UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Programa de Pós Conservação e Manejo da Vida Silvestre Ecologia Histórica Aplicada à Gestão Ambiental Comunitária da Terra Indígena Orientadora: Profa. Dra. Paulina Maria Maia Barbosa Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Inês de Almeida -Graduação em Ecologia, Maxakali, Minas Gerais Marco Túlio da Silva Ferreira Belo Horizonte Março de 2012 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Programa de Pós Conservação e Manejo da Vida Silvestre Ecologia Histórica Aplicada à Gestão Ambiental Comunitária da Terra Indígena Orientadora: Profa. Dra. Paulina Maria Maia Barbosa Co-orientadora: Profa. Dra. Maria Inês de Almeida -Graduação em Ecologia, Maxakali, Minas Gerais Dissertação apresentada ao Curso de Pós Ecologia Conservação e Manejo da Vida Silvestre, como pré-requisito para a obtenção do título de Mestre. Marco Túlio da Silva Ferreira Belo Horizonte Março de 2012 -Graduação em “A sociedade, como sabemos agora, também é construída, tanto quanto a natureza. Se formos realistas para uma, devemos sê-lo para a outra; se formos construtivistas para uma, também devemos sê-lo para ambas”. “É preciso compreender ao mesmo tempo como a natureza e a sociedade são imanentes – no trabalho de mediação – e transcendentes – após o trabalho de purificação.” Bruno Latour “O Homem vive da natureza, isto significa que a natureza é o seu corpo com o qual ele deve permanecer em processo constante, para não perecer. O fato de que a vida física e espiritual do homem se relaciona com a natureza não tem outro sentido senão o de que a natureza se relaciona consigo mesma, pois o homem é parte da natureza.” Karl Marx Dedico este trabalho aos bravos povos tikmũ’ũn, aos meus pais, minha companheira Bruna, e meu filho Theo. Sem vocês, nada disto teria sido possível. RESUMO Ao longo dos últimos séculos, o processo de perda da diversidade sócio-cultural vem sendo acompanhado pela erosão da diversidade genética global (humana e não-humana). Os povos indígenas falantes da família lingüística maxakali vêm assistindo ao histórico processo de devastação ambiental que ocorreu e ainda ocorre na mata atlântica brasileira. Além de verem suas matas reduzidas, os descendentes pan-maxakalis sobreviventes se viram confinados a um território extremamente diminuto para seus hábitos nômades e sua agricultura itinerante, não sem vários problemas que afetam a qualidade ambiental da área. A introdução, pela sociedade pecuarista que passa a dominar a região a partir da segunda metade do século XIX, do capim- colonião (Megathyrsus maximus (Jacq.) B.K.Simon & S.W.L.Jacobs – Poaceae), e consequentemente de seu manejo através do fogo, obriga os maxakalis a conviver com esta espécie invasora. No entanto, ao invés de reduzir sua abundância, o manejo do regime de queima do colonião desenvolvido pelos maxakalis (um tanto quanto diferente do empregado para a simples rebrota de pastagens), tem se mostrado ambientalmente deletério, favorecendo a expansão das áreas desta gramínea adaptada ao fogo, ao atingir as bordas do fragmento florestal, um processo que vêm anualmente empobrecendo a biodiversidade local, já bastante impactada. A ausência da floresta material traz impactos diretos na ecologia simbólica do grupo, em que se destaca a erosão intergeracional de saberes ambientais. Logo, os maxakalis se vêem atualmente diante do dilema de adequar suas práticas ecológico-econômicas de manejo e significação da biodiversidade e da paisagem (extensivas, nômades, e dependentes de grandes áreas de floresta) a um território hoje insuficiente para suprir as demandas de um contingente demográfico em franca expansão. Faz-se necessária, portanto, uma sensibilização agroecológica junto aos maxakalis, como catalisador para um processo de gestão ambiental e territorial comunitária, que vise à conservação dos recursos naturais dos quais esta comunidade depende, tanto material quanto simbolicamente. Porém, para que isto se torne possível, e para que haja um envolvimento intelectual ativo dos principais actantes em jogo (os maxakalis), é preciso primeiro compreender a “Ecologia” (enquanto scientia e enquanto praxis) desta manifestação cultural única no planeta, de forma que ela possa se refletir num planejamento estratégico em longo prazo, do manejo ambiental da área protegida. Neste contexto, o presente estudo descreve a Ecologia Maxakali visando à elaboração de um plano futuro de gestão ambiental comunitária da Terra Indígena Maxakali. ABSTRACT Throughout the last centuries, socio-cultural diversity loss has been accompanied side by side by global genetic (human and non-human) diversity erosion. The indigenous peoples whose languages belong to the maxakali linguistic family have witnessed the historical process of environmental destruction that still takes place in the Brazilian Atlantic rainforest. Not only confronted with extremely reduced forested areas, the extant pan-maxakali descendants are faced with a severely small territory, which jeopardizes their nomadic habits and swidden agriculture, and greatly endangers environmental quality of the area. The introduction, in the area, of African guinea-grass (Megathyrsus maximus (Jacq.) B.K.Simon & S.W.L.Jacobs – Poaceae) and its fire management techniques by the cattle breeder hegemonic surrounding society has forced the maxakali to have to live together and manage this invasive species, often using fire to control it. However, instead of decreasing its abundance, the fire regime management developed by the maxakali (which has striking differences between the one practiced by cattle breeders) has been causing severe environmental damage, whilst favoring the expansion of fire-prone guinea-grass areas when fire hits forest borders, a process which has annually diminishing already impoverished local biodiversity. Absence of the physical forest may bring significant impacts in their symbolic ecology, in which the inter-generational loss of environmental knowledge is the most salient. Therefore, the maxakali presently face the dilemma of adapting their ecological and economical practices of biodiversity landscape management and symbolic interpretation (which are nomadic, extensive, and highly dependent on large forested areas) to a territory that is presently insufficient to meet the demands of a rapidly expanding population. Thus, it becomes necessary to perform an agroecological sensibilization towards these people, in order to catalyze a process of community-based environmental and territorial management, aimed at preserving the resources of which their culture depends, both symbolic and materially. Nevertheless, to make this possible with direct intellectual involvement by the main stakeholders (that is, the maxakali), it is first necessary to comprehend this unique culture’s “Ecology” (both as scientia and as praxis), in a way that it may be reflected in a long-term environmental management strategic planning for the protected area. In this sense, the present study is aimed at bringing a description of the Maxakali Ecology that may later contribute for a community-based environmental management plan of the Maxakali indigenous territory. AGRADECIMENTOS Aos tikmũ’ũn, que tão humildemente me aceitaram e compartilharam comigo um pouco de seu κοσµοσ e seu λογοσ; À minha família, pelo apoio incondicional e total; À Profa. Dra. Paulina Maria Maia Barbosa, que sensibilizada por mim quanto à realidade maxakali, aceitou o desafio de orientar um trabalho fora do ‘padrão estético’ do ICB; À Profa. Dra. Maria Inês de Almeida, co-orientadora e amiga, por me introduzir no universo indígena brasileiro e me oferecer a chance de trabalhar a temática ambiental junto aos professores maxakali durante a graduação, processo a partir do qual se desenvolveu este projeto; À Profa. Dra. Rosângela Tugny, pelas reflexões oferecidas quanto as relações entre biodiversidade e religião na cultura tikmũ’ũn, ao chamar minha atenção para a importância de grupos-chave nesta relação, como as taquaras e as abelhas nativas sem ferrão; À Profa. Dra. Maria Auxiliadora Drumond, pelos insights oferecidos quanto à gestão participativa de áreas protegidas; Ao Prof. Dr. Flávio Rodrigues, pelas discussões sobre manejo de fauna e de áreas protegidas; Ao laboratório de Ecologia e Sistemática de Abelhas, na forma do Prof. Fernando Silveira e do bacharel Rafael Rodrigues Ferrari, amigo, companheiro de campo e brilhante taxonomista de abelhas, pelo auxílio incondicional prestado; Ao laboratório de Ecologia e Biotecnologia de Leveduras, na pessoa do Prof. Dr. Carlos Rosa, pelas análises microbiológicas da água da TI Maxakali prestadas; Ao Dr. Sandro de Oliveira Campos, por informações aprofundadas quanto ao funcionamento da língua maxakali e das línguas indígenas brasileiras, como um todo; Ao MSc. Edgar Bolívar, pela companhia e ensinamentos durante meus primeiros contatos com a cultura tikmũ’ũn; Ao bacharel Vinícius Cerqueira Rodrigues, pelas leituras e discussões ao longo dos anos, bem como pelo levantamento das informações sobre a classificação maxakali da avifauna; Ao Dr. Pedro Viana e ao bacharel Túlio Jorge Batitucci pelos auxílios com secagem, identificação e montagem dos exemplares de coletas botânicas; Ao MSc. Douglas Campelo, pela companhia e discussões durante uma visita às aldeias; E, finalmente, a todos aqueles pensadores-viajantes do passado, que hoje designamos ‘naturalistas’, que passaram pelas Minas e as Gerais descrevendo seus povos, hábitos, línguas e biota. Este trabalho nada mais é que um fruto da “tradição” denominada História Natural. LISTA DE FIGURAS FIGURA 3.1. LOCALIZAÇÃO DA TI MAXAKALI NA PORÇÃO LESTE DO BRASIL. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADO © GOOGLE. . 28 FIGURA 3.2. IMAGEM DE SATÉLITE COM OS LIMITES DEMARCADOS DA TI MAXAKALI. FONTE: FUNAI/MMA. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ............................................................................................................ 28 FIGURA 3.3. MICRO-FRAGMENTOS FLORESTAIS “INCRUSTADOS” NAS FENDAS DE MORROS EM ÁREAS ÍNGREMES E DE DIFÍCIL ACESSO, ONDE O FOGO VINDO DAS PASTAGENS NÃO CONSEGUE PENETRAR. ........................................................ 30 FIGURA 3.4. MAPA DE FISIONOMIAS DA MATA ATLÂNTICA. A SETA INDICA A LOCALIZAÇÃO DA TI MAXAKALI. FONTE: FUNDAÇÃO SOS MATA ATLÂNTICA. ........................................................................................................... 31 FIGURA 3.5. LOGS DE VIAGEM PERCORRIDOS NA TI MAXAKALI E ENTORNO ENTRE JULHO E DEZEMBRO DE 2011. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ............................................................................................................ 35 FIGURA 4.1. ÍNDIOS MACHACARÍS E CAMACÃS. DESENHO DE JOHANN MORITZ RUGENDAS. EXTRAÍDO DE RUGENDAS (1949, S.P.). .................................................................................................................................................... 39 FIGURA 4.2. LOCALIZAÇÕES HISTÓRICAS (1730-1960) DE POVOS PAN-MAXAKALI. O ÍCONE EM VERMELHO ASSINALA A TI MAXAKALI. OS ÍCONES EM VERDE REFEREM-SE ÀS LOCALIDADES DE ONDE VIERAM AS FAMÍLIAS QUE OCUPARAM ONDE HOJE SE ENCONTRA A TI MAXAKALI (SEGUNDO TUGNY, 2009A, PP. 489). OS ÍCONES EM BRANCO ASSINALAM AS TERRAS INDÍGENAS DOS POVOS PATAXÓ E PATAXÓ HÃ-HÃ-HÃE, NA COSTA DA BAHIA............................................ 48 FIGURA 4.3. LOCALIZAÇÕES HISTÓRICAS (1730-1960) DE POVOS PAN-MAXAKALI. O ÍCONE EM VERMELHO ASSINALA A TI MAXAKALI. OS ÍCONES EM VERDE REFEREM-SE ÀS LOCALIDADES DE ONDE VIERAM AS FAMÍLIAS QUE OCUPARAM ONDE HOJE SE ENCONTRA A TI MAXAKALI (SEGUNDO TUGNY, 2009A, PP. 489). OS ÍCONES EM BRANCO ASSINALAM AS TERRAS INDÍGENAS DOS POVOS PATAXÓ E PATAXÓ HÃ-HÃ-HÃE, NA COSTA DA BAHIA............................................ 49 FIGURA 4.4. TRÊS GRANDES ÁREAS DA TI MAXAKALI. LOSANGOS BRANCOS - LOCALIZAÇÃO DOS AGRUPAMENTOS HUMANOS (ALDEIAS E CASAS ISOLADAS). CÍRCULOS VERMELHOS - PONTOS ONDE ESTRADAS DE TERRA CRUZAM O LIMITE DO TERRITÓRIO. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ......................................................................... 50 FIGURA 4.5. PAISAGEM DA TERRA INDÍGENA MAXAKALI. AS MANCHAS FLORESTAIS DA ÁREA FORMAM ILHAS EM MEIO AO CAPIM-COLONIÃO, COMO SE PODE NOTAR COM O PEQUENO FRAGMENTO APONTADO NA ESQUERDA DA FOTO. À DIREITA, UMA CASA HABITADA, COM AMPLA VISIBILIDADE DO VALE, COM ALGUMAS ÁRVORES FRUTÍFERAS PLANTADAS PRÓXIMAS. AO CENTRO, NO TERÇO INFERIOR DO ENQUADRAMENTO, BANANEIRAS PLANTADAS AO LONGO DE UM PEQUENO VEIO D’ÁGUA. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ............................................................................ 52 FIGURA 4.6. LIMITE NORTE DA TI MAXAKALI. À ESQUERDA, PASTAGEM DE UROCHLOA SP. (BRAQUIÁRIA) DE UMA FAZENDA LIMÍTROFE. À DIREITA, ‘SAVANA ANTROPIZADA’ DE M. MAXIMUS (COLONIÃO), NÃO PASTOREADA, E AINDA NÃO QUEIMADA. AGOSTO DE 2011. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. .................................................................. 55 FIGURA 4.7. CAPIM-COLONIÃO (MEGATHYRSUS MAXIMUS) INVADINDO ÁREAS RECENTEMENTE QUEIMADAS NA BORDA DO FRAGMENTO FLORESTAL ÃMÃXUX, TI MAXAKALI, OUTUBRO DE 2011. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ............... 58 FIGURA 4.8. PAISAGEM RECÉM-QUEIMADA DA TI MAXAKALI, ÁREA DE ÁGUA BOA. É VISÍVEL NA FOTO O ASSOREAMENTO DO CÓRREGO ÁGUA BOA, EM AVANÇADO PROCESSO DE SUCESSÃO DE MACRÓFITAS, PRÓXIMO À ALDEIA DO CACIQUE MANUEL KELÉ (À ESQUERDA). CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. .................................................................... 59 FIGURA 4.9. FOCOS INICIAIS DE EROSÃO CAUSADOS PELA REMOÇÃO DA VEGETAÇÃO, NO MORRO ATRÁS DA ALDEIA ÃMÃXUX. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ............................................................................................................. 60 FIGURA 4.10. QUEIMADA NA TI MAXAKALI. PODE-SE OBSERVAR UM MOSAICO SUCESSIONAL NA PAISAGEM DE APENAS TRÊS ESTÁGIOS, CAUSADO PELO FOGO: MATAS COM AS BORDAS ATINGIDAS, ÁREAS RECÉM-QUEIMADAS (CAPIM VERDE), E ÁREAS QUE AINDA NÃO QUEIMARAM NESTE ANO (CAPIM AMARELO SECO). CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. .......... 61 FIGURA 4.11. FRAGMENTO FLORESTAL 1, DESIGNADO PELOS TIKMŨ’ŨN COMO MĨKAXKAKA (PÉ DA PEDRA). A SETA APONTA O EFEITO DE BORDA CAUSADO PELO FOGO, ONDE UMA ESPÉCIE DE HELICÔNIA RIZOMATOSA (HELICONIA SP.) PREDOMINA, E FORMA UMA ESPÉCIE DE BARREIRA ANTI-FOGO. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ........................................... 62 FIGURA 4.12. ALGUMAS ALDEIAS ABANDONADAS OBSERVADAS NA TI MAXAKALI. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. .............................................................................................................................................. 63 FIGURA 4.13. ANTIGO FORNO DE BARRO EMPREGADO NA QUEIMA DE CERÂMICA EM UMA ALDEIA TIKMŨ’ŨN ABANDONADA. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ............................................................................................................. 63 FIGURA 4.14. INDÍCIOS DE MANEJO AGROFLORESTAL PRETÉRITO: BANANEIRAS PRÓXIMAS A UM FRAGMENTO FLORESTAL. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. ............................................................................................................. 64 FIGURA 4.15. MULHERES TIKMŨ’ŨN SERVINDO ALIMENTO A ESPÍRITOS-PAPAGAIO (PUTUXOP). CRÉDITO: ISAÍAS MAXAKALI. ........................................................................................................................................................... 71 FIGURA 4.16. GAVIÃO-ESPÍRITO (MÕGMÕKA) CORTANDO A ÁRVORE TOKTAPKUP (COURATARI SP. - LECYTHIDACEAE). COM A ENTRECASCA DESTA ESPÉCIE É FEITA A VESTIMENTA RITUAL DE OUTRA ENTIDADE, YÃMĨY. O ADORNO NA CABEÇA DO MÕGMÕKA É FEITO DE BROTOS DE FOLHAS DE PALMEIRAS (KOYUX), PREFERENCIALMENTE DE KUXOXAPKUP (POLYANDROCOCOS CAUDESCENS (MART.) BARB. RODR. - ARECACEAE), EMBORA A MOSTRADA NA FOTO SEJA DE SYAGRUS ROMANZOFFIANA (CHAM.) GLASSMAN. CRÉDITO: MARCO T. S. FERREIRA. .......................................... 74 FIGURA 5.1. ETNOECOLOGIA E AGROECOLOGIA COMO DISCIPLINAS CHAVE PARA A COMPREENSÃO DE COMO OS AGRICULTORES PERCEBEM E MODIFICAM A PAISAGEM. ADAPTADO E TRADUZIDO DE ALTIERI (2006), POR MARCO T. S. FERREIRA. . 122 FIGURA 5.2. FRAGMENTOS E MICROFRAGMENTOS FLORESTAIS DA TI MAXAKALI. APENAS OS MICROFRAGMENTOS VISITADOS ESTÃO ASSINALADOS NA FOTO. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ............................................... 130 FIGURA 5.3. PRINCIPAIS VIAS DE PRESSÃO DAS ALDEIAS SOBRE OS FRAGMENTOS FLORESTAIS DA TI MAXAKALI. SÃO DESCONHECIDAS AS VIAS DE IMPACTO DA ALDEIA VILA NOVA, NO EXTREMO LESTE DA TI, UMA VEZ QUE A MESMA OPTOU PELA NÃO-PARTICIPAÇÃO DO ESTUDO. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ........................... 132 FIGURA 5.4. PONTOS DE COLETA DE ABELHAS NA TI MAXAKALI. DIREITOS DE IMAGEM RESERVADOS © GOOGLE. ............ 136 FIGURA 5.5. NINHOS DE MELIPONÍNEOS OBSERVADOS NA TI MAXAKALI E ENTORNO. ................................................. 139 FIGURA 5.6. CURSOS D’ÁGUA ENCONTRADOS DURANTE O TRABALHO DE CAMPO. AS NASCENTES SÃO ASSINALADAS PELOS ÍCONES EM VERMELHO. .......................................................................................................................... 144 FIGURA 5.7. PONTOS DE COLETA DE ÁGUA PARA ANÁLISE MICROBIOLÓGICA - CONTAGEM DE COLIFORMES, INDICADOS PELAS RESPECTIVAS ALDEIAS COMO LOCAIS UTILIZADOS COLETA DE ÁGUA PARA CONSUMO HUMANO. ............................. 145 FIGURA 5.8. DISPOSIÇÃO DOS ASSENTAMENTOS (LOSANGOS BRANCOS) E DOS FRAGMENTOS FLORESTAIS (ÁRVORES VERDES) NA TI MAXAKALI. OS CÍRCULOS VERMELHOS SÃO OS PONTOS LIMÍTROFES DAS ESTRADAS QUE CRUZAM O TERRITÓRIO. CÍRCULOS EM BRANCO APRESENTAM AS ÁREAS DE MAIOR CONCENTRAÇÃO DE INFRA-ESTRUTURA (CASAS, ESTRADAS, ESCOLAS, ETC.), AQUI DEFINIDAS COMO ZONA 1. ........................................................................................ 148 FIGURA 5.9. DISPOSIÇÃO DOS ASSENTAMENTOS (LOSANGOS BRANCOS) E DOS FRAGMENTOS FLORESTAIS (ÁRVORES VERDES) NA TI MAXAKALI. OS ÚLTIMOS SÃO ILHADOS UNS DOS OUTROS POR GRANDES MANCHAS DE M. MAXIMUM. CÍRCULOS EM BRANCO DELIMITAM OS DOIS PRINCIPAIS CORREDORES FRAGMENTADOS (ZONA 2 - ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA A CONSERVAÇÃO E MANEJO): CORREDOR CENTRAL DE ÁGUA BOA, E CORREDOR NORTE DO PRADINHO. OBSERVE QUE AMBOS EXTRAPOLAM OS LIMITES DA TI. DELIMITADOS PELOS CÍRCULOS EM LARANJA ESTÃO AS ÁREAS PRIORITÁRIAS PARA RECUPERAÇÃO. ............................................................................................................................. 150 FIGURA 5.10. GRANDES MANCHAS DE CAPIM, SEM ALDEIAS NEM FRAGMENTOS FLORESTAIS. A PARTIR DO CONTROLE DAS QUEIMADAS, ESTAS ÁREAS PODERIAM AVANÇAR NO PROCESSO DE SUCESSÃO SECUNDÁRIA. ................................. 151 LISTA DE TABELAS TABELA 4.1. CLASSIFICAÇÃO TIKMŨ’ŨN DE ALGUMAS UNIDADES DA PAISAGEM............................................................ 65 TABELA 4.2. PARTÍCULAS SEMÂNTICAS COMUMENTE ADICIONADAS A LEXEMAS PRIMÁRIOS SIMPLES (LPS) PARA FORMAR LEXEMAS PRIMÁRIOS PRODUTIVOS (LPP) E LEXEMAS SECUNDÁRIOS (LS). ........................................................... 77 TABELA 4.3. LÉXICOS RELACIONADOS À BIODIVERSIDADE HISTORICAMENTE REGISTRADOS PARA A FAMÍLIA LINGUÍSTICA MAXAKALI †DE ACORDO COM MARTIUS (1867). ‡ DE ACORDO COM WIED-NEUWIED (1989 [1818]) E MARTIUS (1867). PARA OS DADOS DE MARTIUS (1867), A GLOSA FOI VERTIDA DO ORIGINAL EM LATIM PARA O PORTUGUÊS. EM NEUWIED (1989), ISTO NÃO FOI NECESSÁRIO, POIS A EDIÇÃO CONSULTADA ERA EM LÍNGUA PORTUGUESA. MARTIUS (1867) PADRONIZOU AS ESCRITAS DAS SUAS FONTES, E ONDE OS SEUS VOCÁBULOS FORAM CONFRONTADOS AOS DE WIED-NEUWIED (1989), OPTOU-SE PELA FORMA DO SEGUNDO. TODAS ESSAS LÍNGUAS, COM EXCEÇÃO DO MAXAKALI ATUAL, ESTÃO EXTINTAS (LEWIS, 2009). ................................................................................................... 81 TABELA 4.4. PARTES DAS PLANTAS, DE ACORDO COM A LÍNGUA MAXAKALI ATUAL. ....................................................... 86 TABELA 4.5. TÁXONS INCLUÍDOS EM KUTEHET, E SEUS USOS. * = ESPÉCIES DESCRITAS COMO “ESTRANGEIRAS” AO TÁXON, POR NÃO SEREM NATIVAS DA REGIÃO ................................................................................................................ 88 TABELA 4.6. TÁXONS INCLUÍDOS EM PAXAP, E SEUS USOS. ....................................................................................... 89 TABELA 4.7. LEXEMAS PRIMÁRIOS PRODUTIVOS (LPP). .......................................................................................... 92 TABELA 4.8. LEXEMAS PRIMÁRIOS IMPRODUTIVOS (LPI). NAS ESPÉCIES QUE POSSUEM DOIS NOMES RELATADOS, O * ASSINALA AQUELA FORMA INDICADA PELOS INFORMANTES COMO A MAIS ARCAICA. ........................................................... 94 TABELA 4.9. LEXEMAS PRIMÁRIOS SIMPLES (LPS). ................................................................................................. 94 TABELA 4.10. LEXEMAS SECUNDÁRIOS (LS). NAS ESPÉCIES QUE POSSUEM DOIS NOMES RELATADOS, O * ASSINALA AQUELA FORMA INDICADA PELOS INFORMANTES COMO A MAIS ARCAICA. ...................................................................... 95 TABELA 4.11. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA ALGUMAS VARIEDADES AGRÍCOLAS. ............................................................... 97 TABELA 4.12. USOS DAS PLANTAS PELOS MAXAKALIS. ............................................................................................ 99 TABELA 4.13. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA A ICTIOFAUNA (MÃHÃM). .......................................................................... 105 TABELA 4.14. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA A ORNITOFAUNA (PUTUXNÃG). ................................................................... 106 TABELA 4.15. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA A MASTOFAUNA. ...................................................................................... 111 TABELA 4.16. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA A OFÍDIOFAUNA. ...................................................................................... 115 TABELA 4.17. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA ANUROS, CROCODILOS E QUELÔNIOS. ........................................................... 115 TABELA 4.18. TÁXONS TIKMŨ’ŨN PARA A FAUNA DE INVERTEBRADOS, DIVIDIDA POR CLASSES. ..................................... 116 TABELA 4.19. LEXEMAS EMPREGADOS NA CLASSIFICAÇÃO MAXAKALI DE ABELHAS EUSSOCIAIS (APINA E MELIPONINA). ..... 119 TABELA 5.1. ESPÉCIES DE ABELHA COLETADAS ENTRE JULHO E DEZEMBRO DE 2012 NA TI MAXAKALI. ........................... 136 TABELA 5.2. CONTAGEM DE E. COLI EM QUATRO AMOSTRAS DE ÁGUA EM LOCAIS DE CONSUMO HABITUAL. .................... 145 SIGLAS E ABREVIATURAS APP ............................................................................................ Área de Preservação Permanente CDB .................................................................................... Convenção de Diversidade Biológica CEASAMINAS..................................................Centrais de Abastecimento de Minas Gerais S.A. CGEN ...................................................................... Conselho de Gestão do Patrimônio Genético COEP ............................................................. Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos CONEP ......................................................................... Comissão Nacional de Ética em Pesquisa FUNAI .............................................................................................. Fundação Nacional do Índio GRIN .......................................................................................................... Guarda Rural Indígena IBGE ....................................................................... Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ICMBio...............................................Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade INCRA .......................................................Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPHAN........................................................Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional LPI ...................................................................................................Lexema primário improdutivo LPP ......................................................................................................Lexema primário produtivo LPS ........................................................................................................ Lexema primário simples LS .................................................................................................................... Lexema secundário ParNa .................................................................................................................... Parque Nacional SESAI ................................................................................ Secretaria Especial de Saúde Indígena SPI .................................................................................................... Serviço de Proteção ao Índio TI ............................................................................................................................. Terra Indígena UFMG ............................................................................... Universidade Federal de Minas Gerais ZEE ............................................ Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Minas Gerais Sumário Sumário ....................................................................................................................................................... iii A Ortografia da Língua Maxakali Por Carlo Sandro de Oliveira Campos ................................................... 3 1. Introdução ........................................................................................................................................... 6 2. Etnociências: Salto Epistêmico para o Diálogo Intercultural? ............................................................. 8 2.1 O Etno em Etnociência ..................................................................................................................... 12 2.2. Outro – Em busca de uma Ecologia do Homem .............................................................................. 25 3. Aspectos metodológicos .................................................................................................................... 27 3.1. Área de estudo ................................................................................................................................ 27 3.2. Anuência da comunidade ................................................................................................................ 32 3.3. Procedimentos de campo ............................................................................................................... 33 4. Ecologia Histórica Tikmũ’ũn ............................................................................................................... 36 4.1. Os Povos Tikmũ’ũn .......................................................................................................................... 36 4.1.1. Revisão do Histórico de Uso e Ocupação do Território ........................................................... 40 4.1.2. Quadro Populacional das Aldeias ............................................................................................ 49 4.2. A (con)formação da paisagem no território tikmũ’ũn: Das dinâmicas entre índios, colonos, florestas, pastagens e regime de queima .............................................................................................. 50 4.3. Saberes ambientais Tikmũ’ũn ......................................................................................................... 66 4.3.1. Ecologia e Cosmologia Tikmũ’ũn: Contatos entre religiosidades e biodiversidades ............... 66 4.3.2. Classificação e uso da biodiversidade ...................................................................................... 76 4.3.2.1. Léxicos históricos pan-maxakali de classificação da biodiversidade ................................ 79 4.3.2.2. Classificação e uso dos vegetais ....................................................................................... 84 4.3.3.2.1. Rank 1: Forma de vida ............................................................................................... 86 4.3.3.2.2. Rank 2: Intermediário ............................................................................................... 88 4.3.3.2.3. Ranks 3 e 4: Genérico e Específico ............................................................................ 89 4.3.2.3. Classificação e relações materiais com a fauna.............................................................. 103 5. Proposta Técnica para a Gestão Territorial e Ambiental Comunitária da Terra Indígena Maxakali 121 5.1. Manejo do regime de queima e recuperação dos fragmentos florestais ..................................... 126 5.2. Manejo de recursos-chave ............................................................................................................ 132 5.2.1. Melissofauna (ênfase em meliponíneos) ............................................................................... 134 5.2.2. Extrativismo vegetal (ênfase em bambus, embiras e palmeiras) .......................................... 139 5.2.3. Agrobiodiversidade ................................................................................................................ 142 5.2.4. Recursos hídricos ................................................................................................................... 143 5.3. Zoneamento da TI Maxakali .......................................................................................................... 145 6. Conclusão......................................................................................................................................... 152 7. Referências Bibliográficas ................................................................................................................ 154 3 A Ortografia da Língua Maxakali Por Carlo Sandro de Oliveira Campos1 A escrita adotada atualmente pelos índios Maxakalí foi criada por um casal de missionários do Summer Institute of Linguistics (SIL) Harold e Frances Popovich entre os anos de 1960 e 1970 com o objetivo de traduzir o Novo Testamento para a língua Maxakalí. A escrita foi baseada na análise fonêmica da língua proposta por Gudschinsky, Popovich e Popovich (1971)2. Com o surgimento de programas de educação indígena, o uso da escrita Maxakalí passou a ser fomentado e divulgado por meio de publicações de jornais e livros produzidos pelos próprios índios. Desde a sua criação, a escrita foi levemente ajustada pelos Maxakalí, que procuram manter um padrão único de escrita com base em regras fonológicas, conferindo à escrita status de ortografia. O que define a escolha de professores Maxakalí, por exemplo, na comunidade é, entre outras coisas, o domínio que o candidato mostra ter sobre o uso da ortografia da língua. Na ortografia Maxakalí, há vinte grafemas, sendo dez com valores consonantais e dez com valores vocálicos. Entre as consoantes figuram , , , , ,

, , , e o diacrítico <‘>, que representa uma oclusiva glotal. Entre as vogais, figuram , , , , . As vogais nasais são representadas por meio do diacrítico til ~: <ã>, <ẽ>, <ĩ>, <õ>, <ũ>. Cada grafema corresponde a um dos vinte fonemas da língua postulados por Gudschinsky, Popovich e Popovich (1971), como mostrados na tabela a seguir: CHAVE DE PRONÚNCIA DA ESCRITA MAXAKALÍ As vogais do Maxakalí são, com exceção de u e ũ, muito semelhantes às do português: 1 Publicado em TUGNY 2009a, p. 485 e TUGNY, 2009b, p. 505. 2 GUDSCHINSKY, Sarah; POPOVICH, Harold; POPOVICH, Frances. Native reaction and phonetic similarity in Maxakalí phonology. Language 46, 1970, p. 77-88. 4 A - como a em pata à – como ã em lã E – Como e em mesmo ou e como em pé. Ẽ – Como en em pente. O – Como o na palavra mofo ou u, como na palavra pulo, quando em sílaba átona. Õ – Como om em bomba, em sílaba tônica, ou un em mundo em sílaba átona. U – Não há vogal semelhante no português. Para pronunciá-la, deve-se articular a vogal u sem arredondamento dos lábios. Um som aproximado ao dessa vogal é o som de u na palavra bug do inglês. Ũ – Assim como sua contraparte oral, essa vogal nasal deve-se articular sem arredondamento dos lábios. Com relação às consoantes, sua pronúncia depende da sua ocorrência no início ou no final de sílaba: NO INÍCIO DE SÍLABA M – Antes de vogal oral, apresenta o som b, como em bala. Antes de vogal nasal, apresenta o som m, como em manta. Assim, Ma deve ser lido em Maxakalí como ba, mas mã lê-se como mã mesmo, como na palavra manga. N – Antes de vogal tem valor de d como em dado. Antes de vogal nasal é n. Leia na como da, e nã como nã na palavra não. G – Equivale ao grafema gu do português, como na palavra água. Ga, go e ge, por exemplo, lêem-se, respectivamente, como ga, go e gue. P – Como o som do p em português . T – Como o som do t em português antes das vogais a, e, o e u. Antes da vogal i, o som é de t, como o som de t no português da Bahia na palavra tira. O som de tch, como em til, no português de Minas Gerais, é representado pelo grafema X. K – Como o som do k em português. H – Como o som de erre nas palavras rato e relva. X – Equivale ao som de t em português de Minas Gerais, quando ocorre diante de i, como em tijela. Xe, por exemplo, lê-se tche, como na palavra tcheco. 5 Y – Antes de vogal oral corresponde a dj, como o som de d na palavra dica em português de Minas Gerais. Antes de vogal nasal, é semelhante ao som de nh do português como na palavra canhoto. Ya, por exemplo, lê-se como dja. Já yã lê-se como nhã. NO FINAL DE SÍLABA No final da sílaba, as consoantes são pronunciadas quase sempre como vogais. T e N representam a vogal A. As sílabas tot e kõn, por exemplo, são pronunciadas como toa e kõã. X e Y representam a vogal I. Sílabas como nox e mẽy são pronunciadas com dôi e meim. K, G, P e M representam a vogal U. Sílabas como kok, nõg, xop e nãm, por exemplo, são pronunciadas como kou, nõu, tchou e não. O x no final de sílabas corresponde a uma semivogal i, como em vai, mas a vogal i corresponde a um hiato, como em aí. Assim, max pronuncia-se bái, mas mai pronuncia-se baí. O ditongo ĩy é pronunciado, aproximadamente, como ẽi, como em nĩy e mĩy, pronunciadas como nẽi e mẽi. A maioria das palavras da língua Maxakalí têm a última sílaba tônica. Por isso, palavras como kopa, kokex, tohox e xokakak são pronunciadas como kupá, kukéi, torrôi e tchukaká. 6 1. Introdução A enorme perda da diversidade genética global ao longo dos últimos séculos vem sendo acompanhada lado a lado da erosão da diversidade sócio-cultural (DIEGUES & ARRUDA, 2001; JACOBSEN, 2005). Segundo algumas fontes, a taxa de perda linguística estaria ainda mais acelerada do que a de diversidade biológica (JACOBSEN, 2005). O processo de extinção da chamada sociobiodiversidade é fenômeno disseminado em todo o planeta e acarreta diversos problemas ambientais, sócio-econômicos, e éticos. Comunidades praticantes de formas milenares de manejo da paisagem vêm sendo expropriadas de seus territórios, ou os vêem extremamente reduzidos, apenas para dar lugar a formas cada vez mais predatórias (também descritas como mais “desenvolvidas”) de exploração dos recursos e objetificação do meio natural. Os mais velhos vêm assistindo as gerações mais novas deixarem de falar suas línguas maternas, para serem suplantados por um idioma estrangeiro, quase sempre do tronco indo-europeu. Seus cultivares próprios, selecionados durante séculos e altamente adaptados aos seus solos, climas e condições regionais, vêm sendo paulatinamente solapados, para dar lugar às variedades híbridas, dependentes de insumos químicos, desenvolvidas em escala industrial. Os povos indígenas que habitavam originalmente a mata atlântica vêm sofrendo este processo de expropriação de suas terras, línguas, recursos genéticos, e uma consequente erosão de seus saberes associados à biodiversidade desde o início do período colonial brasileiro, uma vez que esta região se encontra na costa oriental brasileira, a primeira a ser ocupada pelos invasores europeus (DIEGUES & ARRUDA, 2001; JACOBSEN, 2005). A busca por uma aliança com os povos cujos territórios demarcados (designados Terras Indígenas – TI – pela Constituição de 1988), se encontram dentro da Mata Atlântica pode ser uma importante estratégia para a recuperação e conservação da biodiversidade deste bioma secularmente devastado. Contudo, embora o movimento conservacionista tenha crescentemente percebido e argumentado a importância da colaboração com os povos ameríndios para os objetivos de conservação da biodiversidade nos neotrópicos, no Brasil as atenções têm se voltado prioritariamente para a região amazônica (p. ex., PPTAL, 2004; SCHWARZTMAN & ZIMMERMAN, 2005), onde vive presentemente o maior contingente populacional indígena do país (ca. 600 mil pessoas). Os descendentes de alguns povos pré-cabralinos habitantes da mata atlântica que hoje se denominam tikmũ’ũn (mais conhecidos pelo etnônimo ‘maxakali’) são falantes da língua maxakali, família maxakali, tronco linguístico Macro-Jê. Residem no nordeste de Minas Gerais em três territórios demarcados: uma TI homologada (TI Maxakali), e duas em processo de regularização (Aldeia Verde e Cachoeirinha). Eles constituem o exemplo 7 vivo de um povo ameríndio que conseguiu sobreviver, ao mesmo tempo em que exibe grande resistência ao processo “assimilatório”, ao etnobiocídio perpetrado no Domínio Atlântico ao longo dos últimos cinco séculos. A pecuária extensiva é a atividade econômica rural historicamente predominante nos municípios da região (‘vale do Mucuri’), tendo sido um dos principais fatores que impulsionaram a colonização da área pelos sertanejos vindo do sul da Bahia, acarretando na conversão de uma significativa porção de terras florestadas em pastagens. A TI Maxakali ainda possui alguns fragmentos de mata de variados tamanhos (desde < 1 até > 200 ha.), apesar de queimadas anuais nas áreas de pastagens se alastrarem e atingirem as bordas dos fragmentos, subsequentemente reduzindo as áreas de mata. Devido à importância física e espiritual da floresta para a cultura maxakali, e à importância da área protegida para a região (totalmente carente em termos de Unidades de Conservação), é premente que se realize um trabalho de gestão territorial e ambiental comunitária na TI Maxakali visando a conservação e o manejo da biodiversidade local. Os tikmũ’ũn se mostram interessados no retorno de uma paisagem florestada e na proteção dos fragmentos remanescentes. Com os devidos incentivos (técnicos, psicológicos, financeiros, entre outros), eles podem se tornar importantes parceiros para a conservação da biodiversidade em seu território. Desta forma, as bases físicas e biológicas necessárias para a perpetuação dos saberes ecológicos maxakalis estariam parcialmente asseguradas, ao se criar uma zona- núcleo para refúgio da biota. O presente trabalho visa contribuir para a elaboração de um modelo de gestão dos recursos naturais da TI Maxakali que seja pautado sobre as demandas, realidades, cosmologias, relações simbólicas, ecológicas e cognitivas tikmũ’ũn, e embasado por princípios agroecológicos e etnoecológicos de manejo da paisagem, formulados dialogicamente entre pesquisadores indígenas e acadêmicos. 8 2. Etnociências: Salto Epistêmico para o Diálogo Intercultural? “A vitalidade cognitiva do Sul não deixou de ter consequências para o saber científico moderno, obrigado a reconhecer a existência de outros saberes, mesmo quando procura circunscrever a sua relevância, apodando-os de “conhecimentos locais” ou de “etnociências”. Não será surpreendente, por isso, que nos confrontemos, hoje, com uma crise epistemológica da ciência moderna. Esta crise não reside apenas no inescapável reconhecimento de que há conhecimentos para além do conhecimento científico. Ela resulta de desenvolvimentos na própria dinâmica interna da ciência e, em particular, no reconhecimento da disjunção crescente entre modelização e previsão.” Sousa Santos, 2005 "Infelizmente, é difícil reutilizar a antropologia em seu estado atual. Formada pelos modernos para compreender aqueles que não o eram, ela interiorizou, em suas práticas, em seus conceitos, em suas questões, a impossibilidade da qual falei anteriormente (Bonte e Izard, 1991). Ela mesma evita estudar os objetos da natureza e limita a extensão de suas pesquisas apenas às culturas. Permanece assimétrica. Para que se torne comparativa e possa ir e vir entre os modernos e não- modernos, é preciso torná-la simétrica. Para tanto, deve tornar-se capaz de enfrentar não as crenças que não nos tocam diretamente - somos sempre bastante críticos frente a elas - mas sim os conhecimentos aos quais aderimos totalmente. É preciso torná-la capaz de estudar as ciências, ultrapassando os limites da sociologia do conhecimento e, sobretudo, da epistemologia. Este é o primeiro princípio de simetria, que abalou os estudos sobre as ciências e as técnicas, ao exigir que o erro e a 9 verdade fossem tratados da mesma forma (Bloor, 1982). Até então, a sociologia do conhecimento só explicava, através de uma grande quantidade de fatores sociais, os desvios em relação à trajetória retilínea da razão. O erro podia ser explicado socialmente, mas a verdade continuava a ser sua própria explicação. Era possível analisar a crença em discos voadores, mas não o conhecimento dos buracos negros; era possível analisar as ilusões da parapsicologia, mas não o saber dos psicólogos; os erros de Spencer, mas não as certezas de Darwin. Fatores sociais do mesmo tipo não podiam ser igualmente aplicados aos dois. Nestes dois pesos, duas medidas, encontramos a antiga divisão da antropologia entre ciências - impossíveis de estudar - e etnociências - possíveis de estudar" Latour, 1994 A ciência ocidental sempre foi pautada por um abjeto ceticismo e uma recusa deliberada em aceitar formas outras de organização, conceituação e construção epistêmica do mundo (LATOUR, 1994; SOUSA SANTOS, MENESES & NUNES, 2005; HISSA, 2008). Secularmente, as ciências e tecnologias não-ocidentais foram relegadas às categorias de curandeirismo, feitiçaria, pajelança, xamanismo, animismo, totemismo, entre outros termos de uso acadêmico ou não, recebendo, mais recentemente, a alcunha de ‘etnociências’ (LÉVI-STRAUSS, 1962a; MCCLATCHEY, 2010). Uma vez que todas as manifestações culturais possuem formas próprias, e igualmente válidas de produção e transmissão de saberes, intrinsecamente relacionadas com suas linguagens e construtos simbólicos, algum canal deve ser elaborado onde esta pluralidade epistemológica possa se manifestar, e diálogos epistêmicos interculturais não-opressivos possam ser estabelecidos. “A descolonização da ciência assenta no reconhecimento de que não há justiça social global sem justiça cognitiva global. A justiça cognitiva global só é possível mediante a substituição da monocultura do saber científico pela ecologia dos saberes” (SOUSA SANTOS, MENESES & NUNES, 2005, p. 100). Perceptivelmente, ao longo das últimas décadas, alguns cientistas vêm se sensibilizando para a questão e realizando um movimento em direção a este diálogo de saberes, tornando mais flexíveis as fronteiras entre os campos do conhecimento – tanto entre aqueles descritos como “etnoconhecimentos” e os produzidos no âmbito da academia, como entre os próprios campos disciplinares acadêmicos tradicionais (HISSA, 2008). 10 Dentre as inúmeras abordagens científicas que surgem para lidar com a problemática, aquela que se autodenomina etnociência será objeto de um maior aprofundamento e reflexão aqui, de forma a contextualizar melhor as escolhas epistêmicas e metodológicas da pesquisa junto ao povo indígena maxakali que será apresentada nos próximos capítulos. Apesar de estarmos entrando em uma era em que as fronteiras entre os saberes são cada vez mais diluídas, a ponto de a epistemologia clássica não mais ser capaz de explicar todos os fenômenos da ciência contemporânea (LATOUR, 1994; SOUSA SANTOS, MENESES & NUNES, 2005), uma recusa peremptória a aceitar a própria existência de outras formas válidas de saber ainda se apresenta hegemônica na academia, de tal maneira que questões e conceitos trazidos pelos parâmetros teóricos das etnociências ainda passam ao largo das discussões principais da ciência mainstream. O mero reconhecimento, implícito à abordagem etnocientífica, uma vez que este constitui seu próprio universo de estudo, de que existiriam outros modelos válidos para a produção e organização de conhecimento entra em conflito direto com os modelos paradigmáticos daquilo que Thomas Khun (2007) convencionou como ‘ciência normal’. Uma vez que esta precisa, como forma de definir seu universo básico de fenômenos e métodos a serem explorados, de um paradigma absoluto (mesmo que muito embora temporário) a ser tido como verdade a priori ao desenvolvimento da pesquisa (KHUN, 2007), a aceitação de que outros paradigmas, esquemas conceituais e classificatórios, metodologias, etc., sejam igualmente aceitáveis e, porque não, válidos, mesmo quando seus resultados entrem em divergência com os ‘científicos’, coloca em crise a própria concepção de Ciência como a conhecemos – refutável, replicável, dedutiva e, acima de tudo, completa em si mesma. Esta negação acadêmica ao diálogo com o saber outro frustra o etnocientista diante da sua relação com seus pares de academia, e o obriga a aprofundar o estudo das questões epistemológicas relativas ao seu campo de estudo. Em busca de uma maior aceitação enquanto discurso científico “legítimo”, a etnociência passa então a querer se enquadrar dentro de paradigmas canônicos nas ciências normais, buscando correlações teóricas e metodológicas com os mesmos, como, por exemplo, a aplicação do modelo experimental hipotético-dedutivo, e suas inerentes predições, mensurações, índices e testes estatísticos, em detrimento das metodologias indutivas e qualitativas (ATRAN et al., 2002; REYES- GARCÍA et al., 2006; ALBUQUERQUE, 2010); o isolamento farmacológico de princípios ativos das plantas utilizadas milenarmente pelas medicinas e ciências populares com finalidades utilitaristas e economicistas (POSEY, 2002; SANTOS, 2005; SHIVA, 2005); e a adaptação de conceitos e teorias ecológicas e o teste de sua aplicabilidade à ecologia do homem, tais como forrageio ótimo (ALVARD et al., 1995), ecologia evolutiva (INGOLD, 1996), espécie-chave (ASSIS et al., 2010), entre outros. O caso da chamada etnobotânica 11 quantitativa3, talvez o mais proeminente, e também talvez o mais crítico, exemplifica bem a questão, tendo em vista as consequências epistemológicas que acarretam aos estudos ecológicos da espécie humana, bem como das etnociências como um todo. De fato, vem sendo veementemente defendido por etnocientistas (p. ex., REYES-GARCÍA et al., 2006; SILVA, ANDRADE & ALBUQUERQUE, 2006; REYES-GARCÍA & SANZ, 2007; ALBUQUERQUE, 2010) que apenas através da implantação e aprimoramento de metodologias quantitativas que gerem índices e correlações estatísticas para os padrões culturais analisados, a etnobotânica poderá amadurecer enquanto disciplina e proceder a comparações trans-culturais. Ora, se a antropologia sempre se alicerçou em análises qualitativas da diversidade cultural em busca de padrões gerais que atravessassem a todas as sociedades, por qual razão para as etnociências esta abordagem seria um impeditivo? A meu ver, não se trata, então, de objetificar os fenômenos culturais através de medições e regressões, de maneira a eliminar ao máximo o olhar do pesquisador que mede, mas sim, de buscar uma compreensão mais sistêmica das dinâmicas de conceitualização e aprendizado sobre o universo ‘não-humano’, tendo plena consciência do papel do pesquisador/observador enquanto descritor e cristalizador dos fenômenos observados no papel. A prática daquela forma de etnociência (uma vez que, como todos os campos do saber, este também é caracterizado pela multiplicidade de manifestações e pontos de vista) se torna então apenas um instrumento de expropriação e ao mesmo tempo de validação dos saberes produzidos externamente ao corpus scientiarum; ou para colocar tudo em apenas uma palavra, colonização (SOUSA SANTOS, MENESES & NUNES, 2005; SANTOS, 2005; SHIVA, 2005). Expropriação porque o saber é forçosamente objetivado e descontextualizado4 para ser incorporado pel‘A Ciência’, em um processo que Posey (2002) denominou ‘comodificação do sagrado’, e Santos (2005) ‘predação high-tech’. E validação porque esta incorporação só poderá ocorrer após ser verificada, de acordo com 3 Para uma discussão do conceito, cf. Albuquerque (2010) 4 Hornborg (1996), ao tentar delinear um paradigma contextualista, partindo de um conceito de Giddens (‘disembedding’), vai claramente demonstrar que a descontextualização não é originária da mentalidade academicista, de fato, esta se demonstra fruto de um modelo cognitivo maior, pois os processos de descontextualização “pervade all aspects of modern society. They are as representative for the construction of scientific knowledge as for the organization of economic life.” (HORNBORG, 1996, p. 45). Aprofundando mais claramente nos papéis da objetificação e da descontextualização, este autor vai afirmar ainda que “Decontextualization and objectification can be understood as two side of the same coin. The decontextualization of social relations, knowledge production, and identities can also be expressed as the objectification (and fetishisation) of exchange, language and the self. Moreover, objectification (of the body, the landscape, the labor, women, the colonies) can be identified as the ultimate foundation of power, repression and exploitation” (HORNBORG, 1996, p. 51). 12 seus próprios métodos e valores consolidados, a validade, ou melhor, a viabilidade deste conhecimento estrangeiro dentro da sua própria forma de construção epistêmica. Esta colonização de saberes fica bem ilustrada no caso da disciplina conhecida como etnofarmacologia (ELISABETSKY, 1997). Esta consiste na busca e isolamento de princípios biologicamente ativos até então desconhecidos pela ciência, empregados tradicionalmente por algum grupo humano como medicinal ou mágica5, visando à produção de fármacos, um processo mais comumente designado como bioprospecção (POSEY, 2002; SHIVA, 2005). Se, após alguns ensaios (microbiológicos ou farmacológicos, tanto in vivo como in vitro) não ficar demonstrada a existência de princípios biologicamente ativos naquela planta, a pesquisa é abandonada, e a espécie permanecerá com o status de ‘não-medicinal’ aos olhos da academia ou, quando muito, com ‘uso medicinal não-comprovado’. Uma nova planta com relatos etnobotânicos de uso será então avaliada, ad infinitum. Nessa perspectiva, a Ciência se demonstra um método de manutenção das relações assimétricas de poder cognitivo, colocando em questão a ideia defendida por etnocientistas como, por exemplo, Posey (1997a), de que as disciplinas acadêmicas conhecidas como Etnociências seriam um lócus profícuo para a abertura da sociedade hegemônica ao diálogo intercultural verdadeiro (de modo semelhante à ‘Ecologia de Saberes’ proposta por Sousa Santos), já que um dos lados invariavelmente se estabelece como colonizador ou predador dos saberes do outro. 2.1 O Etno em Etnociência Para compreendermos melhor esta reflexão, se faz necessário esmiuçar a própria definição de “Etnociência”, e como esta é articulada na literatura. Perspectivas históricas permitem afirmar que o campo deriva suas bases epistêmicas de fontes extensas e diversas. Embora a etnobotânica enquanto campo de estudo já existisse na secular documentação dos usos que se dá às espécies vegetais em vários locais e culturas do globo levada a cabo por naturalistas europeus, o termo só fora concebido no final do século XIX. Porém, restringia- se unicamente ao universo vegetal, e não se cogitava um conceito similar para outros campos do saber. Já a concepção de etnociência ou etnociências, como o campo que estuda as classificações de outras culturas surge em meados do século XX, em congruência com campos como a antropologia cognitiva e antropologia ecológica. Também é inegável alguma influência do conceito de ‘ciência do concreto’ de Claude Lévi-Strauss, muito 5 A distinção entre mágico, medicinal ou ritual para muitas culturas é tênue ou inexistente. 13 embora este se refira não estritamente às classificações, mas a todos os conhecimentos sobre o universo natural (LÉVI-STRAUSS, 1962a, 1962b; POSEY, 1997a; ROUÉ, 2000). Com o aparecimento da noção de relativismo cultural, e a consequente “crise da autoria” vivenciada pela antropologia nas décadas de 70 e 80 (GEERTZ, 1978, 2002; CLIFFORD, 2002), a abordagem etnocientífica acaba desacreditada, e muito criticada dentro das novas correntes de pensamento que passavam a dominar então as ciências sociais (MILTON, 1997; ALVES & ALBUQUERQUE, 2010). Porém, ao final da década de 80, diante da emergência das discussões ambientais no cenário mundial e sobre o papel do ‘nativo’ (ou ‘indígena’, ou ‘tradicional’, etc.6) na manutenção dos processos ecológicos, a etnobiologia e a ecologia humana se vêem como centro do debate, e na obrigação de oferecer modelos e respostas satisfatórias a alguns dos dilemas que se põem perante o desafio de conciliar a sobrevivência da espécie humana com a conservação, uso e repartição igualitária de benefícios advindos da biodiversidade, desafio este a que se denominou genericamente ‘sustentabilidade’ (ONU, 1987, 1992; REYES-GARCÍA & SANZ, 2007). A etnobotânica é a mais antiga das etnociências, e talvez a com maior número de publicações e pesquisas atualmente (RIBEIRO, 1997; HANAZAKI, 2006), e como tal, não pôde deixar de exercer uma influência exemplar no campo, abrindo os caminhos posteriormente trilhados pelas outras etnodisciplinas. O termo, cunhado por Harshberger em 1896, designava em seu sentido original, o estudo de como os povos aborígenes usavam as plantas, possuindo origens epistemológicas correlatas às da botânica econômica e aplicada (DAVIDSON-HUNT, 2000; HANAZAKI, 2006). Porém, ao longo do século XX, enquanto a botânica econômica restringiu seu foco cada vez mais aos usos, a etnobotânica deslocou seu interesse para as relações ou interações entre seres humanos e o 6 Apesar dos crescentes esforços de padronização terminológica (p. ex., ALVES & ALBUQUERQUE, 2010) a distinção entre estes (e outros) termos que geralmente adjetivam e conceitualizam ‘cultura’, ‘comunidade’ ou ‘conhecimento’, não é muito bem definida na literatura. Por exemplo, Reyes-García & Sanz (2007) afirmam adotar a definição de conhecimento ecológico tradicional de Berkes (2000), porém alegam preferir substituir o adjetivo ‘tradicional’ por ‘local’ para “eludir debates sobre el uso de la palabra ‘tradicional’ para designar um conocimiento que nos es contemporáneo” (REYES-GARCÍA & SANZ, 2007, p.47). Porém, os autores não definem precisamente o que deveria significar o ‘local’ neste contexto. Outros adjetivos análogos que comumente acompanham estes termos na literatura são ‘folk’, ‘populares’, ‘nativos’, ‘autóctones’, o prefixo ‘etno-’, entre outros. Em virtude da oposição em que são constantemente traçados diante dos conhecimentos tecnocráticos hegemônicos, Sousa Santos e colaboradores (2005) vão falar em ‘conhecimentos rivais’. Para uma revisão crítica e contextualização dos vários termos que costumam vir acompanhados do ‘conhecimento outro’, cf. Alves & Albuquerque (2010). Aprofundarei nesta discussão logo abaixo. 14 universo vegetal, que incluiriam as relações cognitivas, utilitárias e ecológicas (DAVIDSON-HUNT, 2000). Por sua vez, o campo da ‘etnoecologia’ é de origem mais recente, e a introdução do conceito na literatura se dá com os estudos de Harold Conklin a partir da metade da década de 50 (ROUÉ, 2000; HANAZAKI, 2006; ALVES & SOUTO, 2010). Roué (2000; p. 67) atesta que este autor “propõe-se a estudar as categorias semânticas próprias dos objetos e fenômenos naturais”. Esta perspectiva permanece influente dentro das etnociências como um todo, e será de fundamental importância para o estudo com os maxakalis aqui apresentado. Devido à plasticidade conotativa que o termo ‘etnoecologia’ adquiriu, um grande número de revisões sobre suas definições pode ser encontrado na literatura recente, com pontos de vista e conclusões notadamente divergentes (ROUÉ, 2000; DAVIDSON- HUNT, 2000; HANAZAKI, 2006; REYES-GARCÍA & SANZ, 2007; ALVES & SOUTO, 2010). Davidson-Hunt (2000; p. 7) reconhece três categorias gerais de definições entre os teóricos da área: a primeira, tal como apresentada por Martín (1995) define a etnoecologia como a soma das disciplinas etnocientíficas individuais (etnobotânica, etnopedologia, etnozoologia, etc.); a segunda, na linha de Clément (1998), e outros como Brosius (1986 apud ALVES & SOUTO, 2010), sugere que a etnoecologia é a ciência “de como as pessoas compreendem as relações entre humanos, animais, plantas, e elementos abióticos de um determinado local”; e a terceira, proposta por Toledo (1992), e adotada por Reyes- García & Sanz (2007) e o próprio Davidson-Hunt (2000), define etnoecologia como “um local de encontro para os vários estudiosos e profissionais interessados nas relações dinâmicas entre seres humanos e seus ambientes, sejam eles especialistas em biologia, agronomia, saúde, ou desenvolvimento” (TOLEDO, 1992 apud DAVIDSON-HUNT, 2000). Deve-se assinalar que, embora algumas dessas correntes sejam mais antigas e outras mais recentes (tanto em termos histórico-temporais, como das inovações e rupturas epistemológicas que trazem), a nenhuma foi reconhecida supremacia, e as três visões estão ainda hoje presentes nas pesquisas e discussões teóricas da área. Para Davidson-Hunt (2000), a definição de etnoecologia apresentada por Toledo (1992) é desenvolvida dentro da linha de pensamento holístico da ecologia, e representaria um salto epistemológico e metodológico para todas as etnociências. O autor insinua ainda o incômodo que este ponto de vista epistemológico poderá trazer para a academia como um todo, corroborando com a visão aqui apresentada de que a ‘empreitada etnocientífica’ coloca em questão os próprios modelos acadêmico-institucionais de produção cognitiva: 15 “For our epistemology, it suggests that the legitimacy and authority of knowledge should not be restricted to scientific disciplines and institutions but should include the knowledges and institutions of other people. Methodologically, it emphasizes that people should not be objects of research in order to create ‘etic’ or ‘emic’ representations of peoples’ knowledge, but should be subjects/partners in a cooperative process of knowledge creation. Given the incentive structures of scientific institutions this concept of ethnoecology will be difficult to implement, but does map out a vision for future research.” (DAVIDSON-HUNT, 2000, p. 7) Delimitações conceituais entre o que se tem denominado ‘etnoecologia’ e ‘etnobiologia’ não ficam claras ao se consultar a literatura recente, e muito menos são consensuais, já que ambas são descritas como amplos campos de interseção disciplinar com o potencial de estudar múltiplos aspectos das relações entre seres humanos e o ‘universo natural’. Enquanto alguns apresentam a etnobiologia como análoga ao campo da biologia, se comportando, portanto, como uma grande área contendo várias subdisciplinas, tais como a própria etnoecologia (assim como a ecologia é uma subárea da biologia), outros teóricos, como os acima citados, definem a etnoecologia como um campo inerentemente holístico e transdisciplinar, que abrange o estudo de todos os aspectos das relações seres humanos X meio e, portanto, agregando em si também a etnobiologia. A própria Sociedade Brasileira de Etnobiologia e Etnoecologia assim se denomina por não ter sido possível o estabelecimento de limites precisos entre os conceitos, longe de serem mutuamente excludentes. Esperamos ter, até aqui, traçado um panorama histórico e conceitual para algumas das etnociências mais diretamente relacionadas às ciências naturais e à presente dissertação. Mas existiria uma definição de Etnociência como um todo?7 Berta Ribeiro, no 7 Roué (2000, p. 70) vai dizer que “o termo etnobiologia é utilizado em acepção bastante próxima” ao de etnociência. Os argumentos aqui apresentados são obrigados a discordar desse ponto de vista, uma vez que os conhecimentos e técnicas descritos como ‘etnocientíficos’ podem ultrapassar, em muito, os limites do domínio fenomenológico relacionado à vida não-humana. Por exemplo, determinada forma de contar e calcular pode ser denominada ‘etnomatemática’, sem com isso implicar em qualquer relação direta com o que se entende por ‘etnobiologia’. Seguindo esta linha de raciocínio, portanto, ‘etnociência’ necessariamente possuiria uma conotação mais abrangente, já que agregaria em si todas as ‘etnodisciplinas’, inclusive a etnobiologia. Porém, concordo com a autora quanto à amplitude conotativa que se têm dado ao termo etnobiologia na literatura, que quase o equipara à etnociência em abrangência. 16 Prefácio da ‘Suma Etnológica Brasileira’ (1997 [1986]), publicação que marca a vanguarda dos estudos dessa natureza no Brasil, nos oferece uma pista: “Desenvolvimento recente da antropologia tenta inferir como os povos classificam seu ambiente físico e cultural. Pressupõe-se que cada povo possui um sistema único de perceber e organizar as coisas [...]. Parte-se da premissa de que a descrição [...] diz algo sobre o modo como o antropólogo percebe esses fenômenos. Mas isto não significa que os portadores dessa cultura o percebam de forma idêntica. Ao primeiro tipo de análise se convencionou chamar ética; ao segundo êmica, termos derivados de fonética e fonêmica. [...] Um dos métodos empregados pelos antropólogos para analisar seus dados é a etnossemântica, que é o significado atribuído por um povo a categorias de realidades (taxonomias de folk). Supõe-se que as categorias que recebem designação numa dada língua indicam os objetos ou eventos de maior relevância para a respectiva sociedade.” (RIBEIRO, 1997, Prefácio, s.p.) Podemos perceber aqui alguns preceitos importantes implícitos ao modelo delineado: o cientista engajado nesse tipo de estudo deve possuir treinamento básico nas ciências etnológicas, uma vez que seu objeto é a alteridade e suas formas de construção cognitiva do mundo; os pontos de vista do “outro” (denominados êmicos) devem necessariamente ser diferentes do ponto de vista do cientista (denominados éticos), sendo respeitados enquanto tal e, se possível, melhor elucidados; as categorias semânticas são unidades fenomenológicas passíveis de análise por essa abordagem, o que demonstra a clara aproximação direta com a lingüística, a semiótica e a psicologia; e finalmente, quanto maior ou mais diverso for o corpo lexical utilizado para descrever determinado universo de fenômenos, maior será o “volume” de conhecimento e importância simbólica desses para o grupo em questão, um conceito que foi convencionado como saliência cultural. Atualmente, nem todas estas premissas são tidas como verdadeiras pelo campo. Uma grande parte dos etnocientistas hoje, em particular no Brasil, é oriunda das ciências naturais, tendo a abordagem etnocientífica caído em prestígio dentro das ciências sociais, como já mencionado. Porém, como Alves & Albuquerque (2010; p. 69) assinalam, “Although ethnoscience had lost support as a theory of culture and/or knowledge, its (…) methods (…) continued to provide formally testable models and representations of some domains of knowledge and human behaviors”. Em particular, mas não apenas, vão ser mantidos como válidos pelas etnociências contemporâneas os métodos de investigação semântica dos conhecimentos ‘folk’ desenvolvidos em trabalhos pioneiros, como o de 17 Conklin nos anos 50 e 60, e posteriormente aprofundados por Bert Berlin, Cecil Brown, Darrell Posey e outros, a partir da década de 70 (BERLIN et al., 1968, 1973; BROWN, 1986; POSEY, 1997a; HAVERROTH, 2007). Mas prossigamos com a explanação de Ribeiro: “Dentre os inúmeros sistemas de classificação usados pelas sociedades mais simples, o que tem sido objeto de estudo mais fecundo é a etnobiologia. Compreende a etnobotânica a etnozoologia, etnopedologia e etnoecologia. (...) Os elementos de análise são as categorias e as relações lógicas que se estabelecem entre o todo e suas partes, que configuram o sistema taxonômico ou a etnotaxonomia. Em outras palavras, o observador procura inferir as categorias êmicas dos povos em estudo. (...) O etnólogo utiliza por isso a própria linguagem nativa como dado a ser examinado, ou seja, como fonte de conhecimento.” (RIBEIRO, 1997, Prefácio, s.p.) Já nesta passagem, fica evidente o papel da etnobiologia dentro das etnociências, uma vez que é nas relações com o universo natural que as “sociedades mais simples” desenvolveriam os sistemas cognitivos mais complexos, sendo, portanto, o “objeto de estudo mais fecundo” deste campo. Caberá ao pesquisador acadêmico traduzir categorias cognitivas e semânticas das sociedades ditas ‘mais simples’ para as nossas, e ao estudioso da etnobiologia traduzir e investigar as categorias relacionadas ao campo do conhecimento definido pela academia como ciências biológicas – o que implica que algum nível de compatibilidade, analogia, ou mesmo tradutibilidade semiológica poderia ser estabelecido entre os universos epistêmicos. Vários problemas emergem da abordagem apresentada pela autora neste trecho. Uma das questões centrais envolve a própria definição dos universos culturais a serem pesquisados. Ainda são abundantes, na literatura recente, discussões sobre se os estudos etnocientíficos deveriam se aplicar a todas as manifestações culturais humanas ou somente às sustentadas pelas ditas “comunidades tradicionais” (DAVIDSON-HUNT, 2000; ALVES & ALBUQUERQUE, 2010). Tendo em vista as atuais discussões que desafiam conceitos canônicos da antropologia como ‘tradicionalidade’, ‘identidade’ e ‘cultura’, muitos etnocientistas vêm expandindo o uso de métodos e preceitos oriundos das etnociências para o estudo de manifestações culturais tidas como “não-tradicionais”, “modernas”, “urbano- industriais”, etc. Por outro lado, vários pesquisadores ainda compartilham a concepção mais clássica apresentada por Berta Ribeiro, onde as etnociências se aplicariam apenas àquelas que se denomina “tradicionais”, “locais”, “indígenas”, etc. (DAVIDSON-HUNT, 18 2000; ALVES & ALBUQUERQUE, 2010). Sobre este impasse, em sua revisão sobre a etnobotânica ecológica Davidson-Hunt (2000) afirma não haver “consensus whether the discipline should focus on all people (Ford 1994; Turner 1995), or ‘traditional’, and/or ‘indigenous’ peoples (Balick and Cox 1996; Cotton 1996). Neither Cotton (1996) nor Balick and Cox (1996) provide a clear argument as to why ethnobotany should be limited to ‘traditional’ and/or ‘indigenous’ peoples. (DAVIDSON-HUNT, 2000, p. 5) A visão defendida por Cotton (1996), e Balick & Cox (1996) é logo em seguida refutada pelo autor, pelas mesmas críticas apontadas acima: Given recent discussions on the concepts of tradition (Borofsky 1987), culture (Appadurai 1997; Borofsky 1994; Friedman 1994), and science (Atran 1990; Clément 1998) within the anthropological literature, the inclusion of ‘traditional’ and/or ‘indigenous’ in the definition of ethnobotany is bound to raise more problems than it solves.” (DAVIDSON-HUNT, 2000, p. 5) Apesar do próprio conceito de sociedades mais “simples”, “primitivas” ou “tradicionais” (geralmente descritos como radicalmente opostos ao conceito de “moderno”) serem amplamente criticados e combatidos nas discussões antropológicas atuais (p. ex., ROGNON, 1991; LATOUR, 1994; CARNEIRO DA CUNHA & ALMEIDA, 2001), um ideal construído de “comunidades e populações tradicionais” continua em voga, não apenas pelo discurso e prática científica, como devido à sua incorporação na agenda legislativa e de políticas públicas voltadas ao reconhecimento de direitos diferenciados às minorias étnicas e/ou culturais8 (DIEGUES & ARRUDA, 2001; ALVES & ALBUQUERQUE, 2010; MCLATCHEY, 2010). O termo ‘tradicional’, propositalmente abrangente, engloba uma miríade de formas de manifestação cultural humana, sem um traço comum a todas, a 8 No Brasil, temos como exemplos a Lei No. 9.985 de 2000, que cria o Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, e a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT, Decreto No. 6.040 de 2007. A PNPCT define povos e comunidades tradicionais como “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição” (BRASIL, 2007). 19 não ser sua não-hegemonia nas esferas de poder e tomada de decisões, e suas pressupostas relações ‘ancestrais’ mais ‘harmônicas’ com o meio natural (CARNEIRO DA CUNHA & ALMEIDA, 2001; MCLATCHEY, 2010). Pressuposições estas trazidas pelos auto- denominados modernos, onde o rótulo ‘tradicional’ de alguma forma implica em uma remissão ao mito do bom selvagem ecologicamente correto, culturalmente autêntico e estático no tempo em termos tecnológicos e sócio-culturais (LATOUR, 1994; CARNEIRO DA CUNHA & ALMEIDA, 2001; MCLATCHEY, 2010). Não somente, mas o conceito também possui uma contradição inerente, uma vez que toda sociedade possui suas próprias correntes tradicionais, que serão reinventadas a cada geração subsequente, cabendo a esta o poder de perpetuar, descartar ou reformular cada elemento da chamada ‘tradição’. Dentro dessa perspectiva, a Ciência produzida em centros acadêmicos se demonstra um fenômeno social e cultural altamente ‘tradicionalista’ no sentido em que se posiciona de maneira cética às inovações e rupturas com suas tradições, e deriva suas premissas e conceitos apenas das gerações que previamente tomaram parte nesta corrente cognitiva (KHUN, 2007). Seria com isso a comunidade científica uma comunidade tradicional? Aparentemente não, já que a Ciência é a pedra angular de um projeto mais amplo a que se denomina ‘modernidade’, sendo ela a definidora, em articulação com as pautas políticas, daquilo que deve ser considerado ‘tradicional’ ou não (LATOUR, 1994; SANTOS, MENESES & NUNES, 2005). Carneiro da Cunha & Almeida (2001) descrevem, ainda, outra questão associada à problemática: alguns daqueles a que se denomina ‘tradicionais’ passaram a assumir este discurso identitário e a se reinventarem enquanto tal. Como exemplo, podemos citar as chamadas ‘emergências étnicas’, particularmente em comunidades do nordeste brasileiro, outrora não consideradas ‘indígenas’, mas que agora assumem esta posição identitária, como forma de buscar uma coesão social e de se diferenciarem do restante da sociedade envolvente (ALVES & ALBUQUERQUE, 2010). Aonde, e de que forma, portanto, se define o tradicional? Definir as populações tradicionais pela adesão à tradição seria contraditório com os conhecimentos antropológicos atuais. Defini-las como populações que têm baixo impacto sobre o ambiente, para depois afirmar que são ecologicamente sustentáveis, seria mera tautologia. Se as definirmos como populações que estão fora da esfera do mercado, vai ser difícil encontrá-las hoje em dia. É verdade que nos textos acadêmicos e jurídicos costuma-se descrever categorias por meio das propriedades ou características dos elementos que as constituem. Mas as categorias sociais também podem ser descritas "em extensão" - isto é, pela simples enumeração dos elementos que as 20 compõem. Por enquanto, achamos melhor definir as "populações tradicionais" de maneira "extensional", isto é, enumerando seus "membros" atuais, ou os candidatos a "membros". Esta abordagem está de acordo com a ênfase que daremos à criação e à apropriação de categorias. E o que é mais importante, aponta para a formação de sujeitos através de novas práticas. (CARNEIRO DA CUNHA & ALMEIDA, 2001, p. 185) Dentro desta perspectiva, o tradicional se aproximaria então muito mais de um processo, um devir, trazido pelo discurso “moderno”, que aos poucos vem sendo introjetado (ou antropofagizado, como prefeririam alguns) por certas populações humanas em seus reconhecimentos identitários. Carneiro da Cunha (2009) diz com isso que, o que se têm na realidade, são comunidades ‘neo-tradicionais’, uma vez que estas estão em busca de uma reinvenção de seus discursos e tradicionalidades. Este é um processo antropológico complexo, e de nenhuma forma pretende-se esgotar sua discussão aqui. Contudo, cabe mencionar por último que para esta autora, a concepção do “tradicional” se entrelaça diretamente com as questões conservacionistas; a adesão aos objetivos da conservação da biodiversidade se torna um pré-requisito necessário para qualquer comunidade que queira assumir essa identidade. Assim, em outro texto, Carneiro da Cunha (2009) define “povos tradicionais” como grupos que conquistaram ou estão lutando para conquistar (prática e simbolicamente) uma identidade pública conservacionista que inclui algumas das seguintes características: uso de técnicas ambientais de baixo impacto, formas equitativas de organização social, presença de instituições com legitimidade para fazer cumprir suas leis, liderança local e, por fim, traços culturais que são seletivamente reafirmados e reelaborados. (CARNEIRO DA CUNHA, 2009, p. 300, grifo nosso). Se o “tradicional” é um discurso, ou ainda, um devir (assim como o “moderno”), sem uma unicidade que permeie todas as formas de identidade que poderiam se enquadrar dentro do rótulo, os modelos de construção da realidade desenvolvidos pelas etnociências deveriam tentar desenvolver esquemas conceituais universais para os processos cognitivos humanos, ao invés de abertamente tentar delimitar sua circunscrição a grupos humanos imprecisa ou arbitrariamente definidos, seja através do rótulo ‘tradicional’, ‘local’, ‘indígena’, ‘etno-’, ou qualquer outro (DAVIDSON-HUNT, 2000; MCCLATCHEY, 2010; ALVES & ALBUQUERQUE, 2010). Se for permitida uma analogia, em linguagem 21 biológica, diríamos que a categoria “comunidades tradicionais” é um grado, um conjunto de elementos arbitrariamente agrupados por algumas características em comum, e não um clado, um grupo com uma ontogênese evolutiva compartilhada, como o termo implicitamente faz supor. Logo, não há sentido em estudá-lo como uma categoria integral, homogênea e coesa, como vêm sendo feito até então. Voltando à conceitualização de etnociência de Ribeiro, outro ponto relevante, que parece particularmente frágil de um ponto de vista epistemológico, é a do paralelismo das subdisciplinas científicas com as etnociências: para cada “ciência”, ou campo disciplinar academicamente constituído, uma “etnociência-espelho” poderia existir. Nesse ponto de vista, a etnobiologia (para alguns, a etnoecologia, como já demonstrado) seria então, como uma das mais significativas etnociências, um vasto campo que engloba em si diversos compartimentos disciplinares simétricos aos das subdisciplinas das ciências biológicas. É, para dizer o mínimo, etnocêntrico acreditar que a compartimentalização do conhecimento se dá em outras culturas e línguas da mesma forma que se dá no discurso disciplinar acadêmico. Pessoas não treinadas nos mecanismos tecnocientíficos não pulverizam os saberes sob rótulos herméticos, como a fragmentação curricular e disciplinar científica postula. Os conhecimentos são adquiridos através do empirismo, estando consequentemente mais articulados uns com os outros e com o mundo. Para um leigo em práticas tecno-científicas, um fenômeno mundano, tal como determinada planta, pode evocar numerosos saberes que a Ciência enquadraria em rótulos como (“etno-”) geográficos, pedológicos, ecológicos, biológicos, agronômicos, nutricionais, medicinais, cosmológicos, religiosos, musicológicos, ritualísticos, simbólicos, linguísticos, etc. Para esta pessoa todos estes saberes se inter-relacionam e complementam, possuindo existência e sentido apenas em sua interconectividade, e talvez constituindo uma mesma ‘unidade de conhecimento’, se é que tal conceito poderia existir. Logo, não pode haver paralelismo cognitivo, e para compreendermos esta ciência radicalmente outra, se faz necessária a imersão em seu universo simbólico, não apenas uma tentativa de classificar seus conhecimentos em compartimentos análogos aos das disciplinas acadêmicas9. Esta conclusão abre pauta para o debate sobre a própria viabilidade da premissa de tradutibilidade semiológica entre universos culturais distintos, premissa esta generalizadamente adotada pela etnociência. 9 Sobre a questão, Posey, (1997a, p. 1) vai defender a etnobiologia ao afirmar que “O conhecimento indígena não se enquadra em categorias e subdivisões precisamente definidas como as que a biologia tenta, artificialmente, organizar. Ao invés disso, o conhecimento biológico de folk vem a ser uma amálgama de plantas, animais, caçadas, horticultura, espíritos, mitos, cerimônias, ritos, reuniões, energias, cantos e danças. (...) Esta [i]mbricação entre os mundos natural, simbólico e social exige uma abordagem interdisciplinar de caráter cross-cultural no estudo das diferentes culturas. A etnobiologia provê essa inter-relação.” 22 A discussão culmina na inescapável ambigüidade, não mencionada até o momento, que se mostra de inerente importância ao campo, e gira em torno do próprio significado do termo etno- precedendo o nome dado a uma disciplina acadêmica: seria a etnociência a ciência outra, propriamente dita, esta imagem espelhada dos nossos campos disciplinares, ou seria o campo do conhecimento acadêmico-científico que estuda esta ciência outra? Esta ambiguidade, que parece confundir um campo de estudo acadêmico com o seu próprio objeto de investigação não passa despercebida aos olhares dos trabalhos de conceituação epistemológica e de revisões teóricas da área (p. ex., BARRAU, 1977 apud ROUÉ, 2000; DAVIDSON-HUNT, 2000; e a recente compilação editada por ALBUQUERQUE & HANAZAKI, 2010)10. Dentro do panorama traçado por Ribeiro (1997), chama a atenção o fato de que nas passagens acima, a autora sempre se refere ao estudioso da área pelos termos etnólogo ou antropólogo, nunca por ‘etnocientista’ ou ‘etnobiólogo’, além de se referir claramente à etnotaxonomia como os sistemas taxonômicos elaborados pelas sociedades “mais simples”. Logo, fica claro que, para a autora, a etnociência é de fato a ciência outra. Durante esta fase dos estudos etnocientíficos e etnobiológicos (meados da década de 80), a visão corrente era de que o prefixo etno- precedendo o nome de uma disciplina curricular regular designava os conjuntos de conhecimento outros. Novamente, esbarramos em um etnocentrismo inerente ao discurso acadêmico, que determina o que deve ser chamado de ‘Ciência’, e o que deve ser taxado de ‘Etnociência’. O prefixo serve então para deliberadamente denotar, realçar a diferença entre esse conhecimento outro, não- acadêmico, acientífico, do produzido dentro dos rigores, padrões e métodos tecno- científicos institucionalizados. Como Sousa Santos, Meneses e Nunes (2005; p. 23) deixam claro na epígrafe que abre esse capítulo, ao ver-se obrigada a “reconhecer a existência de outros saberes”, a Ciência acadêmica “procura circunscrever a sua relevância, apodando-os de ‘conhecimentos locais’ ou de ‘etnociências’”. Duas conseqüências principais surgem a partir desta postura em relação à alteridade epistêmica. De um lado, ocorre uma acelerada proliferação de campos e 10 Sobre esta ambiguidade, em sua revisão Hanazaki (2006) vai afirmar que “o prefixo ‘etno’ começou a ser usado com dois significados: primeiro, para fazer referência a um grupo étnico em particular – assim, a etnoecologia é o estudo da ecologia de um dado grupo étnico, algo único na história deste grupo – e, segundo, fazendo referência às percepções ou visões do grupo indígena/local sobre o fenômeno em questão” (HANAZAKI, 2006, s.p.). Alves e Albuquerque (2010) vão se manifestar da seguinte maneira: “Commonly, texts published on fields such as ethnopedology and ethnobotany are expressions of our views of the behavior and knowledge of a given people within specific domains of that knowledge. On the other hand, one can advocate that the idea expressed by ‘ethnobotanic knowledge’ is applicable only to knowledge produced by a researcher with a formal education” (ALVES E ALBUQUERQUE, 2010; p. 70). 23 conceitos científicos adaptados precedidos pelo prefixo etno-11, em função direta da premissa da ciência-espelho paralela. Todo e qualquer conceito científico teria potencialmente – mesmo que em fase germinal – um etno-equivalente. Posteriormente esta disseminada proliferação (ou ‘inflação terminológica’ nos termos de ALVES & ALBUQUERQUE, 2010) será criticada devido as suas ambiguidades inerentes, e imprecisões quanto aos limites epistemológicos desses vários novos campos e conceitos propostos (ALVES & ALBUQUERQUE, 2010; ALBUQUERQUE & HURRELL, 2010). A segunda consequência é a criação de uma oposição dicotômica, uma polarização (simbolicamente correlacionada com a premissa da ciência-espelho) entre o “etnoconhecimento” – que evoca as ideias de mito, crendice, folclore, senso comum, empirismo –, e o conhecimento científico – que nos remete a adjetivos como comprovado, validável, replicável, falsificável, etc. Essa dicotomia traz em si a falsa impressão de que ambos os modelos cognitivos, ‘etno-’ e ‘científico’, seriam categorias estanques e integrais, uma vez que contrapostas. É de se imaginar um tanto improvável, diante da grande diversidade de culturas e línguas presentes no mundo hoje, que todas aquelas taxadas de ‘tradicionais’ ou ‘populares’ constroem seu universo simbólico de maneira similar entre si e diametralmente antagônica, ou muito menos espelhada, ao modelo tecnocientífico. Bem como a crença generalizada de que ‘A Ciência’ seria capaz de decifrar um padrão geral dessa entidade ontológica e epistemologicamente autônoma a que denominamos arbitraria e generalizadamente ‘conhecimento tradicional’. Ocorre que os conhecimentos (particularmente os relacionados ao meio) de indígenas, campesinos, quilombolas, extrativistas, seringueiros, vazanteiros e tantos outros povos ditos “tradicionais” são tão múltiplos e de natureza tão diversa, que tentar trazê-los sob um mesmo conceito chega a ser quase quimérico, uma vez que estes saberes podem se encontrar tão ou mais distantes uns dos outros quanto dos próprios saberes tecnocientíficos. Cada manifestação cultural, cada construção simbólica e cognitiva do universo é ímpar. Ignorar deliberadamente esta diversidade, e pior, colocá-la toda sob uma categoria ambígua e generalista (seja ela tradicional, local, indígena, ou simplesmente etno-), implica em silenciar uma gama de atores sociais, em favorecimento daquilo que Souza Santos e colaboradores (2006) designaram “monocultura do saber científico”. Como se não bastasse isto, apenas, os “saberes tradicionais” não estão distribuídos homogeneamente entre os diversos membros de uma mesma “tradição cultural”. As posições sociais dos atores influenciam qualitativa e quantitativamente os conhecimentos 11 Além de todas as ‘etno-disciplinas’ e do ‘etnoconhecimento’ já mencionados no corpo do texto, cita-se ainda ‘etnoclassificação’, ‘etnocategoria’, ‘etnoespécie’, ‘etnovariedade’, ‘etnogênero’, ‘etnoconservação’, ‘etnomapeamento’, ‘etnozoneamento’, ‘gestão etnoambiental’, entre os mais relevantes para o presente trabalho. 24 que eles mantêm e transmitem. Desta forma, numa comunidade ameríndia, por exemplo, uma artesã pode conhecer melhor as embiras, fibras e sementes adequadas ao seu ofício do que um caçador, que por sua vez, pode ter um conhecimento mais profundo da ecologia e biologia da fauna cinegética do que um pajé. Em troca, este poderá saber mais das plantas de poder e mágico-medicinais, e compreender melhor as relações entre estas, a fauna e os espíritos, que podem ser saberes interditos para o restante da comunidade ou parte dela, como mulheres ou crianças não-iniciadas nos ritos, etc. Desta maneira, não haveria um corpus de conhecimento cultural único e compartilhado igualitariamente por um mesmo povo, que pudesse ser revelado, ou muito menos traduzido pela academia enquanto tal, sob a guisa de ‘etnociência’ de tal ou qual cultura. Por sua vez, a ciência acadêmica também possui suas multiplicidades de discursos e pontos de vista, muitas vezes ambíguos e contraditórios, e que tampouco representam uma entidade ou unidade em si mesma. Não apenas na diversidade e sobreposição de campos disciplinares, como também no seio das próprias disciplinas e subáreas, com as prolíferas correntes teóricas e variadas escolas de pensamento, podemos observar a fragmentação do discurso científico, que em sua concepção idealizada deveria ser uníssono e inequívoco. Portanto, se não há um “conhecimento tradicional”, e tampouco há um “conhecimento científico” absolutos, uma oposição diametral entre ambos parece simplesmente ilógica. Como forma de se atingir o diálogo intercultural verdadeiro, ou a ecologia de saberes de Sousa Santos, ou a simetria de Latour, deveríamos pensar mais complexa e sistemicamente, em termos de constelações epistêmicas se intersectando e modificando mutuamente em pontos variados. Diante das críticas de etnocentrismo, dicotomização de multiversos, tão vários quanto os modelos humanos de produção de conhecimento e, acima de tudo, diante da impossibilidade epistemológica de uma real apreensão ‘êmica’ da ciência outra, o termo ‘etnociência’ passa a ser empregado com outra conotação, e a designar o campo acadêmico-disciplinar que estuda este universo epistemológico outro (DAVIDSON- HUNT, 2000). Surge assim o ‘etnocientista’ em seu sentido atual, até então uma figura impossível de emergir, uma vez que o praticante ou expert da etnociência fora, até então, o ‘tradicional’, o ‘indígena’, o ‘nativo’, o ‘local’, etc. Contudo, embora seja sinalizador de um passo em direção a um diálogo mais simétrico, deslocar simplesmente a semântica do termo não soluciona o problema. Como já demonstrado no início deste capítulo, as relações de poder entre as etnociências (agora na sua conotação mais recente de disciplinas acadêmicas constituídas) e seus objetos de 25 investigação continuam cada vez mais assimétricas e predatórias12. Não apenas isso, mas mesmo entre aqueles que se consideram, e a seu campo de estudos etnocientista e etnociência, respectivamente, o emprego de terminologias etnocêntricas como ‘etnocategoria’, ‘etnoespécie’, ‘etnoclassificação’, etc., ainda é observado, até por falta de um vocabulário que possa mais adequadamente expressar os conceitos que se pretende atingir. Mas por que categorias desenvolvidas por alguns devem ser tidas como ‘categorias’ de facto, e as desenvolvidas por outros devem ser nomeadas ‘etnocategorias’? Este tipo de terminologia acaba se mostrando sectária, no mínimo, ou dependendo do olhar que se der, ostensivamente discriminatória. 2.2. Outro – Em busca de uma Ecologia do Homem Vários campos de estudo, geralmente agrupados dentro do que se denomina ‘antropologia ecológica’, tem se proposto a estudar as relações entre o homem e o mundo natural, cada um com sua ênfase específica (MILTON, 1997; REYES-GARCÍA & SANZ, 2007). Os limites, ou fronteiras como prefere Hissa (2008), entre estas disciplinas estão cada vez menos claros, uma vez que suas perspectivas parecem estar convergindo. Esse fato é bem claro no caso da etnoecologia e a ecologia humana. Enquanto a etnoecologia clássica, com suas origens epistêmicas arraigadas na antropologia cognitiva, dirige sua atenção para os processos de categorização do mundo, a ecologia humana (ou ‘enfoque ecossistêmico’, de acordo com MILTON, 1997) com bases teóricas derivadas da ecologia, se interessa pelas consequências ecológicas das ações e práticas de manejo humanas, enxergando o homem apenas como mais um fator ecológico (MILTON, 1997; HANAZAKI, 2006; REYES-GARCÍA & SANZ, 2007). Alguns vão afirmar ainda que a diferença entre as duas reside em que a etnoecologia estudaria as sociedades ‘tradicionais’ e ‘indígenas’ (e suas micro-intervenções no ambiente), ao passo que a ecologia humana teria como foco as sociedades urbano-industriais modernas, e suas macro-intervenções nos ciclos biogeoquímicos planetários. Contudo, como já vimos, essa oposição entre tradicional e moderno é capciosa e deveria ser abandonada. Concepções mais recentes das etnociências afirmam que ela se deslocou de um foco nos usos e classificações (uma abordagem utilitarista-cognitivista, portanto) para um 12 Não se trata aqui de um menosprezo quanto às crescentes discussões no campo sobre as necessidades de práticas de “retorno” e “empoderamento” das comunidades-alvo de estudos (p. ex., ALBUQUERQUE, ARAÚJO & SOLDATI, 2010). Porém, esperamos que tenha ficado claro, a partir da argumentação apresentada, que a exploração cognitiva (e seus benefícios advindos) efetuada em décadas de estudos etnocientíficos supera, em muitas ordens de grandeza, os benefícios retornados às comunidades onde se passam esses estudos. 26 foco relacional, incluindo-se aí o uso, a cognição, e as interações ecológicas (BERLIN, 1992; DAVIDSON-HUNT, 2000). Ao expandir sua perspectiva de estudo e incluir os processos ecológicos da espécie humana, a etnoecologia enfraquece as barreiras conceituais entre si e a ecologia humana, passando a incorporar a mesma. Dentro desta lógica, apesar de não ter sido explicitamente formulado pelos autores consultados, a ecologia humana seria então como uma subárea da etnoecologia. O presente trabalho busca transcender estas questões – que colocam o homem como agente cultural em um plano de existência, e como agente ecológico em outro – por acreditar que elas derivam diretamente da ‘ocidental’ dicotomia natureza-cultura (DESCOLA, 1996; INGOLD, 2000). Logo, propõe-se aqui enxergar as três categorias etnoecológicas de relações entre homem e meio – cognitiva, utilitária e ecológica – como inseparáveis, sendo traçadas dentro de um mesmo panorama, em vista de uma compreensão mais holística da ecologia maxakali (enquanto scientia, e enquanto praxis). Graças às reflexões contidas neste capítulo, na busca por um estudo intercultural das relações entre seres humanos e os meios onde vivem parece inevitável abandonar o conceito de ‘etnociências’ da forma como ele vem sendo empregado. Contudo, alguns de seus avanços metodológicos, conceituais e epistemológicos serão de particular importância para o presente trabalho. Primeiramente, a perspectiva de uma construção conjunta do saber que transcenda a dicotomia ético-êmico (DAVIDSON-HUNT, 2000). Também é focada aqui, a tradução e análise de categorias semânticas de classificação do universo não- humano e da paisagem, como forma de lançar luz sobre a ecologia simbólica (que inclui, mas não se limita apenas, ao que se convencionou ‘modelo berlineano’, e seus posteriores desenvolvimentos descritos em BERLIN et al., 1968, 1973; BERLIN, 1972, 1992; HAYS, 1983; BROWN, 1986; POSEY, 1997a; HAVERROTH, 2007). E finalmente a noção de que as paisagens presentes são os resultados das pretéritas relações entre os meios e as culturas que ali habitaram, e passíveis de análise enquanto tal, trazida pelo campo afim, mas não propriamente enquadrado dentro da etnociência, que se denomina ecologia histórica (BALÉE, 2006; BALÉE & ERICKSON, 2006). Essas ferramentas teóricas e metodológicas serão aplicadas tendo como pano de fundo as práticas maxakalis de manejo dos recursos naturais, buscando gerar informações que possam auxiliar esse povo na gestão ambiental de seu território demarcado, ou, como definiria Balée (2006), o desenvolvimento de uma ecologia histórica aplicada para o caso específico da TI Maxakali. 27 3. Aspectos metodológicos Os cerca de 1500 tikmũ’ũn13 (FUNASA, 2010 apud ISA 2012) estão hoje divididos em três territórios reconhecidos oficialmente: a Terra Indígena (TI) Maxakali; e os territórios (ainda não homologados como TI) de Cachoeirinha, no município de Teófilo Otoni, e Aldeia Verde, localizada no município de Ladainha, todos na porção nordeste do estado de Minas Gerais. Até 2005, os tikmũ’ũn estavam confinados apenas à TI Maxakali, porém, um conflito interno acarretou a expulsão de quase 300 pessoas, levando o governo federal a adquirir as outras duas áreas para estes dissidentes. O trabalho aqui apresentado foi desenvolvido na TI Maxakali, não apenas por ser maior, de posse mais antiga, e onde está concentrada a maioria dos tikmũ’ũn, mas também pelo nível mais alto de degradação ambiental, exigindo uma sinergia de esforços de pesquisadores indígenas, da academia, e da sociedade como um todo para a sua recuperação. Além disso, um maior rapport entre o pesquisador e as aldeias da TI Maxakali foi fator decisivo para a escolha do local para o desenvolvimento do projeto. Nesta subseção serão descritos características ecológicas e territoriais da TI Maxakali, e os procedimentos técnicos realizados durante o levantamento de dados. 3.1. Área de estudo A TI Maxakali é uma área protegida14 de 5.305 ha., localizada no extremo nordeste do estado de Minas Gerais, próxima à região fronteiriça entre os estados de MG, ES e BA (Figs. 3.1 e 3.2), dentro dos limites dos municípios Bertópolis e Santa Helena de Minas. Embora em divisões político-administrativas ela pertença à região do Alto Mucuri, hidrograficamente a TI Maxakali está localizada nas cabeceiras de afluentes do rio Itanhém, que deságua no município de Alcobaça-BA. É uma região pobre, com um dos menores IDHs do Brasil (em 2000: Santa Helena, 0,594; Bertópolis, 0,585, ante 0,766 da média nacional; PNUD, 2012), sem indústria, onde a principal atividade econômica é a 13 Nome com que os maxakalis se auto-denominam enquanto grupo. Tihik é a expressão usada para se designar um único indíviduo do grupo. 14 De acordo com o Plano Nacional de Áreas Protegidas – PNAP, Decreto 5.758, de 13 de abril de 2006, terras indígenas, assim como territórios quilombola e Unidades de Conservação, são áreas protegidas, e como tal devem sofrer ações governamentais para uma gestão socioambiental sustentável (BRASIL, 2006). Elas se enquadram na categoria VI de áreas protegidas da IUCN (IUCN, 2012). 28 pecuária, e o agronegócio possui quatro vezes mais terras do que a agricultura familiar (IBGE, 2006), concentração fundiária que possui origens históricas na colonização da região (RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980). Figura 3.1. Localização da TI Maxakali na porção leste do Brasil. Direitos de imagem reservado © Google. Figura 3.2. Imagem de satélite com os limites demarcados da TI Maxakali. Fonte: FUNAI/MMA. Direitos de imagem reservados © Google. 29 O relevo varia entre 300-500m de altitude, e caracteriza-se pelo terreno brejoso que permitiu à região, hoje dominada pelo gado, ser a maior produtora de arroz do estado na década de 1960 (RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980). Posteriormente, as fazendas de gado de corte homogeneizaram a região em termos de produção econômica rural, e o plantio de arroz foi praticamente abandonado. A maior parte da região se encontra hoje insegura alimentar e nutricionalmente, já que a quase totalidade de grãos, verduras, legumes, tubérculos, etc. são importados do CEASAMINAS ou de grandes cidades da região pelos supermercados locais ou por feiras itinerantes, o que inflaciona os preços e reduz a qualidade nutricional dos alimentos. O terreno caracteriza-se por largos vales alagadiços e brejosos, delimitados por declividades rochosas abruptas. A maioria das formações florestais remanescentes está concentrada no alto destas paredes rochosas, e incrustada nas profundas fendas de nascentes nas áreas mais íngremes e de difícil acesso (Fig. 3.3.). Estes pequenos ‘refúgios’ são devidos, em parte, ao direcionamento antrópico da sucessão nas áreas de mais fácil acesso causado pela introdução de uma gramínea invasora e a profunda alteração que ela vem provocar no regime de queima, como será demonstrado na seção 4.2. A (con)formação da paisagem no território tikmũ’ũn: Das dinâmicas entre índios, colonos, florestas, pastagens e regime de queima Nas baixadas e áreas mais planas, ao fundo dos vales, predominam os terrenos alagadiços e os córregos brejosos em acelerado processo sucessional, e microfragmentos florestais (< 10 ha.) dispersos em um ou outro ponto. É também nestas áreas mais baixas que se encontra a maior parte das aldeias. Embora não seja obrigatório, via de regra, os tikmũ’ũn tendem a escolher como local para a formação de suas aldeias, pequenos morros aplainados no topo, no sopé dos aclives que cercam o vale (Figura 4.5). Esta posição é estratégica não apenas para evitar as áreas de alagamento e os brejos, como também para se ter uma ampla visão do vale, podendo avistar de antemão possíveis ataques de inimigos. 30 Figura 3.3. Micro-fragmentos florestais “incrustados” nas fendas de morros em áreas íngremes e de difícil acesso, onde o fogo vindo das pastagens não consegue penetrar. Dentro do mapa global da classificação climática de Köppen-Geiger, a região se encontra no domínio Aw (PEEL, 2012). De acordo com o Zoneamento Ecológico- Econômico de Minas Gerais sua categoria é a C1 da classificação de Thornthwaite (SISEMA, 2012). As fitofisionomias predominantes na TI são florestas estacionais semi- deciduais montanas e sub-montanas. Porém, a região já possui indícios de transição para a floresta ombrófila densa da encosta atlântica, partilhando de elementos florísticos com a hiléia baiana e do Espírito Santo. Em realidade, toda a macro-região onde a TI se insere pode ser considerada uma grande zona ecotonal, uma vez que em um raio de 50 km da área há encraves de florestas decíduas, cerrado, e florestas ombrófilas (Fig. 3.4.). 31 Figura 3.4. Mapa de fisionomias da Mata Atlântica. A seta indica a localização da TI Maxakali. Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica. A TI é dividida em dois vales localizados na bacia do rio Itanhém. Enquanto a área conhecida como Água Boa é cortada pelo córrego homônimo, a área denominada Pradinho é banhada pelo córrego do Umburanas. Esses dois córregos se encontram mais ao sul para formar o rio do Norte, um dos principais afluentes do Itanhém. Algumas das nascentes do córrego Água Boa estão dentro da TI, mas muitas foram deixadas de fora da área protegida. Já as cabeceiras do córrego do Umburanas são mais distantes, e apenas alguns de seus afluentes nascem dentro da área. Isto traz graves implicações quanto à qualidade da água que os maxakalis terão disponível para consumo, como será discutido na seção 5.2.4. Recursos hídricos 32 O principal tipo de solo presente na TI Maxakali é o podzólico vermelho amarelo distrófico, com algumas inclusões de solos rasos litólicos e afloramentos rochosos (MACEDO et al., 2004). Solos arenosos também são muito presentes na área. Geologicamente, a área está dentro do complexo Jequitinhonha (NPjq), que é constituído por formações de paragnaisse, quartzito e rochas calcissilicáticas (CPRM, 2003). Historicamente, a área tem sido dividida em duas zonas: Água Boa, a oeste, e Pradinho, a leste, sendo que até o novo processo de demarcação que ocorreu no ano de 1993, estes eram dois territórios oficiais não-contíguos, separados por um corredor de fazendas. Com a homologação do território contíguo pela Presidência da República em 1996, os fazendeiros foram obrigados a se retirar, não sem conflitos com os maxakalis. Em 2008, alguns maxakalis, saindo da grande aldeia Vila Nova no Pradinho, estabeleceram uma nova aldeia, chamada Cachoeira, nesta área onde era o corredor de fazendas. Apesar de a aldeia estar na mesma micro-bacia, mais próxima do Pradinho, e possuir vínculos ancestrais mais fortes com esta área do que com Água Boa, seus moradores, como declaração aberta de ruptura com a aldeia Vila Nova, afirmam que sua aldeia pertence ao território de Água Boa. Desta forma, essa zona ambivalente, até pouco não pertencente ao território demarcado, vem sendo considerada, tanto pelos tihiks, como por aqueles que lidam com a realidade da aldeia, como uma terceira área independente, homônima à aldeia de Cachoeira. O surgimento, neste local, de uma segunda aldeia a partir de uma nova leva de dissidentes da aldeia Vila Nova, fortalece a ideia daquela porção como um terceiro território autônomo. Vale ressaltar que, coincidentemente ou não, esta é a mesma área onde se havia estabelecido a antiga aldeia yĩpkoxxeka, o registro histórico mais antigo de ocupação maxakali nas margens do córrego Umburanas, fundada após um conflito pela disputa da área que terminou com a expulsão de um grupo de botocudos que lá moravam (PARAÍSO, 1999; OLIVEIRA, 1999). 3.2. Anuência da comunidade A anuência prévia da comunidade, necessária para entrar com os pedidos de licença da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), do CGEN (Conselho de Gestão ao Patrimônio Genético), e do IPHAN para a realização de pesquisa sobre conhecimentos indígenas associados à biodiversidade, foi obtida em fevereiro de 2011. Também foram solicitadas autorizações de pesquisa junto ao COEP-UFMG (Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos) que a encaminhou ao CONEP (Comissão Nacional de Ética em 33 Pesquisa) por se tratar de pesquisa com povos indígenas, e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) para as coletas de material vegetal e animal. A aldeia Vila Nova, da área do Pradinho, optou por não participar das atividades. 3.3. Procedimentos de campo O trabalho de campo se deu em cinco visitas entre julho e dezembro de 2011 à maioria das aldeias da Terra Indígena Maxakali, (média de 10,8 dias por viagem), e também durante uma visita, de uma semana, de um grupo de professores maxakali a Belo Horizonte em setembro de 2011. Consistiu em reuniões com lideranças, professores, experts e a comunidade mais ampla, oficinas em sala de aula, e observação participante de usos da biodiversidade no território demarcado e entorno. Em quase todos esses momentos foram feitos registros escritos, sonoros, audiovisuais e fotográficos. Muitas das informações aqui apresentadas, especialmente o léxico maxakali de plantas e animais, vêm sendo compiladas desde setembro de 2007, através de um acompanhamento periódico junto aos professores maxakali, no âmbito do curso de formação em licenciatura indígena da UFMG, quando eles desenvolveram o projeto intitulado ‘Cura da Terra’, como parte de sua trajetória curricular acadêmica. O diagnóstico sobre a situação ambiental do território foi realizado através de reuniões, junto às aldeias de Água Boa e Pradinho, que envolveram: num primeiro momento, lideranças e representantes de cada aldeia, sendo discutidos os problemas relacionados à disponibilidade e acesso à água, lenha, madeira, caça, recursos materiais para a abertura de roças, etc. Posteriormente, grandes reuniões foram organizadas com a maioria das principais lideranças tikmũ’ũn da TI Maxakali. Nestes encontros (que possivelmente não ocorreriam de forma espontânea por parte deles) foi enfatizado o compartilhamento dos problemas apontados separadamente por cada aldeia, como falta de recursos para a produção de roças; redução das matas devido às queimadas anuais; perda de agrobiodiversidade; extinção local de espécies cinegéticas de importância alimentar, ecológica, e simbólica; ausência de água potável de qualidade (principalmente pelo assoreamento dos cursos d’água, na falta de mata ciliar). Das oficinas, que consistiram de momentos de discussão sobre variados tópicos acerca da biodiversidade local e a territorialidade, participaram membros de várias aldeias. Em algumas das oficinas, realizadas em salas de aula das escolas, foram feitas em grupo, ‘listagens livres’ (QUINLAN, 2005) de categorias ecológicas tidas como fundamentais para compreensão da ecologia-cosmologia tikmũ’ũn. Cada um dos seus componentes 34 lexicais foi analisado (inclusive em termos etimológicos) em conjunto com as lideranças, professores, experts, e demais tikmũ’ũn presentes, e as características que os diferenciam enumeradas. Concomitantemente às discussões, foram disponibilizados para consulta pelos participantes, guias de campo para identificação botânica e livros de autoria tikmũ’ũn15, no intuito de dirimir dúvidas acerca das correlações científicas obtidas (“traduções”). Algumas vezes estas oficinas consistiram em revisões de informações obtidas previamente, também com o auxílio de guias de campo. Ou seja, nomes de espécies foram sistematicamente reavaliados em momentos e por pessoas diferentes, como forma de se atingir um maior consenso cultural. Isto é, ao invés de tentar controlar o consenso através do procedimento metodológico empregado e da exclusão de influências externas (como propõe, p. ex., QUINLAN, 2005), o consenso foi determinado pelos próprios participantes tikmũ’ũn, que em um verdadeiro processo de peer-review, podiam abertamente confirmar ou refutar as informações fornecidas outrora e alhures por outros tikmũ’ũn. Foram realizadas caminhadas no território juntamente com guias maxakalis, preferencialmente ‘experts’ em animais, plantas e na religião, muitas vezes, acompanhadas também por jovens da comunidade interessados na pesquisa. Durante as caminhadas, diálogos eram travados sobre os nomes, usos e valores simbólicos de animais e plantas avistadas. Foram feitas coletas de plantas com material fértil e abelhas nos agroecossistemas, fragmentos florestais e marcos culturais da paisagem por eles indicados, quando todas as técnicas de observação, coleta e acondicionamento do material biológico foram repassadas aos acompanhantes. A Figura 3.5 mostra os trajetos percorridos durante as visitas, registrados usando-se um GPS Garmin modelo 60Cx. 15 MAXAKALI ET AL., 2005; SOUZA & LORENZI, 2005; LORENZI, 2002, 2008, 2009; LORENZI et al., 2010; TUGNY, 2009a, b. 35 Figura 3.5. Logs de viagem percorridos na TI Maxakali e entorno entre julho e dezembro de 2011. Direitos de imagem reservados © Google. Através da técnica de observação participante foi possível testemunhar hábitos de manejo agrícola, da caça e pesca, e uso e manejo da biodiversidade como um todo. Estes momentos foram essenciais para descrever a utilização de vegetais para os quais não havia sido relatado uso, e formas de relação simbólica e material com a fauna (cinegética ou não). 36 4. Ecologia Histórica Tikmũ’ũn “Eu nunca entendi o que significaria esse contexto. A moldura torna um quadro mais bonito, ela pode ajudar a melhor dirigir o olhar, aumentar seu valor, mas ela não acrescenta nada à pintura. A moldura, ou o contexto, é precisamente o conjunto de fatores que não alteram em nada os dados, aquilo que é de conhecimento comum sobre eles. Se eu fosse você, eu me absteria de toda e qualquer moldura. Descreva, simplesmente, o estado dos fatos que estão à mão.” LATOUR, 2006 4.1. Os Povos Tikmũ’ũn Conceituações sobre a alteridade étnica estão sempre sujeitas a um viés etnocêntrico e equivocado no posicionamento do conceituador. Ao analisarmos a história dos povos indígenas do leste do Brasil, vemos que os termos com que eram denominados diversos grupos desta região possuíam conotações ambíguas e não fundadas no preceito da auto-identificação. Desta forma, ‘tapuias’, ‘aimorés’, ‘botocudos’, ‘giporocks’, são vocábulos muito usados para se definir – de forma até propositalmente vaga16 – grupos indígenas não-tupi, que habitavam os ‘sertões do leste’, e não se submeteram facilmente ao processo civilizatório. No entanto, esses povos possuíam línguas e identidades bastante distintas, às vezes se agrupando nas ditas confederações indígenas (PARAÍSO, 1999; OTONI, 2002; VENÂNCIO, 2007). Com os vários povos cujas línguas são agrupadas dentro da família maxakali (ou povos pan-maxakali), o processo não foi diferente, sendo ora denominados naknenuks, ora 16 Paraíso (1999) afirma que, uma vez que a Guerra Justa nas províncias de Minas Gerais, Bahia e Espírito Santo havia sido declarada especificamente aos botocudos, os brasileiros – colonos, administradores regionais, fazendeiros, etc. – vão tender a chamar generalizadamente os indígenas da região sob este epíteto, como forma de justificar suas ações de agressão que visam a eliminação destas populações. 37 como giporocks17, vocábulos da língua botocuda que significariam amigos e inimigos, respectivamente (PARAÍSO, 1999). O próprio etnônimo maxakali não é de auto- identificação, e remonta a um vocábulo registrado no século XVI – amixokori –, aparentemente com que os tupis do litoral designavam um povo inimigo que habitava as serras do interior (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a). A constelação de grupos pan-maxakali exibiu em tempos históricos uma profusão de dinâmicas de aldeamento, migração, aliança e inimizade uns com os outros, com povos de outras línguas e com os colonizadores. Desta maneira, limites precisos entre o que se pretende dizer com malalís, maxakalis, macunís, panhames, pataxós, etc., são muito difíceis de serem traçados. Aldeados em conjunto, ou pulverizando-se sobre a região em busca de refúgios da fronteira de colonização cada vez mais difíceis e distantes, vendo seus territórios paulatinamente reduzidos e suas crianças traficadas, os que sobreviveram aos massacres e às promessas traiçoeiras da ‘civilização’ brasileira não tiveram opção, a não ser se agruparem, como maneira de atingir maior coesão social e fortalecimento identitário. De acordo com esta visão, surge a hipótese de que aqueles que hoje se denominam tikmũ’ũn seriam então os descendentes de várias famílias fugidas, com origens diferentes que se aliaram como estratégia de sobrevivência, de acordo com evidências históricas (PARAÍSO, 1999), lingüísticas (CAMPOS, 2009), antropológicas e relatos orais (TUGNY, 2009a, b). A análise dos vocábulos que designam animais e plantas registrados para as línguas da família maxakali por Wied-Neuwied e Martius, apresentada na seção 4.3.2.1. Léxicos históricos pan-maxakali de classificação da biodiversidade, corrobora esta hipótese. Como, e em quais regiões estes povos se dispersaram espacial e temporalmente, serão melhor descritos abaixo. Quanto aos pataxós hoje viventes, a bibliografia consultada não permite afirmar com clareza, se seriam descendentes apenas dos pataxós pretéritos, ou se também de uma fusão de grupos com línguas aparentadas. Sabe-se, por relatos históricos (MÉTRAUX & NIMUNEDAJÚ, 1963), que houve ampla miscigenação com as populações de descendência européia e africanas locais, ao passo que aqueles que hoje denominamos maxakali adotaram uma postura endogâmica quase 17 “Foram os naknenuks (...) que expeliram de seus domínios os infelizes machacalis. E, quando senhores das terras, os machacalis se aproximaram dos portugueses, foi cometendo tropelias e atentados ora provocados, ora não.” (OTONI, 2002, pp. 70). Paraíso (1999) sustenta que, na realidade, a famosa confederação dos naknenuks era constituída por um grupo multiétnico, liderado inicialmente por um cacique malalí, que se articulou para defender o território do Mucuri da invasão por outros povos a si aparentadas, ou não (botocudos, pan-maxakalis, camacãs, pojixás, etc.) que emigravam das áreas mais conflituosas para lá, no temor de uma sobrecarga populacional indígena na região. Para se referir a esses grupos que buscavam o vale do Mucuri como refúgio, Otoni usaria o termo giporocks (botocudo para inimigo), ainda segundo Paraíso (1999). 38 obrigatória, como forma de resistir à sua dissolução identitária em meio à sociedade hegemônica envolvente. A família lingüística maxakali possui várias línguas com registros históricos, das quais apenas o maxakali sobrevive hoje (não obstante os recentes esforços dos pataxós em revitalizar sua língua). Martius (1867) agrupou o macuni, copoxó, cumanaxó, panhame, monoxó, pataxó e malalí na macro-família lingüística dos “Goytacás”, implicando em algum nível de parentesco com os Jê. Loukotka (1931 apud Nimunedajú, 1958) defende a classificação de que todas estas línguas, com exceção do pataxó, formavam uma família isolada. Atualmente, porém, é mais aceito que todas estas línguas se enquadrariam na família maxakali, por sua vez inserida dentro do tronco Marco-Jê (CAMPOS, 2009). É facilmente notável em qualquer visita às aldeias tikmũ’ũn a proporção extraordinariamente grande de monolinguismo. De fato, somente após a formação recente no curso de licenciatura indígena da UFMG, alguns professores tikmũ’ũn passaram a aprender melhor a língua portuguesa. Segundo dados do Ethnologue (LEWIS, 2009), em 1981 a taxa de alfabetização dos maxakalis era de 37%. Atualmente podem ser consideradas como principais fontes de renda dos tikmũ’ũn, em ordem de importância: os salários de professores e funcionários das escolas, agentes de saúde e saneamento; benefícios financeiros vindos do governo federal (bolsa-família, Fome Zero, aposentadoria, pensão-maternidade, etc.); venda de artesanatos; e venda de produtos agrícolas. Este quadro foi instaurado recentemente, com a crescente inclusão da comunidade no mercado assalariado. Em várias aldeias as roças não produzem o mínimo necessário para o consumo interno, e apenas alguns poucos agricultores produzem excedentes para comercialização na cidade. A produção de artesanato em fibras, sementes e madeira, atividade prioritariamente feminina, ainda é bastante praticada, e possui impacto significativo na renda mensal familiar. 39 Figura 4.1. Índios machacarís e camacãs. Desenho de Johann Moritz Rugendas. Extraído de Rugendas (1949, s.p.). 40 4.1.1. Revisão do Histórico de Uso e Ocupação do Território O pouco que se sabe sobre o modo de vida dos ancestrais dos povos tikmũ’ũn, se deve aos relatos deixados por cronistas, naturalistas, administradores regionais e etnólogos que com eles estiveram. Destacam-se para esta análise: Auguste de Saint-Hilaire (2000 [1815]), Joseph Moritz Rugendas (1949 [1835]; Carl Phillipe von Martius (1867); Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied (1989 [1820]); Teófilo Otoni (2002 [1858]), e Curt Nimuendajú (1958 [1939]). Os povos da família maxakali, como outros povos do leste do Brasil, exibiram, em tempos históricos, hábitos nomâdes, percorrendo grandes áreas (RUGENDAS, 1949; PARAÍSO, 1999; SAINT-HILAIRE, 2000; OTONI, 2002; VENÂNCIO, 2007). Esse fato foi um dos pretextos para se disseminar a falsa impressão, corrente até hoje, de que seriam povos estritamente caçadores-coletores, ou, quando muito, praticantes de uma horticultura incipiente, introduzida após o contato com a sociedade envolvente (visão expressa, por exemplo, por RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980, pp. 130). No entanto, o conceito de caçador-coletor strictu sensu no contexto ameríndio está sendo atualmente revisto, devido às evidências de ‘regressão’ de povos amazônicos horticultores ao nomadismo no período pós-1500 (BALÉE, 2006; HECKENBERGER, et al., 2007), assim como em outros locais do mundo e circunstâncias (DIAMOND & BELLWOOD, 2003; DIAMOND, 2006). Dados etnohistóricos, arqueológicos, paleontológicos, e etnoecológicos vêm demonstrando claramente que povos ameríndios, não apenas na Amazônia, outrora tidos como forrageadores estritos, desenvolvem técnicas extremamente refinadas de plantio, manejo e classificação ambiental, tanto em tempos pretéritos como presentemente (BALÉE, 1994, 2006; POSEY, 1997b; DIAMOND, 2006; BITTENCOURT & KRAUSPENHAR, 2006; BALÉE & ERICKSON, 2006; HECKENBERGER et al., 2007). A observação de evidências do manejo agroflorestal maxakali na paisagem, bem como as conclusões apontadas pela análise de sua classificação da agrobiodiversidade apresentadas neste capítulo, demonstram claramente que os conceitos de caçador-coletor ou agricultor incipiente não são adequados para descrever a ecologia-economia tikmũ’ũn. Além disso, foram encontradas várias menções à suas práticas agrícolas autóctones quando dos primeiros aldeamentos, no início do século XIX (NIMUNEDAJÚ, 1959; MÉTRAUX & NIMUNEDAJÚ, 1963; WIED-NEUWIED, 1989; SAINT-HILAIRE, 2000). De acordo com Métraux & Nimunedajú (1963, pp. 542), todos os povos da família, com exceção dos 41 pataxós18, conheciam a agricultura anteriormente à colonização. Segundo as descrições compiladas por Métraux & Nimunedajú (1963), no início do século XIX todos plantavam milho, feijão, batata-doce e, alguns grupos, mandioca. Aparentemente tinham forte dependência da batata-doce, traço que exibem até hoje, em oposição à mandioca - cultígeno de origem amazônica trazido por povos tupi em sua onda de expansão para o leste pelo litoral (LOWIE, 1963, pp. 383; BROCHADO, 1984). Wied-Neuwied (1989) cita ainda o algodão entre as espécies cultivadas pelos maxakalis do Rio Pardo, e Saint-Hilaire (2000) menciona o jacatupe (Pachyrhizus sp.), uma papilionácea (correspondente à atual sub-família Faboideae) tuberosa comestível, plantada pelos malalis. Nimunedajú (1958) relata que, durante sua visita em 1939 à área que hoje corresponde à TI Maxakali, não encontrou mandioca, algodão, nem tabaco, observando nas roças principalmente milho e batata-doce. Contudo, foi relatado pelos tikmũ’ũn que seus ancestrais plantavam bastante tabaco, produto altamente apreciado pelos homens no cotidiano, além de fulcral para o xamanismo maxakali. Hoje, os principais cultígenos observáveis nas roças da TI Maxakali são mandioca-doce (macaxeira), batata-doce e, em algumas aldeias, feijão e abóbora. Seus territórios ancestrais de ocupação eram muitas vezes maiores do que a área hoje demarcada, tendo como limite meridional o rio Doce, setentrional o rio Pardo, ocidental o rio Jequitinhonha, e a leste se estendendo até o litoral, especificamente na faixa compreendida entre Alcobaça e a foz do Mucuri. Portanto, os ancestrais dos tikmũ’ũn perambularam por toda a região nordeste de MG, bem como o extremo sul e sudeste da Bahia e o Espírito Santo (Figura 4.2 e Figura 4.3). Esta era uma região conflituosa, disputada por vários povos indígenas expulsos de regiões, com colonização mais antiga, descritos como pojixás, camacans, mongoiós, giporocks, botocudos, naknenuks, entre outros etnônimos (PARAÍSO, 1999; OTONI, 2002; VENÂNCIO, 2007). Registros históricos e arqueológicos atestam que, poucos séculos antes da esquadra de Cabral aportar no continente, povos do tronco linguístico Tupi-Guarani originários da Amazônia Central, portadores de uma cerâmica elaborada e tecnologias de agricultura intensiva baseada na mandioca haviam deslocado os então habitantes da costa norte/nordeste brasileira para o interior do continente (RUGENDAS, 1989; BROCHADO, 1984). Com a chegada do colonizador europeu, os povos Tupis, dominantes no litoral, foram obrigados a aceitar sua submissão (que incluia catequização, aldeamentos e trabalhos escravos/forçados), ou fugir para o interior, novamente entrando em choques territoriais 18 Em outro texto, Nimundeajú (1958, pp. 59, grifo nosso) afirma explicitamente que os “machacaris vivem sobretudo da lavoura, que eles, como todas as tribos da mesma família linguística já conheciam antes do contacto com os civilizados(...)”. Ou seja, aqui, o autor aparentemente está incluindo os pataxós. 42 com seus inimigos (de fala Macro-Jê, em sua maioria), gerando novos rearranjos na disposição geopolítica ameríndia da região (RUGENDAS, 1989; BROCHADO, 1984; WIED-NEUWIED, 1989; VENÂNCIO, 2007). Por outro lado, a frente de expansão colonizatória ocorrida na província das Minas em busca de metais e pedras preciosas, tendo como linha-guia a cordilheira do Espinhaço, deixa os povos ameríndios desta região literalmente espremidos, confinados ao que ficou conhecido como ‘os sertões do leste’ (PARAÍSO, 1999; VENÂNCIO, 2007). No início do século XIX, a coroa portuguesa suspende a proibição de ocupação desta região e declara Guerra Justa aos botocudos (com consequências para os outros grupos, vide nota 15), considerados ‘entraves’ ao processo civilizatório. Os grupos indígenas da região se deparam então com intensa proliferação de aldeamentos, no intuito de os tornarem sedentários e civilizados, e com um território gradativamente reduzido (PARAÍSO, 1999). Cada vez mais espremidos e reprimidos, os grupos localizados nas bordas deste território (rios Pardo, Jequitinhonha, Doce, e litoral baiano) que sobrevivem aos aldeamentos e chacinas encontram refúgios no núcleo da zona: rios São Mateus, Itanhém e principalmente o Mucuri, áreas onde a colonização ainda estava em um estágio incipiente na primeira metade do século XIX (PARAÍSO, 1999). Contudo, com a criação da Companhia de Colonização do Mucuri, por Teófilo Otoni em 1847, abre-se a frente de entrada no último grande refúgio dos povos da região (PARAÍSO, 1999; OTONI, 2002). Dizimados, alguns conseguem sobreviver sob as inumanas condições dos aldeamentos, enquanto outros encontram refúgios efêmeros em áreas que só serão colonizadas a partir do início do século XX, como o rio Pampã (afluente do Mucuri) e as cabeceiras do Itanhém (PARAÍSO, 1999). Foi precisamente por terem se refugiado nestas localidades, em constante fuga da inexorável frente de expansão civilizatória, que os tikmũ’ũn puderam sobreviver, até os dias de hoje, enquanto identidade cultural autônoma (RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980; PARAÍSO, 1999; OLIVEIRA, 1999; VENÂNCIO, 2007). Para melhor compreensão das dinâmicas territoriais vividas historicamente por estes povos, foi compilada a seguinte linha do tempo, a partir dos relatos de locais sobre ocupação tradicional e de quartéis/aldeamentos dos diversos povos da família maxakali pontualmente mencionados na historiografia do grupo. Século XVII – relatos por tupis do litoral de um grupo ‘amixokori’ vivendo nas serras interioranas (PARAÍSO, 1998 apud TUGNY, 2009a, pp. 489). 1734 – Maxakalis ocupam as cabeceiras do rio São Mateus (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 54) 43 1750 em diante – Maxakalis são pressionados pelos botocudos em direção à costa, descendo o vale do Mucuri a partir de suas cabeceiras (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 55; MÉTRAUX & NIMUENDAJÚ, 1963, pp. 541), posteriormente atingindo a foz deste rio em São José do Porto Alegre (atual Mucuri-BA) (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, p. 490). 1786 – Nimuendajú (1958, pp. 55) relata 120 maxakalis vivendo na foz do Mucuri. 1798 – Maxacalis e macunís vivendo juntos, próximo a Caravelas-BA, (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 55; MÉTRAUX & NIMUENDAJÚ, 1963, pp. 541). 1799-1804 – O mesmo grupo de maxakalis de Caravelas migra para o interior até Lorena dos Tocoiós, na foz do rio Araçuaí, afluente do Jequtinhonha, próximo à cidade homônima (MÉTRAUX & NIMUENDAJÚ, 1963, p. 541; RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980; PARAÍSO, 1998 apud TUGNY, 2009a, p. 489). 1804 – São enviados ao Quartel de São Miguel (atual Jequitinhonha-MG), e incorporados ao destacamento militar. Devido às más condições fogem para a Ilha do Pão (entre Jequitinhonha e Almenara-MG), onde serão visitados em 1817 por St.-Hilaire, e novamente migram a jusante para a foz do Ribeirão Prates (onde são visitados por Pohl em 1818) (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 55). De acordo com Neuwied (1989, pp. 276), na Ilha do Pão conviveram maxakalis, panhames e outros povos não nomeados. 1809 – Quartel/aldeamento Alto dos Bois (atual Angelândia-MG) (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, pp. 490). 1813 – Quartéis/aldeamentos de Vigia (atual Almenara-MG), Barra de Água Branca (atual Joaíma-MG), e do Salto Grande (atual Salto da Divisa-MG) (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, pp. 490). 1815 – Neuwied (1989, pp. 212, 214, 218, 225, 275-6) relata aldeias pataxós e maxakalis próximas à Vila do Prado, nas matas a montante dos rios Jucuruçu e Alcobaça (atual Itanhém), e de pataxós nas florestas nas cercanias de Trancoso-BA e Comechatiba (atual Cumuruxatiba-BA). Wied-Neuwied visita uma casa onde vivem quatro famílias maxacalis no rio Jucuruçu. 1823 – Aldeamentos no Ribeirão Prates (próximo a Almenara), rio Rubim do Sul (a montante da atual cidade de Rubim-MG) e rio Jucuruçu (próximo a Prado-BA) (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, p. 490). 1829 – Criado o aldeamento São Pedro de Alcântara, no Espírito Santo, que a partir de 1845 passa a ser denominado ‘Aldeamento Imperial Afonsino’ (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, p. 490; SIMONATO, 2008, pp. 25). 44 1837 em diante – Início da frente de colonização e consequente destruição das matas do vale do Mucuri, levando a novos aldeamentos: Capelinha de Nossa Senhora das Graças (atual Capelinha-MG) e Sorobi (entre Água Boa e Malacacheta-MG) (PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, p. 490). Década de 1860 – São descritos nove quartéis/aldeamentos para a região: Farrancho (tido como o mais próspero - atual Guaranilândia-MG), Rubim, Kran, Água Branca, Americanas, Pampã (atual Fronteira dos Vales-MG), São Pedro de Alcântara (Imperial Afonsino), Volta, São Francisco da Ilha do Pão (NIMUNEDAJÚ, 1958, pp. 55; RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980; PARAÍSO, 1992 apud TUGNY, 2009a, pp. 490; (OLIVEIRA, 1999, pp. 63). 1873 – Capuchinhos fundam o aldeamento de Itambacuri, onde foram aldeados, entre outros, os sobreviventes da confederação dos naknenuks. Relatos referem-se a 6.500 indígenas morando em pelo menos 23 aldeias da região do Mucuri, “e um número desconhecido de errantes” (PARAÍSO, 1999, pp 152; ISA, 2012a) 1890 em diante – Com a decadência do segundo império, há um fim dos aldeamentos, deixando as populações indígenas à própria mercê. Os sobreviventes se reúnem então nas aldeias do Farrancho, Rubim e Kran, conseguindo manter-se até o início do século XX (OLIVEIRA, 1999, pp. 64). 1911 – Com a drástica redução de seu território, restam ainda um aldeamento no rio Rubim e outro no Kran, além de sete pequenas aldeias entre os córregos Umburanas e Dois de Abril, e os rios Itanhém, Jucuruçu e Jequitinhonha. Ao que tudo indica, eram foragidos do aldeamento de Itambacuri, e um ou dois grupos ainda não aldeados até então (ISA, 2012a). Registros oficiais mencionavam 158 famílias aldeadas, e vários grupos errantes no vale do Mucuri (PARAÍSO, 1999, pp.156). Nesse mesmo ano foi criado em Minas Gerais o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), e seu inspetor, Alberto Portela, localiza e contata a aldeia yĩpkoxxeka19, às margens do córrego Umburanas. Contudo, ao invés de tentar resolver os conflitos com os colonos, e criar o Posto Indígena, a visita não vai além de observações práticas, como as condições da aldeia e número de pessoas, além da distribuição de alguns presentes e agrados aos tikmũ’ũn (PARAÍSO, 1992 apud AMARAL, 2007, pp. 16). 1913 – O engenheiro Apolinário Frott encontra grupos maxakalis na cachoeira do Caboclo, no córrego Dois de Abril, e a já citada aldeia yĩpkoxxeka, localizada às margens do córrego 19 Literalmente “orelhas grandes”, em referência aos botocudos que habitavam o local anteriormente e foram expulsos depois de uma batalha com os maxakalis. 45 Umburanas. Esta aldeia é forçada a se retirar para a localidade de Água Preta (BA), permanecendo no Umburanas apenas a família de Mikael. Chegando a Água Preta, o grupo é drasticamente reduzido graças a doenças e às condições sub-humanas, e posteriormente retornam ao Umburanas ao encontro de seu parentes que lá permaneceram (OLIVEIRA, 1999, pp. 64; ISA, 2012a). 1917 – Nas aldeias do Rubim e Kran, um militar referido como Tenente Henrique, no intuito de se apossar de suas terras, ameaça os índios, lança mão da técnica, usual na época, da doação de roupas e cobertores contaminados com varíola e sarampo para os índios, exercendo pressão física e psicológica, até que em 1921 – executa uma pequena chacina, chegando a matar uma dúzia (NIMUENDAJÚ, 1958). Os sobreviventes deste massacre fogem para se encontrar com seus parentes do Umburanas, aparentemente numa situação mais privilegiada em termos de isolamento (NIMUENDAJÚ, 1958). A junção do grupo de Mikael, os que retornaram de Água Preta e os fugidos do Rubim, Kran e outros aldeamentos do Jequitinhonha dão origem à aldeia nomeada mĩkaxkakax (pé da pedra) (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 55; OLIVEIRA, 1999, pp. 64; PARAÍSO, 1999, pp. 156-7). Baseando-se em relatos orais, Tugny (2009a, pp. 489) afirma ainda que os ancestrais das famílias tikmũ’ũn viventes hoje vieram, em momentos distintos, de: Vereda-BA (Herculano, Justino e Manuel Resende), Itamaraju-BA (Justino e Antônio Maria), Almenara-MG (Capitãozinho, Mikael, Justino), Geribá-MG (Antoninho), e Araçuaí-MG (Cascorado). 1920 – O Governo do Estado de Minas Gerais cede 2.000 ha. no córrego Umburanas para estabelecimento de um Posto Indígena, como forma de minimizar os conflitos da região dos rios Mucuri, Itanhém, São Mateus e Jequitinhonha, o que acaba não ocorrendo. Na ausência do posto indígena, e com as constantes migrações dos tikmũ’ũn dentro e fora deste território, a área fica suscetível a invasões por posseiros e colonos; invasões que os maxakalis não conseguem impedir, e que acabam por gerar muitos conflitos (OLIVEIRA, 1999, pp. 65; ISA, 2012a). 1938-39 - Nimuendajú (1958) encontra o que ele estima em 120-140 maxakalis em dois assentamentos vizinhos nas cabeceiras do Itanhém (um no córrego Umburanas e outro no Água Boa), o que mostra que talvez tenha sido neste período que se iniciava a histórica divisão territorial entre Água Boa e Pradinho. Esse autor afirma ainda que não vê razões para a separação em duas aldeias, uma vez que os tikmũ’ũn estão constantemente migrando entre uma e outra, devido aos ciclos rituais e aos parentescos. Ele formula a hipótese de que esta divisão se trataria de um estratagema para ocupar e proteger uma faixa territorial mais 46 ampla, uma vez que caso morassem todos na mesma localidade, a outra área poderia ser rapidamente ocupada pelos colonos. 1941 - Graças aos apelos deste antropólogo, junto ao Serviço de Proteção ao Índio (SPI), é estabelecido o Posto Indígena Engenheiro Mariano de Oliveira, em Água Boa, deixando, porém, a área do Pradinho de fora da demarcação, e permitindo o corredor de fazendas que separava as duas áreas, trazendo grande insatisfação aos maxakalis e acirrando os conflitos (RUBINGER, 1963; RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980; OLIVEIRA, 1999; PARAÍSO, 1999; ISA, 2012a). 1942 - Segundo Rubinger (1963), os dados censitários do SPI de 1942 indicavam haver apenas 59 maxakalis na área, apesar do autor considerar estes números como subestimados. 1956 – Após muitos conflitos, o SPI demarca o posto do Pradinho, mas acaba por concretizar o grande receio por parte dos maxakalis do estabelecimento definitivo de um corredor de fazendas separando as duas áreas. Mesmo com tal problema, a regularização fundiária traz mais estabilidade, e os maxakalis passam a se inserir mais na economia de mercado regional: plantam arroz, tanto assalariados nos latifúndios como em suas próprias terras, e exploram de suas matas poaia, madeira, e caça para carne e o mercado de peles (RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980; OLIVEIRA, 1999) 1967-1974 – Sob o governo militar, é criada na área a Guarda Rural Indígena (GRIN), encarregada de reprimir insurgências e delatar desvios de conduta. A GRIN, sob o comando do lendário Capitão Pinheiro, impôs aos tikmũ’ũn um modo de vida militarizado, trabalhos agrícolas forçados, e a restrição de deslocamentos, o que serviria não apenas para sua ‘civilização’ e adaptação aos modos campesinos brasileiros, como para desarticular completamente possíveis movimentos de resistência e oposição à constante expropriação de suas terras. Datam dessa época, frustradas tentativas de introdução de hábitos pecuaristas e de monocultivo agrícola, com ampla expansão das já grandes áreas de capim, à semelhança do que vinha ocorrendo no período em outras terras indígenas Brasil afora20 (OLIVEIRA, 1999, pp. 38-9; ISA, 2012a; relatos orais). 20 Inserir os povos nativos remanescentes nos modos de vida produtiva do Brasil rural da época através, dentre outros meios, da exploração florestal e madeireira, a introdução da pecuária e pacotes tecnológicos da revolução verde, como a agricultura mecanizada dependente de sementes e insumos químicos, em detrimento das variedades crioulas e técnicas indígenas de manejo de pragas, era uma franca preocupação do governo militar, como parte da política de “assimilação”, de maneira muito semelhante a outros períodos da história brasileira. Cf., por exemplo, os trabalhos de GIANNINI, 1994 para o caso dos kayapó-xikrin; PINTO & GARAVELLO, 2002, para os bororos, SILVA & TOP’TIRO, 2005 para os xavantes de Marãiwatsédé; ANDRADE, 2006, e BUENO et al., 2007 para os krahôs; PASSOS, 2007, para os guarani-kaiowás e terenas da TI de Dourados; PIMENTA, 2010 para os ashaninkas do rio Amônia, só pra citar alguns povos de diferentes regiões do país envolvidos 47 1975 em diante – A recém-criada FUNAI, substituta ao SPI, retoma a questão da regularização fundiária do território Maxakali, e institui um Grupo de Trabalho (GT) em 1977, que acaba malogrando por entraves junto ao Governo Estadual (OLIVEIRA, 1999, pp. 40; ISA, 2012a) 1993 – A Constituição Federal de 1988 exige que sejam realizadas, num prazo de cinco anos, todas as revisões e novas demarcações dos territórios indígenas do Brasil. Com isso, um novo GT é criado para iniciar o processo de redemarcação da TI Maxakali. Uma campanha internacional para a demarcação contínua das áreas é promovida pelo Conselho Indigenista Missionário-CIMI (OLIVEIRA, 1999, pp. 40) 1996 – Homologação pela Presidência da República da TI Maxakali, com Água Boa e Pradinho contíguas, compreendendo uma área total de 5305 ha. Ocorrem conflitos entre Água Boa e Pradinho quanto à questão do domínio da nova área (OLIVEIRA, 1999, pp. 40-1), e com fazendeiros do entorno, que agora temem também serem desapropriados (relatos orais). 2004-2006 – Um novo conflito é desencadeado por algumas famílias e seus aliados que reivindicam a inclusão de uma nova área nos limites demarcados, isto é, a desapropriação e indenização de uma fazenda do entorno pelo governo federal (INCRA/FUNAI). O conflito toma graves proporções, de maneira que, após uma invasão da fazenda pelos reclamantes, os maxakalis de Água Boa e Pradinho que não concordavam com a investida formam uma aliança em represália, ocorrendo muitos confrontos diretos e mortes. Esse conflito acarreta a expulsão dos cerca de 300 tikmũ’ũns dissidentes, levando a FUNAI a adquirir para eles as áreas hoje conhecidas como Aldeia Verde e Cachoeirinha. Como forma de se obter uma visualização espacial da área de dispersão mencionada na cronologia acima, a maior parte das localidades citadas foram plotadas em imagens de satélite, apresentadas nas Figura 4.2 e Figura 4.3. Através desta disposição espacial, podemos observar melhor a ampla faixa territorial na qual os povos pan-maxakali se dispersavam. Muitas localidades e cursos d’água a que os documentos históricos se referem não possuem mais os mesmos nomes, e optou-se por manter seus nomes históricos nas imagens geradas. Quando não-disponíveis, suas localizações (com variados graus de precisão), bem como seus nomes atuais, foram encontradas através de consulta complementar a documentos disponíveis na internet. Apesar de não serem mencionadas na em processos similares. Para uma visão mais ampla da política assimilacionista no Brasil, cf. LIMA (2010). 48 digressão histórica, as Terras Indígenas (demarcadas, homologadas, ou em litígio judicial) dos também pan-maxakali pataxós e pataxós hã-hã-hãe no estado da Bahia foram assinaladas nas imagens de satélite. A TI Fazenda Guarani em Carmésia (MG), onde vive hoje um grupo de pataxós de ascendência baiana, não está apontada nas imagens, por esta área não ser de ocupação tradicional pan-maxakali, tendo alguns pataxós de Barra Velha sido levados para lá durante o período militar, após um conflito em suas aldeias. Também não foram incluídas as novas áreas adquiridas pela FUNAI para os tikmũ’ũn expulsos no conflito de 2005 (Aldeia Verde e Cachoeirinha). Figura 4.2. Localizações históricas (1730-1960) de povos pan-maxakali. O ícone em vermelho assinala a TI Maxakali. Os ícones em verde referem-se às localidades de onde vieram as famílias que ocuparam onde hoje se encontra a TI Maxakali (segundo Tugny, 2009a, pp. 489). Os ícones em branco assinalam as Terras Indígenas dos povos pataxó e pataxó hã-hã-hãe, na costa da Bahia. 49 Figura 4.3. Localizações históricas (1730-1960) de povos pan-maxakali. O ícone em vermelho assinala a TI Maxakali. Os ícones em verde referem-se às localidades de onde vieram as famílias que ocuparam onde hoje se encontra a TI Maxakali (segundo Tugny, 2009a, pp. 489). Os ícones em branco assinalam as Terras Indígenas dos povos pataxó e pataxó hã-hã-hãe, na costa da Bahia. 4.1.2. Quadro Populacional das Aldeias De acordo com informações obtidas na Coordenação Técnica Local (CTL) da FUNAI em Santa Helena de Minas, em fevereiro de 2011 a população total residente na TI Maxakali era de 1325 pessoas, divididas da seguinte forma: Água Boa (22 agrupamentos de tamanhos variados) – 637 Cachoeira (uma aldeia) – 216 Pradinho (na época uma aldeia, mas atualmente desmembrada nas aldeias Vila Nova e Reginaldo) – 472 Em virtude das dinâmicas populacionais altamente volúveis, é muito provável que estes números tenham mudado. Muitas pessoas que saíram de Vila Nova para fundar a aldeia Reginaldo fizeram as pazes e retornaram para a primeira. Também algumas pessoas de Cachoeira se mudaram para a nova aldeia Reginaldo, bastante próximas uma da outra, e com grandes laços de parentesco. Também se tem notícia de uma família que saiu de Cachoeira para morar em Água Boa em dezembro de 2011. A localização dos 50 agrupamentos, bem como das três grandes áreas internas da TI são demonstradas na Figura 4.4. Figura 4.4. Três grandes áreas da TI Maxakali. Losangos brancos - localização dos agrupamentos humanos (aldeias e casas isoladas). Círculos vermelhos - pontos onde estradas de terra cruzam o limite do território. Direitos de imagem reservados © Google. 4.2. A (con)formação da paisagem no território tikmũ’ũn: Das dinâmicas entre índios, colonos, florestas, pastagens e regime de queima Como explicitado anteriormente, o olhar sobre a constituição da presente paisagem do território maxakali (Figura 4.5) se deu aqui através do prisma da ecologia histórica, que postula a noção da paisagem como unidade básica de investigação (em substituição à de ecossistema), ao se demonstrar um produto direto das interações passadas entre ambientes e culturas que ali habitaram (BALÉE, 1994, 2006; BALÉE & ERICKSON, 2006). Apesar de parecer, a primeira vista, que esta perspectiva permanece no campo ideológico das relações dicotômicas entre natureza e cultura, ela nos oferece a possibilidade de estudar um construto físico-material que é um resultante, uma síntese, no sentido hegeliano, de pretéritas interações dos seres humanos com seu meio. Desta forma, pode-se propor a “ler” Pradinho Água Boa Cachoeira 51 uma paisagem, através de suas inscrições, e detalhes que demonstram as práticas de manejo humanas efetuadas no local no passado. Essa abordagem também se mostra interessante por transcender a noção ecológica básica de ecossistemas prístinos/clímax, ao reconhecer direcionamentos estruturais efetuados pela ação (etno/agro) ecológica humana na sucessão secundária, que serão determinantes dos componentes de todas as escalas da paisagem (BALÉE, 2006). Embora Balée, fundador do campo e quem primeiro cunhou o termo, sugira que a Ecologia Histórica deva se concentrar nas ações benéficas do manejo humano sobre o meio (uma vez que já existe um corrente excesso de exemplos das conseqüências ambientalmente nefastas de várias práticas humanas) (BALÉE & ERICKSON, 2006), na aplicação desta abordagem ao caso tikmũ’ũn ambos os tipos de reflexo na paisagem trazidos pelo manejo empregado na TI Maxakali durante o último século foram considerados. A partir dos dados históricos sobre as dinâmicas territoriais pan-maxakali levantados na subseção 4.1.1. Revisão do Histórico de Uso e Ocupação do Território, fica claro que já há muitos séculos esses povos não detêm o controle total das formas de uso de seus recursos e terras. Os aldeamentos impunham formas de vida que se aproximavam a da vida campesina brasileira circundante, sedentária e regida por um labor rural intensivo, modo de apropriação sócio-econômica do espaço não praticado anteriormente pelas culturas não-tupi da região (BROCHADO, 1984; VENÂNCIO, 2007). Para a área do córrego Umburanas, onde conseguiram sobreviver os ancestrais dos atuais tikmũ’ũn, o divisor de águas da perda de sua autonomia ecológica, econômica e territorial foi o ano de 1911, quando ocorreu o primeiro contato com o SPI. A partir daí, se deu uma frente mais forte de colonização da região, com a crescente abertura das até então extensas áreas florestadas para o estabelecimento de cidades, fazendas, e áreas de pastagem (PARAÍSO, 1999). Os tikmũ’ũn observaram passivos, a lenta deterioração das suas florestas, tornando seus territórios de atuação e perambulação extremamente reduzidos. Alia-se a isto, a invasão e derrubada das matas às margens do Umburanas, e o espólio das terras próximas às aldeias, com o posterior estabelecimento do corredor de fazendas separando Água Boa e o Pradinho, o que obrigou índios e fazendeiros conviverem lado a lado, com graves atritos. 52 Figura 4.5. Paisagem da Terra Indígena Maxakali. As manchas florestais da área formam ilhas em meio ao capim-colonião, como se pode notar com o pequeno fragmento apontado na esquerda da foto. À direita, uma casa habitada, com ampla visibilidade do vale, com algumas árvores frutíferas plantadas próximas. Ao centro, no terço inferior do enquadramento, bananeiras plantadas ao longo de um pequeno veio d’água. Crédito: Marco T. S. Ferreira. Portanto, se torna evidente que o estudo da conformação da paisagem no território demarcado maxakali não pode tratar apenas da ecologia tikmũ’ũn. A elucidação das formas de apropriação e uso do espaço pela sociedade envolvente sertanista/pecuarista, bem como da atuação dos órgãos indigenistas oficiais (SPI/FUNAI) é vital para a compreensão da atual situação de baixa qualidade ambiental da TI Maxakali. Contudo, não se quer, com tal afirmação, negar as consequências ambientais deletérias trazidas por algumas práticas de manejo tikmũ’ũn observadas na presente pesquisa, atribuindo-as unicamente à sociedade neo-brasileira. O fato é que, independente de suas formas de manejo ecologicamente deletérias atuais, os ancestrais tikmũ’ũn desconheciam (ou deliberadamente optaram por ‘esquecer’ estes saberes que possam ter eventualmente aprendido durante os anos de aldeamento) o manejo de gado bovino e de pastagens. Sua economia e ecologia sempre se situaram no ambiente florestal e não em campos. Tanto que as vias pelas quais procuraram se inserir primeiramente na economia de mercado estão diretamente vinculadas ao extrativismo florestal, como já citado: a coleta de poaia, madeiras de lei, e a caça para carne e couro; só após a segunda metade do século XX é que aceitarão trabalhar em lavouras de arroz da região (RUBINGER, AMORIM & MARCATO, 1980). Quase um século e meio antes disto, no entanto, o Príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied (1989, pp. 214) encontrou um grupo de pataxós na vila do Prado, que periodicamente descia o rio Jucuruçu para trocar grandes bolas de cera de abelha e outros produtos da floresta por apetrechos da cidade. Apesar do esforço de governos, missionários, e colonos em modificar 53 suas culturas materiais e imateriais de modo a enquadrá-las na lógica capitalista de produção econômica, até hoje os tikmũ’ũn se mostram inaptos a adotar um estilo de vida similar ao dos sertanejos e pecuaristas, ou praticante de uma agricultura intensiva que lhes dê maior retorno em curto prazo, em termos de investimento/unidade de terra. Isto é visto por muitos, principalmente pelos seus vizinhos, como indolência, reavivando as velhas imagens dos índios incapazes e preguiçosos que não se prestam ao trabalho, e ainda atravancam o desenvolvimento regional ao disporem de grandes proporções de terra que nada produzem. Entre as recentes estratégias de adaptação dos hábitos tikmũ’ũn aos dos colonizadores, já foi mencionada a tentativa, durante as décadas de 60 e 70, de se introduzir na área a agricultura mecanizada, o cultivo de hortas, e a pecuária com consequente abertura de pastagens. O que é menos conhecido, no entanto, é que uma grande área de pasto já estava aberta várias décadas antes, sendo que os esforços do Capitão Pinheiro em introduzir a criação de gado se davam no sentido de aproveitar as amplas pastagens consolidadas (não impedindo, é claro, a abertura de novas áreas adicionais). Ao descrever o território maxakali encontrado em 1939, que pelas suas estimativas exibia localização e tamanho similares ao de hoje21, Nimuendajú (1958, pp. 56) afirma categoricamente que já naquela época, “dois terços desse paraíso dos índios lavradores e caçadores, que estava coberto de mata ininterrupta, estão transformados em vastas pastagens de capim-colônia, na sua maior parte sem uma única rês, pelos intrusos (...)”. Os testemunhos deste autor serão fundamentais para a compreensão da transformação da economia maxakali e dos processos (etno/agro) ecológicos vigentes no território durante a primeira metade do século XX. De acordo com o autor, a introdução do colonião (ou, em sua época, capim-colônia), que trouxe severas consequências na ecologia da paisagem, primeiro se deu diretamente pelas mãos dos colonos invasores, mas depois também através da persuasão dos maxakalis em plantarem esta gramínea em suas roças abandonadas. Tal prática impede o estabelecimento das capoeiras e o avançar do processo sucessional (técnica conhecida como pousio, etapa essencial na agricultura itinerante ameríndia, como descrito em ATRAN, 1993; POSEY, 1997b; MORAN et al., 2000; TOLEDO & SALICK, 2006) devido à agressividade da espécie exótica, favorecendo assim a expansão das áreas de pastagem. “Persuadiram até os próprios índios de que deviam plantar capim-colônia nas suas capoeiras, em vez de deixá-las descansar para novas lavouras, e depois perguntam 21 “relativamente pequeno, mede uns 12 km de NE-SO, e uns 10 de NO-SE” (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 56). Este tamanho, bem como a localização das duas aldeias que o autor encontrou em sua visita, corresponde às proporções e à localização da TI Maxakali hoje. 54 cinicamente aos índios, o que eles queriam em terras que só serviam para criadores de gado, como eles, intrusos!” (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 60). É de se esperar que perguntas semelhantes ainda sejam formuladas por moradores do entorno da TI Maxakali. Afinal, se esses índios não sabem produzir em áreas de campo, e afirmam tanto dependerem como gostarem da floresta, por que eles continuaram ao longo do último século mantendo práticas de manejo que favorecem a manutenção das pastagens em detrimento das áreas florestadas? Embora muito possa ser atribuído à falta de um corpo de conhecimento endógeno que dite padrões culturais de manejo ecológico de campos (ao contrário do que ocorre com as matas), este dilema não é tão simples de se responder. Um intercruzamento de fatores pode ser a chave para a compreensão desse processo. Primeiro, a introdução da gramínea exótica pelo colono também exótico, que ignora os processos ecológicos vigentes na floresta atlântica, bem como o potencial de aproveitamento econômico de seus recursos e, por isso mesmo, conclui que a implantação do pasto é mais rentável produtivamente. Dentro do pacote tecnológico de manejo do capim-colonião importado pelo colono, está incluído o uso do fogo em larga escala para a limpeza e rebrota das touceiras, técnica que os tikmũ’ũn incorporaram, a partir do momento que se vêem obrigados a conviver e manejar a espécie. Contudo, eles não copiaram simplesmente as técnicas empregadas pelos fazendeiros, mas as adequaram ao seu próprio universo simbólico. Em outras palavras, a introdução da gramínea exótica na paisagem, e consequentemente na cultura tikmũ’ũn, trouxe consigo um pacote tecnológico relacionado ao fogo, que foi absorvido sob um prisma cultural que permite a fixação apenas de alguns elementos das práticas de queima da cultura pecuarista. Por exemplo, ao invés de lançarem mão da técnica para a rebrota do capim para o gado, ou apenas para a limpeza de áreas para roça, o seu amplo emprego nos campos de colonião se dá até hoje com objetivos diferentes, como a redução do excesso de biomassa acumulado sobre o solo que dificulta o deslocamento, a limpeza e a abertura de novos caminhos, a caça e o acuamento de animais, e até mesmo para entretenimento de crianças. Um pequeno e temporário benefício econômico advindo para a comunidade maxakali em décadas passadas, a partir da introdução do colonião foi a comercialização de sementes da gramínea, produzidas em abundância na falta de animais pastadores (relatos orais – maxakalis e funcionários da FUNAI). A prática de queima intensa também é utilizada no manejo da espécie para a produção de sementes, e para facilitar sua colheita (após a queima, as plantas soltam suas inflorescências mais jovens, a uma estatura menor). A partir da década de 80, a braquiária (Urochloa sp.) passa a ser a gramínea forrageira dominante na pecuária em Minas Gerais, e os tikmũ’ũn se vêem sem mercado para o escoamento da produção de sementes do colonião. Por essa mesma razão, hoje em todas as 55 fazendas pecuaristas do entorno da TI Maxakali se observam pastagens de braquiária, ao passo que no interior do território indígena o colonião persiste vigoroso (Figura 4.6). Figura 4.6. Limite norte da TI Maxakali. À esquerda, pastagem de Urochloa sp. (braquiária) de uma fazenda limítrofe. À direita, ‘savana antropizada’ de M. maximus (colonião), não pastoreada, e ainda não queimada. Agosto de 2011. Crédito: Marco T. S. Ferreira. É certo que o fogo vem sendo usado por populações nativas da América do Sul há vários milhares de anos (BEHLING, 1997). Em matas neotropicais úmidas, o fogo controlado era, e é utilizado para a abertura e fertilização de clareiras na floresta, onde se implantam áreas de cultivo agrícola. Com dois ou três anos, após a exaustão dos nutrientes do solo, o avançar do processo sucessional, e o sombreamento causado pelo fechamento do dossel, estas áreas serão abandonadas, com a migração do grupo, e a abertura de clareiras no novo local de moradia. Este tipo de manejo agroflorestal itinerante tem recebido o nome de coivara (em inglês slash-and-burn ou swidden agriculture) (POSEY, 1997b; MORAN et al., 2000; TOLEDO & SALICK, 2006). Porém, o manejo tikmũ’ũn do fogo em campos de colonião, em nada se assemelha à prática da coivara, e as queimadas anuais (com pico em setembro) que se espalham por todo o território não se explicam pela abertura de novas áreas para plantio. Quando os tikmũ’ũn querem realizar uma queimada unicamente para limpeza de uma nova roça no meio do capim, eles limpam aceiros em volta da área, e dificilmente o fogo sairá de seu controle. As queimadas de casas e objetos de parentes mortos, apesar de pouco controladas, também não explicam os incêndios que se alastram frequentemente sobre o território, pois são cada vez menos comuns, com a crescente adoção de moradias de alvenaria, e consequente sedentarismo. Logo, os incêndios de ampla 56 escala possuem uma ontologia de outra ordem, não muito fácil de precisar. Serão traçadas abaixo algumas relações simbólicas com o fogo que poderão ser úteis para sua elucidação. A origem do fogo na cosmologia tikmũ’ũn é a árvore kũmĩxõgkup (não identificada). A primeira vez que um ancestral fez fogo ao friccionar dois pedaços de pau foi utilizando sua madeira. No entanto, esse mito cosmogônico do fogo não nos fornece evidências para as razões do manejo pragmático de fogos e campos efetuado atualmente. Por sua vez, o colonião é uma espécie exótica invasora, declaradamente considerada como “praga” pelos tikmũ’ũn, e não foram observadas menções importantes a ele nos mitos e cantos compilados e estudados, quanto menos a regras para o seu devido manejo. A dinâmica entre capim e fogo na cultura e ecologia tikmũ’ũn não parece ter reflexos na sua cosmologia e em seus mitos cosmogônicos. De fato, ela parece estar mais centrada nas questões ligadas às disputas políticas e territoriais do grupo como um todo. Durante uma discussão sobre os problemas das queimadas no território, um professor e importante liderança de Água Boa foi indagado sobre o significado do fogo para a cultura tikmũ’ũn, para o que respondeu: a guerra. Pode-se interpretar esta declaração de diversas formas. A mais óbvia é a do caráter destrutivo próprio do fogo, que como a guerra, destrói roças, casas e florestas, mata animais e pessoas etc. Contudo, uma interpretação alternativa é a do fogo enquanto sintoma, ou sinalizador do permanente estado belicoso a que os tikmũ’ũn parecem ver-se imersos. De fato, ao visitar a TI Maxakali durante o auge da estação seca (setembro), tem-se a impressão de estar em um território sitiado, ao se deparar diariamente com entre cinco a dez focos de queimada dispersos pelo território, e amplas áreas arrasadas de terra nua esturricada (Figura 4.10). As dinâmicas políticas de amizade/inimizade entre as aldeias costumam ser particularmente voláteis, e os conflitos (físicos ou não) não são raridade, de modo que não é difícil notar em campo os atritos que sempre estão ocorrendo entre um e outro grupo de aliados temporários. Mas, muito embora possamos correlacionar essa forma de regência política às dinâmicas migratórias em tempos idos, no momento, os grupos em divergência não podem mais emigrar, e se separar temporal e espacialmente, devido ao confinamento a uma área diminuta demais para este tipo de apropriação do espaço geográfico. Consequentemente, grupos inimigos são obrigados a conviver lado a lado permanentemente, o que só tende a acirrar os conflitos, e a fortalecer a sensação de estado permanente de guerra, trazendo profundos reflexos nas formas de manejo do fogo na paisagem. Nesse sentido, a diáspora de algumas famílias ocorridas em 2005 aliviou um pouco da pressão interna a que a comunidade estava submetida, além de estabelecer novos pontos para rotas de migração. Para além das causas e consequências simbólicas na cultura tikmũ’ũn, a alteração no regime de queima vigente, iniciada a partir da introdução do colonião, também 57 acarretou profundas perturbações ecológicas que acabaram por minar completamente a resiliência ambiental local, favorecendo ainda mais a gramínea exótica, em um ciclo de retroalimentação conhecido como ciclo gramínea/fogo (D’ANTONIO & VITOUSEK, 1992). Os efeitos negativos de espécies invasoras são particularmente dramáticos quando alteram os regimes de perturbação além do espectro de variação ao qual as espécies nativas estão adaptadas, resultando em mudanças na estrutura da comunidade e transformações a nível ecossistêmico ou da paisagem (BROOKS et al., 2004). No caso em questão, a grande maioria das espécies da mata atlântica não possui adaptações a um regime de queima intenso, e a alteração causada neste, a partir da introdução do colonião, excede em muito o espectro de variação das características do fogo, que incluem frequência, intensidade, extensão, tipo e sazonalidade (D’ANTONIO & VITOUSEK, 1992; BROOKS et al., 2004). A remoção de possíveis competidoras mais sensíveis às queimadas, e a consequente abertura dos dosséis permitem uma maior incidência luminosa no solo que, aliada à produção massiva de propágulos pela gramínea heliófila, facilitam o estabelecimento e colonização pelo capim das áreas limpadas pelo fogo. Da forma que vem sendo empregada, anual e disseminadamente, a queima das áreas de colonião impede o estabelecimento de novas plântulas, dificultando a permanência de elementos arbóreos na paisagem, uma vez que a perturbação pelo fogo faz a fitofisionomia retornar aos seus estágios sucessionais iniciais, além de atingir as bordas das manchas florestais remanescentes. Outra grave conseqüência do fogo é o empobrecimento da fertilidade e do banco de sementes do solo, o que também atrapalha severamente o estabelecimento de espécies nativas. Na ausência de grandes mamíferos pastadores para converter parte do enorme volume de biomassa produzido pelo capim-colonião, como ocorre no continente africano, o fogo age ecologicamente como “herbívoro” global, removendo a biomassa combustível periodicamente (BOND & KEELEY, 2005). Para uma melhor compreensão das alterações no regime de queima trazidas pelo colonião, e suas conseqüências na paisagem da TI Maxakali, se faz necessário um aprofundamento das características ecofisiológicas do capim-colonião, descritas abaixo. Megathyrsus maximus (Jacq.) B.K.Simon & S.W.L. Jacobs (Poaceae: Panicoideae) é uma gramínea forrageira de metabolismo C4 nativa das planícies savânicas do leste africano, introduzida provavelmente por escravos (FAO, 1986) durante os séculos de Brasil colonial, daí a razão de seu nome vernacular no país (LORENZI, 2008). Possui várias subespécies, entre as quais o colonião, variedade desenvolvida no Brasil. Apresenta alto grau de tolerância ao fogo, e certa tolerância ao sombreamento, considerada alta em comparação com outras gramíneas C4 (FAO, 2012). Competidora agressiva e de crescimento rápido, prefere solos férteis arenosos e bem drenados (FAO, 1986, 2012). 58 Forma densas touceiras que dificultam o recrutamento e estabelecimento de plântulas de outras espécies. Durante a estação seca, suas folhas compridas ressecam, disponibilizando grande quantidade de biomassa combustível. Apesar de suas queimadas poderem ser classificadas como fogos de superfície, as lâminas foliares desta variedade podem atingir até 3m de altura, gerando fogos mais altos do que os da maioria de outras gramíneas africanas invasoras dos neotrópicos, capazes de queimar as copas de árvores de 6-7m estabelecidas no meio da área dominada pelo capim. Apenas árvores bem antigas, com mais de 12m, e com a base bem lignificada, como algumas jaqueiras e mangueiras espalhadas pela área, conseguem sobreviver no meio dos capinzais constantemente queimados. Onde as manchas de colonião fazem limite com os fragmentos florestais, o mesmo fenômeno é observável, o fogo quase sempre atingindo a primeira fileira de árvores da borda dos fragmentos. Por estas características, queimadas sempre ampliam os nichos ecológicos potenciais da gramínea, ao abrir áreas mais favoráveis (menor sombreamento e eliminação de competidoras), como visível na Figura 4.7. Figura 4.7. Capim-colonião (Megathyrsus maximus) invadindo áreas recentemente queimadas na borda do fragmento florestal ãmãxux, TI Maxakali, outubro de 2011. Crédito: Marco T. S. Ferreira. Este é um dos principais macro-processos (etno/agro) ecológicos observáveis na TI Maxakali atualmente. Ao longo dos últimos anos, a queima anual das vastas pastagens vem levando a uma paulatina redução dos fragmentos florestais e a uma inexorável expansão das manchas de colonião. Deste ponto de vista, pode-se afirmar que vem ocorrendo uma “savanização” da paisagem, uma vez que os campos vêm substituindo as áreas florestadas, sendo essa mudança na fitofisionomia causada por uma gramínea invasora e direcionado 59 pelo manejo humano do regime de queima (D’ANTONIO & VITOUSEK, 1992). A completa eliminação das matas ciliares levará à eutrofização, assoreamento e conseqüente aceleramento da sucessão ecológica de macrófitas nos corpos d’água do território (Figura 4.8). Além disso, a remoção dos componentes arbóreos em topos de morro acelera os processos ravinosos, no momento ainda em fases iniciais (Figura 4.9). Figura 4.8. Paisagem recém-queimada da TI Maxakali, área de Água Boa. É visível na foto o assoreamento do córrego Água Boa, em avançado processo de sucessão de macrófitas, próximo à aldeia do cacique Manuel Kelé (à esquerda). Crédito: Marco T. S. Ferreira. 60 Figura 4.9. Focos iniciais de erosão causados pela remoção da vegetação, no morro atrás da aldeia Ãmãxux. Crédito: Marco T. S. Ferreira. Uma das consequências que esta dinâmica gera na escala da paisagem é um mosaico sucessional simplificado, onde se observam apenas três estágios: manchas de capim queimadas, ainda não queimadas, e os fragmentos de floresta estacional semi- decidual impactadas pelo fogo em suas bordas (Figura 4.10). Outro efeito das queimadas constantes que pôde ser observado na borda dos fragmentos florestais foi o favorecimento, ou dominância de uma helicônia rizomatosa. Esta planta de sub-bosque, que forma uma verdadeira barreira (em alguns pontos medidos, de até 10 m de largura) anti-fogo (Figura 4.11), parece apresentar alta recuperação por rebrota após a queima, graças ao seu sistema rizomatoso que fornece água e nutrientes alocados em áreas mais internas, menos perturbadas pelas queimadas. Contudo, aparentemente necessita do sombreamento e umidade providos pelos fragmentos, uma vez que não ocorre isoladamente nas áreas de capim, ambientes provavelmente secos demais, onde o fogo atingiria todos os rametas da planta, o que dificultaria a rebrota. 61 Figura 4.10. Queimada na TI Maxakali. Pode-se observar um mosaico sucessional na paisagem de apenas três estágios, causado pelo fogo: matas com as bordas atingidas, áreas recém-queimadas (capim verde), e áreas que ainda não queimaram neste ano (capim amarelo seco). Crédito: Marco T. S. Ferreira. 62 Figura 4.11. Fragmento Florestal 1, designado pelos tikmũ’ũn como mĩkaxkaka (pé da pedra). A seta aponta o efeito de borda causado pelo fogo, onde uma espécie de helicônia rizomatosa (Heliconia sp.) predomina, e forma uma espécie de barreira anti-fogo. Crédito: Marco T. S. Ferreira. A paisagem apresenta ainda outros ‘signos’ que denotam a presença humana de longa data. Entre eles, podemos citar as aldeias abandonadas (Figura 4.12), onde se encontram antigos fornos de barro (Figura 4.13) empregados para a queima de cerâmica, atividade feminina não mais praticada atualmente, e outras evidências de ocupação tikmũ’ũn, bem como de velhas construções de alvenaria e antigos mourões de cercas (de antigas sedes de fazendas, da FUNAI e do SPI). 63 Figura 4.12. Algumas aldeias abandonadas observadas na TI Maxakali. Direitos de imagem reservados © Google. Figura 4.13. Antigo forno de barro empregado na queima de cerâmica em uma aldeia tikmũ’ũn abandonada. Crédito: Marco T. S. Ferreira. Porém, o que mais chama atenção de um leitor de paisagens são os indícios do pretérito manejo agroflorestal tikmũ’ũn. Praticamente todas as aldeias abandonadas são cercadas por árvores frutíferas, sendo que os tikmũ’ũn ainda visitam esses locais a procura de frutas. Em algumas aldeias abandonadas há mais tempo, as frutíferas (principalmente jaqueiras, mangueiras e bananeiras) chegam a ser a única evidência material de que ali 64 houve habitação humana (Figura 4.14) o que claramente se contrapõe à visão de um povo ‘caçador-coletor’ nômade, que simplesmente forrageia por recursos na mata. Tal constatação se torna muito importante, se quisermos nos propor a uma reflexão sobre uma proposta participativa de recuperação ambiental. Tentativas de restauração só poderão ser eficazes se tomarem em consideração estas dinâmicas autóctones de plantio e manejo, ao invés de trazerem os modelos industriais de manejo agrícola. Por este motivo, plantios (agro)florestais em zonas muito afastadas das aldeias tenderão a fracassar, pois os tikmũ’ũn não se deslocarão com frequência até a área para manejá-la. Por outro lado, plantios de arbóreas e frutíferas nas cercanias da aldeia têm altas probabilidades de sucesso, como pode ser atestado pelo alto índice de estabelecimento de mudas de projetos recentes nas aldeias, ao passo que as áreas plantadas longe das casas tikmũ’ũn não vingaram e o capim-colonião continua a proliferar. Os tikmũ’ũn plantam ainda frutíferas (principalmente bananeiras) no interior e nas bordas dos fragmentos florestais, disponibilizando alimento ao longo das trilhas utilizadas no interior da mata. Comportamentos semelhantes de plantio de frutíferas no interior de fragmentos florestais (chamadas “ilhas de recursos”) e ao longo de trilhas são descritos para alguns povos ameríndios, como por Posey (1997b) para os kayapó (Macro-Gê), e Balée (1994) para os ka’apor (Tupi-Guarani). Figura 4.14. Indícios de manejo agroflorestal pretérito: bananeiras próximas a um fragmento florestal. Crédito: Marco T. S. Ferreira. Por fim, são registradas aqui algumas categorias tikmũ’ũn de classificação pedológica e da paisagem. De acordo com a categorização pedológica maxakali, são três os tipos principais de solo em seu território: amot (areia), hãm mũnĩy (terra preta), e hãm‘ãta 65 (terra vermelha). Cada qual possui alguns sub-tipos, com especificidades de uso e potencial agrícola, não registrados pelo presente trabalho. Tal sistema de classificação deve ser mais aprofundado no futuro, em busca de elementos que embasem as estratégias de zoneamento e mapeamento da paisagem, tendo em vista a gestão ambiental do território demarcado. Além da classificação dos solos, os maxakalis possuem uma categorização refinada de elementos da paisagem, apresentada na Tabela 4.1. As duas principais categorias de floresta são hãmhipak e mĩmãti. Enquanto a primeira designa uma floresta alterada, em processo sucessional intermediário a avançado, a segunda designa uma floresta “primária”, quiçá mítica, não mais existente na região hoje em dia, de acordo com os relatos. Existem dois tipos de capoeira, aquela que ocorre em roças abandonadas (hãmtuk), e aquela que são pequenos fragmentos florestais secundários ilhados (hãmnãg). Já mĩmãti panip corresponde a fragmentos ilhados de floresta “primária”; os fragmentos na porção central da TI (designado “corredor central de Água Boa” no Capítulo 5) seriam exemplos dessa categoria. Tabela 4.1. Classificação tikmũ’ũn de algumas unidades da paisagem. Unidade da paisagem Glosa hãmhipak floresta secundária hãmnãg capoeira (floresta secundária pequena) hãmtuk capoeira (roça abandonada) hãmxa roça konã'ãgkox rio mĩkaxkaka sopé da montanha mĩkaxkox caverna mĩmãti floresta mĩmãti panip floresta fragmentada pohok brejo xũĩ yĩn mũn capinzal/pasto yĩte morro yĩtekox boqueirão 66 4.3. Saberes ambientais Tikmũ’ũn on comprend enfin que lês espéces naturelles ne sont pás choisies parce que “bonnes à manger” mais parce que “bonnes à penser” Lévi-Strauss, 1962b De acordo com as discussões apontadas no Capítulo 2, tentativas de aproximação efetuadas junto a um universo cultural outro, tal como a da presente subseção para a realidade tikmũ’ũn, não podem passar de meras conjecturas generalizadas/generalizantes para uma realidade fenomenológica profundamente mais ampla e complexa. Não se advoga aqui estarem esclarecidas as categorias êmicas ou internas da cultura tikmũ’ũn, ou muito menos os processos epistemológicos e semiológicos que guiam as interações ecológicas deste grupo humano específico com o universo não-humano que o permeia. O olhar do descritor aqui será sempre o de fora, esquematizando aquilo que vê o outro fazer dentro de suas próprias categorizações e modelizações, oriundas, no caso, do paradigma tecno- científico. 4.3.1. Ecologia e Cosmologia Tikmũ’ũn: Contatos entre religiosidades e biodiversidades Qualquer aproximação com o que descreveríamos como ‘universo natural’ junto aos maxakalis atravessa diretamente sua religiosidade. Uma vez que a segmentação entre os universos ‘humano’ e ‘natural’ é um construto da objetificação ‘ocidental’ do mundo, as construções simbólicas ameríndias que guiam as formas de relação com o meio geralmente não distinguem o que consideramos ‘sobrenatural’ do que vemos como ‘natural’, levando antropólogos a preferirem falar em um universo ‘não-humano’ ao tratarem do tema (DESCOLA, 1996, 1998, 2000; INGOLD, 2000; VIVEIROS DE CASTRO, 2002, 2006). Alguns vão falar ainda em ‘naturezas’, no plural, em referência à ideia de que não existiria uma natureza absoluta, mas sim conceituações várias, próprias a cada cultura, do que deveria ser o mundo natural (ROUÉ, 2000). Logo, muito embora não se resumam a isto, as relações com elementos do meio são relações simbólicas com construtos do imaginário. 67 Futuros trabalhos visando à recuperação florestal, conservação da biodiversidade, ou gestão ambiental e territorial comunitária da TI Maxakali, necessariamente, deverão lidar com estas questões de forma incisiva, sob altos riscos de insucesso, caso as ignorem. Não são poucos os exemplos de tentativas de intervenção nas práticas tikmũ’ũn de manejo ambiental (projetos de criação agropecuária, reflorestamento, segurança alimentar, etnodesenvolvimento, etc.) efetuadas por diferentes actantes da sociedade envolvente (órgãos oficiais das três esferas governamentais, missionários, ONGs indigenistas e ambientalistas, academia, etc.) que malograram em seus objetivos, em grande parte por desconsiderarem as relações simbólicas da cultura maxakali com o universo não-humano. As correlações entre conservação da natureza e o senso de sacralidade para com o meio são complexas, e só recentemente passaram a ser investigadas aprofundadamente, não apenas entre povos ameríndios (POSEY, 2002; CARNEIRO DA CUNHA & ALMEIDA, 2002; XU et al., 2005). Entre os tikmũ’ũn, profundos conhecimentos ecológicos são transmitidos através dos cantos de sua religião e da oralidade (FERREIRA & BOLÍVAR, 2008; TUGNY, 2009a, b). Recentemente, na forma de livros de autoria indígena, foram registrados e traduzidos para o português alguns aspectos de seus sistemas cosmogônicos (MAXAKALI et al., 2005), medicinais (MAXAKALI et al., 2008), e ecológicos (MAXAKALI et al., no prelo). Entre as várias categorias do que vem sendo traduzido, tanto por não-índios como por maxakalis, como “espíritos” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, e 2006 prefere ‘divindades’, ou ‘devires’), o panteão nomeado yãmĩyxop logo se destaca, tanto pelo profundo respeito exibido pelos tikmũ’ũn ao mencionar tal categoria, como por constituir representações diretas de alguns animais e plantas. Os yãmĩyxop visitam periodicamente as aldeias maxakalis, quando vão morar temporariamente na kuxex22, e realizar trocas cerimoniais de alimentos, cantos, danças, e pares matrimoniais com os vivos (ÁLVARES, 1992, 2006; TUGNY, 2009a, b; CAMPELO, 2009). Eles podem ser espíritos de ancestrais, quando são referidos como mõnãyxop. Isto é, quando um tikmũ’ũn morre ele também se tornará um yãmĩy, indo morar com os yãmĩyxop em suas aldeias no outro mundo. Contudo, os yãmĩyxop não são apenas os espíritos dos mortos, mas também entidades fortemente correlacionadas com a biota, já que assumem forma própria de animais e plantas, com ênfase especial na avifauna. Em realidade, o que seriam os yãmĩyxop é um debate que tem entretido etnólogos há anos (POPOVICH, 1980; POPOVICH, s/d; ÁLVARES, 1992, 2006; TUGNY, 2009a, b; CAMPELO, 2009). Os maxakalis usam o termo para se referirem tanto 22 Traduzido como “casa de religião”. Possui alguma semelhança com a casa dos homens de outras culturas Macro-Jê. Para uma discussão mais aprofundada, cf. CAMPELO, 2009, pp. 13-16. 68 aos inúmeros bandos/coletivos23 de espíritos cantadores que visitam suas aldeias, como aos momentos em que esses espíritos cantam (rituais), e ao conjunto de cantos que eles exibem durante estes momentos. Ao tentarmos apreender todos estes conceitos através de uma visão holística, somos tentados a acreditar que yãmĩyxop constitui a própria ciência tikmũ’ũn, já que a transmissão endógena de conhecimento ocorre nos rituais, tendo os cantos/espíritos como meio (veículo, pauta, partitura, caderno, livro). Assim, as verdadeiras ‘escolas’ das aldeias tikmũ’ũn seriam as kuxex, e os yãmĩyxop e xamãs (yãyãyxop), os verdadeiros professores, não obstante todo o esforço institucional do governo do estado em implantar na área o modelo curricular escolar convencional, inteiramente pautado na escrita e na ‘sala de aula’, o que claramente não atende as necessidades cognitivas e epistemológicas da comunidade pensante em questão. Os yãmĩyxop se organizam em verdadeiras falanges, bandos de espíritos aparentados que andam em conjunto. Assim, mõgmõka, o gavião, um espírito muito respeitado, está sempre acompanhado de seus parentes e amigos, que juntos formam o mõgmõxop. Embora se possa traduzir este último termo como “coletivo de gaviões”, e a maioria deles sejam mesmo gaviões (sendo que cada nome de gavião-espírito corresponde ao de um gavião “biológico”), outras aves amigas também acompanham o mõgmõxop, como por exemplo, o kemĩy (tangarazinho). Menos frequentes, também podem acompanhar os gaviões nos cantos e rituais, mamíferos como a irara (kũpũmõg), e insetos como a mamangava (xãnãmok) (TUGNY, 2009a; CAMPELO, 2009). Dinâmicas semelhantes podem ser descritas para os outros yãmĩyxop. Entre os bandos de espíritos que possuem forma-imagem (koxuk) animal ou vegetal, foram relatados pelos tikmũ’ũn entre os mais importantes, além do gavião: xũnĩm, o morcego; po’op, o macaco; putuxop, o papagaio; kotkuphi, a fibra da mandioca; ãmãxux, a anta; tatakox, a lagarta, ãpihix, a anhuma, entre outros. Cada um desses termos agrega sob si inúmeras espécies/espíritos e seus cantos e histórias, constituindo, além de tudo, verdadeiros tratados de história natural e ecologia da biota local. Cada classe ou tipo de yãmĩyxop age então como uma espécie de biblioteca oral, de certa forma organizando e classificando de maneira lógica o universo ao redor. Existem ainda os yãmĩyxop que não apresentam formas-imagens correlatas à biota, mas nem por isso possuem menor importância. Um dos mais influentes é yãmĩy, em geral traduzido pelos maxakalis simplesmente como ‘espírito’. Conjuntamente aos ferozes caçadores/guerreiros mõgmõka e kotkuphi, é um dos yãmĩyxop mais temidos pelos 23 O sufixo ‘xop’ age como partícula coletivizadora. Dessa forma, yãmĩyxop = coletivo de yãmĩy, kakxop = coletivo de criança, etc. 69 tikmũ’ũn, por não hesitar em punir severamente os vivos que descumprem regras e tabus. Por exemplo, o diálogo e a interação direta com os espíritos (o que poderíamos designar xamanismo, sensu GALLOIS, 1996 e VIVEIROS DE CASTRO, 2006) é uma atividade exclusivamente masculina. Caso alguma mulher infrinja a proibição de entrar na kuxex, ou faça comentários desrespeitosos sobre os espíritos, ela pode ser peremptoriamente executada por um yãmĩy ou um kotkuphi. De acordo com os relatos, eles são naturais devoradores de mulheres e crianças (muito embora suas punições não se restrinjam apenas a elas), o que impõe não apenas respeito, mas verdadeiro temor dos yãmĩyxop pelos tikmũ’ũn, apesar de suas fortes relações de parentesco e amizade. Yãmĩy também possui uma contrapartida feminina (yãmĩyhex), que demonstra grande importância em rituais de cura. Mais um importante yãmĩyxop sem iconicidade espelhada diretamente na fauna e na flora é kõmãyxop. São figuradas nos mitos como duas irmãs ou comadres que roubavam batata-doce na roça de um antepassado. Desconfiado, este antepassado armou uma emboscada e ficou esperando os ladrões em sua roça. Quando kõmãyxop chegaram, o antepassado se deu conta de que se tratava de espíritos, chamou-as de comadres (termo que maxakalis e pesquisadores costumam usar para a tradução de kõmãyxop), e levou-as para morar em sua aldeia, na kuxex. Esta classe de yãmĩyxop possui fortes associações simbólicas com a roça (hãmxa), em especial com a batata-doce, tubérculo que elas, assim como os tikmũ’ũn, apreciam muito (TUGNY, 2009a). Outros yãmĩyxop associados ao lócus de encontro material e simbólico dos universos humano e não-humano que é a hãmxa (roça) são: o xũnĩm-morcego, associado à banana em seu mito de surgimento de maneira similar às kõmãyxop24; o kotkuphi-fibra de mandioca, diretamente correlacionado com a mandioca, vive e se locomove debaixo da terra; e todos os espíritos-ave, vinculados simbolicamente aos grãos, em particular o milho. De acordo com as observações e relatos colhidos, no início da época de plantio das roças, todos os yãmĩy-ave, mas em especial putuxop, podem conversar com as sementes e propágulos dentro da kuxex para pedir que eles cresçam bem, dêem muitos frutos e grãos, não sejam comidos ou adoeçam, etc. São abundantes e bem descritas na literatura as profundas relações espirituais que povos ameríndios estabelecem com suas práticas de manejo agrícola e ambiental (p. ex., POSEY, 2002; VIVEIROS DE CASTRO, 2002; 24 Roubam banana na roça de um antepassado, que também vai esperar pelos ladrões. Quando ele se dá conta que são os espíritos-morcego, oferece amizade e os leva para morar na sua kuxex. Para versões completas do mito de origem do xũnĩm, cf. MAXAKALI, 2008, pp. 50-51; e TUGNY 2009b. 70 PINTO & GARAVELLO, 2002), sendo, portanto, desnecessário novamente enfatizá-las aqui. Tanto os yãmĩyxop cantam e levam a caça para os tikmũ’ũn, como os “vivos” (para Álvares, 2006, papel representado pelas mulheres durante o ritual) oferecem cantos e alimentos aos “espíritos” (Figura 4.15). Segundo os maxakalis, o alimento preferido de cada yãmĩyxop varia, possuindo algum grau de reflexo na ecologia do animal que ele simboliza. Assim, xũnĩm prefere frutas e amiláceos, ao passo que mõgmõka é essencialmente carnívoro. De uma perspectiva mais ampla, a carne de caça é o alimento ritual por excelência, oferecida pelos yãmĩyxop aos humanos, ao passo que os últimos (na forma das mulheres) oferecem mandioca, batata-doce, arroz, macarrão, em suma, fontes de amido. Os yãmĩyxop guiam as expedições de caça, conduzindo os caçadores até suas presas, sendo que foi kotkuphi que ensinou os antepassados a fazer arcos e a caçar. De acordo com as restrições alimentares maxakalis, em teoria, durante um ritual não pode ser servida uma carne que não seja oriunda de uma caçada liderada pelos yãmĩyxop que estiverem de passagem pela aldeia no momento; yãmĩyxop não comem carne comprada na cidade. Desta forma, quando vão abater um boi para o banquete do ritual noturno, os yãmĩyxop literalmente caçam-no. Perseguem o animal, cercam-no, e o sacrificam de forma ritualística, como se se tratasse de um animal caçado (xokxop25). Apesar desta grande importância ritual e cosmológica, a carne vermelha é interdita para casais em resguardo, que durante os primeiros meses de vida do seu novo filho devem cumprir uma dieta específica, cuja fonte proteica só poderá ser ovo, peixe ou frango (cf. MAXAKALI, 2008, pp. 58-59). 25 A tradução literal de xokxop poderia se aproximar de algo como ‘grupo de mortais’, ou ‘coletivo de seres carnais’. A um primeiro olhar, o termo parece ser usado em um sentido similar ao de “fauna cinegética” (como propõe, p. ex., SIL, 2005). Porém, como será discutido, xokxop é um termo polissêmico, e pode ser interpretado como o ‘Reino’ (sensu BERLIN, 1992) do que corresponderia às nossas categorias de “fauna”, ou “Reino Animallia”. 71 Figura 4.15. Mulheres tikmũ’ũn servindo alimento a espíritos-papagaio (putuxop). Crédito: Isaías Maxakali. Tendo todas estas questões em vista, fica claro que a importância da manutenção de fragmentos florestais capazes de suportar populações mínimas viáveis de mamíferos cinegéticos, bem como de outros recursos chave, não se restringe meramente à questão da conservação da biodiversidade, ou menos ainda de assegurar meios culturalmente adequados para a segurança alimentar e nutricional deste povo. Muito além, trata-se de condição básica para a perpetuação da cultura tikmũ’ũn, manifestação única no planeta. Os yãmĩyxop, enquanto elementos da biota nativa, são seres que preferencialmente habitam os ambientes florestais. Alguns têm sua moradia no solo, no céu, na água, etc., mas os tikmũ’ũn relataram uma forte correlação da presença dos yãmĩyxop com as folhas das árvores, isto é, o dossel florestal. Segundo eles, micro-partículas se precipitam do céu, e são depositadas na copa das árvores da mata, a uma distância segura dos humanos. Na ausência da cobertura do dossel, essas partículas se depositam nas folhas do capim e nos cabelos das pessoas – onde estarão em contato demasiado próximo aos vivos, podendo causar doenças e fraquezas aos mesmos. Portanto, o dossel florestal age como um “filtro”, que mantém os espíritos no seu devido lugar, longe do contato direto com os humanos. Ainda de acordo cós os maxakalis, na falta das folhas do dossel para morarem, os yãmĩyxop habitam os cabelos das pessoas, o que traz um desequilíbrio na ordem cosmológica. Podemos observar neste ponto um construto cultural chave para uma atitude 72 conservacionista tikmũ’ũn: desequilíbrios ambientais geram desequilíbrios cosmológicos, que por sua vez vão gerar desequilíbrios na saúde das pessoas. Ou seja, além dos prejuízos ambientais, os tikmũ’ũn possuem razões de outra ordem (cosmológica-simbólica) para preservarem os ambientes florestados de seu território. Logo, vemos também que os yãmĩyxop possuem relações direcionais e causais no equilíbrio doença/saúde. Aparentemente, as doenças se instalam nos humanos quando surge um desequilíbrio nas relações estabelecidas entre eles e os yãmĩyxop (ÁLVARES, 1992, 2006; MAXAKALI, 2008). Se uma pessoa sonha, ou lembra com tristeza de um parente morto, o espírito deste parente vem assediar esta pessoa que sente sua falta, causando o quadro de doença (ÁLVARES, 1992). No intuito de eliminar a permanência de objetos que suscitem a memória triste de um ente falecido, nas tradições fúnebres tikmũ’ũn, quando uma pessoa morre, os objetos dela ou que a ela remetam, inclusive sua casa e as roças e árvores por ela plantadas, devem ser sumariamente incendiados (relatos orais). Seria esse hiato entre os dois mundos, esta saudade irremediável entre espíritos e viventes, o principal causador do desequilíbrio cosmológico, se refletindo então num desequilíbrio fisiológico que aflora como doença (ÁLVARES, 1992, 2006). O doente, de certa forma, “deseja” morrer, por querer se reencontrar com os espíritos de seus parentes, e os também saudosos yãmĩyxop buscam acelerar sua doença, de forma a trazerem seu parente para perto de si o quanto antes (ÁLVARES, 1992, 2006). O papel dos xamãs (yãyãxop) na cura consiste em chamar yãmĩyxop que possam dialogar com o(s) espírito(s) causador(es) da doença, e levá-lo(s) de volta ao seu lar, restabelecendo assim o delicado equilíbrio entre os dois mundos (ÁLVARES, 1992, 2006; relatos orais). Todos yãmĩyxop demonstram um potencial de cura, mas os mais comumente empregados são os já citados yãmĩyhex, yãmĩy, xũnĩm e kõmãyxop, além de hemex (sem tradução), outro espírito sem correlação simbólica direta com a biota, e mĩxux, que pode ser glosado como folha ou erva26 (relatos orais). A única forma saudável de interação com os yãmĩyxop deve ser mediada pelos homens, quando os primeiros vêm visitar as aldeias humanas periodicamente, se hospedando na kuxex por um determinado período de tempo (CAMPELO, 2009). Qualquer contato que desvie deste modelo ideal de interação controlada (como encontros entre espíritos e humanos fora da kuxex, interferência feminina nos assuntos religiosos, etc.) está fadado a trazer desequilíbrios (i.e. doenças e mortes) (ÁLVARES, 1992, 2006). Para Campelo (2009), a kuxex representaria simbolicamente uma toca de bicho vazia, um lócus a ser ocupado com a chegada de um espírito-animal. Embora nem todos os 26 Logo, um termo polissêmico. Mĩxux será considerado uma das ‘formas de vida’, no sentido berlineano do termo, dentro da classificação botânica tikmũ’ũn, como explicitado abaixo. 73 yãmĩyxop sejam animais, esta hipótese encontra fundamentação na disposição espacial que a kuxex deve exibir idealmente na aldeia. A disposição ideal das casas tikmũ’ũn possui formato de ferradura, com a kuxex no centro da extremidade aberta dessa ferradura. Entre as casas e a kuxex se estende o pátio da aldeia. O seu orifício de entrada sempre se encontra em posição oposta ao da aldeia, voltadas para o que idealmente deveria ser a mata. A parede da casa de religião voltada para o pátio deliberadamente não possui portas ou entradas, de forma que deste ponto não se consegue enxergar o que há lá dentro. Em cima disso, Campelo (2009) argumenta que esta casa “desocupada”, com seu orifício de entrada voltado em direção à mata seria, portanto, uma toca construída pelos tikmũ’ũn para hospedar seus parentes-espíritos-animais que saem da mata a procura de um abrigo. Quando estes o fazem, simbolizam sua chegada e hospedagem na aldeia tikmũ’ũn através da instalação de um ou vários mĩmãnãm (pau de religião), dependendo de quais yãmĩyxop estão chegando. Algumas poucas classes menos importantes de yãmĩyxop não erguem mĩmãnãm simbolizando sua chegada nas aldeias. O mĩmãnãm deve ser feito preferencialmente de toknõm (jequitibá; Cariniana legalis (Mart.) Kuntze - Lecythidaceae) para a maioria dos yãmĩyxop, podendo ser eventualmente substituídos por outros troncos sólidos, cilíndricos e retilíneos (como o eucalipto), diante da crescente escassez daquela espécie nativa. Apenas yãmĩyhex aparenta não possuir uma exigência quanto à madeira de seu mĩmãnãm, podendo ser feito de várias outras espécies. Assim, o mĩmãnãm desta classe de yãmĩyxop é bem diferente dos outros, sendo mais fino e comprido, e não necessariamente retilíneo. Os mĩmãnãm são preparados na mata pelos yãmĩyxop logo antes de se estabelecerem nas aldeias, sendo completamente adornados com desenhos e pinturas, geralmente em preto e vermelho. Tugny (2009a) sugere que estes desenhos do mĩmãnãm são linhas-guias para as cerimônias, os cantos e sua ordenação, agindo como verdadeiras partituras, que regem os rituais. Assim, cada yãmĩyxop se encontra codificado em seu mĩmãnãm. Este, por sua vez, passará a ser referido como ‘árvore dos yãmĩyxop X’ (nome dos yãmĩyxop + a partícula kup, que indica a forma de vida - árvore), independente da espécie que lhe deu origem. Este talvez seja um indício do sistema de classificação simbólica (sensu HAVERROTH, 2007), se sobrepondo ao sistema de classificação morfoecológica, cujas implicações serão discutidas com mais profundidade na subseção 4.3.2. Classificação e uso da biodiversidade. Algumas outras classes de espírito não-yãmĩyxop não cantam, não moram em aldeia, não visitam as kuxex para realizar trocas cerimoniais com os vivos, e geralmente não tomam formas de espécies naturais (TUGNY, 2009a). Uma exceção é o ĩnmõxa, monstro canibal, principal inimigo e flagelo de humanos e yãmĩyxop. Ĩnmõxa geralmente surge a partir do cadáver de pessoas que cometeram maldades em vida, descumpriram 74 tabus rituais, ou foram mal-sepultadas27. Entre outras aparências que pode adquirir, muitas vezes ele assume a forma de onça-pintada, sinalizando que o imaginário tikmũ’ũn (como o de outras culturas ameríndias, cf. DESCOLA, 1998, pp. 27) tem esta espécie como um ser incapaz de realizar trocas cerimoniais recíprocas, já que sua única forma possível de interação com o universo humano é a predação. Para finalizar estas considerações acerca dos pontos de contato tikmũ’ũn entre biodiversidade e espiritualidade, deve-se apontar que vários dos recursos naturais considerados aqui como fundamentais para a cultura material tikmũ’ũn possuem esta importância precisamente devido às relações espirituais em que implicam. Além do já mencionado mĩmãnãm feito de jequitibá, com as folhas de algumas espécies de palmeiras e com certas embiras são feitos adornos e vestes dos yãmĩyxop (Figura 4.16); das taquaras e bambus são feitas flautas rituais e tira-se o kutekut (morotó ou bicho-da-taquara) uma larva de lepidóptero com uso xamânico que habita o interior dos colmos de algumas espécies de bambu da região. Figura 4.16. Gavião-espírito (mõgmõka) cortando a árvore toktapkup (Couratari sp. - Lecythidaceae). Com a entrecasca desta espécie é feita a vestimenta ritual de outra entidade, yãmĩy. O adorno na cabeça do mõgmõka é feito de brotos de folhas de palmeiras (koyux), preferencialmente de kuxoxapkup (Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb. Rodr. - Arecaceae), embora a mostrada na foto seja de Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman. Crédito: Marco T. S. Ferreira. 27 Uma vez que os não-índios ignoram as cerimônias fúnebres tikmũ’ũn, todos os seus mortos podem eventualmente se transformar em ĩnmõxa. 75 O papel enigmático e idiossincrático desta mariposa na cosmologia tikmũ’ũn ainda não foi esclarecido. Diz-se que o xamã que ingere este animal inteiro (com cabeça e vísceras) entra em um transe extático, quando irá ser transportado às raízes do bambu, adentrar seu interior, atravessar os colmos internamente até sair na sua extremidade, sendo então projetado ao céu, aonde encontrará seus parentes-espíritos. Passado o êxtase, o xamã logo deve retornar a esse plano de existência, sob o risco de ser enterrado vivo por sua família em poucos dias, caso não o faça, pela crença de que ele já teria se transformado em yãmĩyxop, não tendo, assim, mais como retornar (relatos orais). Álvares (2006) explicitamente afirma que somente os yãmĩyxop podem visitar o nosso mundo e voltar, se os vivos conseguem alcançar o outro mundo, é para tornarem-se eles próprios yãmĩy, sem meios de retornar a este mundo (pois, ainda de acordo com esta autora, os bandos que visitam este plano de existência são os ‘filhos’ dos espíritos dos mortos, gerados já no outro plano, e não os espíritos dos ‘nossos’ mortos, propriamente ditos). Ao propor este postulado, a autora parece ignorar o kutekut, que aparenta ser um mecanismo que invalida esta regra, um portal de comunicação direta ou salvo-conduto para visita e retorno ao mundo dos yãmĩyxop pelos tikmũ’ũn, sem necessariamente implicar na morte do visitante. O ponto de vista sustentado pela autora parece particularmente problemático, ao levarmos em conta os recentes avanços na compreensão ‘perspectivista’ do papel do xamã ameríndio, que envolve, entre outras atividades, a travessia das fronteiras entre os universos humano e não-humano, e o diálogo direto com os espíritos (ou divindades) em seus próprios termos e mundos (GALLOIS, 1996; POSEY, 2002; VIVEIROS DE CASTRO, 2002, 2006). Embora a maioria destas evidências esteja localizada em culturas amazônicas, elas provavelmente podem ser extrapoladas para as culturas ameríndias como um todo. Não está claro, contudo, se kutekut é apenas um veículo de comunicação, ou se seria ele próprio um yãmĩyxop. Foi-me relatado que esta poderosa ferramenta xamânica não vem sendo mais utilizada pelos tikmũ’ũn, que demonstram profundo respeito por ela, além de certo receio em não conseguir retornar da jornada espiritual, por crerem não haver mais xamãs com o poder de dominar tais forças. Ademais, o que se pode afirmar com segurança é que, além do uso xamânico, o corpo da larva desprovido da cabeça e das vísceras constitui uma iguaria alimentar apreciada pelos tikmũ’ũn até hoje. Ambos os usos – alimentar e xamânico – pelos pan-maxakali possuem registros que remontam há quase dois séculos (SAINT-HILAIRE, 1817 apud MÉTRAUX & NIMUNEDAJÚ, 1963, pp. 545, e LOWIE, 1963, pp. 382 e 396, para os malalí; OTONI, 2002, pp. 69, para os giporocks. Ref. ad.: BRITTON, 1984; CAMPELO, 2009, pp. 194-195). 76 4.3.2. Classificação e uso da biodiversidade “Les indiens sont trés observateurs, et dans leur langage ils ont, pour les plantes, une classification trés juste. Ils font de la botanique a leur façon, mais elle sert d’auxiliaire au botaniste. Ils emploient, pour distinguer les plantes, des mots tirés de la couleur, de la dureté, de la forme, de l’utilité, de la grandeur, etc.; comme um botaniste, toujours um caractere saillant les guide.” Barbosa Rodrigues, 1992 “les espéces animales et végétales ne sont pás connues, pour autant qu’elles sont utiles: elles sont décrétées utiles ou interessantes, parce qu’elles sont d’abord connues” Lévi-Strauss, 1962a O corpo lexical maxakali de classificação da biodiversidade, ou seja, aquilo a que designaríamos sua nomenclatura etnobiológica, apresenta correlações em maior ou menor grau com o modelo berlineano de taxonomias ‘folk’ (BERLIN et al., 1968, 1973; BERLIN, 1972), com posteriores ressalvas e adaptações (BERLIN, 1974, 1992; BROWN, 1974, 1986; HAYS, 1983; POSEY, 1997a; HAVERROTH, 2007). Dentro do sistema de classificação morfoecológica tikmũ’ũn, muitas vezes os lexemas primários e secundários serão formados a partir da junção de partículas semânticas (Tab. 4.2) a radicais; partículas essas que denotam suas formas de vida, e características salientes como morfologia, tamanho, cor, seres com os quais estabelecem relações ecológicas ou simbólicas, entre outras, como previsto pelos princípios do modelo de Berlin (1992), e exemplarmente descrito por Barbosa Rodrigues (1992) na epígrafe escolhida para esta subseção. 77 Tabela 4.2. Partículas semânticas comumente adicionadas a lexemas primários simples (LPS) para formar lexemas primários produtivos (LPP) e lexemas secundários (LS). * = formas de vida (rank 1); [ ] = sílabas suprimidas quando há contração do vocábulo. Partícula Glosa nõm (...) aquele (...) [mũ]nĩy preto [po]nok branco [xut]'ãta vermelho [yĩ]xux verde, amarelo, azul kup* árvore, arbusto max falso, similis, affinis mĩ[hĩ]m madeira mĩxux* erva, folha nãg pequeno tox ou nox comprido tut grande, mãe xaxpe achatado xe'e verdadeira xeka grande xit* cipó É sabido que, de maneira geral, as línguas ameríndias não apresentam um sistema único de classificação da biodiversidade, isto é, uma mesma planta ou animal pode ter vários nomes na mesma língua, dependendo de seu contexto de referência e uso (ALMEIDA, com. pess., sobre a classificação das plantas pelos kaxinawás do rio Jordão). Ao descrever a nomenclatura botânica kaingang, Haverroth (2007) fundamenta-se nas concepções de Descola sobre a classificação achuar-jivaro para propor a identificação de três sistemas de classificação kaingang que se sobrepõem e intersectam. Haverroth (2007) classifica esses três sistemas em: morfoecológico – que, como o nome sugere, descreve aspectos da morfologia e dos hábitos ecológicos da planta; simbólico – onde cada espécie é alocada em uma das duas metades exogâmicas (kãme e kãhnru); e utilitário – onde as espécies são agrupadas de acordo com afinidades entre as formas de uso. Em sua análise desse último sistema, Haverroth (2007) enfatiza as categorizações das plantas medicinais, que ocorrem principalmente de acordo com as doenças para as quais são empregadas. Um sistema de classificação utilitária maxakali não parece evidente, e caso haja algum, ele provavelmente se refira mais especificamente às plantas medicinais, não estudadas a fundo. Uma vez que os usos dos animais e plantas são comumente apostos aos táxons, até como forma de distinguí-los em conjuntos de contraste dentro do agrupamento supraordenado (tornando a diferenciação entre frases descritivas e nomes “verdadeiros” uma tarefa complexa, como bem aponta HAYS, 1983), um sistema utilitário acaba, de certa 78 forma, se tornando dispensável. Foi bem comum, durante as listagens livres, o nome de um táxon vir seguido de seu uso, como, por exemplo: toknõm mĩmãnãm mĩy’ax (jequitibá pau- de-religião fazer). Parece também que não há um sistema simbólico baseado em metades exogâmicas como Haverroth (2007) descreve para os kaingang, uma vez que os tikmũ’ũn, ao contrário da maioria dos outros povos Macro-Jê, não particionam sua aldeia em metades clânicas. Como já foi explicado, a “outra metade” da aldeia maxakali é ocupada pelos espíritos, que habitam temporariamente a casa de religião aí localizada (cf. CAMPELO, 2009). Se a língua tikmũ’ũn estiver corretamente alocada dentro do tronco Marco-Jê, a perda da divisão exogâmica é aparentemente uma derivação mais recente do padrão geral apresentado pelo grande grupo, um processo que em evolução designaríamos sinapomorfia, enquanto a segmentação em pólos clânicos é aparentemente um caractere plesiomórfico entre a maioria dos povos Macro-Jê. Contudo, outras formas de classificação simbólica e religiosa podem emergir. De fato, sempre existem relações estabelecidas entre os universos vegetal e animal e os yãmĩyxop, seja por que algum espírito os criou, usa ou com eles se relaciona em algum mito, os menciona em algum de seus cantos, ou ensina aos humanos seus nomes, como usá-los, plantá-los, etc. Logo, cada táxon pode ser agrupado de acordo com os yãmĩyxop a que “pertence”. Uma questão religiosa com implicações diretas nas categorizações é que as falanges de yãmĩyxop possuem verdadeiras hierarquias internas. Por exemplo, foi registrado que entre os vários gaviões (mõgmõka), o bando (mõgxop) é liderado por mõgmõkaxeka (Harpia harpyja). Uma futura elucidação destas hierarquias, onde a participação ativa dos pesquisadores tikmũ’ũn é fundamental, pode auxiliar no avanço para um melhor entendimento de como a cultura maxakali classifica e compreende a biodiversidade e o universo ao seu redor. Outro aspecto simbólico-nomenclatural já mencionado é que um jequitibá tombado deixará de ser chamado toknõm quando usado para fazer um pau-de-religião, e passa a designar diretamente o grupo de yãmĩyxop que representa. Muito provavelmente, isto também ocorre com vários outros objetos usados para fins religiosos. Também são dados nomes idiossincráticos para certos recursos vegetais com que são feitos adereços dos yãmĩyxop. Por exemplo, os novos brotos de folhas de palmeiras, utilizados para a confecção de adereços de cabeça dos espíritos-gaviões (mõgmõka) possuem um nome específico para designá-los, em nada correlacionado fonética ou etimologicamente com “folha”: koyux. Quando os brotos estão um pouco mais maduros, antes de os folíolos se abrirem formando as folhas pinadas, eles são designados mĩxux pakoxmãg, e com eles são feitos os adereços de cabeça dos espíritos-morcegos (xunĩm). Os termos parecem não 79 apresentar polissemia, nem designar nenhum outro objeto ou parte de planta ou animal, o que reforça a ideia de uma alta relevância cultural para esta categoria (paxap, palmeiras). Porém, para cada táxon que fornece as matérias-primas de vestes cerimoniais, apenas um nome tikmũ’ũn foi citado entre todos os informantes, sem aparente sobreposição de sistemas taxonômicos simbólicos, utilitários ou morfoecológicos. Algumas informações acerca das relações entre yãmĩyxop e cada espécie são aqui apresentadas apenas para os grupos biológicos considerados chave (meliponíneos, bambus, palmeiras, e embiras). Portanto, no estudo da classificação botânica tikmũ’ũn, o sistema aqui elucidado se enquadraria no que Haverroth (2007) designa sistema morfoecológico, porém, sempre se atentando aos pontos de conexão entre os padrões nomenclaturais das espécies biológicas e suas correlações espirituais e utilitárias. 4.3.2.1. Léxicos históricos pan-maxakali de classificação da biodiversidade A Tabela 3.2 foi elaborada a partir da compilação dos vocabulários relacionados à biodiversidade e de sub-produtos dela advindos das línguas da família maxakali descritos nas importantes listas elaboradas por Wied-Neuwied (1989) e Martius (1867)28, de forma a poder compará-los ao léxico presentemente utilizado pelos tikmũ’ũn. A análise preliminar deste universo lexical permite chegar à conclusão de que os cognatos hoje utilizados para descrever a biodiversidade possuem, aparentemente, origens etimológicas em diferentes línguas da família maxakali, corroborando, portanto, as hipóteses suscitadas por outros autores em seus respectivos campos (PARAÍSO, 1999, na história; TUGNY, 2009a, b na etnomusicologia; e CAMPOS, 2009, na linguística), de que os maxakalis viventes seriam descendentes de uma fusão, ocorrida aparentemente no início do século XX, entre alguns grupos familiares pan-maxakali oriundos de diferentes localidades. É possível observar que vários dos termos hoje utilizados parecem ter mudado e não possuir correspondência fonológica ou etimológica com nenhuma das línguas pan- maxakali registradas no século XIX (tais como os lexemas que designam ‘tabaco’, ‘boi’, 28 Apesar de Martius usar os vocabulários de Neuwied para a elaboração de várias das suas listas lexicais que compõem o seu Glossaria Linguarum, encontrei vocábulos nas listas do segundo autor que não foram incluídas pelo primeiro. Talvez isso seja um indício de que as demais fontes de Martius (St.-Hilaire, Pohl, entre outros) também devessem ser revisitadas, já que para o presente trabalho não houve tempo hábil para fazê-lo. 80 ‘arco’, ‘jacutinga’). Contudo, a maioria deles demonstra alguma similaridade fonológica com ao menos uma das línguas mortas (como ‘cavalo’, ‘abóbora’, ‘melancia’, ‘árvore’, ‘madeira’), alguns chegando mesmo a apresentar vocábulos quase idênticos (como ‘galinha’, ‘fruto’, ‘jacaré’, ‘flecha’, ‘espinho’). O que se pretende chamar a atenção aqui é que, apesar das várias lacunas nos registros históricos, que impedem uma análise mais precisa e completa, e tornam nosso universo de dados bem restrito, o léxico maxakali atualmente utilizado para designar a biodiversidade não parece derivar diretamente de apenas uma das línguas pan-maxakali. Dessa forma, no maxakali atual, cão (kokex) aparenta ser etimologicamente mais próximo do antigo pataxó (koke) do que das outras línguas, ave (putuxnãg) do antigo macuní (petoignang), carne (xokyĩn) do antigo macuní ou machaculí (tiungin), anta (ãmãxux) do antigo malalí (amajö) ou do antigo patachó (amachy), etc. 81 Tabela 4.3. Léxicos relacionados à biodiversidade historicamente registrados para a família linguística maxakali †De acordo com Martius (1867). ‡ De acordo com Wied-Neuwied (1989 [1818]) e Martius (1867). Para os dados de Martius (1867), a glosa foi vertida do original em latim para o português. Em Neuwied (1989), isto não foi necessário, pois a edição consultada era em língua portuguesa. Martius (1867) padronizou as escritas das suas fontes, e onde os seus vocábulos foram confrontados aos de Wied-Neuwied (1989), optou-se pela forma do segundo. Todas essas línguas, com exceção do maxakali atual, estão extintas (LEWIS, 2009). Glosa Coropó† Machaculí, Machacarí‡ Capoxô† Cumanachô† Panhame† Patachó‡ Macuni‡ Malalí‡ Maxakali atual abóbora ojanam conat conat cunata totmãg animal orug xokxop anta tschaá amachy tia amajö ãmãxux arara kakágn 'ãm kak arco ocsoy; kokschaign tsayhã paninhame tsayhä tsayhä poitang paniam soihé nãmtut arroz ponassam(i)nang xũĩnãg árvore mai-man- kroá; mebn abaay abaay abaay abaay mniomipticajo abooi me mĩhĩm ou kup ave tignam petoignang poignan putuxnãg banana atemtá tepta barata ngrinngrin kũnõhõm beija-flor petékétom - - xuĩgnãg boi juctan inschicoi tapiet mũnũytut cão tsoktóme tochuckschauam koké pocó wocó kokex cará coschió coschió coschió koput carne tiungin uniin tiungin junié xokyĩn cavalo amaschep camató cawandó kamãnok cipó coschon coschon coschon xit cobra cagná checheem kãyã côco passcham paxxap embaúba tenniothàh tuthi erva, grama schiüi schiüi schiüi schiüi tschiuih achená mĩxux (xũĩ) espinho minniám bimniam mimiam mĩmyãm (xãm) farinha de mandioca oorjon oorjon oorjon cohonua kohth; coon cuniã kõnyõn feijão ketschiethah pẽyõg flecha pahn; padn pahan cúan cúan cúan pohoy floresta mebndai patavó patavó patavó folha tschuptsché fruto memptâ galinha tschefuame tsucacacan gato schapé jacaré maai jacutinga macaco keschniong madeira ké ke itan cá abucaj ké mandioca kôn cohom mel melancia conatschuipei conatschuipei conatschuipei milho tschumnam pastochon mosquito onça ovo téme niptim petetiäng paca tschapá peixe herang maan maham porco tekenam preguiça (bicho) gneüy pulga rã mauá raiz mempschinta sapucaia (fruto) caiai serpente kanján 83 Durante a análise desta tabela, um detalhe quanto aos vocábulos descritos como equivalentes ao termo arco (por sinal, um dos únicos que oferece registros para todas as línguas) parece particularmente interessante. Ocorre que ambos os vocábulos descritos para a língua capoxô (paninhame) e o macuní (paniam), se assemelham muito ao etnônimo de um dos grupos (panhame). Este, por sua vez, se refere a arco com um vocábulo em nada similar aos de seus parentes, (tsayhä). Talvez o atual nãmtut para arco advenha de um radical similar a paniam, onde a sílaba pa caducou, e o cognato nyãm (em algum momento nãm) se algutinou ao sufixo tut29. Não apenas isto, o que mais chama atenção é que em maxakali atual paniam (grafa- se patyãm) designa um táxon genérico, correspondente a algumas espécies de Astrocaryum e Bactris, dois gêneros de palmeiras espinhentas, tidas como a melhor matéria-prima para a confecção tanto das pontas como dos corpos de flechas (e não de arcos, surpreendentemente). Ao indagar os professores tikmũ’ũn sobre o significado e origem do termo patyãm e do grupo de plantas a que ele se refere, muitas informações foram oferecidas. A primeira é que o termo poderia ser decomposto, onde pat designaria flecha, e yãm, espinho. O espírito kotkuphi canta que as pontas de flechas feitas com patyãmtakup (brejaúba; Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret – Arecaceae) matam qualquer animal ou pássaro, e os tikmũ’ũn afirmam que isto acontece porque esta madeira é venenosa. João Bidé, uma importante liderança da aldeia Ãmãxux de Água Boa, afirmou ainda que, em seu signficado ancestral, patyãm se aproximaria do que corresponde no mundo do branco à “ordem”. “Patyãm é lei, governo, cacique. Patyãm também é o dono da floresta30”. Quando questionado se sabia da existência de um grupo de ancestrais que se designava (ou era designado) como panhames, ele respondeu não sabê-lo, mas também não demonstrou surpresa, dizendo ser bem possível, e novamente frisando o ‘antigo significado’ que foi interpretado como algo similar à “cacicado”, isto é, uma organização política tradicional ameríndia. Outro detalhe aqui ressaltado concerne à conhecida polissemia entre madeira e árvore (discutida em BROWN, 1986). No maxakali atual, kup é um sufixo obrigatório, aposto ao nome do táxon, que claramente indica a forma de vida. Já mĩhĩm designa qualquer árvore de médio a 29 Não existe consenso acerca de uma tradução exata de tut (CAMPOS, com. pess.), sendo esse talvez o termo de mais difícil glosa aqui. São bem evidentes as correlações femininas em mãe e tia materna (‘tut’ em ambos), bem como em esposa (‘xetut’). Mas a partícula pode possuir conotação de ‘grande’, quando usado na classificação zoológica, como, por exemplo, em ‘mũnũy-tut’ (‘veado-grande’ ou ‘veado-mãe’ = boi), ou ‘xok-tut’ (animais-grande ou -mãe), termo usado para se referir aos grandes mamíferos africanos como elefante, hipopótamo, leão (que por sua vez também são espíritos). Para casa, o termo é mĩm-tut (madeira-grande), mas também não é claro se não há aí ainda alguma alusão maternal. Ademais, tut pode ser a contração de tuhut (rede ou bolsa), mas isto parece ser uma convergência fonológica sem origem etimológica em comum. 30 Posteriormente, nem todos os maxakalis interpelados concordaram com esta interpretação de “dono da floresta” para patyãm. Um nome mais comumente citado para o espírito ‘dono da floresta’ foi mĩmputax. 84 grande porte e/ou seu caule ou madeira (e nunca arboretas e arbustos, ao contrário de kup), e quando se encontra inserido em um táxon, sempre está se referindo especificamente a algum aspecto da madeira daquela espécie. Contudo, na Tabela 4.3, ‘madeira’ está para as línguas coropó, machaculí e panhame como ke, e para o macuní có(ú), que parecem bastante próximos (especialmente este último) do atual kup. Para o malalí, tanto ‘madeira’ como ‘árvore’ é me, fonologicamente mais aparentado de mĩhĩm, assim como o coropó mebn, e o pataxó mniomipticajo, para ‘árvore’. Uma análise superficial que priorize a predominância de citações semelhantes nos levaria inevitavelmente à conclusão de que há uma aparente inversão nos significados dos cognatos, uma vez que ke antigamente designava madeira, e seu derivado atual kup se refere a árvore, enquanto algo próximo a mẽ ou mĩ nomeava as árvores e hoje possui tanto esse significado como ‘madeira’, em um sentido mais amplo. Porém, tal interpretação parece infrutífera, por alguns motivos. Como já foi argumentado, o léxico maxakali atual não parece descender diretamente de apenas uma língua da família linguística maxakali histórica. Desta maneira, mĩhĩm poderia, na verdade, ter vindo do malalí me para madeira, e não do coropó mebn para árvore, kup poderia vir de ainda outra origem e não apresentar origens compartilhadas com o ke, do coropó, machaculí ou panhame, etc. Essas hipóteses são meras conjecturas, sendo praticamente impossível comprová-las. Ademais, não se pode descartar a possibilidade da ignorância, por parte dos coletores destes léxicos, quanto às comuns polissemias madeira/árvore em línguas ameríndias, o que os faria interpretar e assinalar apenas um dos significados, enquanto seu informante estava se referindo ao outro, ou aos dois, ao apresentar o vocábulo aos viajantes curiosos. Para finalizar esta subseção, assinala-se a semelhança de alguns dos nomes da fauna cinegética com os léxicos atuais. Neuwied grafa paca para o pataxó (tschapá) de maneira praticamente idêntica a como é falado hoje (xapa). Para as espécies de tatu, atualmente, há dois táxons genéricos”: koip e koxut. Os tikmũ’ũn descrevem koip como um nome mais arcaico, e de fato, a observação da Tabela 4.3 comprova correlações fonêmicas com o machaculí (coim), o macuní (coim), e o malalí (conib). A ausência de dados para muitos dos significados dificulta uma análise comparativa mais ampla. 4.3.2.2. Classificação e uso dos vegetais Parece claro, através das vivências e observações de campo, e do número de vocábulos aplicados especificamente ao universo botânico, em particular de caracteres morfológicos (Tabela 4.4), que os tikmũ’ũn distinguem o reino vegetal como entidade única e coesa, descrevendo-o através de um ou mais sistemas classificatórios. Não obstante, até o momento 85 não foi observada para a língua maxakali uma categoria no rank 0 de BERLIN, 1992 (também chamado de ‘reino’ ou ‘iniciador único’) que equivalha à categoria de ‘reino vegetal’. Berlin e colaboradores (1968) descreveriam tal fenômeno como uma categoria ‘oculta’ (covert category), isto é, um táxon cultural não-nomeado. Apesar de concordar parcialmente com as críticas de Brown (1974, 1986) de que este conceito é social e psicologicamente questionável, os dados aqui apresentados vão diretamente contra os argumentos deste autor de que faltariam evidências empíricas para a existência do mesmo, pelo menos em se tratando do iniciador único. Assim como Balée (1989) sustentou para os ka’apor e outros povos Tupi-Guarani aparentados da pré-Amazônia Oriental, o corpo lexical desenvolvido especificamente para tratar do universo vegetal aqui apresentado, apesar de alguma sobreposição com aquele utilizado para descrever o mundo animal, já constitui evidência clara de que se trata de uma categoria distinta para a cultura tikmũ’ũn. Ademais, reiteradas vezes experts bilíngües foram interpelados quanto à existência ou não de uma palavra na língua maxakali que semanticamente corresponda a ‘planta’ do português, ou seja, que englobe todas as formas de folhas, árvores, ervas, cipós, etc. sob um único epíteto. Em todas as ocasiões houve certa hesitação, longos diálogos entre os participantes, e por fim a conclusão de que de fato sabiam que todas as plantas eram aparentadas (xape), mas aparentemente não havia um termo que as designasse como um todo, ou, que se houvesse, ele seria ũxohi, (glosado como ‘muito’, ‘todos’, ou ‘tudo’). Isto torna a nossa análise ainda mais complexa, uma vez que com este termo eles podem estar querendo dizer tudo mesmo, ou seja, a categoria universal que engloba a totalidade dos seres. Esta interpretação, por outro lado, implicaria em um verdadeiro não-reconhecimento, por parte dos falantes do maxakali, de uma categoria que abranja a todos os seres do reino vegetal, sem que se abranja também ao restante dos universos não-humano e humano. Portanto, a análise aqui prosseguirá a partir do rank 1, em direção aos taxa inferiores, sem que tenha-se comprovado a existência ou não entre os tikmũ’ũn de um iniciador único oculto (rank 0) que corresponda à categoria ‘planta’ em português. 86 Tabela 4.4. Partes das plantas, de acordo com a língua maxakali atual. [ ] = sílabas suprimidas quando há contração do vocábulo. Termo tikmũ’ũn Parte da planta Hi fibra Mĩ[hĩ]m caule, madeira, árvore [Mĩm]mãg galho [Mĩm]yãm ou xãm espinho, acúleo [Mĩn]‘ũta fruto [Mĩnta]xap semente [Mĩ]nut flor [Mĩ]xux folha Pa "olho" (meristema apical) Xax casca Yĩnpa raiz 4.3.3.2.1. Rank 1: Forma de vida Em seu dicionário Maxakalí-Português, Popovich & Popovich (2005, pp. 119) traduzem o termo mĩxux como ‘ervas, plantas e arbustos’. Logo, os dados aqui apresentados estão em discordância com a literatura, uma vez que, apesar de um termo polissêmico (cf. nota 26), mĩxux parece constituir uma categoria de forma de vida que não abrange todas as plantas, correspondendo melhor a ervas não-gramíneas. Alguma confusão em um primeiro contato com o termo parece natural, já que ele também pode designar folha (Tabela 4.4), além de um yãmĩyxop de grande importância no sistema medicinal tikmũ’ũn, como já mencionado. Mĩxux parece ser a junção de mĩm, que é a contração de mĩhĩm (madeira, árvore), e constitui a primeira sílaba de vários termos da morfologia botânica (Tabela 4.4), e xux, contração de yĩxux (verde- azul-amarelo31). Ou seja, mĩxux poderia ser glosado em uma tradução mais livre como verde-da- árvore, o que claramente indicaria sua conotação relacionada às folhas. Uma vez que folhas são caracteres morfológicos praticamente universais no reino vegetal, é fácil confundir a universalidade do termo mĩxux com a de ‘plantas’. Não é difícil, portanto, imaginar um neo- brasileiro perguntando a um maxakali: ‘qual o nome disto?’ ao apontar uma planta não- herbácea, e receber de pronto a resposta: ‘mĩxux’. Porém, o que se estará querendo realmente dizer é folha, e não planta. Caso se tratasse de uma planta herbácea ou arbustiva, talvez o mesmo tihik tivesse se referindo a sua forma de vida – erva. Só que neste caso específico, a forma de vida estaria inclusa no início de um lexema primário produtivo (genérico – rank 2), como em mĩxux-tox-nãg (assa-peixe; Vernonanthura sp. - Asteraceae). 31 Cores indistintas na língua maxakali. 87 É importante ressaltar que enquanto essa forma de vida é preposta ao restante do termo que designa a planta, as outras duas categorias de forma de vida, xit (cipó) e kup (árvores, arbustos, e ervas eretas), geralmente estarão posicionadas ao final do lexema, isto é, são sufixos obrigatórios. As três formas de vida possuem algumas outras diferenças funcionais em relação umas às outras. Xit, enquanto substantivo, não possui outro significado além de cipó ou linha32, ao contrário de mĩxux que, como já vimos, é altamente polissêmico. Kup, além da forma de vida, pode designar osso, vara, ou qualquer outra coisa comprida e com pouca flexibilidade. Portanto, é um vocábulo que extrapola o universo vegetal, o que não ocorre com as outras duas categorias. Mesmo assim, kup não apresenta polissemia dentro do léxico botânico, o que definitivamente torna mais confiável considerá-la uma ‘forma de vida’, no sentido berlineano, do que mĩhĩm, que serve para designar tanto ‘árvore’, como ‘madeira’, ou ainda ‘caule/tronco’ – um componente morfológico da planta. Tendo isso em vista, a melhor glosa em português que se pode oferecer a mĩhĩm é ‘pau’, devido às sobreposições semânticas parcialmente equivalentes entre esses dois termos. Já para kup, a melhor forma de glosa em português seria “pé de...”. Não se diz em maxakali, vou cortar ou derrubar um kup, diz-se que vai derrubar um mĩhĩm. Kup só tem sentido, enquanto termo botânico, quando aposto a um táxon. Ademais, quando mĩhĩm (ou mais comumente sua contração mĩm) for um elemento constituinte de um táxon, irá se referir especificamente à alguma característica da madeira daquela espécie, como por exemplo em ‘mĩm-koxuk-mũnĩy-kup’: ‘madeira-imagem-preta-árvore’ (braúna; Melanoxylon brauna Schott – Fabaceae-Caesalpinoideae). Uma das primeiras lições passadas pelos meus professores da taxonomia botânica tikmũ’ũn é que os nomes das árvores (assim como alguns arbustos e arboretas) sempre devem ser finalizados com o sufixo kup33. Entretanto, isto não é válido de maneira geral para as outras duas categorias, de forma que várias plantas descritas como ervas e cipós não apresentam xit e mĩxux nos lexemas que as designam, tornando kup de longe a forma de vida com maior representatividade entre os lexemas primários produtivos (67 espécies, diante de apenas cinco espécies classificadas como mĩxux, e outras cinco como xit). 32 Enquanto substantivo, pois enquanto verbo pode designar ‘comer’ ou ‘limpar a terra’ (POPOVICH & POPOVICH, 2005, pp. 78). Aparentemente, estes três não são cognatos relacionados, apenas demonstram convergências morfológicas e fonológicas similares. 33 Na verdade, os tikmũ’ũn são tão rigorosos com suas normas nomenclaturais botânicas, que caso se pergunte sobre determinado táxon genérico de planta sem a correta finalização que denote especificamente a qual parte da planta ou a qual forma de vida se pretende referir, eles não compreenderão se está se falando da madeira, do fruto, da árvore, da folha, da espécie como um todo, etc. Assim, xupxak é o táxon genérico para mamão (Carica papaya L. - Caricaceae), xupxak-kup é o mamoeiro em sim, xupxak-ta é o fruto do mamão, xupxak-xux é a folha do mamoeiro, xupxak-tox-nãg- kup é o jaracatiá (Jacaratia spinosa [Aubl.] A. DC. – outra espécie de Caricaceae) etc. 88 4.3.3.2.2. Rank 2: Intermediário Apesar de Berlin (1992) afirmar que quase sempre as categorias que se enquadram no rank 2 são não-nomeadas ou ocultas (covert), os léxicos relacionados às taquaras (kutehet) e palmeiras (paxap) apresentam comportamentos tão peculiares em relação ao padrão geral que parecem indicar casos claros de categorias intermediárias nomeadas. Kutehet parece ser um táxon situado em um nível intermediário entre forma de vida e genérico, constituindo claramente uma categoria coesa que engloba todos os bambus e taquaras nativos, pertencentes ou não à sub-família Bambusoideae (Tabela 4.5). Embasa essa afirmação o fato de kutehet abranger mais de um táxon genérico (kute[he]t e kuninix), cada qual exibindo dois ou mais táxons inferiores designados por lexemas secundários. Contudo, kutehet não pode ser elevada a ‘forma de vida’, uma vez que, pelo menos em um dos lexemas registrados, a forma de vida kup foi assinalada, o que indica uma subordinação ao rank 1. Bambus exóticos, como o bambu- brasil (Bambusa vulgaris Schrad. ex J.C. Wendl.) e a vara de pesca (spp. n. ident.) também são designados dentro do intermediário e genérico kute(he)t, mas nas listagens livres foram tratados como entidades alienígenas ao grupo (de maneira similar ao que ocorre com Apis mellifera em relação aos meliponíneos, como será descrito mais abaixo na Seção 4.3.2.3), o que indica uma coesão e hermeticidade ainda maior dentro do conjunto de plantas a que a categoria designa. Tabela 4.5. Táxons incluídos em kutehet, e seus usos. * = espécies descritas como “estrangeiras” ao táxon, por não serem nativas da região tikmũ’ũn português nome latino usos Kutetxãmxeka taquaraçu Guadua sp. carregar água e mel; caibro; morotó kutetxãmnãg construção de casa (caibro); morotó kutetxe'enãg armadilha de peixe (jequi) kutethĩnãnũgnãg taquara-lixa Merostachys sp. peneira kunixnixnãg flauta para Hemex kunĩymãg flecha kutetmãnõnnãg flauta para Hemex kutetpu'uk taquara Olyra sp. flauta para Tatakox koxakkup (pox tumõ nõm) ponta de flecha (venenosa) kutet xeka (nõm xãm ok'nãg) carregar água e mel kutet pohox xe'e'nãg flecha kutet kã'õgnãg caibro de telhado kutehet koxãm kup (mãm xõn 'ax)* taquara de pesca vara de pescar kutet ãmix* bambu- brasil Bambusa vulgaris 89 A mesma linha de pensamento deve ser aplicada para o caso das palmeiras, embora, neste caso, seja inequívoca a subordinação em uma forma de vida, já que todas as palmeiras, sem exceção, são kup (Tabela 4.6). Como nas taquaras, o nome do grupo como um todo (paxap) é polissêmico, já que também designa especificamente um de seus gêneros. Porém, outros lexemas primários empregados na classificação de palmeiras são sempre descritos como tipos de paxap, embora não possuam este termo em seu nome. No entanto, enquanto ‘paxap’ está claramente incluído dentro da forma de vida ‘kup’, com as taquaras isso não fica tão evidente. Isto é, elas podem constituir um grupo não alocado em uma forma de vida superordenada. Tabela 4.6. Táxons incluídos em paxap, e seus usos. tikmũ’ũn português nome latino usos paxapxexakup côco da Bahia Cocos nucifera L. fruto comestível paxapnãgkup andaiá Attalea burretiana Bondar amêndoa comestível; telhado (folhas) kutatakxekakup guariroba Syagrus oleracea (Mart.) Becc. fruto e amêndoa comestíveis e suco; parede (folhas) kutataknãgkup jerivá Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman fruto e amêndoa comestíveis e suco; parede (folhas) kuxoxapkup Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb.Rodr. lança; arco; ponta de flecha; chapéu yãmĩyxop kupakkup juçara Euterpe edulis Mart. confecção de esteira para cama; facheiro; ponta de flecha patyãmtakup brejaúba Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret lança; ponta de flecha (madeira); peão (frutos); cama (folhas) patyõtagnãgkup ouricana Bactris bahiensis Noblick ex A.J. Hend. corpo do flecha; preferida patyãmnãgkup tucum Bactris vulgaris Barb. Rodr. corpo da flecha; fraca e pouco usada patyãmtakup xeka macaúba Acrocomia aculeata (Jacq.) Lodd. ex Mart. 4.3.3.2.3. Ranks 3 e 4: Genérico e Específico De acordo com o modelo desenvolvido por Berlin e colaboradores (BERLIN et al, 1968, 1973; BERLIN, 1992), são enquadrados como genéricos os táxons, terminais ou não, denominados lexemas primários, que se dividem em simples (LPS), produtivos (LPP) e improdutivos (LPI). Esses podem ou não (quando serão chamados simples) ser passíveis de decomposição e análise semântica. São designados LPP aqueles que ao serem decompostos indicam claramente o nível taxonômico superior em que o gênero se encaixa, e LPI aqueles que não trazem essa informação. Já táxons específicos são denominados por lexemas secundários (LS), que funcionam estruturalmente como LPPs, porém, ocorrem em ‘conjuntos de contraste’, de forma a distinguí-los uns dos outros. Para um exemplo em língua portuguesa: feijão seria um 90 lexema primário, no caso, simples (LPS), correspondendo a um táxon genérico, ao passo que feijão-rapé, feijão-carioquinha, feijão-preto, feijão-jalo, etc., são lexemas secundários derivados do vocábulo-base ‘feijão’ acrescido de um caractere distintivo, que se comportam, portanto, como um epíteto específico, de modo similar ao sistema taxonômico lineico (que BERLIN et al., 1973 atestam ser apenas uma sistematização, realizada por Linnaeus, dos modelos de classificação folk vigentes no século XVIII na Europa setentrional). Também é proposta, pelo modelo berlineano, a existência de táxons tipo-específicos para alguns grupos, ou seja, uma forma de polissemia em que o mesmo nome pode designar tanto um animal ou planta culturalmente tido como prototípico para aquele grupo, quanto ao táxon supra-ordenado a que ela pertence. Esse fenômeno também apresenta similitudes com o sistema de classificação lineico, onde, por exemplo, Solanum é o gênero-tipo da sua família, Solanaceae. Porém, nas regras de classificação biológica científica atual, a partícula terminal do táxon claramente determina o seu nível taxonômico, impedindo, com isso, que haja sobreposição de significados para um mesmo termo, e uma consequente polissemia. Na literatura etnobiológica, táxons que se enquadram como LPS e LPI são geralmente tratados como “gêneros aberrantes” por não trazerem referências claras quanto ao seu táxon de nível superior. Quase sempre estes ‘gêneros aberrantes’ se referem a espécies com grande importância econômica (como cultígenos agrícolas), ou com idiossincrasias morfológicas (como gramíneas, cipós e bambus), o que culmina em sua não-alocação em uma das formas de vida, ou de nomeação de uma categoria intermediária, como parece ocorrer no caso maxakali para os bambus e palmeiras, como já explicitado. De fato, aqui os LPPs parecem ser mais empregados para as espécies florestais nativas e as ruderais dos campos de colonião. Todas as espécies agrícolas com vínculos pré-cabralinos34, com exceção da mandioca (kot-kup) e do feijão (pẽyõg) são lexemas simples ou lexemas secundários derivados diretamente destes, de maneira semelhante à que Balée (1989) descreve para os ka’apor. Todas as plantas agrícolas domesticadas por povos ameríndios, incluindo a mandioca, e excluindo o feijão, são designados no maxakali atual por cognatos não-português e não-tupi, sugerindo uma perpetuação histórica de termos endógenos à família linguística maxakali, e um longo contato com a agricultura pelos povos falantes destas línguas. A continuidade etimológica com as línguas do período imperial pode ser atestada através de uma nova consulta à Tabela 4.3, uma vez que o feijão é a única destas espécies cujo nome atualmente empregado (pẽyõg) deriva de uma corruptela do nome em português. 34 Isto é, Ipomoea batatas (L.) Lam.; Zea mays L.; Lagenaria sp.; Cucurbita sp.; Citrulus sp.; Xanthosoma sp.; Dioscorea sp., Capsicum sp.; etc. 91 Para as gramíneas a problemática é similar. Xũĩ é polissêmico e se refere tanto ao grupo das gramas como um todo, quanto especificamente ao capim-colonião (ou seja, esse seria o táxon prototípico do grupo). Dentro do modelo berlineano, o termo poderia ser enquadrado como forma de vida (já que não se enquadra em nenhuma das outras três propostas), ou como intermediária sem referência a qualquer forma de vida, ou como um “gênero aberrante”, para o qual foram registradas apenas três espécies até o momento, entre elas, aquela tipo-específica homônima. Já tohox é uma categoria cujo esclarecimento se demonstra ainda mais complexo. Uma tradução aproximada poderia ser ‘envira’, e abrange alguns cipós e árvores que fornecem entrecascas fibrosas e resistentes, bastante empregados na produção de artesanatos e vestes rituais. Uma vez que inclui duas formas de vida bem distintas – cipós e árvores de grande porte, as espécies são consideradas afins graças aos empregos similares, no caso, para produção de fibras e cordas, embora cada uma possua especificidades. O termo poderia se enquadrar no que Hays (1983) denomina ‘special purpose taxons’, isto é categorias especiais relacionadas a usos e/ou importâncias econômicas. Pode ser ainda sinalizador de um sistema de classificação utilitária (como proposto por Haverroth, 2007), que possivelmente fora mais complexo em tempos idos, mas atualmente só possui esta categoria. Para o léxico maxakali, durante a pesquisa de campo foram registrados 194 lexemas, dos quais 128 são primários e 66 secundários, fato esse (mais táxos genéricos do que específicos) que se encontra em consonância com a hipótese de trabalho proposta por Berlin (1992). Dos lexemas primários registrados, 79 são produtivos (Tabela 4.7), 24 são improdutivos (Tabela 4.8) e 25 são simples (Tabela 4.9). Os 66 lexemas secundários são apresentados na Tabela 4.10. Vale ressaltar que isto não era esperado, uma vez que, como Haverroth (2007) descreve para os kaingang, lexemas produtivos geralmente são menos comuns. Isto provavelmente se explique pela já mencionada atenção rigorosa dada pelos maxakali em sistematicamente assinalar a forma de vida ‘kup’ nos nomes observados de praticamente todas as árvores e arbustos. 92 Tabela 4.7. Lexemas primários produtivos (LPP). Nas espécies que possuem dois nomes relatados, o * assinala aquela forma indicada pelos informantes como a mais arcaica. Lacunas na coluna dos nomes latinos indicam táxons cuja correlação com o sistema lineico não foi estabelecida. tikmũ’ũn glosa nome latino ãmãxux-xuk-ta-kup anta-testículos-fruta-árvore Caryocar brasiliense Cambess ĩmonãn-hẽmẽx-kup corruptela de 'imburana'-corruptela de ‘remédio’-árvore Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm. k(oh)ot-kup kohot-árvore Manihot esculenta Crantz kape-kup 'corruptela de café'-árvore Coffea arabica L. katak-xeka-kup katak-grande-árvore Joannesia princeps Vell. kayoh-kup corruptela de 'cajú'-árvore Anacardium occidentale L. kepxãy-nõm-kup ou kak- mĩm-kup * kepxãy-aquela-árvore ou criança- madeira-árvore Schizolobium parahyba (Vell.) Blake kex-kup contração de kehex-árvore Lecythis pisonis Cambess. koxak-kup (pox tumõ nõm) koxak-árvore kõyãm-kup 'corruptela de goiaba'-árvore Psidium guajava L. kukmax-ta-nãg-kup tartaruga-fruta-pequena-árvore Myrciaria sp. kuk-xak-kutĩynãg-kup kuk-casca-pequena-árvore Piper sp. kumãmĩx-kup kumãmĩx-árvore Dalbergia miscolobium Benth. kumĩmĩm-kup kumĩmĩm-árvore kũmĩxõg-kup kũmĩxõg-árvore ku-pak-kup suco-amêndoa-árvore Euterpe edulis Mart. kupe-xax-kup ou xoxnit- kup * kupe-casca-árvore ou xoxnit-árvore Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan kupkup árvore-árvore Brasiliopuntia brasiliensis (Willd.) A.Berger kup-tot-kup kup-tot-árvore Gallesia integrifolia (Spreng.) Harms kuputhax-kup kuputhax-árvore kutaha-kup kutaha-árvore Urera sp. kutak-xãm-kup kutak-espinho-árvore Cnidoscolus sp.? Jatropha sp.? ku-ta-tak-kup suco-fruta-quebrar-árvore kutoha-kup kutoha-árvore Aspidosperma sp. kuxo-xap-kup kuxo-semente-árvore Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb.Rodr. mãg-kup corruptela de 'manga'-arvore Mangifera indica L. mãnãm-nõk-kup mãnãm-nõk-árvore Plathymenia reticulata Benth. manãm-yãm-kup manãm-espinho-árvore Zanthoxylum sp. mĩhĩ-kup madeira-árvore Copaifera sp. mĩmã-max-kup 'pau de religião'-falso-árvore mĩm-kanã-xax-kup madeira-kanã-casca-árvore Guarea sp. mĩm-koxuk-mũnĩy-kup madeira-imagem-preta-árvore Melanoxylon brauna Schott mĩm-mõyõ-nãg-kup madeira-mõyõ-pequena-árvore Eucaliptus sp. mĩm-nãtãg-nãg-kup madeira-nãtãg-pequena-árvore Esenbeckia sp. mĩm-pa-hok-ta-kup madeira-olho-não-fruta-árvore Tabernaemontana sp. mĩm-xax-kup madeira-casca-árvore Tabebuia sp. ou Handroanthus sp. mĩm-xĩ-kata-kup madeira-xĩ-kata-árvore Cabralea canjerana (Vell.) Mart. mĩm-xuttux-kup madeira-xuttux-árvore Handroanthus sp.; Aspidosperma 93 sp.; Pterodon sp.? mĩmyãm-kup espinho-árvore Mimosa sp. mĩn-kup mĩn-árvore Saccharum sp. mĩnta-konõm-kup fruta-konõm-árvore Hymenaea sp. mĩnta-xeka-kup fruta-grande-árvore Pouteria butyrocarpa (Kuhlm.) T.D.Penn.? mĩnta-yĩm-tãg-nãg-kup fruta-mão-tãg-pequena-árvore Hancornia speciosa Gomes mĩxux-hãm-nãg erva-terra-pequena Melissa officinalis L. mĩxux-hãy-nãg erva-hãy-pequena Waltheria sp. mĩxux-kep-kox-ponok erva-peito-buraco-branca mĩxux-pu'uk erva-fraca mĩxux-tox-kup folha-comprida-árvore Virola sp. mĩxux-tox-nãg erva-longa-pequena Vernonanthura? Cyrtocymura? Lepidaploa? mĩxux-yõg-kox-kup folha-'pronome possessivo'-buraco- árvore Ficus sp. mõgmõka-xit gavião-cipó mox-pata-kup adaptação do vernacular em português "pata de vaca" Bauhinia sp. nanãy-kup 'corruptela de laranja'-árvore Citrus x sinensis Macfad onĩn-kup onĩn-árvore pataxax-xit sapato-cipó pat-yãm-kup flecha-espinho-árvore Astrocaryum, Acrocomia e Bactris pok-xit brejo-cipó Mucuna sp. e outras po'op-kuxa-kup macaco-coração-árvore Enterolobium sp. pop-ta-kup macaco-fruta-árvore Genipa americana L. putux-mũ-nãg-kup pássaro-mũ-pequena-árvore Wissadula sp. takax-kup takax-árvore Pseudobombax sp. tep-ta-kup tep-fruta-árvore Musa paradisiaca L. tok-xit envira-cipó tut-hi-kup (nõm pa ponok) mãe-fibra-árvore (de olho branco) Cecropia glaziovii Snethl. tut-hi-kup (nõm pa'ãta) mãe-fibra-árvore (de olho vermelho) Cecropia glaziovii Snethl. xagãy-kup xagãy-árvore Pourouma guianensis Aubl. xaho-xuk-ta-kup sarué-testículos-fruta-árvore Ziziphus sp. xap-pa'-ãta-kup semente-olho-vermelho-árvore Adenanthera pavonina L. e Ormosia sp. xap-xit semente-cipó Heliconia sp. 2 xaxe-kup xaxe-árvore Mimosa sp. xaxpe-kup achatado-árvore xit-kũnĩ-kup cipó-kũnĩ-árvore xokã-kup xokã-árvore xok-xox-kup animal-dente-árvore Erythrina sp. xuĩ-yãm-kup capim-espinho-árvore xux-nĩn-kup folha-nĩn-árvore Leucochloron incuriale (Vell.) Barneby & J.W.Grimes yak-kup 'corruptela de jaca'-árvore Artocarpus heterophyllus Lam. 94 Tabela 4.8. Lexemas primários improdutivos (LPI). Nas espécies que possuem dois nomes relatados, o * assinala aquela forma indicada pelos informantes como a mais arcaica. tikmũ’ũn glosa nome latino hãm-kunut terra-kunut Malvastrum sp. kaxõy-mĩm 'louva-a-deus'-madeira Carapichea ipecacuanha (Brot.) L.Andersson kohok-nãg-max tabaco-pequeno-falso Diodia saponariifolia (Cham. & Schltdl.) K. Schum. konã'ãg-yõg- mĩmyãm água-'pronome possessivo'-espinho Hydrolea spinosa L. konõg-nãg-xeka konõg-pequeno-grande kot'-xeka'-nãg kot'-grande-pequeno kuti-ta kuti-fruta Ananas comosus (L.) Merril kuxa-xax coração-casca Rhynchospora sp.? mã'ãy-nãg-pe jacaré-pequeno-seguir Typha domingensis Pers. mãnãm-mĩmã-xax mãnãm-'pau de religião'-casca mĩkaxap-xĩmũ- kuk-nãg pedra-xĩmũ-kuk-pequena mĩmãm-pẽg-nãg 'pau de religião'-pẽg-pequeno mĩnta-xap fruta-semente Crotalaria sp. mox-yĩxok boi-língua (tradução literal do nome em português) Talinum sp. pata'-mĩm pé-madeira pa-xap olho-semente "etnofamília" petexnãg petex-pequena Capsicum sp. pẽyõg corruptela de 'feijão' Phaseolus vulgaris L. tõmãn 'corruptela de tomate' Solanum lycopersicum L. xãm-kãm-nãg espinho-kãm-pequeno Lantana camara L. xap-max semente-falsa Coix lacryma-jobi L. xupxak-kup xupxak-árvore Carica papaya L. yaganãna ou yõyxux corruptela de 'jacarandá' ou yõy-folha Dalbergia nigra (Vell.) Allemão ex Benth. Tabela 4.9. Lexemas primários simples (LPS). tikmũ’ũn nome latino família 'ãmĩtax Phylodendron sp. Araceae katamak Ficus sp. Moraceae katkata Passiflora edulis Sims Passifloraceae kaxxup kohok Nicotiana tabacum L. Solanaceae kõmĩy Ipomoea batatas (L.) Lam. Convolvulaceae koput Dioscorea sp. Dioscoreaceae koxkẽy Bromeliaceae koxota kukta Araceae e Dioscoreaceae kũnãmãtix Arachis hypogaea L. Fabaceae (Faboideae) kunix Poaceae (Bambusoideae) kutehet “táxon intermeiário” Poaceae (Bambusoideae) 95 mĩg'ãtoh nãhãm Bixa orellana L. Bixaceae paxok Zea mays L. Poaceae (Panicoideae) tetputag Nymphoides indica (L.) Kuntze Menyanthaceae tohot "genérico" Cucurbitaceae tohox "etnofamília" xamĩmmĩm Coronopus didymus (L.) Sm. Brassicaceae xapatnok xũĩ “genérico” Poaceae yakax Paulinia sp.? Serjania sp.? Sapindaceae? Tabela 4.10. Lexemas secundários (LS). Nas espécies que possuem dois nomes relatados, o * assinala aquela forma indicada pelos informantes como a mais arcaica. tikmũ’ũn glosa nome latino kape-max-kup 'corruptela de café'-falso-árvore Siparuna sp. katkag-nãg contração de katkata'-pequena Passiflora sp. kex-max-kup kehex-falsa-árvore Lecythis lurida (Miers) S.A. Mori kot-kup-max kohot-árvore-falsa Manihot sp. kõyãm-nãg-kup 'corruptela de goiaba'-pequena-árvore Campomanesia sp. kuk-max-ta-xit-kup kuk-falso-ta-cipó-árvore kukta-hax kukta-hax Dioscorea sp. kukta-nãg kukta-pequeno Xanthosoma riedelianum (Schott) Schott kukta-xeka kukta-grande Colocasia esculenta (L.) Schott kuk-xak-kutĩy-max-kup kuk-casca-pequena-falso-árvore Piper sp. kunixnixnãg kunixnix-pequena kunĩymãg 'contração de kunixnix'-mãg kuta-gõy kuta-fumaça ku-ta-tak-nãg-kup suco-fruta-quebrar-pequena-árvore Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman ku-ta-tak-xeka-kup suco-fruta-quebrar-grande-árvore Syagrus oleracea (Mart.) Becc. kutehet-koxãm-kup (mãm xõn 'ax) taquara-anzol-árvore (pescar) kutet-ãmix taquara-ãmix Bambusa vulgaris Schrad. ex J.C. Wendl. kutet-hĩnãnũg-nãg taquara-hĩnãnũg-pequeno Merostachys sp. kutet-ka'ok-nãg taquara-forte-pequeno kutet-mãnõn-nãg taquara-mãnõn-pequeno kutet-pohox-xe'e'-nãg taquara-flecha-verdadeiro-pequeno kutet-pu'uk taquara-fraca Olyra latifolia L. kutet-xãm-nãg bambu-espinho-pequeno kutet-xãm-xeka bambu-espinho-grande Guadua sp. kutet-xe'e-nãg bambu-verdadeiro-pequeno kutet-xeka (nõm xãm ok'nãg) bambu-grande (sem espinho) kuti-ta-max kuti-fruta-falso Bromelia sp. mĩm-xax-kup-xeka madeira-casca-árvore-grande Zeyheria sp. 96 mĩmyãm-kup (nõm mã'ãy- nãg-kup) espinho-árvore (aquela jacaré-pequena- árvore) Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F. Macbr. mĩxux-pu'uk-nãg erva-fraca-pequena ? nã(hã)m-kup nãn-árvore Bixa orellana L. nã(hã)m-kup-max nãn-árvore-falso Bixa arborea Huber onĩn-kup (hãmnãg yõg) onĩn-árvore (da capoeira) Sidastrum sp. onĩn-kup (pok yõg) onĩn-árvore (do brejo) Urena lobata L. pat-yãm-nãg-kup flecha-espinho-pequena-árvore Bactris vulgaris Barb. Rodr. pat-yãm-ta-kup flecha-espinho-fruta-árvore Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret pat-yõg-tãg-nãg-kup flecha-espinho-tãg-pequena-árvore Bactris bahiensis Noblick ex A.J. Hend. pa-xap-nãg-kup olho-semente-pequena-árvore Attalea sp. pa-xap-xexa-kup olho-semente-grande-árvore Cocos nucifera L. pẽyõg-ãno corruptela de 'feijão andú' Cajanus cajan (L.) Huth pok-yõg-xũĩ brejo-'pronome possessivo'-capim pop-ta-max-kup macaco-fruta-falso-árvore Genipa infundibuliformis Zappi & Semir pop-ta-nãg-kup macaco-fruta-pequena-árvore Spondias sp. tep-kuta-nãg ou tep-nãg banana-kuta-pequena ou banana- pequena Heliconia sp. 1 tok-koxuk-kup envira-imagem-árvore Cavanillesia umbellata Ruiz & Pav. tok-nõm-kup envira-aquela-árvore Cariniana legalis (Mart.) Kuntze tok-tap-kup envira-antiga-árvore Couratari sp. toktetkup envira-tet-árvore Cecropia hololeuca Miq. toktukkup envira-crescer-árvore Cecropia pachystachya Trécul tok-xãm envira-espinho tok-xe'e envira-verdadeira tot-mãg "abóbora"-mãg Cucurbita sp. tot-mãg-nãg "abóbora"-mãg-pequena Momordica charantia L. tot-xax "abóbora"-casca Lagenaria siceraria (Molina) Standl. tot-xuxpex "abóbora"-deliciosa Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai tox-mũnĩy-nãg envira-preta-pequena xap-pa'-ãta-nãg (nõm xit) semente-olho-vermelho-pequena (aquele cipó) Abrus precatorius L. xaxpe-kup achatado-árvore Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit xaxpexekakup achatado-grande-árvore Stryphnodendron sp. xit-kũnĩ-xax-tox-nãg-kup cipó-kũnĩ-casca-comprida-pequena- árvore Inga edulis Mart. xit-kũnĩ-yõg-xãm-nãg-kup cipó-kũnĩ-'pronome possessivo'- espinho-pequena-árvore Inga cylindrica (Vell.) Mart. xũĩ-nãg capim-pequeno Oryza sativa L. xũĩ-tox-nãg capim-comprido-pequeno Melinis minutiflora P. Beauv. xupxak-tox-nãg-kup xupxak-comprida-pequena-árvore Jacaratia spinosa (Aubl.) A. DC. yak-max-kup ou mĩxux- nox-ta-kup (a) jaca-falsa-árvore ou folha-comprida- fruta-árvore (a) Annona sp. yak-nãg-kup jaca-pequena-árvore Annona sylvatica A. St.-Hil. 97 A Tabela 4.11 apresenta a compilação de todos os táxons citados em listagens livres para as variedades agrícolas, tanto aquelas relatadas como extintas como as mantidas presentemente. Quase todos são lexemas secundários formados a partir do lexema simples que designa o cultígeno, se comportando, portanto, como táxons específicos (ou rank 4). Apenas para uma variedade de mandioca (kot-xax-'ãta), quatro sub-tipos foram mencionados, indicando táxons varietais (rank 5), o que vem por reforçar a hipótese de que os maxakalis não são historicamente caçadores-coletores, uma vez que, de acordo com a teoria de Berlin (1992), sociedades forrageadoras nunca nomeam categorias varietais. Para algumas das variedades, informações acerca do nome vernacular em português local também foram colhidas. Tabela 4.11. Táxons tikmũ’ũn para algumas variedades agrícolas. † Variedades relatadas como extintas. cultígeno lexema tikmũ’ũn glosa português local batata- doce LS kõmĩy-iyit batata-doce-iyit LS kõmĩy-kutĩynãg† batata-doce-pequena LS kõmĩy-ku-yĩxux† batata-doce-ku-verde LS kõmĩy-tupkut-nãg batata-doce-tupkut-pequeno LS kõmĩy-xatõn batata-doce-xatõn LS kõmĩy-xax-'ãta batata-doce-casca-vermelha LS kõmĩy-xeka batata-doce-grande LS kõmĩy-xeka-nãg† batata-doce-grande-pequena LS kõmĩy-xokyĩn-'ãmik† batata-doce-carne-'ãmik LS kõmĩy-yiyoe† batata-doce-laranja mandioca LPS ãyãmõ† LS kot-kox-'ãta† mandioca-buraco-vermelha LS kotkup-tox-nãg† pé de mandioca-comprida- pequena LS kotkup-yok pé de mandioca-yok Isaías LS kot-mũnĩy-nãg† mandioca-preta-pequena LS kot-ponok ou kot-xux† mandioca-branca ou mandioca- verde lisona branca LS kot-ũtuk-mõg-ka'ok mandioca-crescer-ir-forte mandioca ligeirinha LS kot-xax-'ãta (1 - nõm xux kutĩynãg) mandioca-casca-vermelha (de folha pequena) LS kot-xax-'ãta (2 - kakat) mandioca-casca-vermelha (corruptela de 'cacau') cacau LS kot-xax-'ãta (3 - nõm hitap) mandioca-casca-vermelha (de antigamente) LS kot-xax-'ãta-nãg mandioca-casca-vermelha- pequena ligeirinha LS kot-xax-ponok mandioca-casca-branca LS ou LPS kot-xe'e ou toktok mandioca-verdadeira LS kot-xeka mandioca-grande 98 LS kot-xux-tox-nãg mandioca-folha-comprida- pequena banana LS tepta-tox banana-comprida banana maranhão LPI koxuk-yĩxux imagem-verde banana prata LPI kũm-hũmnãg ? banana caturrinha LS tepta-nĩy banana-preta banana caturrão LPS tikã'ãg banana dedo de moça milho LS paxok-kutĩynãg† milho-pequeno milho pipoca LS paxok-nõm-xeka† milho-aquele-grande milho arroz † arroz de abril † arroz de maio † arroz maranhão feijão LS pẽyõg panana† corruptela de 'feijão paraná' feijão paraná feijão andú LS pẽyõg ãno corruptela de 'feijão andú' feijão andú Cabe ainda registrar aqui, apesar de não pertencente ao reino vegetal, o termo patpix para designar cogumelos e orelhas-de-pau (basidiomicetos e ascomicetos) indiferenciadamente, ou seja, sem a formação de lexemas secundários e seus inerentes conjuntos de contraste. Esse vocábulo aparenta ser totalmente desconhecido dos jovens em geral, tendo sido registrado apenas durante caminhadas na mata com pajés mais velhos. Os mesmos declararam desconhecer qualquer uso, atual ou pretérito para qualquer tipo destes organismos. Para concluir esta subseção, a Tabela 4.12 apresenta informações acerca do uso de 135 espécies botânicas compiladas através de registros de relatos e de observação participante. Dados e análises mais aprofundadas não foram possíveis, uma vez que os aspectos utilitaristas não constituíram o foco principal da presente pesquisa. 99 Tabela 4.12. Usos das plantas pelos maxakalis. família nome latino tikmũ’ũn usos Anacardiaceae Anacardium occidentale L. kayoh-kup fruto comestível Anacardiaceae Mangifera indica L. mãg-kup fruto comestível Anacardiaceae Spondias sp. pop-ta-nãg-kup fruto comestível Annonaceae Annona sp. yak-max-kup ou mĩxux-nox-ta-kup (a) fruto comestível Annonaceae Annona sylvatica A. St.-Hil. yak-nãg-kup fruto comestível Apocynaceae Aspidosperma sp. kutoha-kup madeira Apocynaceae Hancornia speciosa Gomes mĩnta-yĩm-tãg- nãg-kup fruto comestível Araceae Phylodendron sp. 'ãmĩtax amarração de ponta de flecha Araceae Xanthosoma riedelianum (Schott) Schott kukta-nãg tubérculo comestível Araceae Colocasia esculenta (L.) Schott kukta-xeka tubérculo comestível Arecaceae Euterpe edulis Mart. ku-pak-kup esteira para cama (folha); facheiro; ponta de flecha (caule) Arecaceae Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman ku-ta-tak-nãg-kup fruto e amêndoa comestíveis e suco; parede (folhas); lança Arecaceae Syagrus oleracea (Mart.) Becc. ku-ta-tak-xeka- kup fruto e amêndoa comestíveis e suco; parede (folhas) Arecaceae Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb.Rodr. kuxo-xap-kup lança; arco; ponta de flecha; chapéu yãmĩyxop Arecaceae Bactris vulgaris Barb. Rodr. pat-yãm-nãg-kup corpo da flecha; fraca e pouco usada Arecaceae Astrocaryum aculeatissimum (Schott) Burret pat-yãm-ta-kup lança e ponta de flecha (caule); peão (frutos); cama (folhas) Arecaceae Bactris bahiensis Noblick ex A.J. Hend. pat-yõg-tãg-nãg- kup corpo do flecha (caule - preferida) Arecaceae Attalea sp. pa-xap-nãg-kup amêndoa comestível; telhado (folhas) Arecaceae Cocos nucifera L. pa-xap-xexa-kup fruto comestível Asteraceae mĩxux-pu'uk remédio (folha - dor de barriga) Bignoniaceae Tabebuia sp. ou Handroanthus sp. mĩm-xax-kup madeira; facheiro; arco (caule) Bixaceae Bixa orellana L. nã(hã)m-kup tinta (fruto) Bixaceae Bixa arborea Huber nã(hã)m-kup-max tinta (caule) Brassicaceae Coronopus didymus (L.) Sm. xamĩmmĩm comestível Bromeliaceae Ananas comosus (L.) Merril kuti-ta fruto comestível Cactaceae Brasiliopuntia brasiliensis (Willd.) A.Berger kupkup facheiro; faz chover Caricaceae Carica papaya L. xupxak-kup fruto comestível Caricaceae Jacaratia spinosa(Aubl.) A. DC. xupxak-tox-nãg- kup fruto comestível 100 Caryocaraceae Caryocar brasiliense Cambess ãmãxux-xuk-ta- kup come-se a castanha Sapotaceae? Pouteria butyrocarpa (Kuhlm.) T.D.Penn.? mĩnta-xeka-kup fruto comestível apreciado pelos ancestrais, hoje ausente Convolvulaceae Ipomoea batatas (L.) Lam. kõmĩy tubérculo comestível Cucurbitaceae Cucurbita sp. tot-mãg fruto comestível Cucurbitaceae Lagenaria siceraria (Molina) Standl. tot-xax artesanato; vasilha (fruto) Cucurbitaceae Citrullus lanatus (Thunb.) Matsum. & Nakai tot-xuxpex fruto comestível Dioscoreaceae Dioscorea sp. koput tubérculo comestível Dioscoreaceae Dioscorea sp. kukta-hax tubérculo comestível Euphorbiaceae Joannesia princeps Vell. katak-xeka-kup alimento para a caça Euphorbiaceae Manihot esculenta Crantz k(oh)ot-kup raiz comestível Euphorbiaceae Manihot sp. kot-kup-max kotkuphi canta Fabaceae xaxpe-kup Fabaceae (Caesalpinoideae) Schizolobium parahyba (Vell.) Blake kepxãy-nõm-kup ou kak-mĩm-kup (a) artesanato (semente) Fabaceae (Caesalpinoideae) Copaifera sp. mĩhĩ-kup madeira Fabaceae (Caesalpinoideae) Melanoxylon brauna Schott mĩm-koxuk- mũnĩy-kup madeira Fabaceae (Caesalpinoideae) Hymenaea sp. mĩnta-konõm-kup frutos comestíveis; madeira Fabaceae (Caesalpinoideae) Adenanthera pavonina L. e Ormosia sp. xap-pa'-ãta-kup artesanato (semente) Fabaceae (Faboideae) Amburana cearensis (Allemão) A.C.Sm. ĩmonãn-hẽmẽx- kup remédio; madeira Fabaceae (Faboideae) Arachis hypogaea L. kũnãmãtix grão comestível Fabaceae (Faboideae) Phaseolus vulgaris L. pẽyõg grão comestível Fabaceae (Faboideae) Cajanus cajan (L.) Huth pẽyõg-ãno grão comestível Fabaceae (Faboideae) Mucuna sp. pok-xit artesanato (semente) Fabaceae (Faboideae) Abrus precatorius L. xap-pa'-ãta-nãg (nõm xit) artesanato (semente) Fabaceae (Faboideae) Erythrina sp. xok-xox-kup artesanato (semente) Fabaceae (Faboideae) Dalbergia nigra (Vell.) Allemão ex Benth. yaganãna ou yõyxux artesanato (madeira) Fabaceae (Mimosoideae) Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan kupe-xax-kup ou xoxnit-kup madeira Fabaceae (Mimosoideae) Plathymenia reticulata Benth. mãnãm-nõk-kup madeira Fabaceae (Mimosoideae) Piptadenia gonoacantha (Mart.) J.F. Macbr. mĩmyãm-kup (nõm mã'ãy-nãg-kup) galho para rede de pesca 101 Fabaceae (Mimosoideae) Enterolobium sp. po'op-kuxa-kup artesanato (semente) Fabaceae (Mimosoideae) Mimosa sp. xaxe-kup madeira Fabaceae (Mimosoideae) Leucaena leucocephala (Lam.) de Wit xaxpe-kup artesanato (semente) Fabaceae (Mimosoideae) Inga edulis Mart. xit-kũnĩ-xax-tox- nãg-kup fruto comestível Fabaceae (Mimosoideae) Inga cylindrica (Vell.) Mart. xit-kũnĩ-yõg-xãm- nãg-kup fruto comestível Fabaceae; Cucurbitaceae; e outras pok-xit Heliconiaceae Heliconia sp. 1 tep-kuta-nãg ou tep-nãg retirar espinhos de ouriço (pseudocaule) Heliconiaceae Heliconia sp. 2 xap-xit artesanato (semente) Lamiaceae Melissa officinalis L. mĩxux-hãm-nãg remédio (folha - gripe) Lecythidaceae Lecythis pisonis Cambess. kex-kup fruto comestível, pilão e guarda- brasa; madeira Lecythidaceae Lecythis lurida (Miers) S.A. Mori kex-max-kup amarrar ponta de flecha (entrecasca); arco, casa (madeira) Lecythidaceae Cariniana legalis (Mart.) Kuntze tok-nõm-kup pau de religião (caule) Lecythidaceae Couratari sp. tok-tap-kup veste ritual (entrecasca) Malvaceae Waltheria sp. mĩxux-hãy-nãg remédio (folha nova - dor de cabeça) Malvaceae Pseudobombax sp. takax-kup veste ritual; saia; xukxax; bolsa para espingarda (entrecasca) Malvaceae Cavanillesia umbellata Ruiz & Pav. tok-koxuk-kup cordas e enviras em geral - artesanato, amarrações (entrecasca) Moraceae Ficus sp. katamak antepassados nômades passavam as noites entre suas raízes Moraceae Artocarpus heterophyllus Lam. yak-kup fruto comestível Musaceae Musa paradisiaca L. tep-ta-kup pseudofruto comestível Myrtaceae Psidium guajava L. kõyãm-kup fruto comestível Myrtaceae Campomanesia sp. kõyãm-nãg-kup fruto comestível Myrtaceae Myrciaria sp. kukmax-ta-nãg- kup fruto comestível Myrtaceae Eucaliptus sp. mĩm-mõyõ-nãg- kup madeira Passifloraceae Passiflora sp. katkag-nãg fruto comestível Passifloraceae Passiflora edulis Sims katkata fruto comestível Passifloraceae tok-xit Phytolaccaceae Gallesia integrifolia (Spreng.) Harms kup-tot-kup remédio (caule e folha - banho e chá para gripe) Piperaceae Piper sp. kuk-xak-kutĩynãg- kup remédio (raiz e caule - dor de dente, resguardo) Poaceae kot'-xeka'-nãg fumar (folha - substituto à palha de milho) Poaceae (Bambusoideae) koxak-kup (pox tumõ nõm) ponta de flecha (venenosa) Poaceae (Bambusoideae) kunixnixnãg flauta ritual 102 Poaceae (Bambusoideae) kunĩymãg corpo da flecha Poaceae (Bambusoideae) kutehet-koxãm- kup (mãm xõn 'ax) vara de pesca Poaceae (Bambusoideae) Merostachys sp. kutet-hĩnãnũg-nãg peneira Poaceae (Bambusoideae) kutet-ka'ok-nãg caibro de telhado Poaceae (Bambusoideae) kutet-mãnõn-nãg flauta de religião Poaceae (Bambusoideae) kutet-pohox-xe'e'- nãg corpo da flecha Poaceae (Bambusoideae) Olyra latifolia L. kutet-pu'uk flauta de religião Poaceae (Bambusoideae) kutet-xãm-nãg caibro de telhado; morotó Poaceae (Bambusoideae) Guadua sp. kutet-xãm-xeka carregar água e mel; caibro; morotó Poaceae (Bambusoideae) kutet-xe'e-nãg armadilha de peixe (jequi) Poaceae (Bambusoideae) kutet-xeka (nõm xãm ok'nãg) carregar água e mel Poaceae (Ehrhartoideae) Oryza sativa L. xũĩ-nãg grão comestível Poaceae (Panicoideae) Saccharum sp. mĩn-kup colmo comestível Poaceae (Panicoideae) Zea mays L. paxok grão comestível Poaceae (Panicoideae) Coix lacryma-jobi L. xap-max artesanato (semente) Poaceae (Panicoideae) Megathyrsus maximus (Jacq.) B.K.Simon & S.W.L.Jacobs xũĩ parede e cobertura de telhado (folhas) Portulacaceae Talinum sp. mox-yĩxok remédio Rhamnaceae Ziziphus sp. xaho-xuk-ta-kup lenha Rubiaceae Coffea arabica kape-kup Rubiaceae Carapichea ipecacuanha (Brot.) L.Andersson kaxõy-mĩm remédio (planta inteira - fortalecer/engordar) Rubiaceae Genipa americana L. pop-ta-kup tinta, fruto comestível Rutaceae Esenbeckia sp. mĩm-nãtãg-nãg- kup madeira, lenha Rutaceae Citrus x sinensis Macfad nanãy-kup fruto comestível Sapindaceae? Paulinia sp.? Serjania sp.? yakax cipó para pesca Solanaceae Nicotiana tabacum L. kohok ritual; remédio (picada de cobra); veneno pra cobra Solanaceae Capsicum sp. petexnãg fruto comestível Solanaceae Solanum lycopersicum L. tõmãn fruto comestível Typhaceae Typha domingensis Pers. mã'ãy-nãg-pe esteira (folha) Urticaceae Urera sp. kutaha-kup remédio (folha - dor de cabeça, vacina, febre, machucado) Urticaceae Cecropia pachystachya Trécul toktukkup corda; linha para costura (entrecasca) 103 Urticaceae Cecropia glaziovii Snethl. tut-hi-kup (nõm pa ponok) envira de usos múltiplos; artesanato (entrecasca) Urticaceae Cecropia glaziovii Snethl. tut-hi-kup (nõm pa'ãta) fruto comestível (ancestrais); envira fraca (entrecasca) Urticaceae Pourouma guianensis Aubl. xagãy-kup fruto comestível kaxxup cipó da floresta, com tubérculos comidos por porcos konõg-nãg-xeka amarrar de ponta de flecha (entrecasca) koxota vassoura; armadilha de peixe kũmĩxõg-kup madeira com que ancestral fez fogo pela primeira vez kuput-hax-kup envira, amarração (entrecasca) mãnãm-mĩmã-xax antigamente usada para chapéus e cocares (entrecasca) Handroanthus sp.; Aspidosperma sp.; Pterodon sp.? mĩm-xuttux-kup (talvez um termo para madeiras de lei em geral) mĩxux-kep-kox- ponok remédio (raiz - diarréia) mõgmõka-xit faz vassoura (liana) pata'-mĩm esfregado no corpo da criança para aprender a andar depressa (folha) tok-xãm cantado pela religião tok-xe'e cantado pela religião tox-mũnĩy-nãg amarração de casa; armadilha de peixe - jequié (liana) xapatnok lenha e madeira xokã-kup árvore do mõgmoka 4.3.2.3. Classificação e relações materiais com a fauna Em busca de uma compreensão temporal das relações materiais maxakali com a fauna (cinegética, pesca e de criação), e como elas foram sendo alteradas pelas drásticas modificações ambientais e culturais trazidas pela sociedade envolvente, o relato histórico de Nimunedajú (1958) nos é fundamental: “[a] caça em terras dos Machacaris, como em todo esse sertão está hoje quase completamente destruída pela ganância dos negociantes de couros silvestres. Nos pantanais das margens do Umburanas encontram-se ainda capivaras, que os índios caçam com lanças. A pesca exercida com anzóis, puçás e timbó, mas não com a flecha, é de pouca importância. Os índios criam grande número de cachorros, mas poucos porcos e galinhas. De gado cavalar ou vacum não possuem nenhuma rês. Em dois pontos existem pequenos cafezais mal cuidados.” (NIMUENDAJÚ, 1958, pp. 60) 104 A atualidade desta descrição do manejo da fauna impressiona, à primeira vista. Apesar da ilegalidade da caça por não-índios, e o consequente declínio do comércio de couros silvestres, até hoje uma das poucas espécies cinegéticas que resiste na região é a capivara, caçada pelos tihiks com lanças (confeccionadas hoje a partir de vergalhões de construção) e não flechas, estas últimas empregadas apenas na caça de animais de menor porte. A pesca, atividade predominantemente feminina, até hoje não é realizada com flechas, e de fato apresenta baixa importância para a economia de subsistência, devido principalmente ao estado deplorável dos cursos d’água da região. No entanto, a pesca possui enorme valoração simbólica, estando a carne de peixe entre as mais apreciadas pelos tikmũ’ũn. Por este motivo, também ocorreram tentativas de introdução da piscicultura durante a última década. Alguns poços de criação ainda estão em atividade, mas grande parte deles sem peixes, e com sua administração sucateada. Quanto aos animais de criação, galinhas ainda são escassas nas aldeias, e cachorros abundam. O único ponto de divergência consiste em que a criação de porcos nunca foi observada durante a pesquisa nas aldeias, muito embora se tenha notícia de um projeto de instalação de chiqueiros apresentado como emenda parlamentar por um Deputado Federal. Uma vez que o citado projeto não prevê compra de ração, e as atuais roças tikmũ’ũn não conseguem sustentar o consumo interno das aldeias, é provável que os porcos sejam rapidamente abatidos, e os mourões dos chiqueiros virem casas e lenhas, à imagem do que vem ocorrendo com outras empreitadas similares. Seguindo o relato de Nimunedajú citado acima, parece que as tentativas de introdução do gado vacum entre os tikmũ’ũn datam de um período mais recente, uma vez que o autor não observa a criação destes animais na área no momento de sua visita. Hoje, existem cerca de 150 cabeças pastando na TI Maxakali, um rebanho bem pequeno se tomarmos em conta as enormes áreas de pastagem que hoje dominam o território. No entanto, este gado introduzido pelo projeto ‘Carteira Indígena’35 em 2005/2006, só não teve o mesmo destino do previsto acima para os porcos, graças à intervenção direta do administrador regional da FUNAI, que tomou para si a responsabilidade de cuidar do rebanho, comprando vacinas, remédios e suplementos alimentares, contratando o vaqueiro de uma fazenda vizinha para cuidar e ordenhar as vacas, etc. Caso contrário, é quase certo que os tikmũ’ũn teriam “caçado” o rebanho até sua última cabeça. Quanto aos cavalos, apenas duas ou três lideranças possuem montaria atualmente, embora relatos indiquem que isto fora mais comum em tempos passados. O que este quadro permite concluir é que as sucessivas experiências de introdução de hábitos 35 Iniciativa do Ministério do Meio Ambiente para financiar projetos que abordem as questões ambientais e econômicas junto a povos indígenas. O projeto desenvolvido junto aos tikmũ’ũn foi gerido pela organização não-governamental de nome Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva - CEDEFES. 105 pecuaristas/pastoralistas/sertanejos entre os maxakalis foram absorvidas pela comunidade no mínimo com pouca veemência. O sistema de classificação zoológica, também se enquadra em parte com as predições berlineanas (BERLIN et al., 1968, 1973) e ressalvas (HAYS, 1983; BERLIN, 1992). Assim como no sistema morfoecológico de nomenclatura botânica, acrescentam-se partículas adjetivas aos táxons, formando lexemas secundários e seus conjuntos de contraste. Xokxop foi considerado aqui como o iniciador único correspondente ao reino animal. Essa categoria é descrita como subdividida em xokxop-xeka, e xokxop-nãg, fauna grande e pequena, respectivamente. Não se sabe ao certo se estes poderiam ser considerados ‘formas de vida’. Peixes (mãhãm) (Tabela 4.13), assim como aves (putuxnãg) (Tabela 4.14), são claramente categorias distintas, ambas possuindo alto valor simbólico e de uso. Estas sim se comportam como ‘formas de vida’ dentro do modelo berlineano, cada uma encompassando vários gêneros, dentre os quais um tipo-específico. Tabela 4.13. Táxons tikmũ’ũn para a ictiofauna (mãhãm). lexemas tikmũ’ũn português latino ordem - família LPS kanaxat acará (genérico) Perciformes - Cichlidae LS kanaxatnãg LPS kotatak bagre Siluriformes LPS kux ka'ok bagre africano Clarias gariepinus Siluriformes - Clariidae LS mãmkoxax LS mãmkoxonon traíra Hoplias sp. Characiformes - Erythrinidae LS mãmnãg LS mãmnĩnãkokex LS mãmpata piaba Characiformes LS mãmtat sardinha Clupeiformes - Clupeidae LS mãmxaxkunut LS mãmyõgnãg LPI payoknãg LPI tut ka'ok Para elaboração da Tabela 4.14, os nomes científicos das aves foram padronizados de acordo com CBRO (2011). Pode-se perceber algumas subdiferenciações em relação ao sistema lineico, especialmente em se tratando de gaviões e urubus. Mõgmõka tap, por exemplo, foi citado, pelos mesmos informantes, como correspondendo a Urubitinga urubitinga, Geranoaetus albicaudatus, e Rosthramus sociabilis. De modo similar, kuptap xeka foi citado como o macho de Cathartes aura ou a fêmea de Cathartes burrovianus. Não foi realizada a aplicação do modelo berlineano de análise aos lexemas usados para designar a avifauna. 106 Tabela 4.14. Táxons tikmũ’ũn para a ornitofauna (putuxnãg). tikmũ’ũn português latino ordem - família 'ẽka'nãg Accipitriformes - Accipitridae kukuk xeka gavião-caramujeiro Rosthramus sociabilis Accipitriformes - Accipitridae kũnũgnũkanãg Accipitriformes - Accipitridae kũnũgnũkaxeka Accipitriformes - Accipitridae kũõymax Accipitriformes - Accipitridae kupxĩn gavião-peneira Elanus leucurus Accipitriformes - Accipitridae kuxĩ'ĩy Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka gavião (genérico) Accipitriformes ou Falconiformes mõgmõka kukukxekaxop gavião-caboclo Heterospizias meridionalis Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka nok gavião-pombo-grande Pseudastur polionotus Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka nonõg Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka tap gavião-preto Urubitinga urubitinga Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka tap gavião-do-rabo-branco Geranoaetus albicaudatus Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka tap gavião-caramujeiro Rosthramus sociabilis Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka tox gavião-pernilongo Geranospiza caerulescens Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka tũĩy Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka xãm Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka yĩxux gavião-preto Urubitinga urubitinga Accipitriformes - Accipitridae mõgmõka yõgnãg gavião-carijó Rupornis magnirostris Accipitriformes - Accipitridae putuxonix gavião-tesoura Elanoides forficatus Accipitriformes - Accipitridae putuxonix gavião-peneira Elanus leucurus Accipitriformes - Accipitridae xĩhĩynãg sovi Ictinia plumbea Accipitriformes - Accipitridae xĩhĩynãg gavião-do-banhado Circus buffoni Accipitriformes - Accipitridae xĩhĩynãg Accipitriformes - Accipitridae xoktãhãnãg Accipitriformes - Accipitridae xox tãhãhãg gavião-caboclo Heterospizias meridionalis Accipitriformes - Accipitridae puxap pato, marreco, ganso (genérico) Anseriformes - Anatidae puxapnãg pato-do-mato Cairina moschata Anseriformes - Anatidae 107 puxapxox'ãta asa-branca Dendrocygna autumnalis Anseriformes - Anatidae puxapxoxkũĩn irerê Dendrocygna viduata Anseriformes - Anatidae puxapxoxyĩxux marreca-caneleira Dendrocygna bicolor Anseriformes - Anatidae ãpihi' anhuma Anhima cornuta Anseriformes - Anhimidae xuĩgnãg beija-flor (genérico) Apodiformes - Trochilidae koyemok Caprimulgiformes - Caprimulgidae xunupaxop Caprimulgiformes - Caprimulgidae ãmamap mãe-da-lua (genérico) Nyctibius sp. Caprimulgiformes - Nyctibiidae ãmapnãg mãe-da-lua Nyctibius griseus Caprimulgiformes - Nyctibiidae kuptap urubu (genérico) Cathartiformes - Cathartidae kuptap nãg urubu-de-cabeça-preta Coragyps atratus Cathartiformes - Cathartidae kuptap xeka urubu-de-cabeça- vermelha (macho) Cathartes aura Cathartiformes - Cathartidae kuptap xeka urubu-de-cabeça- amarela (fêmea) Cathartes burrovianus Cathartiformes - Cathartidae xakuxux urubu-rei Sarcoramphus papa Cathartiformes - Cathartidae tẽytẽy quero-quero Vanellus chilensis Charadriiformes - Charadriidae putuxtunãg jaçanã Jacana jacana Charadriiformes - Jacanidae kekex (nõm kutĩynãg) narceja Gallinago paraguaiae Charadriiformes - Scolopacidae kekex xeka narcejão Gallinago undulata Charadriiformes - Scolopacidae hãmkopox pombão Patagioenas picazuro Columbiformes - Columbidae kuxux'ãta'nãg ou kuxuxnãg rolinha-roxa Columbina talpacoti Columbiformes - Columbidae kuxuxnãgxapxiix fogo-apagou Columbina squammata Columbiformes - Columbidae kuxuxnãgyĩxũx rolinha-de-asa-canela Columbina minuta Columbiformes - Columbidae kuxuxponoknãg rolinha-picui Columbina picui Columbiformes - Columbidae kuxuxtutponok juriti-pupu Leptotila verreauxi Columbiformes - Columbidae kuxuxtutponok juriti-gemedeira Leptotila rufaxilla Columbiformes - Columbidae kuxuxxeka juriti-vermelha Geotrygon violacea Columbiformes - Columbidae mĩmtunuk juruva-verde Baryphthengus ruficapillus Coraciiformes - Momotidae katkanak caracará Caracara plancus Falconiformes - Falconidae kunũgnũkanãg quiriquiri Falco sparverius Falconiformes - Falconidae kunũgnũkaxeka falcão-de-coleira Falco femoralis Falconiformes - Falconidae 108 kunũgnũkaxeka cauré Falco rufigularis Falconiformes - Falconidae mãnhõg acauã Herpetotheres cachinnans Falconiformes - Falconidae mõgmõkaxoxhe falcão-caburé Micrastur ruficollis Falconiformes - Falconidae pĩẽy carrapateiro Milvago chimachima Falconiformes - Falconidae xukũn barbudo-rajado Malacoptila striata Galbuliformes - Bucconidae mĩmpũn cuitelão Jacamaralcyon tridactyla Galbuliformes - Galbulidae mĩmpũnnãg ariramba-de-cauda-ruiva Galbula ruficauda Galbuliformes - Galbulidae mãyakõg aracuã Ortalis guttata Galliformes - Cracidae xexex jacu (genérico) Galliformes - Cracidae xokakak galinha Gallus gallus domesticus Galliformes - Phasianidae xamõmpatut (h) ou pino peru Meleagris sp. Galliformes - Phasianidae kõnãgtot saracura (genérico) Gruiformes - Rallidae kõnãgtotnãg saracura-três-potes Aramides cajanea Gruiformes - Rallidae kõnãgtotxeka Gruiformes - Rallidae mãntatãg Gruiformes - Rallidae putuxtut frango-d'água-azul Porphyrio martinica Gruiformes - Rallidae putuxtutxeka ou putuxtuttap frango d'água-comum Gallinula galeata Gruiformes - Rallidae ĩxõg kux'ãtanãg tico-tico-rei-cinza Lanio pileatus Passeriformes - Emberizidae ixõg tõy nãg coleirinho Sporophila caerulescens Passeriformes - Emberizidae ixõg tut canário-do-campo Emberizoides herbicola Passeriformes - Emberizidae kãnãnĩy canário-da-terra- verdadeiro Sicalis flaveola Passeriformes - Emberizidae kunixpĩy tico-tico-do-campo Ammodramus humeralis Passeriformes - Emberizidae nãnxaha corrupião Icterus jamacaii Passeriformes - Icteridae putunitexõx Passeriformes - Icteridae kepmĩy tangarazinho Ilicura militaris Passeriformes - Pipridae kepmĩytap tangará-falso Chiroxiphia pareola Passeriformes - Pipridae kotũg sanhaçu-cinzento Tangara sayaca Passeriformes - Thraupidae kumixmika nãg flautim-marrom Schiffornis turdina Passeriformes - Tityridae ãmõgtap sabiá-barranco Turdus leucomelas Passeriformes - Turdidae xoktãmãta sabiá-laranjeira Turdus rufiventris Passeriformes - Turdidae mãkkak socó (genérico) Pelecaniformes - Ardeidae mãkkakponoknãg Pelecaniformes - Ardeidae mãkkak'ãta'nãg socozinho Butorides striata Pelecaniformes - 109 Ardeidae mãkkaknãg socoí-vermelho Ixobrichus exilis Pelecaniformes - Ardeidae mãkkakxeka socó-boi-baio Botaurus pinnatus Pelecaniformes - Ardeidae putuxoxpe ararapá Cochlearius cochlearius Pelecaniformes - Ardeidae putuxtop garça (genérico) Pelecaniformes - Ardeidae putuxtop (nõm kutĩynãg) garça-vaqueira Bubulcus ibis Pelecaniformes - Ardeidae putuxtopxeka garça-branca-grande Ardea alba Pelecaniformes - Ardeidae mãnmãn pica-pau (genérico) Piciformes - Picidae mãnmãnnãg pica-pau-verde-barrado Colaptes melanochloros Piciformes - Picidae mãnmãnmĩmãtikotax pica-pau-do-campo Colaptes campestris Piciformes - Picidae mãnmãnputoxponok pica-pau-de-cabeça- amarela Celeus flavescens Piciformes - Picidae mãnmãnputox'ãta pica-pau-de-banda- branca Dryocopus lineatus Piciformes - Picidae mãnmãntut pica-pau-branco Melanerpes candidus Piciformes - Picidae yãmninĩkanãg pica-pau-chorão Veniliornis mixtus Piciformes - Picidae yãmninĩkanãg pica-pau-anão-barrado Picumnus cirratus Piciformes - Picidae kũnãhãn araçari-de-bico-branco Pteroglossus aracari Piciformes - Ramphastidae kũnãhãn tucano-de-bico-preto Ramphastos vitellinus Piciformes - Ramphastidae kũnãhãn tucano-de-bico-verde Ramphastos dicolorus Piciformes - Ramphastidae 'ããh Psittaciformes - Psittacidae 'ããhnãg Psittaciformes - Psittacidae 'ãmkak arara-vermelha-grande Ara chloropterus Psittaciformes - Psittacidae 'ãmkaknãg maracanã-verdadeira Primolius maracana Psittaciformes - Psittacidae 'ẽ'ẽ Psittaciformes - Psittacidae 'ẽ'ẽnãg Psittaciformes - Psittacidae kexnãg Psittaciformes - Psittacidae koep cuiú-cuiú Pionopsitta pileata Psittaciformes - Psittacidae kõnũg periquito-de-encontro- amarelo Brotogeris chiriri Psittaciformes - Psittacidae koyuxnãg Psittaciformes - Psittacidae kuxkũy hĩynãg tuim Forpus xanthopterygius Psittaciformes - Psittacidae kũyĩy periquito (genérico) Psittaciformes - Psittacidae nẽynẽnẽka Psittaciformes - Psittacidae nẽynẽnẽkanãg Psittaciformes - 110 Psittacidae pununoxnãg periquito-rei Aratinga aurea Psittaciformes - Psittacidae xẽnẽnxẽn Psittaciformes - Psittacidae xixxikãy Psittaciformes - Psittacidae xomuk Psittaciformes - Psittacidae mõĩy coruja (genérico) Strigiformes - Strigidae mõĩyxeka caburé-acanelado Aegolius harrisii Strigiformes - Strigidae mõĩyxox'ãta Strigiformes - Strigidae putpõmnãg caburé-miudinho Glaucidium minutissimum Strigiformes - Strigidae putpõmxeka caburé Glaucidium brasilianum Strigiformes - Strigidae putuxkup coruja (genérico) Strigiformes - Strigidae putuxkup (hãmkox yõg nõõm) coruja-do-mato Strix virgata Strigiformes - Strigidae putuxkup (hãmkox yõg nõõm) coruja-buraqueira Athene cunicularia Strigiformes - Strigidae putuxkuptut (nom 'ãta) corujinha-do-mato Megascops choliba Strigiformes - Strigidae putuxkuptutxeka jacurutu Bubo virginianus Strigiformes - Strigidae putuxkuptutxeka murucututu-de-barriga- amarela Pusatrix koeniswaldiana Strigiformes - Strigidae putuxkuptutxeka coruja-orelhuda Asio clamator Strigiformes - Strigidae putuxkuptut (nõm ponok) ou ku'ut coruja-da-igreja Tyto alba Strigiformes - Tytonidae paxottut perdiz Rhynchotus rufescens Tinamiformes - Tinamidae paxottutnãg codorna-do-nordeste Nothura boraquira Tinamiformes - Tinamidae xoxpunupa' (h) ou nãmo inhambu (genérico) Tinamiformes - Tinamidae xoxpunupa'nãg inhambu-chintã Crypturellus tataupa Tinamiformes - Tinamidae xoxpunupa'tũx inhambu-chororó Crypturellus parvirostris Tinamiformes - Tinamidae toktokanãg surucuá-grande-de- barriga-amarela Trogon viridis Trogoniformes - Trogonidae Para os grupos faunísticos restantes (mamíferos, répteis, anfíbios e invertebrados) não há nada que permita identificá-los como categoria distinta, e não parecem ser mais um caso de “categoria oculta”. Por exemplo, para descrever um hemíptero belostomatídeo (popularmente conhecido como barata d’água), foi registrado um lexema secundário (kukmax-xa-nãg), que o agrupa entre os quelônios, claramente demonstrando a ausência de uma distinção entre animais ‘vertebrados’ e ‘invertebrados’. Os mamíferos parecem não constituir uma categoria para os maxakalis, mas mesmo assim, devido à sua complexidade lexical, e peculiaridades de manejo, foram aqui analisados à parte dos outros grupos (Tabela 4.15). Alguns táxons que designam mamíferos são iniciados 111 pela partícula xok, que os remete ao grupo maior xokxop. É pouco provável que este seja um gênero tipo-específico, uma vez que engloba espécies muito díspares, como esquilos, tamanduás e onças, e é pouco provável que os maxakalis tenham estas como espécies aparentadas. Para algumas das ordens e famílias de mamíferos, as informações sobre os lexemas secundários, isto é, os conjuntos de contraste que diferenciam as espécies dentro do gênero, foram mais profundamente estudadas do que em outras. Assim, a classificação dos morcegos e macacos, grupos importantes na religião tikmũ’ũn, é complexa e suas correlações com o sistema lineico não ficaram bem estabelecidas, até por causa das dificuldades inerentes à observação, coleta e identificação destes organismos em campo. Como são grupos de yãmĩyxop, estes táxons provavelmente exibem hierarquias internas, de maneira similar ao que pôde ser observado para os gaviões. Os tatus, para os quais foram registrados dois lexemas genéricos (koxut e koip) foram elucidados mais a fundo, mas nem por isto deixam de merecer revisões futuras. Em duas espécies de mustelídeos, a lontra (xupapõx, Lontra longicaudis) e o furão (xok- pekẽy, Galictis vitata), pode-se notar uma superdiferenciação em relação às categorias científicas. Este fenômeno parece estar fundamentado nos diferentes hábitos de vida entre os sexos de ambas as espécies. Dois lexemas secundários, em um conjunto de contraste entre grande (xeka) e pequeno (nãg), distinguem os machos das fêmeas e filhotes das espécies, respectivamente. De fato, os tikmũ’ũn acreditam que se trata de espécies diferentes, de modo que xupapõx-xeka e xok-pekẽy-xeka são descritos como maiores e de hábitos solitários, enquanto xupapõx-nãg e xok-pekẽy-nãg são espécies gregárias e de menor porte. Panthera onca (Linnaeus, 1758) também apresenta super-diferenciação taxonômica, uma vez que é chamada de hãmgãy, quando com a coloração pintada, e xoktap quando com melanismo. Os maxakalis consideram ambas como espécies diferentes. Tabela 4.15. Táxons tikmũ’ũn para a mastofauna. Lexemas tikmũ’ũn glosa nome latino ordem – família LPS 'ãmãxux Tapirus terrestris (Linnaeus, 1758) Perissodactyla – Tapiridae LPS 'ãmpe (genérico) Didelphimorphia - Didelphidae LS 'ãmpe-nãg cuíca-pequena Metachirus nudicaudatus (Desmarest, 1817) Didelphimorphia - Didelphidae LS 'ãmpe-xeka cuíca-grande Philander opossum (Linnaeus, 1758) Didelphimorphia - Didelphidae LPS 'õnnĩy (soim - genérico) Primates - Callitrichidae LS 'õnnĩy (nõm ponok) soim (aquele branco) Callithrix sp. Primates - Callitrichidae LS 'õnnĩy-nãg soim-pequeno Callithrix sp. Primates - Callitrichidae LPI hãm-gãy coisa-brava Panthera onca Carnivora - Felidae 112 (Linnaeus, 1758) LPI kamãnok corruptela de 'cavalo' Equus ferus caballus (Linnaeus, 1758) Perissodactyla - Equidae LPI kaptĩgnãg kaptĩ-pequeno Primates LPS katemãta Monodelphis sp. Didelphimorphia - Didelphidae LPS koip (tatu - genérico) Edentata - Dasypodidae LS koip-xeka tatu-grande Cabassous tatouay (Desmarest, 1804) Edentata - Dasypodidae LS koip-xeka-nãg tatu-grande- pequeno Cabassous unicinctus (Linnaeus, 1758) Edentata - Dasypodidae LS koip-xeka-tut tatu-grande-mãe Priodontes maximus (Kerr, 1792) Edentata - Dasypodidae LPS kokex (cachorro - genérico) Carnivora - Canidae e Felidae LS kokex Canis lupus familiaris (Linnaeus, 1758) Carnivora - Canidae LS kokex-kata cachorro-kata Puma concolor (Linnaeus, 1771) Carnivora - Felidae LS kokex-max cachorro-falso Cerdocyon thous (Linnaeus, 1766) Carnivora - Canidae LPS koktix Callithrix sp. Primates - Callitrichidae LPS koxut (genérico) Edentata - Dasypodidae LS koxut-xax'ãta tatu-casca vermelha Euphractus sexcinctus (Linnaeus, 1758) Edentata - Dasypodidae LS koxut-xe'e'-nãg tatu-verdadeiro- pequeno Dasypus novemcinctus (Linnaeus, 1758) Edentata - Dasypodidae LPS kũnĩõg Sylvilagus brasiliensis (Linnaeus, 1758) Lagomorpha - Leporidae LPS kũnũhũm Nasua nasua (Linnaeus, 1766) Carnivora - Procyonidae LS kũnũmtut contração de 'kũnũhũm'-mãe Procyon cancrivorus (Cuvier, 1798) Carnivora - Procyonidae LPS kũpũmõg Eira barbara (Linnaeus, 1758) Carnivora - Mustelidae LPS kuxakkuk Hydrochoerus hydrochaeris (Linnaeus, 1766) Rodentia - Caviidae LPI mẽõg corruptela de 'miau' (gato - genérico) Carnivora - Felidae LS mẽõg corruptela de 'miau' Felis silvestris catus (Linnaeus, 1758) Carnivora - Felidae LS mẽõg-nãg corruptela de 'miau'-pequeno Leopardus tigrinus (Schreber, 1775) Carnivora - Felidae LPS mũnũy (genérico) Artiodactyla - Cervidae LS mũnũy (nõm ãta'nãg) veado (aquele vermelho pequeno) Mazama gouazoubira (Fischer, 1814) Artiodactyla - Cervidae LS mũnũy (nõm ponok xeka) veado (aquele branco grande) Mazama americana (Erxleben, 1777) Artiodactyla - Cervidae LS mũnũy-putox- kup-nix veado-chifre-dois Ozotoceros bezoarticus (Fischer, 1814) Artiodactyla - Cervidae LS mũnũy-nãg-tut veado-pequeno- mãe Capra aegagrus hircus (Linnaeus, 1758) Artiodactyla - Bovidae LS mũnũy-tut veado-mãe Bos taurus (Linnaeus, 1758) Artiodactyla - Bovidae 113 LPS onyãm (genérico) Rodentia - Erethizontidae LS onyãm-'ãta'-nãg ouriço-vermelho- pequeno Sphiggurus insidiosus (Olfers, 1818) Rodentia - Erethizontidae LS onyãm-xeka ou onyãm-mũnĩy ouriço-grande ou ouriço-preto Coendou prehensilis (Linnaeus, 1758) Rodentia - Erethizontidae LPS patxa'ax Cavia aperea (Erxleben, 1777) Rodentia - Caviidae LPS po'op (genérico) Primates LS pop-xeka Alouatta guariba (Humboldt, 1812) Primates - Atelidae LS popxeka-nãg bugio- pequeno Alouatta? Primates - Atelidae? LPS tãkyĩpuxax Leopardus pardalis (Linnaeus, 1758) Carnivora - Felidae LPS xaho Didelphis sp. Didelphimorphia - Didelphidae LPS xapa Cuniculus paca (Linnaeus, 1766) Rodentia - Cuniculidae LPS xapup (genérico) Artiodactyla - Suidae e Tayassuidae LS xapup Sus scrofa domesticus (Linnaeus, 1758) Artiodactyla - Suidae LS xapup-nãg porco-pequeno Tayassu tajacu (Linnaeus, 1758) Artiodactyla - Tayassuidae LS xapup-xe'e porco-verdadeiro Tayassu pecari (Linnaeus, 1758) Artiodactyla - Tayassuidae LPS xetxox (rato - genérico) Rodentia LS xetxox-hax rato-hax Rattus sp. Rodentia - Muridae LS xetxox-ponok- nãg rato-branco- pequeno Rodentia LS xetxox-xeka rato-grande Rodentia LPP xok-kix animal-kix Pilosa - Myrmecophagidae LS xok-kix-nãg tamanduá-pequeno Tamandua tetradactyla (Linnaeus, 1758) Pilosa - Myrmecophagidae LS xok-kix-xeka tamanduá-grande Myrmecophaga tridactyla (Linnaeus, 1758) Pilosa - Myrmecophagidae LPP xok-pekẽy animal-pekẽy Galictis vitata (Schreber, 1776) Carnivora - Mustelidae LS xok-pekẽy-nãg animal-pekẽy- pequeno Galictis vitata (Schreber, 1776) Carnivora - Mustelidae LS xok-pekẽy-xeka animal-pekẽy- grande Galictis vitata (Schreber, 1776) Carnivora - Mustelidae LPP xok-tap animal-tap Panthera onca (Linnaeus, 1758) Carnivora - Felidae LPP xok-tux animal-tux Rodentia - Sciuridae LPS xũnĩm Chiroptera LS xũnĩm-'ãta Chiroptera LS xũnĩm-'ãta'-nãg Chiroptera LS xũnĩm-mũnĩy Chiroptera LS xũnĩm-mũnĩy- nãg Chiroptera LS xũnĩm-ponok- nãg Chiroptera LPS xupapõx Lontra longicaudis (Olfers, 1818) Carnivora - Mustelidae 114 LS xupapõx-nãg ou xupapõx-ponok lontra-pequena ou lontra-branca Lontra longicaudis (Olfers, 1818) Carnivora - Mustelidae LS xupapõx-xeka lontra-grande Lontra longicaudis (Olfers, 1818) Carnivora - Mustelidae LPS xupatex Dasyprocta aguti (Linnaeus, 1766) Rodentia - Dasyproctidae LPS xũ'ũy Pilosa - Bradypodidae A herpetofauna também possui grande diversidade lexical (Tabela 4.17) e importância religiosa. Várias nomes de cobras são enumerados em um canto do ciclo ritual do gavião (TUGNY, 2009a, pp. 204-205). A presente pesquisa não deu atenção especial ao grupo e, portanto, não registrou nenhum nome (Tabela 4.16) além daqueles já mencionados em Tugny (2009a), embora as correlações com o sistema lineico estabelecidas por esta autora devessem ser revisadas. Contudo, cabe registrar aqui uma prática, observada durante uma das caminhadas pelos fragmentos florestais, que exemplifica bem a relação simbólica dos maxakalis com as cobras, particularmente as peçonhentas. Um caçador, cuja mulher se encontra grávida, deve sempre temer o simples avistamento de uma jararaca (kãyã-nox) na floresta, sob o risco de sua esposa ter um aborto. Portanto, os caçadores sistematicamente tentam evitar o encontro ocasional com esta espécie, uma vez que quase sempre entre o grupo de homens há um cuja mulher está grávida. A técnica xamânica empregada para evitar os encontros com jararacas, descrita como altamente eficiente, consiste em segurar o ofídeo pela cabeça com um galho forquilhado na ponta, colocar fumo curtido e cortado na ponta de outro galho, e forçar a serpente a dar o bote neste bocado de fumo, que vai grudar em sua boca, deixando-a negra. Rapidamente a cobra parece ficar dopada, e pode ser solta, sem apresentar ameaça. Quando o animal enfim “desmaia” (os informantes disseram que ele morre - ũxok), intoxicado pelo fumo, ele é cremado, ainda aparentemente vivo. Diz-se que deve ser cremada no ato, pois caso seja abandonada, a cobra “ressuscita” ou acorda, e irá identificar e perseguir ferozmente seu malfeitor, caso ele passe pelas redondezas novamente. O caçador, cuja mulher não pode estar esperando um filho, ao realizar este procedimento, ficará imunizado, durante certo tempo, de avistar jararacas na floresta. Quanto aos aspectos classificatórios, todos os nomes dados às espécies são LS, derivados do LPS kãyã, que serve para designar o grupo e, portanto, age como um gênero. O nome dado à cobra-coral (Micrurus sp.) é particularmente interessante ao associá- la a um espírito, pelo nome kotkuphi-kãyã (ou cobra do espírito da mandioca), pois o padrão de cores listradas exibido por este espírito durante o ritual é similar ao desta espécie. Uma vez que este é o único nome citado para a espécie, a hipótese de um sistema simbólico sobreposto ao sistema morfoecológico, fica comprometida, pelo menos entre animais, uma vez que fica demonstrado a utilização de aspectos religiosos para a classificação designada “morfoecológica”. Logo, não haveria sobreposição entre correlações morfoecológicas e espirituais-simbólicas, apenas complementaridade. 115 Tabela 4.16. Táxons tikmũ’ũn para a ofídiofauna. Lexemas tikmũ’ũn português latino Família LPS kãyã cobra (genérico) Squamata LS kãyã-nõ'õm jibóia Boa constrictor Boidae LS kãyã-tut sucuri Eunectes murinus Boidae LS kãyã-xap cascavel Crotalus durissus Viperidae LS kãyã-nox jararacuçu Bothrops jararacussu Viperidae LS kotkuphi-kãyã coral Micrurus sp. Elapidae A anurofauna também é representada em cantos, e a abundância de áreas alagadiças torna este grupo uma presença constante no cotidiano das aldeias. Foi observada nos brejos a caça de hupnãg (Leptodactylus latrans – Leptodactylidae), cuja carne é bastante apreciada, descrita como similar à de peixe. Quelônios (kukmax) também são apreciados pela carne, embora estejam praticamente extintos na área. Jacarés (mã’ãy) são espíritos importantes associados ao ciclo ritual do morcego. Tabela 4.17. Táxons tikmũ’ũn para anuros, crocodilos e quelônios. lexemas tikmũ’ũn nome português nome latino ordem - família LPI penex ou puxnãg perereca (genérico) Anura LPS ĩno'at perereca Anura - Hylidae LPS mattuk rã Anura LPI hupnãg rã-pimenta Leptodactylus latrans Anura - Leptodactylidae LPS mã'ãy jacaré (genérico) Crocodilia - Alligatoridae LPS kukmax tartaruga (genérico) Testudinata LS kukmax-'ãta'-nãg cágado Testudinata LS kukmax-tapnãg Testudinata LS kukmax-xeka jabuti-piranga Chelonoidis carbonaria Testudinata - Testudinidae Devido à grande abundância e saliência dos invertebrados em ambientes neotropicais, é de se esperar uma grande diversidade de nomes descrevendo este grupo de seres. Uma vez que não há uma partícula em comum que denote sua forma de vida, nenhum lexema primário pode ser considerado produtivo. O lexema kut se mostra transversal aos nossos conceitos de ‘larva’ ou ‘verme’, e é comumente aposto ao nome de larvas xilófagas de coleópteros, as quais serão nomeadas de acordo com a árvore que elas são encontradas. O já mencionado morotó, também indica sua associação com as taquaras – kutet-kut (= taquara-“larva”). Também um animal vermiforme encontrado no leito de um curso d’água, possivelmente uma larva de uma classe com fase larval bentônica, foi designado kõnãg-kut-mũn (água-“larva”- mũn). Portanto, parece 116 provável que o lexema kut represente fase de vida, e os indivíduos adultos possuam outros nomes, mesmo que se saiba que são da mesma espécie. Tabela 4.18. Táxons tikmũ’ũn para a fauna de invertebrados, dividida por Classes. lexemas tikmũ’ũn nome português ordem - família Classe Insecta LPI ãmxũg-nãg bicho de pé Siphonaptera (fase de vida?) LPI hãm-kunut-xit- ‘ax mariposa, bruxa Lepidoptera LPS kaxõy louva-deus; bicho-pau Mantodea e Euphasmida LPS kotkota cigarra (genérico) Homoptera LS kukmaxa-nãg barata d'água Hemiptera - Belostomatidae LPS kummãyõn pernilongo Diptera LPS kunihit grilo (genérico) Orthoptera LS kuni(hi)t-xeka gafanhoto Orthoptera LPS kũnõhõm barata Blattaria LS kũnõn-hup lagarta de roça Lepidoptera (fase de vida?) LPI kuptut-nãg pernilongo Diptera LPS kut larvas de inseto ou animais vermiformes vários, não se sabe se aplica apenas a insetos (fase de vida?) LS kõnãg-kut-mũn minhoquinha d'água larva de inseto? (fase de vida?) LS kutatak-kut larva de besouro Coleoptera (fase de vida?) LS kutet-kut morotó Lepidoptera (fase de vida?) LPS kututtap borboleta Lepidoptera LPS mũnĩhĩm formiga (genérico) Hymenoptera e Isoptera LS mũnĩm-kutox formiga grande Hymenoptera LS mũnĩm-yõg- pu'uk cupim Isoptera LPS pakpaka mariposa Lepidoptera LPS poptop lagarta que queima Lepidoptera LPI putahak mutuca Diptera LPS puhuk abelha (genérico) Hymenoptera - Apidae (Apina e Meliponina) LPS tuhup marimbondo (genérico) Hymenoptera LS tu(hu)p-yãnãm marimbondo Hymenoptera LS tu(hu)p- yĩmtemã marimbondo Hymenoptera LPS xãnãmok mamangava Hymenoptera - Apidae (Xylocopini, Euglossina e Bombina) LS xãnãmok-xeka Hymenoptera - Apidae (Xylocopini, Euglossina e Bombina) LPS xiyã lagarta Lepidoptera LPS xokanĩm libélula Odonata LS xupxak-kut larva de besouro Coleoptera (fase de vida?) Classe Arachnida LPS kutna carrapato (genérico) Parasitiformes LS kutnag-nãg micuim Parasitiformes 117 Aparentemente, o léxico mais complexo relacionado aos invertebrados é o que descreve Hymenoptera. Quatro táxons não-terminais apresentam correlação direta com as divisões populares dentro desta ordem, mas também se estendendo a Isoptera, isto é, abrangem os dois únicos grandes grupos de insetos eussociais. São eles: tuhup (contração – tup), que correspondem às vespas e marimbondos; mũnĩhĩm (contração – mũnĩm), as formigas e cupins; xãnãmok, as mamangavas (Apidade - tribo Xylocopini, e subtribos Euglossina e Bombina da tribo Apini); e puhuk (contração – puk), as abelhas eussociais (Apidade - subtribos Apina e Meliponina da tribo Apini). Esses quatro táxons se unem a epítetos específicos para formar lexemas secundários, dos quais poucos foram aqui registradas para formigas (e cupins), vespas e abelhas não-eussociais. O foco da descrição aqui se deu em ‘puhuk’, que aparenta ser o grupo com o léxico mais diverso. O táxon não parece se comportar como genérico, e novamente temos que recorrer à categoria intermediária, uma vez que o grupo é descrito como incluindo outros gêneros e não apenas o tipo-específico (que contraído se torna puk). Inclusive, pode-se observar táxons ordenados dois níveis abaixo de puhuk, embasando ainda mais essa noção. Por sua vez, o gênero ‘puhuk’ apresenta grandes conjuntos de contraste, criando nomes descritivos particularmente complexos. Apis mellifera é considerada puhuk (abelha), mas não puk-xe’e (abelha verdadeira). Isto demonstra que esta espécie é tida como algo anômala ao grupo, ao possuir ferrão, coisa que as “abelhas verdadeiras” (sinônimo de meliponíneos) não possuem. Em seu mito cosmogônico, Apis (assim como as vespas e outros insetos agressivos) originalmente não tinham ferrão. Os conflitos entre o sol e a lua, descritos como dois irmãos-espírito, associados aos morcegos, levou à criação dos espinhos e acúleos de algumas árvores e do ferrão das abelhas e vespas. Na LPS popyĩp kutuk aranha caranguejeira Araneae - Theraphosidae LPS xaktaka aranha (genérico) Araneae LS xaktaka-nok aranha venenosa Araneae LS xaptit -'ãta carrapato médio Parasitiformes LS xaptit-xaxpe carrapato de cavalo Parasitiformes Classe Clitellata LPS puxo'õy minhoca Haplotaxida Classe Gastropoda LPI xãm-kox caracol (genérico) Stylommatophora LS xãmkox-xeka Megalobulimus sp. Stylommatophora - Megalobulimidae Classe Malacostraca LPS kuxhip caranguejo Decapoda LS mã(hã)m-kix camarão de água doce Decapoda 118 classificação maxakali ocorre uma super-diferenciação de Apis, considerada duas espécies, uma com hábitos sociais (onop), e outra (onop yãy hipax) que não mora em ninhos, não faz mel, e anda em pares (Tabela 4.19). Tugny (2009a), ao estudar e traduzir vários cantos do ciclo ritual do gavião-espírito, registra um, intitulado kũpũmõg (papa-mel; Eira Barbara – Mustelidae), que atesta diretamente o profundo conhecimento acerca das abelhas eussociais e sua importância para a cultura maxakali, ao compilar 33 táxons para este grupo de organismo. O espírito do papa-mel, cantando em primeira pessoa, cita o nome das abelhas das quais deseja comer o mel, constituindo um verdadeiro compêndio de espécies conhecidas pelo sistema de saberes ecológicos. Nas listagens livres realizadas no presente trabalho, foram compilados apenas 31 táxons (Tabela 4.19), sendo dois correspondentes à Apis mellifera (a mencionada super- diferenciação), e 29 correspondentes às abelhas nativas sem-ferrão (sub-tribo Meliponina). Nem todos os táxons encontrados na presente pesquisa foram também apresentados em Tugny (2009a). Não foi encontrada correspondência de um para um entre as categorias maxakalis e as espécies zoológicas. Logo, as correlações com o sistema lineico aqui contidas são meras aproximações, e mais coletas de dados se fazem necessárias para preencher as lacunas de conhecimento. Convém registrar que, para se determinar qual o nome de determinado meliponíneo, os informantes não recorrem apenas à morfologia, embora ela também seja de importância, assim como bem descrevem Posey (1997c) e Santos & Antonini (2008). O formato, a localização e o tipo de material de construção e abertura do ninho, as características do vôo, o cheiro dos indivíduos coletados, o local onde a espécie é avistada, entre outras características ecológicas influenciam diretamente na correta identificação da espécie. Por esta mesma razão, levar um espécime coletado para a análise de um expert maxakali raramente resultava em um nome confiável, já que ele não viu o seu ninho, não observou seu padrão de vôo, quais flores ele estava visitando, etc. 119 Tabela 4.19. Lexemas empregados na classificação maxakali de abelhas eussociais (Apina e Meliponina). lexema tikmũ’ũn glosa português latino LPI ãmamap nome da ave “mãe-da-lua” boca de sino Partamona helleri LPS ãmãn Trigona spinipes; Trigona hyalinata; Trigona guianae; Trigona fuscipennis LPP hãm-kutox terra-fedorenta mombuca Geotrigona sp., Melipona quinquefasciata, Cephalotrigona capitata? LS hãm-kutox- nãg terra-fedorenta- pequena Schwarziana quadripunctata LS ĩyyut-xeka ĩyyut-grande ira-tim, iritim ou iraxim Lestrimelitta limao LPI koxkak-nãg koxkak-pequena LPS kunãytex mandaçaia Melipona quadrifasciata anthidioides LPP? kutapax mandaguira Scaptotrigona xanthotricha LS kutapax- nãg kutapax-pequena borá Tetragona clavipes LPS õĩy LPI onop corruptela de europa (africanizada) Apis mellifera LS onop-yãy- hipax europa-yãy-hipax (africanizada) Apis mellifera LPI pap-'ãta olho-vermelho LS puk-yãy- kux-nõg LS puk-nãg abelha-pequena jataí; mirim Tetragonisca angustula; Plebeia droryana LS puk-nĩm abelha-abandonar mirim Plebeia droryana LS puk-nĩm- kuxag-nãg abelha-abandonar- kuxag-pequena jataí Tetragonisca angustula LS puk-nõm abelha-aquela LS puk-nõm- nãg abelha-aquela- pequena LS puk-nut abelha-flor mirim Plebeia sp. LS puk-nut- nãg abelha-flor- pequena mirim Plebeia sp. LS puk-õnãy ou puk- õnãm* tataíra Oxytrigona tataira LS puk-pax abelha-pax LS puk-tap abelha-tap LS puk-tix abelha-duas LS puk-tox abelha-longa arapuá Trigona spinipes; Trigona hyalinata; Trigona sp. LS puk-xãm abelha-espinho LS puk-xokata abelha-xokata LS puk-xokata- nãg abelha-xokata- pequena LPI xak-nãg xak-pequena LPS xaox 120 Para efeitos de comparação, Santos & Antonini (2008) descrevem 48 táxons de Meliponina para os enawenê-nawê, povo de língua Arawak da Amazônia mato-grossense que vive em um território mais florestado, maior, e com densidade populacional bem menor do que a TI Maxakali. Posey (1997c) registra 27 táxons para este grupo de organismos entre os kayapó, povo Macro-Jê que habita um território do tamanho da Bélgica (ca. 2 milhões de hectares), na transição entre o Cerrado e Amazônia. Isto sugere que o número de categorias tikmũ’ũn para os meliponíneos seja relativamente alta, apesar do grande nível de degradação ambiental em que se encontram atualmente. Este fato atesta a importância dos cantos para a perpetuação dos saberes ambientais, mesmo na ausência das bases biológicas correspondentes. A falta de contato cotidiano com a meliponifauna, descrita em seus cantos, dificulta ainda mais a identificação apropriada das espécies pelos informantes e, consequentemente, o correto estabelecimento das correlações com o sistema lineico. Apesar desta relativa abundância de táxons, no inventário de abelhas realizado (descrito na seção 5.2.1. Melissofauna (ênfase em meliponíneos)) foram encontradas apenas 12 espécies de meliponíneos, o que pode atestar a extinção local da maioria delas. A exclusão das espécies na área coloca em risco o conhecimento indígena empírico acerca deste grupo de organismos, apesar da perpetuação do saber teórico-simbólico contido nos cantos. A dificuldade, observada em campo, em se estabelecer correlações com o sistema lineico, e de um consenso entre informantes quanto aos nomes indígenas das abelhas, fortalece a hipótese de que apesar dos nomes persistirem no meio cultural, suas correspondências materiais estão hoje fracamente estabelecidas. Todo o sistema tikmũ’ũn de saberes sobre a meliponifauna pode colapsar caso não haja uma reversão do atual quadro de degradação ambiental. A grande importância simbólico-religiosa, utilitária e a complexa classificação deste grupo de organismos, são fatores fulcrais para determiná-los como recursos-chave para a ecologia e a cultura maxakali. Juntamente com taquaras, palmeiras e bambus, os meliponíneos serão alvo de uma estratégia de ação direta para a gestão ambiental da TI Maxakali, contida no capítulo 5. 121 5. Proposta Técnica para a Gestão Territorial e Ambiental Comunitária da Terra Indígena Maxakali O presente trabalho foi planejado e desenvolvido considerando a possibilidade de oferecer à comunidade tikmũ’ũn orientações para futuras intervenções no manejo ambiental de sua área demarcada, tanto por parte dos órgãos indigenistas oficiais (FUNAI e SESAI), quanto da academia e de organizações da sociedade civil, que respeitassem a ecologia-cultura maxakali. Esta visão se aproxima do que Balée (2006) considera como ecologia histórica aplicada, não se resumindo, contudo, a uma “ecologia da restauração” como parece ser a proposta dele. A concepção de aplicabilidade da ecologia histórica utilizada aqui está mais direcionada à oferta de uma compreensão acerca das categorias autóctones e das formas de apropriação do espaço e de construção da territorialidade pelos diferentes grupos humanos, de modo a prover um feedback na forma de um auxílio ao planejamento e design de agroecossistemas cultural e ambientalmente funcionais e relevantes. Outro parâmetro teórico importante a nortear este direcionamento é a noção, desenvolvida por Altieri (2006), de que a Etnoecologia e a Agroecologia deveriam atuar complementarmente. A primeira lidaria com as percepções e cognições acerca dos agroecossistemas, e a segunda com as formas de intervenção no meio e o design sustentável dos agroecossistemas (Fig. 4.1). Para este autor, enquanto a Etnoecologia se comportaria como uma ciência de base, levantando dados empíricos que ajudariam na compreensão das relações humanas com a paisagem (tanto no campo simbólico como no pragmático), a Agroecologia atuaria como ciência aplicada, intervencionista, e fundamentalmente calcada nas percepções dos agricultores. Os diversos conceitos de Etnoecologia e como eles mudaram com o tempo já foram extensivamente discutidos no Capítulo 2 desta dissertação. Já a Agroecologia é definida por Altieri (2006) como sendo a aplicação de conceitos e princípios ecológicos para o design e manejo de agroecossistemas sustentáveis, tendo como objetivo principal o desenvolvimento destes agroecossistemas com mínima dependência de insumos externos, enfatizando sistemas agrícolas complexos, nos quais as interações e sinergismos ecológicos entre os componentes biológicos provêem mecanismos para os sistemas produzirem sua própria fertilidade do solo, proteção e produtividade das lavouras. (ALTIERI, 2006, pp. 47) 122 Figura 5.1. Etnoecologia e Agroecologia como disciplinas chave para a compreensão de como os agricultores percebem e modificam a paisagem. Adaptado e traduzido de As terras indígenas, ao contrário das unidades de conservação, são determinadas Constituição Federal de 1988, protegidas” para constituírem benefícios oriundos da biodiversidade e dos recursos genéticos, conforme proposto pela Convenção de Diversidade Biológica movimento conservacionista colaboração com os povos ameríndios para os objetivos de conservação da biodiversidade nos neotrópicos, no Brasil as atenções têm se voltado prioritariamente para o bioma amazônico (BRASIL, 2002; FUNAI, 2004; SCHWARTZMAN & ZIMMERMAN, 2005). onde se encontra o maior contingente populacional indígena do país, de terras indígenas (422 de 607 para todo o país, ou 69,5%), que correspondem a 98,61 área total dentro de TIs (ISA, 2012 brasileira se encontra fora da Amazônia Legal, e ainda vive uma invisibilidade em termos de incentivos voltados para o manejo sustentável dos recursos obstante, à semelhança do que vem ocorrendo na região amazônica, com os povos ameríndios cujos territórios ancestrais se encontram dentro do Domínio Atlântico pode ser uma importante estratégia para Projetos visando um “etnodesenvolvimento” sócio Altieri (2006), por Marco T. S. Ferreira. e possuem um potencial tão grande quanto de outras “áreas loci permanentes de conservação in situ, uso, e repartição de – (ONU, 1992). Embora tenha havido, por parte do global, um crescente reconhecimento da importância d bem como b). Entretanto, uma relevante porção da população indígena naturais de seus territórios. Não a busca por uma aliança a recuperação e a conservação deste bioma fragilizado. -ambiental de terras indígenas pela a Esta é a região o maior número % da enxtra- 123 Amazônia são escassos, e quando ocorrem, não são raras as vezes onde todas as etapas de seu desenvolvimento são realizadas sem qualquer tipo de envolvimento intelectual ativo das comunidades beneficiadas, ou de adequação às suas ecologias simbólicas, um tipo de abordagem que vem sendo correntemente designada “top-down” (FRASER et al., 2006) Como bem nos lembra Mueller (2009, trad. nossa), “programas de monitoramento ecológico só são sustentáveis quando as comunidades têm poder de decisão independente e controle sobre os seus programas e métodos”. Portanto, iniciativas participativas “de baixo para cima”, direcionadas à gestão ambiental e territorial comunitária vêm sendo cada vez mais desenvolvidas e aplicadas, em busca de resultados mais duradouros, e que efetivamente estabeleçam um envolvimento por parte das comunidades para com os objetivos conservacionistas (GOMA, et al., 2001; FRASER et al., 2006). Para Goma e colaboradores (2001, pp. 180, trad. nossa), o “grande valor dos estudos participativos está nas abordagens partilhadas de avaliação, monitoramento e educação que irão encorajar práticas agrícolas locais a avançar apropriadamente para os agricultores e suas localidades”. Ele enfatiza principalmente a necessidade de que os agricultores envolvidos tenham ciência de seu papel em todo o processo, tão ou mais importante do que o dos cientistas, e de que experimentos realizados em suas terras sejam vistos como seus. Iniciativas de elaboração participativa de planos de gestão ambiental e territorial comunitário em terras indígenas brasileiras, principalmente da Amazônia, são bem conhecidas (p. ex., GAVAZZI, 2007a, b; ACT Brasil, 2008, 2009; SURUÍ, 2009; KANINDÉ, 2010). Análises acadêmicas bem fundamentadas sobre estes processos sociais são fornecidas em Little (2006), Correia (2007), e Bavaresco (2009). No entanto, iniciativas similares para TIs em outras regiões do país, em especial a sudeste, são incipientes ou desconhecidas. Pimbert & Preety (2000) propõem uma escala de graus de envolvimento ativo pelas comunidades no planejamento de projetos que afetem diretamente seus recursos naturais e territórios tradicionais. Ao longo das últimas décadas, ocorreram vários projetos na TI Maxakali, trazidos por actantes não-indígenas, tanto com vieses “desenvolvimentistas”, como “conservacionistas”, que incentivaram técnica ou financeiramente a silvicultura para recuperação de áreas degradadas, a piscicultura, a pecuária, a suinocultura, a horticultura, a agricultura mecanizada dependente de insumo, a agricultura agroflorestal e agroecológica, etc. Contudo, até onde se pôde observar, em nenhuma destas iniciativas os tikmũ’ũn estiveram posicionados no grau máximo de participação previsto por Pimbert & Preety (2000), isto é, intelectualmente engajados em seu planejamento e tomada de decisões em curto, médio e longo prazo. 124 As abordagens participativas de etnomapeamento, etnozoneamento e diagnóstico etnoambiental, ao reconhecerem os povos indígenas como sujeitos da sua produção, vêm gerando interessantes resultados, capazes de trazer impactos ambientais benéficos ao mesmo tempo em que reconhecem e valorizam as culturas das comunidades onde são desenvolvidas. Contudo, mesmo reconhecendo estes benefícios potenciais, Correia (2007) demonstra que, historicamente a ‘cartografia’ sempre exerceu um papel importante como instrumento de colonização, embora nesse caso, a ferramenta vá servir à dominação por uma nova ideologia: a do desenvolvimento sustentável. O mesmo autor (2007) esclarece ainda que há nas diretrizes teóricas dos mapeamentos participativos um claro reconhecimento da importância da etnoecologia como fonte de pesquisa para a elaboração de estratégias de gestão ambiental em TIs. Contudo, informações desta natureza sempre são incluídas nos mapas e zoneamentos, tornando um tanto obscuras as correlações entre etnoecologia e mapeamentos participativos (CORREIA, 2007, pp. 22, 58-63). Isto poderá acarretar em lacunas no corpo de conhecimentos necessários para a elaboração de modelos culturalmente válidos para a gestão dos recursos naturais de TIs. A Ecologia Tikmũ’ũn, tanto em termos de sua Ciência do Meio, como de suas práticas (etno/agro)ecológicas, deve ser central no zoneamento e na determinação de estratégias de conservação e recuperação ambiental de seu território. Os tikmũ’ũn sabem semear, plantar, colher e se apropriar das interações animais-planta de maneira muito mais sustentável em ambientes florestados do que nos campos e pastos sujos. Dentro deste contexto, para um primeiro diagnóstico da realidade socioambiental da TI Maxakali, é importante a identificação dos recursos-chave para a ecologia-cultura tikmũ’ũn, na busca por alvos de conservação que valorizem e sejam ao mesmo tempo valorizados pelos seus saberes e hábitos. Em busca de um plano de manejo que seja cultural e ambientalmente viável, considerando recursos e território, os tikmũ’ũn precisam reinventar suas práticas ecológicas atuais, enquanto actantes sociais com autonomia própria na tomada de decisões. Uma vez que a área é muito pequena (5305 hectares para mais de mil índios que mantêm hábitos semi- nômades) para sustentar a economia extensiva, extrativista e essencialmente dependente da floresta que a cultura tikmũ’ũn desenvolve e desenvolveu historicamente, a perda de biodiversidade e de manchas florestais representa uma ameaça à reprodução da identidade tikmũ’ũn, e uma auto-revisão de suas práticas se faz imprescindível, se desejarem manter seus modos de vida. Caso este repensar das práticas de manejo não aconteça, problemas observados, tais como insegurança alimentar e nutricional, doenças, alcoolismo, assoreamento de rios e nascentes, escassez de matérias-primas, sementes, lenha, madeira, remédios, caça e outros recursos vegetais e animais importantes, só tenderão a se acentuar. 125 Fortalezas e oportunidades O desejo do retorno da cobertura vegetal pelos tikmũ’ũn, devido às suas profundas relações práticas e simbólicas com a mata atlântica, e à grande dependência dos recursos naturais para sua sobrevivência física e imaterial, talvez seja o principal aliado para os objetivos de conservação da biodiversidade. Uma vez que são um povo muito respeitoso de suas ‘tradições’ e ‘saberes ancestrais’, sempre manifestando um desejo de retomar e manter os hábitos dos antigos, algumas práticas de manejo agroflorestal (presumidamente com vínculos pré-Cabralinos) foram mantidas até hoje. Os maxakalis demonstram um corpo de conhecimento relacionado ao manejo (agro)florestal muito maior do que o que trata de campos e “monoculturas”. Esta característica cultural se torna uma oportunidade para iniciativas de sensibilização agroflorestal em busca de um manejo ativo do processo sucessional e dos fragmentos florestais, à semelhança de outros povos indígenas brasileiros (BRASIL, 2002; PINTO & GARAVELLO, 2002; VILCAHUAMÁN et al., 2002; BUENO et al., 2007). Fraquezas e ameaças No entanto, este desejo manifesto se torna obscurecido pelo regime de queima anualmente efetivado no território, uma vez que os maxakalis conhecem perfeitamente os efeitos da queima no processo sucessional, e pouco ou nada fazem para reduzi-la. Apesar dos professores e anciãos atestarem os malefícios do fogo, e afirmarem que esta prática precisa mudar, ainda assim os incêndios dominam o território durante o período seco. Principalmente no final da estação seca, muitos focos de queimada podem ser observados. Crianças ateando fogo na beira das estradas e na proximidade das aldeias também é lugar-comum em qualquer visita à TI Maxakali. Hoje, as queimadas descontroladas constituem a principal ameaça à biodiversidade da TI Maxakali, juntamente com a gramínea invasora que as favorece, e em troca vê seu nicho potencial expandido. Se a prática da queima indiscriminada prosseguir, em poucas décadas a área se tornará uma grande savana antrópica e não pastoreada desprovida de árvores, com córregos assoreados, grandes voçorocas nas áreas de encosta, e de um clima extremamente árido. Outro grande empecilho à aceleração do processo sucessional (através, por exemplo, da implantação de viveiros de mudas e silvicultura) é a inadequação dos modelos de reflorestamento e recuperação de áreas às dinâmicas da cultura maxakali. Atividades relacionadas ao cuidado e produção de mudas, simplesmente não substituirão certas atividades centrais no cotidiano das aldeias como, por exemplo, rituais. Não podemos esperar que eles subitamente adotem estas lógicas produtivistas de plantio, uma vez que em mais de 400 anos de 126 contato eles até hoje optaram explicitamente por não as adotarem. Além disso, uma vez que os maxakalis historicamente manejaram florestas ao invés de plantarem-nas, seus saberes ambientais estão muito mais voltados ao uso e gestão dos componentes florestais do que à sua recuperação/instalação. Mais um empecilho crucial à implantação de estratégias de reflorestamento na área é a falta de acesso à água adequada. Em um diagnóstico realizado em julho de 2011, mais de 70% das aldeias e casas não tinham água encanada e seus habitantes buscavam a água necessária para sua sobrevivência nos córregos adjacentes (dados não mostrados). Então, como esperar de uma comunidade que mantenha viveiros e plantações irrigadas se o próprio acesso à água para o consumo humano não está assegurado? Por fim, o pequeno tamanho da área e a crescente população interna poderão em pouco tempo tornar sua situação não muito diferente da de outras TIs brasileiras em condições de falta de espaço adequado aos hábitos e crescentes demografias dos grupos indígenas que abrigam, excessivamente próximas de centros urbanos (tornando-as verdadeiras “periferias”), e com alto nível de precariedade social e ambiental, como o famoso exemplo da TI de Dourados (PASSOS, 2007). A seguir, é apresentada uma proposta técnica visando à melhoria da qualidade e resiliência ambiental da TI Maxakali e, por consequência, da qualidade de vida do povo tikmũ’ũn. As conclusões derivadas desta análise apontam claramente para a necessidade de um maior incentivo às iniciativas e técnicas autóctones de manejo ambiental e florestal que eliminem a prática do fogo indiscriminado e os formatos agropecuários pré-moldados altamente estimulados pelos actantes não-indígenas (dentro e fora da TI). Os dados apontam também a necessidade de revisão dos atuais limites da TI Maxakali, buscando incorporar algumas cabeceiras, nascentes, e outros pontos na paisagem de importância para a ecologia e a cultura do povo tikmũ’ũn, como forma de assegurar o seu direito aos recursos, territórios e meios necessários para sua sobrevivência sócio-cultural. 5.1. Manejo do regime de queima e recuperação dos fragmentos florestais Devido ao alto nível de degradação ambiental, e aos riscos à saúde humana, insegurança alimentar, perda de agrobiodiversidade e conhecimentos ecológicos tradicionais, a revegetação da TI Maxakali se faz urgente. A recuperação e o manejo sustentável da biodiversidade local são necessários, não somente para a reprodução sócio-econômico-identitária deste povo, 127 garantindo a perpetuação de seus saberes, mitos, e cosmologias, como também para assegurar seu direito à segurança e à soberania alimentar, e a um meio ambiente equilibrado, como previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a Constituição Federal de 1988, a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. A insegurança alimentar e nutricional é um problema particularmente grave, sendo uma das maiores causas e conseqüências (já que cria um ciclo de retroalimentação) desse quadro a dependência cada vez maior do assistencialismo estatal. Atualmente, a principal fonte alimentar das aldeias tikmũ’ũn são as cestas básicas do Programa Fome Zero do Governo Federal, distribuídas mensalmente pela FUNAI. Em busca de uma melhoria da situação nutricional infantil, a Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI (antiga FUNASA) distribui refeições balanceadas para as crianças durante a semana. Se, por um lado, o paternalismo indigenista do Estado, através da FUNAI, e de tantas outras políticas públicas voltadas para a ‘tutela’ dos índios (Carteira Indígena, emendas parlamentares, Fome Zero, etc.) os resguarda da fome aguda e da desnutrição, por outro os liberta da dependência da produção autóctone de alimentos para sobreviver, o que se torna um fator desmotivador ao plantio e ao manejo de seus agroecossistemas e paisagens, além de um brinde ao ócio. Esse processo poderá, aos poucos, aniquilar o modus vivendi tikmũ’ũn, inerentemente manejador das florestas e da biota local, ao coletar e dispersar propágulos por onde quer que passem, caçando animais, derrubando e removendo árvores, etc. Em essência, o que as políticas públicas presentes estão impondo aos tikmũ’ũn é que eles se contentem com o seu território extremamente degradado, sem caça e outros alimentos da floresta, e aprendam a se alimentar unciamente de arroz, feijão, macarrão e carne de boi, adquiridos nos mercados e feiras da região, com o dinheiro doado pelas políticas assistencialistas. Como os tikmũ’ũn, diversos outros povos indígenas brasileiros originários da Mata Atlântica se encontram sob similares condições precárias de degradação ambiental e reprodução cultural e sócio-econômica (JACOBSEN, 2005; PASSOS, 2007), sob forte pressão da ideologia assimilacionista- desenvolvimentista que objetiva o abandono dos hábitos ‘selvagens’ para a incorporação na sociedade nacional, de maneira muito similar ao pretendido durante os períodos colonial, imperial, e da República pré-1988 (LIMA, 2010). Destaca-se ainda, dentro do quadro de insegurança alimentar, a erosão da agrobiodiversidade, como atestada pelos maxakalis, e por relatos orais e históricos que apontam espécies e variedades de plantas comestíveis e utilizáveis não mais encontradas em seu território. Por exemplo, St-Hilaire (2000) relata uma papilionácea (atual Faboideae) tuberosa comestível chamada em português de jacatupe (Pachyrhizus sp.) plantada pelos malalí. No 128 entanto, apesar de grandes conhecedores dos tubérculos plantados pelos antigos, nenhum tikmũ’ũn consultado conhecia ou sabia dizer qualquer coisa sobre esta espécie. Além da fome, outra conseqüência do desflorestamento é que há na região ampla ocorrência de doenças crônicas relacionadas à desnutrição, contaminação dos cursos d’água, zoonoses, e a outros fatores ambientais. Em janeiro de 2010 houve um surto diarréico entre as crianças da TI Maxakali, onde mais de 40 foram internadas e pelo menos duas morreram, atribuído à insalubridade dos córregos (FUNASA, 2010). Como se a precariedade não bastasse, o alcoolismo nas aldeias é de extrema gravidade, principalmente entre os homens. Alguns chegam a trocar ferramentas, roupas e até as próprias cestas básicas doadas por cachaça nas cidades e fazendas próximas à TI. Isto agrava a insegurança alimentar não somente ao se perder o alimento doado, mas também pelo desestímulo ao trabalho advindo do alcoolismo. A um olhar superficial, a correlação entre alcoolismo e o estado de devastação ambiental do território pode parecer tênue ou até nula. No entanto, podemos percebê-la mais claramente ao levarmos em conta a situação de secular expropriação do seu território e biodiversidade, confinamento em uma área pequena e ecologicamente empobrecida para a manutenção de seus hábitos seminômades e dependentes da floresta, e a histórica perseguição, repressão e proibição de outros hábitos culturais autóctones (tais como o uso da língua, a manifestação religiosa, etc.). Dentro deste panorama, a cachaça exagerada, e a destruição da mata através do fogo exagerado, caminham lado a lado, uma vez que ambos sinalizam uma lenta e sofrida resignação à vida. Todos os ecossistemas do planeta possuem adaptações a algum tipo de regime de queima, desde a não-queima, ou queima muito esporádica nas florestas tropicais úmidas e nos biomas polares, até a queima natural cíclica nas savanas africanas e no cerrado brasileiro (BROOKS et al. 2004; BOND & KEELEY, 2005; MYERS, 2006; FRANÇA, NETO & SETZER, 2007). A mata atlântica, apesar de pouco tolerante às queimadas cíclicas, como outros biomas úmidos neotropicais, vem se adaptando há alguns milênios às perturbações ecológicas trazidas pela agricultura de coivara itinerante ameríndia. No entanto, o manejo por coivara não apenas permite, como também acelera a regeneração das clareiras, através de um manejo que se aproveita da recolonização natural da área e da diversificação dos estratos, com posterior abandono para a recomposição da biota e da fertilidade do solo (ATRAN, 1993; BALÉE, 1994, 2006; POSEY, 1997b; MORAN et al., 2000; FERGUSON et al., 2003; TOLEDO & SALICK, 2006). Esta prática permite uma maior heterogeneidade ambiental em comparação às florestas não manejadas, ao criar mosaicos com manchas de diferentes idades sucessionais, o que por sua vez favorece o aumento da diversidade alfa, ao estabelecer níveis medianos de distúrbio (hipótese do distúrbio intermediário de Connell apud BALÉE, 2006). Contudo, como apresentado na seção .2. A (con)formação da paisagem no território tikmũ’ũno mosaico sucessional resultante das constantes queimadas do capim-colonião é extremamente 129 simplificado (capim queimado, não-queimado e mata), sustentando níveis muito baixos de diversidade biológica. Portanto, se faz mister encontrar formas de complexificar este mosaico para que ele tenha manchas em diferentes idades, aumentando a heterogeneidade da paisagem. O principal exemplo brasileiro de mosaico sucessional através do manejo com fogo em áreas protegidas se encontra no Parque Nacional das Emas (FRANÇA, NETO & SETZER, 2007). Após anos de política de manejo de supressão completa do fogo, os gestores de Emas perceberam que a imposição deste regime de queima permitia um enorme acúmulo de biomassa combustível, o que gerava gigantescos incêndios incontroláveis em ciclos de três em três anos que assolavam todo o parque. A política de manejo do fogo do Parque foi então repensada, passando a permitir as queimadas naturais causadas por relâmpagos e suprimindo apenas os fogos antrópicos. Uma rede de 348 km de aceiros dividindo o parque em 20 blocos foi construída, gerando manchas de vegetação em diferentes fases sucessionais, determinadas pela última vez que queimaram. Algumas diferenças fundamentais emergem entre o ParNa Emas e a TI Maxakali. Primeiramente, o ParNa Emas se encontra no bioma Cerrado, cujas espécies são adaptadas a um regime de queima mais intenso, e onde comumente ocorrem fogos naturais, enquanto a TI se encontra no Domínio Atlântico, bioma tipicamente mais úmido. Outro fator importante é que a gramínea dominante em Emas é o capim-flecha (Tristachya leiostachya Nees), espécie nativa da região, ao passo que M. maximum é exótico e desestabilizador das comunidades ecológicas onde invade (FAO, 1986, 2012). Além disso, como uma unidade de conservação de proteção integral, no ParNa Emas não é permitida a presença de moradores em seu interior, e os fogos antrópicos que atingem o Parque vem das fazendas de seu entorno. Já na TI Maxakali, o fogo é quase sempre gerado de dentro pra fora, que não raras vezes danificam propriedades vizinhas, embora não seja de todo impossível a ocorrência de fogos em fazendas do entorno que acabam atingindo a TI. Nesse caso a polícia ambiental atua com fiscalização na área, multando fazendeiros responsabilizados por incêndios criminosos, enquanto nada pode fazer para coibir as queimas pelos tikmũ’ũn em seu próprio território36. 36 É irônico pensar, neste contexto, que com a garantia constitucional do direito ao manejo exercido pelas populações indígenas em seus territórios, do ponto de vista da política ambiental, uma brecha é aberta para qualquer tipo de manejo, independente do seu grau de “tradicionalidade” ou de “sustentabilidade”, o que inviabiliza por completo a aplicação da legislação ambiental brasileira em terras indígenas demarcadas. No caso tikmũ’ũn, por exemplo, pode-se alegar que o uso do fogo é uma prática tradicional, uma vez que é usado há muitas décadas, muito embora o colonião seja exótico (ao seu bioma e à sua cultura), como já demonstrado. A falta de APPs e reserva legal averbada, também não parece constituir problema para as autoridades ambientais locais, já que são os próprios tikmũ’ũn quem atualmente removem a vegetação. 130 Apesar das discrepâncias entre as duas áreas enumeradas acima, o paralelo que se pretende traçar aqui é centrado no conceito de mosaicos sucessionais criados pelo fogo através da implantação de uma rede de aceiros. A política de construção de aceiros no ParNa Emas é inspiradora para o caso da TI Maxakali, porque impede que o fogo se espalhe por áreas muito grandes, ficando restritas aos limites aceirados. Se um dos quadrantes for incendiado, ele retorna para o início do processo sucessional, mas não contamina os adjacentes, permitindo que se desenvolvam estágios vegetacionais mais avançados, e criando verdadeiros mosaicos onde cada área se encontra em uma fase diferente. É interessante também construir aceiros e barreiras vegetais anti-fogo (p. ex. de Agave) margeando as bordas dos fragmentos florestais, de maneira a impedir que o fogo vindo do capim as atinja e reduza ainda mais suas áreas. Neste trabalho, os fragmentos e microfragmentos florestais no interior da TI foram categorizados de acordo com o porte (> ou < 10 ha., respectivamente), e numerados. Todos os fragmentos e microfragmentos florestais assinalados na Figura 5.2 foram visitados, com exceção do de número 8. Nos fragmentos 4 e 7, e no microfragmento 1, a visita ocorreu apenas na sua borda, e nos demais também no interior da mata. Figura 5.2. Fragmentos e microfragmentos florestais da TI Maxakali. Apenas os microfragmentos visitados estão assinalados na foto. Direitos de imagem reservados © Google. Ao visitar os diferentes fragmentos, uma pressão antrópica desigual (derrubada de árvores, abertura de trilhas e clareiras, extração de frutos, sementes, madeira, caça, e queimadas), pôde ser observada entre os mesmos. A Figura 4.3 foi elaborada no intuito de esquematizar as vias de pressão de cada aldeia sobre os fragmentos florestias, compiladas a 131 partir de observações de campo e relatos. Podemos ver claramente que alguns fragmentos apresentam um número maior de aldeias no seu entorno (e, por conseqüência, mais pessoas forrageando por recursos, buscando madeira e lenha na mata, ateando fogo, etc.). Estes fragmentos se encontram extremamente impactados, com efeito de borda pronunciado, e com menor riqueza de espécies dos grupos de organismos amostrados, abelhas e plantas (dados não mostrados). O Fragmento 3 é de longe o mais explorado, uma vez que se encontra cercado por várias aldeias e particularmente distante de outros fragmentos. A alta concentração das aldeias na beira da estrada e margens de brejos e córregos fez os recursos e os fragmentos florestais rapidamente se esgotarem nestas áreas. A restauração da vegetação ripária no entorno das aldeias é necessário como aprofundado na seção 5.3. Zoneamento da TI Maxakali O Fragmento Florestal 2, manejado por apenas um grupo familiar (conhecido como clã do falecido patriarca Júlio, cujo líder mais proeminente hoje é o professor Gilmar Maxakali), possui o maior tamanho (> 200 ha.), que inclusive extrapola o limite noroeste da TI. Este fragmento é o que apresenta menor pressão por recursos e fogo, sendo o único que apresenta características de mata em estágio sucessional avançado em seu interior, com a presença de árvores de grande porte, como o jequitibá, Cariniana legalis (Mart.) Kuntze (Lecythidaceae) e o vinhático, Plathymenia reticulata Benth. (Fabaceae), e espécies tardias do Domínio Atlântico, como a juçara (Euterpe edulis Mart. – Areceaceae), a poaia (Carapichea ipecacuanha (Brot.) L. Andersson – Rubiaceae), o taquaruçu (Guadua sp. – Poaceae - Bambusoideae), entre outras espécies observadas somente neste fragmento. Uma vez que ele vai além dos limites da área protegida, seu limite norte se encontra vulnerável a invasões e explorações indevidas, comumente registradas no passado. A mesma ausência de proteção pode ser observada para o Fragmento 7, fragmento mais distante das aldeias, e único em que não foi observada pressão antrópica, e cuja porção norte se encontra inteiramente fora da TI. Estas observações apontam para a necessidade de revisão dos limites do território demarcado. Os fragmentos florestais 1 e 7, localizados ao sopé de um afloramento rochoso bastante aclivoso, são, na realidade, os dois maiores fragmentos de um mesmo mosaico complexo, desconectados provavelmente há poucos anos devido à queima. O mesmo pode ser dito para o mosaico formado pelos fragmentos 2 (separado dos demais por uma estrada), 4, 5, 6 e microfragmentos 1 e 2. Na subseção 5.3. Zoneamento da TI Maxakali, o primeiro mosaico foi designado ‘corredor norte do Pradinho’, e o segundo ‘corredor central de Água Boa’. A Figura 5.3 mostra ainda três aldeias localizadas no limite sudoeste da TI exercendo pressão direta sobre um fragmento (não numerado) adjacente ao território demarcado. As três se encontram bem na borda da TI, sendo que duas delas não pertencem aos grupos familiares que tem acesso ao já sobre-explorado Fragmento 3 (o que não as impede de causar pressão sobre este através do fogo). Há, de fato, uma ampla utilização de florestas e brejos em fazendas no 132 entorno da TI, principalmente para aqueles recursos/espécies hoje extintos ou escassos dentro do território demarcado (embiras, taquaruçus, caça e pesca de maior porte), o que torna os tikmũ’ũn dependentes da permissão de seus vizinhos para explorarem tais áreas. Este fato aponta novamente para a necessidade de uma revisão dos limites da TI Maxakali, como forma de trazer maior autonomia ecológica, cultural e territorial ao povo que nela habita. Figura 5.3. Principais vias de pressão das aldeias sobre os fragmentos florestais da TI Maxakali. São desconhecidas as vias de impacto da aldeia Vila Nova, no extremo leste da TI, uma vez que a mesma optou pela não-participação do estudo. Direitos de imagem reservados © Google. 5.2. Manejo de recursos-chave Um trabalho que almeje sensibilizar os maxakalis para as questões conservacionistas deve estar ele próprio, sensível às concepções maxakalis de relação seres humanos X meio, extremamente mediadas pela religiosidade, além de visar algum retorno produtivo para a comunidade. É interessante aqui lançar mão do conceito de “espécie guarda-chuva”, em que a sensibilização para a conservação de uma espécie-alvo traria por consequência a preservação de todo o seu hábitat, e de outras espécies que nele também ocorrem. Neste trabalho, quatro grupos biológicos nativos, que como já demonstrado na seção .3. Saberes ambientais Tikmũ’ũn, constituem categorias integrais claramente distinguíveis dentro da ? ? ? 133 classificação tikmũ’ũn da biodiversidade, foram considerados como recursos-chave para o manejo ambiental da TI Maxakali pelo presente trabalho: os meliponíneos (pukxe’e), embiras (tohox), palmeiras (paxap), e bambus e taquaras (kutehet). Tais grupos foram assim reconhecidos através de um cruzamento de fatores, que consideram importância de uso, importância ritual ou religiosa, e a diversificação dos léxicos empregados na descrição do grupo. O quadro metodológico para a definição de espécies-chave culturais trazido por Assis e colaboradores (2010) foi de grande importância na identificação das características de grupos biológicas culturalmente salientes. Contudo, houve apenas um intercruzamento de aspectos qualitativos destas características, onde a metodologia de pontuação desenvolvida pelos autores citados não foi aplicada, pelas simples crença de que os fenômenos que determinam a importância cultural (material e imaterial) de grupos biológicos não são redutíveis a meros índices numéricos. A meliponifauna pode ser tida como eixo central em um trabalho que vise a conservação da biodiversidade na TI Maxakali, graças à sua possibilidade de agir como um forte táxon “guarda-chuva”, através do incentivo da religião e da motivação gerada pela produção de mel. Uma vez despertado o interesse maxakali para a conservação das abelhas, pode-se caminhar em direção à conservação e recuperação dos hábitats necessários para a sobrevivência deste e de outros grupos de organismos. Ademais, além dos valores simbólicos para cultura tikmũ’ũn, e dos benefícios ecológicos e econômicos advindos dos serviços de polinização e produção de mel, as abelhas podem desempenhar ainda um papel de indicador de qualidade de ambiente. Isto porque enquanto algumas espécies são altamente generalistas, ubíquas, e possuem alta capacidade de subsistir em grandes densidades também em ambientes degradados ou perturbados, outras apresentam excessiva sensibilidade, só sendo encontradas em áreas com o mínimo de perturbações antrópicas. Este quadro reflete a grande diversidade funcional e ecológica entre as espécies do grupo, e nos permite utilizar estudos sobre as comunidades de abelhas indígenas sem-ferrão como ferramenta para monitoramento da qualidade ecossistêmica. As embiras, palmeiras e bambus são recursos-chave dentro do extrativismo vegetal, tanto para o artesanato, como para a religião, e sob os quais o manejo ativo humano é mais intenso, como discutido no Capítulo 3. Logo, estes três grupos devem ser alvo de particular atenção ao desenvolvermos estratégias de gestão dos recursos vegetais na TI Maxakali. Ademais, faz-se necessário o resgate e a manutenção da agrobiodiversidade manejada pela comunidade, de forma a empoderar e a trazer autonomia para a mesma quanto ao manejo de seus agroecossistemas. Uma grande parte da agrobiodiversidade mantida pelos tikmũ’ũn já se perdeu, sendo preciso interromper o processo de extinção de variedades locais, antes de poder reverter o quadro, ao estimular uma conservação on farm (sensu CLEMENT et al., 2007). 134 Por fim, esta seção traz uma análise da situação da qualidade da água no território maxakali, cuja solução é hoje uma das demandas mais prementes para a melhoria do bem-estar da comunidade. Lenha, madeira, e outros produtos florestais não-madeireiros não foram analisados aqui, apesar de sua relatada escassez e dos problemas que ela acarreta para o cotidiano da comunidade. A caça e a pesca, contribuem com pequeno aporte para a economia de subsistência, apesar da grandes importância rituais e simbólica, e por isso não foram incluídas na presente análise. Contudo, caso venha a se elaborar uma estratégia participativa de manejo territorial comunitário futuramente, é imprescindível que todos estes grupos biológicos/atividades culturais sejam também abordados e trabalhados. 5.2.1. Melissofauna (ênfase em meliponíneos) Abelhas são organismos fundamentais para a sobrevivência dos seres humanos, ao exercerem a função ecológica de polinização, importante tanto para a produção de alimentos, como para a reprodução de populações vegetais não cultivadas, um “serviço ecossistêmico” descrito na literatura como criticamente ameaçado (KLEIN ET AL., 2007; KEASAR, 2010). Estima-se que os benefícios econômicos advindos do serviço de polinização de espécies agrícolas por insetos estejam na faixa de € 153 bi (KEASAR, 2010). Outra atividade exercida pelas abelhas de grande importância para a economia e a ecologia humana é a produção de mel. Apesar de produzirem quantidades bem inferiores do que as fabricadas por Apis mellifera Linnaeus, o mel das abelhas nativas sem-ferrão (também conhecidas como meliponíneos) é muito apreciado no Brasil, tendo grande valor para as culturas locais, em especial para as culturas indígenas, sendo secularmente utilizado pelos sistemas medicinas indígenas e neobrasileiros, como atestado pelo registro histórico (ALMEIDA, 2010). Estes fatores combinados contribuem para uma alta saliência cultural, refletida na diversidade lexical, deste grupo específico de abelhas. Para os povos ameríndios, que desconheciam Apis anteriormente à sua introdução no Brasil na década de 1840 (VENTURIERI, 2008), este valor cultural atinge suas raias máximas (POSEY, 1997c; SANTOS & ANTONINI, 2008; ALMEIDA, 2010). Venturieri (2008) chega mesmo a afirmar que o nome popularmente utilizado para designar o grupo (abelhas indígenas) teria origem no fato de serem manejadas por estes povos. No entanto, ‘indígena’ é um vocábulo que hoje em dia possui conotação de ‘nativo’, e não podemos afirmar ao certo qual dos dois sentidos estão implícitos na expressão ‘abelhas indígenas’, talvez os dois. O que de fato é indubitável é que os colonos que aqui se estabeleceram aprenderam a manejar e explorar 135 economicamente os meliponíneos a partir do aprendizado dos conhecimentos dos povos indígenas acerca destes (VENTURIERI, 2008; ALMEIDA, 2010). Uma vez que, até meados do século XIX não existia Apis mellifera no subcontinente, o mel consumido no país advinha única e exclusivamente de colônias de abelhas nativas exploradas, ou manejadas (VENTURIERI, 2008). Graças ao reconhecimento da importância do conhecimento indígena sobre estes elementos da fauna, e dos mesmos para as culturas ameríndias, tentativas de criação e manejo de abelhas nativas sem-ferrão vêm sendo implantadas recentemente em terras indígenas em todo o território nacional (BRASIL, 2002; ZENAIDE et al., 2004; LOPES, FERREIRA & SANTOS, 2005; GAVAZZI, 2007a, b; SANTOS & ANTONINI, 2008; BALLÍVIAN, 2008; SURUÍ, 2009). A presente subseção traça uma estratégia de monitoramento, manejo e criação de meliponíneos na Terra Indígena Maxakali, tendo como base os conhecimentos tikmũ’ũn sobre a meliponifauna, as experiências de meliponicultura implantadas em outras comunidades indígenas, e as técnicas ecológicas de monitoramento e manejo da fauna silvestre. Um inventário preliminar da melissofauna da TI Maxakali foi realizado com o auxílio de um taxonomista de abelhas, como uma primeira etapa do processo de monitoramento em longo prazo deste grupo, tendo em vista uma futura criação de meliponíneos. Os pontos de coleta de abelhas são assinalados na Figura 5.4, e as espécies encontradas são apresentadas na Tabela 5.1. Representantes da comunidade maxakali acompanharam o trabalho de campo, como forma de empoderamento das metodologias e técnicas adotadas na captura e acondicionamento das abelhas. Desta forma, fornecemos as principais diretrizes a serem seguidas para que futuros e contínuos trabalhos de inventário e monitoramento sejam executados pelos próprios membros da comunidade. Além de realizar amostragens, o taxonomista repassou aos pesquisadores maxakalis as técnicas de coleta através de armadilhas do tipo aromática (para indivíduos de Euglossini), e rede entomológica (ou puçá, que abrange, potencialmente, qualquer grupo de abelhas), e fixação e armazenamento do material biológico. Instrumentos de coleta e armazenamento (isto é, puçá, câmara mortífera, saquinhos de papel) foram entregues em quatro das sete escolas da TI Maxakali, sob a responsabilidade de um professor. Todo o material coletado pelos Maxakalis e durante as visitas realizadas foi encaminhado ao Laboratório de Sistemática e Ecologia de Abelhas do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG para identificação. Parte deste material será incorporado à coleção do referido laboratório e parte será encaminhado às escolas da TI Maxakali, juntamente com gavetas entomológicas, para que os professores possam utilizá-los como auxílio didático para o ensino de saberes autóctones e científicos sobre a melissofauna de seu território. 136 Figura 5.4. Pontos de coleta de abelhas na TI Maxakali. Direitos de imagem reservados © Google. Tabela 5.1. Espécies de abelha coletadas entre Julho e Dezembro de 2012 na TI Maxakali. FAMÍLIA SUBFAMÍLIA TRIBO SUBTRIBO ESPÉCIE Andrenidae Oxaeinae n/a n/a Oxaea flavescens Apidae Apinae Apini Apina Apis mellifera Apidae Apinae Apini Bombina Bombus (Fervidobombus) pauloensis Apidae Apinae Apini Euglossina Euglossa (Euglossa) carolina Apidae Apinae Apini Euglossina Euglossa (Euglossa) leucotricha Apidae Apinae Apini Euglossina Euglossa (Euglossa) securigera Apidae Apinae Apini Euglossina Euglossa (Glossurella) crassipunctata Apidae Apinae Apini Euglossina Eulaema (Apeulaema) marcii Apidae Apinae Apini Euglossina Eulaema (Apeulaema) nigrita Apidae Apinae Apini Meliponina Frieseomellita dispar Apidae Apinae Apini Meliponina Melipona (Melipona) quadrifasciata Apidae Apinae Apini Meliponina Partamona helleri Apidae Apinae Apini Meliponina Plebeia droryana Apidae Apinae Apini Meliponina Schwarziana quadripunctata Apidae Apinae Apini Meliponina Schwarzula timida Apidae Apinae Apini Meliponina Tetragona clavipes Apidae Apinae Apini Meliponina Tetragonisca angustula Apidae Apinae Apini Meliponina Trigona fuscipennis Apidae Apinae Apini Meliponina Trigona guianae Apidae Apinae Apini Meliponina Trigona hyalinata Apidae Apinae Apini Meliponina Trigona spinipes Apidae Apinae Centridini n/a Epicharis (Epicharana) flava 137 Apidae Apinae Centridini n/a Epicharis (Hoplepicharis) affinis Apidae Apinae Emphorini n/a Melitoma segmentaria Apidae Apinae Eucerini n/a Gaesischia (Gaesischia) nigra Apidae Apinae Exomalopsini n/a Exomalopsis (Exomalopsis) auropilosa Apidae Apinae Exomalopsini n/a Exomalopsis (Exomalopsis) fulvofasciata Apidae Apinae Tetrapediini n/a Tetrapedia sp. Apidae Xylocopinae Ceratinini n/a Ceratina (Crewella) sp.1 Apidae Xylocopinae Ceratinini n/a Ceratina (Crewella) sp.1 Apidae Xylocopinae Ceratinini n/a Ceratina (Crewella) sp.2 Apidae Xylocopinae Xylocopini n/a Xylocopa (Neoxylocopa) frontalis Colletidae Diphaglossinae n/a n/a Ptiloglossa sp. Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlora (?) Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlora (Augochlora) sp.1 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlora (Augochlora) sp.2 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlora (Augochlora) sp.3 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlora (Augochlora) sp.4 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochlorella sp. Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochloropsis sp.1 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochloropsis sp.2 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Augochloropsis sp.3 Halictidae Halictinae Augochlorini n/a Temnosoma sp.1 Halictidae Halictinae Halictini n/a Dialictus sp.1 Halictidae Halictinae Halictini n/a Dialictus sp.2 Halictidae Halictinae Halictini n/a Dialictus sp.3 Megachilidae Megachilinae Megachilini n/a Megachile (Leptorachis) sp.1 É um inventário ainda pequeno, para o tamanho da área, mas já traz alguma representatividade das espécies mais comuns na área. A Figura 4.5 mostra um esforço amostral nulo na porção oriental da TI. Isto se deve a uma combinação de fatores: 1- a maior parte dos fragmentos florestais está localizada na porção ocidental da TI; 2- os fragmentos florestais localizados na porção leste (1, 7 e 8) são longe da estrada e/ou de difícil acesso, e quando os fragmentos 1 e 7 foram visitados (apenas uma vez cada) não houve coleta de abelhas; 3- a não participação da aldeia Vila Nova no projeto, e o acesso difícil às aldeias Reginaldo e Cachoeira tornou as visitas à área do Pradinho bem menos frequentes do que em Água Boa. Isto aponta para a necessidade de um maior esforço amostral nos monitoramentos futuros na TI. Outra problemática diagnosticada refere-se ao fato de que grande parte do esforço de coleta fora despendido em remanescentes florestais pequenos e/ou muito alterados e nos vastos campos de capim-colonião. Uma vez que a oferta de fontes de alimentos (isto é, a quantidade e a diversidade de plantas floridas) demonstrou-se muito baixa, a lista de abelhas obtida para esses locais apresentou baixíssimos graus de riqueza e equitabilidade biológica. Em outras palavras, a 138 melissofauna destas áreas fortemente alteradas é dominada pelas espécies mais comuns (por exemplo, A. mellifera, Trigona spinipes e Trigona hyalinata), com presença bastante discreta das espécies menos tolerantes à degradação ambiental. Isso implica que existe uma grande demanda em se investir mais tempo amostrando os remanescentes florestais maiores (como os fragmentos 1 e 2), tendo em vista a obtenção de um checklist mais fidedigno e completo da TI Maxakali. Além do repasse para a comunidade das técnicas de captura, fixação, e identificação de abelhas, será preciso fornecer os meios técnicos e materiais necessários para que se estabeleça o efetivo monitoramento a longo prazo do grupo-alvo. A formação técnica dos agentes indígenas deve ser contínua. Paralelamente ao monitoramento, pode-se iniciar o processo de implantação dos meliponários em cada aldeia. Como várias das principais espécies da área já foram catalogadas, e seus ninhos serão identificados e marcados, o corpo técnico e a comunidade maxakali poderá realizar uma escolha das espécies a serem utilizadas na meliponicultura. Alguns critérios para a viabilidade cultural, ecológica e econômica devem ser respeitados: - abundância relativa de ninhos na natureza, de modo que a captura de colônias possa ocorrer sem prejuízo das populações silvestres; - produção mínima de mel pela espécie; - apreciação do mel daquela espécie pelos tikmũ’ũn; - não-agressividade e facilidade de manejo da espécie; - informações adicionais disponíveis acerca da criação e manejo da espécie. 139 Figura 5.5. Ninhos de meliponíneos observados na TI Maxakali e entorno. 5.2.2. Extrativismo vegetal (ênfase em bambus, embiras e palmeiras) Devido à constante extração de recursos vegetais, e da importância cultural deste, é necessária a realização de um diagnóstico participativo do status de conservação e distribuição destas espécies por todo o território (demarcado e entorno). Isto pode ser realizado através do treinamento de agentes indígenas para a realização do mapeamento cultural. Juntamente com o levantamento da localização dos recursos na paisagem, informação utilizada na confecção dos mapas, o agente poderá estimar a abundância relativa das populações dos mesmos. Ou seja, o mapeamento deve ser realizado concomitantemente ao diagnóstico de conservação das espécies de importância na extração. Com estas informações será possível elaborar um planejamento para o manejo extrativista de cada espécie, e dos grupos biológicos nativos, como um todo. Uma vez que as partes utilizadas das diferentes espécies vegetais de importância para a cultura maxakali diferem, as populações de cada uma delas sofrem impactos diferenciados quanto à sua extração: Palmeiras (Arecaceae) – as partes mais comumente utilizadas são as folhas, empregadas na cobertura de casas, confecção de cestos, trançados em geral, e adornos religiosos. Esta forma de uso tem pouco impacto, uma vez que o dano se reduz às folhas, mas podem ocorrer dependendo do emprego, se as folhas selecionadas são maduras ou brotos, etc. Derrubadas para emprego da 140 madeira na construção, artesanato e lenha podem trazer impacto médio a alto, ao remover indivíduos de maior porte produtores de grandes quantidades de propágulos. A coleta de frutos (cocos) é hoje bem ocasional (sendo relatada como mais comum no passado) e provavelmente causa impacto mínimo nas populações, ao remover algum volume de novos indivíduos que poderiam adentrar a população. A distribuição das espécies é desigual entre os fragmentos, e o mapeamento cultural poderá mostrar em uma escala mais fina da paisagem. Durante as caminhadas com os professores e experts, Polyandrococos caudescens (Mart.) Barb.Rodr. (kuxoxap), madeira muito apreciada para a confecção de arcos, foi avistada apenas no fragmento 5. Attalea burretiana Bondar (paxapnãgkup), espécie aparentemente heliófita, apresenta apenas uma pequena população adensada em área de capim no sudoeste da TI. Euterpe edulis Mart. (kupakup) foi observada apenas no fragmento 2, em uma área que apresenta características de estágio sucessional mais avançado. Bactris bahiensis Noblick ex A.J. Hend. (patyõtagnãgkup), cujo caule é empregado para a confecção de flechas, foi encontrado apenas no fragmento 6. Embiras e cipós (várias famílias, principalmente Malvaceae e Lecythidaceae) – tohox, na verdade, inclui embiras e cipós, e os impactos extrativistas são significativamente diferentes entre os dois. Para as embiras, o impacto é sempre alto, uma vez que envolve a derrubada de árvores adultas para a retirada de sua entrecasca (Figura 4.16). Contudo, algumas espécies apresentam comportamento de rebrota, e outras possuem grandes populações de indivíduos sub- adultos prontos para substituir os derrubados. Para as espécies que exibem estes comportamentos, os impactos são minimizados, pois os indivíduos removidos podem ser rápida e efetivamente substituídos. Cavanillesia umbellata Ruiz & Pav. (tokoxuk - Malvaceae), por exemplo, exibe as duas características, além da vantagem de apenas os indivíduos de médio porte serem extraídos; as gigantescas barrigudas, que produzem propágulos em abundância, não servem para retirar embira e são mantidas na população. Logo, o impacto causado nesta espécie de rápido crescimento também é mínimo, apesar de sua dispersão estar aparentemente restrita aos fragmentos 5 e 6, em ambos os locais com densidade populacional de média a alta. Já Cecropia glaziovii Snethl. (tuthi - Urticaceae) aparentemente apresenta rebrota, mas não mantém grandes populações de sub-adultos no sub-bosque. Esta espécie se encontra praticamente extinta no interior da TI Maxkali, devido à sua intensa extração para a retirada de fibras para o artesanato, tendo sido encontrada apenas em uma área erma no interior do Fragmento Florestal 2. Devido à sua escassez, os maxakalis buscam por esta espécie nas matas e fazendas do entorno. Takaxkup (uma Malvaceae, ex-Bombacaceae, possivelmente Pseudobombax) também apresentou alta densidade onde foi encontrado, nos fragmentos 5 e 6. A entrecasca desta espécie possui como usos a confecção de adornos de cabeça para os espíritos xũnĩm e putuxop, também uma espécie de saiote designada xukxax, e antigamente até de bolsas 141 para carregar armas, como espingardas. Lecythis lurida (Miers) S.A. Mori (kexmaxkup) é altamente apreciada por sua madeira forte, empregada na construção de casas e confecção de arcos. Sua embira é descrita como fraca, e utilizada apenas na ausência de outras. A espécie parece ser escassa na região (assim como outras madeiras de lei), tendo sido avistados poucos indivíduos esparsos, um dos mais proeminentes, em um alto de um morro dominado por capim próximo à aldeia do cacique Manuel Quelé. Couratari (toktapkup), outra Lecythidaceae, é um gênero bem diversificado na Amazônia, mas com apenas quatro espécies descritas para a Mata Atlântica da Bahia e do Espírito Santo. Um único indivíduo pôde ser observado, ao ser derrubado para a retirada da entrecasca para a confecção da veste cerimonial de um espírito. Os impactos nas populações de cipós são bem menores, apesar de poder haver remoção de grandes quantidades das plantas. Contudo, espécies mais sensíveis ou já escasseadas podem sofrer impactos profundos por sua constante remoção. Por exemplo, ‘ãmitax, uma Araceae hemi- epífita (provavelmente Phylodendron) usada para amarrar pontas de flechas, é descrita pelos artesãos que usam a espécie como rara e sensível, encontrada apenas em matas maiores e distantes. Foi observada apenas no fragmento 6, mas de acordo com os mesmos relatos, também ocorre nos fragmentos 1, 2 e 7. Bambus e taquaras (Poaceae: Bambusoideae) – para as taquaras, os empregos variam, mas a sua forma de extração não, já que sempre envolve a retirada de maiores ou menores partes e quantidades dos colmos, o que traz impactos semelhantes entre as populações das diferentes espécies. Aspectos regenerativos variam entre espécies cespitosas e rizomatosas, mas ambas as categorias podem sofrer impactos mínimos, se adequadamente manejadas. O grau de ruderalidade das espécies também influencia em sua resiliência diante dos impactos antrópicos. Por exemplo, Olyra latifolia L. (kutetpu'uk) foi vista em abundância nas clareiras do impactado fragmento florestal 3. Já Guadua sp., e outras espécies não identificadas de maior porte (taquaruçu) só puderam ser observadas no interior do fragmento 2 e em áreas fora da TI Maxakali. Também para a elaboração do plano de manejo extrativista de cada espécie vegetal, a comunidade deve estar envolvida em todas as etapas. Características culturais, bem como da história natural, história de vida, entre outros aspectos ecológicos de cada espécie devem ser levadas em consideração ao se delinear práticas, formas e restrições de uso. Além disso, a comunidade precisa participar na tomada de decisões quanto à opção entre o simples manejo das populações naturais, ou a complementação desta com a pesquisa e o estímulo ao plantio de espécies selecionadas nas proximidades das casas e aldeias. 142 5.2.3. Agrobiodiversidade Devido aos problemas associados à perda das variedades indígenas de cultígenos culturalmente relevantes, faz-se prioritária uma estratégia de atuação para a conservação da agrobiodiversidade da TI Maxakali. Foi observado que os próprios actantes não indígenas (FUNAI e ONGs, p. ex.) são os principais causadores da erosão da diversidade genética agrícola indígena, ao estimularem a adoção de práticas ocidentais (hortas, roças mono-varietais), com seus inerentes pacotes tecnológicos altamente dependentes de insumos químicos e agrotóxicos, e sementes híbridas e envenenadas, um modelo de produção alimentar ambiental, cultural e socialmente excludente. O resgate de variedades tradicionais pode ser realizado através de visitas em busca de propágulos em cada roça, priorizando-se as áreas manejadas por mais velhos, e localizadas nas aldeias que dependem mais da agricultura como fonte de renda (isto é, com menos indivíduos assalariados). Por exemplo, enquanto em quase toda a Água Boa me foi relatada a perda das antigas variedades de abóbora (totmãg - Cucurbita sp.), na aldeia de Badé Maxakali pude observar (e comer) um exemplar de uma variedade que ele atesta manter há muitos anos. Em realidade, toda a área próxima à aldeia de Badé, conhecida como região do ‘Bueno’ é muito produtiva em termos agrícolas, e parece ser a área mais promissora para a atual existência de variedades aparentemente com vínculos “indígenas”, “crioulas” ou “tradicionais”. Além de abóbora, pude atestar, em diferentes locais de Água Boa, variedades crioulas/indígenas de pimenta (petenãg), banana (tepta), mas principalmente dos dois tubérculos staple das aldeias, mandioca (kohot) e batata-doce (komĩy). Quanto às antigas variedades de milho, amendoim, feijão, arroz e maxixe (os cinco mais citados) todos os agricultores relataram terem sido extintas. Após a coleta e o inventário de todos os cultivares dos principais agricultores da TI Maxakali, este material deverá ser replicado, e servir de fonte de propágulos para as casas comunitárias de sementes de cada aldeia. Estas deverão ser bem simples, pequenas, descentralizadas, e teriam como responsável alguém indicado pela liderança de cada aldeia, e onde todos os membros da mesma aldeia pudessem ter livre acesso. Quando as casas de sementes estiverem bem estabelecidas, pode-se estimular o intercâmbio de variedades entre as casas mantidas por grupos aparentados/aliados. De fato, a troca de variedades deve ser um dos pontos-chave para uma maior conservação de variedades, uma vez que traria maior resiliência aos sistemas agroecológicos. É sabido ainda, que a EMBRAPA-Cenargen realizou coletas de variedades de milho de diferentes povos indígenas por todo o Brasil em décadas passadas, entre eles, os maxakalis, para 143 a incorporação em seu banco de germoplasma, as quais são até hoje mantidas. Esta espécie é de profundo valor simbólico e religioso, e a perda das variedades originais de milho é enormemente lamentada pelos agricultores maxakalis, que simplesmente não conseguem produzir com as sementes híbridas e transgências fornecidas pela FUNAI. Torna-se fulcral que esta empresa pública, única mantenedora deste patrimônio genético, realize uma parceria com a comunidade maxakali para a reintrodução desta variedade ou variedades na área, à semelhança do que realizou nos últimos anos entre os povos krahô, no Tocantins, e Xavante, no estado do Mato Grosso. Por fim, devido à sua grande importância alimentar e simbólica, é necessário o desenvolvimento de uma estratégia específica para a conservação de variedades de tubérculos (batata-doce e mandioca), uma vez que estes não podem ser mantidos em casas de sementes. A única possibilidade de conservação deste material genético é através da conservação on farm (CLEMENT et al., 2007). É interessante aqui que se decida juntamente com a comunidade as estratégias para preservação das variedades destas espécies, bem como o estímulo ao intercâmbio. 5.2.4. Recursos hídricos O limitado acesso à água potável de qualidade é um dos grandes problemas socioambientais enfrentados atualmente pelas aldeias da TI Maxakali. A falta de vegetação nas APPs vem causando exaustão das nascentes e córregos, e a recuperação da vegetação ripária é condição sine qua nom para a melhoria da qualidade da água consumida pela comunidade, já que na maior parte das aldeias não há abastecimento por água encanada. A ausência de mata ciliar e o conseqüente assoreamento da calha dos córregos causam uma redução na velocidade da água, que empoça formando brejos e terrenos alagadiços no fundo do vale, onde esperaríamos encontrar um córrego com uma coluna d’água de profundidade considerável. De fato, diante do assoreamento e colonização por macrófitas, muitas vezes não é possível distinguir entre córregos e brejos, principalmente durante a estação seca, quando a coluna d’água atinge níveis mínimos, e se horizontaliza no terreno já caracteristicamente alagadiço. No entanto, o nível crítico de escassez de água ainda não atingiu as raias do intolerável, em parte porque o córrego Umburanas nasce fora da TI, em áreas florestadas, e porque um importante formador do córrego Água Boa se encontra no interior do Fragmento Florestal 4, de porte considerável (> 200 ha.). A Figura 5.6 assinala os cursos d’água e duas nascentes visitados durante os trajetos percorridos pelo território. 144 Figura 5.6. Cursos d’água encontrados durante o trabalho de campo. As nascentes são assinaladas pelos ícones em vermelho. Uma parceria com o Laboratório de Ecologia e Biotecnologia de Leveduras do Departamento de Microbiologia do ICB-UFMG permitiu a análise microbiológica – contagem de Escherichia coli, utilizando a técnicade colimetria pelo processo de tubos múltiplos, em meio EC-MUG, em quatro amostras de água coletadas no dia 19 de dezembro de 2011. As amostras foram colhidas em pontos onde quatro aldeias retiram água para consumo, cujas localizações estão assinaladas na Figura 4.9. Os resultados das análises estão sumarizados na Tabela 4.1. Esta tabela mostra claramente que nenhum dos quatro pontos apresenta níveis de coliformes aceitáveis para o consumo humano. No entanto, em três dos pontos, a qualidade da água se encontra aceitável para banho e recreação. O ponto de coleta da aldeia Ãmãxux, cujo líder comunitário é o professor João Bidé apresentou níveis altíssimos de E. coli e, portanto, impróprios até para fins recreativos. Este local apresentava uma água parada, barrenta, e com grande abundância de macrófitas. 145 Figura 5.7. Pontos de coleta de água para análise microbiológica - contagem de coliformes, indicados pelas respectivas aldeias como locais utilizados coleta de água para consumo humano. Tabela 5.2. Contagem de E. coli em quatro amostras de água em locais de consumo habitual. * Número mais provável/100 ml Aldeia Pto. GPS Resultado análise Potabilidade Recreação Manuel Kelé 141 49 NMP/100 ml* Imprópria Excelente João Bidé 142 1600 NMP/100 ml Imprópria Imprópria Gilmar 143 11 NMP/100 ml Imprópria Excelente Badé 144 220 NMP/100 ml Imprópria Muito Boa Dentro do panorama de gestão participativa dos recursos, propõe-se a elaboração de um índice técnico-cultural para o diagnóstico da saúde e segurança hídrica, à semelhança do que já vem sendo desenvolvido em outros locais do mundo (como TOWNSEND et al., 2004). 5.3. Zoneamento da TI Maxakali Um zoneamento culturalmente válido e ambientalmente eficaz da TI Maxakali implica numa ampla participação comunitária, considerações sobre suas demandas, utilizando-se para isso de metodologias comumente designadas etnozoneamento, diagnóstico etnoambiental, ou mapeamento cultural colaborativo (LITTLE, 2006; CORREIA, 2007; MING, 2007; ACT Brasil, 2008; BAVARESCO, 2009; KANINDÉ, 2010). Isto não foi possível aqui, e nem fazia 146 parte do escopo deste projeto. Porém, apesar de ciente da invalidade sócio-cultural para a realidade em questão, uma aproximação puramente técnica de zoneamento, sem envolvimento intelectual ativo da comunidade, é aqui tentada, de forma a prover alguns apontamentos ecológicos pertinentes à problemática. Aspectos culturais, como as práticas de manejo agroambiental e dinâmicas políticas internas devem sempre ser levadas em consideração ao interferir-se na gestão territorial e dos recursos naturais de qualquer sociedade humana. Na TI Maxakali, cada fragmento, microfragmento, ou parte de fragmento florestal possui uma família tradicionalmente responsável por seu uso e manejo (cujo direito é herdado), e para uma proposta de conservação dos mesmos todas as aldeias e famílias precisam estar representadas e ativamente engajadas no processo. A fragmentação do pequeno território não se resume à histórica divisão entre Água Boa e Pradinho descrita no Capítulo 3. Ambas as áreas possuem várias subdivisões, que são nomeadas, habitadas e manejadas por grupos aparentados. Assim, Água Boa é subdividida em Cansanção, Jaqueiras, Bueno, Ãmãxux, Cacau, entre outras. Para o Pradinho foi registrado apenas um nome, mĩkax kaka (pé da pedra), em referência à aldeia do início do século XX localizada próxima às montanhas que delimitam o vale do Umburanas. Nenhuma referência explícita às outras áreas do Pradinho foi observada. Ademais, conhecimentos pedológicos indígenas podem oferecer ferramentas para um zoneamento mais fino, em uma menor escala da paisagem. Durante o trabalho de campo foram registradas apenas três categorias tikmũ’ũn de solo, embora se saiba que cada uma dessas possui algumas subcategorias com suas potencialidades agrícolas (como descrito na subseção ). A prática da queima do capim-colonião deverá ser suprimida em todas as zonas, uma vez que, graças à grande quantidade de biomassa disponibilizada pelo colonião, as queimadas se tornam incontroláveis. Uma rede de aceiros e barreiras anti-fogo, voltada para a preservação dos fragmentos florestais remanescentes, e para a criação de um mosaico sucessional complexo, também deve ser implantada em todo o território, com fins de minimizar os impactos do fogo na paisagem. Zona 1: Ocupação humana e uso intensivo Embora ainda possuam hábitos semi-nômades, com constantes migrações de famílias entre os assentamentos, a maioria das aldeias se encontram em suas localizações atuais já há algum tempo. Isto é devido, em parte, às habitações construídas em alvenaria, cada vez mais comuns, muito custosas para serem abandonadas. Em Água Boa, a maior parte dos assentamentos (aldeias ou esparsas casas habitadas por núcleos familiares) se encontra na 147 porção sudoeste da terra indígena, na beira da estrada que vai para a cidade de Santa Helena de Minas. Esta é a área de maior impacto, com maior número de pessoas explorando os recursos das matas e queimando as áreas de capim, como mostrado na Figura 4.4. No Pradinho as três grandes aldeias (Cachoeira, Reginaldo e Vila Nova), estão um pouco mais espalhadas, mas também se localizam na beira da estrada, e a uma distância considerável dos fragmentos florestais mais próximos (ca. 2 km). Devido a estes fatores, estas duas áreas foram definidas como Zona 1, para ocupação e uso humano mais intenso, com estradas, aldeias e demais construções e infra-estruturas (Figura 5.8). No entanto, esta área corresponde à porção mais baixa e plana do terreno, e as estradas correm paralelas aos cursos d’água. Portanto, nesta zona também se encontram as áreas que deveriam ser ocupadas pela vegetação ripária. Isto é, na Zona 1 também se encontram áreas de preservação permanente, tidas como prioritárias para a recuperação. Logo mais uma atividade dentro desta zona seria o plantio e manejo de matas ciliares nas proximidades das aldeias e corpos d’água. Objetivos da Zona 1: - Regularizar a ocupação humana do território; - Restringir atividades agrícolas e o nomadismo a uma área pré-determinada; - Recuperar as matas ciliares dos grandes córregos. Atividades permitidas: - Construções - Extrativismo vegetal - Caça - Roças/Quintais/Sistemas Agroflorestais - Pastagens - Captação de água - Plantio de arbóreas na margem de cursos d’água Restrições de uso: - Queima 148 Figura 5.8. Disposição dos assentamentos (losangos brancos) e dos fragmentos florestais (árvores verdes) na TI Maxakali. Os círculos vermelhos são os pontos limítrofes das estradas que cruzam o território. Círculos em branco apresentam as áreas de maior concentração de infra-estrutura (casas, estradas, escolas, etc.), aqui definidas como Zona 1. Zona 2: Conservação e manejo dos fragmentos florestais Em uma macro-análise da disposição espacial das manchas florestais da TI Maxakali, podemos notar claramente dois mosaicos florestais principais, com potencial de se tornarem corredores ecológicos. Podemos inferir, tanto por uma observação detalhada das imagens de satélite disponíveis no programa GoogleEarth (datadas de 2009), quanto pelos relatos orais dos maxakalis mais velhos, que estes mosaicos eram de fato corredores florestais bem estabelecidos que vêm sendo fragmentados nas últimas quatro ou cinco décadas à medida que o fogo e o capim avançam em seu interior. Vem desse fenômeno a categoria da paisagem mĩmãti panip (floresta espalhada/fragmentada), apresentada na Tabela 3.1. Em realidade, o processo persiste, à medida que as pequenas manchas formadoras dos mosaicos são reduzidas ano a ano, aumentando as distâncias entre si, e os fragmentos de maior porte correm sério risco de se pulverizarem em microfragmentos desconectados. Um cruza toda a área de Água Boa, no sentido NW-SE, acompanhando o divisor de águas no centro da TI (que separa Água Boa do Pradinho) e se estendendo até além do limite noroeste da área protegida, denominado corredor central de Água Boa. O outro se estende ao longo do limite nordeste da TI, e foi denominado corredor norte do Pradinho. 149 Ambos os mosaicos possuem grandes manchas de capim em seu interior, que isolam os fragmentos uns dos outros. Estes verdadeiros corredores de capim permitem a entrada do fogo, expandindo sua área, e aumentando as bordas dos fragmentos florestais. Uma vez que esta descontinuidade é prejudicial para a manutenção da biodiversidade, a recuperação destas áreas se faz premente. Portanto, os gaps entre os fragmentos foram considerados áreas prioritárias para a recuperação, de forma a aumentar a conectividade entre as áreas, a partir de um enfoque ecossistêmico. Além destes, as demais áreas de preservação permanente (APP) também estão incluídas nesta zona. As áreas para conservação e manejo são os próprios fragmentos florestais de maior porte. Uma vez controlado o fogo, estas áreas servirão de estoque gênico e fonte de propágulos para recolonização das áreas desflorestadas. Objetivos da Zona 2: - Proteger os fragmentos florestais remanescentes, estimulando sua recuperação e conectividade dentro da matriz da paisagem; - Estabelecer zonas prioritárias para recuperação e intervenção que aumentem a conectividade dos corredores; - Recuperar demais APPs (topo de morro, nascentes, e declividades > 45º). Atividades permitidas: - Extrativismo vegetal - Caça - Captação de água - Sistemas agroflorestais/Restauração agro-sucessional - Construção de aceiros - Cercamento e reflorestamento de nascentes Restrições de uso: - Queima - Abertura de clareiras/Roça - Pastagem 150 Figura 5.9. Disposição dos assentamentos (losangos brancos) e dos fragmentos florestais (árvores verdes) na TI Maxakali. Os últimos são ilhados uns dos outros por grandes manchas de M. maximum. Círculos em branco delimitam os dois principais corredores fragmentados (Zona 2 - áreas prioritárias para a conservação e manejo): corredor central de Água Boa, e corredor norte do Pradinho. Observe que ambos extrapolam os limites da TI. Delimitados pelos círculos em laranja estão as áreas prioritárias para recuperação. Outras zonas Qualquer zoneamento demasiado restritivo (p. ex., proibindo a caça e a coleta de frutos e sementes) seria rapidamente descartado pelos maxakalis, já que essa é a principal finalidade das matas (além dos usos sagrados e religiosos). Além disso, a pequena extensão do território é incapaz de suprir todos os recursos necessários para sua sobrevivência, e propor zonas intangíveis seria inviável. As áreas de menor manejo e impacto humano seriam aquelas destinadas à recuperação dentro da Zona 2. Restam, no entanto, algumas áreas sem aldeias e sem florestas, distantes das estradas, que também poderiam servir aos objetivos de recuperação da cobertura vegetal. Não por coincidência, estas áreas mais ermas sofrem queimadas extensas e impactantes, devido à ausência de controle e presença humana, que se alastram pelo território. Há certa sensação de que essas áreas são ‘terra de ninguém’, uma vez que ninguém as maneja ou cuida. Caso o fogo seja controlado (seja por uma iniciativa dos maxakalis, ou pelas barreiras e aceiros), elas poderão se regenerar rapidamente, já que são pouco visitadas (exceto para caçadas esporádicas). 151 Figura 5.10. Grandes manchas de capim, sem aldeias nem fragmentos florestais. A partir do controle das queimadas, estas áreas poderiam avançar no processo de sucessão secundária. Parece evidente, pelas informações levantadas, que o manejo do processo sucessional, aliado ao controle do fogo, parece uma estratégia mais viável para a recuperação ambiental da área do que a produção e o plantio de mudas, como diversos projetos vieram tentando até agora. Os tikmũ’ũn conhecem a fundo o processo sucessional, ao mesmo tempo em que (mesmo ‘viveiristas treinados’) ignoram a fundo os processos técnicos da silvicultura. Isto aponta para uma necessidade de se decidir com a comunidade as futuras estratégias para recuperação das áreas florestais do seu território. 152 6. Conclusão Cada vez mais se tem reconhecido a importância das Terras Indígenas para a conservação da biodiversidade no Brasil. Aqui, foi descrita uma tentativa de aplicação do conceito dialético de paisagem desenvolvido pela Ecologia Histórica (BALÉE, 2006) ao processo de gestão ambiental e territorial comunitária da Terra Indígena Maxakali, Minas Gerais, com vistas à melhoria da qualidade ecossistêmica da área, de modo a assegurar as bases biológicas e materiais necessárias para a garantia da soberania alimentar, a autonomia econômica e a perpetuação identitária das pessoas que nela habitam e dela dependem. A análise do processo histórico de ocupação do território mais amplo por indígenas e não-indígenas, e da consequente conformação que essa paisagem toma, moldada pela introdução do capim-colonião e por seu manejo ativo através do fogo, trouxe significantes aportes para a elaboração de estratégias cultural e ecologicamente viáveis de manejo ambiental da área. Da mesma forma, a elucidação de categorias semânticas de classificação da biodiversidade na cultura maxakali deixa mais claras as profundas relações que esse povo estabeleceu e ainda estabelece com a mata atlântica, fornecendo indício de recursos-chave para a gestão e sensibilização comunitária quanto aos objetivos de conservação ambiental. Em busca de parâmetros técnicos que pudessem servir à gestão ambiental e territorial comunitária da TI Maxakali, o conceito de espécie-chave cultural foi aqui aplicado na busca por grupos biológicos culturalmente salientes que pudessem servir como componentes de sensibilização para a conservação e enriquecimento dos agroecossistemas. Quatro grupos biológicos que constituem categorias distintas na língua portuguesa e na língua maxakali foram considerados como essenciais para a cultura material e imaterial tikmũ’ũn, ao serem identificados como de extrema importância para os campos litúrgico, simbólico, lexical, alimentar e econômico, já que oferecem matéria-prima para uma miríade de práticas e processos culturais (bons de se pensar e de se comer). Tais grupos são os meliponíneos (pukxe’e), embiras (tohox), palmeiras (paxap), e bambus (kutehet). Devido às mencionadas importâncias rituais, simbólicas e econômicas, tais grupos apresentam forte potencial de atuar como “espécies guarda-chuva” no processo de sensibilização comunitária para a recuperação ambiental e conservação dos fragmentos florestais remanescentes do território. Através do levantamento de suas áreas de ocorrência, do diagnóstico do seu grau de abundância, de utilização, e de impacto, poder-se-á melhor definir estratégias para o seu manejo, de maneira a recompor suas populações em áreas naturais e manejadas, oferecendo assim as bases materiais para a reprodução sócio-econômica e identitária da cultura maxakali. 153 Apesar do vasto corpo de conhecimentos ecológicos tikmũ’ũn se perpetuar através de seus cantos e mitos, estes poderão não ser mais suficientes para manterem sua ciência na ausência das bases físicas, ecológicas e biológicas correspondentes. A erosão intergeracional de saberes ambientais é patente: enquanto os mais velhos relatam espécies hoje escassas ou não mais presentes, e descrevem elementos da antiga floresta, as gerações mais novas não demonstram tanto interesse pelo assunto, e desconhecem as espécies nativas (muitas vezes utilizando neologismos para nomeá-las), tanto da flora quanto da fauna. Uma vez que a paisagem é um elemento extremamente importante no imaginário de qualquer sociedade humana, fornecendo marcos, símbolos e correlações com a cultura desenvolvida no local, o deslocamento abrupto da fisionomia vegetal dentro da TI Maxakali desestabiliza as relações físicas, ecológicas e simbólicas deste povo com a mata atlântica. Logo, se torna evidente que, durante as próximas gerações, os tikmũ’ũn terão que optar entre deixarem de ser um “povo da floresta” para serem habitantes de uma savana pouco biodiversa, ou trabalharem em prol da restauração de sua floresta física, uma tarefa em que podem e devem ser auxiliados por técnicos, pela academia, e pela sociedade como um todo, desde que suas próprias demandas e saberes endógenos acerca da floresta simbólica atlântica sejam considerados centrais durante as tomadas de decisão. 154 7. Referências Bibliográficas ACT Brasil. 2008. Metodologia de Mapeamento Cultural Participativo. Brasília: ACT Brasil Edições. ACT Brasil. 2009. 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