MONOGRAFIA “ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO HABITACIONAL DE TIMÓTEO/MG” Autora: Kênia Alves de Paula Orientador: Prof. Roberto B. Figueiredo Agosto / 2011 KÊNIA ALVES DE PAULA Universidade Federal de Minas Gerais Escola de Engenharia Departamento de Engenharia de Materiais e Construção Curso de Especialização em Construção Civil “ANÁLISE CRÍTICA DA PRODUÇÃO HABITACIONAL DE TIMÓTEO/MG” Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Construção Civil da Escola de Engenharia UFMG Ênfase: Gestão de Projetos Orientador: Prof. Roberto B. Figueiredo Belo Horizonte Escola de Engenharia da UFMG 2011 AGRADECIMENTOS À Deus, Ao meu marido Douglas, por ter suportado pacientemente minhas ansiedades e angústias, pelo carinho, apoio e compreensão, ainda que muitas vezes privado da minha companhia. Aos meus pais e irmão pelo apoio incondicional. Aos professores e demais funcionários do Curso de especialização em construção civil da UFMG pela convivência prazerosa e enriquecedora. Aos amigos que de algum modo contribuíram para a existência desse trabalho. Aos funcionários da Secretaria Municipal de Habitação e do Planejamento da Prefeitura Municipal de Timóteo, pela disposição em atender às constantes solicitações. Aos futuros moradores do Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador, pelo acolhimento que permitiu conhecer as suas reais necessidades, determinantes para a realização desse trabalho, crescimento pessoal e profissional. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO...................................................................................................09 2. OBJETIVOS 3.1. Objetivos gerais..........................................................................................11 3.2. Objetivos específicos..................................................................................11 3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA.............................................................................12 3.1.Breve Histórico da Habitação Social no Brasil.......................................12 3.1.1. A Habitação Popular na República Velha................................................12 . 3.1.2. Intervenção do Governo na Questão Habitacional do Período Vargas...............................................................................................................15 3.1.3. Da Criação ao declínio do BNH...............................................................17 3.1.4. Políticas Habitacionais: De Collor à Dilma Roussef................................19 4. HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL NO MUNICÍPIO DE TIMÓTEO........24 4.1. Características Gerais do Município e Histórico Habitacional....................24 4.2. Análise das Condições Atuais da Política Habitacional do Município........27 5. ESTUDO DE CASO: AS HABITAÇÕES DO CÓRREGO DO CAÇADO..........33 5.1. A escolha do Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador...................33 5.2. Apresentação e Análise dos resultados obtidos no Estudo de Caso.........36 5.2.1. Investigação do Processo de Produção das Habitações........................48 5.2.2. Entrevistas com os futuros moradores....................................................45 6. CONCLUSÕES..................................................................................................51 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................53 8. ANEXOS............................................................................................................55 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Vila Operária Salvador de Sá/ Rio de Janeiro .......................................14 Figura 2: Conjunto habitacional Sumaré I, Sumaré São Paulo.............................17 Figura 3: Localização do Município de Timóteo....................................................24 Figura 4: Demolição das Habitações em Timóteo.................................................28 Figura 5: Habitações em áreas de risco................................................................29 Figura 6: Habitação no Bairro Bela Vista: Dificuldade de Layout devido à dimensão dos cômodos.....................................................................................34 Figura 7: Quadro de Especificações dos Empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida........................................................................34 Figura 8: Implantação das habitações no Córrego do Caçador............................39 Figura 9: Perspectiva para apresentação do projeto do Córrego do Caçador......40 Figura 10: Planta das habitações do Bela Vista.................................................. .41 Figura 11: Planta das habitações do Córrego do Caçador...................................42 Figura 12: Construção do muro frontal................................................................. 44 Figura 13: Construção do muro frontal..................................................................44 Figura 14: Ampliações realizadas no Conjunto Habitacional Bela Vista...............45 Figura15: Habitações do Córrego do Caçador: Espessura da parede comum entre as residencias........................................................................................................46 Figura 16: Habitações do Córrego do Caçador: Proximidade entre os blocos......47 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS HIS – Habitação de Interesse Social IAP – Instituto de Aposentadoria e Pensão FCP – Fundação da Casa Popular BNH – Banco Nacional da Habitação SFH – Sistema Financeiro Habitacional FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço SBPE – Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo PES – Plano de Equivalência Salarial FCVS – Fundo de Compensação de Variação Salarial CEF – Caixa Econômica Federal PAH- I – Plano de Ação Imediata para Habitação ONU – Organização das Nações Unidas PMCMV- Programa Minha Casa Minha Vida PSH – Programa de Subsídio à Habitação PAR – Programa de Arrendamento Residencial OGU – Organização Geral da União FAR – Fundo de Arrendamento Residencial BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento FNHIS- Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social PAC – Programa de Aceleração do Crescimento PLHIS- Plano Local de Habitação de Interesse Social MNLMO – Movimento Nacional de Luta pela Moradia ZEIS – Zonas Especiais de Interesse Social UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais 8 1. RESUMO No presente trabalho buscou-se primeiramente conhecer através de uma pesquisa bibliográfica o contexto político e econômico em que se deu a evolução do processo de formação das habitações populares no Brasil. Observou-se que desde sua origem, a política habitacional brasileira prioriza o atendimento “quantitativo” das demandas, o que contribui para o aumento das moradias de baixo nível de qualidade de vida. Posteriormente, uma pesquisa foi realizada com o objetivo de identificar as origens dos problemas que comprometem a qualidade dos espaços das habitações populares, a partir de experiências consolidadas em Timóteo, MG. Utilizou-se como “estudo de caso” o Conjunto Residencial do Córrego do Caçador em construção desde novembro de 2009. A metodologia aplicada consistiu em analise técnica das habitações, utilizando de croquis, anotações e fotos, entrevistas com os futuros moradores e técnicos da Secretaria Municipal da Habitação e da Secretaria de Planejamento, além de visitas à conjuntos habitacionais, já ocupados, que possuem características semelhantes ao escolhido como objeto de estudo. Por fim, foi feita uma avaliação crítica dos pontos positivos e negativos verificados no estudo de caso, afim de estabelecer uma relação destes com as premissas dos arquitetos, autores do projeto e as diretrizes estabelecidas pela política habitacional adotada no município. Acredita-se que os resultados obtidos podem auxiliar arquitetos e demais envolvidos na elaboração de projetos contemporâneos similares. 9 1. INTRODUÇÃO O déficit habitacional do Brasil caiu de 6,3 milhões em 2007, para 5,8 milhões de moradias, mas as carências habitacionais ainda são elevadas. São Paulo e Rio de Janeiro concentram 19,4% e 9,3% das carências habitacionais, respectivamente, seguidos pelo Pará e por Minas Gerais. Para eliminar o déficit habitacional o Brasil precisa de cerca de 7,2 milhões de novas moradias. (Fundação João Pinheiro, 2010). Não obstante a inquestionável prioridade de oferecer à população de baixa renda uma casa para morar, os aspectos qualitativos de sua produção devem ser reavaliados. Na elaboração dos projetos arquitetônicos o fator econômico tem sido determinante. A construção industrial seriada já foi apontada como solução para a crise habitacional, e construir inúmeras habitações a baixo custo tornou-se uma política de governo. A quantidade é priorizada em detrimento da qualidade, o que resulta em espaços excessivamente reduzidos, com extremo desconforto ambiental e programa de necessidades limitado. Portanto, é importante rever o processo de produção das habitações de baixa renda, reavaliando, sobretudo, os critérios adotados pelos arquitetos em seus projetos. Grande parte das habitações para população de baixa renda é projetada sem levar em consideração dois fatores indispensáveis para a qualidade de vida: as características do meio onde serão construídas e as necessidades dos usuários a que se destinam. Quando não há um exame das condicionantes ambientais do local, principalmente, das condições climáticas, tais como a temperatura do ar, umidade, radiação solar, da direção e velocidade do vento, e essas não são consideradas na elaboração do projeto, é possível que os moradores tenham gastos elevados com eletricidade para ventilação e iluminação, além de problemas de saúde. Ao considerar as questões supracitadas, é possível construir ambientes saudáveis, com aberturas bem dimensionadas e orientadas para a correta insolação, evitando a necessidade do uso excessivo de luz artificial e ventilação cruzada, permitindo assim a renovação permanente do ar e prevenindo contra 10 doenças respiratórias. Enfim, grande parte das soluções de conforto ambiental é viável economicamente e se resolve na concepção do projeto. Considera-se de extrema importância que o projeto arquitetônico seja utilizado como instrumento para antecipar possíveis conflitos na relação do morador e o espaço construído. Porém, para que isso ocorra, também é preciso que o arquiteto assuma o papel de “facilitador” de decisões e ações do usuário sobre o espaço, ou seja, que permita, ou ainda, estimule através do projeto, a participação deste, no sentido de transformar a casa produzida em série em ambiente habitual, modificando-a conforme suas necessidades e anseios. 11 3.OBJETIVOS 3.1- Objetivos Gerais A presente dissertação tem o propósito de identificar os problemas que comprometem a qualidade dos espaços das habitações populares produzidas por iniciativa governamental na cidade de Timóteo MG, e a partir de uma reflexão sobre a relação destes problemas com os pressupostos dos arquitetos, autores do projeto, e com as diretrizes da política habitacional, contribuir para a melhoria da qualidade de futuras habitações. 3.2- Objetivos Específicos  Conhecer através de pesquisa bibliográfica as políticas habitacionais brasileiras adotadas ao longo da história.  Analisar o processo atual de produção de habitação popular na cidade de Timóteo.  Identificar os problemas existentes nas habitações populares que estão sendo produzidas em Timóteo, através de visita técnica e entrevista com futuros moradores.  Conhecer os conjuntos habitacionais existentes em Timóteo, comparando-os com o conjunto em estudo, visando avaliar a produção habitacional da cidade ao longo do tempo.  Avaliar os resultados obtidos na pesquisa, relacionando-os com as propostas dos arquitetos, autores do projeto, e as diretrizes estabelecidas pela iniciativa governamental. 12 4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 4.1. Breve Histórico da Habitação Social no Brasil 4.1.1. A Habitação Popular na República Velha A precariedade das habitações para a população menos favorecida só começou a ser detectada como um problema social no Brasil, no final do século XIX, a partir da abolição da escravidão em 1888 e a proclamação da República em 1889. Nesse período a estrutura econômica brasileira passou por grandes mudanças, a mão de obra escrava negra foi substituída pelo trabalho assalariado, e são inauguradas as primeiras indústrias, provocando a concentração de mão de obra operária nas áreas centrais das cidades. A vida nas cidades não acompanha as exigências da crescente demanda populacional, vinda do campo. Sem acesso a alternativas, a maioria dos trabalhadores foi habitar os “cortiços”, tipo de habitação mais comum da época. Muitas vezes desprovido de instalações hidráulicas, o cortiço era considerado o pior inimigo da saúde pública. Os governos da República Velha (1889-1930) privilegiavam a produção privada de casa para aluguel e recusavam a intervenção direta na produção de moradias. Nada existia em termos de financiamento para aquisição da casa própria. Dada à reduzida capacidade da indústria de absorver novos e crescentes investimentos, o negócio de possuir casas de aluguel era uma segura e excelente forma de rentabilizar poupanças e recursos disponíveis na economia urbana, fortemente aquecida pela expansão da atividade agrário exportadora (Bonduki, 1998). Não havendo intervenção do Estado, a definição do valor do aluguel era feita através da livre negociação entre o locador e o inquilino, ocasionando em sérios conflitos. Diversas tipologias foram desenvolvidas para atender a diferentes classes sociais. A maioria das habitações destinadas à classe menos favorecida, 13 privilegiava o intenso aproveitamento do solo através da geminação e a inexistência de recuos frontais e laterais, o que comprometia a ventilação e a iluminação em seu interior. Além disso, as habitações eram construídas utilizando materiais de baixo custo e qualidade inferior, sempre em prol da rentabilidade dos locatários. A produção dos cortiços aumentavam progressivamente e os problemas de insalubridade passaram a preocupar as autoridades municipais, que adotaram códigos de postura, determinando as condições mínimas de produção das habitações populares. Segawa (2001), afirma que do final do século XIX, até a terceira década do século seguinte, a ventilação e a insolação, nem sempre numa perspectiva conjunta, estarão fundamentalmente relacionadas com a salubridade. No que se refere à ventilação, os códigos sanitários, eram claros. Apesar de não haver uma especificação definida, exigiam que o pé direito fosse alto e que a área de cada cômodo fosse suficiente para que, por diferença de temperatura e densidade o ar viciado fosse renovado. Essas condicionantes resultaram em modificações e direcionamentos dos espaços internos das habitações de modo a adequar as melhores condições de saúde e conforto. A ação pública também incluiu a limpeza e higienização do espaço urbano, através de algumas iniciativas mais modernas de urbanização (renovação urbana e preservação). De acordo com Bonduki (1998: 165-170), um importante processo de remodelação urbanística se deu na cidade do Rio de Janeiro durante a administração do prefeito Francisco Pereira Passos. Inspirado nas obras de remodelação de Paris, empreendidas pelo Barão Haussmann entre 1853 e 1870, Passos mandou abrir novas artérias, efetuou obras de infra-estrutura, como a canalização do Rio Carioca em Laranjeiras, construiu o novo porto do Rio de Janeiro e promoveu o embelezamento dos outros. Algumas das transformações urbanas levaram à derrubada de centenas de habitações populares. Para amenizar esse problema, Passos implantou a vila operária, situada até hoje na Rua Salvador de Sá, na Cidade Nova. Esse foi o primeiro grupo de moradias construído pelo poder público no país. Outra iniciativa 14 estatal pode ser identificada em Recife, no ano de 1924, na criação da Fundação Casa Operária, que parece ser a primeira instituição pública nacional a ser criada para produzir habitações com caráter social. Figura 1 - Vila Operária Salvador de Sá/ Rio de Janeiro Fonte: http://extra.globo.com/noticias/economia/projeto-da-prefeitura-do-rio-para-vila-operaria- salvador-de-sa-recebido-com-desconfianca-pelos-moradores-280876.html - Acessado em: 15 de de dezembro de 2010. 15 4.1.2. Intervenção do Governo na Questão Habitacional do Período Vargas Durante o governo de Getúlio Vargas (1937-1945), a questão sanitária sai do foco principal e o problema habitacional torna-se umas das preocupações do governo. É nesse período que o governo passa a intervir verdadeiramente na produção de moradias e também no mercado de aluguel imobiliário. Essa mudança se dá principalmente em benefício da indústria nascente, pelo fato da habitação ser um dos principais itens de reprodução da força de trabalho e também pela legitimação do governo junto às massas trabalhadoras. Segundo Triana (2006), os primeiros órgãos federais que atuaram dando suporte à produção da habitação social foram os IAP’s (Instituto de Aposentadoria e Pensão) e a FCP (Fundação da Casa Popular). Contrariando o tipo de habitação social do século anterior, os IAP’s, iniciaram o trabalho concebendo modelos de habitações uni familiares no centro do lote, com recuos frontais e laterais. Entretanto, os modelos que prevaleceram foram os do tipo coletivo que privilegiavam a redução de custo na produção. Pressupostos econômicos influenciaram diretamente a produção tanto qualitativa quanto quantitativa dos espaços da habitação. As áreas internas são reduzidas, sob influencia das proposições modernistas difundidas por Le Corbusier, um dos mais importantes arquitetos do século XX. Para reduzir o déficit habitacional na Europa, Le Corbusier lança o desafio à produção habitacional em série e também a busca pela funcionalidade dos espaços domésticos, cujo o extremismo resultou em uma polêmica expressão: “máquinas de morar”, e por sua vez deu origem ao conceito de casa mínima. Pela primeira vez a casa é pensada a partir de sua funcionalidade e da disposição dos equipamentos e mobiliários internos. A proposta da Fundação da Casa Popular revelava objetivos ambiciosos para a época. Ela se propunha a financiar além de moradia, infra-estrutura, saneamento, indústria de material de construção, pesquisa habitacional e até mesmo a formação de pessoal técnico. No entanto, sua implementação exigia a 16 centralização dos recursos gerados pelos IAP’s. A resistência deste último, somada a deposição de Vargas, em 1945, abortaram o projeto do que foi o 1º órgão nacional destinado exclusivamente á produção de moradias. Outra contribuição do governo de Vargas foi a criação do Decreto-Lei 58, de 1937, 1ª lei federal a regulamentar a questão do parcelamento do solo para fins urbanos. Porém, tal objetivo foi atingido de forma secundária, uma vez que visava regulamentar a venda de terrenos a prazos. Durante a década de 40 o país passou por uma grande crise no setor habitacional. O Decreto-Lei do Inquilinato criado por Vargas em 1942, estabilizou por 02 anos todos os alugueis pelos valores de 1941. Apesar de ter sido criado com o objetivo de proteger o inquilino e apaziguar as discussões entre estes e os locatários, o decreto trouxe mais prejuízos que benefícios, ele desestimulou o investimento na produção de casas para aluguel, provocando o aumento da carência habitacional. Salienta-se ainda, que nesse momento as cidades brasileiras ainda recebiam um intenso fluxo migratório interno, do campo para as cidades, provocados pelas novas condições econômicas, principalmente o crescimento industrial. De acordo com Bonduki (1998), uma vez desprovidos de instrumentos legais para aumentar os alugueis, os proprietários despejam os inquilinos, para no futuro elevar os valores locativos, alterar a destinação dos imóveis ou mesmo renovar a construção. O despejo e o aumento posterior dos alugueis foram os principais causadores da construção de casas informais nas periferias (as favelas). Para agravar a situação, o processo de modernização das cidades (alargamento de ruas, aumento de infra-estrutura, revitalizações de portos...) provocaram uma acentuada elevação nos preços dos imóveis e terrenos localizados nas áreas centrais. 17 4.1.3- Da criação ao declínio do BNH É somente a partir de 1964, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH) que a política nacional de habitação consolida-se como área de intervenção estatal pela produção de unidades em larga escala. O objetivo principal de sua criação era viabilizar recursos públicos para a construção e aquisição da casa própria para as camadas de mais baixa renda. É nesse período que o empobrecimento das soluções habitacionais chega ao seu ápice. É confirmada uma busca incessante e inconsistente pela redução de custos com a deturpação do conceito de casa mínima. “Com isso, introduziu-se no repertório da habitação social brasileira um suposto racionalismo formal desprovido de conteúdo, aplicados em projetos de baixa qualidade, repetitivos e desvinculados do contexto urbano, do meio físico e de um projeto social.” (Bonduki, 1998:176). Figura 2: Conjunto habitacional Sumaré I, Sumaré São Paulo Fonte:http://planhabdauufes.blogspot.com/2009/12/habitacao-social-no-brasil.html. Acessado em 05 de janeiro de 2011 O BNH era o órgão gestor e normatizador do SFH (Sistema Financeiro Habitacional), que captava recursos advindos do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), um mecanismo de poupança compulsória e do SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo) com base no sistema de poupança voluntária. O FGTS era usado para financiar as obras destinadas à 18 população de baixa renda, enquanto o SBPE financiava o setor de classe média e alta. Pouco tempo depois de sua criação, o SFH já vinha acumulando sérios problemas financeiros e estruturais. O número de inadimplentes crescia progressivamente devido ao descompasso entre os ajustes salariais e as indexações periódicas das prestações. Embora tenham sido criados mecanismos para sanar esse problema, como é o caso do PES (Plano de Equivalência Salarial) e do FCVS (Fundo de Compensação de variação salarial), a queda do SFH foi inevitável. Esses problemas foram somados à inflação que não parava de subir, de 45% anuais na década de 70, ela passou a 2.000% no fim da década de 80, o que levou a desvinculação das prestações do PES e os reajustes salariais. Foram criados subsídios para o pagamento das prestações afim de reduzir as inadimplências. Esses subsídios oneravam o FCVS, que não dispunha de nenhum recurso orçamentário para cobrir tais contribuições aos proprietários. De acordo com Filho (2006), o BNH financiou cerca de 25% do incremento de moradias construídas no país. Entretanto, menos de 20% desse total se destinou à concessão de financiamento de habitação às famílias de baixa renda.Contrariando aos seus objetivos iniciais, o BNH acabou não atendendo suficientemente a população de baixa renda, servindo bem mais ao interesse do empresariado da construção civil. Após a extinção do BNH em 1986, a Caixa Econômica Federal (CEF) passa a assumir o SFH, aumentando as opções de financiamento e atendendo a uma parcela maior da população, no entanto não acrescentou maior qualidade aos projetos, como podemos observar hoje, em alguns conjuntos habitacionais, na repetição de tipologias de 30 anos atrás, sem a revisão necessária para a adequação às novas composições do grupo familiar e aos seus modos de vida. 19 4.1.4- Programas habitacionais – De Collor à Dilma Roussef Segundo Palhares (2001), a partir da segunda metade da década de 80, a política habitacional no Brasil seguiu uma tendência de descentralização. O Governo Federal passa a não reter mais todas as decisões na alocação de recursos, direcionando-as aos Estados e Municípios. Na gestão Collor de Mello foi criado o Plano de Ação Imediata para habitação (PAI-H), cujo objetivo era atender famílias com renda de até 5 salários mínimos. Azevedo (2007) apud Palhares (2001), afirma que o plano era financiado totalmente com recursos do FGTS, e funcionava através de três programas ou linhas de financiamento: o programa de moradias populares, que financiava a unidade habitacional, o programa de lotes urbanizados e o programa municipal para habitação popular, que financiava o lote urbanizado e a unidade habitacional e só podia ter como agentes promotores as prefeituras. Até 1994, foram construídas 260 mil casas financiadas pelo PAI-H. Houve, porém, durante o governo de Collor, uma suspensão de novos financiamentos utilizando recursos do FGTS, que durou de 1992 até o final 1994, justificada por irregularidades políticas como contratações com valores acima da disponibilidade do FGTS. De acordo com Filho (2006), essa paralisação resultou em atrasos nos cronogramas, paralisação de obras e, decorrente disso, na degradação de muitos empreendimentos, com a destruição das unidades em construção e a invasão de conjuntos inteiros. Dos empreendimentos finalizados, vários não puderam ser comercializados porque, em razão do alto custo de produção dos empreendimentos, acrescidos das despesas de recuperação e manutenção, o preço de cada unidade excedia demasiadamente o valor de mercado dos imóveis com padrão semelhante. Surgiram então, os chamados “empreendimentos-problema”, desafio assumido por Itamar Franco, ao ocupar a Presidência da República após impedimento de Collor. No governo de Fernando Henrique Cardoso, iniciado em 1995, a questão da habitação voltou a despertar maior interesse, devido a influencia da 20 Conferência HABITAT II, organizada pela ONU. Nesse período houve uma retomada nos financiamentos de habitação e saneamento com base nos recursos do FGTS e foram criados vários programas para lidar com as necessidades habitacionais. É característico da política habitacional dessa gestão o direcionamento ao crédito direto aos cidadãos, o que pode ser visto como uma redução da responsabilidade do poder público perante a oferta de moradias. Entre os programas criados estão o Pró-Moradia e a Carta de Crédito. O Pró- Moradia, atualmente mantido com recursos FGTS e gerido pela CAIXA, tem como objetivo apoiar municípios e órgãos da administração direta no ato de oferecer acesso à moradia adequada à população em situação de vulnerabilidade social e com rendimento familiar mensal preponderante de até três salários mínimos. A Carta de Crédito, por sua vez, é uma linha de financiamento imobiliário que é gerida pela CAIXA, fazendo uso dos recursos do FGTS. Atualmente ela pode ser conjugada ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), na concessão de subsídio para auxílio financeiro na construção de moradias. Através da Carta de Crédito pessoas físicas podem financiar 100% do valor do imóvel (novo, usado ou na planta), com até 25 anos para pagar. A partir da gestão de Fernando Henrique, os programas habitacionais passaram a ter continuidade, ao invés de serem desconsiderados a cada governo. Foi assim com o programa Habitar- Brasil empregado por Itamar Franco, em parceria com o BID. Desse modo, o segundo mandato de FHC prosseguiu com todos os programas que já vinham sendo desenvolvidos e criou dois novos: o Programa de Subsídio à Habitação (PSH) e o Programa de Arrendamento Residencial (PAR). O PSH é um programa do Governo Federal, que tem como objetivo viabilizar o acesso à moradia adequada para os segmentos de menor renda familiar (máximo 03 salários mínimos), por intermédio da concessão de subsídios. O programa utiliza recursos provenientes do Orçamento Geral da União (OGU) e 21 conta, ainda, com o aporte de contrapartida proveniente dos estados, DF e municípios, sob a forma de complementação aos subsídios oferecidos pelo programa. O PAR, por sua vez, foi criado em 1999 para atender a população com renda de até seis salários mínimos. Como explica Filho (2006), este programa apresenta uma forma diferente de acesso moradia, que se dá através de “locação social”, ou leasing. O imóvel que faz parte do patrimônio do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), fonte de recursos do programa, permanece sob “propriedade fiduciária” da CAIXA, que é a gestora do fundo e representa o arrendador ativa e passivamente. O imóvel permanece propriedade do FAR, enquanto o arrendatário paga uma taxa de arrendamento mensal, por um período de 15 anos. No final do prazo contratual, o arrendatário poderá obter o direito de aquisição do imóvel, mediante pagamento ou financiamento do saldo devedor, se houver. Além de apresentar uma forma diferenciada de acesso à moradia e uma diferente estrutura de funcionamento, o PAR dá recomendações quanto à implantação dos conjuntos no espaço urbano, que o diferencia do modelo implementado pelo BNH. No ano 2000, foi criado o Projeto Moradia, com a proposta de assegurar a população o direito a uma moradia digna e resolver de forma definitiva a questão do déficit habitacional. De acordo com Storch (2005), o Projeto Moradia partiu do princípio de que o problema habitacional não se restringe à casa e exige também, em meio urbano, serviços e obras complementares como: água, esgoto, drenagem, coleta de lixo, transporte, trânsito seguro e lazer. Desse modo, a estrutura do projeto é composta por três eixos: a questão fundiária, a do financiamento e a institucional. O Projeto Moradia enfatizou a necessidade da aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001, para facilitar e baratear o acesso à terra, combatendo a especulação com imóveis ociosos. O Estatuto da Cidade estabeleceu as bases para a promoção da política urbana em todo o país, fortalecendo o Plano Diretor como principal instrumento para o desenvolvimento urbano municipal. As 22 diretrizes estabelecidas no Estatuto mudaram a concepção de planejamento urbano, exigindo que os problemas como precariedade urbana e irregularidade fundiária passassem a ser enfrentados nos municípios. Para integrar o Projeto Moradia, foi criado no governo Lula, em 2003, o Ministério das Cidades, que tinha como objetivo coordenar e formular a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, levando em consideração o desenvolvimento regional, a sustentabilidade ambiental e o combate à pobreza e à desigualdade social, racional e de gênero, favorecendo uma atuação integrada sobre o ambiente construído. Para tal, foram criadas secretarias nacionais: habitação, saneamento, mobilidade urbana e programas urbanos. A secretaria da Habitação foi criada para elaborar a política e o Plano Nacional de Habitação, de modo a estabilizar o Sistema Nacional de Habitação, centralizado no planejamento, normas e regulação, porém descentralizado na operação, valorizando iniciativas locais de governos, promotores públicos e privados, associativos e cooperativos. O Ministério das Cidades é, segundo Storch (2005), o mais importante instrumento público no combate ao déficit habitacional desde a extinção do BNH. Storch (2005) explica que em 2003 ele retomou as ações da antiga Secretaria Especial de Desenvolvimento (SEDU), afim de recuperar obras paralisadas (1.600 obras contratadas entre 2001 e 2002), ampliou os recursos do orçamento da União para a Urbanização de Favelas(Programa Habitar-Brasil-HBB), e ainda investiu no Programa de Subsídio Habitacional comentado anteriormente. Como gestor da aplicação e distribuição de recursos do FGTS e do Orçamento Geral da União o Ministério das Cidades iniciou uma parceria com a Caixa Econômica Federal. O Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) também opera políticas urbanas, em especial saneamento e transporte. A CAIXA é a principal operadora da política urbana e das políticas correlatas, tendo-a como parceira o Ministério das Cidades garantiu a contratação de R$ 1,7 bilhão do FGTS em 2003 para a área de saneamento (água, esgoto, drenagem e destinação de resíduos sólidos), número 6 vezes ao que foi contratado nos últimos 4 anos (R$ 273 milhões). 23 A realização da 1ª Conferência Nacional das Cidades em 2003, deu inicio à construção de uma estrutura normativa representativa. Tal conferência contou com a participação de 2.500 delegados eleitos num processo de mobilização social de 3.457 municípios. Como conseqüência da Conferencia Nacional das Cidades foi criado em 2004, o Conselho Nacional de Habitação (ConCidades), órgão que tem por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) . Ainda em 2004, o Conselho aprovou o Plano Nacional de Habitação por meio do qual foi instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). Além do SNHIS, foram criados o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e o Conselho Gestor do FNHIS. Em 2007, o governo brasileiro lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC),objetivando o aumento de investimento em infra-estrutura e urbanização de assentamentos precários. O PAC também busca elevar as taxas de crescimento econômico através do estímulo ao crédito e ao financiamento, da redução da arrecadação de impostos e melhoria do ambiente de investimentos. A crise econômica de 2008, iniciada no setor imobiliário americano, chega ao Brasil gerando incertezas e a paralisação da construção civil. Esse fato, fez com que o governo, com apoio do setor privasse, investisse com vigor no setor habitacional, evitando assim, o aprofundamento do desemprego. Como uma das ações para proteger o país dos efeitos da crise, foi criado o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). O PMCMV tem como finalidade criar mecanismos de incentivo à produção e compra de novas unidades habitacionais pelas famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos. A meta do PMCMV é construir um milhão de casas. Sem prazo para cumprir tal meta, o governo disponibilizou R$ 34 bilhões oriundos de recursos da União e FGTS. 24 5- HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL NA CIDADE DE TIMÓTEO 5.1 – Características gerais do Município e Histórico Habitacional O município de Timóteo está localizado na micro-região do Vale do Aço, importante pólo de concentração industrial do leste do Estado de Minas Gerais. Ele está situado a 210 km de Belo Horizonte, 550 km do sistema portuário de Vitória e 625 km do Rio de Janeiro, tendo como acesso principal a BR 381, um dos mais importantes eixos rodoviários do Brasil, que liga o sul e o sudeste ao nordeste do país. Possui 81.243 habitantes, com 99,8% da população considerada urbana e 26.323 famílias residentes em domicílios particulares. (Censo 2010 IBGE). Figura 3: Localização do Município de Timóteo Fonte: GARCIA, Paula Brasil, SOBREIRA, Frederico Garcia, MOURA, Ana Clara Mourão, Meio Físico e Ocupação Urbana. Trabalho apresentado no 7º Simpósio Brasileiro de Cartografia Geotécnica e Geoambiental: Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental. Maringá/Paraná: 2010. 25 A região do Vale do Aço iniciou-se em meados do século XIX, com os arraiais de São Sebastião do Alegre, que deu origem à cidade de Timóteo e Santo Antônio do Piracicaba, onde se encontra hoje Coronel Fabriciano. A emancipação administrativa de Timóteo ocorreu em 29 de abril de 1964. O município teve a construção da siderúrgica ACESITA, como marco para seu surgimento, formação e rápido crescimento econômico. Trata-se de um município de pequena extensão territorial, 144 km² , sendo que aproximadamente 35% de sua área estão situados dentro do Parque Estadual do Rio Doce, a maior reserva de Mata Atlântica do Estado. Em 2003, foi também criada uma Área de Proteção Ambiental no entorno do Parque (Lei municipal n.º 2.451), abrangendo 44 km² de terras públicas e privadas, inclusive bairros ocupados e áreas destinadas ao uso industrial, funcionando como uma área de transição entre a cidade e o Parque. A maior parte da APA é legalmente considerada Área de Preservação Permanente. Assim, pode-se dizer que metade do município se desenvolveu sob estrito controle de preservação ambiental e que a sua expansão acarretou diversos impactos no meio físico natural. Grande parte do território de Timóteo pertence desde o seu surgimento, à siderúrgica APERAM S.A (EX-ACESITA) empresa especializada em fabricação de aço inoxidável. De acordo com OLIVEIRA (2005), em relação à disponibilidade de seu território para uso e ocupação o município apresenta cerca de 47% de área pertencente ao Parque Estadual do Rio Doce, 37% à siderúrgica APERAM e somente 16% do território é de propriedade da prefeitura ou de particulares. Timóteo apresenta uma topografia caracteristicamente definida pela seqüência de ravinamentos e vales estreitos, que se estendem transversalmente ao vale do rio Piracicaba, principal drenagem do Município. Devido à topografia acidentada a população se instalou inicialmente, ao longo dos vales e nas áreas planas e posteriormente ocupou de forma irregular as encostas e margens de cursos de água. 26 A APERAM foi responsável durante anos pela produção de lotes urbanizados e moradias para os seus empregados. Isso ocorreu devido a falta de infra-estrutura suficiente no município, para comportar o rápido e intenso crescimento populacional decorrente da sua instalação. É somente a partir da década de 80 que o poder público municipal começa a investir na área habitacional, sobretudo em parceria com a própria empresa, buscando alternativas para o atendimento aos empregados das faixas salariais mais baixas, bem como buscando uma forma de amenizar a carência de moradias do contingente populacional não absorvido pela Usina. De ocupação recente, destacam-se o bairro Alphaville, conjunto projetado e financiado pela Companhia, na década de 1990. A privatização da ACESITA, ocorrida em 1992, muitos funcionários foram demitidos, o que gerou um crescimento do desemprego ou subemprego no município. Em abril de 2001, a prefeitura realizou uma pesquisa sócio-econômica que detectou uma altíssima taxa de 26% de desempregados. 27 5.2 – Análise das condições atuais da política habitacional do município Em 1998, cerca de 440 famílias timotenses aderiram ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLMO). Trata-se de um movimento social e político cujo objetivo é a obtenção da casa própria por meio de ocupação de imóveis ociosos em ambientes urbanos. O primeiro terreno invadido por essas famílias está situado no bairro Santa Terezinha e pertence aos Maias, família antiga na cidade e proprietária de muitos terrenos. Mas essa ocupação não perdurou, pois diante da promessa do poder público de prover novas moradias dentro de um prazo de 06 meses, as famílias foram ocupar outro local. Hoje, cerca de 150 pessoas permanecem instaladas próximo ao bairro Limoeiro, em uma área sem infra-estrutura e sujeita a inundações devido à proximidade do Rio Piracicaba. Para abrigar essas famílias foram construídos barracos de lona e tábua, com dimensões aproximadas de 4mx4m. O fornecimento de água na ocupação é feito através de caminhão pipa a cada 02 dias. Para dispor de energia elétrica os moradores adotaram ligações clandestinas, a partir dos postes de iluminação pública. Como não existe coleta de esgoto, todos os detritos são jogados em fossas improvisadas próximo aos banheiros. Ocorreu em 2005 uma enchente no assentamento e dezenas de famílias ficaram desabrigadas. Durante 01 ano essas famílias ocuparam o Ginásio Poliesportivo Iorque José Martins, localizado no centro da cidade. Enquanto isso, para amenizar o problema, estava sendo construído um conjunto habitacional no bairro Alegre, contendo 112 casas. Porém, o empreendimento não apresentava as mínimas condições para ser habitado. O material empregado para a construção das paredes foi a placa de concreto, normalmente utilizada em muros. Além de não ser adequado para o conforto térmico e acústico, o material representava o aspecto paliativo da ação, o que foi fortemente criticado pelos moradores, que manifestaram insatisfação em relação à forma como as casas foram implantadas no terreno, alegando que estas não proporcionavam privacidade e também em relação à proposta de uso comunitário de alguns 28 ambientes: banheiro e lavanderia. O que deveria ser uma solução acabou sendo um grande problema para o município. Grande parte dos moradores desabrigados preferiram voltar ao assentamento e reconstruir as casas a ocupar as habitações construídas pela prefeitura. Por fim, o ministério Público também reprovou e embargou a obra, ordenando que uma solução fosse tomada. Os técnicos da secretaria de planejamento da prefeitura justificam o acontecido afirmando que a urgência da ação de remoção e reassentamento não disponibilizou tempo hábil para definir um plano de trabalho mais consistente. Por seis anos as casas ficaram abandonadas, portas, janelas, telhas, quase todos os bojos de tanque, e até algumas placas de paredes foram saqueadas. O local se tornou propício para o uso e tráfico de drogas, prostituição e depósito de entulhos, trazendo vários transtornos aos vizinhos. De acordo com técnicos da prefeitura, em novembro de 2010, através de uma inspeção no local constatou-se que quase nada podia ser reaproveitado. O conjunto foi demolido recentemente, caracterizando um desperdício do dinheiro público de cerca de R$ 800.000,00. Figura 4: Demolição das habitações do bairro Alegre em Timóteo Fonte: Site da Prefeitura Municipal de Timóteo: http://www.timoteo.mg.gov.br/noticias.aspx?cd=525. Acessado em: 01 de fevereiro de 2011 29 Hoje, as famílias que foram desabrigadas na enchente e outras retiradas de ocupações em áreas de risco, recebem da prefeitura uma contribuição para o pagamento de aluguel, enquanto esperam pela finalização do Conjunto Residencial do Córrego do Caçador, escolhido como estudo de caso para a realização desse trabalho. As obras do Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador, financiadas pelo programa PAC e MCMV, estão em andamento desde 2009. São 68 unidades na primeira etapa do conjunto habitacional e outras 152 na segunda etapa, que ainda não começou. Em paralelo a essas obras, estão em andamento os seguintes programas: Programa de Habitação Solidária (PHS), que visa a reforma e melhorias de 36 casas e o Habitar Brasil, Bela Vista (HBB), cujo o objetivo é a construção de aproximadamente 24 habitações e reconstrução e reforma de cerca de 37casas. Mas, apesar de não haver dados precisos sobre a demanda habitacional do município, estima-se que haja cerca de 3.000 famílias nessa situação, ou seja, há ainda um longo caminho a ser percorrido. Segundo funcionários da Secretaria da Habitação, um dos grandes gargalos da política habitacional de Timóteo está no crescente número de famílias que ocupam assentamentos irregulares e áreas de risco. O problema tem sido agravado nos últimos anos, com as doações irresponsáveis, de cunho eleitoreiro, de lotes próximos a córregos, barrancos, alto de morros, ou seja, em áreas de risco. Porém, a prefeitura não tem investido em fiscalização. Ainda não há, por exemplo, um cadastro atualizado dessas moradias. 30 Figura 5: Habitações em áreas de risco Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Timóteo A verdadeira demanda habitacional do município está sendo identificada através de um diagnóstico que está sendo desenvolvido pelos técnicos da prefeitura e uma empresa de consultoria contratada para a elaboração do PLHIS. O Plano Local de Habitação de Interesse Social (PLHIS) é um instrumento de implementação do Sistema Nacional de Habitação Interesse Social (SNHIS), instituída pela lei federal 11.124/2005. O Plano é uma exigência do Ministério das Cidades que só concede financiamentos para construção de moradias populares às cidades que já o tenha elaborado. O PLHIS é um plano participativo, e deve agregar em sua elaboração, os diversos agentes relacionados ao setor habitacional. As reuniões abertas à comunidade funcionam para que esta possa contribuir com informações sobre cada bairro, como áreas subutilizadas e que são consideradas de potencial para a implantação de conjuntos habitacionais. A empresa de consultoria fica incumbida de investigar junto à prefeitura, quanto à situação dos terrenos sugeridos. Com esse diagnóstico o município terá dados exatos sobre o número de pessoas que possuem casas, que não possuem, que moram em casas alugadas, em cômodos cedidos e quantas famílias/pessoas moram em cada casa. Através do Plano o município terá informações sobre a qualidade das moradias, as carências de serviços de infra-estrutura e regularização fundiária. 31 “É preciso que a população participe e dê sua opinião acerca do Plano de Habitação que apresentará a viabilidade, as perspectivas habitacionais e o estudo de áreas disponíveis para o crescimento habitacional. Em síntese é o direcionamento de onde vão acontecer os programas, onde a cidade deve crescer, tanto na parte habitacional quanto na parte urbanística dando foco ao crescimento habitacional de interesse social da população que tem baixa renda”, Diretor do Departamento de Habitação de Timóteo. Durante as reuniões do PLHIS, os técnicos da prefeitura e da empresa de consultoria, destacaram que o atual problema habitacional de Timóteo não diz respeito à recursos, mas à terra. Como os recursos federais para habitação aumentaram substancialmente nos últimos anos, o problema estaria em encontrar terras dentro do município, que seja apropriada para a construção das habitações. A legislação urbanística brasileira possui vários instrumentos que ajudam o município a dispor de terra bem localizada para habitação de interesse social. Entre estes instrumentos, estão as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que são definidas na lei do MCMV como: “Parcela de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou definida por lei municipal, destinada predominantemente à moradia de população de baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo.” Existem dois tipos de ZEIS: as ZEIS Ocupadas, para locais onde já há assentamento de população de baixa renda que precisa ser urbanizado e regularizado, e as ZEIS de Vazios, que servem para viabilizar terra bem localizada e com infra-estrutura para produção de habitação de interesse social. No caso de Timóteo, as ZEIS de Vazios são muito úteis para resolver o problema da falta de terrenos adequados, uma vez que ela facilita a negociação entre a prefeitura e os proprietários. 32 É importante que as ZEIS sejam demarcadas em áreas mais consolidadas, equipadas e providas de infra-estrutura, pois dessa forma, evita-se que a população com menor renda, seja expulsa para os piores locais da cidade e também que no futuro, grandes gastos com recursos públicos tenham que ser destinados à provisão de vias e equipamentos públicos para essas áreas. O Plano Diretor de Timóteo, elaborado em 2004, incorpora as ZEIS em seu zoneamento, porém estas estão muito mal demarcadas no mapa e seus perímetros não estão descritos (ver mapa em anexo). Além disso, as ZEIS não estão regulamentadas, não há, por exemplo, definições de lote mínimo e/ou máximo, gabaritos, densidades máximas ou outros parâmetros urbanísticos. Também não consta no plano diretor uma definição da população para qual se destina a HIS, seja pela tipologia do empreendimento, renda da população que irá habitar ou valor máximo do imóvel. Por esse motivo, faz-se necessário uma lei específica no município para regulamentar as ZEIS. Segundo funcionários da prefeitura, uma minuta de lei já está sendo desenvolvida, porém, não foi possível ter acesso a ela. Considera-se de extrema importância que esta e o diagnóstico do PLHIS estejam de alguma forma vinculados. Assim, os técnicos da secretaria da habitação, a empresa de consultoria e a comunidade podem intervir no levantamento que está sendo feito dos vazios urbanos aptos a receber HIS e, mais do que isso, garantir que a lei seja aprovada. A região escolhida para a realização do estudo de caso está localizada na VI- ZEIS CÓRREGO CAÇADOR/ COQUEIRO. 33 6 – ESTUDO DE CASO 6.1- A escolha do Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador Conforme comentado anteriormente, o que estimulou a realização dessa pesquisa foi a insatisfação em relação à qualidade das habitações produzidas por iniciativa governamental no Brasil e mais especificamente na cidade de Timóteo. Essa insatisfação aconteceu a partir de pesquisas e impressões pessoais coletadas durante a experiência como aluna do curso de arquitetura e urbanismo de uma instituição da região. Nessa ocasião, teve conhecimento das ocupações irregulares existentes na cidade e realizou visitas à habitações construídas pela prefeitura. Durante essas visitas, deparou-se com uma situação bastante incômoda: As habitações são mal iluminadas e ventiladas, não há muro frontal, o que prejudica tanto a privacidade quanto a segurança dos moradores, as dimensões dos espaços internos são incompatíveis com as atividades para as quais foram destinados, a quantidade de cômodos não é suficiente para abrigar satisfatoriamente toda a família e não houve uma orientação especializada diante da necessidade de expansão da habitação após a ocupação. Porém, a escolha do conjunto definido “Estudo de Caso” não aconteceu de forma imediata e inquestionável. A idéia inicial era avaliar o conforto ambiental nas habitações de interesse social de Timóteo, através de um estudo de pós- ocupação. Para tal, buscou-se estudar a produção habitacional da cidade e definir o objeto de estudo. Durante esse processo, uma visita ao Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador revelou uma nova situação-problema. O que se percebe, é que a solução arquitetônica adotada para as habitações que ainda estão em fase de construção apresenta basicamente os mesmos problemas supracitados, evidenciando a prevalência do mesmo processo de criação, sem uma revisão crítica das experiências já consolidadas. 34 Figura 6: Habitação no Bairro Bela Vista: Dificuldade de Layout devido à dimensão dos cômodos. Fonte: Mapeamento realizado pela autora A condição aparentemente anestesiada da Política Municipal de Habitação influenciou a decisão da pesquisadora, que optou por investigar os problemas que comprometem a qualidade das habitações, a partir do que está sendo construído, analisando não somente o conforto ambiental e as demais características arquitetônicas, mas principalmente, o exercício de criação e (re) produção das mesmas em contraposição aos imperativos econômicos e políticos que o orienta. Elegeu-se, no entanto, o Conjunto Habitacional do Córrego do Caçador para o desenvolvimento do estudo de caso, considerando-o o objeto ideal para fornecimento de rico material para essa pesquisa. Localizado numa região conhecida como “Corrego do Caçador”, no bairro João XXIII, o conjunto habitacional está sendo construído através dos programas PAC e MCMV, com o objetivo de atender famílias com renda mensal de até três 35 salários mínimos. As habitações serão construídas em duas etapas: 68 unidades na primeira etapa, já em andamento e 152 na segunda, cujo início das obras ainda não foi previsto. A metodologia utilizada na pesquisa de campo consistiu em entrevistas informais com os futuros moradores, técnicos da Secretaria Municipal da Habitação e da Secretaria de Planejamento, visitas técnica às habitações do Córrego do Caçador e à conjuntos habitacionais semelhantes. 36 6.2- Apresentação e análise dos resultados obtidos no Estudo de Caso 6.2.1- Investigação do processo de produção das habitações As pesquisas realizadas em campo se apoiaram, sobretudo, numa interpretação das consequências positivas e negativas do processo que deu origem às habitações do Córrego do Caçador. Procurou-se estabelecer os agentes responsáveis e obter conhecimento das implicações sociais, políticas e econômicas da gestão adotada. A primeira atividade do trabalho de estudo de caso referiu-se à investigação e análise de todo o processo de criação e produção das habitações, a partir de dados coletados em documentos disponibilizados pela prefeitura e entrevistas com os responsáveis pelo projeto arquitetônico, técnicos da secretária da habitação e do planejamento. O Conjunto Residencial do Córrego do Caçador está sendo produzido sobre a forma de Gestão Pública. Nesse tipo de gestão, o poder público gerencia todo o processo de produção do programa habitacional, incluindo compra de área, elaboração dos projetos, execução das obras e serviços e o acompanhamento pós-ocupação, sendo repassado ao beneficiário o produto final. Seguindo uma ordem cronológica, a produção de habitações de interesse social nesse tipo de gestão, inicia-se a partir de um estudo preliminar, onde é realizado um levantamento da demanda por moradias no município, valendo-se de um cadastro que registra dados quantitativos, referentes ao número de pessoas na família, sexo, idade, nível de instrução, renda familiar e renda domiciliar, ocupação principal e secundária dos membros maiores de idade, entre outras informações. Mas nem sempre as informações contidas no cadastro são utilizadas pelos arquitetos na concepção do projeto. Segundo alguns técnicos da secretaria municipal de planejamento, no caso do Córrego do Caçador, a dificuldade em compatibilizar as características dos futuros usuários e o programa de necessidades ocorreu devido à alguns fatores como: 37 - A composição familiar, assim como a composição de renda, se dá de uma forma muito dinâmica, por isso considerá-las nessa etapa seria inútil, uma vez que pode durar de 02 (dois) a 03 (três) anos o período entre a entrega do anteprojeto para a aprovação prévia e a liberação da verba. Desse modo, a definição das famílias beneficiadas é posterior à aprovação da CAIXA, e por extensão, ao projeto de arquitetura; - Para obtenção da verba através do programa MCMV, o projeto de arquitetura deve seguir as especificações técnicas e os valores (teto de investimento por unidade), estabelecidos pela CAIXA, ou seja, os usos e espaços já são preestabelecidos. Soma-se a esses fatores, a ausência de uma composição multidisciplinar da equipe responsável pela etapa de criação das habitações. Verificou-se que na concepção do conjunto em questão, só houve a participação dos arquitetos e engenheiros da prefeitura e da empresa contratada, todavia, considera-se de extrema importância a interação destes, com profissionais como psicólogos e assistentes sociais, para o desenvolvimento de uma pesquisa mais aprofundada sobre as necessidades, valores, cultura e modos de vida dos moradores. Apesar das dificuldades levantadas pelos técnicos da prefeitura, a autora acredita ser indispensável o desenvolvimento de uma pesquisa que busque o entendimento do que é elementar no modo de vida dessas famílias e que haja ao menos uma tentativa de aplicá-la durante o desenvolvimento do projeto. No que se refere ao partido urbanístico-arquitetônico a ser adotado, os parâmetros reguladores, dadas as restrições mencionadas, praticamente anulam a possibilidade de novas configurações, muitas vezes reduzindo o trabalho do arquiteto a mero exercício de implantação de tipologias, avaliação da configuração volumétrica e da relação entre construção e ocupação do solo. 38 Figura 7: Quadro de Especificações dos Empreendimentos do Programa Minha Casa, Minha Vida. Fonte: Caixa Econômica Federal. Programa Minha Casa Minha Vida. Disponível em: www1.casa.gov.br/gov/gov_social/municipal/programa_habitação/pmcmv/saiba_mais.asp. Acessado em: 06 de junho de 2011 O que determinou a escolha da ZEIS Córrego do Caçador para a inserção do conjunto foi a topografia predominantemente plana do terreno, a facilidade de construção de infra-estrutura e a sua proximidade dos equipamentos públicos e serviços essenciais. De acordo com um dos arquitetos que elaboraram o projeto, a escolha demonstra uma preocupação com a segregação espacial do conjunto, embora sua produção ainda. tenha ocorrido de forma pontual, por uma questão de custo benefício. Alguns dos técnicos responsáveis pelo projeto alegaram que o fato da planta utilizada no conjunto em questão ser idêntica à de outras habitações construídas pelo poder público, não significa que não houve um trabalho de avaliação de erros e acertos e uma revisão dos parâmetros adotados em cada uma das experiências já consolidadas no município. Afirmam ainda, que esse trabalho foi determinante no estudo da implantação das unidades no terreno do Córrego do Caçador e na elaboração de um projeto que prevê possibilidades de ampliação das habitações por parte dos beneficiários. Durante o desenvolvimento do projeto, optou-se pela repetição de casas térreas geminadas, ordenadas linearmente, de modo a diminuir a ocupação do 39 solo e permitir a construção de um número maior de unidades no terreno. Essa solução também garante economia na produção de todo o conjunto, que inclui serviços de urbanização, como abertura de ruas, drenagem, pavimentação, áreas verdes e de lazer. Alega-se que a solução de implantação adotada derivou de uma análise da pós ocupação das habitações produzidas pela prefeitura, no Bairro Bela Vista. Figura 8: Implantação das habitações no Córrego do Caçador Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Timóteo 40 Figura 9: Perspectiva para apresentação do projeto Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Timóteo O programa de necessidades bem como o dimensionamento dos espaços das duas habitações são quase idênticos. Ambas possuem uma área de aproximadamente 36m², são compostas por dois quartos, sala, cozinha, banheiro e tanque na área externa, porém se diferem na relação com o terreno e as demais casas do conjunto. As casas do Bela Vista foram implantadas em lotes que variam de 150,00m² a 192,90m², obedecendo afastamentos laterais de 2,00m e 1,50m e frontal de 1,50m². Segundo técnicos da secretaria do planejamento essa solução não foi adotada para as habitações do Córrego do Caçador devido às seguintes considerações: - Observou-se que em grande parte das unidades do Bela Vista foram realizadas ampliações que ocuparam os recuos laterais comprometendo o conforto e a privacidade dos moradores. Portanto, optou-se durante o desenvolvimento do projeto das habitações do Córrego do Caçador, pelo modelo geminado, solução econômica e que impede a repetição do problema supracitado. Há de se considerar que devido a uma preocupação em relação ao 41 conforto acústico, as paredes comuns entre as habitações foram previstas com 30cm de espessura. No que tange às interferências dos moradores, constatou-se a partir das ampliações indevidamente efetuadas no bairro Bela Vista a necessidade de considerar a pós-ocupação durante o desenvolvimento do projeto arquitetônico. No projeto concebido para o Córrego do Caçador foi prevista uma expansão vertical cujas possibilidades de arranjos espaciais estão sendo desenvolvidas pelos técnicos da secretária de habitação e serão entregues aos futuros usuários. O usuário poderá escolher entre as opções de plantas à que melhor se adéqüe ao seu modo de vida. Figura 10: Planta das habitações do Bela Vista Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Timóteo 42 Figura 11: Planta das habitações do Córrego do Caçador Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Timóteo A comparação entre os dois conjuntos trouxe, certamente, elementos que foram importantes para identificar aspectos que se apresentam ora como problemáticos, ora como indicadores de um posicionamento de caráter positivo por parte dos arquitetos frente à questão da qualidade das habitações de interesse social. O inicio de uma mudança de postura pode ser observada a partir do momento em que é considerada a necessidade de ampliação das habitações, para que estas sejam adequadas às diferentes composições familiares da demanda em questão e mesmo com as limitações dos arranjos espaciais 43 preestabelecidos, permita uma tentativa de individualização e proporcione uma sensação de autonomia ao usuário. Não obstante a nobreza das intenções da equipe, a pesquisadora considera que analisada por outro ângulo essa solução representa um problema para grande parte dos moradores que devido às restrições econômicas, não poderão efetuar as ampliações apresentadas, pelo menos por determinado período. Desse modo, mantêm o problema: as famílias maiores são impossibilitadas de exercer com conforto as atividades básicas da vida cotidiana. Além disso, a estratégia adotada pelo poder público é considerada nesse contexto como uma forma de manter o controle do que será produzido. Não havendo espaço no térreo, não ocorrerão ampliações de aspecto provisório, que em sua maioria, partem da reutilização de materiais encontrados no cotidiano dos moradores ou adquiridos por menor preço em depósitos de sucatas, como chapas metálicas, pedaços de telhas, pedaços de madeira, restos de acrílicos, etc. A pesquisadora considera essas alterações importantes, não só por traduzir a necessidade de adequação do espaço físico para a melhor acomodação dos moradores, mas também , por representar a singularidade da vida de cada família. Outro problema foi identificado a partir da comparação entre os dois conjuntos e diz respeito à inexistência de muros frontais. A ausência da delimitação dos lotes em relação à calçada dificulta a determinação dos limites da transição entre o território privado e o público. A necessidade dessa demarcação surge a partir de conceitos como personalização e defesa. No conjunto habitacional do Bela Vista esse problema foi solucionado por meio de materiais convencionais como tijolos, blocos, tábuas de madeira, arame farpado, ou materiais alternativos como os descritos anteriormente. Em algumas situações, a fragilidade das cercas não representa barreira ao físico, mas evidenciam a necessidade de resgatar a privacidade, uma vez que duas janelas estão posicionadas na fachada frontal e quem passa pela via de pedestres tem visão do interior das habitações. Observou-se a prevalência quase absoluta de muros 44 construídos em alvenaria, o que representa a preocupação com a segurança fragilizada a partir da violência existente na região. Esse tipo de muro, portanto, tornou-se eficiente para resolver tanto a questão da segurança, quanto da privacidade. Figura 12: Construção do muro frontal Fonte: Mapeamento realizado pela autora Figura 13: Construção do muro frontal Fonte: Mapeamento realizado pela autora 45 Figura 14: Ampliações realizadas no Conjunto Habitacional Bela Vista Fonte: Mapeamento realizado pela autora Dando prosseguimento à seqüência cronológica do processo de produção das habitações do Córrego do Caçador, tem-se após a aprovação do anteprojeto pelo Ministério das Cidades, um prazo estabelecido pela CAIXA para a apresentação do projeto executivo. Após sua aprovação, a prefeitura fica autorizada a abrir uma licitação para contratação da construtora. Cabe à ela o papel de acompanhar e fiscalizar a obra, garantindo que essa seja realizada conforme o previsto no desenho arquitetônico. Na obra em questão, além dos técnicos da prefeitura, alguns dos futuros moradores, foram designados à essa função. Porém, durante uma visita à obra, constatou-se que as paredes comuns entre as habitações não haviam sido executadas conforme os técnicos da prefeitura informaram que estaria previsto no projeto. Ao invés de paredes duplas foram executadas paredes simples, o que representa um grande problema, visto que tal característica afeta substancialmente a qualidade acústica das residências, reduzindo a privacidade dos moradores. Verificou-se ainda, durante 46 as entrevistas realizadas com os futuros moradores, que a questão da privacidade é um dos principais motivos de insatisfação e incerteza entre os mesmos. As diretrizes estabelecidas no projeto arquitetônico, o não cumprimento destas durante a obra, enfim, todo o processo de produção das habitações, resultou em uma situação de conflito entre os beneficiários e a prefeitura. Essa situação será descrita, analisada e discutida a seguir a partir dos resultados obtidos durante entrevistas realizadas com os futuros moradores. Figura 15: Habitações do Córrego do Caçador: Espessura da parede comum entre as residencias Fonte: Mapeamento realizado pela autora 47 Figura 16: Habitações do Córrego do Caçador: Proximidade entre os blocos Fonte: Mapeamento realizado pela autora 48 6.2.2- Entrevistas com os futuros moradores A segunda etapa do estudo de caso constituiu-se de entrevistas com 10 famílias, ou seja, 15% do total das beneficiadas e teve como objetivo a coleta de informações a partir da visão destas sobre o processo de produção das habitações. Com base nos dados provenientes da primeira etapa, organizou-se os resultados obtidos nessas conversas, segundo a ordem cronológica dos acontecimentos. Como dito anteriormente, o processo de produção inicia-se com o estudo preliminar, uma etapa indispensável para a qualidade das habitações, uma vez que é a partir dele que se tem conhecimento da realidade cotidiana dos moradores e por extensão às suas reais necessidades. Verificou-se, porém, que a maioria dos problemas apresentados pelos futuros moradores do Córrego do Caçador deve-se à ausência de levantamento de dados importantes durante essa etapa e conseqüentemente a não aplicação destes durante o processo de concepção do projeto. A inexistência de área externa privativa suficiente para a realização de atividades comuns aos moradores, tais como o cultivo de hortaliças e a criação de animais domésticos foi considerada um dos principais fatores de descontentamento e representa claramente essa questão. A criação de animais domésticos foi vetada pela lei do regimento interno elaborado pela secretaria municipal de habitação, embora todas as famílias entrevistadas possuíssem algum tipo de animal e contestassem contra o fato de não poder levá-los à nova moradia. Nas famílias onde havia crianças o desprazer era ainda maior e quase sempre se traduzia em uma promessa de desobediência às leis. Segundo os técnicos da secretária da habitação, os moradores apresentaram resistência em relação ao modelo geminado desde a apresentação da proposta, alegando que a proximidade seria uma ameaça à intimidade das famílias. Após o inicio das obras, a espessura das paredes construídas agravou o 49 problema. Alguns beneficiários chegaram a intimidar aos demais e aos técnicos, profetizando desastres conseqüentes da falta de privacidade. “Já tem marginal dizendo por aí que vai ter morte se o vizinho intrometer na vida dele. Disse que, por exemplo, quando uma criança for corrigida e apanhar o vizinho vai intrometer e aí vai ter briga na certa. Já pedi para a assistente social me colocar longe dessa gente...” Futura moradora do Córrego do Caçador Através das manifestações pode-se observar que o conceito de privacidade formado pelos moradores se traduz nas residências uni familiares implantadas em lotes, ou seja, nas configurações convencionais das habitações existentes na cidade. Porém, essa solução vem se tornando cada vez mais distante em função do alto custo do terreno e do seu aproveitamento no nível coletivo do conjunto. A necessidade de privacidade se conecta a preocupação com a segurança nas reivindicações a favor da construção de muros frontais. A partir dos comentários feitos pelos moradores, percebeu-se que há uma tendência de repetição do que foi identificado no bairro Bela Vista. Não havendo uma ação da prefeitura para resolver o problema, certamente ocorrerá uma tomada de posição dos moradores que resultará em soluções, nem sempre eficientes. As dimensões dos espaços internos, assim como a quantidade de cômodos das habitações também consiste em fator de descontentamento para muitos beneficiários. Durante as entrevistas, a pesquisadora pôde observar o funcionamento no interior das habitações que ocupam atualmente e constatou que em sua maioria há, por exemplo, sobreposição de funções nos espaços. Isso ocorre principalmente no espaço da sala, que devido ao descompasso entre o número de quartos e o número de moradores passa a ser usada também como lugar para dormir. 50 Verificou-se que a maioria dos futuros moradores concorda em executar a ampliação da habitação a partir dos parâmetros estabelecidos pela prefeitura. A única oposição é referente ao espaço da cozinha. Afirmam que o projeto arquitetônico que está sendo desenvolvido para atender à necessidade de expansão não considera este espaço. Segundo os moradores, ele é insuficiente e deve se estender a partir da construção de uma varanda na área externa da casa, junto ao local destinado à área de serviço. No que se refere à participação dos beneficiários durante o processo de concepção das habitações, acredita-se que essa se deu de modo insuficiente e ineficaz. Segundo os moradores, reuniões participativas estão sendo realizadas desde a conclusão do anteprojeto. A primeira reunião aconteceu a partir da necessidade de oferecer aos futuros moradores conhecimento da tipologia adotada, propiciando que estes sejam capazes de entender os espaços que estão sendo propostos antes da construção. O propósito da reunião seria honroso se a participação dos beneficiários não fosse destinada apenas à legitimação de propostas impostas pelos arquitetos, ou seja, se ao contrário, as questões e sugestões levantadas por eles significassem uma contribuição para o processo. No trabalho social, a secretaria de habitação busca facilitar a adaptabilidade ao novo contexto e, particularmente, às novas moradias, através de conversas com as famílias e da elaboração das leis de um regimento interno para o condomínio². Para tal, faz-se necessário uma aproximação mais intimista com os futuros moradores. Não obstante a importância desse trabalho, foi possível concluir, a partir da confirmação dos beneficiários, que há um clima tenso nas reuniões que estão sendo realizadas atualmente. O motivo é colocado pela pesquisadora como evidente: Espera-se que o usuário que não pôde contribuir durante o processo de produção do espaço, se adéqüe àquilo que novamente, for previamente definidas. 51 CONCLUSÃO A análise do processo de criação e produção das habitações de baixa renda evidenciou, ao longo da pesquisa, os agentes responsáveis e as conseqüências sociais, políticas e econômicas dos parâmetros adotados na gestão pública municipal. Para tal, fez-se necessário um cruzamento das informações colhidas em documentos da prefeitura, visitas técnicas e entrevistas com os profissionais envolvidos e futuros moradores. Verificou-se que a maioria dos problemas identificados na pesquisa de campo deve-se à ausência de um levantamento completo sobre as reais necessidades dos futuros moradores e à não aplicação dos dados contidos neste, durante a concepção do projeto arquitetônico. Salienta-se ao contrário do que é defendido pelos agentes responsáveis, que a limitação imposta pelo programa financiador, não justifica essa deficiência. A participação de profissionais como psicólogos e assistentes sociais nesse processo, poderia contribuir para identificar o que há de elementar entre as famílias beneficiadas. Acredita-se, que com a contribuição desses profissionais, torna-se possível a elaboração de um projeto que aborde todos os modos de apropriação, garantindo simultaneamente o atendimento das demandas humanas do habitante a as necessidades econômicas das indústrias. Embora os agentes da prefeitura e da empresa contratada para a elaboração do projeto das habitações defendam a existência de um trabalho de avaliação dos erros e acertos das experiências consolidadas, a recorrência dos problemas identificados comprova que essa ação não se deu de modo satisfatório. Esse fato é visível na proposta de implantação das habitações, que ao visar apenas o aproveitamento do solo e economia na produção, acabou por privar os moradores de exercer atividades importantes para o dia a dia, tais como, o plantio de hortaliças e a criação de animais domésticos. Confirmou-se durante o estudo de caso a assertiva do atendimento quantitativo, sobrejacente ao qualitativo. 52 No que se refere aos espaços da habitação, tem-se a convicção de que o equacionamento de parte dos problemas perpassa, pelo aspecto da expansibilidade. Embora se reconheça que a realidade econômica brasileira não viabiliza o atendimento de todas as necessidades presentes e futuras das diversidades de composições familiares e seus modos de vida, têm-se a convicção de que uma estratégia de projeto que busque a possibilidade de expansão da habitação e flexibilidade de utilização dos cômodos entregues é capaz de propiciar maior qualidade de vida aos moradores. No projeto arquitetônico adotado para o Córrego do Caçador, percebe-se uma preocupação dos técnicos com a expansão das habitações, porém ao invés de uma possibilidade, verifica-se a imposição de uma única forma de expansão, a vertical. Outro fator negativo diz respeito à participação do morador durante todo o processo de produção. Observou-se, que apesar de haver reuniões participativas, as opiniões e sugestões destes não são consideradas durante a concepção do projeto, o objetivo é apenas a apresentação e legitimação de um produto finalizado. Essa situação também foi percebida no trabalho social, que tem o objetivo de garantir a adaptabilidade dos futuros usuários ao novo contexto. Nessa etapa os beneficiários continuam à margem das definições, enquanto espera-se que se adéqüem às leis de um regimento interno de Condomínio. Muitas hipóteses podem ser lançadas na tentativa de justificação da prevalência da quantidade em detrimento da qualidade das habitações, a defendida neste trabalho evidencia que a principal arbitrariedade do conjunto em questão encontra-se em sua gestão, pois esta foi executada sem a devida preocupação com o usuário, sem a sua efetiva participação, o que levou a atual deflagração de um projeto dissimulado e mal gerenciado. Desconsidera-se a autonomia do usuário sobre a produção do espaço de sua habitação, colocando-o sempre diante de escolhas limitadas dentro de um rol pré-concebido de opções determinadas por outrem. 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BONDUKI, Nabil Georges. 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