na compreensão que as pessoas em de si próprias – uma compreensão adquirida por meios inter-subjetivos (...) A “dignidade” de uma pessoa corresponde ao grau de aceitação social dentro do horizonte cultural daquela sociedade. Caso a hierarquia de valores seja estruturada de modo a imprimir um rótulo de inferioridade sob seu estilo de vida, essa pessoa é impedida e atribui valor social às suas habilidades”68 Podemos afirmar, desta maneira, que os dois conceitos seriam uma oposição assimétrica, uma das formas semânticas que o desrespeito assume, pois o eu vê o outro como reflexo invertido de sua própria imagem 69 . Desta forma, os usos pela esquerda da prática da autocrítica, do desbunde e do suposto afastamento dos intelectuais são uma das facetas cruéis da guerrilha, contudo, deve ser entendida dentro do contexto de ditadura militar em que estavam envolvidos. Buscamos, com estes exemplos, compreender o quão abrangente é a cultura política comunista. De modo sucinto, as grandes mudanças que significaram a transição entre os 66 Cf: Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207. Acervo DOPS/MG. Os termos citados podem ser vislumbrados também em: FREIRA, Alipio, et.al. Tiradentes, um presídio na ditadura. São Paulo: Scipione, 1999. 67 A Teoria do reconhecimento foi formulada a partir da filosofia da consciência de Hegel. Em Hegel a o encontro conflituoso da consciência de si com os outros objetos do mundo foi chamado de reconhecimento. Ser reconhecido significaria ser respeitado. Cf. FERES JR., João. A história do conceito de “latin america” nos Estados Unidos. São Paulo: EDUSC, 2005. pp. 30. 68 HONNETH citado por FERES JR. op.cit. pp.34. 69 Contraconceito assimétrico é uma noção de Reinhart Koselleck e explorado por João Feres Jr. na obra já citada. 28 dois momentos são: as referências revolucionárias, o rompimento do monopólio do PCB, e do reformismo na esquerda. Apesar das significativas mutações citadas, os códigos e valores não mudaram de modo tão significativo, ao ponto que pudéssemos pensar em alguma outra sub-cultura política para o caso da “nova esquerda”. Outra tradição, ou sub-cultura política marcante em nosso objeto é a nacional- estatista, ou trabalhista. Segundo Daniel Aarão Reis, é indispensável para entender a cultura política das esquerdas no Brasil em suas especificidades, considerar a tradição trabalhista. Esta tradição foi herdada dos russos e baseava-se na busca de projetos de modernidades alternativas no inicio do século XX, quando o país estava em processo de desenvolvimento e industrialização. Estes militantes queriam que o Estado protegesse e amparasse os trabalhadores através de leis. Procuravam um acordo com o Estado para controlar a exploração dos patrões. Foi no primeiro governo de Getúlio Vargas que a perspectiva nacional-estatista começou a se enraizar dentre os trabalhadores urbanos. Seguia os padrões dos amarelos 70 , que se basearia em uma aliança com o Estado, responsável por garantir um maior desenvolvimento econômico autônomo, com proteção social. Este diálogo com o governo se tornou uma possibilidade graças à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT-1943) e alguns ganhos simbólicos bem articulados com Vargas 71 . O que veio a se tornar expoente maior desta tradição, foi o Partilho Trabalhista Brasileiro. Em seus primórdios, além dos sindicalistas de variadas tendências, havia um político e pensador chamado Alberto Pasqualini, que tentou aproximar os trabalhismos 70 Amarelos seriam o que alguns anos depois seriam chamados de pelegos. A origem do termo remete aos SIndicatos constituídos no século XIX na França e na Alemanha. Normalmente formados ou fInanciados pelos patrões com o objetivo de, pela divisão os trabalhadores, defender seus próprios Interesses e não os da classe trabalhadora. São contrários à greve e adotam posição conciliadora. A denomInação de "amarelos" (ou Krumiros) decorre da fama de fura-greves que tInham os orientais no século XIX na França. Cf.: Dicionário Político Marxista. Retirado de: www.marxists.org . Para saber mais sobre os amarelos brasileiros, conferir: BATALHA, Cláudio. Le Syndicalisme ‘Amarelo’ à Rio de Janeiro (1906-1930). Thèse de Doctorat de l’Université de Paris I, 1986. 71 REIS FILHO, D. Entre reforma e revolução: a trajetória do Partido Comunista no Brasil: 1934-1964. In: RIDENTI, Marcelo; REIS FILHO, Daniel Aarão (orgs.). História do marxismo no Brasil: partidos e organizações dos anos 20 aos 60. CampInas: Editora da UNICAMP, 2002. v.5. pp.72. Quem melhor e primeiramente desenvolveu a tese de considerar as relações entre Vargas e as classes urbanas como recíprocas e multilaterais, permeadas por ganhos materiais e simbólicos para ambos foi Ângela de Castro Gomes, em A Invenção do trabalhismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumara, 1994. 29 brasileiro e britânico 72 . Este último, repleto de tradições reformistas, estatistas e conciliadoras. O resultado foi a introdução e fixação de uma corrente reformista e relativamente sólida no interior do PTB 73 . Este reformismo foi importante, pois a partir das atitudes de seus adeptos, foi aberto espaço para o surgimento de uma determinada tendência dentro do partido, de cunho radical, liderada pelo ex-governador gaúcho, Leonel Brizola. Seus adeptos se nomeavam “nacional-revolucionários”74. O período anterior a 1964, no governo João Goulart, foi marcado pelo crescimento da identificação dos trabalhadores com o trabalhismo e com o PTB. Teria sido a fase mais aguda da tradição nacional- estatista, cuja concretização estaria implícita no conteúdo programático das Reformas de Base 75 .. Os nacional-revolucionários de Brizola criaram a Frente de Mobilização Popular (FMP), qualificada por Ruy Mauro Marini, ex-militante da Política Operária, como um "parlamento das esquerdas" 76 . A FMP reuniu as principais organizações de esquerda que lutavam pelas Reformas de Base, principalmente pela reforma agrária, mesmo que a conseqüência fosse um confronto com a direita e com os conservadores. Ao mesmo tempo, a FMP procurava se impor como força viável às reformas, face às posições consideradas por eles moderadas do PCB. Dentre seus projetos destacavam-se a desmoralização do Legislativo Federal, uma vez que os parlamentares não aprovavam a reforma agrária sem indenizações aos latifundiários. Para a FMP, o Legislativo seria uma instituição ultrapassada, formada por políticos distantes do povo. O inicio de suas medidas mais radicais ocorreu em 1964 quando a Frente passou a defender a realização de um plebiscito popular. O objetivo seria consultar a população sobre a possibilidade de se convocar uma Assembléia Nacional Constituinte. Como em 72 GRIJÓ, Luis Alberto. Alberto Pasqualini: o teórico do trabalhismo. In: FERREIRA, Jorge & REIS, Daniel. Nacionalismo e reformismo radical. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2007. 73 REIS FILHO. op. cit. 2007. pp.93. 74 FERREIRA, Jorge. O trabalhismo radical e o colapso da democracia no Brasil. In: Seminário dos 40 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp.42. 75 Sob essa ampla denominação de "reformas de base" estava reunido um conjunto de iniciativas: as reformas bancária, fiscal, urbana, admInistrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas, como marInheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país, mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior.Cf. FERREIRA, Marieta. As reformas de base. Governo versus Congresso. In: CPDOC. A trajetória política de João Goulart. http://www.cpdoc.fgv.br/nav_jgoulart/html 76 Citado por NEVES, Lucília de Almeida. PTB. Do getulismo ao reformismo (1945-1964). São Paulo, Marco Zero, 1989, p. 236. 30 tese, não haveria membros da elite econômica, o próprio o povo elegeria operários, camponeses, sargentos e oficiais militares nacionalistas. Tal “Assembléia popular” teria duas funções importantes: escrever uma nova Constituição e aprovar as reformas de base 77 . Brizola continuou como feição mais radical do nacional-estatismo brasileiro da década de 1960, mesmo no exílio uruguaio. Logo após o golpe, alguns ex-militares nacionalistas, militantes egressos do PTB, além de seus seguidores da época dos “Grupos de 11 78”, se juntaram novamente ao político, para formar o Movimento Nacional Revolucionário (MNR) 79 . Outro expoente deste radicalismo foi Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas e do que seria seu braço político, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). O que ocorreu com a tradição nacional-estatista, após o golpe militar em 1964 e a dissolução do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) em 1965, foi ser denominada populista por estudiosos da época, principalmente a partir de Otávio Ianni. Na visão deste autor, uma importante característica do populismo, seria constituir uma política de massas da burguesia. Promoveram a industrialização e criaram uma ilusão do Estado atuante como mediador dos conflitos entre classe 80 . Seu discurso tem nuanças libertárias, sedutoras aos baixos setores sociais, contudo, demagógicas. Tal estigma do populismo acabou fazendo com que esta tradição nacional-estatista fosse banida do campo das esquerdas. De acordo com Reis Filho: A geração da qual faço parte, que iniciou a vida e participação políticas nos anos imediatamente anteriores ou posteriores a 1964, que formou a então autodenominada esquerda revolucionária ou “nova esquerda”, considerava o trabalhismo um lixo. Tinha ido para a lata de lixo da história. A partir daí, conosco, a história iria recomeçar do zero 81 . 77 FERREIRA, Jorge. Leonel Brizola, as esquerdas e a radicalização política no governo Goulart (1961- 1964). s.n.t. pp.8. 78Em 1963, Brizola lançou oficialmente um documento propondo a formação em todo o Brasil de “Comandos Nacionalistas” ou “Grupos de 11 companheiros”. Assim como no futebol cada militante deveria ter sua função. Queriam reformas imediatas, libertação nacional e defesa das conquistas democráticas. Após o golpe tais grupos foram dizimados. 79 A única ação efetiva destes foi a “Guerrilha do Caparaó”, que consistia na formação de um foco guerrilheiro na serra do Caparaó, nas imediações do Pico da Bandeira. Foi rapidamente liquidada. Cf: COSTA, José Caldas. Caparaó: a primeira guerrilha contra a ditadura. São Paulo: BOITEMPO, 2007. 80 IANNI, Octávio. O Colapso do populismo no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978. A primeira edição é de 1968. 81 REIS FILHO.2005. pp.177. 31 Após o golpe militar diversos militantes que integraram a Frente proposta por Brizola continuaram a luta, contudo dentro da perspectiva armada. Daniel Aarão Reis, baseando-se nos programas de algumas organizações revolucionárias armadas, incluindo o COLINA, afirma que estas seriam herdeiras desta tradição, por mais que a negassem. Se recorrermos a alguns discursos trabalhistas “clássicos” – como os de Getúlio Vargas e João Goulart, ao discurso “trabalhista radical” de Brizola e compararmos ao primeiro documento produzido pelos militantes do COLINA, fica clara a conclusão do pesquisador. Ressaltamos que não estamos afirmando que discurso da esquerda armada é de proposta trabalhista, tampouco que os trabalhistas “clássicos” propunham guerrilha. Somente apresentamos alguns resquícios desta tradição no linguajar da “nova esquerda”, e que a historia não “começou do zero” com estes. Mostraremos alguns trechos de retórica semelhantes entre nacionais-estatistas e COLINA. Getulio Vargas, em um de seus discursos no 1 o de maio, propunha o fim das castas e a unidade dos brasileiros “em prol da independência econômica da nacionalidade”. Os trabalhadores brasileiros estariam “relegados à existência vegetativa, privados de direitos e afastados dos benefícios da civilização, da cultura e do conforto”. Seriam vítimas de “políticos profissionais”, que procuravam mantê-los desorganizados e sujeitos à vassalagem dos cabos eleitorais 82. A similaridade entre as falas aparece nítida na “Carta Testamento”. Conforme apresentado anteriormente, o “espírito heróico” de “libertação nacional”, com o qual os guerrilheiros são dotados, aparece na fala do estadista: “Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. (...) Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente. Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar a não ser meu sangue. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto”83. 82 Discurso de Getulio Vargas em 1 de maio de 1940. Vários discursos de Vargas em: www.cpdoc.fgv.br ou http://www.cgtb.org.br/Atualizacoes/Agosto_2007/Getulio/DiscursoGetulio.htm. Retirados em 19/03/2009. 83 Verbete Getulio Vargas. In:CPDOC/FGV. Dicionário Histórico-biográfico brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb/verbetes 32 No programa inicial do COLINA, intitulado Concepção da luta revolucionária, a descrição do revolucionário seria aquele que conhece a realidade concreta da luta de classes, é aquele que “corresponde às aspirações do seu próprio povo em sua luta para libertar-se da exploração e da opressão em cada minuto das 24 horas por dia”84. Tratava-se de uma relação assimétrica, ao passo que “sacrificavam” suas vidas pela libertação do povo, este mesmo estava distante da sua luta. Ao que nos parece, Vargas também sentiu esta “injustiça”. Para Fernando Pimentel: “Acho que tinha um misto de heroísmo, aquela coisa juvenil de estar fazendo uma tarefa, de estar salvando o mundo, salvando o povo (...) Não passava pela minha cabeça a possibilidade de prisão, porque a gente estava tão imbuído do espírito guerrilheiro, que andávamos armados 24 horas por dia. (...) (Há) uma angustia de você saber que está certo, saber que tem a verdade que é profeta de um mundo novo e, no entanto, não tem nenhum respaldo. As pessoas estão querendo viver suas vidas”85. No próprio documento, como não é de se espantar, há críticas à política industrial iniciada por Vargas, que teria sido a base da aliança entre burguesia e latifúndio. Afirmava- se que o populismo paternalista deste governante deixou o proletariado incapaz de romper com a burguesia, transformando-se em massa de manobra desta classe. Desta forma, a “libertação nacional” se daria através do proletariado86. Este é um ponto fundamental na divergência dos discursos. Vargas se achava o representante direto do povo, não valorizava o papel de vanguarda do proletariado, como previa parte significativa da “nova esquerda”. Para o COLINA, a ditadura representava o fim de uma era política, pois “ao mesmo tempo que passa ao proletariado a liderança na luta de libertação nacional, lhe retira a oportunidade de organizar-se para responder a esta tarefa”87. O herdeiro político de Vargas, João Goulart, anunciava sua pretensão de transformação nas estruturas, por meio de uma nova concepção de democracia, iniciada, fundamentalmente, pelo projeto de reformas de base, ainda em 1961. Em 13 de março de 1964, no comício da Central do Brasil, Goulart reafirmou este seu compromisso: 84 Concepção da luta revolucionária.In; REIS FILHO & SÁ. op.cit. pp.136. 85 Entrevista com Fernando Pimentel, já citada. 86 Concepção... pp.142. 87 Idem. 33 “Democracia é o que o meu governo vem procurando realizar, como é do seu dever, não só para interpretar os anseios populares, mas também conquistá-los pelos caminhos da legalidade, pelos caminhos do entendimento e da paz social. Estaríamos ameaçando o regime se nos mostrássemos surdos aos reclamos da Nação, que levanta o seu grande clamor pelas reformas de estrutura, sobretudo pela reforma agrária, que será como complemento da abolição do cativeiro para dezenas de milhões de brasileiros que vegetam no interior, em revoltantes condições de miséria (...) Essa Constituição é antiquada, porque legaliza uma estrutura sócio- econômica já superada, injusta e desumana; (...) A reforma agrária não é capricho de um governo ou programa de um partido. É produto da inadiável necessidade de todos os povos do mundo.”88 Caso trocássemos o termo “reforma” por “revolução”, a proposta poderia ser de quaisquer grupos guerrilheiros brasileiros. Tendo em vista que o COLINA se insere em um método radical de luta, guardadas tais proporções, notamos uma aproximação com o discurso proferido pelo ex-presidente: Em época de democracia burguesa (governo Jango), se realizou um amplo trabalho camponês (...) A falta de perspectiva política levou ao fracasso esta tentativa. Se um posseiro luta por sua terra, contra ele é mobilizada não a policia comum, mas a política.(...) No Brasil, o elo fraco é o campo. (...) O governo revolucionário no Brasil deverá ser construído a partir do campo (...) A luta armada insere-se na política burguesa, no ponto mais fraco do exercício de poder das classes dominantes e encontra sua expressão social completa na luta dos camponeses pela reforma agrária 89 . A analogia entre discursos é maior ainda, quando se trata de Leonel Brizola. Mesmo pouco antes da década de 1960, este estava no tênue limiar do trabalhismo radical e a “nova esquerda”. Seu caloroso pronunciamento no referido comício de 1964, e sua análise posterior ao evento, mostra-nos sua sintonia com os guerrilheiros. “O povo está aqui para clamar, para reivindicar, para exigir e para declarar a sua inconformidade com a situação que estamos vivendo. Povo e governo devem ser uma unidade. Unidade esta que já existiu em agosto de 1961, quando o povo praticamente de fuzil na mão, repeliu o golpismo que nos ameaçava e garantiu os nossos direitos (...) Quando uma multidão se reúne como nesta noite, isto significa o povo nos caminhos de sua libertação se conseguirmos, hoje, a restauração daquela unidade. Presidente poderá 88 Discurso pró-reformas de base na central do Brasil em 13 de março de 1964. Cf: FICO, Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp.293-291. Diversos discursos de Jango também podem ser lidos na íntegra no site: http://www.Institutojoaogoulart.org.br 89 Concepção.... pp. 147-152. 34 proclamar através da manifestação do povo, as origens de seu governo e, para isso, será suficiente que ponha fim à política de conciliação e organize um governo realmente democrático, popular e nacionalista.(...) Nosso caminho é pacífico, mas saberemos responder à violência com violência. Quem tem o povo ao seu lado, nada tem a temer”90. Em suas conclusões acerca do referido comício notamos uma compreensão realista em relação à conjuntura, ao contrário de Prestes, que não acreditava em um golpe de direita, neste mesmo período 91 . “É preciso que o povo brasileiro nesse momento esteja atento e vigilante, é preciso que os democratas apressem a organização popular, pois só com a sua consciência de organizado poderão conter os impulsos golpistas prestes a se desencadear. Com esta vigilância e a defesa da verdadeira democracia impediremos que através de um regime de força seja usado como solução ato tão conhecido, principalmente nos países sul-americanos: transferir pela violência, pelo amordaçamento das massas, o ônus das distorções da nossa estrutura social para as grandes e já espoliadas camadas baixas de nossa população”92. Tal radicalização, proposta anos antes pelo político, foi introjetada pelo COLINA. Logo no início do seu documento-base já anunciavam sua proposta: “A defesa da violência é um dos aspectos da luta ideológica que os marxistas-leninistas travam contra os reformistas (...) A luta armada é a única forma de alijar do poder os representantes de uma classe social (...) É preciso conhecer o caráter das forças revolucionárias: o nível de consciência política do proletariado e das demais classes exploradas, o seu grau de organização”93. Os excertos apresentados foram para melhor vislumbrar a “permanência, a impregnação de valores, referências, proposta e linguagem da tradição nacional-estatista”94 na esquerda armada. A qual, por sua proposta radicalizante, foi rotulada pejorativamente de terrorista por parte dos setores conservadores. Para entendermos os argumentos acerca das acusações, trataremos do conceito de terrorismo e suas múltiplas facetas. 90 Grifo nosso. Cf: O panfleto. 16.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, coordenado por Carlos Fico na UFRJ: http://www.gedm.ifcs.ufrj.br em 12/03/2009. 91 VILLA, Marco A. Jango, um perfil. Rio de Janeiro: Globo, 2004. 92 Cf: O panfleto. 23.03.1964. Retirado do Grupo de Estudos sobre Ditadura, já citado, em 12/03/2009. 93 Concepção... pp.135-136. 94 Idem. pp.179. 35 I.2. TERRORISMO De acordo com R. Koselleck, a língua é pensada como parte fundamentalmente importante na compreensão e entendimento do uso de certos conceitos em detrimento de outros (isto é a Seleção), para a inteligibilidade de realidades históricas. Com esta seleção construímos uma cadeia, através do conjunto da língua, que articula um conceito a outro. Para exemplificar, citamos a estreita articulação dos conceitos de Estado e Sociedade, articulação hoje enfraquecida, na medida em que, a partir de Hegel, esses dois conceitos foram pensados separadamente 95 . Podemos, desta forma, aplicar esta teoria para nuançar e separar conceitos, tornando possíveis de serem ditos e expressos, como é o caso de terrorismo e violência, que tendem sempre a serem pensados juntos. Norberto Bobbio afirma que o ponto inicial para se entender o fenômeno do terrorismo, é saber a diferença entre ambos 96 . Definir terrorismo não é tarefa fácil. De acordo com Renata Schittino, não há um consenso entre especialistas nas caracterizações deste fenômeno. Prova disto, seria o fato de que, em muitas vezes, autores que procuraram elaborar o conceito, chegaram a se contradizer em suas conclusões. Terrorismo seria considerado por alguns, como uma manifestação da política, e por outros, como uma pseudo-política 97 . A autora faz um amplo trabalho para caracterizar de forma mais completa o que seria este fenômeno e chama a atenção para o fato de que: Associar o terrorismo à revolução ou à guerrilha não esclarece o significado do termo e não torna possível pensar o aparecimento do terrorismo em situações políticas que não necessariamente estas. Ainda que seja comum a todos os trabalhos a idéia de que terrorismo envolve uso intensivo e indiscriminado de violência, direcionada principalmente contra civis, a partir dessa definição ampla não é possível diferenciar formas políticas que fazem uso de violência. 98 95 KOSELLECK. op.cit. 1992. pp.4. 96 Cf.BOBBIO,Norberto. Terrorismo Político. In: Dicionário de política.Vol.2. Brasília: UNB, 2004. pp.1242. 97 Deixamos claro que o terrorismo não acontece somente dentro do campo da política. Podem ocorrer atentados de motivações religiosas, por exemplo. Assim como nem sempre os atos terroristas são realizados em grupos. Podem ser praticados Individualmente. Não abordaremos estes casos, pois nosso objeto não se enquadra nestas categorias. Sobre o debate ver: SCHITTINO, Renata. Terrorismo: a violência política como espetáculo. Dissertação de Mestrado. PUC/RIO, 2004. 98 SCHITTINO. op.cit.pp.20. 36 Nos limitarmos à associação entre os termos realmente não confere um sentido completo ao fenômeno, mas cabe, contudo, ressaltar que a proposta da pesquisadora é a de abranger uma história do conceito de terrorismo. Para realização de tal tarefa, utiliza outros marcos cronológicos e situações, a exemplo do atentado de 11 de setembro de 2001 99 e percebe o terrorismo como parte da política: O terrorismo político propriamente dito é uma política continuada que envolve a deflagração do terror organizado seja de parte do Estado, seja de um movimento ou facção, ou por um pequeno grupo de indivíduos. O terrorismo sistemático invariavelmente obriga a uma estrutura organizacional, por rudimentar que seja, e a alguma teoria ou ideologia do terror 100 . Cremos que o problema deste conceito está no fato de a autora tratar tanto Estado como grupos revolucionários como terroristas, sem problematizar as motivações de ambos e o que entenderiam pelo termo. Para Schittino, existe terrorismo quando há o uso da violência espetacular 101 , com a intenção de promover transformações políticas na estrutura social. Violência característica da sociedade contemporânea, na qual os eventos políticos se apresentam na esfera pública como espetáculo, ou, em seus dizeres, violência-show. A vítima deste tipo de violência é a sociedade civil, quem assiste aos atentados. A imagem das vítimas é mais importante do que o número de vítimas. Hector Saint-Pierre dialoga de certa forma com a autora, quando trata do terrorismo como uma luta que ocorre no nível psicológico, intimo. O terror seria um pavor incontrolável, na medida em que o alvo nunca é a vítima direta, que morre no atentado (ou é seqüestrado, assaltado, etc.), mas os ausentes na ação, os expectadores que se identificam de alguma forma com aquele que sofreu com a ação. Quanto mais genéricas e comuns forem às características da vítima, mais pessoas a ela se identificarão, e mais inseguras se sentirão. O triunfo do terror acontece na medida em que aumenta o seu impacto na opinião pública. O terrorismo pode também, ao contrário do primeiro caso, servir para a demarcação entre o nós e os outros, através da localização de um alvo preterido pela sociedade, fazendo com que esta se identifique com os que praticam atos 99 Para a autora, por mais que o terrorismo em si não represente uma novidade, o 11 de setembro Inovou sendo um novo tipo de espetáculo de violência terrorista, uma vez que foi transmitido ao vivo. 100 WILKINSON, Paul. O terrorismo político. Rio de Janeiro: Artenova, 1974. pp.21. 101 Idem. pp.17. 37 terroristas. Neste caso, ficaria explicita a divisão política existente na sociedade, e a violência passa a ser a forma de relação política entre os lados. A notoriedade ocorre de acordo com o simbolismo da ação, não importando a tática 102 . Independente das concepções utilizadas, fato comum é que o termo terrorismo é sempre usado de forma pejorativa. Seria sempre o método do inimigo. Ao centramos em nosso período estudado, a Ditadura Militar, vemos que tanto militares quanto guerrilheiros se acusavam de terroristas. O sentido depreciativo o termo estaria ligado à idéia de violência. Eugenio Diniz nos ajuda a problematizar o uso do termo “terrorismo”, de forma que consigamos qualificar a esquerda armada brasileira, de maneira menos apaixonada do que a dos atores envolvidos. O autor nos fornece apontamentos para uma definição do termo: A consideração dos meios nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações cujas finalidades sejam de mesma natureza; e a consideração dos fins nos ajudará a distinguir a ação terrorista de outras ações que empreguem os mesmos meios. Com isso, podemos ter uma definição suficiente. Por outro lado, uma vez que o termo já tem uma história, não é possível enfrentar o problema conceitual do zero: é preciso levar em conta essa história, sob pena de que a reflexão se torne estéril e sem sentido — quando o tema em si mesmo é tão relevante para a vida de tantas pessoas. 103 . Para Diniz, quase a totalidade das compreensões acerca do terrorismo faz alusão ao emprego ou a ameaça de emprego da força física. Contudo, na visão do autor, há uma característica específica no uso (ou ameaça) da força: sua indiscriminação. Deste modo, qualquer indivíduo que tenha alguma relação, em maior ou menor grau, com o alvo de um grupo terrorista, está sujeito a ser alvo imediato de uma ação, sem algum indício de que seria melhor evitar aquele determinado lugar. Como exemplo, cita o caso de algum local publico que não esteja perto de embaixada ou outro alvo em potencial. Se alguém avisar à polícia ou o estabelecimento que há uma bomba em determinado lugar, programada para explodir em determinadas condições, o local será esvaziado de forma que o objeto seja (ou não) encontrado. Uma vez que o caso se espalhou pelos cidadãos, generaliza-se o pânico. 102 SAINT-PIERRE, Hector. A política armada. São Paulo: UNESP, 2000. pp.214. 103 DINIZ, Eugênio. Compreendendo o fenômeno do terrorismo. Trabalho apresentado no 3 o Encontro Nacional da ABCP. 2002.pp.9. 38 “O efeito é muito maior que o da destruição efetivamente causada. E quanto mais pessoas ficam sabendo, maior é o efeito. Na verdade, o efeito advém exatamente de as pessoas ficarem sabendo. É seu efeito psicológico que importa. Daí o nome de ‘terror’”104. O ponto alto da discussão levantada é a distinção entre o terror e o terrorismo. A especificidade do terror - e não necessariamente do terrorismo – “é a virtual irrelevância, para a relação numérica ou material de forças, da destruição material (pessoas, equipamentos, suprimentos) causada”. Concluiu-se, portanto, que o terrorismo não seria tão somente o uso da força, mas seu emprego através do terror. O terror seria o meio. Para que o conceito não fique restrito, haja vista que o uso de elementos do terror pode ser utilizado em outras situações que não se configuram em terrorismo (como um assalto à banco comum), há de se considerar os fins, mas não tão somente o fim político. A saída encontrada por Eugenio Diniz foi dividir a utilização política do terror em duas: emprego político não-terrorista do terror e o emprego político terrorista do terror. O primeiro caso, uso político não-terrorista do terror, tem como objetivo forçar o alvo a comportar-se da maneira desejada por quem está empregando o terror, ou seja, há ligação direta entre o uso do terror e o objetivo último buscado por quem o emprega. O segundo caso, de uso político terrorista do terror, as conseqüências do atentado têm grande importância. Além da divulgação do grupo que quer “chamar a atenção” para si e suas inquietações diante de uma determinada situação política, pretendem desmascarar a opressão. O modo é provocá-lo até que reaja de forma violentamente, de modo a não deixar dúvidas quanto ao seu caráter. No terrorismo não há vinculação direta entre a utilização do terror e o objetivo último buscado pelo grupo, porque o grupo não dispõe de força suficiente para fazê-lo. Pretendem somente aumentar sua força e influência na sociedade para por fim ao inimigo: para Diniz, seria um estratagema, num sentido um pouco mais rigoroso que o de uma simples emboscada, mas envolvendo necessariamente a idéia de despiste e ocultação de seus objetivos imediatos — mas não dos seus objetivos últimos105. O pesquisador salienta o risco deste estratagema: o emprego do terror tende geralmente a alienar a população, dessolidarizando-a com a causa defendida pelo grupo; é por isso que, em algumas situações 104 DINIZ. op.cit. pp.11. 105 Idem. pp.33. 39 — como quando se trata simplesmente de publicizar uma causa —, a destruição efetiva deve ser minimizada e os próprios atentados não devem se multiplicar muito. A sensação de urgência ou de premência promove o diferencial. Relevante é o fato de o grupo considerar que não há tempo para processos demorados, e decidir acelerar os eventos através do estratagema arriscado do terrorismo. Desta forma, Diniz conclui que terrorismo seria: o emprego do terror contra um determinado público, cuja meta é induzir (e não compelir nem dissuadir) num outro público (que pode, mas não precisa, coincidir com o primeiro) um determinado comportamento cujo resultado esperado é alterar a relação de forças em favor do ator que emprega o terrorismo, permitindo-lhe no futuro alcançar seu objetivo político — qualquer que este seja [...] O terrorismo é intrinsecamente, e não apenas empiricamente, um estratagema do fraco 106 . Considerando as discussões acima, chegamos ao ponto de interesse à nossa pesquisa: qual a diferença entre o terrorismo e outras formas de luta que empregam a força, como a guerrilha? Como classificaríamos os guerrilheiros brasileiros? Os guerrilheiros combatem outras forças com a finalidade de enfraquecer o inimigo e desestabilizá-lo psicologicamente e assim, possivelmente acresce sua própria força às custas de seus inimigos. Não obstante, há a ressalva que este emprego da força nada tem de indiscriminado e nem de irrelevante em termos materiais. Ocorre que os guerrilheiros, na visão do autor, apostam na ação em um tempo diferenciado, mais lento, em que manifestam sua disposição de lutar e, desta maneira, fazer variar a seu favor a relação de forças, psicológica e material, inclusive atraindo, a partir de seus sucessos pontuais, mais gente para a sua causa 107 . No Brasil, antes mesmo que Carlos Mariguella, então dirigente da ALN, o fizesse o COLINA propagou a idéia do o terrorismo e a violência à esquerda. No já citado documento Concepção... afirmam que o “terrorismo, como execução de esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político”108. Mariguella, em seu “Manual do guerrilheiro urbano”, o terrorismo é definido como qualquer ação que envolva explosão, sendo, deste modo, uma arma “que o revolucionário não pode abandonar”. A chamada 106 DINIZ. pp. 26 107 Idem. pp. 12. 108 Concepção... pp.158. 40 “guerra de nervos” serviria para desestruturar psicologicamente e desmoralizar o governo. Seria um aliado dos atos terroristas, na medida em que deveria ser usado para anunciar falsos atentados. Fica evidente em seu discurso uma confusão semântica do que seria terrorismo: A acusação de “violência” ou “terrorismo” sem demora tem um significado negativo. Ele tem adquirido uma nova roupagem, uma nova cor. Ele não divide, ele não desacredita, pelo contrário, ele representa o centro da atração. Hoje, ser "violento" ou um "terrorista" é uma qualidade que enobrece qualquer pessoa honrada, porque é um ato digno de um revolucionário engajado na luta armada contra a vergonhosa ditadura militar e suas atrocidades 109 . Ao nosso entender, ambos tratam por terrorismo o que na verdade é violência revolucionária. Não houve no Brasil uma prática sistemática de terrorismo de esquerda, mas sim, o uso esporádico da violência revolucionária como forma de combate à ditadura 110 . Segundo Herbert Marcuse, este tipo de violência revolucionária foi utilizada de modo instrumental pela esquerda armada. Seria uma forma de conquista da liberdade utilizada contra outro tipo de violência, a estatal 111 . Este argumento responde em parte a questão. Élio Gáspari nomeia as organizações de esquerda como terroristas, mesmo que fazendo ressalvas quanto à questão da não atuação sobre alvos indiscriminados, como ocorre em outros países. Citando um estudioso do tema, ele parece justificar sua terminologia: “estavam durante uma ditadura militar e seu terrorismo, de certa maneira, era “defensivo”112. Partindo dos conceitos acima descritos, reafirmamos que os guerrilheiros brasileiros usaram da violência revolucionária e não do terrorismo, embora em teoria o quisessem. O que pode ser central na diferenciação entre os termos está no objetivo: a guerrilha é uma forma de luta revolucionária que visa a tomada do poder e tem um projeto de mudança política, não se constitui tão somente em uma tática militar. Já o terrorismo exclui a questão da luta de classes e como vimos, seu uso é condenado por Guevara e Lênin. 109 MARIGUELLA, Carlos. Mini-manual do guerrilheiro urbano. 1969. Retirado de http://www.marxists.org em 25/11/2008. Grifo nossos. 110 Podemos afirmar que talvez a única ação caracterizada como terrorismo, realizada pela esquerda brasileira tenha sido o atentado ao aeroporto de Guararapes em 25 de junho de 1966, feito pela Ação Popular (AP). 111 MARCUSE, Herbert. Contra-revolução e revolta. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.pp. 35-37. 112 O estudioso a que se refere o jornalista é Walter Laqueur, no livro: The age of terrorism. Cf. GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. Das letras, 2002. pp.242. 41 Ana Manuel Magalhães 113 sintetiza bem as diferenças entre terrorismo e guerrilha, o que pode ser sintetizado através da seguinte tabela: GUERRILHA TERRORISMO A) Materializado, geralmente, em ambiente de guerra. A) Materializado em local calmo. B) Alvo: combatentes. B) Alvo: não combatentes. C) Baixas resultantes tem por base razões político-militares. C) Baixas resultantes tem por base razões político-psicológicas. D) Associada, principalmente, ao ambiente rural (no Brasil apenas houve a experiência rural no Araguaia). D) Normalmente materializado em ambiente urbano. E) Ocorre em unidades geográficas e territoriais bem definidas. E) Pode ocorrer em áreas territoriais e geográficas difusas e previamente indefinidas. F) A organização das atividades de guerrilha é geralmente bem visível. F) Frequentemente a organização que está por trás da atividade terrorista não é visível. G) Opera a partir de um grupo de dimensão considerável. G) Opera a partir de pequenas células. H) Normalmente faz parte de um movimento popular de grandes dimensões. H) Não encontra tanta base de apoio popular. I) As baixas na guerrilha são significativamente maiores. I) Baixas menores. Percebe-se que de qualquer forma o terrorista é o inimigo. No Brasil, como em vários outros países envolvidos historicamente no contexto de ditaduras e disputas ideológicas, este epíteto foi cunhado pela própria repressão, como forma de conter o número de opositores ao regime. Marcelo Ridenti afirma que a esquerda armada no Brasil não foi mais do que a manifestação mais radical do romantismo revolucionário 114 . Segundo o autor, este romantismo enfatizava “a prática, a ação, a coragem, a vontade de transformação”. Buscavam no passado os elementos para a transformação: “o homem novo” que surgiria após a revolução, tinha suas raízes no homem do povo, do campo. Este 113 MAGALHÃES, Ana M. A importância de uma defInição de terrorismo. Jornal Defesa e Relações Inernacionais. 21/07/2004. 114 RIDENTI, Marcelo. O romantismo revolucionário dos anos 60. IN: FREIRE, Alípio et. all. Tiradentes, um presídio da ditadura.São Paulo: Scipione, 1997. pp. 414. 42 romantismo não era tão somente essa volta às origens, era no passado que buscavam elementos para a construção do futuro – uma sociedade não consumista e não desumanizada. Reis Filho faz coro a Ridenti, e chama a atenção para certos aspectos que fazem parte da esquerda e que devem ser revisados como o autoritarismo revolucionário e o messianismo de classes e partidos. Esta exposição é para a relativização da imagem mais difundida sobre os guerrilheiros que é a figura de jovens pouco responsáveis com ações ousadas. De boas intenções, mas equivocadas 115 . Há ainda uma discussão entre a relação terrorismo e marxismo, balizada neste texto por Philipe Raynald e François Furet. O primeiro, ao tentar propor uma teoria acerca do terrorismo, afirma que é o estimulo das teorias marxistas que serve de motor para as atividades terroristas. Seria a partir destas influências que os terroristas escreviam seus próprios manuais, nos quais evidenciariam a apropriação das tendências marxistas. Por acreditarem em uma realidade idealizada, acreditavam que através da violência seria possível realizar o desenvolvimento revolucionário histórico. O autor acredita que o terrorismo não é pensado como ideologia em si mesma, baseada no terror, mas age como um movimento que toma emprestado a ideologia marxista 116 . François Furet argumenta de modo diferente tal aproximação. Em sua visão a sociedade seria uma ordem hierarquizada, na qual a ordem estatal seria definida por uma determinada classe. Este seria o legado do marxismo ao terrorismo. Ressaltamos que ambos justificam a violência como forma de se estabelecer a verdadeira democracia 117 . Sobre estas aproximações, Renata Schittino faz três ressalvas: 1- não é plausível caracterizar toda manifestação terrorista como marxista, pois existem grupos denominados terroristas com intenções político- religiosas; 2- a prática terrorista é condenada pelo pensamento marxista, desde Lênin até Luckács; 3- existe uma pluralidade de idéias diversas nisso que se está denominando marxismo 118 . 115 REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In: REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997. 116 RAYNAULD, P., Les Origenes Intellectuelles. In: FURET, F.; RAYNALD, P.; LINIERS, A. Terrorisme et Democratie. Paris: Fayard, 1985. pp. 42. 117 FURET, F. Terrorisme et Democratie. In: FURET, F.;RAYNALD, P.; LINIERS, A. op.cit. pp.12. Esta discussão também se encontra em SCHITTINO. 118 Cf.:SCHITTINO. op. cit.pp. 28-31. 43 Fazemos um acréscimo à autora quanto à condenação do terrorismo por toda a corrente marxista. De acordo com Leon Trotsky, a revolução não significaria "logicamente" o terrorismo, nem implicaria a insurreição armada, contudo, exigiria que a classe revolucionária usasse todos os meios possíveis para alcançar os seus objetivos, tanto a insurreição armada, se necessário, quanto o terrorismo, se necessário. Escreve sobre a situação revolucionaria ocorrida durante guerra civil, na qual lutavam contra pessoas armadas. Isto não implica em terrorismo. São armas contra armas. A classe trabalhadora, que ganhou força com armas, em contrapartida, deve com a violência anular todas as tentativas de retirada de poder das suas mãos. Em suas palavras: O princípio de que a renúncia ao terrorismo, ou seja, das medidas de intimidação e de repressão no que diz respeito à contra-revolução armada também deve renunciar a dominação política da classe trabalhadora, a sua ditadura revolucionária. Aqueles que renunciam a ditadura do proletariado, a renunciam à revolução social e colocam uma cruz sobre socialismo 119 . Para fazer um breve contraponto a Furet e Raynauld, apresentaremos outros dois teóricos marxistas que defendem a ilegitimidade dos atos terroristas. Para Lênin o terrorismo é a estratégia a que recorrem grupos de intelectuais não ligados organicamente à massa. Sua ação terrorista caracterizaria por uma luta individualista e com desconfiança em relação à possibilidade de insurreição, quando as condições não são favoráveis ao seu desencadeamento. Segundo ele: “os ‘economistas’ e os terroristas prestam culto a dois pólos opostos da corrente espontânea: os ‘economistas’ à espontaneidade do ‘movimento nitidamente operário’ e os terroristas à espontaneidade da mais ardente indignação dos intelectuais, que não sabem ou não têm a possibilidade de ligar num todo o trabalho revolucionário e o movimento operário”120. Deste modo, a crença de Lênin está no processo de conscientização do proletariado, para uma segunda etapa de formação de líderes revolucionários. Aderir completamente à violência seria continuar a pensar como a classe burguesa. Outro revolucionário que tocou na questão do terrorismo foi Che Guevara. O guerrilheiro não chegou a conceituar claramente o que seria o terrorismo, contudo o 119 TROTSKY, L. La dictadura del proletariado. IN: Terrorismo y comunismo. Coleção Clássicos do Marxismo. 2005. Disponível para download. pp.40. 120 LÊNIN, V. O que fazer? IN: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, 1980. v.2. pp. 132. 44 condena quando é praticado de forma indiscriminada, pondo em risco a vida do militante. Acreditava ser mais produtivo “o trabalho nas grandes concentrações humanas, nas quais se pode inculcar as idéias revolucionarias e fazê-las amadurecer (...) para que as massas possam mobilizar-se e fazer pender a balança para o lado da revolução”121. Não como forma de esgotar o assunto, mas ampliar ao máximo as possibilidades de entendimento relacionadas ao terrorismo, introduziremos também a discussão da faceta do terrorismo de Estado. Notamos, de acordo com a literatura referente, que ele não caracteriza somente pelas práticas repressivas físicas ou psicológicas, na medida em que pode ser vislumbrado em outros âmbitos sociais, como na educação, na mídia ou na economia. Nas ditaduras militares latino-americanas a utilização da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) para a defesa da democracia assumiu o perfil de violência estatal e de terror de Estado: O Estado, que deveria ser uma estrutura de mediação e de proteção da sociedade, agindo como fiador da segurança das pessoas, foi utilizado, de forma geral, em toda a região, como um mecanismo que deveria enfrentar e derrotar o “inimigo interno”. Sob as diretrizes gerias resultantes da interpretação particular que a DSN recebeu em cada país e através da guerra contra-insurgente, o aparato estatal extrapolou os limites coercitivos constitucionais desencadeando práticas e ações que acabaram configurando num sistema de terror de Estado 122 . O terror de Estado (TDE) na América Latina é, na opinião de Enrique Padrós, um terrorismo em grande escala, que sai do centro do poder estatal para dentro ou fora das suas fronteiras. Teria por características: ser abrangente, porque não houve setor da sociedade que estivesse fora do alcance de sua repressão ou livre de suas ameaças; ser prolongado, porque as modalidades foram aplicadas ate o final das ditaduras e suas seqüelas se projetaram no período posterior; ser indiscriminado, pois a ação repressora contra a população não teve limites. O conceito de “inimigo interno” teria permitido: a incorporação de novos subversivos, em um processo sem fim; ser retroativo, pois após o combate aos 121 GUEVARA, Che. A guerra de guerrilhas. Edições Futuro. s/d. pp. 110. 122 PADRÓS, Enrique. Repressão e violência: segurança nacional e terror de Estado nas ditaduras latIno- americanas. IN: FICO et.all. (org.). Ditadura e democracia na America LatIna. Rio de Janeiro: FGV, 2008.pp. 151. 45 guerrilheiros e comunistas e demais alvo da “segurança nacional”, desenvolveu-se uma prática de vasculhar o passado das pessoas e suas simpatias políticas, existência de militância, ou qualquer outra situação que colocasse em questão sua fidelidade ao novo regime, podendo, assim, significar um processo de estigmatização; ser preventivo: gerando a “cultura do medo”, que evita correntes de solidariedade, isolando as vitimas diretas e fomentando a passividade, alienação e amedrontamento; e, por fim, ser extraterritorial, perseguindo fora das fronteiras nacionais. Enfim, tratou-se de uma violência organizada e clandestina, cuja estrutura de funcionamento deu-se através de uso arbitrário de mecanismos coercitivos legais 123 . Padrós organiza bem esta discussão ao elencar a presença de determinados eventos, dentro do que denominou TDE. Este, promovido pelos regimes de Segurança Nacional do Cone Sul, respeitando as especificidades nacionais, fizeram uso maciço da tortura, da presença de comandos paramilitares (esquadrões da morte), da promoção de “desaparecimentos”, e da internacionalização do sistema repressivo124. No caso brasileiro, como bem aponta Carolina Bauer, mesmo que não tenha em seu aspecto repressivo - considerando uma análise macro-estrutural, - uma ação tão extensiva a exemplo do que foi acima definido, existe um cerne comum de práticas e significados que serviu de “laboratório” para as sucessivas ditaduras sul-americanas (Argentina em 1976; Chile e Uruguay em 1973) 125 . Por fim, cremos necessárias algumas considerações sobre a violência. Como percebemos, trata-se de um elemento que permeia o debate acerca do terrorismo. Compreender o conceito de violência contribuirá para a análise do modus operandi das organizações guerrilheiras e do aparato repressivo. Com este mote apresentaremos os principais teóricos da violência que, em sua maioria, influenciaram diretamente nossos guerrilheiros. 123 PADRÓS. op.cit. pp.173. 124 Ibdem.pp.159. 125 Esta discussão promovida pela autora Carolina Bauer pode ser utilizada como forma de reafirmar o quão é Infeliz qualificação de “Ditabranda” ao período em que os militares brasileiros estiveram no poder. O jornal folha de São Paulo utilizou este termo para relativizar a violência do regime, comarando-o a outros na América do Sul em seu editorial de 17 de fevereiro do corrente ano. Para as práticas comuns do terror Cf:BAUER, Carolina. Terrorismo de Estado e ação de polícia política no DOPS/RG. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre. UFRG, 2006. pp.20 46 I.3 - DOS AUTORES E DA VIOLÊNCIA No clássico Da Guerra, Clausewitz afirma que “a guerra não constitui simplesmente um ato político, sim um verdadeiro instrumento político, uma continuação da atividade política, uma realização desta por outros meios”126. A política manifestada por meios violentos tem na guerra uma de suas principais manifestações. A guerra diz respeito a todos os elementos relacionados à violência, não está necessariamente presente em todas as ações políticas. Por violência pode-se entender uma “intervenção física de um individuo ou grupo por outro indivíduo ou grupo” 127, em uma vertente mais descritiva, pode ser sinônimo de força, em que muda o estado do corpo ou suas possibilidades ambientais (na política a violência desempenha um papel crucial, conforme bem observa Norberto Bobbio) 128 . Em nosso caso ampliamos a possibilidade de entendimento, e consideramos a violência como uma forma de instrumento de pressão para fins políticos. No caso das guerrilhas contra ditaduras militares, é uma forma peculiar de se fazer política, quando todos as vias legais estão cerceadas. A guerrilha é um tipo de luta que emprega o uso da força de forma diferenciada para os acasos de sua atuação urbana ou rural, na guerrilha a exemplo do que ocorre na guerrilha urbana. No Brasil, para Maria Ribeiro Valle, a opção das organizações estudantis pela violência revolucionária está vinculada à retomada das grandes teorias anticapitalistas do século XIX, principalmente a marxista. A destruição do “sistema capitalista, violento e injusto”, só pode ocorrer com a “utilização da violência”, “arma fundamental para que tenha fim toda a sorte de violências”. A revolta da juventude irrompe carregando a bandeira da “ruptura”. As formas de luta adotadas pelo ME, no entanto, articulam-se com as experiências e proposições revolucionárias internacionais, em especial o “guevarismo” e o “maoísmo”129. 126 CLAUSEWITZ, Carl. De la guerra. Editado por Librodot, 2002. pp.19. 127 BOBBIO. op.cit. pp.1292 128 Idem. pp.1293. 129 VALLE, Maria Ribeiro. O debate teórico sobre a violência revolucionária nos anos 60: “Raizes e polarizações”.Tese de doutorado. UNICAMP, 2002. 47 A violência como forma de libertação já foi proferida por autores ainda no século XIX, como Engels e Marx 130 . Para estes, somente pelas armas se construiria uma nova sociedade. No período de Guerra Fria, descolonizações e ditaduras militares foram relidos pela juventude. Revolução, para tais autores, seria um fundamento epistemológico, um elemento do materialismo histórico. As análises de Marx e Engels sobre a necessidade da revolução violenta referem-se ao fim do Estado burguês, que fatalmente cederia lugar ao Estado Proletário. Este câmbio de poderes se daria por meio da revolução violenta. Engels seguia na definição desta violência citando Marx em outras obras, como Anti-During: Que a violência desempenha ainda outro papel na história, um papel revolucionário; que é, segundo Marx, a parteira de toda velha sociedade, grávida de uma sociedade nova; que é a arma com a qual o movimento social abre caminho e quebra formas políticas petrificadas e mortas 131 . Dentre os livros que diretamente foram referência para a guerrilha está Guerra de guerrilhas, escrito por Ernesto Guevara e traduzido por Mauricio Grabois 132 , publicado no Brasil em 1960. Foi o primeiro contato brasileiro com as obras da revolução. Segundo Guevara, a contribuição da revolução de Cuba para os movimentos revolucionários da América Latina seriam basicamente três, a saber: 1) as forças populares podem ganhar uma guerra contra o exército; 2)nem sempre é preciso esperar que se dêem todas as condições para a revolução, o foco insurrecional pode criá-las; 3) na América subdesenvolvida, o 130 Cabe a observação de que não podemos desconsiderar a importância de Georges Sorel, teórico do chamado sindicalismo revolucionário. Contudo não foi muito lido no Brasil. Teve uma trajetória controversa, foi ligado ao sindicalismo revolucionário de extrema esquerda, flertou por algum tempo com a extrema direita monarquista.Entre as peculiaridades do marxista francês está a preocupacão com os aspectos jurídicos do socialismo e a violência, que exalta em seu livro Reflexões sobre a violência. Um ponto destacavel da obra refere-se aos mitos políticos: "conjuntos de imagens capazes de evocar em bloco e somente pela Intuição, antes de qualquer análise refletida, a massa dos sentimentos". Suas idéias foram assimiladas tanto pelo fascismo italiano quanto pelos comunistas Italianos. 131 ENGELS. F. citado por LENIN, V. O Estado e a Revolução. Obras Escolhidas. Moscou: Progresso, 1979. pp. 114. 132 Mauricio Grabois foi Integrante do PC do B e desapareceu no Araguaia em 1973, aos 61 anos. Nos anos 1930, foi um dos primeiros a organizar o Partido Comunista dentro das Forças Armadas. Em 1962, foi um dos fundadores PC do B. Seu filho, André Grabois, também foi morto na Guerrilha do Araguaia em 1972. Cf. BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Comissão Especial sobre mortos e desaparecidos políticos. Direito à verdade à memória. Brasília: SEDH, 2007. pp.229. 48 terreno da luta armada deve ser o campo 133 . O livro, escrito de forma didática, nada mais é do que a sistematização, e, em parte, a teorização das ações desenvolvidas pelos guerrilheiros cubanos. Guevara escreve qual deve ser a essência da luta guerrilheira: a libertação do povo. Fornece os ensinamentos das estratégias e táticas da guerrilha, que incluem mobilidade e sobrevivência na selva, em terrenos favoráveis ou não, para que se chegue, por fim, às cidades. Define o duplo papel do guerrilheiro, por um lado o de reformador social, “o homem que encarna os anseios o povo”, cuja bandeira maior é a reforma agrária, e por outro, o papel de combatente, cheio de características e virtudes (habitante da zona rural, combatente noturno, arrisca a sua vida, trata do companheiro ferido, é audaz, e, sobretudo, discreto) 134 . Como vemos, havia uma concepção inabalável de que só pelas armas poderia se libertar os povos: “Na América, o caminho para a libertação dos povos, que será o caminho do socialismo, se fará pelas armas em quase todos os países”135. Seria, na visão de Michel Lowy, uma teoria guerrilheia “clausewitziana”, pois compreende a guerrilha como a continuação pelas armas da política revolucionária 136 . Sobre a questão da organização da guerrilha, o próprio Guevara afirma que não deve ser feita como um esquema rígido, ou seja, deve haver uma adaptação desta fórmula aos meios, para que então, se lance ao combate. Percebemos em Guerra de guerrilhas, que a ação da guerrilha desmascara o poder, forçando-o a mostrar sua violenta face. Outra obra revolucionária cubana foi a Revolução na revolução 137 escrita por Regis Debray em 1967 e embasada na experiência do autor, que militou na guerrilha ao lado de Che Guevara. Narra a teoria e a prática da ação guerrilheira, que conduziu à vitória da revolução cubana. Para Debray, a guerra de guerrilhas latino-americana constituiu “uma guerra ‘irregular’ para sitiar as cidades a partir do campo”138. O autor fala da importância das regras militares a serem seguidas, da disciplina revolucionária, e critica o papel dos intelectuais que, ao se prenderem aos livros, distanciaram-se da realidade guerrilheira, sem o desenvolvimento de um preparo físico e com dificuldade de improviso em situações de 133 GUEVARA, Ernersto. A guerra de guerrilhas. Rio de Janeiro: Futuro, 1960. pp.17. 134 Idem. pp.59. 135 GUEVARA, Che. Citado por LOWY. Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp. 117. 136 LOWY. Op. cit. pp.118. 137 DEBRAY, Regis.A revolução na revolução. São Paulo: Centro Editorial LatIno-Americano, s.d. 138 DEBRAY. op. cit. pp.8. 49 risco. Também explica a necessidade da análise da realidade do lugar em que a luta armada será desencadeada, na medida em que cada local possui condições específicas. Pouquíssimo se difere de Guevara. A guerra de guerrilhas acontece por etapas, sendo elas: 1) a do estabelecimento primário em um local de difícil acesso para a repressão; 2) trabalho com a população local para conseguir adesão à luta (neste ponto Debray ressalta o papel de mulheres e crianças, que não participam diretamente na luta armada, porém devem ser integrados à produção, à sabotagem, à informação e ao transporte) 139 . Uma vez conquistados os camponeses, eles seriam o braço armado da revolução, formando o exército popular. O radicalismo da causa é expresso sem meias palavras quando o autor afirma que “vencer é aceitar desde o princípio que a vida não é o bem supremo do revolucionário”140 . O foco guerrilheiro seria o “pequeno motor” que acionaria “grande motor” - ou seja, as massas - e que desencadearia a sonhada revolução. Outro tema não menos relevante é tratado como a importância do partido de vanguarda, que deveria ser fortalecido para a condução firme da conquista do poder para os trabalhadores. Havemos que considerar dois autores que também contribuíram, em graus diferentes, para a justificativa pela violência armada. São Franz Fanon e Herbert Marcuse. Franz Fanon, nascido na Martinica, serviu o exército francês contra o nazismo, formou-se em psiquiatria e estudou filosofia. Formado, foi para a Argélia como médico- chefe, onde começou sua militância e quando, a partir do seu contato com a realidade da colônia, tornando-se cidadão argelino. O Brasil começou a se familiarizar com suas idéias durante a estadia de Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir no país, entre agosto e setembro de 1960. O casal chegou ao Rio de Janeiro, vindos de Havana, para solicitar a solidariedade internacional necessária para sustentar a Revolução Cubana e a guerra de libertação da Argélia. Certamente a intelectualidade brasileira, tão próxima do que se passava em Paris, acompanhava, através de Les Temps Modernes, as posições anti-colonialistas do filósofo. A sua peregrinação à China, a Cuba e ao Brasil, tinha claramente um caráter militante. A esquerda brasileira tomou conhecimento de Fanon através do extrato de Damnés de la terre (1961), publicado em Les Temps Modernes; e do prefácio de Sartre. Michel 139 DEBRAY. op. cit.pp.33. 140 Idem.pp.42. 50 Löwy, por exemplo, se lembra de ter discutido o prefácio com seus companheiros em São Paulo, provavelmente ainda em dezembro de 1961. Há que se notar dois fatos na informação: primeiro, foi o prefácio de Sartre e não o artigo ou o livro de Fanon que foi discutido; segundo, a esquerda brasileira discutia seriamente a violência revolucionária, o que significava que os autores que escreviam sobre a América Latina, sobre táticas de guerra urbana ou guerrilha, ou faziam a teoria geral da revolução em sintonia com a filosofia européia, eram privilegiados na leitura 141 . Antônio Sérgio Guimarães levanta a hipótese de que alguns fatos fizeram com que dificultasse a maior divulgação de Fanon entre a esquerda no Brasil. O primeiro deles é que pouco depois desse primeiro contato, sobreveio o golpe militar de 1964, que levou ao exílio um grande número de militantes. O segundo, é que aqueles que acreditavam na violência revolucionária passaram à clandestinidade, tornando tênues os seus elos com o mundo cultural, assim, o que se lia sobre Fanon nos anos 1960, é muito pouco. No Brasil, a esquerda reverenciava o autor, mas, se lia -o em francês, não o citava, impondo-se um silêncio obsequioso O certo é que, finalmente, em 1968, aparece a edição brasileira de Condenados da terra, rapidamente retirada de circulação pelos órgãos de repressão política, mas não antes de cair nas mãos de dezenas de militantes 142 . A questão da violência, tanto a do colonizador como a do colonizado, é a análise central de Fanon no livro citado. O famoso prefácio de Sartre evidencia a originalidade deste trabalho: “Fanon é o primeiro desde Engels a repor em cena a parteira da história (...) a violência colonial não tem somente o objetivo de garantir o respeito desses homens subjulgados; procura desumanizá-los. Nada deve ser poupado para acabar com suas tradições, para substituir sua língua pela nossa, para destruir sua cultura sem lhes dar a nossa”143. Em outra passagem, Sartre relata o que chamou de “momento do bumerangue”, quando: 141 Informação de Michel Löwy a Antonio Sergio Guimarães, em dezembro de 2007. Löwy sai do Brasil em agosto de 1961 e volta em dezembro do mesmo ano por dois ou três meses, provavelmente trazendo uma cópia do Damnés de la Terre, recém-lançado em Paris. Cf. GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A recepção de Fanon no Brasil e a identidade negra. In: NOVOS ESTUDOS CEBRAP. julho 2008. pp.103. 142 GUIMARÃES. op.cit. pp.104. 143 SARTRE, J.P. Prefácio. IN:FANON, Franz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. pp. 09. 51 Ela (a violência) se volta contra nós, atinge-nos e, como das outras vezes não compreendemos que é nossa. (....) Essa violência irreprimível ele (colonizado) o demonstra cabalmente, não é uma tempestade absurda nem a ressurreição de instintos selvagens e nem mesmo o efeito de um ressentimento; é o próprio homem que se recompõe. Sabíamos, creio eu, e nos esquecemos esta verdade: nenhuma suavidade apagará as marcas da violência; só a violência é que pode destruí-las. O colonizado cura da neurose colonial, passando o colono pelas armas”144 Fanon justifica a utilização de meios violentos para derrubar o colonialismo e vê na violência anticolonial uma práxis absoluta que liberta o colonizado de suas alienações: “O homem colonizado liberta-se na e pela violência”145. Ele supõe que a revolta violenta desmistifica a suposta inferioridade do colonizado, tendo adentrado profundamente nesta verdadeira sociologia da violência. O contexto em que foi escrito o livro demandava um estudo da violência e de justificativas de sua utilização como meio para acabar com o colonialismo, haja vista que diversos povos colonizados cada vez mais se revoltavam contra os colonos europeus. “O argumento escolhido pelo colonizado foi-lhe indicado pelo colono e, por uma irônica reviravolta das coisas, o colonizado é quem agora afirma que o colonialista só entende a força”146. O colonizado sempre conviveu com a violência. A situação colonial, por sua fatalidade interior, convoca à revolta esta condição. A violência aproximou os militantes, serviu-lhes como coesão, por isso os militantes argelinos da FLN e também os Mau-Mau quenianos 147 tinham que executar um atentado pessoal contra os colonialistas, para fazer parte de suas respectivas organizações. No momento em que a violência tornou- se explícita na sociedade colonial, revelou ao colonizado a verdadeira face da ação colonialista e isto desalienou os indivíduos. Ela desmistificou as ilusões fundadas nas superestruturas colonialistas. Sob vários aspectos, a violência é um evento heurístico de excepcional significação. Revelaria o visível e o invisível, o objetivo e o subjetivo, no que se refere ao social, econômico, político e cultural, compreendendo o individual e o coletivo. 144 SARTRE. op.cit. pp.14. 145 Ibdem. pp.66. 146 Ibdem. pp.65. 147 Sociedade secreta queniana. A Independência do Quênia, deveu-se, sobretudo, à revolta dos Mau-Mau contra os Ingleses. 52 A temática das seqüelas psicológicas da guerra e da tortura 148 praticada pelos franceses também é um ponto destacável na obra. Encontramos a defesa, por parte do autor, que processos de contínua violência, tortura, repressão e opressão resultam em estados psicológicos ligados à infelicidade, à depressão e ao desequilíbrio. “Há, portanto, nesse período calmo de colonização vitoriosa uma regular e importante patologia mental produzida diretamente pela opressão” 149 e acrescentava que “ainda assim, nosso propósito é mostrar que a tortura sofrida desarticula profundamente, como seria de presumir, a personalidade do torturado”150. Tais afirmações refletiriam a realidade brasileira no período da ditadura militar. As formas detalhadas das seqüelas mentais decorridas da violência sofrida pelos argelinos, não diferem muito das seqüelas relatadas pelos sobreviventes de tortura em todos as partes do mundo, fato esse evidenciado pela Anistia Internacional em seu relatório de 1973, quando pela primeira vez esse órgão se mobilizou para esclarecer esse tipo de violência, considerando uma avaliação das seqüelas a nível médico e psicológico. Michel Lowy identifica uma semelhança notável entre as idéias de Fanon e as de Guervara: o papel revolucionário do campesinato, a violência dos oprimidos, a unidade anti-imperialista do Terceiro mundo e a procura de um modelo de socialismo. Guevara tinha grande interesse na literatura de Fanon. Lowy acredita que esta leitura tenha sido um dos fatores que o inspirou em lutar na África entre 1965-1966 151 . O outro autor a quem nos referimos, e que de certa forma também forneceu argumentos para a esquerda armada, foi Herbert Marcuse. Militante dos movimentos de oposição dos Estados Unidos e da Alemanha, enfatizava o papel do movimento estudantil e dos intelectuais como uma força potencialmente revolucionária. Em O fim da utopia, temos algumas das principais idéias que influenciaram nossos militantes radicais. 148 Desde Inicio do século XX alguns estudiosos se debruçaram sobre o tema da resiliência. Resiliência é a capacidade humana de se recuperar ou ser imune psicologicamente quando se é submetido à violência de outros seres humanos ou das catástrofes da natureza. A maioria dos Indivíduos se torna então vítima, adquirIndo transtornos do desenvolvimento ou psicológicos na Infância, transtornos de conduta na adolescência e juventude e transtornos psiquiátricos na vida adulta. Alguns Indivíduos são resilientes. Ser resiliente sempre é conseqüência dos fatores de risco, de sua Intensidade de duração, e dos fatores de proteção que o Indivíduo possui. Cf. GRUNSPUN, Haim. Violência e resiliência. s.n.t. 149 FANON. pp.212 150 Ibdem. pp.231 151 LOWY, Michel.op.cit. pp. 110 53 A oposição, que tem como meta “o desenvolvimento histórico da liberdade”, desde o seu surgimento, está no terreno da violência, pois “(...) a pregação do princípio da não- violência não faz mais do que reproduzir a violência institucionalizada da ordem existente”152. O problema da violência na ação não seria apenas um problema tático, mas também estratégico, pelo menos, se não for uma questão de princípios humanitários. E a questão estratégica não pode ser definida de uma só vez para toda uma sociedade. O autor pondera a declaração de que a defesa em relação à violência é diferente da agressão. Exemplo: a violência da polícia para dominar um assassino é muito diferente da violência da polícia sobre manifestantes. A diferença não é só externa, mas reside na estrutura instintiva, na substância. Eles são atos violentos, mas funções totalmente diferentes 153 . O autor cita este exemplo para afirmar que a violência em escala individual produz impactos na dimensão social e histórica. Outro exemplo citado seria da violência do terror revolucionário, que seria muito diferente do terror branco 154 , pois o terror revolucionário implicaria, como terror, uma auto-trascendência em uma sociedade livre, que não acontece com o terror branco. Terror usado para defender os vietnamitas do Norte é essencialmente diferente do utilizado na agressão a este país. Marcuse destaca importante preocupação, o fato de o terror revolucionário se degenerar em crueldade e brutalidade. Em qualquer caso, uma revolução sempre oferece as formas e os meios para impedir a degeneração de terror. Como afirma o autor, no início da revolução bolchevique não houve terror para além da 152 MARCUSE, Herbert. El fInal de la Utopia. Barcelona: Planeta de Agostini, 1986. pp.51. Esta publicação ocorreu em função de palestras pronunciadas em Berlin pelo autor no ano de 1967. 153 Idem. pp.82. 154Normalmente o termo “terror branco”, que remonta à época da revolução francesa, é utilizado como forma de designar atos de violência cometidos por grupos conservadores contra seus oponentes. Em outro texto Marcuse faz referência a este tipo de terror: “A distInção de Robespierre entre o terror da liberdade e o terror do despotismo, e a sua glorificação moral da anterior pertencem aberrações condenadas as mais convIncentes, até mesmo se o terror branco fosse mais sangrento que o terror vermelho. A avaliação comparativa em termos de número de vítimas é uma aproximação quantitativa que revela o horror feito pelo ser humano ao longo da história que fez da violência uma necessidade. Nos termos da função histórica, há uma diferença entre a violência revolucionária e a reacionária, entre a violência praticada pelos oprimidos e a pelos opressores. Nos termos das éticas, ambas as formas de violência são más e desumanas - mas desde quando a história é feita de acordo com os padrões éticos? Para começar aplicando a eles no ponto onde o oprimido se rebela contra os opressores, o que nada tem contra o que tem está servIndo à causa da violência atual através do enfraquecimento do protesto contra a violência”. MARCUSE, Herbert. Tolerância repressiva. Retirado do site sobre Herbert Marcuse em 25/01/2009: http://www.marcuse.org/herbert/pubs/60spubs/65repressivetolerance.htm 54 eliminação da resistência daqueles que ainda estavam no poder 155 . Quando, no decurso de uma revolução, está a transformação do terror em atos de crueldade e tortura brutal, a revolução foi pervertida 156. Tal autor demonstra o surgimento dos “novos sujeitos da transformação”, marcados pela Revolução Cubana, Revolução da Argélia, Guerra do Vietnã e Revolução Cultural Chinesa. Ao analisar o potencial revolucionário destes novos opositores, atrela-os ao “terreno da violência”, ao da “resistência”: (...) o choque com a violência, com a violência institucionalizada, parece ser inevitável, a não ser que a oposição se transforme num inócuo ritual destinado tão somente a pacificar as consciências, a comprovar a sobrevivência dos direitos e das liberdades no quadro da ordem constituída. (...) a ordem constituída tem de seu lado o monopólio legal da violência, bem como o direito positivo, ou melhor, o dever, de exercer essa violência em sua defesa. Mas a isso se opõem o reconhecimento de um direito mais alto e o reconhecimento do dever de resistir como força propulsiva do desenvolvimento histórico da liberdade, o direito e o dever da desobediência civil como violência potencialmente legítima 157 . Desta maneira, como destaca Maria Valle, a análise da conjuntura elaborada por Marcuse ressalta a defesa da atualização do marxismo em um momento histórico, no qual emergem os supostos “novos sujeitos” da transformação social, recolocando a necessidade da violência revolucionária. A autora identifica em Marcuse três questões fundamentais: a) a de “desobediência civil”; b) a diferença entre a “violência da agressão” – que seria a violência legítima da ordem constituída; c) a “violência da libertação” – que seria tematizada a partir da perspectiva da revolução. Assim, partindo dos escritos marcuseanos nascidos da experiência contestatória dos anos 60, onde se configura uma nova concepção de revolução social em contraste com o “pessimismo” anterior, reconstruímos os seus argumentos em favor da legitimidade ética e política da violência transformadora 158 . A dicotomia violência institucionalizada x força revolucionária deve ser separada e entendida, sendo a primeira a “arma das instituições”, ou seja, o Estado o detentor de seu monopólio legítimo, e a segunda exercida pelos grupos de oposição capazes de fazer ruir 155 MARCUSE, op.cit.pp.83. 156 Idem. pp.81. 157 MARCUSE citado por VALLE. op.cit.pp.07. 158 VALLE. op.cit.pp.15. 55 toda esta estrutura de dominação inerente à sociedade capitalista, através da desobediência civil. Esse conflito entre os dois direitos entre a violência institucionalizada e o direito de resistência, leva em si o permanente perigo de um choque da violência consigo mesma, e isso ainda que o direito à liberdade seja sacrificado ao direito da ordem constituída e ainda que - como sempre ocorre na história - as vítimas sacrificadas à ordem superem numericamente às vítimas caídas pela libertação. Mas isso significa que a pregação do princípio da não violência não faz mais do que reproduzir a violência institucionalizada da ordem existente. Na sociedade industrial monopolista, a violência institucionalizada concentra-se, como jamais ocorreu no passado, no poder que permeia todo o corpo social 159 . A conclusão da autora é que na visão de Marcuse não há, apesar da eclosão dos movimentos estudantis, de libertação colonial, dos direitos civis, dos hippies, uma organização solidária que promova a confluência de tendências tão diversas. As contestações nos âmbitos da política, economia ou cultura, em momento algum deixa de reconhecer as suas limitações, forças que permitem vislumbrar a “realização da utopia”, desde que estejam dirigidas à ruptura do sistema. Marcuse, em sua alusão ao fim da utopia, diz encontrar somente no marxismo o guia da oposição, que deve se comprometer na atualização dos seus conceitos com o escopo de demonstrar as possibilidades de superação da ordem existente, contudo, somente a partir da identificação dos “portadores sociais da transformação”, uma vez que os operários americanos repelem as propostas da “nova esquerda” de contestação160. De uma maneira geral, foram estas as principais obras que influenciaram as esquerdas armadas revolucionarias brasileiras. Refletiam como a violência poderia ser viável para a libertação dos povos, e virou a raison d'être deste setor, conforme pudemos identificar na documentação e bibliografia analisadas. E é a partir destes teóricos que a violência, ao nosso entender, tornou-se uma forma de se fazer política aplicada contra o regime militar por parte dos revolucionários. De forma sintética, podemos afirmar que neste capítulo privilegiamos a discussão de alguns conceitos que servirão de base para o entendimento da nossa abordagem sobre o 159 MARCUSE. Citado por VALLE, Maria Ribeiro. Herbert Marcuse e a defesa da violência revolucionária nos anos 60. In: Estudos de Sociologia. Araraquara. n.15. 2003. pp. 57. 160 VALLE.op.cit. 2002. pp.05. 56 objeto escolhido - o COLINA, e a especificidade do período em que atuou - a ditadura militar. Tratamos de culturas políticas de forma de nos instrumentalizar na elaboração do perfil da organização: o COLINA está inserido tanto no âmbito da cultura política comunista, por partilhar de valores similares do PCB (mesma moral, bem como analogias com a religião, por exemplo), quanto no universo da cultura política nacional-estatista, que mesmo sendo renegada, deixou impregnada sua linguagem no grupo. Outros conceitos tratados que nos permitirão debate que será mais aprofundado é o de terrorismo e violência. O primeiro está intimamente ligado a fenômenos políticos e sempre é tratado de modo pejorativo, terrorista é o outro; o segundo foi apresentado através de seus teóricos que influenciaram (em maior ou menor grau) a esquerda radical. Estes últimos conceitos serão agora debatidos em um panorama conjuntural mais amplo, no sentido de nos permitir avaliar como ocorreu o terror durante as ditaduras militares e como a violência foi utilizada no Brasil e na Argentina. 57 CAPITULO II –REVOLUCIONÁRIOS E SEGURANÇA NACIONAL NA AMÉRICA LATINA Neste capítulo contextualizamos o período posterior à revolução cubana, com o objetivo de analisar os impactos dela decorrentes, no que tange às esquerdas e o processo repressivo desencadeado nas ditaduras brasileira e Argentina. Procuramos compreender aquilo que ficaria configurado como terror de Estado, enquanto método de contenção das idéias “subversivas”. Tomamos o exemplo da Argentina em função da conhecida violência de sua política no combate ao inimigo interno propagado pela Doutrina de Segurança Nacional. 2.1 – CUBA E A “EXPORTAÇÃO A REVOLUÇÃO”. A Revolução Cubana teria sido “inquestionavelmente o maior acontecimento da América Latina no século XX”, de acordo com Luiz Alberto Moniz Bandeira161, desencadeada em um contexto particularmente tenso do século XX, quando a disputa por maiores áreas de influência estava polarizada entre as mega-potências EUA e URSS. Para Eric Hobsbawn, a peculiaridade desta disputa era que, objetivamente, não existiria um risco de guerra mundial, e sim, uma retórica política e ideológica de ambos, sobre a possibilidade de sua eclosão. Aqui a palavra objetivamente guarda importância específica, na medida em que não seria do interesse das duas potências que houvesse um enfrentamento direto. Embora o autor destaque a possibilidade de deflagração “acidental” do conflito, através de um descuido ou mal entendido de alguma das partes. De acordo com Hobsbawn, o alto nível de tensão e as circunstâncias delicadas que envolveram o contexto seriam análogas a patinar em gelo muito fino 162 . Do lado oriental, a URSS controlava ou exercia grande poder em áreas em que o Exército Vermelho e/ou as Forças Armadas comunistas haviam ocupado ao fim da II Guerra Mundial, as quais não procurava, naquele momento, ampliar através do uso da força militar. Por outro lado, os EUA tentavam exercer controle sobre o restante do mundo capitalista, assumindo o que restava da antiga hegemonia imperialista colonial. Em pleno 161 BANDEIRA, Luiz Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 162 HOBSBAWN, Eric. A Guerra Fria. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pp.226. 58 acordo, não intervinha nas áreas de dominação soviética 163 . Durante as décadas de 1960 e 1970, esta ideologia impregnava fortemente a política e a imaginação social, levando a população de vários países, inclusive a estadunidense, a crer que um ataque nuclear poderia ocorrer a qualquer instante. A plausibilidade desta perspectiva pode ser observada na construção dos abrigos anti-nucleares e nos exercícios de evacuação realizados pelo governo junto à população, como forma de manter a perspectiva de medo, e, é claro, legitimar o aumento orçamentário deste país nas esferas da política de Defesa e Segurança Nacional. No período compreendido entre 1955 e 1968 houve a flexibilização desta ordem bipolar. Foi o período da coabitação pacífica, contudo, em um modelo de convivência “imperfeito”. Esta classificação é justificada em função da percepção alimentada por ambos de que carregavam armas altamente destrutivas. Posteriormente, novos elementos que alterariam as relações internacionais evidenciariam esta imperfeição (golpes, descolonizações). No caso da América Latina, poucos países conseguiram se adaptar ao cenário bipolar como forma de atrair vantagens. O exemplo mais perfeito é o Brasil, com sua “política externa independente” ainda na década de 1950 e retomada em 1967 através da “Diplomacia da Prosperidade” de Castello Branco, visando o desenvolvimento industrial. Outro exemplo foi a Argentina, todavia, mais vulnerável, em razão de seu histórico de instabilidade política, que a obrigou a agir com mais timidez nos foros de desenvolvimento 164 . O período posterior ao da “coexistência pacífica” é denominado por détente. A década de 1970 foi sem dúvida um marco no âmbito do respeito à diferença entre os blocos e trabalho em prol de interesses comuns, evidenciado na busca de uma política nuclear que não mais alimentasse uma “política do medo”. Em 1968 foi assinado por EUA, URSS e Grã-Betanha um Tratado de não-proliferação de armas nucleares (TNP). A América Latina foi beneficiada e fortalecida no contexto da détente no que diz respeito à sua inserção política internacional, mesmo sendo uma época de incertezas. A região se mostrou voltada 163 HOBSBAWN. pp.224. 164 SARAIVA, José Flávio Sombra. Dois gigantes e um condomínio: da guerra fria à coexistência pacífica. In: SARAIVA (org). Relações internacionais: dois séculos de História: entre a ordem bipolar e o policentrismo. Brasília: IRBJ: 2001. pp. 37-40; 56-57 59 para a resolução pacífica dos conflitos, divergindo, nesse sentido, de outras regiões do planeta: Apesar das tensões ideológicas criadas pela revolução cubana e pelos movimentos revolucionários que contrapunham às orientações de vários governos autoritários da região, as relações internacionais foram desideologizadas em alguns de seus países mais importantes. O Brasil foi certamente, o caso exemplar dessa tendência. 165 O Brasil recusou-se a aderir ao TNP, mas sempre procurou negociar com outros países da região acordos regionais de criação de zonas livres deste tipo de armas. Este e a Argentina possuíam um projeto nuclear próprio. Cientes das relações problemáticas entre Cuba e EUA, o Brasil e a Argentina mantiveram uma conduta própria nos negócios internacionais. Nesta disputa por áreas de influência e por sua manutenção, o “terceiro mundo” destacava-se como grande foco de atenção das duas potências. As regiões de caráter socialista conseguiram manter-se em um “subuniverso separado e, em grande parte, auto- suficiente econômica e politicamente”166, mantendo, deste modo, relações pontuais com o mundo capitalista. Era reconhecida a probabilidade de que sistemas políticos derivados do jugo de antigos regimes imperiais (processo de independência anti-colonial, característico deste período pós-guerra, uma minoria saída de revoluções sociais ou guerras de libertação), pudessem inclinar-se ao modelo soviético que, em teoria, seria mais justo e preocupado com aspectos do desenvolvimento social. O sucesso da revolução ocorrida em janeiro de 1959 em Cuba representou um marco na história da esquerda. O rompimento com os laços de dependência econômica em relação aos Estados Unidos deu inicio a uma série de transformações radicais em todos os âmbitos da sociedade. Antes de Fidel, Cuba vivia sob o domínio de Fulgência Batista que cedeu ao governo norte-americano o controle de vários setores da economia, como comunicação, transporte e turismo, além de importar grande parte da cana-de-açúcar produzida pelo país. 165 SARAIVA. José Flávio Sombra. Détente, diversidade, intranqüilidade e ilusões igualitárias (1969-1979). In: SARAIVA (org). Relações internacionais: dois séculos de História: entre a ordem bipolar e o policentrismo. Brasília: IRBJ: 2001. pp.75 166 HOBSBAWN, Eric. O socialismo real. IN: A era dos extremos. O breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. pp.365. 60 A grandiosidade desta revolução, segundo Moniz Bandeira, não estaria no seu caráter heróico e romântico, mas na evidência das relações mal resolvidas entre EUA e América Latina. Não foram os comunistas que promoveram a revolução cubana, este governo só se declarou comunista anos mais tarde: Conquanto alguns de seus líderes, como Che Guevara e o próprio Fidel Castro, em pequena medida, acolhessem idéias marxistas, eles não pertenciam a nenhum partido comunista e não era inevitável que a revolução cubana se desenvolvesse a tal ponto de identificar-se com a doutrina comunista e instituísse a sua forma de governo 167 . Este mesmo autor defende com veemência o caráter autóctone, nacional e democrático da revolução de Fidel. Segundo ele, o posterior alinhamento do país aos moldes comunistas teria sido conseqüência de uma “contingência histórica”, não tramada pela URSS, mas empreendida pelos Estados Unidos que: sem respeitar os princípios da soberania nacional e autodeterminação dos povos, não aceitaram os atos da revolução, como a reforma agrária, e transformaram contradições de interesses nacionais em um problema do conflito Leste-Oeste 168 . O novo programa de governo incluiu aumento de salários e redução de tarifas. A reforma agrária beneficiou trabalhadores rurais e sem terra, prejudicando propriedades de empresas dos EUA. Frente a esta situação esse país reduziu a cota de importação de açúcar cubano. E Cuba, por sua vez, nacionalizou as empresas, bancos e propriedades estadunidenses sediadas na ilha. A reação americana foi a de cortar o fornecimento de petróleo à ilha estimulando, de alguma forma, os cubanos a estabelecer acordos com o governo soviético, nos quais estes importavam açúcar em troca de petróleo. O governo dos EUA acabou de vez com a importação do açúcar e rompeu relações diplomáticas com Cuba em 1961. As conquistas revolucionárias se evidenciaram nas áreas de saúde e educação. Uma vez consolidada, a tarefa seguinte seria “exportar a revolução”. Conforme vimos no capítulo anterior, Che Guevara escreveu Guerra de Guerrilhas em 1960, uma apologia à 167 BANDEIRA, Luis Alberto Muniz. Fidel Castro, a revolução cubana e a América Latina. Revista Espaço Acadêmico. N.82. Março de 2008. 168 Idem. 61 guerrilha rural como a “via cubana” para insurreição, o que conduziria à revolução. Já Fidel Castro almejaria fazer da Cordilheira dos Andes a Sierra Maestra do continente sul- americano 169 . Para impulsionar a exportação da “via cubana” pela América Latina, havia um incentivo ao surgimento de organizações armadas ao longo dos anos de 1960 e 1970. Ao se tornar um centro de treinamento guerrilheiro, e não somente um modelo distante a ser seguido na América Latina, Cuba consolidaria sua própria revolução. Houve apoio efetivo deste país à luta armada, através do envio de dinheiro para estabelecer as bases e possibilitar a compra de armamento para algumas dessas organizações, bem como, o financiamento para que seus quadros fossem àquele país aprender “com quem entendia do assunto”170. Sem dúvida a Revolução Cubana impactou diretamente a esquerda latino- americana, uma vez que, a guerrilha rompia com a doutrina do marxismo-leninismo no que diz respeito à maneira de se fazer a revolução. Esta última defendia a necessidade da existência de um partido operário revolucionário, e/ou uma vanguarda intelectual, formada pelo partido comunista, encarregada de dirigir os rumos da revolução. Mas, sobretudo, a guerrilha rompia com os ditames de Moscou ao divergir da política de coexistência pacífica entre os EUA e a URSS proposta pelo Partido Comunista Soviético e, até então, aceita pelos Partidos Comunistas da América Latina. Teoricamente, no modelo trotskista, haveria a impossibilidade do socialismo em um só país, por essa razão a revolução deveria ser permanente espalhando-se por todo o mundo, desse modo, os partidos comunistas deveriam liderar a revolução em seus países, contrariando a política de coexistência pacífica. Com o evento cubano, vários setores da esquerda passaram a questionar a política adotada pelos PC’s, que apostavam na aliança com a burguesia em busca de reformas. Conforme afirma Silvia Miskulin, a influência de Cuba como modelo político tornou-se mais direta quando uma parte da esquerda latino-americana passou a propor a revolução armada, através da 169 Não é nosso escopo reproduzir a trajetória guerrilheira até a revolução. Vários trabalhos de ambas tendências já discutiram o assunto: BAMBIRRA, Vânia. A revolução cubana: uma reinterpretação. Coimbra: Centelha, 1975; BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998; DRAPER, Theodore. Castrismo. Teoria e prática. Rio de Janeiro: GRD, 1996; FERNANDES, Florestan. Da guerrilha ao socialismo. A revolução cubana. São Paulo:Expressão Popular, 2007. 170 ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil – o treinamento guerrilheiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001. 62 guerra de guerrilhas e da tática do foco revolucionário. Surgiu uma série de novas organizações, fruto de dissidências dos Partidos Comunistas e de outros partidos, que propunham seguir o exemplo cubano 171 . Fidel por várias vezes tentou “organizar uma internacional que pudesse agrupar os movimentos guerrilheiros e de libertação do Terceiro Mundo”. Em 13 de janeiro de 1966, o governo cubano realizou em Havana a Tricontinental. O encontro reuniu representantes da esquerda legal, clandestina e dos movimentos nacionalistas radicais dos três continentes. A luta de libertação foi concebida como antiimperialista, anti-colonialista e como parte da revolução social anti-capitalista 172 . Foi no ano de 1967 que ocorreu a Organização Latino-Americana de Solidariedade (OLAS). Esta foi uma tentativa de unificação das esquerdas deste continente. Este projeto era parte de uma estratégia do governo cubano para defender e apoiar movimentos de luta armada e grupos guerrilheiros no Terceiro Mundo. Desta maneira, propunha a revolução socialista “como principal objetivo da América Latina, através da reafirmação da luta armada e da guerrilha, definindo como inimigos comuns os Estados Unidos e a luta antiimperialista”. Neste Congresso foi lida a mensagem à Tricontinental, escrito por Che Guevara em 1967, durante sua luta guerrilheira nas montanhas da Bolívia e dirigida ao secretariado da OLAS. Guevara propunha o conceito de revolução mundial, o internacionalismo operário e a inevitabilidade da luta armada. Sustentava a necessidade de expandir a luta guerrilheira para o restante da América Latina, criando “dois, três, muitos Vietnãs”. Criticou as burguesias nacionais, como sendo incapazes de resistir ao imperialismo. A América Latina necessitava de uma revolução socialista, que deveria ser alcançada através da luta armada, por meio da guerrilha rural, a qual deveria ser apoiada pelo restante da população. Esta carta teve uma grande repercussão não só nos movimentos de libertação latino-americanos, mas também em outras partes do mundo. Tais intenções de 171 MISKULIN, Silvia. A revolução cubana. Comunicação apresentada na ANPHLAC. http://www.anphlac.org/gts/ehmf/bloco3/tema34/apresentacao.doc retirado em 24/02/2008. 172 Toda a nossa ação é um berro de guerra contra o imperialismo e um clamor pela unidade dos povos contra o grande inimigo do genero humanos: os Estados Unidos. Em qualquer lugar que nos surpreenda a morte, bem-vinda seja. Sempre que esse, o nosso berro de guerra, tenha chegado até um ouvido receptivo e outra mão se estenda para pegar nas nossas armas, e outros homens se aprestem a entoar os cantos lutuosos com rajadas de metralhadoras e novos berros de guerra e vitória. GUEVARA, Che. Mensagem aos povos do mundo através da tricontinental. 1967. s.n.t 63 financiamento e treinamento de guerrilheiros, assim como a OLAS, não agradaram o governo soviético, que optou pela “coexistência pacífica”. Desta forma não mais queria revoluções como as de Cuba. Em 1968 Cuba se alinhou à URSS, cujo ápice desta união ocorreu com o assassinato de Che Guevara na Bolívia. Desta maneira aumentou sua dependência em relação à grande potência socialista e aplicando a política de socialismo em um só país 173 . Vale destacar que a política de “exportação da revolução cubana” começara ainda em 1959, quando Fidel, já vitorioso, viajou pela América Latina em busca de apoio. A primeira viagem como líder cubano foi a Buenos Aires, a fim de participar da conferência do “Comitê dos 21” (Comitê das 21 Republicas americanas para formular medidas de ajuda interamericana), encarregado de estruturar a “Operação Pan-Americana” (iniciativa diplomática de JK que solicitava aos EUA um compromisso de assumir a erradicação do subdesenvolvimento latino-americano) 174 . Da Argentina Fidel Castro seguiu para o Rio de Janeiro, onde fez um discurso na Praça Barão Rio Branco, organizado pela União Nacional dos Estudantes (UNE), no qual repetiu basicamente o que dissera em Buenos Aires: “Ni pan sin liberdad ni libertad sin pan”175. Em 1965, foi a vez de Che Guevara ir ao Congo defender a união das nações socialistas para constituir uma grande força mundial, que favoreceria “os movimentos de libertação do Terceiro Mundo”. Nesta viagem criticou a URSS, que em sua visão não se empenhava em ajudar os paises em processo de revolução, apoiando apenas interesses específicos. Cuba apenas buscava, segundo Guevara, apoio para a consolidação de suas 173 MISKULIN. op.cit. 174 Principal iniciativa diplomática do governo Kubitschek. Propunha aos EUA a assumir um compromisso político para ajudar a colocar fim no subdesenvolvimento latino-americano. Este acordo foi interessante aos estadunidenses, uma vez que, o subdesenvolvimento contribuía para a instabilidade política do continente, abrindo inclusive a possibilidade de que ideologias contrárias ganhassem influência devido aos baixos padrões de vida destas populações. Cf: O Brasil de JK. Política Internacional. www.cpdoc.fgv.br 175 Um episódio pitoresco ocorreu em Belo Horizonte, quando da vinda de Fidel ao Brasil. O grupo de militantes que posteriormente integrariam a POLOP divulgou que o cubano iria a esta cidade falar na sacada do DCE, no centro. Convidaram “toda a população” para assisti-lo, contudo, Fidel não veio. Cerca de mil pessoas estavam ansiosas e agitadas. A saída encontrada pela “organização” foi arrumar uma túnica verde- oliva e uma barba falsa com os alunos do curso de teatro. Vestiram Theotonio dos Santos como se fora Fidel, e, ele representou o comandante com discurso inflamado em “portunhol”. Ele fora tão convincente que um grupo de ex-integralistas resolveram invadir o DCE para atacar o “assalariado de Moscou”. Houve muita pancadaria até que a polícia chegou. O “Fidel das Alterosas” escapou ileso por uma saída secreta.Cf: LEAL Leovegildo. Política Operaria: a quebra do monopólio político. Teórico e ideológico do reformismo na esquerda brasileira. Deissertacao de Mestrado. UFF, 1992. pp.128. 64 próprias forças frente às outras potencias mundiais. Guevara defendia o “internacionalismo proletário” através da solidariedade entre paises, como forma de impulsionar e promover a independência de nações subdesenvolvidas em relação ao mundo capitalista: “Só pode existir socialismo se houver uma mudança na percepção do homem capaz de gerar uma nova atitude fraternal para com a humanidade” 176. Esta “fraternidade” não seria observável nos países socialistas mais desenvolvidos, como o caso da União Soviética. Com um grupo de cubanos, Che lutou na Guerra Civil Congolesa ao lado dos rebeldes contrários ao presidente ditador Moise Tshombe até o início de 1966. Com a derrota dos rebeldes, os sobreviventes voltaram para Cuba naquele mesmo ano. Guevara seguiu para a Bolívia ao encontro dos militares cubanos que lá já estavam para dar apoio à luta contra a ditadura comandada por René Barrientos. Na Bolívia, somente desventuras. Marcados pela dificuldade de mobilidade nas montanhas, um de seus guerrilheiros, em uma comparação entre as serras cubanas e as bolivianas, teria dito que as primeiras seriam “Paris”. As longas distâncias entre vilarejos, o desconhecimento do terreno pelos militantes, e traços culturais peculiares, seriam algumas das explicações do fracasso da luta no local 177 . Além das barreiras geográficas, havia problemas políticos. Mário Monje, chefe do PC da Bolívia, achava que os comunistas bolivianos estavam sendo usados somente para que Guevara chegasse à Argentina. Apesar dos fracassos anteriores, acredita-se que, com sua passagem por aquele país, Che catalisaria as energias revolucionárias, favorecendo a eclosão da revolução. Monje havia comprado uma propriedade em Ñacahuazú, ao sul da Bolívia e próxima à fronteira da Argentina, onde Guevara se instalou com seu grupo. Che haveria comunicado ao Monje que, a princípio, o objetivo era desencadear uma guerra na Bolívia para, de acordo com a evolução dos acontecimentos, expandi-la para outros países vizinhos. A partir de então o líder boliviano teria exigido que a chefia do movimento fosse entregue a um de seus conterrâneos, o que teria sido rejeitado por Guevara. Assim, não conseguiu apoio de alguns setores da 176 ANDERSON, Jon Lee. Che Guevara: uma biografia. São Paulo: Objetiva, 1997. pp.708. 177 PERICAS, Bernardo. Che Guevara e a Luta revolucionária na Bolívia. São Paulo: XAMÃ, 1997. pp.153 e GUEVARA, Che. Diário de Che na Bolívia. s.n.t 65 população local, que os enxergava como intrusos. Após esse evento, não tardou ser assassinado em 1967 178 . É interessante perceber como a revolução cubana trouxe várias conseqüências para a América Latina. Uma região fortemente marcada por crescente participação dos militares como atores políticos referendada pelos civis, e, posteriormente, como protagonistas através de golpes militares. Como ressalta Moniz Bandeira, a seqüência de golpes na América Latina foi resultante não apenas de fatores endógenos, mas, sobretudo, constituíram-se muito mais como um fenômeno de política internacional continental, do que de política nacional. Depois que os EUA decidiram, via doutrina Truman, divulgar a estratégia de segurança do hemisfério, redefinindo as ameaças, (com prioridade para o inimigo interno), e difundindo principalmente, pela Junta Interamericana de Defesa, as doutrinas de contra-insurreição e da ação cívica, houve um “surto militarista”, que visava a impedir que outro líder revolucionário, a exemplo de Fidel Castro, surgisse na América Latina 179 . Como visto, a política de exportação do ideal revolucionário explicaria o medo dos defensores do capitalismo, fosse este liberal ou estatista. Após analisar a tentativa de exportação destas idéias, passamos a analisar como as mesmas teriam sido recepcionadas pelos ideólogos da esquerda brasileira. 2.2 – CUBA E AS ESQUERDAS RADICAIS Para melhor compreensão do que foi o fenômeno da luta armada emergente na América Latina nas décadas seguintes à revolução cubana, não há como deixar de mencionar sua influência nestas investidas revolucionárias, as quais ocorreram no Cone Sul com mais intensidade ao longo das décadas de 1960 e 1970 180 . Florestan Fernandes havia afirmado que a revolução de Fidel e Che Guevara transcendia a Ilha, inserindo-se nas 178 Segundo o relato da mineira boliviana Domitila Barrios, os mineiros que viviam sob extrema pobreza, foram lutar ao lado de Che Guevara. Todavia muitos foram mortos. Cf. VIEZZER, Moema. Se me deixam falar. São Paulo: Passado & Presente, 1977. E mais: ANDERSON; PÉRICAS; GUEVARA, ambos já citados. 179 MONIZ BANDEIRA, Alberto. De Martí a Fidel. A revolução cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. 180 O Cone Sul, baseado em Castro & D’Araújo, é o conjunto de seis países a saber: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. O que o caracteriza é a recente experiência e governos ditatoriais mais ou menos no mesmo período histórico. Cf. Democracia e forças armadas no Brasil da Nova República. In: ABREU, Alzira (org.). A democratização no Brasil: atores e contextos. Rio de Janeiro: FGV, 2006. pp.18. 66 Américas, no próprio circuito de formação, difusão e expansão de um novo tipo de civilização 181 . A análise do autor sobre a importância da revolução na América Latina ainda vai mais além: Representa, para todas as Américas, a conquista de um patamar histórico- cultural que parecia nebuloso ou improvável, e, para a América Latina, em particular, a evidência de que existem alternativas socialistas para a construção de uma sociedade nova no Novo Mundo 182 . Jorge Castañeda complementa tal a afirmação, ao dizer que: “Cuba foi denegrida por Washington, ofendida por Moscou, mas admirada e reverenciada em todo o Terceiro Mundo”183. Como a esquerda guerrilheira poderia saber se o caminho escolhido era certo e se, apesar das influências, os modelos de revolução que se apresentavam seriam compatíveis com sua realidade? Daniel Aarão Reis nos fornece apontamentos para a reflexão sobre essa questão: A procura de um modelo internacional – o cubano ou o chinês, não importa – é uma operação posterior, para legitimar a opção já tomada (pela luta armada). Isto não quer dizer que os modelos internacionais devam ser subestimados. O papel legitimador que desempenham é crucial na manutenção dos laços de coesão internos às organizações comunistas. 184 Entendemos que a revolução cubana de 1959 representou para as esquerdas de todo o mundo uma nova etapa, na qual se mostrava possível a substituição de um modelo econômico já consolidado, por outro, considerado menos injusto e mais humanitário. Além disso, evidencia a vitória conquistada através de uma estratégia de luta armada organizada por meio de focos guerrilheiros. Como veremos, a idéia de foco serviria de base para as organizações militares atuantes, em sua maioria, a partir de 1968. 181 FERNANDES. op. cit. pp.91. 182 Idem. 183 CASTAÑEDA. op.cit. pp.58. 184 REIS FILHO, Daniel Aarão. Exposição em Seminário. IN: GARCIA, Marco Aurelio (org). As esquerdas e a democracia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. pp.48. 67 Dentre as mais relevantes organizações armadas latino-americanas que tiveram efetivo apoio cubano (tanto oferecendo armas e dinheiro, quanto treinamento na ilha), podemos citar o movimento Montoneros (Argentina), Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR - Chile), Ação Libertadora Nacional (ALN -Brasil). Além destes países, Cuba esteve diretamente ligada às revoluções da Nicarágua, de El Salvador e da Guatemala. Quanto às organizações acima citadas, travam-se de grupos “político- militares”, que, além de pegar em armas sob inspiração cubana, fizeram dos Estados Unidos seu inimigo maior. De acordo com Afonso Lessa, a organização uruguaia Tupamaros teria surgido mais em função do “furacão revolucionário” cubano, do que pelas condições locais185. Atuaram apenas em Montevidéu, mantendo com Cuba discussões acerca da guerrilha urbana, e foram os primeiros guerrilheiros com êxito aparente entre os adeptos da luta armada. O MIR chileno também foi essencialmente urbano, apesar de afirmar a existência de uma frente camponesa 186 . A influência de Cuba na esquerda brasileira teve uma série de significados. Entre os principais destacamos: a atualização da concepção de revolução, pois até então o exemplo recaía sobre a longínqua Revolução Russa de 1917; a legitimação do exercito rebelde e não do partido na condução dos fatos; uma nova estratégia, a guerra de guerrilhas; a questão do anti–imperialismo e do anti–capitalismo, sendo os Estados Unidos a “personalização” do inimigo; a solidariedade internacional como ideologia desde seu inicio; a ética e o compromisso do revolucionário; e por fim, a ênfase no papel da vanguarda e a criação do “homem novo”, solidário e participativo187. Denise Rollemberg separa o apoio de Cuba à luta armada no Brasil em três momentos: primeiro, às ligas camponesas em 1962; segundo, em 1965, o apoio ao MNR do ex-governador Leonel Brizola e a frustrada guerrilha do Caparaó; e terceiro em 1967, através do apoio à ALN de Carlos Mariguella 188 . O maior fluxo de brasileiros para Cuba teria ocorrido a partir de 1968 e persistido até fim da guerrilha no Brasil, em 1975, quando, 185 LESSA, citado por SALES, Jean Rodrigues. O impacto da revolução cubana sobre as organizações comunistas brasileiras. Tese. UNICAMP, 2005. pp.19. 186 CASTAÑEDA.op.cit. 76. 187 SADER, Emir. Cuba no Brasil: Influências da revolução cubana na esquerda brasileira. IN: REIS FILHO, Daniel et. all. História do Marxismo no Brasil.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.pp.159-183. 188 Idem. pp.19. 68 mesmo no exílio, muitos militantes ainda tinham a esperança de voltar e continuar a luta, a exemplo de Maria José Nahas e Jorge Nahas, ex-integrantes do COLINA 189 . Através de relatos colhidos por Denise Rollemberg, duas questões antagônicas ficaram evidentes no que diz respeito à influência cubana: de um lado o aspecto positivo e o status que se alcançava sendo um guerrilheiro habilitado em Cuba, e por outro, o aspecto negativo, em função de o treinamento afastar o militante do dia-a-dia de luta, em uma realidade que mudava muito rápido 190 . Jean Rodrigues Sales aponta para um outro debate no qual que se refletem os “ecos da revolução (cubana)”, acerca da teoria da dependência. Ainda que não haja vínculo causal entre ambas - revolução cubana e teoria da dependência - elas se fortaleceram concomitantemente. Andreas Gunder Frank, sociólogo alemão, um dos ideólogos da teoria da dependência, via em Cuba uma solução para o circulo vicioso da dependência. Nesta teoria, a revolução aparecia como uma forma possível de resolver o problema da dependência econômica dos paises latino-americanos191. Citando Ruy Marini: A ação internacionalista de Guevara, a política revolucionária de Cuba, antecipam a resposta que darão os povos do continente a seus opressores. Mais ainda, fazem com que apareça no horizonte o que parece ser a contribuição mais original da América Latina, a luta do proletariado. Aqui onde o internacionalismo proletário alcançará uma nova etapa de desenvolvimento e assentara as bases de uma sociedade mundial de nações livres da exploração do homem pelo homem 192 . Como podemos ver, a influência cubana na esquerda vai além das questões táticas revolucionárias, ou seja, da guerra de guerrilhas, principalmente se nos atentarmos às duas organizações que nos interessam diretamente, POLOP e COLINA . A marca principal da POLOP é o seu caráter teórico. Antes mesmo do surgimento da organização em 1961, seus ideólogos já refletiam sobre os caminhos da revolução cubana. Ruy Marini, um de seus fundadores, escreveu três artigos na revista O metropolitano, ainda em 1960, nos quais discorria suas impressões sobre a revolução 189 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 190 ROLLEMBERG. op. cit. pp. 55. 191 Para um maior debate sobre a teoria da dependência e Cuba ver: SALES. op.cit. pp. 29-31 192 MARINI citado por SALES. op.cit.31 69 cubana, ressaltando que “anti-imperialismo e revolução social nada mais são que aspectos de uma só realidade”193. No primeiro número do jornal Política Operária 194 , o que dá nome à organização, Marini analisa a revolução de Cuba, afirmando que este país provou “que subdesenvolvimento econômico ainda não implica em subdesenvolvimento político”. Em abril de 1962 outros militantes publicaram um artigo analisando o livro Guerra de guerrilhas, de Che Guevara. Neste artigo, seus autores reforçam os três ensinamentos da revolução, já apontadas no livro e anteriormente citadas. Mesmo assim, a POLOP, naquele momento, acreditava que as condições não se repetiriam facilmente na América Latina. Para estes militantes, isto ocorreria em função de o Movimento Revolucionário 26 de julho (MR-26) ter agido de forma a não ter levantar suspeitas por parte dos EUA. Isto seria pouco provável de acontecer posteriormente, pois a revolução cubana deixava de ser uma novidade e com certeza os norte-americanos ficariam mais atentos. Outro fator da impossibilidade da repetição seria a de que na visão da POLOP, em muitos países do continente, as burguesias estavam dispostas a resolver o problema agrário para por fim à tensão revolucionária eliminando, desta forma, o papel preponderante que a guerrilha teve em Cuba 195 . As discussões do grupo acerca da viabilidade da luta armada apareceriam somente nas “Teses de Tiradentes”, em 1966. A tese número oito dava destaque para o caminho armado na luta contra a ditadura: “A guerrilha tem uma função eminentemente política: a de conquistar, mediante a ação revolucionária, a liderança das massas exploradas do país”. A tese de número nove radicalizava ainda mais, ao afirmar que nenhuma “redemocratização” justificaria o abandono da guerrilha em ação196. De acordo com Éder Sader, sociólogo e um dos fundadores da POLOP, as análises da organização colocavam a guerrilha em longo prazo. Não obstante, a concepção de um foco guerrilheiro catalizador da 193 Idem. pp.183. 194 Política Operaria foi o primeiro periódico produzido pela POLOP, onde seus militantes difundiam suas teses. 195 O artigo da POLOP se intitula: A propósito da guerra de guerrilhas. Política Operaria. n. 2. abril de 1962. citado por SALES. op.cit.184. 196 Teses de Tiradentes. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência 00384. Data: Abril de 1966. 70 luta insurrecional dentro da permaneceria em meio à POLOP 197 . Em outras edições eram feitas novas referências ao foco 198 . A aceitação da teórica do foquismo ocorreu a partir de 1967. Todo este processo de radicalização gradual da POLOP na aceitação da guerra de guerrilhas pode, segundo Sales, ser vislumbrado em seu jornal, cuja análise de conteúdo será desenvolvida em nossa pesquisa. Mas antes, não podemos deixar de mencionar o documento Programa Socialista para o Brasil, de 1967. Neste documento consta a análise do capitalismo estagnado no Brasil, a necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria um processo de transição. O documento nos fornece indícios sobre o processo de radicalização das propostas da POLOP, observadas no discurso de reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de uma “Frente de esquerda revolucionária”. Este programa apresentava uma certa abertura, em tese, às novas idéias radicais dentro da organização. Em seu último parágrafo é claramente identificada a influência cubana em sua organização: A primeira tarefa política do foco guerrilheiro há de ser, desta maneira, a de colocar claramente no cenário político do país uma nova liderança, uma nova alternativa ao poder revolucionário ao poder das classes dominantes. O fato consumado do foco de guerrilha elevará o nível da luta, apressará a unificação das forças da esquerda revolucionária e a continuação do partido revolucionário da classe operária. Da instalação do foco até a insurreição do proletariado na cidade haverá um caminho prolongado, mas será um caminho só com um objetivo traçado: a Revolução dos trabalhadores brasileiros no caminho do socialismo. Será essa nossa contribuição decisiva para a construção de uma nova sociedade no mundo (...) 199 . Com a votação vitoriosa deste programa no IV Congresso, tiveram início as cisões da POLOP. Parte do seu núcleo dirigente que defendia o Programa Socialista formou organizações que defendiam a luta armada como estratégia imediata. Em Minas houve a criação do COLINA, inicialmente organizado por Ângelo Pezzuti, Jorge Nahas e Apolo 197 SADER, citado por SALES. p.190. 198 Sales menciona cada exemplar em que tal debate é realizado. 199 Programa Socialista para o Brasil. Setembro de 1967. IN: REIS FILHO & SÄ (orgs.)Imagens da revolução. Documentos políticos das organizações de esquerda no Brasil dos anos de 1961-1971. Rio e Janeiro: Marco Zero,1985. pp.116. 71 Lisboa. Os motivos da cisão e os debates acerca desse processo serão melhor explicados no capítulo seguinte, quando trataremos especificamente da POLOP. De acordo com a análise de Jean Sales, o COLINA foi o mais representativo caso de uma organização que assumiu, com poucos acréscimos, o foquismo como teoria que embasasse sua política 200 . Maria do Carmo Brito, ex-militante, afirmou que as idéias de Debray e a OLAS foram mesmo fundamentais para o rompimento com a POLOP 201 . A idéia central do foco permaneceu no COLINA, mesmo que com algumas adaptações. O trabalho do grupo girava em torno do foco no campo, segundo afirma Mauricio Paiva: “A idéia era montar essa estrutura no campo. Tinha-se a idéia de que a cidade era o cemitério da revolução, dos guerrilheiros, da guerrilha, que tinha que montar o foco guerrilheiro no campo. E se trabalhou neste sentido. Se fez levantamento de áreas propícias para o foco guerrilheiro. Porque a idéia era que o guerrilheiro vinha de fora mesmo”202. O discurso de Jorge Nahas corrobora a perspectiva de Mauricio Paiva: (...) Nós não poderíamos dizer que seja uma organização estritamente foquista, mas no fundo era. Digo que não éramos estritamente foquistas porque não abandonamos o trabalho de massa. Nós achávamos que uma organização necessariamente teria que ser uma guerrilha, mas teria que ter as suas ligações com o movimento de massa (...) 203 Alguns militantes do COLINA foram para Cuba durante o exílio, onde fizeram o treinamento guerrilheiro, como é o caso de Maria José Nahas e Jorge Nahas. De acordo com Maria José Nahas, em Cuba existiam muitos tipos de treinamentos, mas a sua opção foi pela medicina de guerra. Esta área seria muito valorizada, segundo a entrevistada, que relatou a proposta recebida de militantes argentinos para atuarem naquele país, pois em sua organização só havia cardiologistas 204 . Um guerrilheiro médico seria de fundamental 200 SALES. op.cit.pp.239. 201 Entrevista de Maria do Carmo Brito a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. op. cit. pp. 241. 202 Entrevista de Mauricio Paiva a Marcelo Ridenti. Citado por: SALES. pp.242. 203 Entrevista de Jorge Nahas à Marcelo Ridenti, citado por: SALES. op.cit.242. 204 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 72 importância para a organização e raro de se encontrar 205 . O convite, que não foi aceito, foi feito no início da ditadura na Argentina, e Maria José supõe que esses companheiros tenham sido mortos nos anos que se seguiram a ditadura. Ela fez pouco treinamento de guerrilha rural e só resolveu fazer o treinamento de tiro quando, juntamente com seu companheiro, Jorge Nahas, decidiram voltar para o Brasil e continuar a luta 206 .Só desistiram de voltar após a queda dos militantes delatados pelo cabo Anselmo 207 . Tal argumento nos remete também à discussão relacionada à edição do AI-5 e o crescimento da luta armada no país. Hoje em dia já não há dúvida sobre a relação do aparecimento da luta armada e o Ato Institucional n°5. Sabe-se que não é verdade que o primeiro apareceu como conseqüência do segundo, haja vista a existência das Ligas Camponesas ainda no início da década de 60. A esquerda brasileira já possuía o projeto de pegar em armas e tiveram, inclusive, apoio do governo cubano 208 . Como lembra Reis Filho, antes mesmo da instauração do regime em 1964 já havia um projeto ofensivo por parte da esquerda 209 . E de acordo com Carlos Fico, assim como não se pode justificar o AI-2 como uma “resposta às eleições”, no caso do AI-5 não é correto associá-lo apenas como resposta à esquerda em armas. Desde o inicio do período militar houve por parte da “linha dura” a vontade de constituição de um aparato legal de controle e repressão da sociedade: 205 Esta fala está no documentário sobre Maria José Nahas, intitulado: “A loura da metralhadora”. Patrícia Moran, 1996. 206 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 207 José Anselmo dos Santos, o Cabo Anselmo, foi preso pela equipe do Delegado Sérgio Fleury, temido torturador do Deops/São Paulo, no dia 30 de maio de 1971. A circunstância de sua prisão nunca foi esclarecida, mas sabe-se que alguém foi preso no Rio de Janeiro e abriu, sob torturas, um contato com ele em São Paulo. Anselmo, um marinheiro de primeira classe erradamente tratado como cabo pela imprensa, passou a ajudar a repressão. Tornou-se o agente Kimble, nome dado por Fleury numa referência ao prisioneiro fugitivo de um seriado de televisão de mesmo nome. Entrega seus companheiros e revela detalhes a polícia sobre como encontrar outros membros. Essa fase inicial de sua vida entre os torturadores o proporcionará um acordo no qual ele passará a ser um infiltrado nas organizações de esquerda, recebendo por "trabalho" a módica quantia de US$ 300,00 mensais. O episodio a que se refere M.J.N. é o massacre da chácara São Bento, onde morreram 7 militantes da VPR, inclusive, Soledad Viedma, mulher de Anselmo, supostamente grávida. 208 Cf. GORENDER. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.; ROLLEMBERG, Denise. O apoio de Cuba à luta armada no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad, 2001, REIS FILHO. A revolução faltou ao encontro.São Paulo, Brasiliense, 1989. 209 REIS FILHO, Daniel. Um passado imprevisível: a construção da memória da esquerda nos anos 60. In: REIS FILHO et. all. Versões e ficções: o seqüestro da história.Rio de Janeiro: Perseu Abramo, 1997. 73 O projeto global de repressão e controle supunha não apenas a espionagem e a policia política, mas também a censura, a propaganda política e o julgamento sumário de pretensos corruptos 210 . Desta forma, o que é tratado genericamente por “porões da repressão”, trata-se de uma estrutura mais complexa arquitetada para envolver todas as dimensões da vida social 211 . A análise do conjunto das entrevistas nos conduz à conclusão de que a influência foquista foi o cerne do grupo em questão. Segundo Sales, o COLINA se singularizou “por ter se deixado levar mais que as outras (organizações) pelas idéias de Debray e Guevara”212, ainda que, como todos os outros grupos, não tenham conseguido realizar a almejada revolução. 2.3 – DSN: CASO NACIONAL Nesta parte do trabalho desenvolvemos uma discussão que busca analisar, a atuação política amparada pelo discurso da Doutrina de Segurança Nacional (DSN) no Brasil, destacando suas principais nuances. A DSN foi idealizada no fim da segunda guerra mundial e início da Guerra Fria, tendo por base a Doutrina Truman de 1947, que preteria de qualquer modo a existência da URSS. Deste modo, a DSN pode ser entendida como a “defesa da civilização ocidental e cristã”, estando amparada no pressuposto da existência de uma guerra permanente, oculta e ideológica contra o comunismo internacional 213 .Esta não respeitaria nenhuma fronteira, social ou geográfica, pois o inimigo era onipresente e não se utilizava somente das operações armadas, mas também das psicológicas de forma a cooptar mais pessoas 214 . A materialização da doutrina de segurança nacional consistia no fortalecimento político e operativo das Forças Armadas de cada país, preparando-as para combater o inimigo interno, estranho aos interesses nacionais e de orientação marxista-leninista; essa política significava o uso 210 FICO. Carlos. Além do golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004.pp.82 211 Idem. 212 SALES.op.cit.pp.242. 213 PASCUAL Alejandra. Terrorismo de Estado. A Argentina de 1973 a 1983. Tese de doutorado em Direito. UFSC, 1997. pp.26. 214 ZAVERUCHA, Jorge. Rumor de sabres. Tutela militar ou controle civil?Sao Paulo: Atica, 1994. pp. 86. 74 das armas contra seus próprios habitantes. A supressão das garantias constitucionais, a ditadura militar e a imposição do terror constituíam diferentes graus de aplicação da Doutrina 215 . De acordo com Enrique Padrós, a DSN e a luta anti-subversiva foram justificadas como “terror benigno e banhos de sangue (bloodbath) saneadores, imprescindíveis e salutares, pois eliminavam os elementos “comunistas” e “antidemocráticos”, fosse no Vietnã, no Camboja ou na América Latina”216. Desta forma, o terror de Estado teria um caráter salvacionista que não procurava amenizar os meios empregados para garantir a “proteção da civilização democrática, ocidental e cristã”217. Veremos agora como ocorreu a assimilação destas idéias e o combate ao inimigo subversivo aqui no Brasil. A sistematização e difusão da Doutrina de Segurança Nacional foi responsabilidade da Escola Superior de Guerra (ESG) fundada em 1949, cuja origem remonta ao curso de Alto Comando criado em 1942 pela Lei do Ensino Militar, destinado, a princípio, somente a generais e a coronéis do Exército. O curso permaneceria engavetado até 1948, com a criação da ESG, ainda sob as bases da referida lei 218 A ESG tinha como obrigação ministrar tal curso, e para a consecução de seus objetivos, teve suas bases institucionais rapidamente ampliadas. A inspiração imediata da criação do instituto estava relacionada ao último conflito mundial e seu desdobramento: a Guerra Fria. Tinha como pressuposto principal o “alinhamento inevitável ao País do bloco ocidental” 219. Para Douglas Puglia, uma das 215 PASCUAL, op.cit.pp.35. 216 PADRÓS, Enrique: Como el Uruguay no hay... Terror de Estado e segurança nacional no Uruguai. Tese de Doutorado. UFRS. 2005. pp.813. 217 Idem. 218 A referência é o Decreto-Lei nº 4130, de 26/02/1942, que regulou o Ensino Militar no Exército. O Curso de Alto Comando foi disciplinado pelos artigos 30 e 31 desse Decreto-Lei, e teria por finalidade o estudo das questões referentes ao emprego das Grandes Unidades estratégicas e à direção da Guerra. Mesma lei referente ao Decreto Lei 4130, da nota anterior, com a modificação instituída pelo Decreto n. 25705, de 22/10/1948, que estabelecia normas para a organização da ESG. O decreto estatuía no Art. 1º a extensão do curso aos oficiais da Marinha e da Aeronáutica, e que deveria ser ministrado sob a direção do Estado-Maior Geral, e no Art. 2º atribuía à organização da ESG ao Estado-Maior Geral (depois EMFA), e no Art. 3º à submissão da aprovação do presidente da República, dentro de 120 dias, o regulamento da Escola. A denominação de Escola Superior de Guerra teria sua origem na ênfase militar dessas duas primeiras leis, dados esses objetivos iniciais. Os objetivos logo se alteraram; entretanto, o nome original do Instituto permaneceria, muito embora houvesse tentativas de mudá-lo.Cf. MUNDIM, Luis Felipe César. Juarez Távola e Golbery do Couto e Silva: ESG e a organização do Estado Brasileiro (1930-1960). Dissertação de Mestrado. UFG, 2007. pp. 40. 219 Síntese com base em: MUNDIM,op.cit.; GRECO, Heloisa. Questões fundacionais da luta pela Anistia. Tese de doutorado. Departamento de História,2003.;Doutrina de Segurança Nacional ver: ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Projeto ’Brasil: Nunca Mais’. O regime militar, Tomo I p. 53-57; 75 peculiaridades da ESG em relação às outras Instituições de ensino do Exército é a participação de civis em seus quadros, que posteriormente passaram a ser aceitos, desconfigurando-se de uma instituição militar tradicional 220 . De acordo com Luis Mundim, várias foram as discussões a respeito da ESG a partir da matriz de suas idéias, de sua atuação conspiratória e política por meio de seus membros, antes e durante o regime militar de 1964. Mas o autor também mapeia alguns poucos estudos sobre a história intelectual, em que as análises se voltam ao cerne ideológico no qual os intelectuais da ESG se inseriram e a incursões interpretativas pelos seus textos – principalmente os de Golbery do Couto e Silva 221 , quem sistematizou mais claramente o que seria a DSN, como veremos adiante. A grande produção intelectual brasileira na década de 1950 possuía duas vertentes: a primeira, nacional-desenvolvimentista e elaborada, sobretudo, pelo Instituto Superior de Estudos do Brasil (ISEB), e a segunda, nacional-conservadora e autoritária representada pela ESG: A polaridade ideológica existente entre essas duas instituições (mais evidente na terceira fase do Iseb, sob a liderança de Nelson Werneck Sodré) reproduzia-se não apenas no campo teórico – como nas diferenças dos conceitos que ambos tinham de segurança e desenvolvimento –, mas, também, materializava-se em artigos jornalísticos com acusações entre ambos os institutos, além da elaboração de documentos sigilosos, como a Exposição de Motivos n. 003-B, de 10 de dezembro de 1959, documento secreto encaminhado ao presidente Juscelino Kubitschek pelo general Edgar do Amaral (que cursara a ESG, e era então Chefe do Estado Maior das Forças Armadas), no qual as práticas do Iseb eram enquadradas como “infiltração”222. Da mesma forma, os Isebianos tinham ressalvas aos militares da ESG, conforme afirma Hélio Jaguaribe, expoente da primeira instituição: O ISEB ficou muito vinculado ao partido comunista, ficou muito “agit prop” e começou, infelizmente, a haver uma hostilidade crescente dos militares. Uma das primeiras coisas que o golpe militar fez foi fechar o ISEB. Mas no meu período de atividades no ISEB as relações não eram de 220 PUGLIA, Douglas.ADESG: Elites locais civis e projeto político. Dissertação de mestrado. UNESP, 2006.pp.20. 221 MUNDIM,op.cit.pp. 28. 222 MUNDIM. op.cit.pp.35. 76 hostilidade (...) Também não diria que seriam ao contrário. Eram relações não muito estreitas. Eu fui convidado, naquela época, umas duas vezes, para fazer conferências na Escola Superior de Guerra. Naquela ocasião, quando fui, não tive muito boa impressão da forma pela qual os militares estavam tratando as coisas, porque eles tinham uma perspectiva muito ingênua, dicionarizada: A, para a-água, a-ar etc... Compilavam dados sob a forma de tópicos de uma enciclopédia, sem uma estrutura conceitual organizadora, a não ser a concepção pouco civilista do poder nacional. No nível puramente intelectual, a Escola Superior de Guerra era então uma coleção de verbetes. Agora, ao nível da visão do poder nacional, ela tinha uma certa filosofia, que considero inclusive ingênua 223 . Alfred Stepan chama-nos a atenção para o fato de que as idéias que estruturaram a ESG tiveram como base muitas experiências trazidas pela Força Expedicionária Brasileira durante a guerra na Itália, além de ter sido fortemente marcada pela influência estadunidense e os valores relacionados à doutrina de segurança nacional daquele país. Tais valores se aliaram à crença militar de que deveriam tomar frente às questões referentes ao desenvolvimento nacional, requisito imprescindível para a segurança de qualquer país em caso de guerra 224 . O elo maior entre militares brasileiros e estadunidenses ocorreu por meio da National War College, local em que os brasileiros entraram diretamente em contato com novos pensamentos e novas modalidades de guerra. Tratava-se de uma escola de aperfeiçoamento das Forças Armadas norte-americanas, na qual se discutiam possíveis melhoras para o aparato militar e mecanismos de atuação na conjuntura internacional. Com o retorno dos brasileiros, discutiu-se a necessidade da criação de um centro de estudos similar ao norte-americano, mas tendo em vista a realidade brasileira e seu posicionamento no cenário mundial 225 . São subprodutos da ESG, o Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, os cursos de informações ali ministrados entre 1965 e 1972 e boa parte da legislação da ditadura militar 226 . Já em 1951 foi criada a Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), como órgão de vinculação permanente dos ex-estagiários da ESG e que 223 Entrevista de Hélio Jaguaribe disponível em: http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/ehelio.pdf . Acesso ao site em: 21/03/2009. 224 STEPAN, A. Os Militares na Política: as mudanças de padrões na vida brasileira. São Cristovão, RJ: Editora Artenova, 1975.pp.128-129. 225 Cf.STEPAN. op.cit.pp.129; PUGLIA. Op.cit.pp.13; MUNDIM, op.cit.pp.40. 226 FICO. Carlos. Como eles agiam. São Paulo: Record terminar referencia 77 passaram a funcionar como difusores da DSN. Uma de suas características fundamentais é a organicidade entre empresários e militares. Nesse sentido, um outro ponto destaca-se ao se pensar na ESG como uma instituição doutrinadora, preocupada com a formação de quadros, também se deveria relacionar estas características com a ADESG. A ESG ao considerar as elites políticas civis despreparadas, procurava implementar, através de seus cursos, uma nova metodologia e forma de se gerir e encarar a política 227 . O mentor da DSN foi Golbery do Couto e Silva. Em uma sistematização breve, a DSN tem o ocidente como ideal político ideológico, a ciência como instrumento de ação e o cristianismo como paradigma ético. A ESG, por meio da DSN, esforçava-se para legitimar uma determinada visão de mundo, na qual evidencia a articulação ideológica das Forças Armadas que, na busca de autonomia, produzem seu próprio sistema simbólico, tendente a constituir-se em poder e influência política, a partir de uma perspectiva que podemos denominar autoritária. No Brasil, de forma alguma a DSN limitou-se à Lei de Segurança Nacional, sendo este mero instrumento jurídico, a exemplo dos atos institucionais, os decretos-leis e os decretos secretos. Para Heloísa Greco, a DSN baseava-se no desmonte da esfera política: A DSN seria um projeto geral para a sociedade que abrangeria vários aspectos da coletividade e das decisões políticas brasileiras. A partir do combate ao comunismo internacional em nome da democracia, adota-se o conceito de “guerra de subversão interna”, compreendendo “guerra insurrecional” e “guerra revolucionária” e a noção de “fronteiras ideológicas” em oposição a “fronteiras territoriais” – é, assim, estatuída a categoria de “inimigos internos” cuja contenção e eliminação se tornam a razão de ser do Estado de Segurança Nacional 228 . O regime militar brasileiro teve grande preocupação em se legitimar, ao contrário da Argentina. A primeira atitude nesse sentido foi denominar a ação do 31 de março de 1964 de Revolução, como forma de evitar ser identificado como um golpe que destituiu o 227 PUGLIA.op.cit. pp.17. 228 GRECO,op.cit. pp. 17. Neste mesmo sentido: MUNDIM. Luis. Raízes de um pensamento autoritário: possibilidades metodológicas em um estudo de Golbery do Couto e Silva. Anais do XXIII Simpósio da ANPUH. 78 governo democrático de João Goulart. Em tese, a palavra em si trazia uma carga de legitimidade, sem submetê-la, entretanto, a qualquer outra instância 229 . Dando continuidade a sua estratégia de legitimação, os militares logo desfizeram o Comando Supremo da Revolução, e mantiveram o sistema representativo e parlamentar, conferindo um aspecto legal ao regime. O que caracterizaria essa legitimidade seria: a) preservação da sucessão de lideranças; b) de algum modo, os sucessos econômicos da década de 1970; c)elaboração de uma constituição; d)bipartidarismo; e) eleições mesmo que indiretas 230 . Havia, também, a preocupação da divulgação desta imagem legalista no exterior, principalmente depois das denúncias feitas pelos exilados. Trata-se do que Irene Cardoso definiu como a “cultura do simulacro”. Reforçando este estereótipo, havia o eficiente sistema publicitário do regime, que desde o início dos governos militares, se preocupava em mostrar imagens de militares sempre sisudos, em seus uniformes impecáveis, para que os setores sociais os apoiassem, pois “tal imagem representava segurança, a impressão de que “agora haverá ordem’”231. As agências de propagandas da ditadura foram a Agencia Especial de Relações Públicas (AERP), criada em 1968 e posteriormente a Assessoria de Relações Públicas (ARP), em 1976. Ambas criadas para se distanciarem do antigo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que havia servido à ditadura Vargas. A estratégia destes órgãos era procurar evitar uma imagem personalista dos generais. A única exceção foi após a vitória do Brasil na copa de 1970 a qual relacionaram com a imagem de Médici 232 . Por motivos claros – foi o governo mais enrijecido, todavia, foi o governo do tricampeonato e do “milagre”. Esta foi uma jogada de marketing, onde mostra que o “homem que faz”, não fica aparecendo e cortejando a opinião pública, ao contrário dos outros homens públicos, que foram estereoptipados como “demagogos, burocratas e incapazes”. A semelhança existente com o DIP pode ser identificada na abordagem de temas tais como o congraçamento racial, o caráter positivo do povo, do trabalho, da solidariedade, dentre outros. 229 MORAES, João Quartim citado por BRANDÃO.Priscila. Argentina, Brasil, Chile e o desafio da reconstrução das agencias nacionais civis de inteligência no contexto de democratização. Tese de Doutorado em Ciência Política. UNICAMP. 2005. pp.159. 230 BRANDÃO. op.cit.pp.159. 231 FICO, Carlos. Reinventando o otimismo: ditadura, propaganda e imaginário social no Brasil.Rio de janeiro: FGV, 1997. pp.59. 232 FICO, op. cit. pp.70. 79 O objetivo destas agências era a “criação de um clima” de aprovação e contentamento com as atitudes dos militares. Abordavam ainda, temas sobre boas maneiras, comportamentos adequados (como o Sujismundo), a alusão às famílias felizes, hinos, músicas (“Ninguém segura a juventude do Brasil”, ou a “corrente pra frente”, que, “parece que todo o Brasil deu a mão”), etc. Ainda dentro da ampla estratégia de legitimação, o regime militar contou com outros meios, que também minimizariam as possíveis oposições ao regime. Uma série de profissionais “psi”, mais ligados à psicanálise, ajudaram a explicar a contrariedade de jovens com o regime 233 . Assim como houve uma subjetividade construída pelas propagandas nas idéias de “subir na vida”, de “progresso”, de “Brasil grande”, foi necessária a construção de outra subjetividade especificamente ligada aos mais novos, que questionavam este tipo de propaganda. Foram criadas duas categorias para qualificá-los – os subversivos e os drogados, inseridos na clandestinidade, na luta armada ou nos movimentos hippies. O subversivo seria o de altíssima periculosidade. É violento, não só contra o regime, mas também contra a família, a moral e a religião. Já o drogado é vitima de um plano externo que busca produzir presas fáceis às ideologias subversivas. O diagnóstico dado a essas duas categorias, uma vez que fazem parte, em sua maioria, das classes médias, é o de que estaria havendo uma “desestruturação na família”, e a culpa do aparecimento desses filhos “rebeldes” não seria a indignação contra a situação do país naquele momento, mas sim das famílias, que transferiam seus problemas para ele 234 . Cecília Coimbra relata o resultado da primeira pesquisa feita nas penitenciárias com os presos políticos no ano de 1969, encomendadas por Antonio Carlos Muricy, ex-chefe do Estado Maior das Forças Armadas, como forma de identificar o perfil e conhecer as causas que levariam estes jovens à radicalização. As conclusões foram: “1) Desajustes; 2) descaso dos pais pelos problemas da mocidade; 3) politização no meio escolar realizada por profissionais que despertam e exploram o ódio nos jovens, com o fito de impor-lhes um idealismo político, mesmo temporário; 4) o trabalho de alguns maus professores, hábeis em utilizar a cátedra para fazer proselitismo político...”235 233Cf. COIMBRA, Cecília. Algumas práticas “psi” no país do milagre. IN: FREIRE, el all, op. cit. pp. 423- 436. 234 COIMBRA. op.cit.pp. 246. 235Reportagem intitulada: “Murici aponta aliciamento de jovens para o terror”. IN: COIMBRA, op. cit. pp.431. 80 O “simulacro” criado pela propaganda, aliado a fatores como os êxitos econômicos do regime e à patologização da militância opositora 236, “produz efeitos duradouros na nossa cultura política: se a ditadura não consegue se nomear, tampouco a mídia e a chamada intelligenzia vão dar conta de fazê-lo” 237. Desta maneira podemos inserir dois debates acerca da dificuldade de se atribuir ao regime brasileiro o desenvolvimento de um terror de Estado, o primeiro sistematizado por Heloísa Greco, e o outro por Carolina Bauer: Heloísa Greco aponta um “caos terminológico” que se deve à teoria do autoritarismo, expressa por Fernando Henrique Cardoso, que se tornou referência dentro da academia. Segundo Fernando Henrique Cardoso existiria uma burguesia de Estado que seria responsável pelo que havia de pior no regime. Deste modo, a burguesia nacional e internacional teve atenuada sua participação nos preparativos do golpe. Esta linha de análise, conclui Greco, “ignora os verdadeiros atores do golpe de 64”, ou seja, ignora a existência de “intelectuais orgânicos de interesses econômicos multinacionais e associados [que] formaram um complexo político-militar, o IPES/IBAD, cujo objetivo era agir contra o governo de João Goulart e contra o alinhamento de forças sociais que apoiavam a sua administração”238. O uso indiscriminado dos termos autoritário/autoritarismo teria conduzido ao “caos terminológico” que busca definir o regime político brasileiro daquele período. Segundo Florestan Fernandes: “Tanto autoritarismo pode designar uma ‘variação normal’ (no sentido de ditadura técnica, em defesa da democracia), como pode se confundir com uma compulsão ou disposição ‘universal’ de exacerbação da autoridade (de uma pessoa ou de um grupo; dentro da democracia ou fora dela). O que permite aplicar o termo autoritarismo em conexão com qualquer regime, em substituição ao conceito mais preciso de ditadura...” 239 236 No mesmo sentido de patologização, podemos vislumbrar o caso argentino, em que o almirante Cézar Guzzeti, primeiro chanceler do regime justifica o extermínio de guerrilheiros: “Quando o corpo social do país é contaminado por uma enfermidade que lhe devora as entranhas, forma anticorpos. Esses anticorpos não podem ser considerados do mesmo modo que os micróbios. À medida que o governo controle e destrua a guerrilha, a ação do anticorpo vai desaparecer”. NOVARO, Marcos & PALERMO, Vicente. A ditadura militar Argentina. São Paulo: Edusp, 2007.pp. 106 237 GRECO, op.cit.pp.33. 238 GRECO.op.cit. pp.25. 239 FERNANDES, Florestan. Apontamentos sobre a ‘Teoria do autoritarismo’. São Paulo, Hucitec, 1979, p.5- 6. citado por Greco.pp.25 81 Tal citação remete a dois outros autores que argumentam sobre o caráter técnico e instrumental utilizados pelas ditaduras Franquista e Salazarista em nome da defesa da democracia (Carl Friedrich e Zbgniew Brzezinsky), e à Juan Linz, que se utilizou do termo autoritário para se referir ao franquismo, sendo este entendido como equivalente a “democracia forte” ou “ditadura branda”. São exemplos destas abordagens, como sugere Fernandes, que teriam permitido a dissimulação, atenuação ou ocultação de “muitas manipulações repressivas da ‘autoridade’ (...) através de operações semânticas” 240. Já Carolina Bauer afirma ter sido Irene Cardoso uma das primeiras autoras a utilizar-se do termo terrorismo de Estado para caracterizar o caso brasileiro. Esta designação é amplamente utilizada por pesquisadores dos países do Cone Sul, cujos países passaram por experiências ditatoriais. Causa-lhes estranheza o fato de que no Brasil tal termo não seja recorrente na academia. Bauer realiza um questionamento e três hipóteses para a dificuldade de se empregar esta designação, diretamente relacionado ao “silêncio” dos intelectuais acerca do emprego deste termo. Certamente ste silencio não é de forma alguma um reflexo de um possível desinteresse pelo tema da ditadura militar, haja vista os diversos livros lançados e vários seminários ocorridos nas universidades, acerca dos 40 anos do golpe. Aliada a esta discussão está a questão da abertura dos arquivos da repressão, que tem incentivado ainda mais o surgimento, a cada ano, de estudos sobre o tema. As três hipóteses formuladas por Bauer são, respectivamente: a) ausência de empiria para comprovar a prática terrorista do Estado. A autora chama a atenção para a falta de estudos comparativos sobre este terror no Cone Sul, que aborde o caso brasileiro; b) esta hipótese diz respeito à determinadas análises dominantes na historiografia brasileira, que acabam por restringir as possibilidades de novas interpretações. O exemplo mais notório para autora seria a dicotomização ideológica das Forças Armadas em “duros” e “moderados”241 que se alternavam o poder, de acordo com a correlação de forças em cada 240 Idem.pp.26 241 Esta dicotomização pura e simples foi questionada pelo trabalho de depoimento de militares desenvolvido pelo CPDOC/FGV. Por mais que os depoimentos apontassem na existência destas das forças, os autores perceberam que as relações internas das Forças Armadas eram mais complexas. Não era tão somente revezamento de poder. Cf: D’ARAÚJO, Maria Celina et all.(org). Visões do golpe. A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. pp. 20. Outro questionador desta divisão é João Roberto Martins Filho, que discorre ser quase impossível encontrar um grupo militar "liberal" no governo brasileiro e a prática política concreta dos Castelistas demonstra isso - promulgaram a Carta de 1967, impuseram o Ato 82 momento. Esta divisão simplista dificultaria a aplicação do termo terrorismo de Estado ao caso brasileiro, pois vincularia as “ondas de terror” aos períodos em que os “duros” estivessem à frente do governo; e c) até que ponto as estratégias de legitimação do governo (eleições, propagandas ufanistas) atrapalham esta visão de terror, uma vez que, parte da população não estava envolvida no que acontecia nos “porões”242. Outra dificuldade encontrada na aplicação do termo é explicitada por Irene Cardoso, que afirma ter havido uma produção do terror, assim como a produção do esquecimento, via lei de Anistia 243 . A própria experiência do terror, com seu efeito residual, cria dificuldades e mesmo impossibilidades de nomear esta experiência, dificultando a construção de símbolos ou representações 244 . Uma ala mais conservadora no meio militar afirma que havia sim, uma representatividade política durante o regime, o que impediria, inclusive de chamar de ditadura o que houve no pós-1964: “Vá aos jornais de 64, O Globo, Folha de São Paulo e leia o que eles falaram sobre o que você acabou de chamar de golpe. Depois que houve doutrinação. Posteriori, com a tomada dos comunistas da cultura, da universidade. Você foi doutrinada por isso. (...) Que democracia? Qual conceito e democracia? Representatividade política. O que você chama de ditadura tinha dois partidos, o Congresso não foi fechado, não houve um ditador. A única cosa que não houve foi eleição direta. E quantos paises no mundo tem eleição direta? São todos? Nós tínhamos dois partidos e não Institucional n° 4, a Lei de Segurança Nacional e a Lei de Imprensa como medidas "revolucionárias" . E a idéia mesma de um quadro militar dual no pós-64 é falsa. "Depois do expurgo das forças castrenses nacionalistas e populares, a paisagem das correntes políticas atuantes nas Forças Armadas brasileiras caracteriza-se por uma pluralidade de posições e por uma complexidade de fatores de desunião e cizânia que impede uma análise em termos duais". MARTINS FILHO. João. O palácio e a caserna. Dinâmica militar das crises políticas na ditadura (1964-19690). São Paulo: UFSCAR, 1995. pp. 113-115. 242 BAUER, Caroline. Avenida João Pessoa, 2050 – 3 andar: Terrorismo de Estado e Ação Política do DOPS/RS. Dissertação de Mestrado. UFRGS, 2006. pp.24-25. 243 Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia traz as duas polaridades citadas, sendo, “anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial da memória) aí se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003. pp.319. 244 CARDOSO, Irene. Memória de 68: terror e interdição do passado. Tempo social. São Paulo.2 sem.1990. pp. 101-112. 83 partido único, como tinha em Cuba.(...) Muitas pessoas foram cassadas após 64 por subversão, mas, mais era por corrupção.”245 Partindo da premissa de houve uma prática do terror no Brasil, precisamos enfatizar que a mesma ocorreu de forma mais dissimulada que nos demais países do Cone-Sul pelos motivos acima discutidos. Em dados mais precisos, os mortos e/ou desaparecidos políticos no caso brasileiro são estimados em 378. Este número demonstra que, ao contrário que aconteceu em outros países de experiências similares no Cone-Sul, as estruturas de informações e de repressão no Brasil desencadearam uma política de desmantelamento das organizações políticas e sociais a partir da eliminação de suas lideranças, (não significa que eram mais ou menos organizadas, a questão estava relacionada ao projeto político de cada um destes países) 246 . Conforme pudemos vislumbrar, por ter tido o caso brasileiro uma ditadura sui generis 247 na América Latina ao longo dos anos de 1960-1970, há a dificuldade de caracterizá-la como terrorista. Contudo, podemos tratá-la como tal, uma vez que se utilizou de métodos parecidos aos demais países para o extermínio de seus oponentes: tortura sistematizada, desaparecimentos forçados, valas comuns, torturas psicológicas, etc 248 . 2.4 – CONCLUSÃO Conforme constatamos, Cuba influenciou diretamente as esquerdas de tais países seja diretamente no fornecimento de treinamento ou no financiamento da guerrilha, seja no âmbito das idéias, cujo impacto está explícito nas discussões que levaram ao “racha” da POLOP. De qualquer maneira, a simpatia das esquerdas com a revolução serviu como um formidável pretexto para o aniquilamento destes simpatizantes, contudo, numa luta desigual de forças. A partir desta contextualização pudemos compreender melhor a influência da revolução cubana sobre as esquerdas latino-Americanas, por um lado. Em contrapartida, 245 Entrevista de ex-agente do CIE realizada por Priscila Brandão. 246 Para análise da atuação dos serviços de Inteligência e repressão. Cf. ANTUNES, Priscila. SNI & ABIN. Rio de Janeiro.FGV, 2002; FICO, Carlos. Como eles agiam. Rio de Janeiro: Record, 2001; D`ARAUJO, Maria Celina et.al. Memória Militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995. 247 A argumentação conservadora aponta que o contrário dos outros países houve sucessão presidencial, existiam partidos, leis, eleições, o que impediria caracterizar o período como uma ditadura, quiçá um Estado de Terror. 248 Projeto A Brasil: Nunca mais. Tomo IV. A tortura. 1985. Acervo Instituto Helena Greco. 84 pudemos vislumbrar também os métodos utilizados pelos respectivos governos para o combate ao inimigo interno,analisando a lógica do terror de Estado implantado nestes países na segunda metade do século XX. Uma vez composto o cenário, partiremos para um estudo de caso de uma das organizações fortemente influenciada por Cuba e atingida pelo TDE – o grupo COLINA. 85 CAPÍTULO III – OS COMANDOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL “Quem se esquecerá de um tempo em que o esquecimento foi método de sobrevivência?” Herbert Daniel 3.1 – BELO HORIZONTE DOS ANOS DE 1960 A sociabilidade belo-horizontina dos anos de 1960 passava pela área central da cidade, onde se localizavam os principais redutos intelectuais: cinemas, teatros, bares, republicas estudantis e, principalmente, as faculdades integrantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). São elas: Engenharia (Avenida dos Andradas), Medicina (Rua Alfredo Balena), Direito (Avenida João Pinheiro), Ciências Econômicas (FACE- Rua Curitiba) e pouco mais afastada, a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FAFICH- Rua Carangola). Neste círculo, principalmente a partir da segunda metade da década, é possível identificar um número significativo de estudantes engajados nas diversas organizações militantes de oposição à ditadura militar. Dada a localização destes ambientes, eram freqüentes os encontros entre as mais variadas tendências políticas e suas articulações. Pensar em BH no início desta década seria “a um observador desavisado a imagem de uma pacata cidade, cujos habitantes levavam uma vida que hoje nos parece incrivelmente tranqüila: poucos crimes, tráfego reduzido e distrações inofensivas”249. Desde a década de 1940 o espaço público desta capital tem sido palco de lutas político-sociais, segundo podemos observar em um relato sobre um dos diversos eventos promovidos pelo PCB mineiro: Aproximadamente cinco mil pessoas compareceram ao comício realizado em 14 de abril de 1945 na Praça da Estação. Fiel ao princípio democrático, o Comitê conseguiu reunir um grupo de oradores bastante eclético que contava com representantes das “classes conservadoras”, dos estudantes, das classes jornalísticas, dos esquerdistas, dos intelectuais, incluindo-se ainda um operário, uma mulher, representantes das Forças Armadas, entre outros setores. Todos unidos em torno de um objetivo comum: a derrota do regime autoritário, não importando o credo ou a opção política de cada um 250 . 249 STARLING, Heloisa. Os senhores das gerais. Os novos Inconfidentes e o golpe de 1964. Petrópolis: Vozes, 1985. pp.77. 250 PEREIRA, Rachel. Bandeiras vermelhas nas ruas da cidade. Comunismo e espaço público em Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado. UFMG. 2007. pp.40. 86 Como espaços catalisadores de militantes políticos, e disseminadores de idéias de contestação à ditadura, destacaram nesta década, o Centro de Estudos Cinematográficos, o Teatro Universitário, além do jornal Binômio. A rua da Bahia transformou-se em parte fundamental do “mapa afetivo” da cidade: “a revolução se socializava nos bares”, vários deles situados no então moderno edifício Arcângelo Malleta, localizado no cruzamento entre duas importantes vias de acesso: Rua da Bahia e Avenida Augusto de Lima. O “Malleta”, como se tornaria popularmente conhecido, transformou-se em parada obrigatória de intelectuais e artistas, um “espaço síntese dos anos 1960”, onde o conservador e transgressor se encontravam, ambos configurando uma forte efervescência cultural e política 251 . Neste ambiente formou-se uma teia de relações “estabelecidas na cidade e com a cidade (...) compreendida como um lugar (...) que educa e permite construir a própria identidade”252. Esta identificação orientava os seus habitantes a andarem pelas ruas, dispensando a numeração dos imóveis, quase todos seriam capazes de se situar em meio aos edifícios do cenário urbano 253 . Obviamente, certas vezes, orientar-se pelos nomes e não pelos números ocorriam equívocos. A fala de Maria José Nahas é esclarecedora neste sentido: Eu morava no Pilar, e a Dilma morava no Solar, o Solar é lá na João Pinheiro. O Pilar é de frente para a Afonso Pena, mas é perto um do outro. Era um tal de vez em quando aparecer gente lá perguntando coisa. [respondia] “Eu acho que você errou de condomínio, acho que você ia no Solar”254. Mas apesar destas confusões (o que não deixava de ser um risco), a vantagem de se militar e morar na área central era, sem dúvida, uma possibilidade de se manter melhor informado sobre o que ocorria: Quando algum companheiro era preso, chegava a notícia para mim, porque a minha casa era muito central. A notícia chegava para mim porque era central 255 . 251 MARTINS, Bruno Viveiros. Som imaginário: amizade, viagens e cidade nas canções do Clube da esquina. Dissertação de Mestrado: UFMG, 2008. pp.71. 252 Idem.pp.30. 253 Ibdem. pp.71. 254 Entrevista de Maria José Nahas a autora em 02/04/2005. 255 Entrevista de Maria José Nahas a autora em 11/01/2003. 87 É nesta área central que encontramos os jovens que futuramente integrariam o COLINA. Seja em suas residências, seja no Edifício Maletta, composto, entre outras coisas por “sebos, inferninhos e bares”, a exemplo do Pelicano, da Cantina do Lucas Lua Nova e do Sagarana”256, freqüentavam Inês Etienne Romeu, Cláudio Galeno, Carlos Alberto Freitas, fundadores da POLOP 257 . Márcio Borges, músico integrante do grupo Clube da Esquina faz alusão à história destes militantes na vida boêmia: Pensei na opção de entrar para a POLOP e sair daquele marasmo, mas [...] Andara levando uns papos com Cláudio Galeno e sua namorada Dilma, na pensão de dona Odete, durante uns jogos de baralho [...] Galeno era muito bom nas cartas, raciocínio rápido e destreza no manuseio. Era um dos tais jovens a pagar com a vida as chamadas causas revolucionárias 258. Quando houve o aumento da repressão, um famoso garçom da Cantina do Lucas alertou aos mais revolucionários: (...) “Seu” Olímpio, quando pressentia que a situação estava ficando pesada, devido a presença disfarçada de espiões do DOPS caminhava tranqüilamente entre as mesas, apenas murmurando a senha:“Hoje não temos nem salada russa, nem filét à cubana”259. A poucos quarteirões acima do Maletta, na Faculdade de Ciências Econômicas, constituiu-se a formação do núcleo mineiro da POLOP. Localizado no 11º andar, ficava o que o seu então diretor, Ivon Leite Magalhães Pinto, denominou de “ninho dos geniozinhos”. Em 1959, quando Guido Rocha ingressou nesta escola, integravam este núcleo, nada mais que: Herbert de Souza (Betinho), Vinicius Caldeira Brant, Vania Bambirra, Suzana Prates, Theotônio dos Santos, Ivan Otero, Juarez Brito, Simon Schwartzman, Teodoro Lamounier, Fábio Wanderlei Reis, dentre outros. No prédio ao lado, 256 MARTINS. op.cit.pp.71 257 Diz o trecho do jornalista, referIndo-se aos amigos que frequentavam o local: “Muitos amigos sofreram tortura como Inês Etienne Romeu; já Galeno, seqüestrou um avião para Cuba e Beto foi fuzilado”. SLVEIRA, Brenda & HORTA, Luis Otávio. Histórias da Rua da Bahia e da CantIna o Lucas. Belo Horizonte: Realizar, 2002. pp.212. 258 BORGES, Márcio. Os sonhos não envelhecem: histórias do Clube da EsquIna. São Paulo: Geração Editorial, 2002. pp.123. 259 SLVEIRA & HORTA. op.cit. pp.212. 88 sede do Sindicato dos Bancários, Guido Rocha aproveitava o horário noturno para ensinar noções de marxismo para operários 260 . A partir do ano de 1966, a história da POLOP/MG se vinculou à história da Escola de Medicina [poucos quarteirões abaixo do Maletta], através da fundação do Centro de Estudos da Medicina (CEM). Seus principais membros fundadores: Apolo Heringer, Jorge Nahas, Ângelo Pezzuti e Maria Auxiliadora Barcelos. A função do CEM seria a de promover a discussão de temas importantes relativos ao momento político e promover o recrutamento de novos militantes, a partir desta função catalisadora, passaria a disputar a hegemonia de seus ideais com as outras tendências existentes no movimento estudantil, principalmente com Ação Popular (AP). Já entre os estudantes secundaristas, o colégio Estadual Central seria um dos principais núcleos aglutinadores do debate político e militante daquele período. Dali sairiam importantes lideranças do movimento estudantil, além do fato de a escola funcionar como um elo entre secundaristas e universitários 261 . Em 1968 estas faculdades centrais foram palco de manifestações de toda sorte contra a ditadura. Primeiro a Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, a FAFICH foi invadida ainda no inicio do ano. No segundo semestre, manifestações iniciadas nas Faculdades de Direito e Engenharia contra a prisão de colegas que participavam de passeatas, culminaram com a invasão da Faculdade de Medicina. Em função da proximidade entre as instituições, não foi difícil aos estudantes destes dois cursos apoiarem o protesto dos futuros médicos, conforme veremos mais detalhadamente no próximo capítulo. É claro que não podemos deixar de destacar, outros espaços de aglutinação e contestação: as escadarias da Igreja São José, cenário de abrigo aos manifestantes que se protegiam da repressão político-policial. Ironicamente, tal “círculo de proteção” estava localizado em frente ao Edifício Acaiaca, um dos principais locais de articulações anticomunistas dos “novos inconfidentes”262. Aliado a ação destes, reforça o argumento 260 Manuscrito de Guido Rocha cedido à autora. Escrito em janeiro de 2007. Estas afirmações também podem ser encontradas na entrevista realizada pela professora Maria Eliza Borges, presente no acervo de Historia Oral da UFMG. 261 Entrevista de Fernando Pimentel a Marcelo Ridenti. Disponível no Acervo Luta Armada contra a ditadura. AEL/ UNICAMP; e MARTINS, op.cit. 262 O grupo denominado “novos inconfidentes” era formado por militares da reserva, profissionais liberais, professores, universitário, latifundiários e membros da ala “ultramontana” da Igreja. O objetivo principal deste grupo foi a desestabilização do governo de João Goulart através de massiva propaganda anticomunista. 89 acima o vulto das manifestações contra João Goulart que outrora ocuparam toda a Praça Sete e a Praça da Estação, ainda na área central e as marchas da “família, com Deus e pela liberdade”263. Partindo das constatações acima consideradas, podemos afirmar que o edifício Malleta, a Igreja São José e a Praça Sete de Setembro constituíram-se como importantes monumentos convocadores da memória, verdadeiras “heranças do passado” recente: O verbo monere significa “fazer recordar”, donde ‘avisar’, ‘iluminar’, ‘instruir’. O monumentum é um sinal do passado. Atendendo às suas origens filológicas, o monumento é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar a recordação 264 . Neste sentido, o centro da cidade de Belo Horizonte é constituído no que Pierre nora definiu como lugares da memória, no que tange às discussões e confrontos políticos durante os anos que se sucedem 1960 265 , militância que ora passamos, em parte, a analisar. III.2 – A POLOP EM MINAS. “O que nos orientava era a questão de práxis. Precisávamos viver uma realidade e teorizar sobre ela. Assim, procurávamos viver de uma política transformadora para a realidade brasileira”. Guido Rocha. A origem do COLINA está intrinsecamente vinculada à POLOP, uma das matrizes da Nova Esquerda no país. Seu primeiro congresso foi realizado em 1961, na cidade de Santos, no Estado de São Paulo. Participaram desta fundação membros de variadas organizações, a exemplo da Juventude Socialista - do estado da Guanabara -, da Liga Socialista e da Juventude Trabalhista - de Minas Gerais -, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), além de militantes independentes 266 . Segundo seus organizadores, duas situações reais e distintas foram foco privilegiado de discussão: por um lado, o estabelecimento do Segundo Heloisa Starling o grupo era conhecido também como o “grupo do Acaiaca”. Cf. STARLING. op.cit.77-140. 263 Para maiores detalhes, cf. STARLING. op.cit. 264 LE GOFF, Jacques. Documento/Monumento.In: Enciclopédia Einaudi. Memória/História. Porto: Imprensa Nacional, 1984. pp.95 265 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC- SP. N° 10, 1993. 266 SALES, op.cit. pp.180. 90 regime burguês, com Jânio Quadros no poder, e de outro, a linha reformista dominante do PCB 267 . Desde o início a POLOP teria feito questão de marcar a diferença entre suas propostas revolucionárias e as teses do PCB 268 . Os comunistas do partido expressaram, por meio da Declaração de 1958, que o capitalismo brasileiro desenvolveu-se a partir de relações atrasadas no campo – pré-capitalistas e baseadas no latifúndio – cuja economia seria extremamente dependente do estrangeiro. Seriam “resquícios feudais” que interfeririam no progresso de desenvolvimento do setor agrícola no Brasil, atividade já caracteristicamente lenta, e no nível de vida das massas, considerado como baixo. Além de a vida das pessoas envolvidas nesta relação entre trabalhador rural/latifundiários ser marcada por elevados níveis de exploração. A baixa capacidade de consumo destes trabalhadores, atreladas a outros fatores, fazia com que as possibilidades de expansão do mercado interno fossem pequenas, acentuando a desigualdade entre as diferentes regiões do país e produzindo discrepâncias no desenvolvimento industrial e social. Ponto polêmico dos debates estabelecidos dizia respeito à relação Estado - burguesia. Apesar de o primeiro ser um defensor dos interesses dos latifundiários e dos grandes empresários ligados ao imperialismo, parte dos militantes do partido comunista acreditava que haveria uma “brecha” na burguesia brasileira, que seria progressista. Este setor estaria interessado na independência econômica do país e na superação dos atrasos causados pelo imperialismo norte-americano. Desejariam a superação das relações semi- feudais na agricultura. 269 E seria a esses “burgueses progressistas” que os comunistas propunham alianças, de modo a construir uma Frente Ampla e promover o fim aos entraves do desenvolvimento econômico. Aspectos relacionados à elaboração desta Frente Ampla, presentes na Declaração, seriam relegados para um momento posterior, para uma discussão futura, uma vez que não desapareceriam as contradições entre proletariado e burguesia. O que nos chama a atenção neste documento é o item relacionado ao caminho tomado para a revolução etapista, 267 Documento: As tarefas da POLOP.Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia: 00141. Data: s.d. 268 MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002. pp.197. 269 Resolução de 1958 do PCB. IN: CHACON, Vamireh. História dos Partidos Políticos Brasileiros . Brasília: UNB, 1985. pp. 348-363. 91 antiimperialista e antifeudal brasileira: um caminho explicitamente pacífico, reformista e legalista 270 . A POLOP articulou uma crítica a esta análise do PCB acerca da realidade brasileira, centrada nos limites estruturais do imperialismo e latifúndio. A proposta da POLOP era a de uma revolução de caráter socialista, cujo sujeito político da revolução seria o operariado, unido aos demais setores, incluindo o campesinato e a pequena burguesia, para formar uma Frente Única dos Trabalhadores da Cidade e do Campo e uma Frente das Esquerdas. Uma vez afinadas, implementariam o “Programa socialista para o Brasil”, que seria elaborado em um curto prazo e serviria como uma resposta operária à crise que ocorria no país 271 . Outra bandeira levantada era a da organização dos “comitês de empresa” dentro de cada local de trabalho, que seriam uma forma de organização autônoma dos trabalhadores, distante da influência dos partidos considerados reformistas. A idéia de revolução nas organizações comunistas brasileiras baseava-se nas premissas, como afirmam Denise Rollemberg e Daniel Aarão Reis, de que a classe operária seria revolucionária e que o Partido seria imprescindível, desenvolvendo o papel de vanguarda da revolução. A partir de seu suporte teórico, guiaria a sociedade rumo ao socialismo e ao comunismo 272 . A POLOP primava pelos intelectuais que possuía. Ao que as entrevistas coletadas indicam, a maior referência intelectual, teria sido o militante Eric Sachs (cujo pseudônimo era Ernesto Martins): “A POLOP não existiria sem Eric Sachs”273. Jorge Nahas endossa esta perspectiva, reafirmando a importância de Eric: “era um quadro de formação européia, militou no Partido Social-Democrata alemão, tinha toda aquela solidez, aquela erudição da esquerda”274. De acordo com Apolo Heringer: “Ele começou a criar, toda a semana vinha a análise de conjuntura política, toda semana chegava e a gente lia aquilo, analisava o papel da classe operária na história, um pouco da história do movimento comunista, falava da conjuntura nacional, da burguesia, do caráter burguês da luta de 270 Resolução de 1958 do PCB. IN: CHACON, Vamireh. História dos Partidos Políticos Brasileiros . Brasília: UNB, 1985. pp. 348-363. 271 Documento produzido pela POLOP-SP: “Política Operária. O que é?”. Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia:00138. Data provável:1963. 272 ROLEMBERG, Denise. A idéia de revolução. In: Que história é essa? Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. pp.127. 273 Aluízio Leite citado por LEAL. op.cit. pp. 123. 274 Entrevista de Jorge Nahas à autora em 06/01/2006. 92 libertação nacional, o movimento operário precisava ser construído a partir de núcleos operários”275. Ainda em 1959, Sachs foi o responsável pela revista O movimento socialista, que viabilizou a expressão de outras tendências, que buscavam alternativas que não as do PCB, do PTB e do PSB 276 . Jean Rodrigues Salles qualifica as teses da POLOP surgidas no início dos anos sessenta, em um cenário dominado pelas idéias nacionalistas, como “assimiladas ou combatidas com vigor”, mas que, todavia, não passavam despercebidas: “isso porque, ao surgir, a nova organização centrou suas críticas no nacionalismo e na falta de independência das esquerdas frente à burguesia nacional, em clara alusão ao PCB”277. Este pensamento crítico ao Partido também se fez presente meio aos estudantes mineiros, que vieram a fundar a POLOP neste Estado. A partir da afinidade ideológica de alguns estudantes da FACE, nasceu a POLOP em Minas Gerais. Era composta por Vânia Bambirra, Theotônio dos Santos Junior, Inês Etienne Romeu, Guido Rocha, Juarez Brito, Carlos Alberto Soares de Freitas, Amaury de Souza Guimarães, Arnaldo Mourthé, Cláudio Galeno Linhares, Alaor Passos, José Thiago Cintra, todos provenientes do movimento estudantil. Havia ainda o comerciário Said, os marceneiros Otavino de Oliveira e Ernesto Santos, além de mais dois metalúrgicos. Leovegildo Leal afirma que foi em Minas que a POLOP conseguiu desenvolver um trabalho mais abrangente no período pré e pós-fundação “com presença destacada no movimento estudantil, de favelados operário” 278. Acerca da atuação da POLOP no movimento de favelas, temos o trabalho de Samuel Oliveira, bastante elucidativo no que tange a inserção da organização neste setor 279 . Segundo o autor, a ação da POLOP foi de destaque no movimento, mesmo sem constituir células dentro das favelas. Os polopistas publicavam textos em jornais circulantes entre os favelados, a exemplo do jornal O Barraco, ou faziam “canções de protesto” para a educação dos favelados nos valores socialistas 280 . Em 1962 a POLOP oferecia cursos de 275 Entrevista de Apolo Heringer Lisboa a James Green em 24/06/2008. 276 REIS FILHO. 2007. 277 SALES. op.cit. pp.181. 278 LEAL. op.cit.pp.126. 279 OLIVEIRA, Samuel. “A favela vem à cidade e não é para sambar”: O movimento de favelas de Belo Horizonte (1959-1964). Dissertação de Mestrado. UFMG. 2008. 280 Estas canções foram feitas pelo militante da POLOP Ponce de León.Uma letra diz: (...) Se é pro bem que vem/ Se é pro mal, amém [bis]/ O compadre já contou/ pra comadre Sebastiana/ Que cubano já tem casa/ 93 alfabetização e de aspectos do “socialismo moderno”, a fim de promover uma maior politização dos moradores de favelas. Os facilitadores desse movimento político de alfabetização seriam, principalmente, os estudantes Ponce de Leon, Guido Rocha, Teotônio Santos Júnior, Jaime Samuel Katz e Armando Muthé. Já os cursos sobre o socialismo seriam elaborados por Guido Rocha e Sacha Calmon. Como forma de legitimar sua atuação junto ao movimento das vilas, a POLOP participou da organização do I Congresso dos trabalhadores favelados 281 . Neste evento, Ponce de Leon desenhou, junto com estudantes, o painel que enfeitou o auditório, além de elaborar o distintivo de lapela (com um homem segurando seu filho com a mão direita, e um martelo na mão esquerda), distribuído para os participantes durante o congresso. Por sua vez, Guido Rocha, Vânia Bambirra, Teotônio dos Santos e Juarez de Brito recepcionaram Francisco Julião (líder das Ligas Camponesas), presença esperada neste Congresso. Foi a partir do contato com Julião que este grupo decidiu partir para a organização de ligas camponesas no interior do Estado. No II Congresso POLOP, realizado em 1962, foram tomadas decisões importantes no sentido reestruturar a organização organicamente. Em “As tarefas da POLOP” os principais pontos levantados foram: a reorganização do Comando Nacional com as lideranças locais; a criação de uma literatura própria; o recrutamento de operários; a formação de base em outros estados (Pernambuco, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro); e por fim, um programa de formação de quadros que se tornassem militantes profissionais 282 . Naquele mesmo ano foi criado em Ouro Preto, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), composto por profissionais liberais, com diversos tipos de comprometimento e diferentes graus de acesso à informações. O que procuravam era um meio entre os intelectuais e simpatizantes, dinheiro para comprar terras e armazenar armas. O MRT seria a fachada legal dos radicais 283 .Tal organização pregava o desenvolvimento da guerrilha, que se espalharia pelo país a partir de Minas Gerais. De acordo com Ruy Mauro Marini, a relação orgânica entre POLOP e MRT nunca existiu, limitando-se as relações entre os dois Fidel fez reforma urbana (...). Outra letra: Oi dizem que o homem é Mão/ Eu digo que ele é bom [bis]/ Já me disseram que ele vem lá do outro lado/ Que ele tem olho rasgado/ Que é Mao, é mal se vê/ Mas eu só sei que esse homem trambuqueiro/ Luta o dia, o ano Inteiro pra não vê nInguém sofrer (...) . Cf. OLIVEIRA. op. cit. pp. 167. 281 Idem. 282 As tarefas da POLOP. Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00141. s.d. 283 VIANA, op.cit.pp. 31. 94 grupos a um trabalho conjunto de massa. A decisão de se ligar às atividades do MRT teria sido uma iniciativa individual de alguns militantes da POLOP de Minas, contrárias à orientação do comando nacional da POLOP 284 . O III Congresso, realizado em fins de março de 1964, às vésperas do golpe, resultou na criação de duas correntes: uma que acreditava no golpe da direita (perspectivas compartilhadas por Ruy Marini, Eric Sacks, Arnaldo Mouthé, Maria do Carmo Brito 285 ) e a outra, liderada por Theotônio dos Santos, que acreditava na existência da montagem de um golpe tipo “bonapartista” por parte de Jango286. A primeira orientação saiu vitoriosa, com a diferença de apenas um voto. 287 . A POLOP teve algumas publicações, a exemplo dos jornais Política Operária e Onde vamos?, meios pelos quais divulgavam suas teses e defendiam o caráter socialista da revolução. Havia ainda os panfletos Comitê de empresa e Piquete, que eram os principais meios de inserção da organização junto ao operariado, e por meio dos quais reafirmavam a necessidade de rompimento com a burguesia. Ao contrário do PCB, os militantes da POLOP não acreditavam em seu potencial revolucionário, mas sim em um duplo caráter, um entreguista e outro nacionalista, e acreditavam que o país já estava maduro para a instalação do socialismo. Não haveria meio-termo para sua implementação, acreditavam na necessidade da formação do partido de vanguarda, constituído pelo proletariado. Até então a maioria dos membros da POLOP não enxergava na luta armada um caminho viável para países como o Brasil, perspectiva que seria alterada a partir do golpe militar. 288 A crítica da esquerda mais contundente à POLOP diz respeito à sua presumida inércia e seu teoricismo. Ao que consta, a única tentativa de ação concreta prevista por esta organização logo após a instauração da ditadura, teria ocorrido em julho de 1964, quando uma conspiração, organizada e composta por militares de baixa graduação, resultaria na 284 Ruy Mauro Marini citado por LEAL. op.cit.pp.126. 285 Vale ressaltar que em 1964 Maria do Carmo Brito, esposa e Juarez Brito foi para o Congresso representado a POLOP do Recife, pois lá se encontravam naquele período. No ano anterior, estiveram em Goiás, onde articularam um núcleo desta organização la. Cf. Entrevista de Maria do Carmo à autora em 25/01/2009 e VIANA. op.cit. pp.37. 286 O termo Bonapartismo refere-se, em termos marxistas, à forma de governo que subordIna todo os demais poderes ao poder Executivo, sob liderança de um líder carismático. Cf. BOBBIO. op.cit. pp.118. 287 LEAL. op.cit.pp.127. 288 A propósito da ‘Guerra de Guerrilhas’. Política Operaria, n. 2, abril de 1962. 95 organização de uma frente de guerrilha 289 . Segundo Cláudio, havia uma simpatizante da POLOP, dona de uma imobiliária no Rio de Janeiro que, ao gerenciar vários imóveis em Copacabana, hospedava militantes nestes apartamentos. Desta maneira, Cláudio Galeno ficava hospedado nestes apartamentos e quando apareciam pessoas interessadas em aluguel ou compra, apresentava-os, como se fosse de sua responsabilidade. Nestes imóveis ocorriam as reuniões 290 para a articulação da guerrilha. A ação não foi efetivamente levada a cabo, entre outros fatores, em função da infiltração de agentes do CENIMAR, ainda em sua fase de elaboração, o que conduziu à prisão de todos os envolvidos. A (in) ação foi apelidada de foco de Copacabana 291 pela própria esquerda, em função de os debates iniciais terem ocorrido em “aparelhos”292 naquele bairro da zona sul do Rio de Janeiro. O episódio causou um mal estar interno, o que levou à exigência da definição de uma ação mais concreta 293 . No final de 1964, Cláudio Galeno foi designado por Eric Sachs para reorganizar a POLOP em Minas, que após o golpe e o “foco”, havia se desarticulado. No ano seguinte, Leovegildo Leal chegou de Teófilo Otoni e engrossou as fileiras da organização junto ao movimento estudantil secundarista. Havia tomado conhecimento das discussões da POLOP sua cidade, por meio de Badih Melhem, um de seus militantes. Quando questionado sobre a opção específica pela POLOP e não pela Ação Popular 294 , outra tendência forte no período, 289 Referencias ao foco: REIS FILHO, Daniel. Classe operária, partido de quadros e revolução socialista. O itInerário da Política Operária –Polop (1961-1986) IN: REIS FILHO & FERREIRA. Revolução e Democracia.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Atica, 1987; MATTOS, Marcelo Badaró. Em busca da revolução socialista. A trajetória da POLOP (1961-1967).IN: RIDENTI, Marcelo & REIS FILHO, Daniel.Historia do Marxismo no Brasil. Vol.V. São Paul: UNICAMP, 2002. 290 Entrevista de Cláudio Galeno à autora em 16/07/2008. 291 Anexo I – Listagem dos Integrantes do “Foco de Copacabana”. Muitos dos Integrantes depois da POLOP, formaram o Movimento Armado Revolucionário (MAR) ou estiveram na guerrilha do Caparaó. 292 Aparelho foi uma designação utilizada pela esquerda (incorporada pelos militares) para designar o local (como uma casa, por exemplo) clandestino onde ocorriam reuniões ou passavam a morar quando estavam na clandestinidade. 293 GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987.pp.127. 294 Esta corrente que conquistou quantidade expressiva de adeptos. Seu início remonta à década de 50, ligada à Igreja Católica. Posteriormente ela deixa de seguir esta instituição e passa a ter influência cubana, e em meados de 1968 está sob influência maoísta. Tinha a perspectiva de luta pelo socialismo a partir dos movimentos de massa. Sua base era muito bem articulada no “A,E,I,O,U católico”, sendo: Juventude Agrária Católica (JAC), Juventude Estudantil Católica (JEC), Juventude Independente Católica (JIC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Universitária Católica (JUC). Foi principalmente a partir da JUC que se formou a AP. De tamanha adesão, por muito tempo a direção da UNE esteve nas mãos de integrantes desta organização. Seu lançamento acontece em 1962 e seu nome originou-se da Revue d’Action Populaire, publicada por jesuítas franceses. Sua opção foi por uma “ideologia própria”, o “socialismo humanista” que 96 ou PC do B, respondeu enfaticamente que “a AP não tinha programa. Quem de fato inaugurou uma reflexão que coloca a epistemologia na realidade havia sido a POLOP”295. Há um consenso entre os autores de que a POLOP foi a primeira organização a definir o caráter da revolução brasileira como socialista 296 . De acordo com o Leovegildo, a AP seria “um movimento, não mais que um movimento”, pois assumia uma ideologia religiosa, o que não caberia o marxismo. Esta afirmação contraria a de Angélica Bonome, que afirmou que na AP, o marxismo teria virado uma religião 297 , postura que talvez tenha sido assumida posteriormente, já na década de 1970, quando se transformou em Ação Popular Marxista Leninista. Outras ressalvas feitas por Leovegildo são de que o PCB fazia análises errôneas ao chamar o Brasil de feudal e propor uma aliança com a burguesia e de que o PC do B estaria equivocado ao propor uma espécie de transposição da realidade chinesa para o país, o que não seria correto, pois “o Brasil é urbano, ao contrário da China, rural”298. O Comando Nacional da POLOP orientava o fornecimento de cursos de formação de líderes e sobre marxismo para os quadros novos 299 , transformando os militantes da POLOP em multiplicadores. Guido Rocha, Apolo Heringer Lisboa, Jorge Nahas e Ângelo Pezzuti, estes três últimos pertencentes à Faculdade de Medicina, seriam os principais responsáveis por ministrar estes cursos: Era um curso assim, não era uma academia, a bem da verdade, a rigor, eu fiz um cursinho desses, estudei, depois virei instrutor. Dei muita aula. Mas era um mecanismo muito potente pra captar, porque você mostrava que você tinha alguma coisa por trás 300 . Leovegildo relata que outros representantes de células, após terminarem o curso, reproduziam-no em área escolhida de atuação, a exemplo do Sindicato dos Marceneiros, sob sua responsabilidade 301 . De acordo com o Boletim Política Operária, o curso era estava em voga nos meios marxistas europeus.Cf. BONOME, Maria Angélica Vieira. A praia sob o paralelepípedo. A experiência da AP e as potencialidades da ação política. Dissertação de mestrado. DCP- UFMG, 1994. pp. 56, 81. Vieira, Margarida. 68: Os estudantes mineiros e o desejo de um novo mundo. IN: MARTINS FILHO, João (org.) 1968 faz 30 anos. São Carlos: UFSCAR, 1998. pp.78, GORENDER. op. cit. pp. 36-37. 295 Entrevista de Leovegildo Leal à Samuel Oliveira e à autora em setembro de 2008. 296 MATOS, RIDENTI, LEAL, REIS FILHO (1989 e 2007). 297 BONOME. op.cit. pp. 50-58. 298 Entrevista de Leovegildo Leal já citada. 299 Política Operária. O que é? Arquivo CEDEM-UNESP. Referencia:00138. Data provável:1963. 300 Entrevista de Jorge Nahas à autora em 06/01/2006. 301 Entrevista de Leovegildo Leal, já citada. 97 basicamente dividido em 3 módulos: 1) conhecimento básicos sobre os princípios do marxismo, através da leitura de Bukarin, Marx, Engels, Lênin, Rosa de Luxemburgo e Plekanov; 2) realidade internacional e história da luta de classes, através das leituras de Lênin, Paul Sweezy, Paul Baran e Josué de Castro; 3) realidade brasileira, subsidiados por obras de Caio Prado Júnior, Aristóteles Moura e Ignácio Rangel 302 . Segundo Emir Sader, a POLOP se propôs a “reconquistar o marxismo” através da leitura daqueles clássicos303. Todavia, não se tratava de leituras críticas, seriam apresentadas sem muita elaboração, quase que como uma repetição dos clássicos como forma de doutrinação 304 . Outra crítica, esta apresentada por Maria José Nahas, estudante de medicina à época, era a de que, apesar das intenções, a atuação da POLOP havia ficado restrita aos meios intelectuais, com pouca inserção nas camadas populares 305 . Por desenvolverem críticas veementes contra o stalinismo, estes militantes ficaram conhecidos como trotskystas, o que não seria o caso, segundo análise de Daniel Reis Filho. Jacob Gorender afirma que a organização reiterou o obreirismo trotskysta 306 . Jorge Nahas argumentou: “a POLOP tinha suas raízes na herança trotskysta internacional, não era uma organização trotskysta, mas teve contato”307. Para Leovegildo Leal, definitivamente, ao contrário do que se pensou a cerca da POLOP, esta não era seria trotskysta, e sim marxista. Algumas de suas propostas levavam a entender que havia uma idéia de revolução permanente, reivindicada por Trotsky, propondo reformas nas estruturas e elegendo um governo revolucionário dos trabalhadores da cidade e do campo. O autor fez um apontamento que comprovaria o distanciamento da POLOP em relação a esta corrente, que resumidamente consistiria no fato de a expressão “revolução permanente”, atribuída a Trotsky, ser, em realidade de Marx e Engels, elaborado ainda mesmo antes do nascimento de Trotsky, em 1879. O manuscrito denominado Mensagem do Comitê Central à Liga dos Comunistas” foi escrito em 1850, no qual os autores falavam de uma “revolução permanente”, em um momento em que o movimento operário havia sido derrotado. Desta forma, explicitavam a necessidade da formação de um partido próprio e a 302 Boletim Política Operária n.2.Arquivo CEDEM-UNESP. Referência:00148. Data provável 1963. 303 Entrevista de Emir Sader a Leovegildo Leal. citado por LEAL. op.cit.pp.129. 304 Entrevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti. 305 Entrevista de Maria José Nahas à autora e 2005. 306 REIS FILHO.1989. pp. 34-36; GORENDER. 1987. pp.35-36. 307 Entrevista de Jorge Nahas já citada. 98 preservação dos interesses específicos e históricos dos trabalhadores no novo patamar de luta, colocado na cena histórica pela revolução de 1848, e não sugerindo uma “carreira desabalada em direção ao poder”, como seria figurada na interpretação trotskysta308. Tais discussões destoam da interpretação do jornalista Elio Gáspari, de que o COLINA havia sido formado “essencialmente por trotskystas do meio estudantil de Minas Gerais”309, haja vista a ligação direta entre ambas organizações. Destoa também da afirmação de Martha Viana, que ao se referir ao período da cisão da POLOP afirmou que “ficou uma ala trotskysta em São Paulo, que conservou o mesmo nome; e o grupo de Minas Gerais (...) que passou a se chamar COLINA”310. Os cursos ministrados pela POLOP e posteriormente pelo COLINA, após uma primeira fase em sindicatos, concentraram-se no Centro de Estudos de Medicina (CEM), dentro da Faculdade de Medicina. Infelizmente não foram encontrados registros materiais acerca do centro, contudo os depoimentos nos auxiliam a reconstruir sua importância naquele momento. Com a palavra, Apolo Heringer: O pessoal da POLOP aqui não podia se apresentar como POLOP. Então a gente criou o Centro de Estudos Médicos para poder servir de biombo, uma forma legal da gente poder se assumir aqui, nos éramos do Centro de Estudos Médicos. Aí ampliou, podia chamar muita gente, e a gente discutia Teoria de Malthus, discutíamos questões médicas como endemias rurais, a gente discutia cinema, discutia musica, discutia. O CEM era uma forma de a gente aglutinar, ampliar, ter personalidade política aqui, sem caracterizar que era POLOP, ou seja, o pessoal desconfiava que POLOP tava no meio, mas era tanta gente que não era que confundia. Por exemplo, a gente convidava pessoas para fazerem palestra, a gente usava inclusive a estrutura do DA ou salas de aula, chamava professores para falar. Muitas vezes pessoas que eram do DA eram também do CEM, a gente fazia uma parceria com o DA. Em geral quem mais ganhava o DA era a JUC (Juventude Católica) e AP e eles nos criticavam por sermos marxistas leninistas, então eles nos queimavam e a gente ficava exposto a ditadura. O CEM ele era uma forma de nos dar representação, legitimidade mesmo não tendo a direção de um diretório acadêmico 311 . 308 LEAL. op.cit.pp.212. 309 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Cia. Das Letras, 2002.pp.288, 310 VIANA. op.cit.pp.46. 311 Entrevista de Apolo HerInger Lisboa a James Green em 24/06/2008. 99 Laís Soares Pereira, militante ativa no movimento estudantil daquela faculdade, simpatizante da POLOP/COLINA e responsável pelos contatos e convidados do CEM, reafirma o caráter das discussões que lá ocorriam: Não era (só) política, eram todos os tipos de problemas, por exemplo, nós entrevistamos uma médica que era a responsável pelo tratamento da raiva humana e canina em Belo Horizonte. O que desse “pano para manga”. Foi aí que despertou a nossa mente, de toda aquela geração, de todas as escolas estavam engajadas nisso, e de onde ia sair esse movimento estudantil se não fosse assim 312 Neste processo, inclusive, foi trazido um militante do Poder Negro dos EUA, para realizar um debate sobre a Guerra do Vietnã. Também eram discutidas questões relacionadas à categoria, como problemas referentes à industria farmacêutica. 313 . Carmela Pezzuti, militante “cooptada” pelos filhos Ângelo e Murilo, acompanhou várias passeatas juntamente com a irmã Ângela e aos poucos percebia, a exemplo de outros militantes e, inclusive, e de membros do sistema repressivo, que seu filho Ângelo destacava-se como uma liderança política e um grande agitador. Muitas das reuniões da POLOP ocorriam na casa de Ângelo e Carmela, segundo afirma, a princípio não desconfiava de nada, apenas não entendia a agitação. Àquela época, ela trabalhava com o governador Israel Pinheiro, que posteriormente, já na luta armada, veio lhe causar problemas. Quem sugeriu a entrada de Carmela para a organização foi Maria Auxiliadora Barcelos (Dodora). De acordo com Maurício Paiva, esta teria cobrado principalmente de Ângelo, a “convocação” de sua mãe314, o que teria ocorrido de forma pouco sutil: “Um dia o Ângelo chegou pra mim... Aí eles (Angelo e Murilo) já foram de supetão: “Nós somos comunistas”. Levei o maior susto! Porque comunista naquela época come criancinha. Eu falei: “Nossa, meu filho, não é possível”! Eles disseram: “Vamos, entra conosco”. Você acredita que eu entrei? Entrei dando uma cobertura, aí o negócio foi indo, foi indo...”315 Após o anúncio, Ângelo e Murilo explicaram à mãe a sua utopia social, falaram do socialismo e da POLOP. Introduziram uma nova literatura e ela estudava com Maria 312 Entrevista de Laís Soares Pereira a James Green em 06/01/2008 313 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 11/01/2003. 314 PAIVA, Mauricio. Companheira Carmela. Rio de Janeiro. Mauad: 1996. pp.25. 315 Entrevista de Carmela Pezzuti já citada. 100 Auxiliadora 316 , com quem então começou a trabalhar em uma boutique de fachada, como forma de angariar fundos para a organização. O comércio não durou muito, em função da falta de traquejo comercial de ambas. Neste período as discussões políticas se acaloravam. Em 1966 a POLOP colocava a questão da luta armada, ainda que com ressalvas, em sua concepção de revolução: (...) A guerrilha tem uma função eminentemente política: a de conquistar, mediante a ação revolucionaria, a autoridade de liderança das massas exploradas do país 317 . Foi neste ano que os debates se intensificaram e os problemas dentro da organização adquiriram uma nova e mais grave dimensão. Carlos Alberto Soares de Freitas e Guido Rocha escreveram um artigo reivindicando uma Assembléia Nacional Constituinte Popular e solicitando aos universitários que lutassem em favor desta bandeira. No final do artigo determinavam que “a luta pela Constituinte, colocada nestes termos, não é nada mais nada menos que o reinicio da luta pelas reformas estruturais, colocadas em termos práticos. É a síntese atual da fase da revolução brasileira”318. Achávamos natural que, tendo a ditadura rasgado a Constituição, tínhamos que substitui-la por outra, mais avançada (...) Desta forma, colocávamos em contradição o conjunto das forças de direita, que seria obrigada a aceitá-la ou desmentir-se, pois pouco antes do golpe dizia “a constituição é intocável”319. Esta posição “reformista” não foi vista com bons olhos pela direção nacional da POLOP, que afirmou ser esta posição favorável àquela do PCB, com a qual haviam rompido. Tal divergência teve como conseqüência a vinda de Eric Sachs a Belo Horizonte, com o objetivo de convencê-los a mudar de idéia. Para impedir a concretização dos planos do dirigente, Inês Ettiene e Guido Rocha traçaram a seguinte estratégia: todos os integrantes do grupo deveriam discutir diversos assuntos por um tempo mais longo, de forma que a atenção de Sachs fosse desviada do foco central. Assim o fizeram, todavia, pouco conseguiram em seus objetivos. Os “insurgentes” de Minas acabaram concordando 316 Idem. 317 LEAL, citado por SALES.op.cit.pp.245. 318 Por uma assembléia constituinte popular. Pasta: 0024 Rolo: 017. Acervo DOPS/MG. 319 Manuscrito de Guido Rocha já citado. 101 com Sachs, todavia, conseguiram fazer suas ressalvas aos argumentos deste. Para eles era “certo que não existe revolução sem teoria revolucionária, contudo não quer dizer que quem sabia mais estava sempre certo”. O dirigente concordou, mas não se deu por convencido. Decidiu voltar a BH quinzenalmente para ministrar aos “rebeldes” um curso de história do movimento operário. Estes militantes, temerosos de que cooptassem suas bases, optaram, naquele momento, em desconversar: Perdemos uma grande oportunidade de adquirir e aprofundar nossos precários conhecimentos sobre o tema. Em outras palavras, conseguimos a este preço “neutralizar” a tentativa de pacificação das bases mineiras da POLOP 320 . De toda forma, Eric Sachs enviava semanalmente uma análise de conjuntura política, documento no qual continha uma reflexão sobre: o papel da classe operária na história; a história do movimento comunista; a conjuntura nacional; a burguesia; o caráter burguês da luta de libertação nacional; e afirmava que o movimento operário precisava ser construído a partir de núcleos operários. Esta visão, pouco tempo depois, foi taxada pelos dissentes da POLOP de obreirista, “já que a luta armada tinha um caráter mais ligado a Ernesto Guevara, Fidel Castro, aquela onda de guerrilha que foi para a América Latina”321. As divergências não pararam por aí. O Comando Nacional (CN) incumbiu a Seção Regional de Minas Gerais (SR-MG) de reimprimir o boletim Aonde Vamos? edição I, II e III e a SR-MG negou-se a cumprir a ordem, por não concordar com as teses ali desenvolvidas, e por acreditar que haveriam outras publicações mais relevantes. Os mineiros também foram acusados de não agir conforme o centralismo democrático da organização 322. Não tardou uma resposta por parte dos mineiros, por meio da carta “A bem da verdade”323 , demonstrando que se tratava, a última afirmação, de uma inverdade. Relataram que a não publicação teria ocorrido em função da falta de recursos e que em termos de obediência, já haviam acatado ordens de não publicar o jornal O Piquete durante meses, para que todo o dinheiro ficasse centralizado nas mãos do CN. Tais discussões 320 Manuscrito de Guido Rocha já citado. 321 Entrevista de Apolo Heringer a James Green, já citada. 322 Um caso de indisciplina. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência: 00310. Data21/12/1966. 323 A bem da verdade. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966. 102 conduziram a um afastamento dos operários e à elaboração de um plano de auto- financiamento do boletim. Argumentam os militantes da SR-MG, que teriam ficado quase um ano solicitando recursos mínimos para a reimpressão do material pedido. Também lembraram ao CN que a maioria dos integrantes da organização eram estudantes e operários, o que dificultava a arrecadação. Mesmo assim, financiaram viagens de membros à Brasília, o que seria responsabilidade do CN, contribuíram com a realização do III Congresso, além de realizarem um depósito bancário para o caixa nacional da POLOP. O documento traz informações de que o setor operário da POLOP em Minas seria a maior do país, tendo sido constituído após 1964. Não obstante, esta informação é contraditória às afirmações realizadas por Maria José Nahas, cujo depoimento destacava a contradição de haver, em um movimento denominado Política Operária, apenas um operário 324 . O término da carta deixa explicita a insatisfação da SR-MG com o CN: É interessante notar que esta não é a primeira vez que o CN, ao sentir a pressão dos nossos argumentos, colocados no nível ideológico, tenta desviar o debate para o nível administrativo. E mesmo nesse nível é obrigado a utilizar da calúnia como arma de combate 325 . Não bastassem os problemas com o Comando Nacional, haviam divergências entre os militantes da SR/MG, principalmente no que dizia respeito à adesão à luta armada. Parte dos mais jovens optou pela radicalização e os demais, pela via da Constituinte. Na perspectiva de Apolo Lisboa, havia sido Guido Rocha quem teria tido mais clareza sobre as chances de luta política ao propor a Constituinte, contudo sofria “deboches” por parte do grupo de Herbert Carvalho e Ângelo Pezzuti, adeptos da luta armada 326 . O ano de 1967 foi fatídico para a POLOP, no sentido em que as divergências cresceram em proporção direta ao desejo de se combater o governo. Foi de forma irônica que Herbert Daniel, estudante de medicina, descreveu sua entrada na organização em meio à situação político-ideológica da POLOP naquele ano: 324 Entrevista de Maria José Nahas já citada. 325 A bem da verdade. Arquivo CEDEM-UNESP.Referência:00320. Data: 29/12/1966. 326 Entrevista e Apolo HerInger a James Green, já citada. 103 Organizei-me. Maneira de dizer que entrei em uma organização política em plena desorganização política: a POLOP e eu, estávamos (ela pior do que eu) em crise. Foi Ângelo quem me “ampliou”327. Como visto anteriormente, a leitura de Régis Debray foi fundamental para que tais militantes optassem de vez pela radicalização, mesmo que parte dos polopistas tivessem ressalvas ao autor e suas análises consideradas simplistas. Em julho deste mesmo ano, Eric Sachs (que assinava Ernesto Martins) produziu um escrito, cujo ultimo capítulo foi dedicado à questão da luta armada, que levava o título de Foco e Revolução. Inicialmente o autor fez ressalva às crenças de resultados milagrosos e imediatos resultantes da guerrilha, contudo, aceitava a questão referente ao voluntarismo político característico dessa forma de luta. No que tange à questão da luta armada, afirma: “a experiência mostra (...) que os movimentos de guerrilha surgiram em fases de recesso do ciclo revolucionário, em momento de aparente consolidação da contra-ditadura(...). Em Cuba, o período de luta foi muito mais curto, mas foi igualmente a ação de guerrilha que cristalizou e formou o movimento de massas. Isso foi possível porque a luta de guerrilha requer recursos relativamente pequenos para iniciar a ação contra as Forças Armadas regulares muito superiores. O que decidiu a sobrevivência e posterior vitória – além das condições objetivas favoráveis – foram fatores qualitativos: consciência e moral política e objetivos de luta definidos.”328 Ferdinando Machado, membro da POLOP/MG, produziu um documento cuja primeira parte é dedicada a recriminar a atuação de Ernesto Martins (Eric Sachs). Para Machado, o que estava ocorrendo dentro do grupo era um cerceamento e desqualificação dos “companheiros” que questionavam as orientações de Martins, taxando-os de pequenos burgueses. A POLOP estaria se tornando uma seita, presa ao passado de “vanguarda ideológica”, educadora da massa, que não cabia mais naquele momento. Além disso, a organização não estaria, em sua visão, assumindo seus erros, a exemplo do caso dos “comitês de empresa”, que mesmo terem se mostrado ineficientes, continuavam sendo uma bandeira da organização. Enfim, no documento há uma crítica à vaidade e à falta de conhecimento da realidade dos “intelectuais da revolução”, na pessoa de Ernesto Martins. O ponto central deste documento é a análise e diferenciação do que seria a “vanguarda 327 DANIEL.op.cit.pp.26. 328 SALES. op.cit.pp.191. 104 ideológica” e a “vanguarda política”. A primeira trata do que seria a POLOP naquele momento, como afirma Machado, em que os “socialistas de cátedra” ficariam na doutrinação da classe operária esperando que, através de seus ensinamentos. A fim de que esta se conscientizasse de seu papel revolucionário e se insurgisse. Para o autor, essa idéia já estava ultrapassada naquele momento. Urgia, a formação de uma “vanguarda política”, essa sim, no entender de Machado, realmente responsável por desencadear a revolução. Era chegado o momento de tomada de atitude, e “era preciso apresentar às massas uma perspectiva imediata de ação”329. Antes do golpe seria possível ser vanguarda ideológica sem ser política. Depois do golpe, com a maior radicalização das esquerdas, era necessário que o movimento operário saísse da “inércia”. O significado da defesa da luta armada para Machado seria a educação da classe operária através da prática. Neste ínterim, em setembro de 1967, ocorreu o IV Congresso para a discussão do Programa Socialista para o Brasil, cuja discussão central era a luta armada: Enquanto alguns achavam insuficientes os preparativos efetivos para o desencadeamento da guerrilha, outras defendiam a necessidade do trabalho junto aos sindicatos, abandonando o projeto guerrilheiro. No final, por motivos diferentes, um número grande de militantes era contrário a adoção do Programa socialista para o Brasil, apresentado pela direção. Contra o projeto, na interpretação de Eder Sader, havia uma proposta de libertação nacional, por parte do grupo do Rio de Janeiro e outra voltada para uma revolução democrático-burguesa, oriunda de militantes de Minas Gerais 330 . Uma outra questão que permeava a discussão dizia respeito à OLAS, ocorrida em agosto. O grupo de São Paulo “recém ganho pelo foquismo”, apresentou um conjunto de teses “que se limitavam a transcrever as posições da OLAS, logrando com isso aglutinar as outras tendências de oposição”331: A reunião da POLOP que resultou no racha aconteceu no Rio, no final de 1967. Apesar de tudo, foi uma discussão bem humorada. O médico Apolo Heringer Lisboa, líder estudantil em Belo Horizonte, sugeriu que mandássemos à direção da POLOP um telegrama bem sintético: “Olas, bolas”. A idéia inicial era pegar dinheiro e armas para fazer guerrilha e tudo ficaria fácil, uma verdadeira maravilha 332. 329 Vanguarda política e vanguarda ideológica. 12 de agosto de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 207. 330 SALES.op.cit. pp. 193. 331 Idem. 332 VIANA. op.cit.pp.46. 105 Este clima de não hostilidade entre POLOP e dissidências também foi relatado por Leovegildo Leal em sua entrevista. Este militante não aderiu à proposta da luta armada, vindo a integrar posteriormente o Partido Operário Comunista (POC) 333 . Vale ressaltar que não foram encontrados indícios de que o grupo que optou pelo COLINA tenha brigado com os demais. Na reunião da cisão não teria havido “baixaria, desvio pequeno burguês, fofoca, acusações” ou insinuações maldosas acerca da sexualidade de militantes, ao contrário do que aconteceria nos outros congressos. 334 O Programa socialista para o Brasil 335 foi a resolução definitiva do IV Congresso. Sales analisa o resultado da votação final do IV Congresso como “revelador do enfraquecimento do poder da direção do POLOP”. Os defensores desse programa venceram por 16 votos a 14: “A estreita margem foi o primeiro passo para as cisões que a organização viria a sofrer nos meses seguintes. Neste caso, a influência do foquismo no debate interno é inegável”336. Os pontos principais que norteariam a POLOP a partir daquele momento estão contidos no programa. A análise do capitalismo estagnado no Brasil, a necessidade de se formar o partido do proletariado para a instalação da ditadura do proletariado, a proposta de criação de uma frente de trabalhadores da cidade e do campo, a formação dos “comitês de fábrica”, e a proposta da adesão de setores militares das baixas camadas. Para os militantes da organização, o governo dos trabalhadores seria de transição. O que se pode notar no documento é que há apontamentos mais radicais nas propostas da POLOP, uma vez que há o reconhecimento da guerrilha como forma de luta na formação de uma “Frente de esquerda revolucionária”. 333 Partido Operário Comunista, que apesar da sigla possuía muitos estudantes e Intelectuais. Era uma espécie de contInuação da POLOP. Quase nada havia de operária. Eram críticos à luta armada Inicialmente, contudo com o passar do tempo acabaram se envolvendo em algumas ações. Cf.GORENDER. 1987.pp.129; REIS FILHO.1989.pp.49; RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: UNESP, 1993.pp.117. 334 Entrevista de Leovegildo Leal, já citada. 335 Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. op.cit.pp. 89- 116. 336 SALES. op.cit.pp.193. 106 “O fato consumado da guerrilha elevará o nível da luta, apressará a unificação das forças da esquerda revolucionária e a constituição do partido revolucionário da classe operária”337. Este programa apresentava uma certa abertura, em tese, às novas idéias radicais dentro da organização, mesmo que não houvesse total apoio a elas. A resposta dos dissidentes a esse programa foi imediata. III.3 – COMANDOS DE LIBERTAÇÃO NACIONAL Datado da mesma época que o Programa, a Carta aberta aos revolucionários representava o resultado das divergências e mostrava a que viria esta nova organização. Vale destacar que no IV Congresso a POLOP de Minas Gerais tinha o maior número de delegados 338 , e Apolo Lisboa estima que 90% da POLOP de Minas tenha participado da formação do COLINA 339 . Para os revolucionários rompidos, a POLOP reproduzia um discurso europeu que não cabia na realidade da luta brasileira. Acreditavam também que a POLOP se considerava como “vanguarda ideológica”, porém tinham falsas concepções e repetiam “frases feitas”. Outra crítica que os dissidentes fizeram referia-se ao fato de a direção da POLOP acreditar que era necessário educar a classe operária com a utilização de “artifícios de propaganda” para incutir-lhes a consciência socialista. Veremos, contudo, que esta mesma estratégia será defendida, posteriormente, pelo COLINA. O ponto alto do documento e que marca bem a posição defendida (mas não efetivada) até o fim da organização, é a parte na qual se aborda a questão da luta armada como “forma fundamental de luta de classes na atual conjuntura – que terá que ser centralizada no campo, sob forma de guerra de guerrilhas”340, conseqüentemente promovendo uma organização da classe operária, com orientações claras para a derrubada do regime. Guido Rocha, um dos mais antigos militantes da POLOP e que participou da formação do COLINA acredita que, naquele momento, o problema da POLOP estava em 337 Idem. pp.116. 338 VIANA. op.cit.pp.45. 339 Entrevista de Apolo Lisboa a James Green, já citada. 340 Carta aberta aos revolucionários. Setembro de 1967. Acervo DOPS/MG no Arquivo Publico Mineiro. Rolo 2 Pasta 16 sub 2. Imagem: 13. 107 discutir problemas táticos de luta, quando a questão era política. Segundo o entrevistado, seu questionamento era “luta armada pra quê, pra conquistar o quê?”341. Ele chegou a apoiar a luta armada, mas em defesa de uma Assembléia Constituinte (pois o problema, em seu entendimento, estava no âmbito da legitimação do poder). Para tal objetivo era preciso uma preparação para o ingresso nesta forma de luta, não a sua deflagração sem projetos. Herbert Daniel afirmou que os cuidados iniciais seriam os de justificar a pecha de “esquerda armada”, pois seriam uma “esquerda armada de espírito crítico”. Haveria boa vontade e vontade de criticar o bom senso espiritual da esquerda “falida” diante das armas inimigas: Para se embrenhar numa guerra exige-se bem mais que projetos, análises firmeza, ousadia, hinos e um pouco de poesia. É necessária tecnologia, recursos materiais de difícil manipulação 342 . Logo após o rompimento com a POLOP, em Minas, aventou-se a idéia da formação de um Comando Nacional, juntamente com São Paulo e Rio de Janeiro (Guanabara), de forma a sistematizar as ações destes grupos. Tal comando seria “fruto da unidade de diversos grupos organizados em torno de princípios ideológicos de uma linha política e de uma prática revolucionária visando dar ao povo brasileiro uma alternativa real de libertação”343. O que se propunha era um balanço crítico das organizações presentes em cada estado, de forma que pudessem encontrar convergências. Em São Paulo analisaram duas organizações: a POLOP e o MNR. Ponto negativo nestas seria a ausência de uma política passível de aplicação às massas urbanas e uma grande centralização de função nas mãos de alguns, o que prejudicaria o trabalho em grupo, produzindo maior individualismo. As análises feitas para as organizações da Guanabara apontaram para afinidades com a organização de Minas. Houve a união de forças da então “Ó pontinho” com outros revolucionários da Dissidência Pecebista Guanabara (DI-GB), visando fortalecer e homogeneizar a oposição armada ao regime. Apesar desta aliança, o agrupamento de Minas tinha críticas a fazer a tal grupo quanto à sua origem estudantil, o que os tornaria muito 341 Entrevista de Guido Rocha a Maria Elisa Borges. Fita 2 , lado B. pp 18. 342 DANIEL. op.cit.pp.17. 343 Informe Nacional. Acervo DOPS/MG. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3. 108 imediatistas e sem estratégias políticas. Já Minas, em sua própria análise, deixou clara a sua opção pelas armas e a necessidade de se organizar em células para a formação de uma organização político-militar, preparada para a ação, tendo em vista o seu caráter militarista e o afastamento das massas 344 . A nova organização, em principio, assinou como “os revolucionários que rompem com a POLOP”345, seriam conhecidos mais tarde como “Ó pontinho” (seria uma espécie de abreviação de “Organização”), ou simplesmente, Organização. O nome COLINA - Comandos de Libertação Nacional - como “grife”, como diz Jorge Nahas, surgiu somente em 1968, após o início das ações. Há controvérsias nos depoimentos acerca da origem do nome, pois diversos militantes reivindicam seu “batismo”. Apolo Heringer diz que “este nome fui eu quem sugeri no Congresso do racha”346 . Já Maria José Nahas relata outra versão: Quando a gente, já na luta armada, [...] discutíamos qual seria o nome da organização, se seria COLINA – Comando de Libertação Nacional, se seria VAR-Palmares – Vanguarda Armada Revolucionária Palmares. Tinha um outro nome que a gente vivia discutindo. MORENA. A gente discutia os nomes possíveis para a gente, mas aí nós fizemos um assalto na cidade industrial, era uma greve na cidade industrial. Teve tomada de exército e o Ângelo fez um manifesto falando que era possível resistir, mesmo estando na cidade industrial tomada por exercito 347 . Herbert Daniel pontuou que não seria bom para uma organização assinar como “racha da POLOP”, exceto para paródia: “Mas a gente se levava a sério, uai”. A grande discussão no momento do “racha da POLOP” era a respeito do caráter da revolução neste pais, cujo maior herói não tem nenhum: uma parte – minoritária – queria definir a revolução como uma “luta de libertação nacional”; outros definiam como já diretamente socialista (...) Decidiram batizar com o nome de “Comandos”, no plural, até que a organização escolhesse um título definitivo. Neste momento quando se comunicaria o nome para reivindicar o passado de glórias para o COLINA 348 . 344 Informe Nacional. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 3. 345 Carta aberta aos revolucionários. Acervo DOPS/MG. Rolo 2 Pasta 16 sub 2 Imagem 14. 346 Entrevista de Apolo HerInger a James Green, já citada. 347 Entrevista de Maria José Nahas, já citada. 348 DANIEL. op.cit.pp.48. 109 “Comandos” também pode ser entendido em razão de sua estrutura interna, ou seja, a divisão por células ou núcleos. Existiam as células de expropriação, sabotagem, inteligência, de levantamento de área e a célula urbana, que englobava o trabalho junto ao movimento operário e estudantil 349 . Na análise de Fernando Pimentel, a organização do grupo era bastante exemplar, pois existiam células, mas havia um comando. No caso deste militante, responsável pelo setor estudantil, coordenava células existentes em cada escola ou faculdade, estrutura que não existia na Vanguarda Popular Revolucionária, onde foi militar depois. A VPR era composta por comandantes regionais, o que dificultava o acesso a estes líderes 350 . Dentro desta estrutura verticalizada, seus dirigentes reafirmaram que a função da “coordenação era coordenar”, logo, cada representante de célula deveria resolver os seus problemas internamente e desenvolver trabalhos específicos de cada área. Tratava-se de um modo de evitar levar problemas para a direção central, que poderiam ser solucionados em outras esferas. Cabia à coordenação manter sob seu controle o conjunto das células, para que a organização agisse em harmonia para o objetivo final, sendo que cada um deveria fazer sua parte com responsabilidade: O militante se compromete com determinada linha, com a revolução, com o povo, portanto: 1) A falta de assistência (do CN) não é empecilho para uma boa militância e nem para a firmação de um bom nível político; 2) Quando o CN faltar, os militantes devem: a) procurar saber, nos próximos contatos, a razão deste afastamento, exigindo explicação do CN; b) manter o mesmo ritmo de trabalho e discussões; c) desenvolver técnica apropriada para se manter a par dos acontecimentos; 3) [isto se constitui] em uma crítica a célula estudantil, que não se preocupou ate hoje em dar autonomia às células; 4) Estas medidas estão enquadradas numa planificação global do comando urbano, no sentido de desenvolver nos militantes o sentido de responsabilidade própria em época de clandestinidade 351 . A seção fluminense do grupo teria tido uma atuação considerável no meio estudantil secundarista, ainda que sejam acusados de, ao contrário de Minas, ter uma 349 Anexo 2, com a listagem dos Integrantes de cada célula. 350 Entrevista de Fernando Pimentel a Marcelo Ridenti, já citada. 351 Informações. 24/11/1968. Pasta 0016{5}. Imagem: 0043. Acervo DOPS/MG. 110 “falsa” representatividade, segundo José Mauricio Gradel, representante do COLINA no ME do Rio de Janeiro. A “falsa” representatividade, segundo justifica, ocorreria em função da existência de uma célula composta apenas por ele e por mais uma amiga, mas que teria exercido grande influência junto ao movimento estudantil. Segundo Gradel, o número de militantes daquele estado era bem reduzido, comparando ao mineiro. Outra diferença entre os núcleos dizia respeito às discussões, sendo que Minas conseguia manter dentro do possível o debate político e os cursos de doutrinação, o que não ocorreria no Rio de Janeiro. Quem desenvolvia este tipo de sociabilização através dos encontros e debates era a Dissidência da Guanabara – DI/GB352. A composição básica dos militantes do COLINA era de estudantes universitários. Daniel Reis Filho afirma que houve um choque de gerações. A nova leva de militantes que surgiu era composta por jovens sem experiência de direção, sem tradição alguma de militância, e com pouca capacidade de coesão. Após o golpe e o fracasso da esquerda, os mais velhos teriam perdido o prestígio, enquanto os novos estavam longe de adquirir a representatividade dos primeiros militantes de antes de 64 353 . O COLINA refletia esta realidade, conforme podemos perceber através das sentenças judiciais. Dos indiciados, 16 têm menos de 25 anos (cerca de 60%), e apenas 4 têm mais de 30 anos (cerca de 15%) 354 . Além disto, nos depoimentos encontramos referências às questões das diferenças de idade, seja na referência feita por Maria José ao Beto (Carlos Alberto Soares), que todos admiravam e “que era o mais velho da turma, tinha 24 anos” 355 ou na análise de Irani Campos que, ao entrar para o COLINA, tinha pelo menos cinco anos a mais que a maioria. Para Irani esta diferença de idade fazia muita diferença no modo de militar: Não viveram 1964 como eu vivi. Então, a experiência acaba valendo. Você não pode negar que ela é importantíssima na militância da gente. Depois disso, veio o golpe militar, (...) eu já tinha participado da luta pela legalidade em 1961, para garantir a posse do Jango. 356 352 Entrevista de José Maurício Gradel à autora em 29/01/2009. 353 REIS FILHO. 1989. op.cit. pp.52. 354 Sentença do Grupo COLINA. Rolo 1: Pasta 15: Imagem 2415. Acervo DOPS/MG. 355 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 02/04/2005. 356 Entrevista de Irani Campos concedida a autora em 17/01/2006. 111 Herbert Daniel ironiza a questão de geração, ao comentar sobre o processo de mudança de status ou categoria: após a primeira ação, o militante já se tornava um veterano: “Pude constatar que a bala efetivamente sai do cano para a frente, em linha reta, assim que o indicador espreme o gatilho. Depois desta experiência passei imediatamente a ser veterano. Esta era uma das vantagens naqueles dias...”357 Três legados da POLOP fizeram do COLINA uma organização diferente das demais: o CEM, o Piquete, e a discussão interna, que elevava a capacidade de elaboração teórica do grupo. Para o desenvolvimento do trabalho no meio estudantil universitário, o CEM fornecia o suporte necessário para a manutenção dos quadros. Sobre a discussão interna, analisou Fernando Pimentel: “O COLINA, embora com características político- militares, ela tinha um clima interno muito propício ao debate, à polêmica, pois eram quadros estudantis”358. Esta composição oriunda da medicina foi um fator decisivo para se implementar o “esquema médico”. Tal esquema consistia na participação de médicos que viviam legalmente, não estavam militando na organização, porém, estavam dispostos a ajudar. Desta forma, podiam ser contatados em caso de emergência para atender dentro dos aparelhos ou ficar de plantão quando algum quadro precisasse ir ao pronto-socorro 359 . Por serem estes militantes “brancos, jovens, estudantes, naturalmente oriundos das classes médias 360” passavam situações incômodas quando a teoria e a prática militante se mostravam antagônicas. Por mais que se discutisse a respeito dessa união, este “mal estar” persistia e se mostrava mais evidente quando dizia respeito a ter que trabalhar junto aos operários. A documentação referente à prática desta militância mostra uma visão bastante lúcida quanto às dificuldades a serem enfrentadas pelos estudantes no meio operário 361 . Cientes do total desconhecimento da causa, realidade e passado de lutas operárias, propunham-se a formulação uma teoria mais ligada às lutas concretas do proletariado. A 357 DANIEL. op.cit.pp.17. 358 Entrevista de Fernando Pimentel à Marcelo Ridenti. Acervo Luta Armada contra a Ditadura/AEL UNICAMP. 359 PAIVA,Mauricio. O sonho exilado. Rio de janeiro: Mauad, 2004. pp.63; Entrevista Apolo Lisboa concedida à autora em 01/04/2005. 360 PAIVA. op.cit.pp.75. 361 Aspectos práticos do trabalho operário. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub: 5 Imagem 34 . 112 divulgação de uma literatura de denúncia (em parte suprida pelo Piquete), foi um modo de agir apropriado a uma forma que não fosse muito distante da realidade destes trabalhadores. Os militantes do ME, preocupados em romper esta barreira e angariar novos quadros para a causa, propuseram trancar suas matrículas nas universidades de modo a se inserirem mais concretamente na realidade destes trabalhadores, no entanto, este tipo de ação não foi levada a cabo pelos militantes. O relato de Maria José Nahas ilustra a dificuldade destes estudantes de classe média de se adaptarem ao meio operário: “Eu me lembro que eu me sentia muito sem jeito, muito sem jeito, que eu era aquela filha de médico do interior e indo pelos bairros operários, não é? Não tinha nada a ver uma coisa com a outra. Eu me sentia muito sem jeito com isso”362. Teoricamente, a origem do militante não seria de muita importância em primeiro momento, porém, os pequeno-burgueses deveriam ter preparação política maior e treinamento físico mais completo, como se fosse para se redimir da “culpa” de sua origem. Além disso, deveriam ser conscientes da vida guerrilheira: o trabalho de arar, plantar, colher, transportar os mantimentos, além de possuírem, é claro, conhecimentos militares como o manejo de armas, preparação de explosivos, compreensão política de segredos militares etc 363 . Por melhores que fossem as intenções dos universitários em apoiar os operários, a junção dos dois movimentos teria poucas possibilidades de êxito. Era óbvio que a composição social dos universitários redundava na defesa de interesses que lhe eram próprios. Sabiam da capacidade de mobilização e radicalização estudantil, porém não conseguiam se unir ao movimento operário, mesmo compartilhando um objetivo comum: combater o regime e fazer a revolução. Assim como o ME tinha perspectivas próprias, o MO também as possuía e isto causava atritos. Seria um erro uni-las, e os próprios militantes estavam cientes disto 364 . Imperava o discurso em defesa dos operários, todavia, dentro da própria organização, havia uma certa distinção entre os “intelectuais” e os que tinham origem sindical. O depoimento de Irani Campos é bem claro neste aspecto: 362 Entrevista de Maria José Nahas já citada, em 2003. 363 Concepção da luta revolucionária. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp.158. 364“Aspectos práticos do trabalho operário”. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub: 5 Imagem 34 113 Era muito difícil, porque obviamente, uma grande quantidade do pessoal do movimento estudantil eles eram, na maioria, inexperientes. (...) Não tinham experiência no movimento sindical, operário.(...) E a gente tinha divergências, (...) a gente sentia a diferença, mas não trazia prejuízo individual nenhum pra mim, nem para o movimento nem nada, mas eu sei de muitos companheiros que tiveram muita dificuldade. Muito mais dificuldade do que eu. Porque eu me lembro de um fato que mostra essa diferença, um companheiro nosso foi chamado de marginal porque era cantador de samba.(...) dentro do COLINA. Eu era militante do COLINA. Todos dois. E o pior que isto se deu na cadeia. Alguém tava cantando lá e um militante que era muito intelectualizado achava que beber cachaça e cantar samba era coisa de marginal. Aí você vê. Tem esses problemas, às vezes a gente tinha (...) Jamais um trabalhador militante, como eu e tantos outros ia ter uma visão dessa. 365 A restrição feita pelos intelectuais aos “outros” não é, de forma alguma, via de mão única, ou seja, os próprios guerrilheiros enxergavam os “intelectuais” como pessoas incapazes para a prática da luta revolucionária. Para os integrantes dos “comandos” a crítica fazia coro à que foi feita por Machado anteriormente, o intelectual se compromete com a teoria e, não raras vezes, contradiz com a prática do cotidiano da luta. É um “instrumento de auto-afirmação”366, que abre espaço para oportunistas. Conforme afirma Jorge Nahas, o COLINA não conseguiu trazer os “grandes intelectuais” da POLOP, mas trouxe, pelo menos, os quadros mais politizados 367 . Quando do surgimento da organização, muitas foram as críticas aos “intelectuais da POLOP”, contudo, com a luta armada, não haveria mais tempo a perder com este tipo de discussão 368 . O que se questionava em relação ao trabalho junto ao operariado no momento da cisão era a questão dos “comitês de empresa”, defendidos pela POLOP em seu programa de 1967 369 . O grupo COLINA discordava desta perspectiva. Primeiramente, porque bem ou mal, os sindicatos estavam legais e ofereciam maiores condições de mobilização da grande massa mesmo não sindicalizada. O erro na teoria do “comitê” estaria na má preparação dos quadros militantes destinados ao MO e ainda na diferença, mais uma vez, entre teoria e 365 Entrevista de Irani campos concedida a autora em 17/01/2006. 366 “Concepção da luta revolucionária”. IN: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 159. 367 A mesma Informação pode ser encontrada no livro de Alfredo Sirkis, quando se refere à formação da VPR: “Era um pessoal meio militarista e pouco politizado, mas havia, também, gente politicamente sólida, vInda do COLINA”. Cf: SIRKIS, Alfredo. Os carbonários.Global: São Paulo, 1981. pp.121 368 Entrevista Jorge Nahas em 06/01/2006. 369 Programa socialista para o Brasil. setembro de 1967. In: REIS FILHO & SÁ. op.cit.pp. 109. 114 prática. O “comitê” não deveria ser um substituto do sindicato em seu papel de representante da classe, mas sim um instrumento de propaganda que auxiliaria o desempenho deste e que o teriam como ponto de referência 370 . Em suma, para o COLINA, as características dos “comitês” ou e qualquer outro órgão que organizasse os trabalhadores em seu local de emprego, seriam órgãos de delegação direta de representação operária, órgãos de defesa efetiva de trabalhadores quando mediassem conflitos de caráter imediato com patrões, órgão educativo e politizante, para a formação de quadros para o futuro partido dos trabalhadores (vanguarda). A inserção do COLINA no meio operário antes da deflagração da greve foi desta forma descrita por Maria José: Nós, estudantes de medicina, íamos ao que é o Riacho das Pedras – era um bairro operário que estava começando. A gente ia lá. . . Nós pegamos uma escola. No domingo ia um grupo de estudantes de medicina fazer consulta lá. Outro grupo ia fazer levantamento para ajudar. O levantamento era para ver quem era operário, quem trabalhava onde, qual era a fábrica. Com estas coisas a gente fez o mapa da mina, quem era as pessoas interessantes para trabalhar, não sei o que. O interessante é que, nisso nós detectamos uma epidemia de varíola. Aí, nós conseguimos vacina, vacinamos, a gente conseguia remédios, amostra no laboratório, foi muito gozado. A gente ia nas casas levar Piquete. Tinha dois grupos que faziam este trabalho [...], duas células. Acabei ficando. Tentava-se o seguinte, a aproximação seria por esta via ? Aí tinha uma outra célula que ia às casas, conversava com os operários, com a família dos operários, tinha um outro grupo que ia fazer agitação na porta de fábrica. Estava procurando caminho 371 . Tiveram certa participação nas greves de Contagem do ano de 1968. Ocorreu naquela cidade um crescimento desordenado em torno do Parque Industrial ali construído. Desde o inicio foi uma região permeada de tensões na relação entre cidade/trabalhadores/patrões, sendo, às vezes, causadas por questões externas. Muitos militantes acreditavam ser possível a mudança destes problemas e trouxeram a si a responsabilidade de ajudar na resolução das contradições. “Muita gente estava convencida de que deveria dar aos operários aquilo que eles não possuíam cientificamente – uma 370 Cf: Diretrizes para o trabalho operário.Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 4 Imagem 25. 371 Entrevista de Maria José Nahas em 2003, já citada. 115 explicação cientifica da realidade capitalista” 372. Desta forma, ajudariam a despertar a consciência da necessidade da sociedade socialista. Dentre os grupos que freqüentavam o parque com este escopo, estavam militantes da POLOP e depois do COLINA. Assim como o episódio conhecido como “Massacre de Ipatinga”, em 1963 e anos mais tarde, as paralizações de fins da década de 1970, em Minas, a greve de abril de 1968 não foi esquecida. De acordo com Franscisco Weffort, sua relevância vem da permanência na memória, na medida em que “sugeriu formas alternativas de orientação e organização do movimento operário”373. A greve iniciou-se em 16 de abril, no interior da Cia. Siderúrgica Belgo Mineira, parando 1.600 operários. As adesões foram aumentando, chegando a 21 mil operários parados, mesmo e apesar do aumento da repressão e das ameaças de intervenção. Contudo, a greve não se sustentou, no dia 26 deste mesmo mês os últimos trabalhadores voltaram ao trabalho, sob forte ameaça de demissão. Há quem afirme que o movimento começou de maneira “espontânea”, por iniciativa dos próprios funcionários. Contudo, esta hipótese é descartada por militantes das três principais organizações que atuaram no período: COLINA, CORRENTE 374 e AP. De acordo com Vital Nolasco, da AP: A greve de abril de 1968 foi apenas em certo sentido espontânea (...), pois houve durante este período um trabalho prévio de conscientização e organização dos trabalhadores. Já estava sendo preparada pela esquerda sindical (...) Ou seja, não surgiu do nada 375 . Para Otavino Oliveira, a greve começou por iniciativa dos militantes do COLINA, que possuía influência na Belgo Mineira, disseminada principalmente por meio do panfleto 372 PAULA, Delsy Golçalves. No labirinto das Minas: A modernidade postergada. Dissertação de Mestrado. UFMG, 1994. pp.79. 373 WEFFORT, Francisco. Participação e conflito Industrial: Contegem e Osasco, 1968. http://www.cebrap.org.br/imagens/Arquivos/Introducao_weffort.pdf em 09/04/2009. 374 A CORRENTE surgiu em Minas e com a mesma duração e proposta de revolução armada que o COLINA, todavia, sua origem remonta o PCB. O grande orientador estratégico militar da CORRENTE foi Carlos Marighella. O guerrilheiro, ao regressar da Conferência da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) adotou uma postura revolucionária, que foi adotada pela organização mIneira. A partir de 1968, o grupo Intensifica a preparação de seus militantes para a luta armada, que se realizaria aInda no mesmo ano. AInda em 1968, o grupo divulga o documento “Orientação básica para atuação: 20 pontos”, como uma carta de estratégia para luta armada revolucionária. Durante algum tempo a repressão não soube distinguir as duas organizações.Cf. VITRAL.Thiago. Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estado de MInas Gerais (1967-1969). Monografia de Bacharelado em História. PUCMG, 2008. 375 Entrevista de Vital Nolasco a Augusto Buonicore na revista Debate Sindical. n.28.1998. 116 O Piquete, distribuído sistematicamente no meio sindical 376 . Destaque nesta greve, como bem aponta Augusto Buonicore, diz respeito à resposta violenta por parte dos operários à ação também violenta da polícia. Sua tese é de que foi visível que os métodos de luta dos operários “foram contaminados pela concepção militarista que já predominava em várias correntes que atuavam naquele movimento”377. A segunda greve ocorrida em outubro havia sido planejada desde 1967, pois o intuito era de coincidir com a campanha salarial. Em função da greve anterior, houve uma alteração nos planos: A Cidade Industrial foi paralisada e as fábricas ocupadas. Os operários da Mannesman mantiveram a diretoria presa como refém dos grevistas (...) Com a fábrica cercada por tropas da polícia, negociamos a libertação da diretoria da empresa em troca de não haver repressão aos ocupantes. Mas, a ocupação não se sustentou ficando restrita apenas à oficina central. A repressão ocupou a fábrica expulsou os operários que ainda resistiam e prendeu as principais lideranças 378 . Com o novo fracasso, o sindicato sofreu intervenção. Em O Piquete foram divulgadas as conclusões: houve falta de planejamento: a greve não obteve sucesso por ter sido uma atitude precipitada. A culpa seria “dos apressados que quiseram fazer a greve no peito”. Não obstante, fazem questão de reconhecer a validade da grande adesão de operários. Seria necessário, a partir de então, organizar todas ações clandestinamente, até mesmo como forma de evitar que “dedos-duros” boicotassem os planos379. A partir das análises acima elaboradas, fica evidente a contradição existe entre o que se apreende da documentação produzida pelo COLINA, na qual a revolução é pregada em caráter e urgência, e uma constante crítica aos “apressados” que não saberiam aguardar as condições adequadas para a deflagração da greve. 376 Entrevista de OtavIno citado por Augusto Buonicore. De acordo com os relatos dos militantes do COLINA, para a autora, a participação destes na greve ocorreu tão somente na distribuição do Piquete. Não deram mais Informações. 377 BUONICORE, Augusto. As greves de 1968. s.n.t. 378 Entrevista de Vital Nolasco, já citada. 379 Sobre a participação do COLINA na greve: RIDENTI. op.cit. pp.178-179; Entrevistas: Apolo Lisboa em 01/01/2005; PIQUETE . Ano 3, nº 94, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0188. PIQUETE . Ano 3, nº 92, 17/10/1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0190; PIQUETE . Ano 3, nº 93, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0192. 117 Em uma perspectiva mais radical relacionada ao trabalho operário, afirmavam que, para derrotar as forças imperialistas, a única saída seria a violência: “para consolidar o socialismo, tendo como fim ultimo o comunismo, torna-se necessário levar a efeito a implantação da ditadura do proletariado em cada país libertado”380. Em balanço geral acerca das greves, afirma um ex-militante da CORRENTE: Nas duas (greves), em termos de grupos de esquerda, eu acredito que a principal importância era da Corrente neste processo. Mas tinha outros grupos, particularmente a AP, o que restou do Partidão, e a POLOP, que já estava dividida. Já tinha a COLINA que era mais estudantil e tinha pouca influência no meio operário 381 . Jorge Nahas relata que o COLINA tinha “um pezinho” nos movimentos legais de massa (ME e o MO), mas já a partir das primeiras prisões do grupo e da ida para a clandestinidade, este trabalho teve que ser deixado de lado 382 . Na realidade, não era proposta de grupos guerrilheiros o desenvolvimento de trabalho com as massas. Teoricamente, para a guerrilha, o trabalho deveria ser feito junto aos camponeses. No entanto, como já discutido, havia uma real dificuldade das classes médias em compreender as necessidades da classe operária e mais, da compreensão da vida no campo. Desta forma, em relação à proposta de guerrilha, percebemos que este grupo “importou” de modo relativo o modelo de resistência cubana, para fazer sua da revolução de caráter anti-imperialista e anti-latifundiária 383 , sendo o foco guerrilheiro sua estratégia de ação para a tão sonhada tomada de poder e implantação do socialismo. Estariam convictos de “que um exército só se destrói com outro exército”384. Através do foco guerrilheiro se formaria o exército popular revolucionário, cujo embrião seriam os próprios guerrilheiros, que acabariam com o inimigo e construiriam um poder novo, revolucionário 385 . Do mesmo modo surgiria o homem novo após a revolução. Como afirmava Guevara, “a mais 380 “Projeto de Programa”. Pasta 0026{2}. Imagem:0048. Acervo DOPS/MG – APM 381 Entrevista de Gilney Viana a Otávio Luis Machado em 30/01/2004. Projeto: A Corrente Revolucionária em MInas Gerais/UFOP. 382 Entrevista de Jorge Nahas concedida a autora em 06/01/2006. 383 Caráter a revolução brasileira. Contribuição de MInas. Acervo DOPS/MG-APM. Rolo 2: Pasta 16: sub 17 Imagem 198. 384 Concepção da luta revolucionária. In: REIS FILHO & SÁ. op. cit.. pp. 51. 385 Projeto de Programa. Pasta 0026{2}. Imagem:0050. Acervo DOPS/MG. 118 importante ambição revolucionária é libertar o homem da sua alienação”386. Tal teoria sugeria a formação de uma força móvel estratégica para a execução da guerrilha que consistia no envio de quadros para uma região de difícil acesso para as forças policiais e políticas, responsáveis por reprimir as ações da esquerda revolucionária. Ou seja, o campo, o “elo fraco da cadeia”, onde o nível de politização é menor e cuja escolha do local não se dava em termos aleatórios, e sim como o resultado de meses de pesquisa e de conhecimento sobre a região. O setor de levantamento de áreas desta organização esteve na região do Caparaó, passando por cidades do Espírito Santo – cujas condições de implantação do foco foram consideradas não apropriadas, em função da vegetação e de serem muito povoadas. Após esta viagem, fizeram outra na região Oeste do Paraná, sendo esta considerada uma possibilidade, e por fim, foram ao Mato Grosso analisar a região perto de Cuiabá 387 . Mas como os demais grupos guerrilheiros, o COLINA se propunha a fazer guerrilha rural, contudo, também como os demais (à exceção do PC do B no Araguaia), fez exclusivamente guerrilha urbana. Talvez por falta de experiência ou por sua pouca duração. As ações armadas tiveram início na segunda metade de 1968. A conclusão de Jorge Nahas acerca do caráter foquista da organização é: Nos não podemos dizer que a COLINA seja uma organização estritamente foquista, mas no fundo era. Digo que ela não era estritamente foquista porque não abandonamos o movimento de massa. Nós achávamos que uma organização teria que ter uma guerrilha, mas teria que ter as ligações com o movimento de massa (...). No sentido estrito a COLINA não era foquista, mas sua concepção final era 388 . Em tese, a guerrilha urbana serviria apenas para angariar fundos para a implantação da guerrilha rural e a ajuda aos integrantes que estavam na clandestinidade, uma vez que o dinheiro doado por simpatizantes à causa era insuficiente. Promoveram furtos de carros e armas para as ações que foram poucas, mas de importante repercussão. O modelo de luta guerrilheira adotado pelo COLINA não era comum à toda nova esquerda, como já se viu. A proposta de revolução da Ação Popular (AP) baseava-se na concentração e politização dos trabalhadores e negava a guerrilha como estratégia. O 386 LOWY, Michel. O pensamento de Che Guevara. São Paulo: Expressão Popular, 2002. pp.52. 387 Depoimento de Erwin Duarte. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 388 Entevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti, já citada. 119 argumento forte do COLINA em oposição à AP está no fato de que os primeiros fariam o trabalho de massa antes do desencadeamento da luta armada, quando, no final do trabalho, teriam promovido a adesão dos trabalhadores ao Partido de Vanguarda. Já a AP geraria o próprio Partido. A crítica ao modelo da AP ainda ia além, pois um trabalho político aberto com as massas, fatalmente atrairia a repressão para os locais de articulação e os inutilizaria 389 . Outra importante discussão em relação aos grupos armados diz respeito à democracia. Neste ponto identificamos duas vertentes: a) o discurso democrático como forma de alcançar o poder; e b) a democracia como política interna dos grupos. No que diz respeito ao primeiro ponto, o caminho da democracia para os revolucionários seria o um meio de alcançar o poder. O partido de vanguarda, que baseado neste discurso de participação ampla, conduziria as massas rumo ao novo governo revolucionário provisório, a ser composto por todas as forças sociais que participassem da revolução. Tal proposta é um avanço à idéia de ditadura do proletariado, pois incluiria mesmo as classes sociais que ainda não possuíssem uma consciência socialista: A instalação de um governo provisório é a alternativa ao governo das classes dominantes e se sustentará em uma base social mais ampla do que a ditadura do proletariado. Caberá a classe operária a hegemonia do novo governo, capaz de executar transformações radicais (...) preparando a transição ao socialismo (...) apoiado nas grandes massas e no Exército Revolucionário forjado na luta armada 390 . Dentre os planos do novo governo estariam: a dissolução das forças armadas e de todo o “aparelho de repressão” das classes dominantes, para posteriormente ser institucionalizado o exército popular e as milícias; haveria o confisco e a nacionalização imediata das “propriedades imperialistas”; a anulação da dívida externa e a implementação do monopólio estatal no setor dos transportes 391 . Tratavam-se, em sua maioria, de medidas contrárias aos princípios liberais baseados na idéia de respeito à liberdade e à propriedade, inviabilizando o conceito burguês de democracia. A noção de democracia para o COLINA 389 Concepção da luta revolucionária. In: REIS FILHO & SÁ. op. cit. pp. 146. 390 O caráter da revolução brasileira. Rolo 2. Pasta 16. Sub-pasta 17. Imagem 197. DOPS/MG. 391 Idem. 120 é classista, pois fala da imposição da vontade da maioria dos trabalhadores sobre a minoria dos exploradores 392 . É explicita a visão da luta de classes nos documentos. Referindo-se à segunda discussão, qual seja, a da democracia dentro da organização, Apolo Heringer Lisboa afirma que “a democracia interna era, na medida do possível, subordinada à disciplina militar. Não tinha outro jeito também não”393. As organizações armadas se auto–nomearam a vanguarda revolucionária. As diferenciações entre a vanguarda (elite) e o “resto” podem ser citadas em três dimensões, sendo elas: a maior valorização do saber teórico e científico em relação à prática; a existência de revolucionários profissionais que traziam a “verdade” aos demais e, finalmente, do caráter indispensável de seu papel político para “iluminar” o proletariado394. Por estas características fica evidente o caráter pouco democrático dessas organizações, tratava-se de uma concepção inteiramente leninista. Lênin já pregava a necessidade de haver no partido chefes “dignos desse nome”, que deveria ser formado por “representantes de uma determinada classe capazes de pensar – a elaborar os conhecimentos e a experiência necessários e, além destes, a sagacidade política exata para resolver as questões políticas complexas”395. Atentava para a importância do apoio das massas à vanguarda. Mesmo cientes disso, os militantes armados não conseguiram desenvolver um trabalho eficiente junto a elas, em primeiro lugar porque a proposta de luta era baseada em uma ideologia militarista, foquista e, na seqüência, com o aumento da repressão, a tendência destas organizações foi o maior isolamento. Na perspectiva de Jorge Nahas, o COLINA não possuía uma estrutura leninista no sentido de organização operária, apesar de extremamente centralizado: Tínhamos uma concepção de partido, de quadros profissionais, muito desenvolvido (...) Não éramos leninistas no sentido da concepção da luta proletária (...) Não apostávamos no crescimento do movimento de massas para a organização de um partido revolucionário 396 . 392 Conteúdo e forma do governo revolucionário. Acervo DOPS/MG. Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 17: Imagem 0197. 393 Entrevista de Apolo Lisboa concedida a autora em 01/04/2005. 394 REIS FILHO.1986. pp.30. 395 LENIN, W.I.Esquerdismo Doença Infantil do comunismo.São Paulo: Símbolo, 1978.pp.75. 396 Entrevista de Jorge Nahas a Marcelo Ridenti, já citada. 121 Daniel Aarão Reis é bem enfático na questão: “Neste período de militarismo mais exacerbado, a democracia não existe, mas isso é uma coisa assumida por todos”397. No âmbito da estratégia da “tensão máxima”, ou seja, do controle muitas vezes psicológico da direção da organização, para que não houvesse desertores, Jorge Nahas também afirma que a direção do COLINA exigiu muito dos companheiros que estavam presos para não falarem. Os que falaram foram fortemente estigmatizados 398 . O que deveria existir eram os sentimentos de extrema responsabilidade com a luta, compromisso com a militância e a dívida moral com os que morreram. Não se poderia abandonar a luta em virtude de outros que deram a vida por ela. Talvez um ponto que ajude a explicar a “tensão” e que endossa os apontamentos de Reis Filho a seu respeito, seja a vaidade militante (complexo da dívida, leque das virtudes, massacre das tarefas e celebração da autoridade, ambivalência das orientações e a síndrome da traição). 399 Uma vez analisados os aspectos teóricos do grupo, expusemos e analisamos as (poucas) ações praticadas por estes. A primeira ação efetivamente realizada pelo COLINA consubstanciou-se em um dos maiores equívocos históricos da esquerda brasileira, qual seja, o assassinado de Edward Ernest Tito Otto Maximilian Von Westernhagen, major do exército alemão, em 1º de Julho de 1968. Edward foi confundido com Gary Prado, identificado como assassino de Che Guevara. Sabendo que Gary Prado estaria no Rio de Janeiro, Severino Colou, João Lucas Alves, ambos militares que integravam a organização, decidiram executá-lo. Na concepção destes guerrilheiros a ação seria, sem dúvida, importante meio de divulgação sobre a organização. Para o desenvolvimento da ação convidaram Amílcar Baiardi, especializado em guerrilhas latino-americanas, quem ficaria responsável por escrever a carta que seria publicada após o assassinato, e que foi destruída logo após a percepção do engano. Quando abriram a pasta do executado, viram os documentos em alemão e fizeram um pacto de não contar nada, nem mesmo aos companheiros. Segundo Baiardi, a carta terminava da seguinte forma: "Um ano e pouco depois, o Comando de Libertação Nacional, em nome dos 397 RIDENTI. op.cit. pp.262. 398 Entrevista Jorge Nahas já citada. 399 REIS FILHO.1989.pp.118-135. 122 oprimidos de todo o mundo, vinga o assassinato de Che Guevara". O segredo apenas teria sido revelado em 1998. 400 Outra ação. Planejaram um assalto para 23 de agosto de 1968, ao jeep da Secretaria da Fazenda, que tinha como destino a cidade de Guanhães. Fardados, graças a ajuda do ex- militar Antonio Mattos, interceptaram o carro, mas por um desencontro de informações, o dinheiro não estava lá 401 . A terceira ação ocorreu em 28 deste mesmo mês, em assalto ao Banco do Comércio e da Industria, na avenida Pedro II, importante corredor de passagem de Belo Horizonte 402 . Os militares começaram a perceber que não se tratava de assalto praticado por marginais. No mês de outubro, três significativas ações. No dia 04, um assalto ao Banco do Brasil na Cidade Industrial em que, após a ação, foram jogados panfletos assinados pelo grupo. A importância dessa ação é que, provavelmente, foi o primeiro assalto assumidamente de cunho político do país e foi a mise en scène do COLINA para a sociedade 403. Foi quando surgiu a “loura”, a militante que tomou o imaginário sobre a militante feminina, como já discutido. No dia 18 do referido mês, atacaram com bombas caseiras a casa do então delegado do trabalho Onésimo Viana e a casa do interventor do sindicato dos metalúrgicos, fiação e tecelagem e bancários, Humberto Porto. De acordo com o panfleto jogado na casa de Humberto, tal ação teria sido um protesto contra a intervenção nos sindicatos, a prisão de alguns líderes da greve, e a demissão em massa de trabalhadores com vários anos de trabalho dentro da empresa, sem direito à indenização. Segundo o Piquete, chegou a mais de 200, o numero de metalúrgicos despedidos com mais de 10 anos de trabalho 404 . Esta ação foi bem sucedida e realmente conseguiu dar mais visibilidade ao grupo, levando a própria polícia a reconhecer o quanto havia sido “bem 400 Entrevista com Amílcar Baiardi em 09/10/2007. Está disponível on-lIne no endereço: http://www.estadao.com.br/Internacional/not_Int62274,0.htm 401 Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381; Entrevista de Maria José Nahas em 11/01/2003; Entrevista de Irani Campos em 17/01/2006; “Toda a verdade sobre os assaltos”. Jornal Estado de Minas. 30 de maio de 1969. 402 Toda a verdade sobre os assaltos. Estado de Minas. 30 de maio de 1969; Relatório referente ao COLINA. Acervo DOPS/MG - APM. Rolo 1: Pasta 15. Imagem 2381 403Entrevista Maria José Nahas em 11/01/2003; DANIEL.op.cit.pp.18; “Toda a verdade sobre os assaltos”. Estado de Minas. 30 de maio de 1969. 404 Cf. Panfleto assInado pelo grupo COLINA jogado em 18/10/1968. Acervo pessoal Elza Correa da Silva Porto; PIQUETE . Ano 3, nº 93, 1968. Acervo DOPS/MG – APM Rolo 2: Pasta 16: Sub-pasta 12. Imagem 0192. “Terroristas explodem casa de Interventor”. Última Hora. 19/10/1968. 123 executada”405. É preciso relativizar, contudo, o que se caracterizaria como uma ação “bem executada”, uma vez que a primeira bomba atingiu uma vidraça e a segunda apenas tirou uma lasca do muro. A polícia superestimou o inimigo como forma de justificar suas retaliações. De toda forma, Elza Porto, viúva do interventor, relembra o atentado: Eram duas horas da manhã (...). Acordei, lembro que corri para a sala (...) eles jogaram a bomba em cima do muro. Talvez, a gente supunha, que estas pessoas que jogaram a bomba lá em casa tenham ido la para ver como era e não tinham percebido que tinha cachorro. Senão, não iam fazer a bobeira de gastar uma bomba em cima do muro e quebrar uma lasquinha. (...) Meu marido saiu lá fora e viu aqueles panfletos do COLINA. No panfleto diziam que meu marido era pelego do governo, essas coisas que sempre se deu no terrorismo 406 . Ainda em 1968 houve uma tentativa frustrada de assalto ao Banco do Estado da Guanabara, em conjunto com militantes daquele estado 407 . Com o AI-5 tornou-se evidente para os guerrilheiros que a luta se tornaria ainda mais difícil, em função da repressão que ainda estaria por vir. Em um documento datado de janeiro de 1969, o Comando Nacional afirmou que a tendência a partir daquele momento seria a de maior autonomia das células, promovendo uma descentralização na estrutura da organização. Lembramos que o CN do COLINA pertencia quase em sua totalidade ao setor armado, e estavam dispostos a aumentar suas ações. Frente a isto, destacaram dois métodos a serem utilizados: a sabotagem e o terrorismo. Como já discutido no primeiro capítulo, referimo-nos a terrorismo, quando falamos de violência revolucionária, na qual existe uma discriminação do alvo: O terrorismo (...) deve ser fundamentalmente o justiçamento ou o amedrontamento dos carrascos declarados do povo brasileiro. (...) Estes métodos de luta devem ser utilizados em determinadas circunstâncias, após aprofundadas discussões e como resposta a determinadas situações políticas, assim como no cumprimento de deveres da solidariedade internacional 408 . 405 “Onésimo Viana tem proteção policial”. Estado de MInas. 22/10/1968. 406 Entrevista de Elza Porto à autora em 2002. 407 “Toda a verdade sobre os assaltos” Estado de MInas. 30/05/1969; “Organização subversiva que agia em MInas é descoberta”. Jornal do Brasil. 30/05/1969. pp. 12. 408 Sabotagem e terrorismo. Janeiro de 1969. Pasta: 0016 {9}. Imagem. 0105. Acervo DOPS/MG. 124 Assim, em 14 de janeiro de 1969, na cidade de Sabará, que ocorreu o ultimo assalto do núcleo dirigente do COLINA. O comando armado se dirigiu para a cidade a fim de assaltar os bancos Lavoura e Mercantil. O assalto foi bem sucedido. Somente Ângelo Pezzuti e Erwin Duarte foram presos nesse mesmo dia. Carmela Pezzuti nos relata como a repressão conseguiu chegar a Ângelo: E aí, em Sabará eles conseguiram passar, não foi ninguém preso mas eles, naquela euforia de ter passado (...), o Ângelo (...) não tinha aquela capacidade de ver que tava em perigo, não tinha limitação, eu acho que não tinha, porque o Ângelo veio daquela passagem.Ele sabia que a polícia sabia. Sabe onde ele deixou o carro? Deixou na porta do Palácio! Deixou na porta do Palácio, e quando ele saiu, ele deixou a marca da digital dele. Ele já estava na clandestinidade, os outros não estavam na clandestinidade ainda. E ele deixou a marca da digital dele e deixou na porta do Palácio. Então foi preso. (...) Ele já estava na clandestinidade então não morava com os outros. Ele morava numa casa sozinho 409 . Com a prisão dos dois militantes, armaram um plano de segurança da organização e outro que levaria a cabo o resgate de Ângelo. Este havia combinado com os demais que, caso fosse preso, ele “abriria um ponto” com um suposto dirigente da organização, em local, dia e hora previamente determinados. Os outros companheiros iriam ficar emboscados nas imediações. Desta forma, quando Ângelo caísse no chão, estava dado o sinal para que pudessem atirar nos policiais e ele seria resgatado 410 . Esta ação cinematográfica não chegou a ocorrer, pois dois dias antes, Bráulio (codinome), foi preso em uma emboscada da polícia. A história da emboscada foi relatada por Mauricio Paiva. Os militantes resolveram sair do “aparelho” por questões de segurança e decidiram também se desfazer de um carro que usavam para ações da organização. Encarregaram Bráulio de ir a uma agencia de automóveis para realizar a negociação, uma vez que o carro possuía documentação legal. Antes de Bráulio sair, foi advertido de que não era para pechinchar o preço, mas sim aceitar a oferta e ir embora 411 . Isto não aconteceu. Além de pechinchar, inventou uma história que 409 Entrevista de Carmela Pezzuti concedida à autora em 28/03/2005. 410 PAIVA. op.cit.pp.35 411 Como afirma Mauricio Paiva, o alerta ao companheiro não era gratuito, pois Bráulio quase os colocou em uma situação difícil ao pechinchar uma propIna solicitada pelo policial em uma barreira em Petrópolis. Cf. PAIVA. pp.34. 125 não convenceu o vendedor. Este último, orientado pela polícia, pagou-lhe com um cheque sem fundos, obrigando Bráulio a retornar dias depois, e neste dia os homens da Delegacia de Furtos e Roubos o esperavam e ele foi preso. Tudo aconteceu apenas 48 horas antes da data marcada para salvar Ângelo 412 . Pensaram, logicamente, que Bráulio não entregaria os “aparelhos”, ou, caso isso acontecesse, entregaria os dois abandonados. Não foi o que ocorreu. E a combinação deles, que era em 24 ou 48 horas, caísse um dos participantes do grupo Colina eles esvaziariam a casa e o aparelho, então o Bráulio foi preso e agüentou a tortura até vencer o prazo, aí ele abriu o endereço (do aparelho de São Geraldo) 413 . O que ficou mais conhecido foi o do bairro São Geraldo, onde foram presos os 7 principais integrantes do COLINA em Minas, na madrugada de 29 de janeiro de 1969. Lá estavam Jorge Nahas, Maria José Nahas, Murilo Pinto, Júlio Bittencourt, Nilo Sérgio Menezes, Afonso Celso Lana Leite e Mauricio Paiva. Neste local foram encontradas metralhadoras Thompson, que causaram espanto aos policiais, pois nem mesmo o sistema de segurança pública e de repressão possuía armas dessa categoria. Nesta ação houve tiroteio e um policial morreu. O militante Mauricio Paiva levou um tiro na perna, sendo que posteriormente todos foram encostados na parede e passaram por uma simulação de fuzilamento. O fato não se consumou porque o delegado Luiz Soares da Rocha 414 temeu pelas conseqüências do ato e o impediu. Mesmo assim permaneceram amarrados um ao outro pelo pescoço por um fio de arame, enquanto sofriam espancamentos e ameaças. Em seguida foram levados para o DOPS. O COLINA foi o primeiro grupo armado a ser desmantelado após o AI-5. Começou para seus integrantes a fase da prisão, torturas e exílios que só terminaria, para muitos, em 1979, após a promulgação da anistia 415 . Os militantes remanescentes do COLINA se deslocaram, em sua maioria, parte para o Rio de Janeiro, e parte para o Rio Grande do Sul. Maria do Carmo Brito lembra que ficou 412 PAIVA. 413 Júlio Bittencourt, que era um dos participantes da Colina, foi levar o recado. E eles falaram: “Não. Nós não vamos desocupar a casa agora. Vamos esperar o amanhecer. Você dorme aqui”. E ficaram na casa. Então, abriu o endereço da casa e aí a policia foi lá. E houve o tiroteio. Entrevista de Angela Pezzuti a James Green. Já citada. 414 Delegado e um dos torturadores citados na Carta de Linhares e no projeto Brasil: nunca mais. 415 Sobre a prisão: Cf. Depoimentos já citados de Maria José Nahas, Jorge Nahas, Carmela Pezzuti; Documento de Linhares datado de dezembro de 1969. Cedido por Maria José Nahas; PAIVA. op. cit. pp.35 ; PAIVA, Mauricio. Companheira Carmela. Rio de Janeiro, Amuad, 1996. 126 responsável por “dispersar” os militantes, inclusive Fernando Pimentel, que havia sido enviado para o sul, e que dela recebia livros para que se distraísse 416 . O grupo COLINA teve seu fim em abril, no Congresso de fundação da Var- Palmares, uma vez que poucos remanescentes daqui se uniram a poucos discordantes da VPR 417 . III. 4 – AS DENÚNCIAS CONTRA A DITADURA A Penitenciária Regional José Edson Cavalieri foi inaugurada em 1966 com presos vindos de Belo Horizonte. Ficou conhecida por Penitenciária de Linhares por causa da sua localização – o bairro de Linhares - na cidade de Juiz de Fora. A recepção de presos políticos começou em 1967 com militantes presos na guerrilha do Caparaó, contudo, somente em 1969 é que chegaram os primeiros integrantes da guerrilha urbana, integrantes do COLINA e da CORRENTE. De acordo com a pesquisadora Flávia Ribeiro, Linhares seria uma instituição de reclusão e de transição, onde não havia tortura física, como ocorria em outros locais. Era o local em que os presos aguardavam julgamento. Levando em conta a expressão utilizada pelos presos na época, “sair do inferno e cair no purgatório” ou seja, ao sair do local onde se interrogava (torturava) e ser levado para esta penitenciaria, lá seria o purgatório 418 . De acordo com a agente penitenciária B., sua ida para Linhares foi para trabalhar exclusivamente com presas políticas a partir de 1969. A experiência e o convívio com as militantes teriam sido muito bons para a sua formação: Porque eu era nova, né? Era menina pobre, eu nunca tive esse convívio, então eu achei muito bom pra mim. Eu cresci muito com isso também, viu? Além de pobre, meu pai era militar, a gente era criado assim [quis dizer algo como rígido] né? Então foi muito bom. Eu tinha colega que tinha esse medo (das militantes “terroristas”) e até falava muito comigo.(...) Eu me dava bem com elas porque eu não participava dos assuntos, mas ouvia tudo e não passava. Porque tinha aquela coisa, né? De não poder comentar as coisas que você ouvia e tudo 419 . 416 Entrevista de Maria do Carmo Brito a autora, já citada. 417 Idem. 418 Cf: RIBEIRO, Flávia F. LInhares: Resistência e repressão num presídio na ditadura militar. IN: ANAIS do IV Encontro Regional Sudeste de História Oral: História, Cultura e Poder. Juiz de Fora. 2005. 419 Entrevista com ex-agente concedida a autora em 02/04/2005. 127 Contou ainda que aprendeu a fazer tapetes arraiolo com as detentas, e que quando elas conquistaram o direito de receber as visitas dos namorados (não eram visitas íntimas), agia discretamente, fingia que não via o que acontecia e não prestava atenção nos assuntos. Rindo diz: “Pra quê? Eu sabia o quê que era”. Mas esta proximidade tinha um preço. As dificuldades apareciam quando as presas eram torturadas. Não só as acompanhava para a sessão de tortura em outros locais, como cuidava delas depois do suplício: (...) Ela foi torturada no DOPS, eles arrancaram o mamilo dela a dentada. Eles torturavam tanto que eles chegavam na penitenciaria (...) era um prédio velho , onde eu trabalhei tinham duas banheiras. A gente tinha que pôr elas na água com sal.(...) E eles tiravam da penitenciaria, levavam pra torturar e voltava 420 . A rotina da penitenciaria foi descrita por Maria José Nahas: Tem horário pra tudo. Bate o sininho lá (...) Tinha o refeitório, você entra lá no refeitório e depois entre o horário do café da manhã e o horário para sair para o banho de sol, era o horário da higiene. Você tomava banho, lavava roupa, não sei o quê, limpava a cela. Era nesse horário.(...) A gente acabou tecendo uma rede de vôlei, a gente ficava jogando vôlei até a hora do almoço. Na hora do almoço entrava outra vez para o refeitório, depois do refeitório, cela. Eu não sei se era uma ou duas horas, aí na hora do lanche, voltava para o refeitório outra vez e aí a gente não saía mais no pátio.(...) Ficava no refeitório até a hora do jantar. Depois do jantar, recolhia para a cela. Na cadeia eu lia muito e tinha mais, por exemplo, lá em Linhares eu pedi à Yonne Grossi para fazer um esquema para a gente estudar história do Brasil. Então, nesse período a gente tinha uma hora por dia e uma outra coisa política nesse horário que era higiene, a gente estudava todo o dia, uma hora. A gente estudava, a gente estava fazendo um esquema de estudar, sabe? E trabalho manual. (...) Aquela colcha que estava na minha cama, com exceção da Carmela, que não bordou, todas as outras presas políticas fizeram um crochê 421 . Em dezembro de 1969, mesmo mês em que a revista Veja publicou uma edição cujo tema de capa era “Tortura”422, foi escrito na penitenciária de Linhares, por alguns dos 420 Refere-se à ex-professora da PUC/MG, Yonne Grossi. 421 Entrevista da Maria José Nahas em 02/04/2005 422 Com o aumento das denuncias às violações de direitos humanos no Brasil propagadas no exterior, “especularam os funcionários norte-americanos, o governo Médici realmente reagiria favoravelmente às críticas domésticas e estrangeiras e determInaria a cessação dos Interrogatórios violentos. Os jornais e revistas brasileiros começaram a Informar sobre o tema. A revista Veja pulicou com destaque duas reportagens sobre 128 militantes do COLINA, o primeiro documento de denúncia sobre as torturas escrito por presos. Este manuscrito, divulgado no ano seguinte no exterior, ficou conhecido como “carta de Linhares”, e relata tanto a trajetória do grupo da “casa do São Geraldo” pelos locais de tortura desde a noite em que foram presos (29 de janeiro de 1969), quanto as torturas sofridas por outros militantes de diferentes organizações, que tiveram contato em algum momento com esses integrantes. No documento constam os nomes dos torturadores atuantes, principalmente na cidade de Belo Horizonte, sendo os mais citados: Luis Soares da Rocha, Lara Rezende, Mário Candido da Rocha, José Pereira, José Reis. Também apontam os locais onde ocorriam as torturas: Delegacia de Vigilância Social – DVS, onde funcionava o DOPS; Delegacia de furtos e roubos; 12 RI e na Polícia do Exército no estado da Guanabara, assim como a descrição de alguns dos métodos utilizados: o pau-de-arara; hidráulica; choque elétrico; e palmatória 423 . Mais do que uma mera citação de nomes e técnicas, o documento contém uma reflexão consistente sobre o lugar ocupado pela tortura na ditadura militar brasileira, seu caráter institucional dentro do regime, em função da larga escala em que foi praticada, e pela legitimação deste caráter, por meio das aulas de tortura ministradas para sargentos das três forças. Nessas aulas eram ensinados os métodos acima citados, quando eram mostrados por meio de slides e por vezes, aplicados ao vivo, utilizando-se de presos-cobaias 424 . Consta no projeto Brasil: Nunca Mais, organizado sob orientação de D. Evaristo Arns 425 , que Ângelo Pezzuti, Mauricio Paiva, Afonso Celso, Murilo Pinto, Pedro Paulo Bretas, integrantes do COLINA, serviram de cobaias para a aplicação da tortura como “método torturas. A primeira deu a notícia da nova posição atribuída ao governo no tocante à violência, com a capa em vermelho vivo e uma manchete em letras grandes que anunciava: “O Presidente não permitirá tortura”. O texto Interno que se equilibrava entre criticar a ditadura e evitar represálias, afirmava que Médici considerava estar controlada a ameaça da guerrilha e prosseguia descrevendo os métodos empregados pela polícia a fim de extrair Informações dos detidos. (...) Foi a acusação pública mais ousada feita ao regime na revista de maior tiragem do país. O governo não suportou duas semanas seguidas de denúncias e Interveio para dar fim a qualquer debate público do assunto em órgãos nacionais de Informação. No entanto, durante aquele curto Intervalo de oportunidade, os prisioneiros políticos e seus defensores chegaram à conclusão de que o momento político era favorável para uma campanha mais agressiva contra a tortura, tanto no Brasil quanto no exterior”. Cf. GREEN, James. Apesar de vocês. Oposição à ditadura brasileira nos Estados Unidos (1964- 1985). Manuscrito. 2008. pp.145-146. 423 Para maiores Informações sobre os métodos cf: Projeto Brasil: Nunca Mais. 424 Cf. Documento de Linhares. Datado de dezembro de 1969. Retirado do Arquivo de Maria José Nahas. 425 Tal Projeto será explicado no próximo capítulo. 129 cientifico” na Policia do Exército na Guanabara. Cerca de cem militares assistiram a essas seções 426 . Em 1974, o diretor grego Costa Gravas lançou o filme Estado de Sítio e em uma das cenas ele reproduziu o que seria uma dessas aulas. Herbert Daniel faz menção ao comentário de Ângelo Pezzuti quanto à dramaticidade da cena: Anos depois, quando o reencontrei, iria me contar que a encenação de Costa Gravas pecava, enquanto documentário, por ter dado um ar severo e dramático à cena. De fato, a lição ocorreu em um clima descontraído de verdadeira classe estudantil, de exercício escolar. Absolutamente desdramatizado. O professor de tortura, um técnico muito bem humorado expunha os torturados (...) como um catedrático de medicina usaria um doente para relatar um caso 427 . Não se tem notícia sobre o paradeiro da carta original. A que foi trazida a público, além de reescrita, continha um anexo manuscrito por Ângelo Pezzuti, esclarecendo os fatos. Segundo Pezzuti, o original foi apreendido pelo diretor da penitenciária de Linhares para ser examinado. Sabendo da existência de tal documento, o major Vicente Teixeira da PMMG (um torturador) foi até Linhares dizer ao diretor que possuía autorização do coronel Ledo – responsável pelos presos políticos – para tirar uma cópia do mesmo. Foi entregue, mas nunca mais foi visto, soube-se depois que o coronel Ledo nunca havia dado tal autorização 428 . Ainda no que diz respeito ao que teria sido o fim do primeiro documento de Linhares, há uma contradição entre o anexo manuscrito de Ângelo Pezzuti e o depoimento de Carmela Pezzuti, que serve para ilustrar questões referentes à confiabilidade das fontes históricas, principalmente a fonte oral 429 . Segundo a entrevistada, o documento foi entregue por Ângelo ao seu pai e na saída teria sido apreendido: Então, para sair, na hora em que ficou pronto, o Ângelo entregou escondido para o pai dele. Quando o pai dele foi visitar. Quando estava passando, o documento foi preso. Tanto que não tem o original. O original deve estar, agora que eles estão queimando as coisas (...) Deve 426 Projeto B Brasil: Nunca mais. Petrópolis: Vozes, 1985. pp.31-33. 427 DANIEL, Herbert. Passagem para o próximo sonho.Rio de Janeiro: CODECRI, 1982.pp.99 428 Manuscrito de Ângelo Pezzuti anexado ao documento de LInhares. Datado de 19 de dezembro de 1969. 429 Cf: VOLDMAN, Danièle. A Invenção do depoimento oral .IN:FERREIRA, Marieta & AMADO, JanaIna.(org.) Usos e abusos da História Oral. Rio de Janeiro, FGV, 2000. pp.247-266. 130 estar lá o original. Aí eles fizeram outro. O primeiro eles prenderam. Prenderam e falaram que iam devolver, mas eles não devolveram 430 . Como esta carta saiu de Linhares? Nenhum dos entrevistados soube responder ao certo. Foram feitas especulações, seja por parte de “algum parente do Ângelo”, ou por parte da “ mãe do Nahas”. De acordo com Ângela Pezzuti431, as suspeitas recaíram sobre ela, o que seria plenamente justificável, dada a articulação que possuía junto aos presos e seus parentes. Ângela respondeu a um processo judicial juntamente com Theofredo, seu ex- cunhado e pai de Ângelo Pezzuti e Murilo Silva, contudo este processo foi em função de outro material que Theofredo entregaria para Ângela, enviado pelos sobrinhos 432 . Mistérios à parte, a importância desse documento é incontestável pelo seu pioneirismo, por seu caráter de denúncia e mais do que isto, segundo as palavras de Jorge Nahas: Eu sei que aquele documento é um relato (... ) Se não me engano, aquilo foi palavra do Angelo Pezzuti. Aquela história do torturador e do torturado. Não é um simples documento de denúncia da tortura. Um documento muito bom, eu acho que foi um dos pontos altos. E ele conclui a finalidade dele, porque ele é bem estruturado, as denúncias são bem circunstanciadas, todo o mundo assinou de próprio punho, foi feito entre nós 433 . Apesar de elaborado, em sua maior parte por Ângelo Pezzuti, após correções e reflexões, o documento foi assinado por cada um dos 12 depoentes: Irani Campos, Ângelo Pezzuti, Pedro Paulo Bretas, Antonio Pereira Matos, Mauricio Vieira Paiva, Afonso Celso 430 Entrevista de Carmela Pezzuti em 28/03/2005 concedida a autora. 431 Entrevista de Ângela Pezzuti em 11/01/2006 concedida a autora. 432 Em abril de 1970 na saída da Penitenciária, Theofredo PInto da Silva é Interrogado por policiais militares e tem seus pertences revistados. O resultado da busca foi a apreensão de um folheto com diversas folhas e escrito à mão, que estava na caixa de isopor dobrado em quatro partes, chamado “Até Sempre 3”. Ângela Pezzuti havia sido advertida sobre os fatos envolvendo os sobrInhos e o pai, mas Insistiu no encontro que estaria limitado “ao conforto espiritual e material que, dizia ela, desejava levar a seus sobrInhos (...)”. No entanto a tia levava consigo jornais camuflados, contendo notícias de Interesse de Ângelo e Murilo, como embalagens de cada ovo da dúzia que carregava. Informações que, aos olhos da Justiça Militar, serviam como “matéria prima para o acirramento do ódio, da veiculação de calúnias e difamações contra as Autoridades, as Forças Armadas (...)”. Cf. RIBEIRO. Flávia. No núcleo da célula comunista: passagem de documentos e repressão na Penitenciária de LInhares. In: Anais do XVIII Encontro Regional de História – O historiador e seu tempo. ANPUH/SP – UNESP/Assis, 24 a 28 de julho de 2006. 433 Entrevista de Jorge Nahas em 06/01/2006. 131 Lana, Murilo Pinto da Silva, Julio Bittencourt, Marco Antonio Meyer, Jose Raimundo de Oliveira, Jorge Nahas e Erwin Rezende Duarte. A divulgação do Documento de Linhares acarretou mudanças dentro da penitenciária: Os presos passaram a se comunicar com as visitas através de um parlatório. O objetivo era evitar o contato entre as partes, para a ditadura, o motivo da difamação do país no exterior, com a passagem de informações. Portanto, para o sistema repressivo a gravidade da situação não figurava nos atos relatados no documento. Mas, ao contrário, na divulgação pública daquele material 434 . Foram os presos e demais perseguidos políticos os primeiros a desmascararem a ditadura perante o mundo, por meio de uma série de documentos que evidenciavam a aplicação da violência junto aos presos políticos do país, a partir de então, reconhecida pela Anistia Internacional 435 . A divulgação das arbitrariedades extrapolou as prisões e fronteiras geográficas, e continuou no exílio. Os exilados, de um modo geral, souberam desconstruir este quadro de desolação ao transformar a dor, o desenraizamento, o medo, o sentimento de derrota e o desalento em capacidade de luta. Como afirma Denise Rollemberg, eles não se queriam vítimas: eram combatentes. 436 Por se configurar em uma trajetória cheia de contradições e percalços, o exílio acabou se tornando um espaço de denúncia contra a ditadura, e um locus privilegiado de ação política de grande eficácia, como testemunha 437 . E é neste cenário externo que analisaremos a atuação de alguns militantes do COLINA e alguns dos meios utilizados para promover a denúncia. Dois de cunho estritamente político, como no caso de Maria Auxiliadora e Carmela Pezzuti, e o terceiro de cunho político-social, como no caso de Herbert Daniel. 434 RIBEIRO. op. cit. pp.8. 435Segundo James Green :“A maioria das pessoas liga a Amnesty International (AI) à campanha global contra a tortura. No entanto, essa entidade manteve silêncio sobre os abusos contra os direitos humanos no Brasil nos primeiros anos do governo militar, em parte porque se tratava de uma organização nova”. Desde seu surgimento evitou de participar da bipolaridade da guerra fria concentrando-se na apuração de denúncias de violações em três regiões: a capitalista, a comunista e as novas nações Independentes na África e Ásia. O Brasil e a América Latina, exceto Cuba, estavam fora da literatura Inicial deste órgão. Cf. GREEN. op.cit. pp. 141. 436 ROLLEMBERG, 2004. pp.39-40. 437 GRECO. op.cit. pp.145. 132 Em 1971, quando os 70 banidos em razão do seqüestro do embaixador suíço Enrico Bucher chegaram ao Chile, os cineastas estadunidenses Saul Landau e Haskell Wexler decidiram ir atrás destes apátridos saber o que estava ocorrendo no país. Como todos os que chegaram naquela ocasião haviam sido torturados, os dois decidiram contar história de alguns deles: “Creio que o principal objetivo em fazer o filme era trazer à atenção do público norte-americano, o fato de que a tortura tinha se transformado em procedimento rotineiro e sistemático no Brasil, e que o governo dos Estados Unidos estava apoiando um regime que se dedicava a esse tipo de atividade. Na verdade, Brazil: A Report on Torture foi o primeiro documentário a registrar testemunhos sobre o uso de tortura contra presos políticos latinoamericanos 438 . O documentário mostra cenas chocantes e reais de torturas reconstituídas pelos próprios banidos. Várias foram as reações dos entrevistados, passando por Frei Tito, que não conseguia olhar para a câmera e relembrar aqueles momentos, à Maria Auxiliadora Barcelos, que se proclama “membro de uma organização revolucionária, fala calmamente olhando diretamente para a câmera, descreve os abusos físicos e sexuais sofridos por algumas das presas, e explica tranqüilamente por que motivo resolvera tomar as armas e defender-se ao ser cercada pela polícia”439. Outra participação de destaque foi de Carmela Pezzuti no Tribunal Bertrand Russell II. A finalidade do Tribunal é julgar e discutir crimes de caráter anticomunista. O primeiro Tribunal ocorreu em 1966, em Londres para analisar os crimes dos Estados Unidos no Vietnã, presidido por Jean Paul Sartre. O segundo foi instaurado “para discutir a repressão no Brasil, Chile e América Latina”, de abril de 1974 a janeiro de 1976, sob a responsabilidade do senador italiano Lelio Basso. Esta iniciativa, segundo Heloísa Greco, “pode ser considerada o ponto de inflexão desta nova fase da luta contra a ditadura desde o exílio, iluminada pela questão dos direitos humanos”. O Tribunal BR II se realizou em três seções - Roma, março/1974; Bruxelas, janeiro/1975; e, de novo, Roma, janeiro/1976. Além do Brasil e do Chile, este Tribunal abrangeu Uruguai, Bolívia, Argentina, Colômbia, Guatemala, Haiti, Nicarágua, Paraguai, Porto Rico e República Dominicana 440 . O Brasil, no 438 LANDAU entrevistado por James Green em 2003. Retirado do manuscrito: GREEN. op.cit.pp.246. 439 GREEN. op.cit. pp.246. 440 GRECO. op.cit.pp.149. 133 entanto, ocupou lugar de destaque por dois motivos: foi de um grupo de exilados brasileiros no Chile que partiu a idéia encaminhada a Lélio Basso ainda em 1972, e posta em prática em 1974; e, o que é essencial, a ditadura brasileira foi apresentada ao mundo não apenas como mais uma das ditaduras do Cone Sul, mas como um referencial, um pólo difusor para toda a América Latina, de modelo que adotava a tortura como política de Estado 441 . Dentre os dez brasileiros chamados para prestar seus depoimentos, destacamos a participação de Carmela Pezzuti: Encerrou suas palavras com o pensamento voltado para os companheiros que, no Brasil e no Chile, ainda passavam por semelhantes horrores que se praticavam nas prisões, conclamando uma efetiva ação de solidariedade a eles e, em particular, à companheira Inês Etienne Romeu, a quem se referiria como um dos casos mais trágicos de tortura no nosso país 442 . Um repórter de uma tv holandesa, responsável por cobrir o evento, teria relatado que “a senhora Pezzuti é o exemplo mais marcante de humildade, coragem e combatividade que eu vi no Tribunal Russell”443. Uma atitude de vanguarda no exílio teve como protagonista Herbert Daniel. Havia em Paris o Grupo de Cultura do Comitê Brasileiro pela Anistia, cuja finalidade era a promoção de debates sobre as artes com os exilados. Artistas que moravam na cidade ou que estavam de passagem pela cidade eram convidados à participar da discussão: Tudo ia bem até que em 1979 o grupo teve uma idéia que, como na velha tradição da vanguarda brasileira, quase rachou o CBA e a colônia: discutir o homossexualismo 444 . Um dos integrantes do grupo foi contra, por considerar o tema não-político, o que abalaria, em sua perspectiva, a credibilidade do CBA. Teve início uma longa discussão sobre o homossexualismo ser ou não um tema político e se esta discussão caberia dentro do CBA. 441 Idem. pp.152. 442 PAIVA, 1996. pp.173. 443 Idem. 444 ROLLEMBERG. 2004.op.cit.pp.224. 134 O episodio ocorrido no final do exílio foi capaz de demonstrar como o homossexualismo ainda chocava parte da esquerda - mais que o feminismo – que preferia ignorá-lo, como haviam feito as organizações políticas até então 445 . O grupo resolveu levar a empreitada de modo autônomo, fora do CBA. Herbert Daniel e seu namorado Cláudio conduziram o evento. O cenário montado no teatro foi o espaço de um banheiro, rodeado de revistas pornôs, em uma alegoria à marginalidade homossexual. Imagens, slides, fotos e vários outros itens que se referisse ao tema foi utilizado com o fundo musical de Roberto Carlos: tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda. O título da noite foi: “Estamos todos no mesmo banheiro”. Esta chamada, mesmo desagradou os mais ortodoxos, porém estes não deixaram de participar. A homossexualidade foi tratada como questão de sexualidade, logo interessava a todos. Herbert Daniel era a prova da existência do guerrilheiro-homossexual “que a mitologia da esquerda insistia em negar”446. O tema, até então tabu, foi debatido. Uma vez apresentados os casos de resistência no exílio, trataremos de outra questão importante, que se refere aos mortos e/ou desaparecidos durante a ditadura militar, que foram integrantes do COLINA. III.5 – OS MORTOS/ DESAPARECIDOS Por fim, faremos algumas referências aos militantes do COLINA que foram mortos e/ou que desapareceram durante a ditadura militar. O desaparecimento de pessoas foi prática integrante do Terrorismo de Estado (TDE). Devido à sua natureza, o crime do desaparecimento de pessoas permite encobrir a identidade de seus autores, iniciando um jogo perverso em que não há culpados, não há cadáveres e os familiares das vítimas perdem seu direito ao luto 447 . Amparados pelos processos indenizatórios, pudemos identificar alguns militantes do COLINA que podem ser enquadrados nestas categorias. O primeiro caso de morte/desaparecimento foi de João Lucas Alves, sargento da Aeronáutica, que havia sido expulso da corporação em 1964, em razão de sua liderança na 445 Idem. 446 Ibdem. O epsódio também pode ser conferido em DANIEL. op.cit.1982. 447 DUSSEL. Haciendo la memoria en el pais de Nunca más. Buenos Aires: EDUEBA, 2008. pp.34. 135 Rebelião dos Sargentos no ano anterior. Membro do comando armado do COLINA, participou de diversas ações tanto em Minas quanto na Guanabara, e esteve envolvido no episódio do atentado ao major alemão. Foi preso e decorridos dois meses da queda do comando central, foi “suicidado” em 06 de março de 1969. 448 O segundo caso refere-se a Severino Vianna Colou, ex -presidente da Associação de Cabos da Guanabara, preso em maio de 1969. Atuava constantemente junto a João Lucas em ambos os estados, inclusive no assassinato mencionado. Sua morte também configura-se em suicídio forjado pelo Exército. Foi encontrado enforcado em suas próprias calças, amarradas na barra da cela 449 . O terceiro caso é o de Carlos Alberto Soares de Freitas. Estudante da FACE, fundador da POLOP e do COLINA. É referência constante nos depoimentos como um líder nato e de fácil convivência. Preso em 1971, já havia se tornado integrante da VAR- Palmares. Inês Etienne Romeu, quando detida em Petrópolis, ouviu de seus carcereiros que Beto, como era conhecido, fora preso e que seria executado 450 . Mas dois casos consubstanciaram-se em suicídios reais. Juarez Guimarães de Brito, fundador da POLOP, do COLINA e da VAR. Seu caso é mais conhecido pelo “pacto de morte” feito com sua esposa, Maria do Carmo Brito. Este pacto consistia-se em: na iminência de prisão, ele a mataria e se mataria em seguida. Ou vice-versa, dependendo da situação.A história do pacto de morte data de 1963, quando Juarez, ao fazer exames de admissão para a Universidade de Goiás, descobriu ter mal de chagas. Ela disse que se ela morresse, ela morreria também. Ao voltarem ao consultório, descobriram que a doença não atingira as funções cardíacas. Se tratava de um estágio especial deste mal. “Mas o pacto, o compromisso, estava lá”451. Em 18 de abril de 1970, após um cerco policial, ele tomou a arma das mãos da companheira e se matou. Maria Auxiliadora Lara Barcelos foi integrante da POLOP e do COLINA. Presa em 1969, também já estava na VAR. Foi muito torturada durante a prisão e foi banida para o Chile juntamente com os outros 69 presos, após o seqüestro do embaixador suíço. Segundo 448 DUSSEL.. pp.92. 449 Idem.pp.95. 450 SECRETARIA ESPECIAL DE DH. Direito à memória e à verdade. 2007. pp.150 451 CARVALHO, Luis. Lia não cumpre o pacto de Morte. In: CARVALHO. op. cit. pp.143. Também pode ser vislumbrado em VIANNA. op.cit. pp.73. 136 relatos, nunca se recuperou completamente do trauma da tortura e suicidou em Berlim em primeiro de junho de 1976. 3.6 – DUAS PEQUENAS HISTÓRIAS DE VIDA A escolha da apresentação destas duas história de vida ocorreu em função da carga simbólica expressa por suas biografias. São duas mulheres referendadas por seus companheiros das organizações que passaram como exemplo de militância e resistência. CARMELA PEZZUTI Carmela Pezzuti tem hoje 83 anos. Seu caso é destoante na militância, pois não iniciou como a maioria, aos 20 anos, mas sim aos 42 anos. Hoje vive reclusa em sua casa, em função do diagnóstico do mal de Alzheimer. Esquece as ações recentes, as pessoas há pouco conhecidas, bem como as lembranças do passado, e as pessoas com quem conviveu. Frases do tipo “eu fiz muita coisa da vida”, ou “eu já estive em um monte de lugares” são sempre repetidas, mas não são acompanhadas das lembranças de fatos ou lugares específicos. Tais informações são muito esporádicas nas conversas que mantém com sua irmã, Ângela Pezzuti, que sempre esteve ao seu lado. A história de Carmela é uma daquelas “ironias do destino”, uma vez que a característica mais marcante da militante Carmela foi o esquecimento e o não-reconhecimento de pessoas, como bem lhe orientou seu filho Ângelo Pezzuti, quando lhe ensinou a militar: “Mamãe, você não fala nada. Não fala um nome, não fala que você é da organização. Fica calada. Não fala nada”. E eu fui com aquela coisa na idéia (sic). Não fala nada, não conhece ninguém. Eu falei assim: “Bom, então eu vou fazer isso”. E quando eu fui presa, eu fui assim. Eu acho que foi um erro, sabe? Quando eu estava sendo interrogada pelo coronel Medeiros, que foi o primeiro interrogatório, ele me mostrou as fotografias das pessoas que tinham sido presas, que eram colegas do Ângelo na universidade. Como é que eu não conhecia eles?”452 Se bem dizem que a vida e a arte às vezes se confundem, foi no escritor russo Máximo Gorky que encontramos uma identificação com a vida desta militante. A 452 Entrevista de Carmela Pezzuti à autora em 18/03/2005. 137 personagem Peláguea Nilovna, assim como Carmela, é a mãe que se envolveu na política em função da militância do(s) filho(s) 453 . Separou-se do marido, envolveu-se com um deputado conservador, ao mesmo tempo em que se engajou na esquerda. Passou por torturas físicas e psicológicas. Carmela, foi trocada pelo embaixador suíço e recomeçou a vida no exterior, separando-se dos filhos e reencontrando-os novamente Morou em diversos países, representou o Brasil no Tribunal Bertrand Russel e perdeu o filho mais velho ainda no exílio. Anistiada, voltou. Recomeçou a vida no Brasil. Perdeu o filho mais novo. Recomeçou a vida... 454 INÊS ETIENNE Inês Etienne Romeu tem 66 anos. Uma das faltas neste trabalho é, sem dúvida, o relato desta militante. Inês ajudou a fundar a POLOP, passou pelo COLINA e foi para a VPR, onde debatia e divergia muito com Carlos Lamarca, líder da VPR. Participou do seqüestro do embaixador suíço, foi presa. Em 1981 ela voltou a Petrópolis e descobriu a casa em que foi mantida em cativeiro dez anos antes, em função do seqüestro 455. A “casa de Petrópolis”, como se tornaria conhecida, teria sido o centro de torturas mais violento que se tem notícia do período militar 456 . Ao que consta, somente Inês saiu viva de lá. Durante os mais de três meses em que ficou reclusa, registrou na memória os codinomes dos seus torturadores, do médico que a atendera, e dos presos políticos que por lá passaram. Certo dia, ouviu alguém falar o número do telefone da casa. Em outro dia, viu no local o dono da casa (que era alugada) e ouviu o nome deste indivíduo 457 . 453 A mãe foi o livro dado por Angelo a Carmela, quando do começo do interesse dela em militar. 454 Sua história foi sistematizada em: PAIVA, Maurício. Companheira Carmela. Rio de Janeiro: MAUAD, 1996. 455 Reconstituição do seqüestro do embaixador suíço. Documento do Exército. Set/71. Pasta 4024. Imagem:0521. Acervo DOPS/MG. 456 Segundo Elio Gaspari, seria um erro chamar a casa de Petrópolis de clandestina, uma vez que o comandante da polícia do Exército sabia de sua existência e chegou, Inclusive, a revelar a Geisel que havia outras instalações no Alto da Boa Vista. O próprio Geisel chamava a casa de “dependência do CIE”. GASPARI, Elio. A ditadura escancarada. Rio de Janeiro: Cia.das Letras, 2002.pp.378. 457 ROMEU, Lúcia. A casa dos horrores e uma denúncia irrefutável. In: MOLICA, Fernando. As dez reportagens que abalaram a ditadura. São Paulo: Record, 2005. pp. 252. 138 Durante sua estada neste local, tentou suicídio por duas vezes, sendo que em uma delas, se jogou embaixo de um ônibus quando fazia um “ponto falso”, ou seja, serviria de isca para que se prendessem outros militantes. A outra ocasião foi relatada da seguinte forma: (...) por conversas ouvidas de madrugada, entre Pardal e Laurindo (torturadores), pressenti que se tramava uma cilada que culminaria com a minha morte. Pardal disse a Laurindo que “logo que ela desça do carro para andar os 200 metros, eu já estarei com o carro em alta velocidade; ela não terá nem tempo de ver o que lhe ocorrerá”. Zé Gomes também comentou comigo: “você cairá dura quando souber o que te aguarda”. Diante de tudo isso, e para não colaborar com a farsa de uma “morte acidental”, cortei os pulsos (na madrugada de domingo para segunda-feira, nove de agosto). Perdi muito sangue e, sentindo que já estava perdendo os sentidos, ocorreu- me a certeza de que deveria lutar pela minha vida, porque tinha esperança de denunciar tudo o que ocorrera e, ainda, todas as coisas que presenciei no inferno em que estava. Assim, gritei por Pardal que, juntamente com os que se encontravam na casa, providenciou os primeiros socorros 458 . Foi atendida por Amílcar Lobo, um dos vários médicos que serviram à repressão 459 . Foi deixada à porta da casa da irmã, em BH no mês de agosto, em estado físico deplorável, contudo, com a memória vigorosa. Redigiu com a ajuda da irmã Geralda, um relatório sobre tudo o que viu, ouviu e viveu na casa. Inclusive, avisou aos amigos, ainda quando internada, que ouvira dos torturadores que cabo Anselmo estava preso e trabalhando para o governo. A notícia chegou aos militantes da VPR que estavam no Chile, banidos após o seqüestro do embaixador suíço. Todavia, em razão da situação em que se encontrava Inês, suas afirmações foram consideradas delírios de uma pessoa insana 460 . Inês descobriu que o dono da casa se chamava Mario Lodders e que possuía outra casa na mesma rua, uma onde morava com a irmã e a outra que cedera para ser o centro clandestino. Inês entrou em contato com a Ordem dos Advogados do Brasil e com a imprensa e combinou a ida àquela cidade no dia 3 de fevereiro. Avisou a estes órgãos que se trataria de uma reportagem sobre denúncias de tortura, contudo, não entrou em detalhes sobre a acusação. Segundo Lucia Romeu, jornalista e irmã de Inês, a “cena foi dramática”. Quando Lodders 458 Pasquim. 12 a 18 de janeiro de 1981. 459 GASPARI.op.cit..pp.378. 460 GASPARI.op.cit.pp. 348; Sobre o Massacre da Chácara São Bento: SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Direito à memória e verdade. 2007.pp.326. 139 chegou em sua casa Inês começou a falar: “O senhor está me reconhecendo? Estive na sua casa durante três meses em 1971, fiquei mantida em cárcere privado, fui submetida a torturas”461 . Face à firmeza com que as palavras foram ditas, o homem não teve como negar, e explicou que emprestou a casa ao ex-interventor da prefeitura de Petrópolis, Fernando Aires da Mota, entre os anos de 1971 e 1978, sendo esse ligado a um grupo paramilitar. Inês também conseguiu identificar e localizar Amílcar Lobo (codinome “Carneiro”). Liderando cerca de 15 pessoas, ela entrou em seu consultório exigindo explicações. Todos haviam passado pelas mãos de Lobo462. Uma vez pessoalmente com o psiquiatra, ele confessou que sempre soube que a casa era local de tortura, contudo, nada podia fazer, pois cumpria ordens. Contou Lobo que não havia prestado serviço militar, todavia, após sua formatura fora convocado pelo Exército. Fez questão de afirmar que não torturava, mas que não sabia o que mandavam injetar em Inês. Tratava-se de pentotal sódico, o “soro da verdade”463. Anos se passaram e em setembro de 2003 Inês foi vítima de uma fratura no crânio que lhe provocou lesão cerebral, deixando-a parcialmente incapacitada. Desde então passou a vier em reclusão, trazida de São Paulo para Belo Horizonte pela irmã Elizabeth. O episódio em que deixou Inês, ex-diretora do Arquivo Público do Estado de São Paulo, outrora militante política, neste estado, até hoje não foi esclarecido 464 . Jarbas Marques, ex- militante do PC do B, foi casado com Inês e afirma que ela teria sido agredida “por agentes da repressão”465. *** O escopo deste capítulo foi reconstruir a história do COLINA a partir da sua precedente, a POLOP, como forma de entendermos algumas de suas características. Com uma curta duração (1967/1969), este grupo manteve, dentro das possibilidades, uma postura de debates e inserção junto aos movimentos de massa. Seus militantes possuíam um nível 461 A Casa dos Horrores. Isto é. 11/02/1981. Acervo Biblioteca FAFICH. 462 A memória do porão. Veja 03/02/1986. Arquivo Ana Lagoa. http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R08521.pdf 463 O Carneiro era o Dr. Lobo. In: MOLICA. op.cit.pp.262-269 464 GONÇALVES, Regis. O repouso da guerreira. Manuscrito. 2008. 465 Cabo Anselmo era agente da CIA e quer desmoralizar Anistia. Entrevista com Jarbas Marques. Jornal Opção. 04/06/2005. 140 intelectual acima da média[o que é isto?], sendo estes, em sua maioria provenientes da POLOP. Pretendiam colocar em funcionamento “o motor da revolução” através do foco guerrilheiro contudo, não conseguiram armar a guerrilha rural, restringindo-se às ações urbanas de pouco impacto. Se auto-denominavam terroristas, talvez como forma de causar algum impacto nas forças de repressão, contudo causou um efeito contrário. Paulatinamente foram isolados e, como os demais grupos, foram desarticulados pelo regime. Após esta fase armada, seus militantes empenharam-se na luta contra as arbitrariedades do regime por meio de denúncias em importantes fóruns de discussão relacionados aos direitos humanos. Esta pesquisa ora apresentada não é, definitivamente, a última palavra sobre este grupo revolucionário e seus integrantes. São apontamentos para novas pesquisas e uma contribuição para a história da esquerda em armas que vem sendo construída ao longo destes últimos 30 anos. 141 CAPITULO IV- VIGILÂNCIA E REIVINDICAÇÃO PELA MEMÓRIA Neste capítulo analisamos parte da disputa pela memória em torno do COLINA e, através desta abordagem, procuramos demonstrar a atualidade do tema da ditadura militar. A disponibilização recente de fontes, como o ORVIL, os arquivos da AESI, abriu novas possibilidades de estudo, contribuindo por um lado para esclarecer a forma de atuação dos órgãos de repressão. Por outro, serve para reforçar a discussão política, na medida em que aumentaram os esforços por parte das vítimas diretas ou indiretas do sistema por eles organizado, na busca por justiça. IV.1 -VIGILÂNCIA SOBRE O COLINA Em abril do ano de 2007, veio à tona uma informação que somente alguns ex- integrantes do Centro de Inteligência do Exército (CIE) sabiam, e que alguns pesquisadores sobre militares haviam “escutado falar”: a existência do projeto ORVIL (“livro”, de trás para frente), evidenciado em quarenta páginas de texto que circulavam pela internet. Até então não se sabia a origem das informações contidas no site, cujo teor das informações e opiniões são anticomunistas, e muito menos que integrava parte de uma empreitada muito maior 466 . Debates na mídia induzem à idéia de que a história da elaboração do que ficou conhecido apenas como o “livro” ORVIL estaria ligada ao projeto Brasil: Nunca Mais,como será discutido adiante. Nessa perspectiva, o ORVIL seria uma “resposta” ao projeto assumido pela Arquidiocese de São Paulo, que resultou também em um livro Um relato para a história: Brasil Numa Mais, lançado em 1985. Esta versão foi divulgada pelo jornalista Lucas Figueiredo, em uma série de reportagens especiais no diário Estado de Minas, imediatamente intitulado de “O livro negro do terrorismo no Brasil”.467 Segundo as reportagens deste jornalista, em 1986, o ministro de Exército do governo de José Sarney, Leônidas Pires Gonçalves, havia dado uma ordem a cerca de 30 oficiais do CIE (Centro de Informações do Exército), para trabalharem de forma sigilosa, 466 Na pagina do grupo de extrema direita: Terrorismo Nunca Mais. www.ternuma.com.br 467 O livro negro do terrorismo no Brasil. Estado de Minas. Reportagem Especial. Abril de 2007 142 no Projeto Orvil, que implicava em um levantamento e análise da atuação das várias organizações de esquerda no Brasil, incluindo ações desencadeadas, vítimas delas resultantes, prisões efetuadas, paradeiros de “subversivos” etc. Tal pesquisa teria sido levada a cabo em dois anos e seus resultados seriam divulgados na forma de um livro. Embora o projeto tenha sido desenvolvido, a sua publicação, por razões políticas, não foi efetivada no prazo proposto, ficando seus resultados circulando entre alguns oficiais da ativa e da reserva. A decisão de Leônidas Pires de não publicar o livro estaria relacionada com o momento político do país, e dos impactos políticos negativos que poderiam acarretar para a própria instituição militar, no momento em que as bases da transição para a democracia ainda não estariam fortemente assentadas. 468 De qualquer maneira, os resultados da pesquisa foram mantidos em uma espécie de “stand by”, como uma arma que ficaria guardada e usada apenas em caso de necessidade. Em uma concepção militar daquele momento, expressa nos próprios dizeres do general Leônidas, contra um possível revanchismo em relação às Forças Armadas, por parte de “quem perdeu a guerra”. “Naquele tempo (em que o livro foi feito) não havia o que acontece agora, um revanchismo sem propósito. (...) No meu período como ministro (1985-1990), não houve nenhum problema essa natureza, essas ‘mães não-sei-do-quê’, Tortura Nunca Mais”.469 Não obstante, em entrevista realizada por Priscila Brandão com um dos principais responsáveis pela investigação e análise sobre as organizações brasileiras de esquerda, que preferiu não ser identificado, afirma que a disputa pela fixação de uma memória sobre a atuação da esquerda no país e o sistema repressivo já havia começado muito antes de se ter conhecimentos sobre o projeto da arquidiocese. Tal afirmação foi corroborada pelo Informe datado de 23 de março de 1984, em que o próprio responsável sugeria a seu superior a elaboração da pesquisa. Ou seja, no período anterior ao indicado pelo jornalista, não se configurando, portanto, em uma reação ao projeto Brasil Nunca Mais, ainda desconhecido dos militares. Vale destacar que tal informe, embora datado de 1984, apenas teria chegado às mãos do novo ministro do Exército, o general Leônidas Pires Gonçalvez, em 1985. Embora possua um arquivo sistematizado (datilografado), contendo “fichamentos” sobre 468 Aqui na pesquisa identificado apenas por N2, pois o ex-agente do CIE pediu para não ser identificado. Este depoimento foi concedido a Priscila Brandão no Rio de Janeiro em 12 de julho de 2007 469 O Livro era uma arma, diz general. Estado de Minas. Reportagem Especial.12 de abril de 2007.pp.4. 143 grande parte da produção biográfica concernente ao tema, naquele período, o depoente não soube dizer se já possuía o livro “Brasil: nunca mais”, ou se ele já havia sido divulgado quando o ministro deu autorização para que a pesquisa fosse efetivada. O jornalista escreveu um livro intitulado Olho por olho, em que sustenta a tese do ORVIL como resposta ao BNM, que como vimos, de acordo com o agente, não é fundamentada 470 . Membro do extinto CIE desde 1983, N2 ingressou na carreira militar em 1962 e havia trabalhado em um dos Destacamentos de Operação Interna (DOI) entre 1975 e 1981, período em que, faz questão de frisar, já havia terminado a luta armada. Segundo seu depoimento, sempre foi um homem da área de análise de informações, e em função de sua experiência, foi convidado para integrar o CIE quando era tenente (também havia se formado em Filosofia pela UERJ). No momento de sua entrada no CIE, justamente em função do término da luta armada, o órgão passaria por um processo de perda de sua função “operacional”, desenvolvendo apenas a capacidade de coleta e análise de informações. (em termos doutrinários, no processo de produção de conhecimento, a coleta se diferencia da busca de dados, essa caracterizado pelo acesso a informações negadas ou protegidas.) Naquele momento funcionaria no CIE, apenas a parte de relacionada à segurança do órgão e à produção de informações/inteligência. Já dentro do CIE, como analista “observador”, atento às publicações do período, teria se alarmado face o número de livros que vinham sendo editados no e sobre o país, que abordavam a questão da violência empreendida pelo governo durante o regime militar. Na concepção do militar, esta leva de publicações faria parte de uma trama da esquerda para desqualificar o regime político implantado e “deslegitimar” a atuação dos militares. Tal literatura, em sua maior parte composta de depoimentos e biografias, seria responsável por fixar uma memória “falsa” sobre a atuação dos militares, que teriam agido sempre em defesa dos interesses democráticos e da ordem. Em resposta ao que foi considerada uma “tentativa de tomada do poder”, teria sugerido a seu chefe imediato, o coronel Agnelo Del Nero, que se elaborasse uma contra-partida aos discursos ora vigentes. Tal sugestão teria sido acatada em 1985 pelo então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalvez. “Isso aqui deve ter ficado como um gérmen na cabeça de algumas pessoas. Quando chegou em 1985, quando o coronel Agnelo Del Nero 470 FIGUEIREDO, Lucas. Olho por olho. Os livros secretos da ditadura. São Paulo:Record, 2009. 144 assumiu a Seção de Análise do CIE, eu mostrei isso aqui [o projeto] para ele. Não sei se ele já tinha vindo com essa idéia ou não, ele assumiu isso aqui. Para fazer um livro. Aí ele levou pro chefe do CIE, que levou pro Ministro e o Leônidas mandou a ordem”471. Desta forma, não podemos mais afirmar que a ordem e a idéia do livro partiram de Leônidas Pires quando ministro em 1986, conforme divulgado pela imprensa em 2007. A idéia de escrever o livro já existia dentro do CIE, como comprovado por documentação pelo entrevistado. - Narrando uma história, construindo uma memória: Como forma de facilitar a compreensão do processo que conduziu à elaboração do documento divulgado na internet em 2007, optamos por narrar a história pela perspectiva elaborada pelo depoente, entendendo-lhe como um fato plausível, mas conscientes do processo de construção de memória ali envolvido. Entendemos que a divulgação de parte desta documentação funcionou como um “nó convocante” da memória, que conduziu à releitura do próprio regime militar e suas ações. Assim que foi autorizada a elaboração da pesquisa, o chefe do CIE reuniu alguns de seus oficiais em busca de idéias, entre as quais N2 destacou a que foi fornecida por membros da Seção de Contra-Informações: haviam proposto a contratação de escritores para organização da pesquisa, que seria realizada pelo setor de informações/inteligência. Por falta de recursos a idéia foi recusada e o chefe do CIE teve que articular a elaboração do livro a partir do material humano de que dispunha, ou seja, de seus analistas. Inicialmente, ainda em meados de 1985, o coronel Agnelo Del Nero adotou a metodologia de dividir as principais organizações comunistas entre os analistas do órgão, e deu um prazo de mais ou menos dois meses para que cada um fizesse a pesquisa e produzisse um documento sobre a determinada organização. Desta forma, por exemplo, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) ficou sob a responsabilidade de um analista, a Aliança Libertadora Nacional (ALN), sob a responsabilidade de outro e assim por diante. N2 relata que produziu um documento muito rápido sobre o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e encaminhou para o coronel Del Nero, que teria gostado 471 Entrevista de N2 à Priscila Brandão em 12 de julho de 2007. 145 muito de seu trabalho. Ao realizar uma análise comparativa, Del Nero percebera o “elevado nível de sua capacidade analítica”. Em função deste seu destaque (em sua concepção o fato de ter cursado filosofia contribuía muito para a sofisticação de suas análises), o coronel optou por repassar-lhe os documentos que estavam sendo produzidos por outros analistas, de modo que o mesmo empreendesse um processo de revisão, verificando se as informações acerca das organizações estariam corretas. De acordo com o depoente, as fontes pesquisadas foram: informes (documento típico da área de informações), informações em relatórios periódicos, documentos das operações propriamente ditas e, “principalmente”, depoimentos coletados durante os interrogatórios. Essa seria a fonte principal, os depoimentos de presos”472. Os problemas na pesquisa logo começaram a aparecer, a exemplo da identificação de militantes assaltando banco, que já estariam mortos na data da ação. Em sua avaliação, os erros ocorriam em virtude da composição heterogênea destes analistas, e não em função da metodologia adotada: Tinha analistas do movimento sindical, do clero, analistas no campo militar, analistas que não sabiam nada das organizações comunistas. Eram analistas que não conheciam o que era organização comunista, que não tinham condições de fazer um trabalho sobre organizações comunistas. Então, essa foi a gota d´àgua, ele mandou suspender o trabalho 473 . Logo, a solução seria que selecionassem sob outros critérios, as pessoas que trabalhariam como analistas dessas organizações. A melhor saída encontrada por Agnelo Del Nero foi designar o próprio N2, especialista em organizações de esquerda armada, responsável por toda a pesquisa acerca das organizações comunistas. Outra decisão tomada foi de dividir o trabalho não mais por organizações, mas por anos. Em janeiro de 1986 teve então, o início do trabalho que levaria o nome de As quatro tentativas de tomada de poder, cuja explicação advém da seguinte perspectiva: O trabalho pendeu para ser cronológico. Então a primeira tentativa [de tomada do poder] era a de 35, a segunda tentativa era a de 63/64, a terceira tentativa era essa da luta armada [67/74], e a quarta tentativa que era essa, trabalho de massa, que tava começando naquela época 84/85. Então, essa 472 Entrevista de N2 a Priscila Brandão, realizada no Rio de Janeiro em 12 de julho de 2007. 473 Entrevista de N2 citada. 146 quarta tentativa abriu as idéias para que nós íamos enfrentar um novo surto de tentativa de tomada do poder. E deram. Não exatamente comunista, mas à esquerda 474 . Para o desenvolvimento de tamanho trabalho, o analista contou com a ajuda de um sargento, responsável por datilografar o que escrevia, além das considerações elaboradas pelo próprio coronel Del Nero, esse já conhecido publicamente como N1. Em função da diferença das redações, optaram por realizar uma padronização das análises, que em última instância, ficavam sob responsabilidade de N2. No entanto, outra divisão de funções havia sido estabelecida entre os dois, Del Nero havia ficado com a incumbência de pesquisar e produzir análises de conjuntura, sobre a política e ações militares dos anos de 1960 e 1970, enquanto N2 desenvolvia seu o estudo sobre as organizações 475 . Bem, o fim desta história já é de conhecimento público. Resultou na citação de mais de 1,7 mil pessoas, desde guerrilheiros, a aristas famosos. A importância deste tipo de documento está na comprovação de que o Exército sempre soube do destino de pelo menos 23 desaparecidos, ao contrário do que têm repetido ao longo de mais de 30 anos. São integrantes do PC do B (Araguaia), MOLIPO, ALN e VPR. Há detalhes sobre mortes, circunstâncias, locais e até mesmo a qual batalhão pertencia determinado assassino. Ao que temos conhecimento, pelo menos por duas vezes o governo brasileiro já havia pedido ao Exército dados sobre mortos e desaparecidos, todavia não que não obteve resposta alguma. A primeira vez ocorreu em 1993, e a segunda entre 1995-1998. O ex- ministro da justiça, Maurício Correa, afirma que os dados fornecidos pelo Exército em 1993 foram evasivos, foram sonegadas informações e que não havia nada de concreto. Os relatórios eram apenas noticias retiradas de jornais 476 . No que diz respeito à pesquisa ora em questão, nos importou mapear a produção de informações sobre o COLINA, presente no ORVIL. Antes, contudo, vale apresentar a estruturação do livro e da lógica nele composta, para explicar o aparecimento da esquerda armada no Brasil. Conforme explicamos, o documento possui uma estrutura cronológica. Está separado por anos. Estes anos compõem recortes temporais maiores, que se configuram 474 Entrevista de N2 já citada. 475 Idem. 476 Omissão de militares pode ser investigada. Reportagem Especial. Estado de Minas.16 de abril de 2007. 147 como as “tentativas de tomada de poder”. Nosso objeto em questão está situado no ano de 1968, que integra o capítulo IV, terceira parte. Ou seja, na parte referente à terceira tentativa de “tomada de poder”, cuja explicação remonta ainda ao “ideário da revolução de março”: A Revolução de 31 de Março de 1964 resultou de uma excepcional reação da sociedade brasileira à corrupção, à subversão, à estagnação econômica, à espiral inflacionária e a insegurança política e social, e cristalizou-se na manutenção do regime democrático 477 . É válido retomar a questão da confusão conceitual existente nos termos revolução e democracia. Neste período da história republicana brasileira há uma verdadeira subversão de sentidos (para ambos os lados). Uma vez absorvidos pela sociedade no sentido descrito pelos militares, estes conceitos inviabilizam a qualificação do período como marcado pelo terror de Estado, conforme discutimos no segundo capítulo. Desta forma, passemos a alguns esclarecimentos. O Ato Institucional N o1, criado pelo “Comando Revolucionário”, desejava que o Congresso votasse uma legislação “anti-subversiva” de emergência, de modo a facilitar a restauração da ordem legal, após a necessária "limpeza", ou seja, a cassação de políticos opositores. De acordo com os organizadores do ORVIL, ao contrário do esperado, o Congresso procedeu como se 1964 não tivesse sido diferente das crises anteriores, e viabilizou um “ato de emergência” próprio. Este procedimento que teria provocado a pronta reação do “Comando Revolucionário” que “praticou seu primeiro ato realmente revolucionário, editando o Ato Institucional n. 1”478. Este seria uma outorga à “Revolução” de poderes para uma rápida transformação no país, mantendo o Legislativo, o Judiciário e a Constituição. Garantiriam, na visão de parte dos militares , as características de uma democracia e não do que seria considerado uma ditadura. Entendemos que na perspectiva dos “comandantes revolucionários”, não se tratavam apenas de depor o presidente João Goulart, e sim, o objetivo central, seria o de 477 Projeto ORVIL. pp. 115. 478 Projeto ORVIL. pp. 117. 148 acabar com a "subversão e a corrupção" e a "infiltração comunista" na administração pública, nos sindicatos, nos meios militares e em todos os setores da vida nacional 479 . Uma vez estabelecido os termos de “legitimação” do regime, a análise exposta no documento refere-se o que seria a gênese na luta armada no Brasil daquele período, relatando as dificuldades encontradas no “restabelecimento da ordem” dentro dos sindicatos e, principalmente, das universidades, considerados “alvos diletos da difusão das idéias comunistas”: Na área educacional as dificuldades foram maiores. Submetidos, havia anos, à intensa propaganda marxista, os estudantes radicais, já apoiados pelo nascente clero progressista, tornaram-se o único pólo de oposição consistente, após a Revolução. Doutrinados pelo PCB, PC do B, PORT, AP e POLOP, já possuíam uma visão de esquerda e os mais politizados estavam a favor da luta armada 480 . Devido a esta “mentalidade radical” explicar-se-ia a dificuldade dos “Revolucionários de Março” em pacificarem o meio estudantil. O núcleo “duro” militar, segundo consta no documento, acreditou que foram vãs as tentativas de obter-se a ordem, dentre os estudantes. Seria pela influência pessoal dos reitores e dos professores que o Movimento Estudantil se acalmaria. Dada a conjuntura internacional em 1968, que influenciou o ME, não seria de se espantar a radicalização dos estudantes brasileiros, que já possuíam diversas opções para convergir suas pretensões, em favor das ações armadas. De acordo com o ORVIL: 479 Composto de 11 artigos, o AI-1 partia do pressuposto que, "a revolução, investia no exercício do Poder Constituinte", ou seja, não procuraria legitimar-se pelo Congresso, muito pelo contrário, seria o Congresso que receberia através do AI-1 sua legitimação. Além de conceder ao comando revolucionário as prerrogativas de cassar mandatos legislativos, suspender direitos políticos pelo prazo de dez anos e deliberar sobre a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que tivessem "atentado" contra a segurança do país, o regime democrático e a probidade da administração pública", o AI-1 determinava em seu artigo 2º que dentro de dois dias seriam realizadas eleições indiretas para a presidência e vice-presidência da República. A data de expiração do ato seria a data para convocação de eleições presidenciais, 31 de janeiro de 1966. O Congresso Nacional tão logo ratificou a escolha feita pelo Comando Supremo da Revolução, e elegeu como presidente da República o general Humberto de Alencar Castelo Branco, antigo chefe do Estado-Maior do Exército e um dos principais articuladores da derrubada de Goulart. Para a vice-presidência foi eleito o civil José Maria Alkmin, deputado federal do Partido Social Democrático (PSD), que fora um dos chefes civis do golpe. Para as informações, cf.: FICO, Carlos. Além do golpe. São Paulo: Record, 2004; LEMOS, Renato. Justiça militar e processo político no Brasil. IN: UFRJ, UFF, CPDOC, APERJ. 1964-2004.40 anos do golpe. Rio de Janeiro. 7 letras, 2004. pp. 282-289; Os Atos Institucionais. IN: CPDOC/FGV. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro. www.cpdoc.fgv.br/dhbb; GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo. Companhia das Letras, 2002. 480 Projeto ORVIL. pp. 126. 149 Das quase duas dezenas de organizações comunistas já existentes ou então formadas, oito foram as mais importantes para o Movimento Estudantil, particularmente, na direção das agitações de rua: a Ação popular, (AP), o Núcleo Marxista-Leninista (NML), a Dissidência da Guanabara (DI/GB), a Dissidência da Dissidência (DDD), o Comando de Libertação Nacional (COLINA), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Ala Marighela (futura ALN) 481 A análise sobre o COLINA parte dos momentos finais da POLOP, em seu IV Congresso. Consta no documento, que a Secretaria Regional da POLOP - Seção Guanabara – teria apresentado um programa que caracterizava a revolução brasileira como sendo de “libertação nacional” e que defendia a estratégia da "guerra prolongada no campo". Liderada por Juarez Guimarães de Brito e sua esposa, Maria do Carmo Brito, essa dissidência carioca viria a juntar-se à dos mineiros, na formação do COLINA. A analise do COLINA começa por seu documento-base, Concepção da luta revolucionária. Não encontramos nesta análise informações por nós desconhecidas. O que pode ser pontualmente ressaltado é o linguajar pejorativo com que foi abordado o aspecto da luta para COLINA, a exemplo do momento em que fazem alusão ao comando urbano, referindo-se ao trabalho junto às massas, por meio do jornaleco Piquete 482 . No mais, também indica uma proposta pretenciosa do COLINA, ao afirmar que este escolheu uma área de mais de 100 mil km2, englobando diversos municípios do Maranhão e Goiás, para a instauração do foco guerrilheiro. Das demais ações, o que se mostra inédito para nós, é a atribuição de assassinato de um civil por dois integrantes deste grupo, após a “expropriação” de um carro no estado da Guanabara483. Em um último parágrafo, bem sucinto, anunciam que o ano de 1969 havia sido crítico para o COLINA, dada a série de prisões e da sua fusão de alguns remanescentes com a VPR, no surgimento da VAR- Palmares. O que se coloca como mais especifico no documento, são as relações estabelecidas entre o COLINA e outras organizações. Por serem organizações de pouca atuação, ou com poucos militantes, quase nada se sabia sobre elas. Através de Maria do Carmo Brito (Lia) 481 Idem. pp.223. 482 Projeto Orvil. pp.260. 483 Em 25 de outubro de 1968 no Rio de Janeiro, Fausto Machado Freire e Murilo Pinto teriam matado Wenceslau Ramalho Leite com quatro tiros quando lhe tomaram o carro. Ibdem. pp.261. 150 foram iniciados os entendimentos, com a fusão do que restou do COLINA em 1969, com o Núcleo Marxista Leninista (NML) 484 . Após várias desventuras deste grupo, elegeram integrar o primeiro, com forma de se manterem mais fortes e atuantes. Outro agrupamento que teria tido contato com o COLINA, foi o Movimento Popular de Libertação (MPL), de Miguel Arraes 485. Este movimento, ao tentar formar uma “frente antiimperialista” com uma face foquista, mandou para fazer treinamento em Cuba militantes do PCBR, FARB e COLINA 486 . Uma curiosidade diz respeito às trajetórias de COLINA e Corrente 487 . Até o desmantelamento desta última, ainda em 1969 era confundida com o COLINA, dada a existência de ambas organizações no mesmo período, de uma proposta revolucionaria similar, e também composta por universitários em sua maioria 488 . De uma forma geral, são essas as (parcas) informações sobre o COLINA no documento produzido pelo exército. O aparecimento do Orvil e repercussão causada por seu aparecimento na mídia, no governo e dentre os interessados no tema (militantes, pesquisadores), demosntraram que ainda há muito o que ser revelado. Longe de ser a ultima palavra sobre as organizações, este importante documento traz uma visão essencialmente militar, de uma história de múltiplas facetas, como a da esquerda em armas. *** 484 O NML surgiu como uma dissidência da Ação Popular em 1967, no estado da Guanabara. Após a AP optar pela linha maoísta de “guerra popular”, os adeptos do foquismo constituíram esta organização. Dada a debilidade de quadros, buscou contatos com o Partido Operário Comunista (POC) e Dissidência da Guanabara, para a constituição da “Frente Revolucionária”, que foi frustrada. Há pelo menos um integrante que pertenceu a esta organização que figura a lista de mortos e desaparecidos, contudo, estava militando na VAR-Palmares quando da sua morte. É o mineiro Lucimar Brandão. Cf: Projeto ORVIL. pp. 276; TELLES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação ou impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. pp.193; SECRETARIA ESPECIAL DE DIREITOS HUMANOS. Direito à Verdade e à memória. 2007.pp.132. 485 O MPL teve sua origem relacionada a políticos afastados após o golpe de 1964. Em 1966, ainda na Argélia, Miguel Arraes decidiu construir uma frente antiimperialista, através de várias organizações de esquerda no Brasil. Quando volta ao país, no mesmo ano, resolveu fazer uma reunião de fundação. Dada a inexistência de um programa, a opção seria agir em duas frentes, sendo: a primeira, em andamento, que visava a unificação das esquerdas e a segunda que seria a guerrilha tanto urbana quanto rural. Dentre os que integraram este grupo estava o deputado Marcio Moreira Alves. Projeto ORVIL. pp.279-280. 486 A FARB (Frente de Ação Revolucionária), segundo consta no ORVIL, foi o nome dado a um grupo de 5 estudantes da União Estadual dos Estudantes/SP (UEE), que se diziam contrários às orientações da AP nesta instituição. Sobre o COLINA, os dois militantes enviados a Cuba foram Edson Lourival Reis de Menezes e Osvaldo Soares. Projeto ORVIL. pp.280-281. 487 Corrente Revolucionária de Minas Gerais surgiu em 1967 neste Estado. Tornou-se em 1969 em um segmento da ALN de Mariguella. Cf. VITRAL. Tiago V. Corrente Revolucionária de Minas Gerais: uma resistência armada ao regime militar brasileiro no Estudo de Minas Gerais (1967-1969). Monografia de conclusão do curso de História. PUC/MG, 2008. 488 Projeto ORVIL. pp. 248. 151 Sobre a AESI, a história ainda está para ser escrita. A partir de uns poucos fragmentos consultados, realizaremos alguns apontamentos, principalmente no âmbito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mas passemos antes por umas considerações iniciais. De acordo com Carlos Fico, os ministérios civis no período do regime militar eram espionados através dos “Sistemas Setoriais de Informação” que, por sua vez, eram constituídos pelos órgãos de informação de seus respectivos ministérios e demais fundações ou empresas estatais que a eles eram ligados. O principal órgão de informações de um ministério civil era sua “Divisão de Segurança e Informações” (DSI). Em concomitância, em cada órgão de relevância da administração pública havia uma “Assessoria Especial de Segurança e Informações” (AESI). A influência destes órgãos foi aumentando significantemente na segunda metade da década de 1960, chegando a ser decisiva em ministérios considerados “problemáticos” como os da Educação, em função do movimento estudantil. Nas universidades públicas existiam as AESI, fundamentalmente em razão do Decreto-lei 477/69 489, que cuidava da “subversão” dentro da academia, seja por parte de alunos, professores ou funcionários 490 . Em toda repartição considerada importante haveria uma AESI, sendo ainda extremamente conveniente pra alocar os militares “linha dura”, que na ocupação destes cargos, buscavam maiores rendimentos, através das comissões oferecidas. 491 De acordo com informações contidas na Biblioteca Central da UFMG, a AESI foi um órgão instituído pelas Portarias Ministeriais nºs 360-BSB e 361-BSB, datadas de 27.06.73, e posteriormente denominada ASI/UNI, por meio da Portaria Ministerial de 12.05.76. O processo de extinção das AESI/ASI nas universidades brasileiras prolongou-se 489 Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particular, e dá outras providências. Decreto-lei n 477 de 26 de fevereiro de 1969. 490 FICO, Carlos. Como eles agiam. São Paulo: Record, 2001. pp.84-93; BRANDÃO, Priscila. SNI & ABIN: uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao logo do século XX. Rio de Janeiro: FVG. 2002. pp.57. 491 FICO, Calos. Espionagem, Policia Política e Propaganda: os pilares básicos da repressão. In: FERREIRA, Jorge & DELGADO. Lucilia. O tempo da ditadura: regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp. 176. 152 de 1979 a 1986 conforme ofícios 009/3000/79-SNM/DSI/MEC de 08.05.1979 e 0236/81/20/DSI/MEC de 21/10/81 e o Decreto 93.314 492 de 30/09/86. O arquivo da AESI na UFMG permaneceu lacrado sob a guarda da Imprensa Universitária até o ano de 1989, quando uma arquivista do Ministério da Educação e Cultura foi transferida para a universidade. Sua entrada resultou na elaboração de um novo inventário, sendo que o material d a AESI apenas teve seu conteúdo revelado e entregue à Biblioteca Universitária no fim daquele mesmo ano. A finalidade seria integrar o acervo de documentos relativos à memória da UFMG. Os documentos foram primariamente classificados como "confidencial e secreto" devido à natureza especial do arquivo. “O tratamento visou compatibilizar o interesse de preservação da memória institucional com a eficácia e proteção dos direitos e garantias individuais, bem como de preservação da memória política e administrativa do país e do seu sistema universitário” 493 . Ao adentrarmos nestes arquivos, encontramos processos sumários referentes ao militantes do COLINA, dentro de vários institutos da UFMG: Faculdade de Medicina (com vasto material), Instituto de Ciências Biológicas, Faculdade de Ciências Econômicas e Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Encontramos também depoimentos, relatórios produzidos pelo DOPS e históricos escolares. O mais importante é a percepção de como o sistema de informações e a direção da universidade estiveram afinados no combate aos chamados “subversivos”. Estas relações são mais evidentes entre alguns diretores de institutos e professores, todavia, não exclui a conivência de todos com a repressão. Em trabalho sobre Memória de Reitores da UFMG, organizado por Maria Efigênia Lage de Resende e Lucilia de Almeida Neves, identificamos alguns apontamentos sobre as relações entre universidade e governo militar. Estas informações servem como complementares às contidas no arquivo da AESI, guardada toda a problemática da subjetividade da história oral. 492 Art. 1º Ficam extintas as Assessorias de Segurança e Informações integrantes das estruturas organizacionais das instituições de ensino superior, vinculadas ao Ministério da Educação. 493 Informações no site www.bu.ufmg.br 153 O que mais se evidencia nos depoimentos analisados é a defesa da autonomia universitária durante o período militar. Aluísio Pimenta, reitor que assumiu em 1964, chama a atenção para o fato que: A maioria dos membros do Conselho Universitário, onde eu mantinha a presença da representação estudantil, muitos eram conservadores, mas dignos. Muitos deles apoiaram o movimento de março de 1964, mas se uniram quando a questão foi a defesa da autonomia da Universidade 494 . A gestão de Aluísio, entre 1964 e 1967, foi marcada pelo debate acerca da reforma universitária e por turbulências envolvendo o general Carlos Luís Guedes, um dos líderes do golpe em Minas Gerais. Guedes chegou ao ponto de afastar o reitor Aluísio e nomear-se interventor da UFMG, contudo, não obteve apoio nem do ministro da justiça Milton Campos, tampouco do então governador, Magalhães Pinto, que acabaram por promover Guedes e transferi-lo para a São Paulo. O reitor que sucedeu Aluízio Pimenta e esteve no mandato, no período de existência e atuação do COLINA, foi o jurista Gerson de Britto Mello Boson (1967-1969). Em 1968, este reitor passou por duas situações delicadas. Primeiro, em 3 de maio de 1968, dia em que ocorreria uma assembléia que resultou na prisão de cerca de 200 estudantes, após uma invasão à Faculdade de Medicina. Os estudantes das escolas de Direito e Engenharia, naquele mesmo dia, solicitaram aos respectivos diretores que interviessem junto à polícia para a liberação de alguns estudantes presos, no que foram atendidos. O mesmo não ocorreu na Faculdade de Medicina, em que o diretor Oscar Versiani fechou-se para o diálogo 495 . Os alunos decidiram prendê-lo dentro da faculdade, juntamente com cerca de 20 professores e funcionários, através de um cordão humano que impedia a saída do prédio. Os alunos realizaram uma assembléia e decidiram manter a ocupação, que foi desarticulada após a chegada da polícia, que não apenas invadiu o prédio, como também agrediu os estudantes. Em nota, a Secretaria de Segurança afirmou que a polícia foi recebida de maneira “altamente periculosa” pelos alunos, que “despejavam furiosamente grande carga de pedras” das janelas, e lamentou ter que se declarar publicamente em função dos atos 494 RESENDE, Maria Efigênia & NEVES, Lucilia. Memória de Reitores (1961-1990). Belo Horizonte: UFMG, 1998. pp.56. 495 Fortes lembranças dos anos de chumbo. Estado de Minas. 03/05/1999. Acervo CEMEMOR. 154 “insensatos e ilegais” dos alunos. A nota termina informando à população que agiria da mesma maneira, todas as vezes em que situações análogas ocorressem 496 . Os alunos presos foram levados para o Departamento de Ordem Política e Social de Minas Gerais. (DOPS/MG). Dentre os militantes envolvidos com COLINA e detidos na referida manifestação identificamos Mauricio Paiva, João Batista do Mares Guia, Erwin Resende Duarte, Herbert Eustáquio de Carvalho, Pedro Paulo Bretas e Athos Magno 497 . Mauricio Paiva já havia passado recentemente pelo DOPS, quando participava de uma manifestação, logo após ser eleito presidente do DCE de Engenharia. Segundo seu relato, a atuação dos estudantes consistiu em barricadas nas portas e janelas do primeiro andar da Escola de Medicina com cadeiras e mesas, e na retenção de seu diretor: “fora ele, um velhote tão avançado em idade quão atrasado de mentalidade, quem solicitara a intervenção policial quando realizávamos uma assembléia”498 . Laís Pereira conseguiu escapar: Me escondi e sai escondida de todo mundo (...) porque uma moça que não fazia parte ficou presa lá, e era filha de um homem muito importante, e eu escondi dentro de um armário de bioquímica. Eu tirei os vidros e entrei, eu era muito pequenininha, eu puxei os vidros e fiquei lá a noite inteira. De manhã, ela conseguiu ligar para o pai dela. Eu e ela lá. Ela se escondeu também. Eu e ela saímos correndo e escondemos quando vimos que estava invadindo, porque nos escutamos eles batendo com o pé e arrebentando a Universidade. (...) Se souber que eu sou essa pessoa do DA, claro que eles vão me pegar. Aí ela chegou para o pai e falou assim: “Pai, eu e minha colega ficamos presas em uma sala, não deu tempo para a gente correr”. Nem perguntou, mandou a gente entrar no carro e eu saí como coleguinha, essa eu escapei 499 . Oscar Versiani, o diretor da referida Faculdade, pediu a suspensão das aulas enquanto durasse a confusão, e obteve apoio dos demais colegas de departamento, sendo o Diretório Acadêmico interditado 500 . Após a liberação dos alunos foi instaurado um inquérito. Nos dias que se sucederam à invasão, ainda havia bombas sendo estouradas pela 496 Secretário explica a atuação da polícia. Estado de Minas. 05/05/1968. Acervo CEMEMOR. 497 Relação 1 de detidos na Faculdade de Medicina em 04 de maio de 1968. Pasta 0251. Rolo .017. Acervo DOPS/MG; Relação 2 de detidos na Faculdade de Medicina em 04 de maio de 1968. Pasta 0251.Rolo. 017. Acervo DOPS/MG. 498 PAIVA, Maurício. O sonho exilado. Rio de Janeiro: MAUAD, 2004. pp. 18. 499 Entrevista de Laís Soares Pereira a James N. Green em 06/01/2008. 500 Professores apóiam diretor da Medicina. Estado de Minas. 05/05/1968. Acervo DOPS/MG. 155 faculdade e o clima de hostilidade com a direção permaneceu. 501 . De acordo com o ex- reitor Gerson Boson, sua visão sobre o ocorrido é a seguinte: Na verdade teriam como refém qualquer outro que se apresentasse e que pretendesse negociar com eles. Não é que eu tenha dado autorização à polícia para invadir a Escola de Medicina. Não dei por duas razões. Primeiro, porque a polícia não precisava de autorização minha para invadir. Ela já havia, sem esta autorização já haviam invadido a FAFICH e a própria Faculdade de Direito. Segundo, porque naquela ocasião eles estavam querendo a minha autorização, para depois jogar nas costas do reitor a responsabilidade por algumas tropelias que, por acaso, resultassem desta invasão. Mas o episódio, afinal de contas, terminou bem”502. O relatório final do inquérito é interessante, na medida que apresenta algumas considerações iniciais, baseadas nos depoimentos dos 142 alunos presos. O primeiro ponto diz respeito à deficiência do ensino: É impressionante como os estudantes ouvidos se queixam do ensino. A grande maioria se queixa do mau aprendizado, de deficiência do corpo docente, de aulas práticas não satisfatórias, de má distribuição horária e de restrição do curso para 5 anos. Quase todos, ao comentar este aspecto acentuam que o curso em 5 anos quase os obriga a pleitear “pós- graduação”. Isso traduz logicamente a falta do internato obrigatório. Não será oportuno rever-se a matéria? 503 Aproveitando a abertura das reclamações, os próprios discentes reconhecem a necessidade de diálogo para a melhora do ensino, como forma de encarar objetivamente este problema: “Todos nós sabemos que não se pode cobrar bom ensino de uma faculdade com o dobro de alunos em relação à sua capacidade docente, com verbas insuficientes”504. O segundo ponto observado antes da apresentação dos resultados do inquérito aponta questões políticas: haverá alguma atividade política ou subversiva nestes movimentos estudantis? Baseadas em impressões e depoimentos, os estudantes negaram qualquer linha política ou infiltração comunista para se opor ao governo 505 . Em uma 501 Elevou-se a 154 o número de universitários detidos.Estado de Minas. 05/05/1968. Acervo DOPS/MG; Fortes lembranças dos anos de chumbo. Estado de Minas. 03/05/1999. Acervo CEMEMOR. 502 RESENDE. op. cit. pp. 93-94. 503 Relatório Final acerca da Invasão da Faculdade de Medicina. Presidido pelo prof. Dr. Hilton Rocha. 20/07/1968. Acervo CEMEMOR. 504 Idem. 505 Idem. 156 “autocrítica”, os membros da comissão reconhecem “honestamente as deficiências do ensino e de nossas (suas) próprias deficiências”. Realçaram o importante papel da Universidade em formadora de humanistas e propuseram a criação de atividades que propiciem apoio psicológico aos estudantes. O inquérito em deveria responder a três questões básicas: a) caracterizou-se a indisciplina? b) Quais os responsáveis? e, c) Como punir? 506 Uma vez confirmada a pichação de ônibus e prisão de funcionários da instituição, foi caracterizada a existência da indisciplina. Os responsáveis seriam, a princípio, os dirigentes do DA, que haviam convocado a assembléia. Contudo, o elevado número de prisões conduziu a uma conclusão acerca da dificuldade de culpar tão somente os dirigentes, já que a situação havia fugido do controle. Perceberam que 2/3 dos alunos presos pertenciam ao primeiro e segundo ano da faculdade 507 , o que em tese, teria levado ao seguinte questionamento: uma vez que os motivos da revolta estavam relacionados à melhoria do ensino, não seriam os veteranos quem deveriam, em sua maioria, ter participado da assembléia? O voto da comissão, presidida pelo prof. Hilton Rocha e composta pelos professores Oswaldo Gonçalves Costa e funcionários João Henriques de Freitas Filho e Jayme Neves, foi pela dissolução do DA e convocação de novas eleições. Por fim, ficou decidida a dissolução do DA e a convocação de novas eleições para dali a 30 dias, bem como as direções das demais unidades foram avisadas sobre a presença de alunos envolvidos e devidamente identificados no episódio. 508 Outra situação delicada ocorreu no final do ano, em 05 de outubro de 1968. Alguns alunos da FAFICH estavam reunidos no subsolo da universidade, cuja finalidade era a organização da viagem ao Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP). Mesmo sendo uma reunião sigilosa, os militares tomaram conhecimento dos planos estudantis e decidiram interferir. O então diretor da faculdade, professor Pedro Parafita de Bessa, foi chamado à Secretaria de Estado de Segurança pela manhã, pouco antes da 506 Relatório Final acerca da Invasão da Faculdade de Medicina. Presidido pelo prof. Dr. Hilton Rocha. 20/07/1968. Acervo CEMEMOR. 507 1ª. Série: 47 alunos; 2ª. Série: 50; 3ª.Série: 21; 4ª Série: 16; 5ª Série: 8. 508 João Batista dos Mares Guia (FACE); Mauricio Paiva (Engenharia); Luis Macedo (ICEX) e Maria Barbosa (FAFICH). 157 invasão. Quando retornou, o prédio que funcionava na rua Carangola, já estava cercado pela Polícia Militar, que queria prender o presidente do Diretório Acadêmico (DA) da Fafich, à época o estudante de história Waldo Silva, e outros líderes estudantis. Os militares teriam tirado Bessa da escola para cercá-la. Tanto Aluísio Pimenta, como o ex-diretor da Fafich Pedro Parafita de Bessa, foram aposentados compulsoriamente durante o regime militar. Gérson Boson, foi cassado ainda como reitor, em 1969. Embora não se tratasse de uma pessoa de esquerda, era uma pessoa mais aberta ao diálogo, face o autoritarismo reinante, o que lhe colocava em situações paradoxais. Um exemplo ilustra bem essa questão. Certa vez reuniu-se com representantes do movimento estudantil, no auditório da Reitoria, para discutir questões relativas ao preço das refeições no Restaurante Universitário: “Você já ouviu falar na história da luta entre o mar e o rochedo, em que sofrem os mariscos? Na verdade, eu fui, nesse episódio [ele se referia ao relacionamento com os estudantes, de uma maneira geral], um verdadeiro marisco. Porque os estudantes, já que eu não podia atender à maioria de suas reivindicações, me tinham como partidário da ditadura. E, de outro lado, quando eu não admitia que a polícia ou a segurança usassem dos seus processos violentos contra estudantes dentro da Universidade ou contra a comunidade universitária, viam-me como esquerdista”509 Após sua cassação em 13 de outubro de 1969, o chefe do CIE em Belo Horizonte teria lhe dito que o Exército nada teve a ver com seu afastamento, e que os responsáveis foram alguns professores da Escola de Medicina, interessados em prejudicá-lo. 510 . Em um determinado momento, o reitor resolveu ir atrás de Alfredo Buzaid, então Ministro da Justiça, para buscar informações sobre sua cassação. Boson apenas teria encontrado uma ficha relativa a ele, na qual estava escrito: omisso. “Presumidamente por não admitir atos de perseguição contra professores e alunos da Universidade”511. Em outra situação encontrou-se com o então embaixador do Brasil em Portugal, Gama e Silva, quem o teria perguntado sobre “como ia a UFMG”? Ao que teria respondido tudo bem, até o dia em que assinou o ato de sua aposentadoria compulsória, ou seja, sua cassação como reitor. Foi então que Gama e Silva teria se surpreendido e afirmado jamais ter assinado o referido 509 RESENDE. op. cit. pp. 3. 510 Idem. pp. 95. 511 Idem.Ibdem.pp. 99. 158 ato 512 . Embora não tenhamos evidências empíricas que este realmente fosse um dos casos, fato é que naquele período não foi incomum a prática de denúncias junto ao sistema repressivo, no intuito de atender interesses pessoais. Quem assumiu após o afastamento de Gerson Boson, foi Leônidas Machado Magalhães. Como o início do processo sumário sobre o COLINA na UFMG data deste mesmo mês, este foi o responsável por dialogar com o exército a respeito dos estudantes. As referências a este ex-reitor, encontradas no livro citado, foram localizadas no depoimento de Aluisio Pimenta, quem relata a formação estadunidense de Leônidas e seu discurso sobre a necessidade de se preservar a autonomia universitária. Teria sido um dos reitores mais empenhados em auxiliar na implantação das reformas na universidade que, grosso modo, teve como resultado o estabelecimento de diretrizes para a transformação em universidades, das então federações de faculdades e escolas 513 . A providência imediata seria a de estabelecer o reitorado em tempo integral, além de introduzir mudanças no gerenciamento da universidade, bem como fortalecer a administração central que praticamente não existia na reitoria e era totalmente feita nas faculdades e escolas. Não era escopo centralizar a execução orçamentária, mas coordenar o seu planejamento, aprovação e a própria execução 514 . Leônidas terminou o mandato de Bozon, sendo sucedido por Marcelo de Vasconcellos Coelho. De acordo com a revista Diversa, da UFMG, Marcelo de Vasconcellos Coelho teve como característica de seu mandato a não aceitação da interferência do governo militar na universidade, assim como seu sucessor, Eduardo Osório Cisalpino 515 . Coelho desafiou o general Gentil Marcondes Filho, chefe da Infantaria Divisionária (ID/4). ao responder às acusações de que não teria designado “pessoas que não são de confiança do Exército”, para integrar sua equipe. O reitor respondeu: “Olha general, eu nunca designei um coronel seu, portanto, eu espero que o senhor não se meta nos meus designados, porque eu dirijo a Universidade, escolhido pelo Presidente da República”. 512 RESENDE. op. cit. pp.99 513 Idem. 514 PIMENTA, Aluísio. Universidade: a destruição de uma experiência democrática. Petrópolis: Vozes, 1985. 515 Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html 159 Segundo afirmações da mesma revista, a AESI teria atuado “em todas as universidades brasileiras, menos na UFMG”. Num gesto de grande habilidade política, Marcelo Coelho incluiu a Aesi no organograma da Universidade, mas concentrou as funções do órgão em um único funcionário, Roberto Faria, ligado diretamente a ele. Faria chegou a ser visto com desconfiança por parte da comunidade acadêmica, mas foi o braço direito de Coelho e de Cisalpino na tarefa de driblar a repressão e evitar que chegassem ao governo militar informações sobre a atuação política de professores, funcionários e estudantes da UFMG 516 . Não é nosso escopo a discussão sobre esta política em relação à AESI e a vigilância aos discentes e docentes após o mandato de Leônidas. O que questionamos é que ao contrário da afirmação da revista, a UFMG sofreu interferência na AESI. Pode até ser que durante o mandato deste reitor, a sua existência tenha tido um significado ou uma prática distinta, mas o fato se não haver um funcionário militar dentro da universidade não exclui o funcionamento do órgão. Pode ser que, comparando a ação deste órgão na UFMG frente a outras, a interferência tenha sido menor, mas tais arquivos abrangem o período de sua atuação desde 1964 a 1982. Como veremos no diálogo entre militares e universidade, foi constante sua atuação no que diz respeito aos processos relacionados aos militantes do COLINA. Como forma de melhor apresentar os resultados da pesquisa trabalhamos a partir da citação de casos exemplares para a análise do conjunto do material, de forma que não se torne uma enfadonha descrição de casos jurídicos. Esta história se inicia dia 29 de setembro de 1969, quando o general Gentil Marcondes Filho, então comandante da Infantaria Divisionária ID/4, sediada em Belo Horizonte, escreveu ao Reitor da UFMG comunicando que havia instaurado um Inquérito Policial Militar para apurar as atividades do COLINA. Desta maneira, enviou à universidade uma lista de nomes dos alunos que estavam sendo indiciados, ao que solicitava que as “devidas providências” fossem tomadas, e que se mantivesse o contato com o referido comando 517 . Em 13 de outubro de 1969 ocorreu a cassação do reitor Gerson Boson. Neste mesmo dia, o vice-reitor em exercício, Leônidas Machado, encaminhou aos 516 Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html 517 Oficio n.420-E2, de 23/09/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 160 diretores das faculdades em que estavam matriculados os militantes indiciados, um ofício solicitando informações a respeito 518 . Dentre os que receberam a informação, está o diretor da Faculdade de Medicina (FM), Oscar Versiani Caldeira. A) FACULDADE DE MEDICINA A pasta alusiva a esta Faculdade é a que mais contém documentos, haja vista que boa parte do núcleo dirigente, ali estava inserida. Havia um funcionário citado, Irany Campos, e seis estudantes de Medicina: Ângelo Pezzuti, Herbert Carvalho, Maria José Nahas, Jorge Nahas, Pedro Paulo Bretas e Athos Magno Costa e Silva, todos presos ou clandestinos no ano de 1969. Nesta pasta podemos vislumbrar melhor os tramites legais acerca dos inquéritos instaurados contra os militantes que pertenciam àquela instituição, pois somente cortaram vínculos com a universidade após a prisão em janeiro de 1969. No início do mês de outubro de 1969, o Estado de Minas, publicou uma reportagem com o chamado: “Preventiva para Mariguella e mais 33 da subversão”. O artigo relata o decreto de prisão preventiva de duas listas de militantes. Uma lista de integrantes da Corrente/ALN, e outra de integrantes do COLINA, esta com 19 nomes listados a pedido do general Otávio Medeiros. À exceção de Herbert Carvalho (conhecido como Herbert Daniel) nenhum dos restantes estavam vinculados à UFMG, em sua maioria, estavam clandestinos em outras organizações 519 . No oficio remetido Reitor é reiterada à Versiani a “conveniência de ser mantido contato com as autoridades encarregadas do referido IPM para a obtenção de dados e mais precisos informes acerca das ocorrências”, para as devidas providências520. Decorrida uma semana do envio do comunicado, o diretor Oscar Versiani, amparado no artigo 03, do 518 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado ao General Gentil Marcondes Filho em 13/11/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 519 Consta na lista os nomes de: Carlos Alberto Soares de Freitas, Cláudio Galeno de Magalhes Linhares, Dilma Vana Roussef, Apolo Heringer Lisboa, Tomás Weiss, Reinaldo de Melo, Marco Antonio Meyer, Badih Melhem, Oroslinda Goulart, Irany Campos, João Marques Aguiar, Ageu Heringer Lisboa, Carmela Pezzuti, Marcos Antonio Rocha, Guido Rocha, José Raimundo Alves Pinto, Caros Vilan Pinom, Pitágoras Machado. “Preventia para Mariguella e 33 da subversão”. Estado de Minas. 03/10/1969. Hemeroteca Pública de Minas Gerais. 520Documento “confidencial”, de Leônidas M. Magalhães a Oscar Versiani Caldeira. 13/10/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 161 Decreto-lei 477 521 , decidiu nomear o professor adjunto Dr. Sylvio Gonçalves Coutinho, da disciplina de cirurgia, como responsável pela apuração das infrações descritas no artigo 1 o , itens I a IV 522 do referido decreto, que possivelmente tenham sido praticadas pelo funcionário Irany Campos. No mesmo dia Ural Chaves Prazeres, funcionário da secretaria da Faculdade de Medicina, foi nomeado secretário do processo sumário a ser realizado 523 , bem como o advogado Antonio Gomes Pereira, da mesma instituição, como assessor jurídico. Em 29 de outubro o professor Gonçalvez Coutinho encaminhou ao general um ofício comunicando a prisão de Irani no estado da Guanabara, e solicitou que o réu fosse avisado sobre o processo aberto junto à universidade. Teria 48 horas para apresentar sua defesa. Outro pedido feito ao general Marcondes foi a transcrição literal das declarações de Irany acerca de “sua conduta publicamente escandalosa decorrente da filiação à Organização Político-Militar (OPM)”524. O pedido foi atendido no dia seguinte, com a enumeração das ações praticadas e confessadas, de acordo com o Exército, pelo réu 525 . Com o passar dos dias, a conhecida “Comissão do 477” pesquisou como e onde pôde, de forma a levantar acusações ao funcionário, que possibilitasse julgá-lo dentro da referida lei. Em O8 de novembro foi enviado o primeiro relatório, no qual o professor encarregado descrevia a dificuldade da comprovação de algumas informações relacionadas aos crimes cometidos pelo réu, dado o exíguo prazo de 20 dias, conforme a lei estipulava. Uma vez que o objetivo era enquadrá-lo no decreto 477, este não foi alcançado, em virtude dos seguintes fatores: 521 O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, designado por seu dirigente, que procederá as diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de 48 horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de 96 horas. 522 Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralização de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza. 523 Faculdade de Medicina de MG. Portaria n 1/69 de 20/10/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 524Oficio “confidencial”de Sylvio Coutinho ao Gal. Marcondes em 29/10/1969.Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 525 Oficio de Gal. Marcondes a Sylvio Coutinho em 30/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 162 a) O processo sumário é nulo, pela falta de citação, podendo ser convalidado por nova portaria de V. Exa; b) No mérito propriamente dito, o indiciado não pode ser punido por atos, que não eram considerados infrações disciplinares e que só vieram a sê- lo em 26/02/1969; c) Por desqualificação do delito, a atividade do indiciado merece ser apurada frente ao Estatuto dos Funcionários Públicos via de processo administrativo, prevista a pena de demissão 526 . Uma vez não havendo punição via decreto 477, foi sugerido o julgamento baseado na lei 1.711, 28 de outubro de 1952, que dispunha sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. A partir do artigo 207, item II desta, que afirma caso de demissão em decorrência de ‘incontinência pública e escandalosa, vício de jogos proibidos e embriaguez habitual’, buscaram argumentos para que Irany não saísse tão somente inserido na Lei de Segurança Nacional. Pelo argumento do proprio presidente da comissão Silvyo Coutinho : 17.Incontinente, se diz daquele que tem falta de moderação, que é imponderado, irrefletido, descometido (Dicionário de Morais, 10 edição, vol.5). A natureza e forma dos delitos, de sua vez, denunciam a publicidade e o escândalo ; 18. A incontinência do indiciado é pública e escandalosa pela natureza das mesmas ilicitudes praticadas, que foram largamente difundidas pela Imprensa e epelias pelas autoridades e pelo bom senso do povo ; 19. Se, pois, aparece-nos inaplicável ao indiciado o decreto lei 477 de 26 de fevereiro de 1969, julgamos, viável a incontinencia publica e escandalosa vedada pelo Estatuto dos funcionários, atraves de processo administrativo ali previsto sob pena de demissão 527 . Coube a Oscar Versiani a decisão final, que apenas endossou a proposta de Coutinho e comunicou ao Departamento de Segurança Interna do Ministério da Educação, à reitoria da UFMG e à Infantaria Divisionária da 4a regiao militar (ID/4)528. Uma vez todos de acordo, Versiani compôs outra comissão, valendo-se do artigo 219 da lei 1.711, para apurar os crimes caracterizados por ‘incotinência escandalosa’, tendo por base este mesmo Estatuto. Manteve-se 526 Relatório do Processo Sumário de Irany Campos. p.01 de 08/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 527 Idem. p.03. 528 Relatório de Oscar Versiani às autoridades. 08/11/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 163 Coutinho como responsável pela investigação,quem contou com duas auxiliares : a técnica de laboratório Julia Saud e a laboratorista Maria da Conceição Dias Coelho529. No caso dos estudantes, o processo foi similar. O mesmo Coutinho foi responsável por apurar os delitos através dos respectivos processos sumários, para o enquadramento no Decreto 477530. A diferença está na busca de informações, dentro das entranhas burocráticas da universidade, para a realização de um mapeamento desde o desempenho acadêmico, à militância estudantil. A procura teve início pela seção de ensino, que emitiu parecer, certificando que nenhum deles havia requerido matrícula no ano de 1969. Anexado ao certificado, encontramos seus históricos escolares. É interessante como, ao analisá-los, notamos a clara opção pela militância em detrimento dos estudos. Em 1967, ano conturbado na vida política destes jovens (transição entre POLOP-COLINA), à exceção de Maria José Nahas, todos foram repetentes nos diferentes anos de curso531. Ângelo Pezzuti teve que repetir a 4ª série no ano de 1968, e mesmo assim, ainda foi reprovado em duas disciplinas. Herbert Daniel cursou novamente a 3ª série no referido ano, já que no ano anterior, das 6 disciplinas em que estava matriculado, somente em Semiologia foi aprovado. Jorge Nahas, também cursou a 3ª série em 1967 e, por razões políticas, foi repetente532, conseguindo sanar parte das disciplinas no ano seguinte. Pedro Paulo Bretas, na 2ª série, trazia consigo em 1968 duas dependências do ano inicio da organização533. Todos tiveram suas informações pessoais, assim como o relatório policial e recortes de jornais referentes às ações do grupo, fornecidos pelo DOPS, para uma análise detalhada do grau de “periculosidade”, de forma a melhor embasar os argumentos para as punições. Assim como procedido no caso do funcionário Irany Campos, foram pedidas pelo encarregado do processo sumário, Silvyo Coutinho, as citações dos acusados, já que estavam alguns presos no Rio de Janeiro, e outros em Juiz de Fora534. 529 Portaria n.57 de 11/11/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 530 Portaria n.50 de 20/11/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 531 Neste período o curso era contado por ano e não por semestre, como atualmente. 532 Entrevista de Maria José Nahas à autora em 2009. 533 Histórico escolar de Ângelo Pezzuti; Histórico escolar de Maria José Nahas; Histórico escolar de Herbert Eustáquio de Carvalho; Histórico escolar de Jorge Raimundo Nahas; Histórico escolar de Pedro Paulo Bretas. Datilografados dia 15/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 534 Ofício de Sylvio Coutinho ao Gal. Gentil Marcondes, em 27/10/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 164 Concedidas as citações, Jorge Nahas e Maria José Nahas tiveram uma advogada acionada pela família. Elizabeth Ferreira Diniz ficou encarregada de defender o casal contra o enquadramento no processo sumário referente ao decreto 477535. O professor Coutinho nomeou-a defensora também de Herbert Daniel, uma vez que este se encontrava na clandestinidade em algum lugar desconhecido das autoridades536. Nos dias 06 e 07 do mês de novembro, a advogada apresentou a defesa dos três. Citando os quatro primeiros itens do artigo 1o do decreto 477, a advogada desconstruiu todos os argumentos da diretoria da Faculdade de Medicina. Comprovou como era indevido o uso daquele decreto para o caso destes militantes: 8) Há um principio universal sagrado por todos os povos cultos, pelo qual não há crime sem lei anterior que o defina. Principio este admitido em nossa Lei Magna; Deste modo, por dois motivos relevantes os indiciados não podem estar inscritos nas sanções disciplinares descritos pelo art.1 do decreto 477: a) (...) não está matriculado no corrente ano letivo na Faculdade; b) O dec.lei 477 que define as penas disciplinares é de 26 de fevereiro do ano em curso quando o indiciado sequer estava matriculado na Universidade 537 . Desta forma não ficou difícil a realização da defesa, uma vez que nenhuma lei pode ser aplicada retroativamente. Em tempo: as prisões ocorreram em janeiro de 1969, cerca de 40 dias antes de a lei ser revogada. A outra colocação pertinente por parte da defesa é a impossibilidade de um inquérito administrativo pelo regimento da Faculdade de Medicina, pelo simples fato de não estarem matriculados. A advogada sugeriu a interrupção do processo, até que se resolvesse a situação dos indiciados junto a Justiça Militar, onde são processados dentro da Lei de Segurança Nacional538 De acordo com o primeiro relatório enviado ao diretor Oscar Versiani, a resolução se deu nos seguintes termos: primeiramente, ficou anulado o processo de Ângelo Pezzuti e Pedro Paulo Bretas, pela falta do aviso prévio a estes no processo sumário que estavam indiciados; segundo, a absolvição de Jorge Nahas, Maria José Nahas e Herbert Carvalho, pela não aplicabilidade do Decreto 477, por fim, como os indiciados teriam praticado “gravíssimas 535 Carta da advogada Elizabeth Diniz ao professor Silvyo Coutinho em 03/11/1969. Pasta 11. Arquivo AESI/UFMG. 536 Portaria 4/69 de 06/11/1969. Pasta 11.Arquivo AESI/UFMG. 537 Razões de defesa do indiciado Maria José Nahas e Jorge Raimundo Nahas em 06/11/1969; Razões de defesa do indiciado Herbert Eustáquio de Carvalho em 07/11/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 538 Idem. 165 faltas” a partir do segundo semestre de 1968, estavam sujeitos a julgamento de acordo com o Regimento da Faculdade de Medicina, no artigo 201, no que seriam apuradas as violações do art.195 do mesmo regimento, e que poderia levar à expulsão da universidade539. Como podemos perceber, houve um empenho por parte da comissão e da diretoria da Faculdade de Medicina em indiciar seus alunos para além da Lei de Segurança Nacional. O relatório final havia sido enviado ao diretor Oscar Versiani, reafirmando a absolvição alunos com base no Decreto 477, mas mesmo assim, foi apurado o processo sumário das atividades, levando em conta o regimento interno da faculdade, ou seja: “desobediência ao regimento e práticas perturbadoras da ordem, ofensivo dos bons costumes ou desacato a autoridades universitárias ou a funcionários”540. O relatório informa que as atividades da comissão iniciaram em 26 de novembro de 1969, logo após a publicação no jornal oficial “Minas Gerais”, no qual era pedido o aviso aos réus sobre o novo processo, sendo que no caso de um deles, o de Herbert Daniel, foi comunicado por edital, haja vista a falta de noticias sobre seu paradeiro. Ficou determinado que teriam 15 dias para apresentarem sua defesa escrita. Desta forma, quem se dispôs a defendê-los foi novamente Elizabeth Diniz, que alegou a inexistência de faltas disciplinares, logo, a impossibilidade de punição, dado que estavam sendo indiciados com base no artigo 201 do regimento, que diz: Art. 201: Por faltas que cometerem, estarão os alunos sujeitos às seguintes penalidades: 1-Advertência; 2- Repreensão; 3- Suspensão; 4- Exclusão. § 1.- As faltas consideradas graves serão comunicadas à Congregação que determinará abertura de inquérito a ser realizado por uma Comissão Especial presidida por um catedrático 541 . Além do mais, a dra Elizabeth ainda afirmou outros motivos que levariam à absolvição destes alunos. Em suma, pelo fato de que os atos foram praticados fora da faculdade, sem qualquer desobediência ao regimento; tratavam-se de fatos enquadrávies na Lei de Segurança Nacional e não de faltas disciplinares escolares; bem como pelo fato de os indiciados não estarem nem mesmo matriculados naquela faculdade no ano letivo de 1969. Por fim, alega que os indiciados ainda estavam respondendo a processo mediante a Justiça Militar, não haviam 539 Relatório para Oscar Versiani, de Sylvio Coutinho de 08/11/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 540 Regimento da Faculdade de Medicina. Artigo 195, letras a e b, de 1966. 541 Regimento da Faculdade de Medicina, artigo 201 de 1966. 166 sido julgados e portanto, os atos delituosos não poderiam lhes ser atribuídos decisivamente. Desta maneira, a absolvição seria sensata, uma vez que, caso antecipassem este julgamento ao da Justiça Militar, a decisão final atrapalharia a vida escolar dos militantes. Caso não optassem pela absolvição, a advogada solicitou ao menos a suspensão temporária do caso, até que a Justiça Militar julgasse o que lhe competia, de forma a evitar dois julgamentos similares em duas instancias distintas: administrativa e judicial-militar542. O presidente da comissão discordou da argumentação da advogada, “esclarecendo-lhe que sabia que não lhes competia o processo dos militantes dentro da LSN, contudo, que achava “perfeitamente cabível a repercussão destes atos [criminosos] diante dos preceitos do Regimento desta Faculdade”543, uma vez que eram alunos em 1968, quando praticaram a maioria das ações. Afirmou ainda que não havia comunicação entre a esfera administrativa e militar, excluindo a possibilidade da repetição de processos, possibilitando a absolvição em uma esfera e a uma condenação em outra, dependendo dos resultados de cada uma. Concluindo a discussão, o diretor afirmou que o processo administrativo não os levaria à prisão, mas poderia afastá-los da universidade. Outro ponto contestado tange à questão dos delitos que foram praticados fora da faculdade. Citando o artigo 195 do Regimento, foram apontadas as infrações autônomas: atos que perturbem a ordem, que ofendam os bons costumes e que importem em desacato às autoridades universitárias ou a professores. Ele chama atenção ao fato de as duas primeiras infrações serem genéricas, em contraposição à terceira, que não se limita ao interior da Faculdade: “Seria absurdo admitir - e nem a defesa o pretende, a coexistência de atos altamente perigosos praticados fora da Faculdade, com um bom comportamento dentro dela, pois aqueles que incompatibilizam o agente com as demais atividades, notadamente a universitária, na qual se espera, pelo menos, uma dignidade mínima pessoal de seus membros”544 Orosmar julga os alunos como “perturbadores da ordem”, e mais grave, à exceção de Herbert, por não ter sido preso, considera todos são réus confessos e testemunhas dos crimes dos outros. Em sua empiria, demonstra como cada um deles participou de mais de um delito 542 Defesa dos indiciados Jorge Nahas, Maria José Nahas, Herbert Carvalho, Pedro Paulo Bretas e Ângelo Pezzuti em 15/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 543 Relatório da Comissão Especial entregue a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 544 Relatório da Comissão Especial a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 167 considerado grave e perturbador da ordem: Ângelo em nove deles, seguido por Pedro Paulo, com sete, Jorge, em no mínimo cinco, Maria José em quatro e Herbert Daniel em dois. Informa o relatório que o fato de Herbert não ter confessado nada, não vira razão para sua absolvição. A confissão não é pressuposto de condenação, alem do mais, “sua atividade terrorista resulta de depoimento de seus próprios comparsas”545. A decisão final da Comissão foi a exclusão dos alunos da Faculdade de Medicina, por estar convencida de que violaram o Regimento ao cometerem atos que perturbassem a ordem, conforme o artigo 195. À exceção de Pedro Paulo, que não conseguimos informações posteriores ao seu banimento dentre os 70 presos políticos, todos os demais alunos terminaram seus cursos no exterior. B) FACULDADE DE ENGENHARIA O diretor da Faculdade de Engenharia Cássio Mendonça Pinto recebeu no mesmo dia 13 de novembro, o ofício avisando-o do inquérito aberto sobre o aluno Maurício Vieira Paiva546. A resposta de Cássio Mendonça foi seca: Informo que esta Escola não adota o regime de matrícula automática e é por isto que considera o aludido iniciado excluído do seu corpo discente. Não sendo o sr. Mauricio de Vieira Paiva aluno desta Escola, não poderá, por ela, sofrer qualquer punição. (...) As matrículas passam a ser centralizadas na Secretaria da Coordenação de Administração. Pelo exposto, futuramente, aquele órgão poderá determinar o que se deva fazer na eventualidade do indiciado vir a pleitear renovação de sua matrícula 547 . Com a resposta, coube a Leônidas Magalhães encaminhá-la à referida secretaria, recomendando atenção, caso houvesse tentativa de matrícula. Não há mais informações nesta pasta a respeito desta unidade e sobre o aluno. C) FACULDADE DE FARMÁCIA 545 Relatório da Comissão Especial a Oscar Versiani de 22/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 546 Ofício “confidencial” de Leônidas Machado para Cássio Mendonça Pinto de 13/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 547 Ofício 130/69 da Escola de Engenharia de 14/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 168 Comunicado como os demais, o diretor da Faculdade de Farmácia Adalberto Moreira dos Santos Pena, ficou incumbido de apurar as atividades de Carmem Helena Barbosa do Valle e João Marques Aguiar, alunos da sua escola 548 . Em resposta ao vice-reitor em exercício, Adalberto Pena comunicou que Carmem Lúcia havia colado grau em 1967 e que, desta forma, iria encaminhar ao general Gentil Marcondes as informações que possuía. Sobre o outro estudante, João Marques Aguiar, informa que teria ocorrido um equívoco, uma vez que não constava como aluno da Faculdade de Farmácia 549 . Não há mais informações nesta pasta que se refere a esta unidade e aluno. D) FACULDADE DE VETERINÁRIA O diretor desta Faculdade José de Alencar Carneiro Viana, ao tomar ciência do caso do aluno Afonso Celso Lanna Leite 550 , tomou a providência de relatar ao vice –reitor em exercício, por meio de oficio, que o indiciado Afonso Celso, por haver sido bi-repetente em 1968, encontrava-se desvinculado daquele departamento. Outra providência tomada por José de Alencar foi a de enviar o secretário da referida Escola ao ID/4, para relatar esta situação, ao que foi recebido pelo tennente-coronel Antonio Curcio Neto: Foi na ocasião informado que, não sendo o aluno vinculado à Escola, seria suficiente apenas responder o ofício de Vossa Magnificência prestando as informações que vão neste contidas 551 . Não encontramos mais referências ao caso. E) FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS Na pasta consta somente o oficio datado de 13 de outubro de 1969 do vice-reitor em exercício, comunicando a notícia de que o general Gentil Marcondes Filho havia solicitado informações sobre Reinaldo José de Melo. O vice-diretor em exercício Amaro Xisto de 548 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Adalberto Santos Pena de 13/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 549 Oficio 499/69 da Escola de Farmácia. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 550 Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a José de Alencar Carneiro Pena de 13/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 551 Oficio “confidencial” de José de Alencar Carneiro a Leônidas Machado em 20/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 169 Queiroz instaurou um processo contra o aluno, baseando-se no decreto 477, em 5 de novembro de 1969. Nomeou como presidente da comissão o professor Saul Alves Martins, do Departamento de Sociologia e Antropologia 552 . Infelizmente, assim como em alguns dos outros casos acima citados, não existem mais registros sobre o processo. Não obstante a escassez de informações, achamos oportuno sistematizar as informações disponíveis. Mas sobre o Instituto de Ciências Biológicas, tivemos melhor sorte. F) INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS No dia 30 de outubro, o diretor Eduardo Osório Cisalpino, diretor do ICB, também recebeu o ofício do vice-reitor em exercício Leônidas Machado informando que a reitoria havia recebido um pedido do ID/4, para que se coletasse informações sobre Erwin Duarte, supostamente aluno da Faculdade de Medicina. Após a pesquisa realizada na referida FM, Versiani relatou a Leônidas que: “Relativamente ao estudante Erwin Resende Duarte, considero-me incompetente a submete-lo a processo sumário de que trata o decreto-lei 477, porque o estudante não está vinculado à Faculdade de Medicina, mas provavelmente ao Instituto de Ciências Biológicas. A cujo diretor merece cometido o encargo, nos termos do referido diploma legal”553. Deste modo, o diretor do ICB estava incumbido de levantar informações sobre o estudante. Assim o fez. Comunicou ao reitor em exercício, que Erwin era aluno do segundo ano do currículo médio daquele instituto, e que tomaria as “providências cabíveis”554. Foi nomeado presidente do inquérito para apurar as faltas do aluno, o professor Carlos Américo Veiga Damasceno, quem tomou a medida imediata de proibir sua freqüência às aulas, até que ocorresse o julgamento, que teria como base o artigo primeiro do decreto 477 555 . O histórico escolar de Erwin para o ano de 1968, assim como de vários estudantes de medicina indiciados, indica que aluno foi repetente, não conseguindo êxito nas duas disciplinas que cursou 556 . 552 Oficio de Amaro Xisto a Leônidas de 5/11/1969. Pasta 12.Acervo AESI/UFMG. 553Oficio “confidencial” de Leônidas Machado a Eduardo O. Cisalpino em 30/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 554 Oficio 136/69 do Instituto de Ciências Biológicas de 31/10/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 555 Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 13/10/1969. Pasta 11. Acervo AESI/UFMG. 556 Histórico escolar de Erwin Resende datilografado em 13/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 170 Após ser comunicado do processo, o aluno não apresentou a defesa no prazo. A saída encontrada pelo presidente do inquérito foi nomear a mesma advogada que cuidou dos alunos da Medicina, Elizabeth Diniz, para enviar a defesa por escrito em 48 horas 557 . Assim o fez, com a mesma argumentação utilizada na defesa da “turma da medicina”: requeria a sua absolvição, em função de se encontrar preso quando a lei foi decretada 558 . Seu pedido não foi aceito, e Erwin foi jubilado. De acordo com Carlos Américo Damasceno: Mesmo antes do 477 as infrações disciplinárias já eram previstas desde o Regimento da Faculdade de Medicina no seu capítulo IV, art. 165, surgindo o decreto supra citado apenas um reforço deste 559 . Curiosamente, Erwin não conseguiu escapar da aplicação do Decreto 477, ao contrário dos outros. Eduardo Osório Cisalpino considerou uma série de prerrogativas: as acusações de que Erwin teria infligido o artigo 1 o do referido decreto; a confissão do acusado de que a infração existiu e as provas que constavam nos autos; que mesmo sabendo que teria direito à defesa, não apresentou-a, forçando a escola a nomear um advogado; que os motivos alegados pela defesa não convenceram a comissão e; finalmente, que o aluno já havia sido jubilado pelo Diretor da Faculdade de Medicina e por ele, do ICB. Desta maneira, Cisalpino manteve o jubilamento e aplicou o item II do art.1 do 477, em que proibia o indiciado de “se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por três anos”560. Da análise dos casos abordados, o que fica evidente é que os órgãos militares dentro da instituiçõ de ensino obteve maior eficácia, graças à colaboração de membros da universidade. Mesmo sendo ilegítima a aplicação do 477 retroativamente, prevaleceu a decisão das autoridades, contudo, dentro do simulacro de legalidade, todos os meios “legais” para a defesa foram colocados à disposição do réu. Este último caso demonstra claramente a imagem de “regime legalista” que a própria ditadura tentou manter. Conforme afirma a pesquisadora Annina Alcântra de Carvalho, havia “leis”, apesar de o direito e a justiça estarem ausentes do comportamento estatal repressivo. Leis, autoridades judiciárias 557 Designação de Elizabeth Diniz de 18/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 558 Defesa de Erwin Resende Duarte de 20/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 559 Oficio de Carlos Américo Damasceno a Eduardo Cisalpino de 23/12/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG 560 Decisão de Eduardo Cisalpino em 24/11/1969. Pasta 12. Acervo AESI/UFMG. 171 e advogados aparentemente eram autorizados a exercer seus mandatos, mas apenas aparentemente 561 . Irene Cardoso também nos chama a atenção à ênfase na legalidade e na legitimidade do regime, que significaria uma aparência de normalidade para a vida social e política, mas que impediria o reconhecimento do arbítrio. A violência havia sido disfarçada sob uma “capa jurídica”, um simulacro de lei. Citando Marcelo Viñar, o arbítrio foi transfigurado em lei, uma vez que é característico da ditadura, além da violência, sua vocação de se apropriar da lei e nela se encarnar 562 . O arbítrio configura um poder ilimitado e absoluto, que na forma do simulacro, passa a ter a força da lei. Expulsar tais alunos poderia se configurar em medidas exemplares, como forma de dizimar focos militantes dentro das instituições de ensino, evitando maiores adesões. Uma vez que a memória destes perseguidos pelo regime se tornou a mais divulgada, analisaremos agora a recepção dos militares em relação ao fato. 4.2. DA DISPUTA PELA MEMÓRIA. No que tange à discussão sobre memória existe, atualmente, um número considerável de trabalhos acerca da temática da ditadura militar e das esquerdas no período 563 . Acreditamos que alguns fatores contribuem para tal afirmação: o enfraquecimento do tabu existente em relação à violência durante a ditadura, o que melhor viabiliza na coleta de depoimento de militantes que têm se disponibilizado mais, a falar sobre suas experiências; o fato de haver muitos ex-militantes inseridos na política, principalmente no governo federal; e, finalmente, a (lenta) abertura de arquivos da repressão. Aliás, os dois primeiros fatores (quebra de tabus e presença ex-militantes no governo) foram fundamentais para fortalecer o terceiro: a questão da luta pela abertura de arquivos. 561 CARVALHO, Annina. A lei, ora, a lei... In: FREIRE, Alipio et. al. Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.pp. 402. 562 CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. In: FREIRE, Alipio et. al. Tiradentes, um presídio da ditadura. São Paulo: Scipione, 1997.pp .475. 563 De acordo com o levantamento bibliográfico feito por Carlos Fico em 2004, que naturalmente não lista tudo o que há, existem 94 trabalhos, entre teses, artigos e livros sobre a esquerda no período e 23 livros memorialísticos de militantes de esquerda. Marcelo Ridenti fala em mais de duzentos trabalhos acadêmicos sobre este tema. Cf. FICO, Carlos. Além do Golpe. Rio de Janeiro: Record, 2004. pp. 187-192; RIDENTI, Marcelo. Esquerdas revolucionárias armadas nos anos 1960-1970. IN: Revolução e Democracia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. pp.23. 172 Em visita ao Brasil em agosto de 2008, Baltazar Garzón afirmou a necessidade da abertura dos arquivos da ditadura militar 564 : Quando não são tomadas as decisões necessárias, apoiadas na verdade e na memória, para se estabelecer o que realmente aconteceu no passado, o país tem um problema a resolver. Entendo que o mais acertado, o mais humano, o mais positivo, é que os arquivos sejam abertos e os culpados responsabilizados. (...) A abertura dos arquivos não tem nada a ver com o risco ao sistema político e sim com a aplicação da justiça, com a recuperação da memória 565 . Pierre Nora, no clássico Os lugares da memória, pondera que a memória é construída por rastros: “desde que haja rastro, distância, mediação, não estamos mais dentro da verdadeira memória, mas dentro da história”566. Para Elizabeth Jelín, a própria idéia de arquivo está ligada à idéia de preservar os rastros do passado. Passar um papel ou um objeto para o centro de documentação é transferi-lo do presente, para a história. Jelin ressalta duas funções distintas para as instituições arquivísticas, ou, em especial, para os que guardam documentos produzidos pelos militares durante as ditaduras do Cone Sul. A primeira função compreende o arquivo como um lugar de “ordenamento de registros”, que fornecerá dados para o presente. A outra é a função “para a história”, esta a que nós, pesquisadores, estamos habituados no processo de construção de nossas narrativas 567 . Na análise destes arquivos devemos trabalhar de forma criteriosa, na medida em que estes governos tinham interesse em produzir informações que legitimassem suas ações. Mas em se tratando de sistemas repressivos, devemos sempre levar em conta, que uma série de outras ações nunca foi registrada. Por isto o valor das fontes orais para a reconstrução desta 564 Baltazar Garzón é juiz espanhol, pioneiro na punição aos crimes cometidos por militares na América do Sul. Ficou conhecido mundialmente em 1998, por ordenar a prisão do ditador chileno Augusto Pinochet, por crimes contra a humanidade. Ano este em que Pinochet comemorou com seus ex-companheiros de armas o 25º aniversário do golpe contra o presidente socialista Salvador Allende. Com 82 anos, se vangloriava de ter conseguido o que nenhum outro militar golpista havia: manter-se à frente do regime por 17 anos, promulgar uma Constituição à sua medida, condicionando o regime democrático que o sucedeu, votar uma lei de anistia para seus crimes e seus colegas que ficaram impunes e, finalmente, “tutelar” a democracia, nomeando-se senador vitalício. Cf. MONTOYA, Roberto. El caso Pinochet y la impunidad em América Latina. Buenos Aires: Pandemia, 2000. pp.15. 565 Entrevista de Baltazar Garzón à Daniel Pinheiro. Contra o cinismo. Revista Carta Capital. 20 de agosto de 2008. pp.16-17. 566 NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História. São Paulo: PUC-SP. N° 10, 1993. pp.9. 567 JELIN, Elizabeth. Gestión política, gestión administrative y gestión histórica: ocultamientos y descubrimientos de los archivos de la repressión. IN:JELIN, Elizabeth & CATELA,Ludmila. Los archivos de la repression: Documetos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002. 173 história e reelaboração de novas memórias. Mesmo que epistemologicamente exista uma distinção muito clara entre memória e historia, não podemos nos furtar a reconhecer a complementaridade que uma exerce sobre a outra. A memória pode funcionar como um estímulo para a elaboração da pesquisa histórica e a história, por sua vez, questiona e age sobre a reelaboração da memória, permitindo que ambas ajudem na tarefa de “narrar e transmitir memórias criticamente estabelecidas e comprovadas”568. As duas funções de arquivo, “ordenamento de registros” e “para a história” puderam ser claramente vislumbradas quando da abertura dos primeiros arquivos do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), ainda na década de 1990. O público que acessava tal acervo, em sua maioria, havia sido vítima do regime militar. Buscava-se, sobretudo, informações necessárias que confirmassem materialidade dos crimes cometidos pelo Estado, de forma a obterem direito às indenizações, ou estavam à procura de pistas acerca de algum desaparecido político 569 . Após este período de busca dos militantes, foi a vez dos pesquisadores começarem a adentrar estes arquivos, na tentativa de elaborar reconstituições e promover melhor entendimento do que teria sido e como teria agido o governo militar. A partir do final dos anos de 1990 houve um novo boom de livros memorialísticos [como vimos na discussão sobre o ORVIl, isto foi característico do começo dos anos de 1980] , e mais ex-guerrilheiros começaram a relatar suas experiências, mesmo com alguns silenciamentos 570, ou suas “memórias soltas”, que fornecem contornos à um 568 JELIN, Elizabeth. Los trabajos de la memoria. Madri. Siglo XXI, 2001. pp.75. 569 Somente em dezembro de 1995 que o presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou a “lei dos desaparecidos” (Lei 9.140), que determinou o reconhecimento da responsabilidade do Estado pela morte de 136 "desaparecidos" políticos e criou a Comissão Especial de Reconhecimento dos Mortos e Desaparecidos Políticos, para examinar outras denúncias apresentadas através de requerimentos de seus familiares. Novas descobertas a respeito das circunstâncias das mortes e "desaparecimentos" surgiram e alguns restos mortais foram encontrados, ainda que, o ônus da prova tenha recaído sobre as famílias. As investigações abriram caminho para o desmascaramento da maioria das versões oficiais. Entretanto, até o momento, os limites da lei permanecem e têm sido explicitados durante todo o processo de sua elaboração e vigência. A lei em vigor não obriga o Estado a investigar os fatos, a apurar a verdade, a proceder ao resgate dos restos mortais, a identificar os responsáveis pelos crimes e a punir os culpados, deixando às famílias a incumbência de apresentar as provas dos crimes e os indícios da localização dos corpos dos militantes assassinados. Além disso, a abrangência da lei é a mesma da anistia, considera apenas os assassinatos por motivação política ocorridos até agosto de 1979, não permitindo o reconhecimento das mortes do período transcorrido entre 1979 a 1985. Para mais detalhes: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos_comissao.php?m=2 570 O silenciamento mostra uma produção de sentidos que fazem entender a dimensão do “não dito”, principalmente quando se trata de memórias traumáticas de situações-limite, como a tortura. Segundo Orlandi “o silêncio não interpretável, mas sim compreensível” e “fala por si mesmo, é explicativo”. Cf. ORLANDI, Eni. As formas do silencio no movimento dos sentidos. Campinas: UNICAMP,1995. pp. 63. 174 determinado acontecimento compartilhado pelo coletivo 571 . É importante problematizarmos a história oral seja como método, seja como fonte, uma vez que nela, dentro deste processo de produção historiográfica, a subjetividade é uma característica ainda mais forte do que quando utilizamos outras fontes. Cada depoente traz sua verdade. De acordo com Elizabeth Jelín, a disputa da memória contra o silêncio (esquecimento) esconde o que, na realidade, é uma oposição entre distintas memórias rivais, cada uma delas incorporando seu próprio esquecimento ou silêncio. “A realidade social é contraditória, cheia de tensões e conflitos. A memória não é uma exceção”. O campo da memória da repressão não é algo homogêneo ou unificado. Existem lutas que surgem da confrontação entre diferentes atores acerca das maneiras “apropriadas de lembrar (...) se trata de afirmações e discursos, de feitos e gestos, uma materialidade com um significado político, coletivo e público”572. Em Felipe Aguero e Eric Hershberg, buscamos uma interrogação relevante para a construção da memória do período ditatorial: quais são os mecanismos com que os atores sociais e políticos intervêm nas disputas sobre a memória, e como terminam canalizando-se e refletindo-se em instituições, normas e políticas em que se molda a memória coletiva? 573 . No que tange às memórias sobre o período, sobretudo as produzidas pelos órgãos de Direitos Humanos, a exemplo dos grupos Tortura Nunca Mais 574 , Comissão de familiares de mortos e desaparecidos políticos, Centro de documentação Eremias Delizoicov 575 , Anistia Internacional etc, existe uma reivindicação por um lugar inquestionável da legitimidade da memória. E ao trazer à tona memórias traumáticas que apontam pessoas e instituições ligadas à violação de leis, pedem a reparação e retratação dos acusados. Não raras vezes, por reivindicarem direito à cidadania, seus membros são chamados, por simpatizantes do regime militar, de revanchistas. 571 Para melhor vislumbrar o conceito de memória solta. STERN, Steve. De la memoria suelta a la memoria emblemática: Hacia el recordar y el olvidar como proceso histórico (Chile, 1973-1998). Retirado de: http://www.cholonautas.edu.pe/modulo/upload/SStern.pdf em 01/08/2008. 572 JELIN, Elizabeth & KAUFMAN, Susana. Los niveles de la memoria. Entrepasados. Año X. n.20. 2001. 573 AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric. Las fuerzas armadas y las memorias de La represión en El Cono Sur. IN: AGUERO,Felipe& HERSHBERG,Eric(comps.). Memorias militares sobre La repression em El Cono Sur:visiones em disputa em dictadura y deocracia Madrid: Siglo XXI, 2005pp.5 574 www.torturanuncamais.org 575 O centro de documentação E. D. e a Comissão dos familiares mantém um site informativo: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/index.php?m=1 175 Na realidade, poderíamos dizer que a aplicação da pecha de “revanchista” tem feito parte de um discurso cultural-corporativo, ou até mesmo institucional. Por muito tempo os militares envolvidos no regime e no processo repressivo ficaram em silêncio. Foi apenas a partir de 1992 que passou a ser sistematizado um trabalho de coleta de depoimentos de militares pelo Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getulio Vargas (CPDOC/FGV). Os principais temas abordados estavam relacionados ao golpe, repressão, abertura e processo de redemocratização 576 . Devemos lembrar que nem sempre foi assim, logo após a transição política havia certa insegurança por parte dos militantes e/ou pesquisadores no que tange à recuperação da história da esquerda que lutou, de diferentes formas, contra o regime militar. Se o acesso às fontes ainda hoje é um problema, imaginemos em 1985. Naquele ano, Daniel Aarão Reis explicitava sua preocupação: Existe uma história que recupere a memória coletiva dos militantes de esquerda que se opuseram ao Estado autoritário? Afinal, as concepções elaboradas para a fase de luta, agora que o regime militar acabou, podem ser consideradas vitoriosas? Ou, pelo contrário, foram derrotadas? (...) Difícil duplamente. Primeiro porque os dominados – ao contrário dos dominadores – não contam com os aparelhos governamentais para a sistematização de seus registros e já por aí dilui sua memória social (...). Segundo porque a memória coletiva das esquerdas é de tal modo dividida pelos múltiplos movimentos, alas, dissidências frações, que se torna impossível, ao menos na conjuntura atual dar-lhe organicidade 577 . O pesquisador faz sempre referência à questão das parcas fontes disponíveis e, em certos momentos, mostra-se um tanto quanto pessimista sobre a possibilidade de acesso às produzidas. Mas vale destacar que o que ocorreu e ainda ocorre em maior parte, é justamente o contrário, são os militares que permaneceram e ainda permanecem em silêncio, uma realidade que muito lentamente vem se alterando. Segundo Celso Castro e Maria Celina D´Araújo, na disputa pela legitimidade da construção deste passado recente, os militares construíram uma racionalidade acerca do tema, enfatizando aspectos da vida militar e subestimando valores da vida civil. Mas apesar 576 Série Os anos de chumbo: a memória militar sobre... De Maria Celina D’ARAÚJO; Gláucio SOARES, & Celso CASTRO. 577 REIS FILHO, Daniel. Tantas ilusões perdidas... A memória dos militantes de esquerda. In: SILVA, Luis Werneck. A deformação da história, ou, para não esquecer. Rio de Janeiro: Zahar, 1985. pp.23. 176 do peso desta explícita subjetividade, “uma das qualidades (do livro) foi fazer com que os militares rompessem o pacto de silencio acerca do tema”578. Aspecto que consideramos essencial nesta pesquisa de fôlego, é o fato de ela permitir vislumbrar a heterogeneidade existente dentro das Forças Armadas, demonstrando divergências tanto entre as forças como nas relações internas de cada delas. Por exemplo, Priscila Brandão Antunes destaca a existência de disputas pela memória dentro do Exército 579 , assim como Celso Castro, Maria Celina D’Araújo e Gláucio Soares chamam a atenção para as distintas relevâncias que o tema da tortura assume para os militares no livro Memória militar sobre repressão. O general Fiúza de Castro, por exemplo, representante da chamada “linha dura”, foi um dos poucos oficiais que afirmou ser a tortura uma prática recorrente dentro dos DOI`s 580 . Afirmou ainda, que “em certas circunstâncias, ela é necessária.(...) Não sou um homem mau, mas também não sou contra a tortura.”581 Já o general Coelho Neto, também vinculado à linha mais repressiva, e notadamente um homem da “linha dura”, não admite a existência da prática da tortura. “Nunca houve tortura. Nunca. Nem precisa. Com um interrogatório inteligente, bem feito, o sujeito cai nas contradições e fala.(...) Os comunistas aproveitaram esse mote da tortura para fazer sua campanha e viram que deu resultado. (...) O sujeito dizia; “Eu apanhei em tal lugar. Me queimaram em tal lugar”. E nem tinha marca de queimadura. E a imprensa ajudou neste estado de coisas. Estou cansado de ver transformarem bandido em herói. (...) Não dávamos nenhuma bola (à Anistia internacional). 578 D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994.p.04 579 ANTUNES, Priscila. Bomba en Ríocentro:Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG & AGUERO. Memorias militares sobre el Cono Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia. Madrid. Siglo XXI, 2005. 580 .Os chamados “linha dura” se definiam como uma concepção menos orgânica, formada por oficiais de baixa ou media patente, com uma linha tênue de coordenação. Pelas palavras de Coelho Netto “era a que exigia o cumprimento das leis vigentes, das leis de segurança”. Em contraposição a esta, está a “linha Castelista”, que era um grupo mais intelectualizado, ligado às Escolas superiores das forcas armadas, composto, em maioria, por generais que estavam em sintonia entre si e entre os empresários. Cf.ANTUNES, Priscila. Bomba en Ríocentro: Militares y otras memorias. IN: HERSHBERG & AGUERO. Memorias militares sobre el Cono Sur. Visiones em disputa em dictadura y democracia. Madrid. Siglo XXI, 2005. pp.72; COELHO NETTO, José .Depoimento. IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Gláucio & CASTRO, Celso. Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. pp.235. 581CASTRO, Adyr Fiúza. Depoimento. IN: D’ARAÚJO, Maria Celina; SOARES, Glaucio & CASTRO, Celso.Os anos de chumbo: a memória militar sobre a repressão. Rio de Janeiro:Relume-Dumará, 1994. pp.73. 177 Primeiro porque a AI não estava no Brasil tomando conhecimento dos acontecimentos. (...) Eu considero a AI um bando de vigaristas (...)” 582. Os militares crêem que os militantes derrotados tornaram-se “donos da história”, conforme nos mostra os autores acima citados. Existiria um certo ressentimento de tais agentes em relação ao esquecimento e à pouca valorização de sua história, da perspectiva militar, tanto sobre o processo de tomada do poder em 1964, quanto da institucionalidade e legitimidade do regime. A lógica do pensamento militar é: venceram a guerra contra os terroristas e foram derrotados na luta pela memória histórica do período. Alguns apenas forneceram depoimentos, pois achavam que não havia sido apresentada uma versão militar sobre a repressão, que fosse legitimada pela sociedade 583 . Em recente trabalho sobre a memória, Beatriz Sarlo cita o caso argentino em relação ao PRN (Proceso de Reorganizacíon Nacional) 584. Para a autora, foram os “atos de memória” que possibilitaram a transição democrática naquele país e o julgamento dos crimes de estado: “É evidente que o campo da memória é um campo de conflitos entre os que mantém a lembrança dos crimes de Estado e os que propõem passar a outra etapa, encerrando o caso mais monstruoso. Mas também é um campo de conflitos para os que afirmam ser o terrorismo de Estado um capitulo que deve permanecer juridicamente aberto (...) e deve ser ensinado, divulgado, discutido”585. Não obstante, em sua afirmação há uma supervalorização ao papel pragmático da memória no processo de transição, que somente através destes “atos de memória”, teria sido possível minimizar a prática social do esquecimento. De acordo com Mário Silva, é esta prática uma das chaves necessárias para a compreensão da postura assumida pela sociedade política e civil brasileira, no que diz respeito ao regime militar: o esquecimento 582 COELHO NETTO. op. cit. pp.237-239. 583 Idem .pp.13. 584 PRN (Proceso de Roerganizacion Nacional) foi a auto-denominação dada pela junta militar que tomou o poder em 1976. Integrava a junta o general Jorge Videla (nomeado presidente do país), o almirante Emilio Massera e o brigadeiro Orland Agosti. Cf. ROMERO. Luis. El Proceso. IN: Breve Historia Contemporânea da Argentina. México. Fondo de cultura Económica. 1994. pp.308. 585 SARLO, Beatriz. Tempo passado. Cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007. pp.24. 178 “compulsório” foi uma condição para a implementação do processo de distensão, incluída a Anistia 586 e a implementação da Nova Republica 587 . Para Daniel Aarão Reis, foi logo após a Anistia de 1979 que ocorreu a primeira oportunidade da sociedade brasileira para exercitar sua memória sobre a história recente do país. Não obstante, em sua concepção, o que houve foi um deslocamento de sentido que se fixou na memória nacional como verdades absolutas, correspondentes ao processo histórico objetivo e não a versões consideradas apropriadas por seus autores. Como exemplos deste deslocamento ou reconstrução histórica, o autor cita três casos: dos partidários da Anistia, dos simpatizantes da ditadura, e da sociedade em geral. Conforme analisa Daniel Aarão Reis, no primeiro caso, os partidários da Anistia, apresentaram os guerrilheiros como parte da resistência democrática ao regime, ou melhor, como braço armado desta resistência: Apagou-se, assim, a perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado aquelas esquerdas. E o fato é que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela democracia, francamente desprezada em seus textos 588. No segundo caso, dos partidários da ditadura, o autor crê que estes reconstruíram a luta armada como uma guerra revolucionária, discurso que, inclusive, a própria esquerda chegou a reproduzir. E foi com base neste argumento, da guerra, ambos os lados deveriam ser considerados. Desta forma não foi difícil adicionar dispositivos à lei de Anistia para que esta se tornasse recíproca. 586 Para um debate mais aprofundado sobre a dialética memória/esquecimento na questão da Anistia, o trabalho de Heloísa Greco nos serve como referência. A autora chama a atenção que a própria palavra Anistia traz as duas polaridades citadas, sendo, “anamnesis (reminiscência) e amnésia (olvido, perda total ou parcial da memória) aí se cruzam em permanente tensão. Colocam-se como contendoras duas concepções opostas e excludentes: anistia como resgate da memória e direito à verdade: reparação histórica, luta contra o esquecimento e recuperação das lembranças; e anistia como esquecimento e pacificação: conciliação nacional, compromisso, concessão, consenso – leia-se certeza da impunidade”. Cf. GRECO, Heloísa. Dimensões fundacionais da luta pela anistia. Tese de doutorado. Departamento de História: UFMG, 2003. pp.319. 587 SILVA, Mário. Os escritores da guerrilha urbana. Literatura de testemunho, ambivalência e transição política (1977-1984). São Paulo: Anablumme, 2008. pp.31. 588 REIS FILHO, Daniel. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005. pp.70. Uma reflexão semelhante do autor pode ser lida no artigo: Ditadura e sociedade: as reconstruções da memória. In: UFF, UFRJ, CPDOC & APERJ. 1964-2004: 40 anos do golpe. Rio de Janeiro: 7 letras, 2004. pp. 119-139. 179 O último caso diz respeito à reconstrução da memória pela sociedade. Esta teria se reconfigurado, como se tivesse sempre se oposto maciçamente à ditadura. As relações entre sociedade e ditadura foram, desta forma, redesenhadas: “A sociedade brasileira não só resistira à ditadura, mas a vencera. Difícil imaginar opoção melhor para a auto-estima”589. Destoando da prática do esquecimento, citamos o caso da atriz Bete Mendes, ex- guerrilheira da VAR-Palmares e ex-deputada do MDB e do PT, que em agosto de 1985, em visita oficial a Montevideo, encontrou-se com Carlos Alberto Ustra, antigo comandante do DOI, acusado de praticar torturas, inclusive na eferida atriz. Assim que regressou ao Brasil, Bete pediu a exoneração de Ustra, então adido militar no Uruguai. Em resposta às acusações, Ustra escreveu o livro Rompendo o silêncio, no qual deixa clara a sua visão de um revanchismo por parte da esquerda, fortalecida pela mídia: No Congresso, em 30 meses de mandato, jamais defendeu qualquer medida revanchista. Hoje, no entanto, também em respeito à memória dos que morreram sob tortura, executados sem direito a julgamento, é obrigada a reclamar e exigir providências (...) Durante a visita ao Uruguai do exmo. sr. Presidente da República, cuja comitiva deputada Elizabeth Mendes integrou, ocorreu o reconhecimento mútuo entre o coronel e a parlamentar, antiga militante de organização terrorista. Na ocasião, o tratamento entre ambos transcorreu de acordo com as normas sociais, funcionais e diplomáticas exigidas pelas circunstâncias, e em todas as oportunidades subseqüentes permaneceu o tratamento cordial, o que pode ser atestado por funcionários da nossa embaixada naquele país. Em nenhum momento o coronel desculpou-se por sua atuação no combate ao terrorismo no passado. Seu comportamento modificou-se, queremos crer, em conseqüência da pressão dos mesmos grupos que vêm radicalizando posições através da Imprensa e de pronunciamentos de alguns parlamentares 590 . Neste mesmo período, de consolidação da democracia, publicizou-se a luta pela memória no âmbito dos “documentos oficiais”. Sem dúvida, neste campo vem sendo travada uma constante polêmica. Estes arquivos são lugares da memória absoluta 591 , que nos ajudam a reconstituir, sob diferentes prismas, a história recente do país. Ludmila Catela trabalhou com a relação arquivo público/vida privada, tomando como caso uma ex-presa política do Rio de Janeiro, citada no Projeto Brasil: Nunca Mais. Maria (nome fictício da militante) sabia da existência de uma pasta inteira sobre sua 589 Idem. pp.71. 590 USTRA, Carlos Alberto. Rompendo o silencio. Rio de Janeiro: Blibliex, 1987. pp. 16-18. 591 NORA, Pierre. Os lugares da memória. s.n.t. 180 militância no arquivo do DOPS, depositado no Arquivo Publico do Estado do Rio de Janeiro; contudo, até então, nunca quis tomar nota do que existe sobre ela em tal arquivo. Em seu depoimento à pesquisadora, contou da dificuldade em enfrentar seu passado. Sabia que, entre processos policiais e demais documentos burocráticos, existiam cartas e outras recordações pessoais, que poderiam lhe trazer à tona lembranças e ativar memórias que afetariam sua vida no presente. Não sabia, ao certo, se aliviaria ou aumentaria seu sofrimento. Na dúvida, resolveu esperar, acreditava que um dia tomaria conta da “papelada” existente, mas sabia que não seria bom ativar esta memória592. A entrevistada, de fato, teve acesso aos documentos em 2000, quando da abertura dos arquivos no Rio de janeiro. Como historiadora, Maria levantou questões fundamentais para a pesquisa histórica nestes arquivos, que devem ser dilemas de qualquer historiador: que valor têm estes papéis como fonte histórica? O que acontece se um pesquisador os toma como verdadeiros e não os confronta com os testemunhos dos perseguidos pelo regime? 593 Estas questões somente reafirmam o arquivo como lugar da memória, mas de uma determinada memória, com determinada verdade. Bem sabemos que quem escreve, escreve de um lugar específico. Se não há o confronto entre as partes, não há uma problemática, tampouco, pesquisa histórica. Desta forma, apresentaremos, brevemente, um histórico da descoberta e publicização de parte dos “arquivos da repressão” para melhor vislumbrarmos a recente discussão acerca da memória e da abertura dos arquivos. Após a aprovação da lei de Anistia (nº. 6683/79) 594 , os advogados dos presos políticos começaram a trabalhar para enquadrarem seus clientes na categoria de anistiados. Para tanto, tiveram acesso livre ao arquivo ao Supremo Tribunal Militar. Ao entrarem em contato com tais documentos, notaram ter em mãos uma sistematização de como o governo agia e de como a tortura se configurava como uma prática sistemática no regime militar, por mais que, durante muito tempo, o aparato publicitário montado tenha atingido uma grande parcela da sociedade e a convencido de que éramos o país do “futuro”, o país do 592 Cf. CATELA, Ludmila. Territorios de La memória política. Los archivos de La repression em Brasil. IN: JELIN, Elizabeth & CATELA, Ludmila (comps). Los archivos de la repression:Documentos, memoria y verdad. Madrid: Siglo XXI, 2002. pp.16. 593 Idem. pp. 77. 594 Tal lei anistiou tanto militares quanto presos políticos. Abarcava todos os crimes cometidos entre 1961 e 1979 contudo, excluía os condenados por “terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal”. http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm 181 “milagre econômico” e que tudo ia dentro da normalidade. Ou seja, da “cultura do simulacro 595”. Estes advogados procuraram o pastor protestante James Wright 596 , e lhe relataram o que haviam lido. Sugeriram, então, a reprodução destes documentos. Wright procurou Dom Paulo Evaristo Arns e juntos solicitaram financiamento ao Conselho Mundial de Igrejas que, ao todo, contribuiu com 350.000 dólares para o custeio das fotocópias destes documentos e para o pagamento de pesquisadores que trabalhavam todo o tempo, clandestinamente, na reprodução do material. O que seria somente uma mostra para ilustrar como funcionavam os mecanismos de violação de direitos humanos, transformou-se na duplicação completa do arquivo do STM. Como afirma Ludmila Catela: “ironia do destino, o grande segredo dos militares havia se transformado no grande segredo dos direitos humanos”.597 Resultado final foi o chamado Projeto A Brasil: Nunca Mais598 composto por 12 tomos, sendo: I. O regime militar: contém análise do regime implantado a partir de 1964. II. volume 1. A pesquisa BNM: descreve o projeto e as fontes. II. volume 2. Os atingidos: mostra, em ordem alfabética, os processados, torturados, denunciados, etc. II. volume 3. Os funcionários : contém lista alfabética de nomes de todos os envolvidos direta ou indiretamente na violação de direitos humanos. III. O perfil dos atingidos: mostra dados gerais sobre os processos realizados contra 7.367 pessoas. Separados por organizações de esquerda, setores sociais e outras atividades. IV. As leis repressivas. V. A tortura: 3 volumes: contém nome dos torturados, tipos de tortura, idade, descrição dos métodos e locais onde aconteciam. V. volume 4. Os mortos: contém nome dos mortos, descrição da morte, lugar onde aconteceram as mortes e nome dos médicos que deram aos atestados de óbito. 595 Cf. CARDOSO, Irene. O arbítrio transfigurado em lei e a tortura política. IN: FREIE et. all. Tiradentes: um presídio na ditadura. pp. 474. 596 James Wrigth esteve junto com Henri Sobel e Dom Paulo Arns no culto ecumênico em São Paulo quando da morte do jornalista Vladimir Herzog em 1975. 597 CATELA, Ludmila. op. cit. pp.33. 598 Toda a documentação tem um volume de cerca de 1.000.000 de páginas. Estes tomos foram organizados de forma que pudesse ser uma referência para pesquisas. 182 VI. volume 1. Índice dos anexos: sobre o material roubado das vítimas VI. vol. 2 Inventário dos anexos: descrição dos documentos roubados (cartas pessoais e folhetos). Tal projeto possui apenas 25 cópias, algumas passadas para o inglês e enviadas para o exterior, qualquer pessoa pode ter acesso. Em 1985 foi lançado o Projeto B, em livro, para que tivesse maior divulgação. Chamado: Um relato para a história – Brasil: Nunca Mais. O prefacio é de Dom Evaristo Arns 599 . Quando do término do projeto e lançamento do livro, acreditou-se que havia “toda a verdade” sobre o que aconteceu nos anos que se seguiram a 1964. Até a aprovação do habbeas data em 1988, esta havia sido praticamente a única referência oficial que os processados ou punidos pelo regime militar tinham para buscar informações e pedir reparações. "É o individuo que o detém e o faz de maneira privada. A sociedade não participa dessa transação nem se apropria das informações obtidas. (...) A instituição que determina a quantidade e o conteúdo que deve liberar" . 600 Em 1992 os arquivos começaram a ser transferidos das instituições militares para os arquivos públicos, criando assim, mais uma forma de se conseguir informações tanto sobre o indivíduo, quanto sobre o conjunto de ações do governo. Os arquivos da repressão contêm documentos pessoais, declarações individuais, inquéritos, fotos, correspondências, enfim, tem-se o monitoramento diário dos considerados inimigos internos. Apesar disto, em relação aos desaparecidos políticos, as lacunas ainda persistem, o que ficou claro, sobretudo a partir da descoberta da vala clandestina de Perus em 1990 601 . 599 Projeto A Brasil: Nunca Mais, em Minas há uma cópia disponível para consulta no Instituto Helena Greco. Projeto B, foi lançado pela editora Vozes, em 1985. 600 GRECO, Heloisa. A dimensão trágica da luta pela anistia. IN: Cadernos da Escola do legislativo. Belo Horizonte, vol. 8. n.13. 2005. pp. 85-111. 601 Esta vala encontra-se no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo, construído em 1971, sob governo de Paulo Maluf. Mais de 1049 ossadas foram encontradas entre indigentes, desaparecidos políticos e vítimas do Esquadrão da Morte. A UNICAMP ficou com a responsabilidade identificar os corpos. Neste ano, o governo resolveu voltar à identificação do restante das ossadas (147 ativistas). Em Minas e São Paulo já ocorreram, atos de coleta para o banco de DNA de familiares de desaparecidos. Segundo dados da Comissão Especial e a Secretaria de Direitos Humanos (ambas ligadas ao Ministério da Justiça), existem 147 ativistas políticos mortos pelo regime ainda não identificados. Cf: TELLES, Janaína. Mortos e desaparecidos políticos: reparação o impunidade? São Paulo: Humanitas, 2002. FIGUEIREDO, Lucas . À procura dos corpos. Estado de Minas. Caderno Política. 22 de abril de 2007. pp.22. Para mais informações: http://www.desaparecidospoliticos.org.br/perus/perus.html e documentário premiado : “Vala comum”. Direção:João Godoy.32 min. 1994. 183 Outro fator relevante foi o aparecimento do ORVIL que, como vimos, reanimou o debate acerca da abertura dos arquivos da ditadura e da reabertura de alguns processos para a indenização de famílias. Hoje já se sabe que, muitas das vezes, as informações (verbais ou escritas) foram retiradas sob tortura, embora isto não esteja descrito no livro. Tais informações se liberadas à revelia, poderiam causar transtornos e ativar memórias desnecessárias. Trata-se da delicadeza do limite entre público/privado em tais arquivos. Os questionamentos que levaram à produção do livro mostraram aos seus pesquisadores a necessidade de abranger um maior recorte temporal para compreenderem aquilo que estava se configurando como a “quarta tentativa de tomada de poder”. De acordo com o documento: Esta tentativa de fato já teve seu inicio há alguns anos. Vencida a forma de luta que escolheu- a luta armada- , a esquerda revolucionária tem buscado transformar a derrota militar que lhe foi imposta em todos os quadrantes do território nacional em vitória política 602 Pela lógica militar, a esquerda haveria mudado a estratégia de luta para garantir seu assalto ao poder. Desta maneira, uniram-se à esquerda ortodoxa, com quem romperam anos antes, e ao clero progressista. Para os militares, isto mostraria como a “nossa memória é fraca”. Superestimando o poder do inimigo, o ORVIL chama a atenção para fatos que ilustram o quão ardilosa foi a esquerda no Brasil daquele período. Consideravam que os leitores do documento seriam jovens na faixa dos 30 anos 603 , que eles ainda não haviam nascido na primeira tentativa de tomada de poder (1935), tampouco se recordariam da segunda (1964), e assim formariam, a partir das publicações biográficas divulgadas naquele período, uma visão “deturpada” do que teria sido a realidade dos movimentos de esquerda. Ante a iminente perda da luta pela memória, precisavam “reconstruir” a verdade sobre os órgãos de esquerda. Para estes militares, a terceira tentativa (período de 1966-1973) teria sido a mais violenta e mais nítida, contudo não seria a mais perigosa. Esta seria a quarta tentativa, que abrange um trabalho de massas e tinha por trás um projeto de deturpação da história, maculando a imagem do período militar e se colocando no papel de vítima 604 . 602 Projeto ORVIL.pp.11. www.averdadesufocada.org.br 603 Considerando a época da escrita do “livro”, 1986. 604 Projeto ORVIL está totalmente disponível no site www.averdadesufocada.org.br 184 No Brasil, foi somente em 1995 que o Estado assumiu a responsabilidade pelo assassinato e desaparecimento de opositores, por meio da Lei 9.149/95, que instituiu a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, cuja função principal seria a de localizar e buscar soluções para cerca de 400 corpos de militantes. Devido a sua natureza, o crime do desaparecimento de pessoas encobre a identidade de seus autores. Começa um jogo perverso em que não se há cadáveres, não há culpados, e os familiares das vítimas perdem seu direito ao luto. Diversas valas clandestinas e até um cemitério subaquático foram descobertos. O processo de identificação dos corpos é lento por dificuldades de financiamento. A Secretaria Especial de Direitos Humanos lançou em agosto de 2007, o livro-documento Direito à Memória e à Verdade 605 , baseado nos processos políticos dos mortos e desaparecidos, o qual se tornaria a “palavra oficial” do Estado, acerca destes militantes. Muito recentemente, outro passo do governo foi a institucionalização pelo Ministério Civil, sob coordenação de Dilma Vana Rousseff, do Centro de referencia das lutas políticas no Brasil. Este implantado pelo Arquivo Nacional, cuja finalidade é a reunião de informações sobre a história política recente. Por meio de um site, pode-se ter acesso a imagens e documentos on-line ou localizar documentos dentro do Arquivo Nacional. Sem dúvida, passos importantes estão sendo dados no sentido de publicização de informações 606 . O debate acerca da memória do período inicialmente era mais difícil de ser realizado em função do receio dos militantes em exporem suas vidas e que a “memória oficial”, os documentos, ainda estava nas mãos do Exército. Com o revés desta situação, atualmente, é difícil encontrar nas novas gerações quem trate o golpe como “revolução”, ou guerrilheiros como terroristas, assim, a tendência é a não perpetuação desta “historia militar”. Ainda há muito o que ser escrito e pesquisado sobre o período, para tanto é necessária a abertura dos arquivos e a fala de muitos que viveram a época (sejam militares ou militantes) para que haja mais análises e novas interpretações sobre os fatos ocorridos no período. A discussão que permea este capítulo é a discussão sobre a abertura de arquivos. Na primeira parte, através dos arquivos que recentemente foram tornado público ORVIL e 605 Há uma versão on-line, no endereço: http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/.arquivos/livrodireitomemoriaeverdadeid.pdf 606 http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br 185 AESI, pudemos ter uma visão mais esclarecida da atuação tanto dos agentes de informação a respeito das organizações, quanto da colaboração de funcionários civis com o combate à “subversão”. Pudemos, através de uma pequena amostra vislumbrar esta colaboração dentro da UFMG, principalmente, na Faculdade de Medicina. A segunda parte, tratou de como o aparecimento de novas fontes arquivísticas alimentam o debate sobre a memória do período. Debate este, ainda longe do término. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este trabalho buscamos reconstruir a história do grupo Comandos de Libertação Nacional (COLINA), que existiu no curto período entre os anos de 1967 a 1969. Na elaboração de tal reconstrução, utilizamos alguns conceitos que nos auxiliaram na compreensão de alguns aspectos desta organização. Foram eles: culturas políticas, terrorismo e violência. Dentro do universo das culturas políticas, duas são identificadas no objeto de estudo: a comunista e a nacional-estatista. O COLINA reproduziu ao seu modo, algumas características da cultura política comunista, vinculada essencialmente ao estereótipo do PCB: o culto aos ídolos e o modelo hierárquico de organização militar, repleto de normas de conduta, bem como marcado pela existência de uma “ moral” comunista, virtuosa. Outra similaridade entre guerrilheiros e militantes do PCB está na curiosa assimilação entre Igreja e comunismo, de forma que alguns buscavam na Bíblia a justificativa de suas ações. Não podemos deixar de mencionar o vocabulário próprio guerrilheiro, que servia para separar “eles” dos “os outros”, aqueles que abandonaram a luta revolucionária. Buscamos, com estes exemplos, compreender o quão abrangente é a cultura política comunista, e identificar, de modo sucinto, as grandes mudanças que significaram a transição entre os dois momentos desta mesma cultura (da revolução russa para a revolução cubana): as referências revolucionárias, o rompimento do monopólio do PCB, e do reformismo na esquerda. Apesar das significativas mutações citadas, os códigos e valores não mudaram de modo tão significativo, ao ponto que pudéssemos pensar em alguma outra sub-cultura política para o caso da “nova esquerda”. A cultura politica nacional-estatista ou trabalhista também é fundamental para entender a cultura política das esquerdas no Brasil em suas especificidades. Existe uma 186 analogia entre esta cultura política pejorativamente cunhada de populista, e os militantes do COLINA, embora o discurso da esquerda armada não passe por uma proposta trabalhista (tampouco os trabalhistas “clássicos” propunham uma guerrilha). Existem resquícios desta tradição no linguajar da “nova esquerda”, a historia não “começou do zero” com estes. O outro conceito que trabalhamos foi o de terrorismo, cuja definição não é simples de realizar, em função de não existir um consenso entre especialistas em suas caracterizações. Independente das concepções utilizadas, fato comum é que o termo terrorismo é sempre usado de forma pejorativa. Seria sempre o método do inimigo. Considernado o período estudado, percebemos que tanto militares quanto guerrilheiros se acusavam de terroristas. O sentido depreciativo do termo estaria ligado à idéia de violência, que é um conceito distinto de terrorismo. Os grupos guerrilheiros trouxeram para si o estigma de terroristas, incluindo aí o COLINA (aliás, um dos primeiros a se declararem como tais). Contudo, ambos tratam por terrorismo o que na verdade entendemos como violência revolucionária. Não houve no Brasil uma prática sistemática de terrorismo de esquerda, mas sim, o uso da violência revolucionária como forma de combate à ditadura. A violência revolucionária foi utilizada de modo instrumental pela esquerda armada. Seria uma forma de conquista da liberdade, utilizada contra outro tipo de violência, a estatal. No que tange à distinção entre guerrilha e terrorismo, podemos afirmar que a primeira é uma forma de luta revolucionária que visa a tomada do poder e tem um projeto de mudança política, não se constitui tão somente em uma tática militar. Já o segundo exclui a questão da luta de classes e como vimos, seu uso é condenado pelos líderes clássicos da esquerda. Já o terror de Estado implica em um tipo de terrorismo praticado em grande escala, que sai do centro do poder estatal, tanto para dentro do próprio país, ou para fora das suas fronteiras. Houve diferentes graus de terorismo de Estado nos países do Cone Sul, promovido pelos regimes de Segurança Nacional. Respeitadas as especificidades nacionais, todos fizeram uso maciço da tortura, da presença de comandos paramilitares (esquadrões da morte), da promoção de “desaparecimentos”, e da internacionalização do sistema repressivo. Sobre o conceito de violência e a sua recepção na América Latina, trabalhamos com alguns autores que pregavam esta idéia, como Herbert Marcuse e Franz Fanon. De 187 uma maneira geral, foram estas as principais obras que influenciaram as esquerdas armadas revolucionarias brasileiras. Refletiam como a violência poderia ser viável para a libertação dos povos, e virou a raison d'être deste setor. Foi a partir destes teóricos que no país, a violência, ao nosso entender, tornou-se uma forma de se fazer política aplicada contra o regime militar, por parte dos revolucionários. consideramos a violência como uma forma de instrumento de pressão para fins políticos. A aplicação da violência teria sido uma forma peculiar de se fazer política, quando todos as vias legais já estavam cerceadas. O estudo do panorama internacional que antecedeu a Revolução Cubana nos possibilitou compreender como surgiu a idéia de pegar em armas, tanto de um lado, como de outro (militantes X Estado). Sem dúvida a Revolução Cubana impactou diretamente a esquerda latino-americana, uma vez que a guerrilha rompia com a doutrina do marxismo- leninismo no que diz respeito à maneira de se fazer a revolução. Esta última defendia a necessidade da existência de um partido operário revolucionário. Tal proposição questionava a política de coexistência pacífica proposta pelo Partido Comunista da União Soviética, até então aceita pelos Partidos Comunistas da América Latina. Com o evento cubano, vários setores da esquerda passaram a questionar a política adotada pelos PC’s, que apostavam na aliança com a burguesia em busca de reformas. É interessante perceber como a revolução cubana trouxe várias conseqüências para a América Latina, uma região fortemente marcada por processos de institucionalização dos militares como atores da política, principalmente no que tange à questão dos golpes militares. Como ressalta Moniz Bandeira, as seqüências de golpe foram resultantes não apenas de fatores endógenos e constituía-se muito mais como um fenômeno de política internacional continental, do que de política nacional. Depois que os EUA decidiram, via doutrina Truman, divulgar a estratégia de segurança do hemisfério por meio da Junta Interamericana de Defesa, redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno (as doutrinas de contra- insurreição e da ação cívica), houve um “surto militarista” Entendemos que a revolução cubana de 1959 representou para as esquerdas de todo o mundo uma nova etapa, na qual se mostrava possível a substituição de um modelo econômico já consolidado. Além disso, evidenciou a vitória conquistada através de uma estratégia de luta armada organizada por meio de focos guerrilheiros. A idéia de foco serviu de base para as organizações militaristas atuantes, em sua maioria, a partir de 1968. 188 A influência de Cuba na esquerda brasileira teve uma série de significados. Entre os principais destacamos: a atualização da concepção de revolução; a legitimação do exército rebelde; uma nova estratégia, a guerra de guerrilhas; a questão do anti–imperialismo e do anti–capitalismo, sendo os Estados Unidos a “personalização” do inimigo; a solidariedade internacional como ideologia desde seu inicio; a ética e o compromisso do revolucionário; e por fim, a ênfase no papel da vanguarda e a criação do “homem novo”, solidário e participativo. As idéias revolucionárias cubanas foram pouco a pouco sendo introjetadas nas organizações brasileiras, principalmente da POLOP, cujo ápice das assimilações levou à criação do COLINA. No caso argentino pudemos ver similaridades na relação com Cuba. Na abordagem de grupos de esquerda armada no Brasil, responsáveis pelo emprego da violência como mecanismo político, tivemos como focus privilegiado, o grupo COLINA. Surgiu como dissidencia da POLOP justamente em razão de sua opção pelas armas. Três legados da POLOP fizeram do COLINA uma organização diferente das demais: o CEM, o Piquete, e a discussão interna, que elevava a capacidade de elaboração teórica do grupo.A composição básica do grupo era de estudantes universitários, cujos principais líderes pertenciam à Escola de Medicina da UFMG. Tentaram fazer movimento de massa, inclusive, tiveram forte apelo dentro do movimento estudantil, e dentro das possibilidades, trabalharam com movimento operário. Dada a concepção foquista, que previa trabalho com os camponeses, em contraposição à sua origem burguesa, acabaram não dando muita atenção a este último setor. Apesar da curta duração, tentaram dosar discussões teóricas com práticas revolucionárias, legado da POLOP. Não conseguiram implantar o foco, tampouco agiram como terroristas. Suas ações, muitas vezes mal sucedidas, ao menos serviram para chamar a anteção para a luta revolucionária que tentavam desencadear no país. Seus militantes protagonizaram importantes papéis nas denúncias contra o regime e as violações aos direitos humanos ainda na prisão, por meio da “Carta de Linhares”, e depois através de alguns segmentos no exterior durante o exílio. Foi por meio do COLINA também que analisamos uma face da atuação do sistema repressivo dentro da UFMG, percebendo como vários funcionários foram coniventes com o 189 mesmo. Por fim e não menos importante, pudemos vislumbrar como a discussão acerca do período militar é atual e controversa. Buscamos com esta pesquisa contribuir para a compreensão do que foi a luta armada no Brasil a partir da história do COLINA. Esta pesquisa não é a última palavra sobre o grupo, trata-se apenas de um passo para melhor compreensão da ação deste e da ação da esquerda revolucionária no país. Muito ainda há para ser pesquisado e abordado. 190 TRECHO FINAL DO DOCUMENTO: CARTA ABERTA AOS REVOLUCIONÁRIOS. DOPS/MG – APM. 191 FACULDADE DE MEDICINA DA UFMG APÓS A INVASÃO. PICHAÇÕES DIZEM: “FORA VERSIANI TRAIDOR”. 1968. ACERVO PROJETO REPÚBLICA. 192 TRECHO DO DEPOIMENTO DE CARMELA PEZZUTI SOBRE A CELA “SURDA”. ACERVO PESSOAL CARMELA PEZZUTI. 193 OFICIO DO VICE-REITOR DA UFMG AO DIRETOR DA FACULDADE DE MEDICINA SOLICITANDO INFORMAÇÕES SOBRE OS ALUNOS DA REFERIDA INSTITUIÇÃO, PERTENCENTES AO COLINA. ACERVO AESI/UFMG. 194 HISTÓRICO ESCOLAR DE ÂNGELO PEZZUTI - ACERVO AESI/UFMG. 195 UM DOS EXEMPLARES DO PIQUETE. ACERVO DOPS/MG – APM. 196 FOTO DOS 40 BANIDOS EM TROCA DO EMBAIXADOR ALEMÃO. EM EVIDÊNCIA, MILITANTES DO COLINA. JORNAL EM TEMPO. 15.11.1978. 197 CONVITE DE CASAMENTO DE MARIA JOSÉ E JORGE NAHAS. 1968. ACERVO PESSOAL MARIA JOSÉ NAHAS. 198 FONTES JORNAIS Cabo Anselmo era agente da CIA e quer desmoralizar Anistia. Entrevista com Jarbas Marques. Jornal Opção. 04/06/2005. Elevou-se a 154 o número de universitários detidos. Estado de Minas. 05/05/1968. Fortes lembranças dos anos de chumbo. Estado de Minas. 03/05/1999. Onésimo Viana tem proteção policial. Estado de Minas. 22/10/1968. Organização subversiva que agia em Minas é descoberta. Jornal do Brasil. 30/05/1969. Preventiva para Mariguella e 33 da subversão. Estado de Minas. 03/10/1969. Professores apóiam diretor da Medicina. Estado de Minas. 05/05/1968. Secretário explica a atuação da polícia. Estado de Minas. 05/05/1968. Terroristas explodem casa de interventor. Última Hora. 19/10/1968. Toda a verdade sobre os assaltos. Jornal Estado de Minas. 30/05/ 1969. Jornal do Brasil. 8/09/1986. À procura dos corpos. Estado de Minas. Caderno Política. 22 /04/2007. O livro negro do terrorismo no Brasil. Estado de Minas. Reportagem Especial. 2007 O Livro era uma arma, diz general. Estado de Minas. Reportagem Especial.12/04/ 2007. Omissão de militares pode ser investigada. Reportagem Especial. Estado de Minas. 16/04/2007. REVISTAS A Casa dos Horrores. Isto é. 11/02/1981. A memória do porão. Veja 03/02/1986. Contra o cinismo. Revista Carta Capital. 20/08/ 2008. Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html Revista Diversa. Revista da Universidade Federal de Minas Gerais. Ano 5. n 11. Maio de 2007. http://www.ufmg.br/diversa/11/politica.html SITES Arquivo Ana Lagoa http://www.arqanalagoa.ufscar.br/pdf/recortes/R08521.pdf Anais da Associação de Pesquisadores de História da América Latina http://www.anphlac.org/gts/ehmf/bloco3/tema34/apresentacao.doc Aramzém da Memória http//www.armazemmemoria.com.br http//www.armazemmemoria.com.br Revista Arquivos Históricos / UNICAMP http://www.cle.unicamp.br/arquivoshistoricos/ehelio.pdf . Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos http://www.desaparecidospoliticos.org.br/quem_somos_comissao.php?m=2 199 Grupo de Estudo sobre Ditadura Militar http://www.gedm.ifcs.ufrj.br. Instituto João Goulart http://www.institutojoaogoulart.org.br Associação das Mães de Maio - Argentina http://www.madres.org/ Herbert Marcuse http://www.marcuse.org/herbert/pubs/60spubs/65repressivetolerance.htm Faculdade de Medicina da UFMG http://www.medicina.ufmg.br/noticias/?p=1311 Legislação Governo Federal http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1979/6683.htm Biblioteca Central da UFMG www.bu.ufmg.br Terrorismo Nunca Mais www.ternuma.com.br Tortura Nunca Mais www.torturanuncamais.org Memórias Reveladas http://www.memoriasreveladas.arquivonacional.gov.br Memorial dos Direitos Humanos - MG http://www.memorialdh.mg.gov.br/ Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República -Comissão dos Mortos e Desaparecidos Políticos http://www.presidencia.gov.br/estrutura_presidencia/sedh/mortosedesap/ Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV) http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/ Anistia Internacional http://www.br.amnesty.org/ Memoria Abierta - Argentina www.memoriaabierta.org.ar/ 200 Archivo General de La Nación Argentina http://www.mininterior.gov.ar/agn/ Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista - CEDEM/UNESP http://www.cedem.unesp.br/ Unidade Especial Informação e Memória http://www.ueim.ufscar.br/ Projeto Memória do Movimento Estudantil http://www.mme.org.br/ Centro de Documentación e Investigación de la Cultura de Izquierdas en Argentina http://www.cedinci.org/ DOCUMENTOS A bem da verdade. 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